matos, r. l. estar lá estar aqui geertz

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Estar lá A antropologia e o cenário da escrita No texto intitulado “estar aqui”, Clifford Geertz fala sobre a etnografia enquanto um estilo de escrita fazendo um exame desta enquanto tal. Neste sentido, alguns pontos são colocados: as objeções existentes frente a este exame; quais as peculiaridades da escrita etnográfica; a semelhança entre este estilo e o estilo de escrita literário; a diferença entre “autor” e “escritor” exemplificando esta diferenciação com alguns autores clássicos da antropologia. Segundo Geertz, apesar de a etnografia ser considerada como uma espécie de escrita, seu exame enquanto tal tem sido impedido por uma série de objeções. Alguns acham que esta é uma atividade antiantropológica: que os antropólogos devem apenas coletar, trazer e disponibilizar informações de maneira objetiva. Outros que os textos antropológicos não são dignos de uma análise mais acurada e, ainda mais, que destrinchar o fazer etnográfico poderia ser causa de um “relativismo corrosivo”. Contrário à ideia de que uma etnografia é aceita devido à extensão de sua descrição e/ou pela força dos seus argumentos teóricos, Clifford Geertz afirma que a credibilidade de uma etnografia é conquistada na medida em que o autor convence o leitor de que ele esteve lá, de que penetrou e foi penetrado por um estilo de vida e é ai que entra a questão da escrita. Devido à natureza situacional da descrição etnográfica, torna-se impossível verificar sua validade empírica, daí então surge uma questão: porque acreditamos em certas descrições e ignoramos outras? Segundo Geertz, isso se deve ao fato de que certos escritores têm uma maior capacidade de criar uma impressão, em sua escrita, de que estiveram lá. Nesse sentido, atentar para a escrita e demostrar como um autor consegue criar essa impressão é um modo de nos imbuirmos de critérios para criticar o fazer etnográfico. Este fazer, de acordo com Geertz, gera uma mal gera um mal-estar que reside no conflito que o etnógrafo se encontra: como produzir um texto científico diante de uma experiência biográfica? A partir desse dilema alguns etnógrafos conseguem transparecer e imprimir sua assinatura na medida em que se utiliza- de recursos da escrita que fazem com que o leitor seja persuadido de que ele esteve onde esteve, de que foi aceito dentro os sujeitos pesquisados, de que sentiu o que sentiu, etc é o que Geertz de dilema da assinatura. Outro aspecto que Geertz chama atenção é o problema do discurso para isto ele evoca Foucalt. Aqui há a problematização da ressonância do produto etnográfico,

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Resumo sobre os textos de Clifford Geertz, intitulados "Estar lá" e "Estar aqui".

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Page 1: MATOS, R. L. Estar Lá Estar Aqui Geertz

Estar lá – A antropologia e o cenário da escrita

No texto intitulado “estar aqui”, Clifford Geertz fala sobre a etnografia enquanto

um estilo de escrita fazendo um exame desta enquanto tal. Neste sentido, alguns pontos

são colocados: as objeções existentes frente a este exame; quais as peculiaridades da

escrita etnográfica; a semelhança entre este estilo e o estilo de escrita literário; a

diferença entre “autor” e “escritor” – exemplificando esta diferenciação com alguns

autores clássicos da antropologia.

Segundo Geertz, apesar de a etnografia ser considerada como uma espécie de

escrita, seu exame enquanto tal tem sido impedido por uma série de objeções. Alguns

acham que esta é uma atividade antiantropológica: que os antropólogos devem apenas

coletar, trazer e disponibilizar informações de maneira objetiva. Outros que os textos

antropológicos não são dignos de uma análise mais acurada e, ainda mais, que

destrinchar o fazer etnográfico poderia ser causa de um “relativismo corrosivo”.

Contrário à ideia de que uma etnografia é aceita devido à extensão de sua

descrição e/ou pela força dos seus argumentos teóricos, Clifford Geertz afirma que a

credibilidade de uma etnografia é conquistada na medida em que o autor convence o

leitor de que ele “esteve lá”, de que penetrou e foi penetrado por um estilo de vida – e é

ai que entra a questão da escrita.

Devido à natureza situacional da descrição etnográfica, torna-se impossível

verificar sua validade empírica, daí então surge uma questão: porque acreditamos em

certas descrições e ignoramos outras? Segundo Geertz, isso se deve ao fato de que

certos escritores têm uma maior capacidade de criar uma impressão, em sua escrita, de

que estiveram lá. Nesse sentido, atentar para a escrita e demostrar como um autor

consegue criar essa impressão é um modo de nos imbuirmos de critérios para criticar o

fazer etnográfico.

Este fazer, de acordo com Geertz, gera uma mal gera um mal-estar que reside no

conflito que o etnógrafo se encontra: como produzir um texto científico diante de uma

experiência biográfica? A partir desse dilema alguns etnógrafos conseguem transparecer

e imprimir sua assinatura na medida em que se utiliza- de recursos da escrita que fazem

com que o leitor seja persuadido de que ele esteve onde esteve, de que foi aceito dentro

os sujeitos pesquisados, de que sentiu o que sentiu, etc – é o que Geertz de dilema da

assinatura.

Outro aspecto que Geertz chama atenção é o problema do discurso – para isto

ele evoca Foucalt. Aqui há a problematização da ressonância do produto etnográfico,

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quando se pode perceber a distinção entre escritores e autores. Para ele, o autor produz

teoria, funda uma discursividade, faz uma obra. Já o escritor produz um livro que se

guia por um discurso já instituído por certos autores. Isso não quer dizer que

necessariamente um autor seja melhor do que um escritor, já que segundo Geertz um

escritor pode, apoiando-se em um modelo de determinado autor, ultrapassar em muito o

que seu “mestre” fez.

Por fim, fazendo todas essas distinções e discutindo a etnografia enquanto um

gênero de escrita, Geertz quer mostrar que “estar lá” em termos autorais é tão

complicado quanto “estar lá” em pessoa.

Estar aqui – de quem é a vida afinal

Com a expressão “estar aqui” Geertz quer problematizar outro momento da

escrita etnográfica, que é sua apresentação ao mundo acadêmico. Segundo ele, o “estar

lá” em termos autorais é importante enquanto cartão postal, mas o estar aqui é que é

decisivo. É esse momento, de um “estudioso entre estudiosos”, que fará com que o texto

seja lido, publicado, criticado, ensinado...

Neste sentido, há uma interação com o “outro” onde eles estão e uma tentativa

de representá-los nos espaços acadêmicos que vai fazer ou não com que o trabalho seja

aceito. A partir do “estar aqui” é que o trabalho vai encontrar o seu lugar e seu

significado, podendo até ser descontruído.

Para complicar esse cenário, Geertz mostra que nos hoje em dia, com a mudança

das pessoas sob as quais os antropólogos escrevem, esta tarefa tornou-se ainda mais

complicada. Isso porque, nos dias atuais os pesquisados estão inseridos numa dinâmica

global, que acabou por reduzir os espaços entre as diferenças. Sendo assim, hoje em dia

não apenas os acadêmicos devem ser convencidos de que o antropólogo “esteve lá”,

mas também os próprios povos devem ser convencidos, na medida em que eles passam

a ter acesso ao produto de nosso conhecimento.

Com esse movimento de mudança no cenário das pesquisa antropológicas,

geertz quer demonstrar que houve uma mudança nos fundamentos morais da etnografia,

que passa a ser bem mais questionada e confrontada no mundo acadêmico. Sendo assim,

os problemas do conhecimento antropológicos estão sendo discutidos e questionados de

maneira mais aberta, o que faz com que não haja mais grandes obras de fôlego como as

de Lévi-Strauss, Evans-Pritchard e Malinowski.

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Sendo assim, diante de tantos questionamentos, ainda é o dever do etnógrafo ,

segundo Geertz, convencer os leitores de que o que ele está dizendo é um relato

autêntico, escrito por alguém que se familiarizou de certo modo com outros costumes. O

que o Geertz que dizer é que, com essas mudanças na base moral do fazer etnográfico,

deve haver uma mudança nas próprias etnografias. Os clássicos foram fruto das

particularidades histórias do seu tempo, no qual as diferenças eram mais separadas. Nos

dias atuais os espaços entre essas diferenças diminuíram. Isso quer dizer que os povos

comumente etnografados estão participando de uma dinâmica global que influencia o

fazer etnográfico.