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MATO GROSSO NOS LIVROS ESCOLARES DE HISTÓRIA NO CONTEXTO

REPUBLICANO (1930-1990). Aparecido Borges da Silva. UNESP/Marília.

[email protected]. Profa. Dra. Maria do Rosário Longo Mortatti. UNESP/Marília.

[email protected].

Linha de pesquisa: Filosofia e História da Educação no Brasil

Resumo: O objetivo desta pesquisa é investigar o processo de consolidação das identidades

sociais em Mato Grosso entre as décadas de 1930 e 1990. A delimitação histórica se justifica

por se tratar de um período de intensa produção historiográfica em âmbito estadual, tendo

como lugar de enunciação fundamentalmente o Instituto Histórico Geográfico de Mato

Grosso e inserida no contexto dos movimentos migratórios resultantes dos programas de

colonização dirigida do governo federal, que movimentaram milhares de migrantes para terras

mato-grossenses, a saber: a Marcha para o Oeste, a partir da década de 1930, e o Programa de

Integração Nacional, nas décadas de 1970 e 1980. Neste contexto, a antiga elite local, na

tarefa de redefinição das representações construídas nos livros escolares de história regional,

obrigou-se a reinventar suas tradições, tomando como matriz a cultura popular do estado de

Mato Grosso. Para o desenvolvimento desta pesquisa, tendo como objeto de estudo os livros

escolares de História de Mato Grosso, será utilizado o conceito de configuração textual

(MORTATTI, 2000), que consistirá em enfocar todos os aspectos constitutivos de sentido

destes textos. Além dos livros escolares, serão utilizados a legislação educacional, os

relatórios dos governadores do estado, os programas e relatórios da Instrução Pública e,

também, as revistas e jornais da época, para melhor compreender o momento político do

ensino destes conteúdos nas escolas do estado.

Palavras-chave: Ensino de História; Livros Escolares; História da Educação.

Introdução

Este projeto de pesquisa de Doutorado parte das indagações e reflexões que venho

fazendo, desde meu ingresso na carreira docente no estado de Mato Grosso. Graduado em

História e professor desde 2004 na Educação Básica e participando da seleção de livros

escolares pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o uso em sala de aula, me

instigava saber sobre a finalidade destes materiais didáticos, bem como sua utilização para

socialização de ideias nacionalistas. Para o Ensino Médio, diante da necessidade de preparar

os estudantes para o vestibular e outras formas de seleção para o ingresso na Universidade, as

leituras sobre os livros escolares de História de Mato Grosso permitiu compreendê-los não

somente como manuais escolares, mas também como um “instrumento privilegiado de

construção de identidade” (CHOPPIN, 2004, p. 553). Tal perspectiva com relação ao livro

escolar deu-se após perceber que o próprio governo do estado de Mato Grosso, através de leis

que regulamentavam o trabalho pedagógico escolar, buscou viabilizar a construção de uma

identidade regional em sala de aula. Este, com relação aos concursos de provimento de cargos

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públicos ou de seleção de vagas para Universidade, criou a Lei Estadual n. 4.667, de 5 de abril

de 1984, que, em seu artigo 1º, dispõe:

Fica estabelecida a obrigatoriedade de que 1/3 (um terço) das questões de

Conhecimentos Gerais e/ou Estudos Sociais nos concursos organizados por

órgãos governamentais e de economia mista, deve versar sobre Geografia e História Política e Econômica de Mato Grosso. (MATO GROSSO, 1984, p.

01).

E, com relação à prática pedagógica escolar, promulgou a Lei Estadual n. 5.573, de 6

de fevereiro de 1990, que estabelece:

Art. 1º Passa a ser obrigatório o ensino da História, da Geografia e da Literatura de Mato Grosso nas Escolas Públicas ou Particulares, de 1º e 2º

Graus, que funcionem no Estado; Art. 2º Nos cursos de 1º Grau o ensino se

restringirá a noções de História e Geografia de Mato Grosso, como complemento das noções gerais de História e Geografia do Brasil; Art. 3º

No 2º Grau a História, a Geografia e a Literatura de Mato Grosso

constituirão objeto de uma cadeira autônoma, com programas específicos;

Art. 4º Compete à Secretaria de Educação e Cultura baixar as normas e programas básicos para a inclusão dessas disciplinas nos currículos

escolares, nos termos desta lei. (MATO GROSSO, 1990, p. 25, grifos do

original).

Com a legislação houve a intenção de transportar para os currículos escolares e,

certamente, para os livros escolares, os fatos mais importantes da história, geografia e

literatura do estado de Mato Grosso. No entanto, no que tange à história, a legislação não

aborda que “histórias” seriam registradas em tal literatura, mas considera-se que, certamente,

seria pouco crítica e de exaltação dos vultos e personagens considerados heroicos, imitação do

modelo historiográfico escolar mato-grossense produzido desde o século XIX.

Com relação à pesquisa de mestrado, desenvolvida junto ao Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, campus de

Cuiabá, sob orientação do Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá, e vinculada ao GEM - Grupo de

Pesquisa “História da Educação e Memória”, resultou na dissertação intitulada Mato Grosso

nos Livros Didáticos de História (1889-1930): imaginários e representações, concluída em 2013. Esta

teve como objetivo investigar as representações sobre o estado de Mato Grosso, em especial

nas edições da disciplina escolar História, presentes nos livros escolares produzidos durante a

Primeira República Brasileira (1889-1930).

Dando continuidade às reflexões do mestrado, neste projeto de pesquisa de

doutorado, pretendo permear a problemática da constituição de identidades regionais, assunto

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com escassos estudos até o momento. Para isso, a proposta de pesquisa considera o perfil dos

autores dos livros escolares mato-grossenses, que em um primeiro momento estavam ligados

ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT) e, depois, à Universidade

Federal de Mato Grosso (UFMT), ambos em Cuiabá. As representações por eles construídas

estão no cruzamento da produção historiográfica acadêmica e escolar, que transforma os

livros escolares de História de Mato Grosso em instrumentos privilegiados de disputas

políticas e de constituição de identidades, especialmente em sala de aula.

Em 1919, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT)

assinalou o grande momento de reconstituição do passado mato-grossense, junto com vários

outros investimentos rituais e simbólicos, produzidos especialmente para as comemorações do

bicentenário da fundação de Cuiabá (1919). Estes rituais seriam transportados para os

monumentos, símbolos e festividades cívicas do estado, de modo a consolidar uma tradição1 a

ser ensinada nas instituições escolares e disseminada nos demais segmentos sociais,

determinando as estruturas do imaginário coletivo mato-grossense. Para tal empreitada, a

escrita da História de Mato Grosso contou com a pena de ilustres intelectuais locais, a saber:

Estevão de Mendonça, José Barnabé de Mesquita e Virgílio Corrêa Filho, considerados

arautos da história local, que acabaram por estabelecer os contornos da identidade mato-

grossense (ZORZATO, 2000).

Depois deste momento de intensa produção historiográfica (1919-1954), o IHGMT

passou por um período de relativa estagnação, voltando à plena atividade a partir de 1976,

concomitante ao processo de colonização dirigida na Amazônia, promovida pelo Programa de

Integração Nacional (PIN)2, que introduziu em Mato Grosso grandes levas de migrantes

vindos das mais diferentes partes do país. Somou-se a isso a separação do sul do território

estadual, em 1977, formando uma nova unidade da federação, o Mato Grosso do Sul, que

culminou na retomada das discussões em torno das questões identitárias regionais (GALETTI,

2012).

Neste contexto, alguns intelectuais mato-grossenses ligados ao IHGMT

empreenderam esforços na produção de livros de História que reforçassem as representações

positivas sobre Mato Grosso, seu território e população, que pudessem ser apropriadas em

1 Conforme Hobsbawn (1984), quando uma determinada memória obtida do passado é institucionalizada e

tomada como oficial, acaba por tornar-se história. Daí em diante, passa a ser cultuada com intuito de preservar

uma pretensa memória coletiva, assumindo, assim, a forma de uma “tradição inventada”. 2 Criado pelo Decreto-Lei nº 1.106, de 16 de junho de 1970, o Programa de Integração Nacional, constituído sob

os lemas “integrar para não entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”, implantou grandes

projetos de colonização na região amazônica, porém seus resultados objetivos foram a concentração de terras nas

mãos de grandes grupos econômicos e conflitos sociais pela posse de terra, sobretudo às margens das rodovias

federais. (MORENO, 1999).

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sala de aula e que viabilizasse a construção de uma identidade regional entre as novas

gerações de mato-grossenses.

Com o objetivo de contribuir com a produção sobre a história da literatura didática

no Brasil, venho desenvolvendo pesquisa, mediante abordagem histórica, centrada em

pesquisa documental e bibliográfica, desenvolvida por meio da utilização dos procedimentos

de localização, recuperação, reunião, seleção e ordenação de textos, sobre os principais títulos

de livros escolares de História de Mato Grosso (autores, editoras e o momento de produção)

produzidos ao logo de um século (1906-2008).

Essas referências de textos estão contidas no instrumento de pesquisa intitulado

Livros Didáticos de História de Mato Grosso (1906-2008): Autores, Produção e Circulação

(SILVA, 2015). Até o momento, foi possível localizar, recuperar e reunir 32 títulos de livros

escolares de História de Mato Grosso, considerando as diferentes edições de um mesmo título.

Nas referências de textos que reuni, pude identificar um total de 13 autores de livros

escolares de História de Mato Grosso. São eles: Estevão de Mendonça, Amélia de Arruda

Alves, Rubens de Mendonça, Octayde Jorge da Silva, Lenine de Campos Póvoas, Elizabeth

Madureira Siqueira, Lourença Alves da Costa, Cathia Maria Coelho Carvalho, Else Dias de

Araújo Cavalcante, Maurim Rodrigues Costa, Marcos Amaral Mendes, Laura Antunes Maciel

e Pedro Carlos Nogueira Félix.

Entre as décadas de 1990 e 2000, é possível identificar oitos títulos de livros

escolares de História de Mato Grosso (totalizando 17 edições de diferentes títulos), sendo dois

deles produzidos em coautoria. São livros escritos por professores e/ou ex-alunos do

Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso, predominando mulheres

como autoras, que somam 75% (setenta e cinco por cento) da produção. São livros escolares

que inseriram em suas linhas documentos dos mais variados (manuscritos, depoimentos orais,

fotografias, pinturas, entre outros) e a produção acadêmica sobre a História de Mato Grosso, a

saber: dissertações de mestrado e teses de doutorado.

O que se busca aqui, em nível de doutorado, é entender o processo de consolidação

dos livros escolares de História de Mato Grosso como instrumentos privilegiados de disputas

políticas e de constituição de identidades. Para além da instrumentalização pedagógica, os

livros escolares apresentam-se como “produtos de grupos sociais que procuram, por

intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus valores, suas tradições, suas culturas”.

(CHOPPIN apud BITTENCOURT, 2004, p. 69). No entanto, os interesses dos grupos sociais

que forjaram as representações presente nos livros escolares de História de Mato Grosso, bem

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como as intencionalidades dos discursos por eles construídos, entre as décadas de 1930 e

1990, apresentam-se como territórios a serem melhores explorados.

Discussão conceitual

Os livros escolares são objetos culturais múltiplos em significados, instrumentos

privilegiados de disputas políticas e de constituição de identidades. Neles estão impressas

diferentes personagens e modelos de interpretações em jogo: “o jogo das identidades”

(RIBEIRO, 2004, p. 11). Assentado na realidade material, os livros escolares participam do

universo cultural sobressaindo-se da mesma forma que “a bandeira ou a moeda, na esfera do

simbólico”. (CHOPPIN, 2002, p. 14). E sendo, por vezes, usado para veicular,

[...] de maneira mais ou menos sutil, mais ou menos implícita, um sistema de

valores morais, religiosos, políticos, uma ideologia que conduz ao grupo

social de que ele é a emanação: participa, assim, estreitamente do processo de socialização, de aculturação (até mesmo de doutrinamento) da juventude.

(CHOPPIN, 2002, p. 14).

Os aportes teórico-metodológicos que serão utilizados durante o desenvolvimento

desta pesquisa são: as noções de representação e apropriação, propostas por Roger Chartier

(1990, 2002), e o conceito de imaginário, desenvolvido por Bronislaw Baczko (1985), a partir

dos quais será possível dialogar com o corpus documental (livros escolares, programas

curriculares, legislação educacional, periódicos de relevância para pesquisa entre outros).

Representação, para Chartier (1990, p. 20), apresenta-se como um discurso que

permite “ver uma coisa ausente” ou, também, manifesta-se como a “exibição de uma presença

[...] de algo ou de alguém”; processo de articulações simbólicas através do qual se estabelece

uma acepção do real, uma significação da realidade. Para este pesquisador, as representações

produzem esquemas intelectuais que criam imagens mentais “graças às quais o presente pode

adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”. (CHARTIER, 1990, p.

17).

A noção de representação apresenta-se como uma categoria fundamental da História

Cultural. Para Pesavento (2005, p. 39),

As representações construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com que os homens percebam a realidade e

pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas

sociais, dotadas de força integradora e coerciva, bem como explicativa do

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real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações

que constroem sobre a realidade.

Pedra angular da História Cultural, as representações manifestam padrões, normas,

instituições, imagens, cerimônias; construção que abriga ordenamento, identificação,

legitimação e exclusão. Embora pareça construir uma apreciação universal do real, as

representações “[...] são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí,

para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem

os utiliza”. (CHARTIER, 1990, p. 17).

Ainda segundo Chartier (1990), “[...] a realidade é contraditoriamente construída

pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade” através das suas distintas apropriações

dos símbolos ou das suas práticas culturais comuns. São as práticas comuns que fazem “[...]

reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de estar no mundo, a

significar simbolicamente um estatuto e uma posição”. Porém, como não há uma prática

cultural universal e, sendo as apropriações do simbólico diferenciadas, as disputas pelo

domínio da representação tornam-se institucionalizadas e objetivadas, produzindo uma

verdadeira “luta de representações”, marcando de “modo visível e perpetuado a existência do

grupo, da comunidade ou da classe”. (CHARTIER, 2002, p. 73).

Por luta de representações entende-se que são disputas que centram a atenção sobre

as “estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada

classe, grupo ou meio, um ‘ser-percebido’ constitutivo de sua identidade”. (CHARTIER,

2002, p. 73). Nesse contexto, concebe-se que as representações construídas estão “[...] sempre

colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em

termos de poder e de dominação”. (CHARTIER, 1990, p. 17).

Sobre a noção de apropriação, Chartier (1990) define como sendo o “consumo”

cultural ou intelectual das representações produzidas. Assim, a cultura estaria na articulação

entre a produção (representação) e o consumo (apropriação) dos bens simbólicos, gerando

usos e significações diferenciadas (práticas). As apropriações seriam social, institucional e

culturalmente determinadas, produzindo maneiras diferenciadas de interpretação da realidade.

Nessa medida, as apropriações suscitariam práticas que “nunca são idênticas as que o

produtor, o autor ou o artista, investiram na sua obra”. (CHARTIER, 1990, p. 59).

A apropriação, segundo Chartier (1990), aponta para uma “liberdade criadora” que

possibilita uma negação, mesmo que regulada, dos sentidos impostos pelo polo produtor,

visando a uma “história social das interpretações, remetidas para as suas determinações

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fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem”. (CHARTIER, 1990, p.

26).

O conceito de imaginário será também instrumento fundamental para o

desenvolvimento da análise sobre as imagens construídas sobre Mato Grosso nos livros

escolares de História. Neste caso, o referencial teórico aproximou-se das proposições lançadas

pelos estudos de Bronislaw Baczko (1985) que, ao pensar o imaginário, sugere que este

constitui referência no sistema simbólico pelo qual uma dada sociedade se percebe, divide e

elabora seus próprios objetivos. Para Baczko (1985, p. 309), é

[...] através dos seus imaginários sociais, [que] uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação de si; estabelece a

distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e impõe crenças

comuns; constrói uma espécie de código de “bom comportamento”, designadamente através da instalação de modelos formadores.

Uma definição mais sintética, mas não menos objetiva, considerara o imaginário

como “[...] um sistema de ideias e imagens de representações coletivas que os homens, em

todas as épocas, construíram para si, dando sentido ao mundo”. (PESAVENTO, 2005, p. 43).

O imaginário, segundo Baczko (1985), é parte constitutiva e de legitimação de

poder, principalmente do poder político, que sempre se cercou de representações coletivas –

isso explica por que, para a manutenção do poder político, “o domínio do imaginário e do

simbólico é um importante lugar estratégico” (BACZKO, 1985, p. 297). Desse modo, em

qualquer conflito social, o imaginário sempre terá papel determinante, pois, por meio dele os

agentes sociais produzem as representações de si próprios e dos outros (seus inimigos, que

poderão ser de classe, religião, raça, nacionalidade etc.), que definirão suas práticas coletivas.

Segundo Baczko (1985), o imaginário social tornou-se lugar e objeto dos conflitos

sociais, porque é “[...] uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva e,

em especial, do exercício da autoridade e do poder” (BACZKO, 1985, p. 310). O controle do

imaginário pelos grupos sociais dominantes tem a função de preservar, por meio de um

sistema simbólico, o lugar privilegiado que estes atribuem a si próprios. Com isso, tais grupos

produzem seu sistema de representações, traduzindo e legitimando sua ordenação, manejando

os símbolos e definindo sua direção e orientação política.

Portanto, na constituição das representações do outro por meio do imaginário,

elabora-se uma imagem desvalorizada do adversário, invalidando sua legitimidade política.

Mas, nas representações de si próprio exalta-se a memória, história, origens e tradições

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perante os poderes instituídos. Desse modo, o campo do imaginário constitui-se em um

espaço de luta pelo controle do poder.

A discussão conceitual acima apresentada reflete a relevância da proposta de

pesquisa, pois evidencia a contribuição que pretende trazer no preenchimento de lacunas

historiográficas e da complementação das trilhas abertas por recentes estudos sobre os livros

escolares, especialmente de História de Mato Grosso. Outro aspecto que justifica a realização

desse projeto é a importância que as identidades regionais constituídas, ao longo do século

XX, nos livros escolares tiveram no imaginário coletivo mato-grossense. Pois, as elites locais,

temendo perder seu status político para os migrantes, considerados forasteiros, buscaram

reforçar os laços culturais que os uniam dentro de um passado comum e, deste modo,

desenvolveram uma noção de identidade regional baseada na imagem de uma “tradição

inventada” que concebia a cidade de Cuiabá como o polo irradiador da verdadeira cultura

mato-grossense ao restante do Estado.

Objetivos

O objetivo geral é analisar o processo de consolidação das identidades sociais em

Mato Grosso, a partir das representações construídas, sob a tutela das antigas elites locais, nos

livros escolares de história regional, entre as décadas de 1930 e 1990, período em que o lugar

legítimo de enunciação da História de Mato Grosso era o IHGMT.

Como objetivos específicos estabeleci:

Comparar as representações sobre Mato Grosso, seu território e população,

apresentadas na literatura histórica escolar regional nos diferentes períodos da história

republicana brasileira

Apresentar os livros de História de Mato Grosso mais bem sucedidos na tarefa de

apropriação de um imaginário social em sala de aula.

Relacionar os discursos presentes nos livros escolares sobre a História de Mato Grosso

com a posição político-social de quem os proferia.

Compreender o processo recente de apropriação da cultura popular cuiabana e sua

inserção na literatura histórica escolar regional.

Metodologia

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Com base nos conceitos apresentados e de acordo com a abordagem histórica

proposta neste projeto, será desenvolvida pesquisa documental e bibliográfica, mediante

procedimentos de: localização, recuperação reunião, seleção, ordenação, leitura e análise das

fontes documentais a partir do método da análise da configuração textual.

Para Mortatti (2000), o método da análise da configuração textual consiste em

compreender o conjunto dos aspectos que constituem o sentido de um texto, a saber:

[...] às opções temático-conteudísticas (o quê?) e estruturais-formais

(como?), projetadas por um determinado sujeito (quem?), que se apresenta como autor de um discurso produzido de determinado ponto de vista e lugar

social (de onde?) e momento histórico (quando?), movido por certas

necessidades (por quê?) e propósitos (para quê), visando a determinado

efeito em determinado tipo de leitor (para quem?) e logrando determinado tipo de circulação, utilização e repercussão. (MORTATTI, 2000, p. 31).

Os programas de ensino de História de Mato Grosso e manuais para esse ensino

serão considerados fontes privilegiadas para os desenvolvimento da pesquisa. Como

auxiliares na análise, serão utilizados a legislação educacional, os relatórios dos governadores

do estado, os programas e relatórios da Instrução Pública e, também, as revistas e jornais da

época, para melhor compreender o momento político do ensino destes conteúdos nas escolas

do estado.

De acordo com a delimitação histórica proposta neste projeto, prevê-se a seleção e

análise das fontes documentais – programas de ensino de História de Mato Grosso e manuais

para esse ensino – referentes ao período entre 1930 e 1990.

Essas fontes documentais selecionadas serão analisadas em sua configuração textual,

que incidirá sobre os aspectos constitutivos de seu sentido, a saber: os temas e conteúdos e a

forma e estrutura em que se apresentam; a atuação profissional dos autores e instituições

responsáveis e o lugar social em que se inserem; as necessidades e os objetivos a que atendem

e o público a quem se destinavam; a relação entre as concepções neles defendidas e o

contexto histórico educacional de sua produção.

Cronograma

Durante os 48 meses da pesquisa de doutorado (março de 2015 a março de 2019),

serão desenvolvidas as seguintes atividades:

Março/2015 a Julho/2016 - cumprimento de créditos em disciplinas de Programa de

Pós-Graduação;

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Março/2015 a Julho/2015 - elaboração da versão final do projeto de pesquisa;

Março/2015 a Julho/2016 - leitura da bibliografia especializada;

Março/2015 a Dezembro/2016 - desenvolvimento da pesquisa documental e

bibliográfica;

Janeiro/2017 a Dezembro/2017 - complementação de pesquisa documental e

bibliográfica;

Janeiro/2017 a Dezembro/2017 - leitura das fontes documentais;

Janeiro/2018 a Agosto/2018 - a análise da configuração textual das fontes

documentais selecionadas;

Julho/2015 a Dezembro/2018 - elaboração de artigos e textos para apresentação em

eventos científicos parciais e finais;

Janeiro/2018 a Agosto/2018 - redação do texto para exame geral de qualificação;

Setembro/2018 - Exame Geral de Qualificação;

Outubro/2018 a Janeiro/2019 - redação da versão final da tese de doutorado; e,

Março/2019 - defesa pública da tese.

Referências

BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (dir.). Antropos-

Homem. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985, p. 296-

332.

BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In: BITTENCOURT, Circe

(Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004, p. 69-90.

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incerteza e inquietudes. Porto Alegre:

EdUFRGS, 2002.

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1990.

CHOPPIN, Alain. O Historiador e o livro escolar. Revista História da Educação, Pelotas, v.

6, n. 11, p. 5-24, 2002.

_____. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e

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GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Sertão, fronteira, Brasil: Imagens de Mato Grosso no

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HOBSBAWM, Eric. Introdução. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção

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MATO GROSSO. Lei n.º 4.667, de 05 de abril de 1984. Diário Oficial, a. 93, n. 19.036, 6

abr. 1984.

_____. Lei n.º 5.573, de 06 de fevereiro de 1990. Diário Oficial, a. 99, n. 20.412, 17 abr.

1990.

MORENO, Gislaene. O processo histórico de acesso à Terra em Mato grosso. Geosul,

Florianópolis, v. 14, p. 13-35, 1999.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da Alfabetização: São Paulo 1876/1994,

São Paulo: Ed. UNESP, 2000.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica,

2005.

RIBEIRO, Renilson Rosa. Colônia(s) de identidades: discursos sobre a raça nos manuais

escolares de História do Brasil. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de

Campinas, Campinas, 2004.

SILVA, Aparecido Borges da. Livros Didáticos de História de Mato Grosso (1906-2008):

Autores, Produção e Circulação: Um instrumento de pesquisa. Marília, 2015. (Digitado).

_____. Mato Grosso nos Livros Didáticos de História (1889-1930): imaginários e

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ZORZATO, Osvaldo. Alicerces da identidade mato-grossense. Revista do Instituto

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