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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA MATHEUS HENRIQUE SEABRA ROSA Produção artesanal de uma cerveja tipo Pilsen e análise da etapa de fermentação visando à identificação de possíveis melhorias no processo Lorena - SP 2014

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA

MATHEUS HENRIQUE SEABRA ROSA

Produção artesanal de uma cerveja tipo Pilsen e análise da etapa de fermentação

visando à identificação de possíveis melhorias no processo

Lorena - SP

2014

MATHEUS HENRIQUE SEABRA ROSA

Produção artesanal de uma cerveja tipo Pilsen e análise da etapa de fermentação

visando à identificação de possíveis melhorias no processo.

Trabalho de Graduação apresentado à Escola de

Engenharia de Lorena da Universidade de São

Paulo para obtenção do título de Engenheiro

Químico.

Área de concentração: Biotecnologia

Orientador: Prof. Dr. João Batista de Almeida e

Silva

Lorena - SP

2014

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

Chefia Técnica de Serviço de Biblioteca

Escola de Engenharia de Lorena

R

Rosa, Matheus Henrique Seabra.

Produção artesanal de uma cerveja tipo Pilsen e análise da etapa de

fermentação visando à identificação de possíveis melhorias no processo /

Matheus Henrique Seabra Rosa; Orientador Professor Dr. João Batista de

Almeida e Silva. Lorena - 2014.

Trabalho de Graduação apresentado à Escola de Engenharia de

Lorena da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Engenheiro

Químico.

Aos meus pais e familiares,

por todos ensinamentos essenciais em minha vida.

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Doutor João Batista de Almeida e Silva,

por todo apoio prestado à realização deste trabalho.

Ao Joaquim, Adilson, Cassio e André da Cervejaria do Gordo Dance

bar, por abrirem as portas da cervejaria para que eu pudesse aprender

mais a fundo o processo cervejeiro, que foi de fundamental importância

para o desenvolvimento deste trabalho.

Aos meus pais, Cleonice e José Roberto, por todo o empenho prestado

visando minha educação e desenvolvimento, sempre me ensinando e

me aconselhando para que eu pudesse tomar as decisões corretas em

minha vida.

À minha namorada, Mariana Maurey, e aos meus familiares, por

sempre estarem ao meu lado me dando força e me auxiliando em tudo

que necessito, além do grande apoio prestado na realização deste

trabalho.

Aos meus colegas de faculdade, que sempre me auxiliaram na hora

dos estudos e foram de extrema importância na minha formação como

pessoa.

Aos meus amigos de infância, muito importantes em minha vida na

hora do lazer e nos momentos ruins, sempre me dando todo o apoio

possível.

RESUMO

ROSA, M. H. S. Produção artesanal de uma cerveja tipo Pilsen e análise da

etapa de fermentação visando à identificação de possíveis melhorias no

processo. 2014. f 41. Monografia (Trabalho de Graduação em Engenharia

Química) – Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena,

2014.

A cerveja faz parte do hábito do ser humano há milhares de anos. Com o decorrer

do tempo, o estudo sobre o processo de fabricação da cerveja vem se

intensificando e gerando uma melhoria considerável em sua qualidade. Através

desses estudos notou-se que a etapa que tem um grande impacto no sabor e

aroma da cerveja é a fermentação, onde são formados compostos que definem as

características do produto final. Portanto, uma cerveja de boa qualidade está

altamente associada a um bom controle sobre o processo fermentativo. Este

trabalho tem como objetivo a produção artesanal de uma cerveja tipo Pilsen e a

análise da etapa de fermentação do processo, visando identificar e propor

possíveis melhorias no procedimento utilizado que permitam uma fermentação

mais homogênea e equilibrada para que se possa fabricar uma cerveja de melhor

qualidade.

Palavras-chave: Cerveja. Produção artesanal de cerveja. Etapa de fermentação.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Estruturas Químicas dos ácidos presentes no lúpulo .........................................14

Figura 2 - Isomerização da humulona ...............................................................................................14

Figura 3 - Preparação dos principais tipos de cerveja ..............................................................17

Figura 4 - Variação da temperatura em função do tempo no processo de

mosturação .....................................................................................................................................................19

Figura 5 - Levedura vista em microscópio eletrônico. As cicatrizes resultantes do

brotamento são claramente vistas ......................................................................................................21

Figura 6 - Consumo de substrato pela levedura em função do tempo .............................23

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Composição do grão de cevada e do malte de cevada ....................................12

Tabela 2 - Composição química do lúpulo e os respectivos percentuais de cada

componente ....................................................................................................................................................13

Tabela 3 - Percentual de álcool por volume (ABV) pela densidade Original e

densidade Final ............................................................................................................................................32

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Concentração de açúcar versus tempo de fermentação das cervejas

A, B e C ............................................................................................................................................................36

Gráfico 2 - Concentração de açúcar corrigido versus tempo de fermentação das

cervejas A, B e C .........................................................................................................................................37

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................6

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...................................................................................8

2.1. Histórico da cerveja ........................................................................................8

2.2. Matérias primas ..............................................................................................9

2.2.1. Água .....................................................................................................10

2.2.2. Malte de cevada ...................................................................................11

2.2.3. Lúpulo ..................................................................................................12

2.2.4. Adjuntos ...............................................................................................15

2.3. Contaminantes ..............................................................................................15

2.3.1. Bactérias ..............................................................................................15

2.3.2. Leveduras Selvagens ...........................................................................16

2.4. Processo produtivo ........................................................................................16

2.4.1. Moagem do malte .................................................................................17

2.4.2. Mosturação ...........................................................................................18

2.4.3. Filtração do mosto ................................................................................19

2.4.4. Fervura do mosto .................................................................................20

2.4.5. Tratamento do mosto ...........................................................................20

2.4.6. Fermentação ........................................................................................20

2.4.6.1. Leveduras ..................................................................................21

2.4.6.2. Processo fermentativo ...............................................................22

2.4.7. Maturação ............................................................................................24

2.4.8. Clarificação ou filtração ........................................................................24

3. MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................26

3.1. Equipamentos ................................................................................................26

3.2. Matérias primas cervejeiras ...........................................................................26

3.2.1. Água ....................................................................................................27

3.2.2. Malte .....................................................................................................27

3.2.3. Lúpulo ...................................................................................................27

3.3. Levedura ........................................................................................................27

3.4. Processo ........................................................................................................27

3.4.1. Mosturação ...........................................................................................28

3.4.2. Filtração e clarificação do mosto ..........................................................28

3.4.3. Fervura do mosto .................................................................................29

3.4.4. Tratamento do mosto ...........................................................................29

3.4.5. Pré-inóculo ...........................................................................................29

3.4.6. Inóculo ..................................................................................................30

3.4.7. Fermentação ........................................................................................30

3.4.8. Envase .................................................................................................30

3.4.9. Maturação e carbonatação ..................................................................31

3.5. Métodos analíticos .........................................................................................31

3.5.1. Medições de densidade .......................................................................31

3.5.2. Cálculo do grau alcoólico alcançado ...................................................31

3.5.3. Análise das amostras coletadas ..........................................................32

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES ..........................................................................33

4.1. Controles de concentração do mosto ............................................................33

4.2. Cálculo para diluição do mosto .....................................................................34

4.3. Densidade inicial de fermentação .................................................................35

4.4. Análise das amostras ....................................................................................36

4.5. Grau alcoólico final ........................................................................................38

5. CONCLUSÃO .......................................................................................................39

6. REFERÊNCIAS .....................................................................................................40

6

1. INTRODUÇÃO

Segundo o Decreto Nº 6.871, de 4 de junho de 2009, cerveja é a bebida

obtida pela fermentação alcoólica do mosto cervejeiro oriundo do malte de cevada e

água potável, por ação da levedura, com adição de lúpulo. Em alguns tipos de

cerveja o malte de cevada é parcialmente substituído por adjuntos. Estes adjuntos

são, na verdade, outros cereais consumíveis pelo ser humano como arroz, milho e

trigo, entre outros, malteados ou não malteados.

A origem das primeiras bebidas alcoólicas é incerta, porém estima-se que a

produção de cerveja tenha se iniciado por volta de 8.000 a.C. No Brasil, o hábito de

tomar cerveja foi trazido por D. João VI, no início do século XIX, durante a

permanência da família real portuguesa em território brasileiro (AQUARONE, 2001).

A partir daí, a cerveja foi se difundindo cada vez mais e se fixando nos costumes da

população brasileira e mundial. Atualmente essa bebida está entre as mais

consumidas ao redor do mundo, muito em virtude da questão cultural, mas também

pela existência de estudos que revelam benefícios à saúde quando consumida

moderadamente e também pela vasta gama de variedades oferecidas aos

consumidores nos dias de hoje, que atendem a quase todos os gostos.

A denominação Pilsener ou Pilsen é oriunda da cidade de Pilsen na Boêmia,

República Tcheca. Esse estilo de cerveja nasceu em 1842 nesta região e apresenta

como características um extrato primitivo que varia de 11 a 13,5% e uma coloração

dourada clara e brilhante. Nos dias atuais é o estilo mais consumido ao redor do

mundo.

O processo tradicional de produção de cerveja pode ser dividido em oito

operações essenciais: moagem do malte; mosturação ou tratamento enzimático do

mosto; filtração do mosto; fervura do mosto; tratamento do mosto (remoção do

precipitado, resfriamento e aeração); fermentação; maturação e clarificação

(ALMEIDA E SILVA, 2005). Entre estas operações, a etapa de fermentação é

considerada o ponto central da produção de uma cerveja, assim como para

produção de outros tipos de bebidas alcoólicas. É nesta etapa onde as principais

propriedades da cerveja são alcançadas.

7

A etapa de fermentação de uma cerveja tem como principal objetivo a

conversão de açúcares em etanol e gás carbônico pela levedura sob condições

anaeróbicas. Porém, neste processo também são gerados numerosos subprodutos

que interferem na qualidade do produto final, gerando aromas e sabores indesejados

e influenciando nas características finais da cerveja. Além disso, esta etapa da

produção é influenciada por fatores como concentração e composição do mosto,

temperatura e duração do processo fermentativo, qualidade das leveduras,

contaminantes, entre outros. Estes fatores tornam a fermentação uma etapa crítica

na produção de cerveja.

Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo produzir artesanalmente

uma cerveja do tipo Pilsen e analisar a etapa de fermentação visando identificar

pontos do processo que poderiam ser aperfeiçoados, propondo, desta forma,

possíveis melhorias no procedimento utilizado.

8

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. Histórico da cerveja

O consumo e a produção de bebidas alcoólicas é uma prática muito antiga

realizada pelo homem. No caso da cerveja, atualmente uma das mais populares

bebidas, sua produção vem ocorrendo há milhares de anos. Há registros sobre a

utilização da cerveja entre os povos que viviam na região da Mesopotâmia. Porém,

certamente a cerveja consumida naquela época era muito diferente da que

conhecemos hoje. Provavelmente a cerveja era feita de cevada, tâmaras, uvas ou

mel. Há evidências de que a cerveja feita de cevada maltada já era fabricada na

Babilônia no ano 6.000 antes de Cristo (ALMEIDA E SILVA, 2005).

Desde então, o processo de produção da cerveja vem se desenvolvendo. Na

Idade Média, século XIII, os cervejeiros germânicos foram os primeiros a empregar

lúpulo na cerveja, conferindo-lhe as características básicas da bebida atual

(AQUARONE, 2001). Nesta época, ainda utilizavam-se de toda espécie de

ingredientes envolvendo diferentes cereais na elaboração da cerveja. Por esse

motivo, o Duque Guilherme IV da Bavária / Alemanha, no ano de 1516, aprovou o

que atualmente é conhecido como a lei mais antiga do mundo sobre a manipulação

de alimentos, a lei alemã Reinheitsgebot, indicando que a cerveja deveria ser

produzida somente com cevada, lúpulo e água (TSCHOPE, 2001).

Até o século XV, apenas conhecia-se a cerveja de alta fermentação, chamada

de Alt na Alemanha e de ale na Inglaterra (CASSÁ, 2003). Nessa época, monges de

Munique, acidentalmente, descobriram o tipo de cerveja que hoje conhecemos por

Lager ao deixarem a cerveja fermentando em lugares de baixas temperaturas,

conduzindo a um novo tipo de levedura e originando uma cerveja mais suave,

cristalina e de menor teor alcoólico. Atualmente as cervejas Lager correspondem a

mais de 90% da produção mundial (EL MUNDO, 2005).

No Brasil, o hábito de tomar cerveja foi trazido por D. João VI, no início do

século XIX, durante a permanência da família real portuguesa em território brasileiro.

Nessa época, a cerveja era importada de países europeus (ALMEIDA E SILVA,

2005).

9

Como os cervejeiros antigos não tinham um bom controle do processo de

fabricação da cerveja, suas características não eram tão homogêneas. As mudanças

que deram qualidade nos processos de fabricação de cerveja só aconteceram a

partir das descobertas dos cientistas Louis Pasteur e Emil Christian Hansen

(BRIGGS, 2004).

Emil Christian Hansen, a partir de suas descobertas, desenvolveu na

Dinamarca a cultura pura de leveduras. Em 1883, ele isolou uma célula de fermento

e percebeu que haviam outras cepas de levedura com características distintas. A

partir desse ponto foi desenvolvida a “cultura pura” de levedura que permitiu um

maior controle sobre a qualidade da cerveja.

Outro trabalho muito importante para o desenvolvimento da produção

cervejeira foi realizado por Carl Von Linde que, através da compressão, desenvolveu

a Teoria da Geração de Frio Artificial com uma máquina frigorífica a base de amônia.

A partir disso a produção de cerveja pôde ser realizada em qualquer época do ano,

sendo possível controlar os processos de fermentação de forma científica exata pelo

entendimento da atividade dos microorganismos e reconhecimento de que diversas

leveduras, por exemplo, atuam diferentemente e de que as condições do meio

afetam de maneira básica a ação de uma mesma cepa (TSCHOPE, 2001).

A cerveja, então, faz parte da nossa cultura há milhares de anos, porém

somente nos últimos 150 anos a ciência cervejeira tem sido estudada a fundo e

entendida, usufruindo de um amplo campo de pesquisa envolvendo a engenharia, a

bioquímica e a microbiologia.

2.2. Matérias primas

A produção cervejeira tem como matérias primas, essencialmente, a água de

boa qualidade, o malte de cevada e o lúpulo, além de adjuntos que são utilizados em

alguns processos. Na Alemanha os adjuntos são proibidos por lei desde a

publicação da antiga lei da pureza da cerveja (Reinheitsgebot) em 1516 e, a partir

daí, tem se fabricado apenas cerveja de puro malte no país. A levedura cervejeira

não deve ser considerada como matéria prima, uma vez que é utilizada apenas

como agente de transformação bioquímica dos ingredientes usados na fabricação da

cerveja, através da fermentação alcoólica (AQUARONE, 2001).

10

2.2.1. Água

A água é, pela sua quantidade, a principal matéria prima no decorrer de um

processo cervejeiro, pois aproximadamente 92 a 95% do peso da cerveja é

constituído por ela. Por este motivo, as indústrias cervejeiras localizam-se em

regiões onde a composição da água é relativamente uniforme e de boa qualidade

(ALMEIDA E SILVA, 2005).

Na realidade, a água fornecida para uma cervejaria é atualmente uma solução

diluída de vários sais, na qual pequenas quantidades de gases e compostos

orgânicos também estão dissolvidas (PRIEST, 2006). Porém, com as tecnologias

atuais, qualquer cervejaria tem os recursos necessários para tratamento dessa água

a fim de que ela adquira o teor dos componentes necessário para o tipo de cerveja a

ser produzida.

Atualmente são produzidas cervejas dos mais diferentes tipos e, para cada

um, a água deve conter diferentes teores de componentes como sulfato de cálcio,

carbonato de cálcio, cloreto, sulfato e bicarbonato para que seja considerada ideal e

permita a fabricação de uma cerveja de boa qualidade. Por exemplo, a cerveja tipo

Pilsen necessita de água mole para sua produção, isto é, pobre em cálcio e

magnésio, na forma de cloretos, sulfatos e bicarbonatos (AQUARONE, 2001).

Alguns dos requisitos básicos para obter a água cervejeira de qualidade são:

(1) seguir padrões de potabilidade; (2) ser limpa, inodora e incolor; (3) apresentar

alcalinidade de 50 mg/L ou menor (preferencialmente inferior a 25 mg/L) e (4)

possuir concentração de cálcio ao redor de 50 mg/L (ALMEIDA E SILVA, 2005).

A água, além de constituir grande parte do peso da cerveja, possui papel

importante em suas etapas de produção. Ela deve assegurar um pH desejável da

mistura de malte e adjunto (quando houver) durante a mosturação, promover a

extração dos componentes que geram o amargor e aroma provenientes do lúpulo,

bem como uma boa coagulação do trub (material mucilaginoso) durante a fervura do

mosto. Também deve permitir uma fermentação asséptica e desenvolver a cor,

aroma e sabor característicos da cerveja a ser fabricada.

11

2.2.2. Malte de cevada

O malte, ou malte de cevada, é a matéria-prima proveniente da germinação

da cevada sob condições controladas. Quando nos referimos ao malte sem

denominações, subentende-se que é proveniente da cevada, porém o malte também

pode ser obtido a partir de outros cereais. Quando isso ocorre, acrescenta-se o

nome do cereal após o termo “malte”. Assim temos, além do malte de cevada, o

malte de trigo, de centeio, de aveia e de outros cereais.

A cevada é cultivada há mais ou menos 10 mil anos, sendo originária da

região da Mesopotâmia, atualmente intitulada de Oriente Médio. A partir desta

região, seu cultivo se difundiu para a região norte da África e para os continentes

asiático e europeu (ALMEIDA E SILVA, 2005). Este cereal é atualmente um dos

mais importantes no planeta e tem diversas aplicações. Ele é destinado tanto para a

fabricação de cerveja e uísque, quanto para a ração de animais (LIMA, 2010). O seu

plantio é favorecido pelo clima frio. Normalmente é semeado no inverno e colhido no

verão. Seu cultivo, no Brasil, é majoritariamente feito na região sul, exigindo boas

condições de luminosidade e uma pluviosidade amena. O solo também precisa ter

características que favoreçam seu cultivo. A concentração de nitrogênio e fósforo

deve ser adequada para a plantação dos grãos de cevada, que serão destinados à

fabricação de malte (BRIGGS, 2001; LIMA, 2010).

A transformação de cevada em malte consiste em colocar o grão sob

determinada temperatura, aeração e umidade, para que ele germine. A germinação

é interrompida tão logo o grão tenha iniciado a criação de uma nova planta. Este

procedimento é realizado, pois, nesta fase, o amido presente no grão malteado

apresenta-se em cadeias menores devido à ação das enzimas presentes no grão, o

que o torna menos duro e mais solúvel.

A cevada adequada para a produção de cerveja necessita apresentar alguns

atributos. Em primeiro lugar ela deve germinar fácil e uniformemente, apresentando

brotamento (emergência de radícula) em mais que 98% dos grãos após a fase de

maceração na maltagem. É preciso que o teor de proteína não seja elevado, o nível

ideal está entre 9,5 e 11,5%. Apesar da baixa concentração de proteínas, o poder

diastático das enzimas deve ser suficiente para hidrolisar todo o amido do malte e

dos adjuntos. Mais recentemente atenção especial tem sido dispensada ao teor de

polifenol (tanino) e de betaglucano, devido aos problemas de turvação e filtração

12

respectivamente (AQUARONE, 2001). A Tabela 1 apresenta a composição média do

grão de cevada em comparação ao malte, ou seja, grão de cevada após o

tratamento da malteação.

Tabela 1 - Composição do grão de cevada e do malte de cevada (CEREDA, 1983).

2.2.3. Lúpulo

O lúpulo (Humulus lupulus) pertence à família Cannabinaceae, mas apesar do

parentesco com a Cannabis, não contém substâncias alucinógenas. O lúpulo é uma

planta dióica, isto é, apresenta flores masculinas e femininas em indivíduos

diferentes, não havendo, portanto, planta hermafrodita (AQUARONE, 2001). As

flores são ordenadas em espigas e possuem secretoras de resinas e óleos que dão

o típico sabor amargo à cerveja além de contribuírem para o aroma do produto final.

Na produção da cerveja utilizam-se somente as flores femininas, pois são elas que

contém a lupulina, substância que gera o amargor da cerveja. Estas flores femininas

são comercializadas na forma de flores secas (Pellets), em pó ou em extratos.

O lúpulo é utilizado em pequena quantidade, sendo necessários de 40 a 300

gramas para produzir 100 litros do produto final. Ao contrario do malte, o lúpulo não

altera o teor alcoólico nem o corpo da cerveja (MORADO, 2009). Ele apresenta em

sua composição algumas substâncias que são mais e menos importantes no ponto

de vista cervejeiro, como pode-se observar na Tabela 2.

13

Tabela 2 - Composição química do lúpulo e os respectivos percentuais de cada

componente (KUNZE, 1999).

Considerando os açúcares e os aminoácidos como componentes solúveis e

presentes apenas em pequena proporção, e os lipídeos, as proteínas e a celulose,

como componentes insolúveis, praticamente estes componentes não contribuem

com o processo cervejeiro (SILVA, 2005). Desta forma, as substâncias presentes no

lúpulo que são de real importância são os óleos essenciais, as substâncias minerais,

os polifenóis e as resinas amargas.

As resinas são constituídas de alfa e beta ácidos principalmente. Os alfa-

ácidos também são chamados de humulonas e são a principal fonte do amargor da

cerveja. Já os beta-ácidos são chamados de lupulonas e têm uma importância

menor. Ambas possuem característica bacteriostática e inibem o crescimento de

bactérias Gram-positivas. As estruturas químicas destes compostos podem ser

visualizadas na Figura 1.

14

Figura 1 - Estruturas químicas dos ácidos presentes no lúpulo.

Durante a fervura do lúpulo no mosto, as moléculas de alfa-ácidos são

isomerizadas para a forma de alfa-iso-ácidos (Figura 2). Esses compostos são muito

mais amargos e muito mais solúveis do que os alfa-ácidos. Cada humulona gera

duas iso-humulonas: a cis-iso-humulona e a trans-iso-humulona. A razão cis/trans

depende das condições de fervura do mosto, em geral é 70:30. A isomerização pode

ser favorecida pelo pH alto e adição de cálcio e magnésio (BRIGGS, 2004).

Figura 2 - Isomerização da humulona.

Uma variedade muito grande de componentes constituem os óleos

essenciais. Podemos citar principalmente os seguintes: hidrocarbonetos da família

Humulona cis-isohumulona trans-isohumulona

Fervura

pH alcalino

15

terpenos, ésteres, aldeídos, cetonas, ácidos e álcoois. Os óleos essenciais

influenciam tanto no aroma quanto no sabor final da cerveja, mesmo que grande

parte deles seja perdida com o vapor na etapa de fervura do mosto (KUNZE, 1999).

2.2.4. Adjuntos

Os adjuntos podem ser definidos como materiais carboidratados não-

malteados de composição apropriada e propriedades que beneficamente

complementam ou suplementam o malte de cevada, ou ainda, como usualmente são

considerados, fontes não-malteadas de açúcares fermentescíveis (ALMEIDA E

SILVA, 2005). Normalmente os adjuntos são empregados por razões de viabilidade

econômica, pois, desta forma, geram um menor custo na produção de extrato. Além

disso, melhoram a qualidade físico-química e sensorial do produto final.

Normalmente, os adjuntos são produtos do beneficiamento de cereais ou de

outros vegetais ricos em carboidrato. Os cereais mais comumente utilizados na

produção de adjunto cervejeiro são: milho, arroz, cevada, trigo e sorgo. Produtos da

cana-de-açúcar apresentam pequena importância. Centeio, aveia, batata, mandioca,

etc. apresentam uso potencial (AQUARONE, 2001). Eles são adicionados

normalmente durante a fervura do mosto e aumentam o teor de extrato presente.

Este mosto obtido através da adição de adjuntos é utilizado tanto para a fabricação

de cervejas convencionais quanto para cervejas fortes.

2.3. Contaminantes

2.3.1. Bactérias

As bactérias contaminantes infeccionam tanto o mosto cervejeiro quanto a

cerveja. Elas frequentemente causam turbidez e anormalidade no sabor e odor da

cerveja. Essas bactérias, em função da coloração gram, são classificadas em

positivas e negativas (AQUARONE, 2001).As Gram-positivas, que trazem os

maiores problemas para a cerveja, são as bactérias lácticas pertencentes aos

gêneros Lactobacillus e Pediococcus, sendo que pelo menos 10 espécies de

lactobacilos podem causar danos a este produto. Os lactobacilos cervejeiros são

heterofermentativos (fermentação da glicose resulta em vários produtos como ácido

16

lático, oxalacético e fórmico) e homofermentativos (fermentação da glicose resulta

apenas em ácido láctico) e produzem ácido láctico e acético, dióxido de carbono,

etanol e glicerol como produtos finais, com algumas espécies produzindo também

diacetil. Os Pediococos são homofermentativos e possuem seis espécies

identificadas, mas a espécie predominante encontrada na cerveja é a Pediococcus

damnosus, sendo sua infecção caracterizada pela formação de ácido láctico e

diacetil (ALMEIDA E SILVA, 2005).

2.3.2. Leveduras Selvagens

Levedura selvagem é qualquer levedura diferente da levedura de cultivo

utilizada na elaboração de determinada cerveja. Leveduras selvagens podem ser

originadas de diferentes fontes. Estudos com 120 leveduras selvagens isoladas a

partir da cerveja, leveduras em propagação e garrafas vazias, mostram que, além de

várias espécies de Saccharomyces, foram encontradas espécies dos gêneros

Brettanomyces, Candida, Debaryomyces, Hansenula, Kloeckera, Pichia,

Rhodotorula, Torulaspora e Zygosaccharomyces. Os efeitos potencialmente

causados pela contaminação por levedura variam de acordo com cada

contaminante. Se o contaminante é uma outra levedura cervejeira, os principais

problemas estão relacionados com a velocidade de fermentação, atenuação final,

floculação e paladar do produto final. Se o contaminante é uma espécie não

cervejeira e que pode competir com a levedura principal pelos constituintes do

mosto, possivelmente podem ocorrer problemas de produção de produtos off flavour,

semelhantes àqueles produzidos pelas bactérias (ALMEIDA E SILVA, 2005).

2.4. Processo produtivo

O processo tradicional de produção de cerveja pode ser dividido em oito

operações essenciais: moagem do malte; mosturação ou tratamento enzimático do

mosto; filtração do mosto; fervura do mosto; tratamento do mosto (remoção do

precipitado, resfriamento e aeração); fermentação; maturação e clarificação

(ALMEIDA E SILVA, 2005).

Na Figura 3 pode-se observar a sequência básica do processo de produção

de uma cerveja ale (alta fermentação, em que as leveduras ficam na superfície do

17

fermentador ao término desta etapa, gerando normalmente cervejas com sabores

mais fortes e com maior grau alcoólico) e lager (baixa fermentação, em que as

leveduras sedimentam no fermentador ao final desta etapa).

Figura 3 - Preparação dos principais tipos de cervejas (RUSSEL, 1994).

2.4.1. Moagem do malte

A primeira etapa no processo de produção de uma cerveja é a moagem do

malte, ou seja, a trituração do grão de malte de cevada, visando expor o

endosperma amiláceo ao ataque das enzimas amilolíticas durante a operação de

mosturação.

Um malte bem moído deve apresentar as seguintes características: a)

ausência de grãos inteiros; b) maioria das cascas rasgadas longitudinalmente; c)

ausência de partículas de endosperma aderidas às cascas; d) endosperma reduzido

a partículas pequenas de tamanho uniforme; e) quantidade mínima de farinha fina

(AQUARONE, 2001).

18

2.4.2. Mosturação

Esta etapa se define por misturar o malte moído com água sob aquecimento

que segue uma distribuição de temperaturas e tempos. A mosturação tem como

objetivo recuperar, no mosto, a maior quantidade possível de extrato a partir do

malte ou da mistura de malte e adjuntos.

Uma pequena parte do extrato do mosto (10-15%) é constituída por

substâncias oriundas do malte prontamente solúveis em água. O restante (85-90%)

é formado por produtos de degradação de macromoléculas pelas enzimas do malte.

Assim, as amilases convertem o amido em açúcares fermentescíveis (maltose

principalmente) e dextrina não fermentável; as proteases produzem peptídeos e

aminoácidos pela digestão das proteínas; e as fosfatases liberam íon fosfato

orgânico para o mosto (AQUARONE, 2001).

O amido é um carboidrato de fórmula geral (C6H10O5)n, constituído de

moléculas de glicose, C6H10O6. Não é uma substância homogênea, mas constituída

de duas substâncias, amilose e amilopectina, que se diferenciam na maneira pela

qual as moléculas de glicose se unem umas às outras. A amilose possui uma

estrutura com cerca de 60 unidades a 2 mil moléculas de glicose, com ligações nas

posições 1 e 4, formando cadeias sem ramificações, e a amilopectina é

caracterizada por uma estrutura em cadeia ramificada (arbustiforme), com cerca de

6 unidades a 37 mil moléculas de glicose (KUNZE, 1995).

Para cada tipo de cerveja é utilizado um programa de tempo / temperatura

diferenciado para que sejam extraídas as quantidades das substâncias necessárias

para alcançar as características finais requeridas para cada produto. As

temperaturas de aquecimento da mistura malte moído e água pode obedecer à

seguinte variação como apresentada na Figura 4. O pH inicial é ajustado em 5,4

pela adição de ácido láctico, e tamponado com CaCl2 na proporção de 1,26 g/kg de

malte (ALMEIDA E SILVA, 2005).

19

Figura 4 - Variação da temperatura em função do tempo no processo de mosturação

(TSCHOPE, 2001).

No final da mosturação em 72ºC, é realizado o teste com solução de iodo 0,2

N, a fim de verificar a sacarificação do malte. Após a confirmação da completa

hidrólise do amido, pela ausência da coloração roxo-azulada, característica da

reação do iodo com o amido (em temperatura ambiente), a solução é aquecida até

76ºC, com o objetivo de inativar as enzimas presentes (ALMEIDA E SILVA, 2005).

2.4.3. Filtração do mosto

A filtração do mosto normalmente é realizada escoando-se o mosto através

do meio filtrante, onde a fração líquida será recolhida e separada para ser usada na

próxima etapa da produção enquanto a fração sólida é submetida a uma lavagem

com água para que o extrato que ficou retido na torta do filtro seja recuperado e,

então, é filtrado novamente. A água usada para a lavagem deve estar a 75ºC para

que seja extraído o máximo de açúcar possível e aumente o rendimento do

processo.

20

2.4.4. Fervura do mosto

Esta etapa é onde o mosto é posto à fervura por um determinado tempo e é

adicionado o lúpulo em pellets em concentrações entre 0,4 e 1,4 g/L em relação ao

volume inicial da fervura.

A fervura visa a inativação de enzimas, esterilização do mosto, coagulação

proteica, evaporação de compostos aromáticos indesejáveis e também é nesta fase

onde os compostos amargos e aromáticos do lúpulo são transferidos para o mosto,

ou seja, é nesta fase onde a cerveja é “temperada”.

Quando se usa adjunto na forma de açúcar (xarope ou cristalizado), este deve

ser acrescentado nesta etapa na proporção em que se deseja ajustar a

concentração de açúcar final do mosto (ALMEIDA E SILVA, 2005).

Normalmente a fervura dura entre 60 e 120 minutos e nela são perdidos cerca

de 5 a 10% do mosto por evaporação.

2.4.5. Tratamento do mosto

Após a sua fervura, o mosto deve passar por etapas de retirada do

precipitado, resfriamento e posterior aeração. Durante esta etapa de resfriamento,

fazendo uso da força centrípeta através da rotação forçada do meio, precipitam-se

os complexos de proteínas, resinas e taninos (trub), os quais sedimentam no fundo

do tanque e devem ser separados do mosto límpido (ALMEIDA E SILVA, 2005).

Nesta etapa é necessário se fazer a aeração do mosto para desenvolver condições

ideias para a etapa de fermentação.

O resfriamento é realizado atingindo-se a temperatura ideal para a adição da

levedura, que varia conforme o estilo da cerveja a ser produzida. No caso da

produção de uma cerveja Lager, o mosto é resfriado até temperaturas entre 7 e

15ºC, quando é adicionada a levedura.

2.4.6. Fermentação

A fermentação é certamente a fase mais importante para as características da

cerveja, visto que, paralelamente à transformação de açúcar em álcool e gás

carbônico, o fermento produz outras substâncias, em quantidades muito pequenas,

21

responsáveis pelo aroma e o sabor do produto. Para se ter ideia, em uma cerveja

tipo Pilsen pode-se encontrar mais de 3 mil compostos químicos diferentes, a maior

parte deles originada durante a fermentação (TSCHOPE, 2001). Nesta etapa, as

levedura presentes no mosto realizam a fermentação basicamente convertendo

açúcares em etanol e gás carbônico sob condições anaeróbicas.

2.4.6.1. Leveduras

As leveduras são fungos unicelulares que se reproduzem assexuadamente

por brotamento (Figura 5) ou até por fissão. Com essa característica de reprodução

uma única célula pode gerar até 20 outras (BAMFORTH, 2003).

Figura 5 - Levedura vista em microscópio eletrônico. As cicatrizes resultantes do

brotamento são claramente vistas (BAMFORTH, 2003).

Para a produção de cervejas Ale e Lager, são utilizadas diferentes leveduras.

No caso da Ale, ou cerveja de alta fermentação, é utilizada principalmente a

levedura Saccharomyces cerevisiae, onde a temperatura ideal para fermentação

varia entre 18 e 22ºC. Na produção de cervejas tipo Lager, ou de baixa fermentação,

a levedura normalmente utilizada é a Saccharomyces uvarum (carlsbergensis) e sua

temperatura ideal varia entra 7 e 15ºC (ALMEIDA E SILVA, 2005). As cervejas Lager

e Ale recebem a denominação de baixa fermentação e alta fermentação devido ao

22

fato de que durante o processo fermentativo as leveduras utilizadas na Ale sobem

até a superfície do mosto enquanto as leveduras utilizadas na Lager decantam e

ficam no fundo do fermentador ao final do processo.

As leveduras são de suma importância para a fabricação da cerveja, pois elas

definem o produto final quanto ao aroma e sabor. Além do álcool produzido por elas,

várias reações secundárias formam outros produtos que geram um grande impacto

nas características da cerveja (ALMEIDA E SILVA, 2005). A formação destes

produtos depende do balanço metabólico global do cultivo da levedura e pode ser

afetado por diversos fatores como: a cepa de levedura utilizada, a temperatura e o

pH de fermentação, o tipo e quantidade de adjuntos, o fermentador utilizado e a

concentração do mosto (AQUARONE, 2001).

2.4.6.2. Processo fermentativo

A fermentação é o processo crucial no que diz respeito à qualidade final da

cerveja. Para uma cerveja de boa qualidade é essencial que seja dada uma atenção

especial às condições de fermentação necessárias para que se mantenha um

balanço ótimo no metabolismo das leveduras visando um equilíbrio perfeito entre os

aromas e sabores gerados.

As leveduras quebram os açúcares presentes no mosto seguindo dois

caminhos metabólicos. Quando há presença de oxigênio, as leveduras metabolizam

açúcares seguindo a seguinte equação global (ALMEIDA E SILVA, 2005):

C6H12O6 6 CO2 + 6 H2O + 38 ATP + calor

Esta forma de metabolismo é utilizada no início da fermentação para que haja

um crescimento e revigoramento do fermento. O oxigênio fornecido na aeração do

mosto antes da inoculação é consumido pela levedura, geralmente em poucas

horas, e utilizado para produzir ácidos carboxílicos insaturados e esteróis, que são

essenciais para a síntese da membrana celular e, consequentemente, para o

crescimento celular, o qual ficaria restrito na ausência deste oxigênio inicial,

causando fermentação anormal e mudanças nas características organolépticas da

cerveja (ALMEIDA E SILVA, 2005). O outro caminho metabólico, sem presença de

oxigênio (anaerobiose), pode ser representado pela seguinte reação global:

23

C6H12O6 2 C2H5OH + 2 CO2 + 2 ATP + calor

É esta forma de quebra da molécula de açúcar que de fato transforma o

mosto em cerveja, ou seja, consome os açúcares restantes no mosto gerando álcool

e gás carbônico.

A fermentação alcoólica tem início com a adição do fermento ao mosto

cervejeiro. A quantidade de fermento a ser inoculada varia de acordo com o teor de

extrato, composição, nível de aeração e temperatura do mosto. A quantidade de

fermento a ser utilizada deve ser tal que resulte numa concentração de 5 a 15

milhões de células de levedura por mililitro de mosto. Na maioria dos casos o nível

ótimo é de 107 células / ml (AQUARONE, 2001). Na Figura 6, podemos observar o

perfil característico do consumo do açúcar em função do tempo, com a identificação

das regiões de baixo e alto Krausen (espuma formada na superfície do mosto

durante a fermentação que representa as regiões de baixa e alta atividade das

leveduras) e das principais moléculas consumidas em cada etapa da fermentação

(BRITES, 2000).

Figura 6 - Consumo de substrato pela levedura em função do tempo

(BRITES, 2000).

24

Na fabricação de uma cerveja tipo Lager, a temperatura inicial de fermentação

deve estar entre 7 e 11ºC. A partir do início do processo fermentativo, esta

temperatura deve ser elevada para 10 - 15ºC. Como as temperaturas utilizadas

neste caso são baixas, a fermentação demora a cessar e tem duração de até 10

dias. O fim da fermentação é identificado quando não há mais desprendimento de

CO2 do fermentador.

Para a cerveja Lager, o teor de extrato no mosto deve estar por volta de 11-

12% m/m e após a fermentação primária este valor deve cair para cerca de 2,5-3,0%

m/m (AQUARONE, 2001).

2.4.7. Maturação

A maturação (fermentação secundária) é necessária e importante, porém não

ocorrem mudanças bruscas durante este estágio. Entretanto, no processo tradicional

de fabricação de cerveja, a fermentação secundária leva um longo tempo, chegando

a algumas semanas e até mesmo alguns meses em determinados tipos de cerveja

(ALMEIDA E SILVA, 2005).

A maturação tem por objetivo: a) iniciar a clarificação da cerveja mediante

remoção, por sedimentação, das células de levedura, de material amorfo e de

componentes que causam turbidez a frio na bebida; b) saturar a cerveja com gás

carbônico, através da fermentação secundária; c) melhorar o odor e o sabor da

bebida, através de redução da concentração de diacetil, acetaldeído e ácido

sulfídrico, bem como o aumento do teor de éster; d) manter a cerveja no estado

reduzido, evitando que ocorram oxidações que comprometam sensorialmente a

bebida (AQUARONE, 2001).

Este processo normalmente é realizado a baixas temperaturas, por volta de

0ºC. Em alguns processos artesanais esta etapa é realizada com a cerveja já dentro

da garrafa (envazada), onde é realizado o priming (adição de açúcar invertido ao

mosto) que servirá de alimento para as leveduras restantes na cerveja e, desta

forma, a bebida é carbonatada.

25

2.4.8. Clarificação ou filtração

A sedimentação por gravidade das células de levedura e do complexo coloidal

proteína-tanino, que ocorre na cerveja sob maturação, pode reduzir a sua turbidez

em dez vezes, sendo por isso considerada como um processo de clarificação. Como

nem toda turbidez é eliminada na maturação, torna-se necessário clarificar a cerveja

maturada através de filtração (AQUARONE, 2001). Nesta etapa do processo ocorre

a retirada dos compostos em suspensão, como levedura, complexos taninos-

proteicos e resinas residuais do lúpulo. Existem diversos meios filtrantes que são

utilizados para estas ações e, desta forma, reduzem a turbidez da cerveja gerando

um produto de maior qualidade. Em determinados processos artesanais esta etapa

não existe, tendo como produto a chamada “cerveja não filtrada”, onde podemos

observar resíduos sólidos no fundo da garrafa. Por este motivo, esta cerveja é mais

turva e menos brilhante quando comparadas as filtradas, porém existem muitos

apreciadores desta variação da bebida.

26

3. MATERIAIS E MÉTODOS

3.1. Equipamentos

Foram utilizados no processo os seguintes equipamentos:

-Um caldeirão de 45,2 L com torneira;

-Um caldeirão de 45,2 L com torneira e filtro de cobre;

-Dois fermentadores de 20 L com torneira e borbulhador;

-Um termômetro (10ºC à 150ºC);

-Um densímetro de massa específica;

-Fitas para medição de pH;

-Proveta de plástico de 250 mL;

-Um arrolhador (prensa para fixar tampa na garrafa);

-Garrafas de vidro de 600 mL;

-Tampas metálicas;

-Um coador tipo Chinoy (tela metálica fina);

-Um trocador de calor (Chriller de Alumínio);

-Um erlenmeyer de vidro de 1000,0 mL;

-Um refratômetro;

-Uma balança analítica;

-Um controlador de temperatura;

-Uma escumadeira de metal.

3.2. Matérias primas cervejeiras

Para a produção artesanal da cerveja utilizaram-se as seguintes matérias-

primas: água, malte já moído e lúpulo. O processo foi realizado em triplicata,

portanto as quantidades adquiridas e utilizadas das matérias primas, descritas nas

próximas seções deste trabalho, são multiplicadas por três. O procedimento utilizado

foi construído através da consulta de diversos outros procedimentos disponíveis em

sites de empresas especializadas em cerveja artesanal, assim como através do

conhecimento teórico obtido através da revisão bibliográfica.

27

3.2.1. Água

A água utilizada no processo, tanto para higienização quanto para produção

da cerveja, é potável e foi comprada em galões de 20 L.

3.2.2. Malte

O malte (Pilsen) foi adquirido já moído em sacos de 2,0 kg da empresa WE

consultoria. Para produção de 20,0 L de cerveja foram utilizados 4,0 kg de malte. Foi

realizado o devido planejamento para que não fossem necessários longos períodos

de armazenamento visando sua utilização na forma mais fresca possível.

3.2.3. Lúpulo

O lúpulo foi adquirido em Pellets da empresa Alquimia da cerveja. Os lúpulos

utilizados foram: tipo Hallertau Magnum para amargor (12 a 14% de alfa-ácidos), tipo

Cascade para amargor e aroma (4 a 7% de alfa-ácidos) e tipo Hallertau Tradition

para aroma (5 a 7% de alfa-ácidos). Foram adquiridos pacotes de 100,0 g de cada

tipo de lúpulo e armazenados sobre refrigeração abaixo de 5ºC até sua utilização.

3.3. Levedura

Utilizou-se a Saccharomyces cerevisiae de baixa fermentação (tipo Lager),

que foi comprada em sachês (11,5 gramas cada) da empresa Alquimia da cerveja e

armazenada sob refrigeração até sua utilização.

3.4. Processo

O processo foi realizado em triplicata visando um maior entendimento dos

dados computados e, desta forma, realizar uma análise mais precisa sobre o

processo como um todo, mas com foco na etapa de fermentação.

28

3.4.1. Mosturação

Antes do início do processo todos os equipamentos utilizados foram lavados

com detergente neutro e esponja, e então foram esterilizados com água fervente.

Nesta etapa de preparo do mosto, foram aquecidos 12,0 L de água potável a

35ºC no caldeirão de 45,2 L com filtro de cobre anexado à válvula de saída e então

foram adicionados dois sacos de malte moído, totalizando 4,0 Kg. Após isso, o

caldeirão foi colocado sobre quatro bocas de um fogão e a mosturação foi iniciada. A

temperatura foi variada conforme a Fig. 4 (seção 2.4.2. deste trabalho), controlando-

a com aumento ou diminuição das chamas do fogão e utilizando um termômetro

para medição. O pH inicial foi medido com auxílio das fitas para medição de pH e

obteve-se um valor entre 5,0 e 6,0, que está na faixa considerada ideal para esta

etapa.

Durante a mosturação, evitou-se a formação de glóbulos de malte ou regiões

de repouso que poderiam causar perdas de rendimento e/ou diferenciação no

preparo dos mostos cervejeiros agitando-se a mistura de forma lenta e constante.

Quando foi atingida a temperatura de 72ºC, foi realizado o teste do grau de

sacarificação do mosto com uma solução de iodo 0.2 N. Foi retirada uma pequena

amostra do mostro e colocada em uma porcelana branca. Adicionou-se uma gota da

solução de iodo. A coloração obtida foi amarelo ouro, significando que houve uma

boa sacarificação.

3.4.2. Filtração e clarificação do mosto

Após a mosturação, foi realizada a filtração durante a transferência do mosto

para o outro caldeirão (caldeirão de 45,2 L com torneira e com graduação de 1,0 L

em 1,0 L) passando por um filtro (tubo de cobre com pequenas perfurações) já

instalado na torneira do caldeirão onde ocorreu a mosturação. Durante a

transferência do mosto, foi feita a recirculação com auxílio de uma pequena panela e

uma escumadeira de metal, clarificando-o. Neste ponto, foi retirada uma amostra do

caldo para medição da densidade (mosto primário). As cascas restantes foram

lavadas com 10,0 L de água previamente aquecidas a 75ºC que foram despejadas

de forma dispersa, também com o auxílio da escumadeira de metal, para retirada do

extrato ainda aderido na torta. Após a lavagem, mediu-se o volume do mosto obtido

29

antes da fervura a partir da graduação do caldeirão e retirou-se outra amostra para

medição da densidade (mosto secundário).

3.4.3. Fervura do mosto

O caldo proveniente da mosturação foi aquecido até a fervura utilizando as

quatro bocas do fogão. Após 5 minutos do início da fervura foram adicionados 3,0

gramas do lúpulo Hallertau Magnum e 3,0 gramas do Cascade. Após 45 minutos

foram adicionados 2,0 gramas do Cascade e 10,0 gramas do Hallertau Tradition,

totalizando 18,0 gramas de lúpulo que foram fervidos junto ao mosto por uma hora.

3.4.4. Tratamento do mosto

Ao término da fervura, o mosto foi agitado tangencialmente com o auxílio de

uma pá de plástico para que a força centrípeta resultante auxiliasse na precipitação

de particulados ou aglomerados proteicos (trub). Após a agitação, foi introduzido o

Chriller de aluminío (trocador de calor) que foi conectado a uma torneira para que

houvesse a passagem de água corrente visando o rápido resfriamento do mosto.

Também foi utilizado gelo por fora do caldeirão para auxiliar no resfriamento.

Quando o mosto atingiu uma temperatura de 10ºC (medido com auxilio do

termômetro), mediu-se o volume pós-fervura e o foi realizada lentamente a

transferência para um balde de fermentação de 20,0 L, deixando no fundo do

caldeirão o trub formado. Após isso, foi adicionada uma quantidade de água

previamente calculada para que o mosto atingisse a concentração desejada (para

este trabalho foi considerado o valor de 12ºP) para início da próxima etapa, e este foi

lançado de um balde para o outro (baldeação) por 10 vezes, visando à aeração

necessária para a fase inicial da fermentação. Então, retirou-se uma amostra de

200,0 mL do mosto que foi colocada em uma proveta de plástico de 250,0 mL para

medição da densidade com o auxílio do densímetro.

3.4.5. Pré-inóculo

Foi preparada uma calda em um Erlenmeyer de vidro de 1000,0 mL em

condições assépticas, com 200,0 mL de água potável, 46,0 gramas de açúcar

30

refinado e duas gotas de limão para que o açúcar não caramelizasse. Esta mistura

foi levada ao fogo até a fervura para dissolução de todo o açúcar. Após isso, a

mistura foi resfriada até aproximadamente 10ºC na geladeira e, então, foram

adicionados dois sachês da levedura agitando o Erlenmeyer até a formação de um

creme. Então, a mistura foi deixada por uma hora tampada e em temperatura

ambiente antes de sua inoculação no mosto, visando à ativação da levedura que

estava na forma seca.

3.4.6. Inóculo

A mistura do pré-inóculo obtida (aproximadamente 200,0 mL) foi transferida

para o mosto no balde de fermentação de 20,0 L, sob leve agitação para

homogeneização.

3.4.7. Fermentação

Para início da fermentação, o balde foi lacrado, foi instalado o borbulhador

(evita entrada de ar e permite a saída de CO2 do fermentador) e este foi colocado

em um freezer horizontal. Neste freezer foi instalado um controlador de temperatura

que permitia uma variação de até 2ºC. Este foi configurado para manter a

temperatura entre 12,5 e 14,5ºC. Durante a fermentação, de doze em doze horas,

foram retiradas amostras da cerveja e congeladas para posterior análise visando

maior entendimento sobre o desenvolvimento das leveduras e do processo

fermentativo.

3.4.8. Envase

Após o fim da fermentação a cerveja foi transferida para outro balde

fermentador de 20,0 L deixando-se a “lama” (leveduras sedimentadas) formada no

fundo, que foi descartada. Após isso, foi preparada uma calda com 200,0 mL de

água potável, 120,0 gramas de açúcar (6,0 gramas por litro de cerveja) e quatro

gotas de limão, fervendo-a para dissolução total do açúcar e posterior resfriamento

na geladeira até atingir a mesma temperatura do mosto. Esta calda foi adicionada à

cerveja (priming) para auxiliar na carbonatação realizada na própria garrafa através

31

da fermentação realizada pelas leveduras ainda presentes. Após a adição da calda,

a cerveja foi transferida para as garrafas devidamente higienizadas e esterilizadas

com água fervente, por meio da torneira do balde fermentador. Então, as garrafas

foram tampadas com o auxilio do arrolhador.

3.4.9. Maturação e carbonatação

A maturação e a carbonatação foram realizadas por quatro semanas com a

cerveja já envasada e armazenada no freezer na posição vertical (para que as

leveduras residuais floculassem no fundo da garrafa) com temperatura do

controlador variando na primeira semana de 12,5 a 14,5ºC, e de 1,0 a 3,0ºC nas três

semanas seguintes.

3.5. Métodos analíticos

3.5.1. Medições de densidade

Para todas as medições de densidade realizadas, foram retiradas as

amostras e colocou-as em geladeira até que atingissem 20ºC, que é a temperatura

correta para medição no densímetro utilizado. Antes das medições foram utilizadas

amostras de água destilada para aferição do densímetro e, só então, foram feitas as

análises.

3.5.2. Cálculo do grau alcoólico alcançado

Várias técnicas podem ser utilizadas para se fazer a medição do teor de

álcool após o término da fermentação. Neste trabalho, foi utilizado um método

utilizando apenas o densímetro para massa específica. Neste método, mediu-se a

densidade do mosto antes do início da fermentação e após seu término. Então,

utilizou-se a tabela 4 para encontrar o percentual de álcool por volume (ABV) na

cerveja através do cruzamento dos dois valores de densidade (original e final).

32

Tabela 3 - Percentual de álcool por volume (ABV) pela densidade Original e

densidade Final (PALMER, 2006).

x 1,030 1,035 1,040 1,045 1,050 1,055 1,060 1,065 1,070 1,075

0,998 4,1 4,8 5,4 6,1 6,8 7,4 8,1 8,7 9,4 10,1

1,000 3,9 4,5 5,2 5,8 6,5 7,1 7,8 8,5 9,1 9,8

1,002 3,6 4,2 4,9 5,6 6,2 6,9 7,5 8,2 8,9 9,5

1,004 3,3 4,0 4,6 5,3 5,9 6,6 7,3 7,9 8,6 9,3

1,006 3,1 3,7 4,4 5,0 5,7 6,3 7,0 7,7 8,3 9,0

1,008 2,8 3,5 4,1 4,8 5,4 6,1 6,7 7,4 8,0 8,7

1,010 2,6 3,2 3,8 4,5 5,1 5,8 6,5 7,1 7,8 8,4

1,012 2,3 2,9 3,6 4,2 4,9 5,5 6,2 6,8 7,5 8,2

1,014 2,0 2,7 3,3 4,0 4,6 5,3 5,9 6,6 7,2 7,9

1,016 1,8 2,4 3,1 3,7 4,4 5,0 5,7 6,3 7,0 7,6

1,018 1,5 2,2 2,8 3,4 4,1 4,7 5,4 6,0 6,7 7,3

1,020 1,3 1,9 2,5 3,2 3,8 4,5 5,1 5,8 6,4 7,1

1,022 1,0 1,6 2,3 2,9 3,6 4,2 4,9 5,5 6,2 6,8

1,024 0,8 1,4 2,0 2,7 3,3 4,0 4,6 5,2 5,9 6,5

Na horizontal, na parte superior da tabela, temos os valores de densidades

iniciais alcançadas. Na vertical, no lado esquerdo da tabela, temos os valores de

densidade final de fermentação. A partir deles encontramos o percentual de álcool

por volume da cerveja em questão.

3.5.3. Análise das amostras coletadas

Durante a fermentação das três cervejas produzidas, a partir daqui intituladas

de cerveja A, cerveja B e cerveja C, foram coletadas amostras de doze em doze

horas durante sete dias. As amostras coletadas foram mantidas congeladas até o

término da produção da última cerveja. Para realização das análises foi utilizado um

refratômetro adquirido junto à empresa WE consultoria. As amostras foram

descongeladas e descarbonatadas, agitando-se os frascos e abrindo-os entre uma

agitação e outra. Então, foram colocadas quatro gotas, com auxílio de um conta-

gotas descartável, no prisma do refratômetro para leitura da concentração de açúcar

no mosto em graus Brix. Isso possibilitou a elaboração de uma tabela relacionando o

tempo de fermentação com o consumo de açúcar no fermentador.

33

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1. Controles de concentração do mosto

Para a obtenção de um bom controle e uma boa preparação do mosto para

dar-se início ao processo de fermentação, foram feitas as seguintes medições

visando-se alcançar a concentração ideal de açúcares, considerada 12ºP neste

trabalho. As medições realizadas foram: densidade do mosto primário (mosto

retirado logo após a mosturação, antes da lavagem da torta com água), densidade

do mosto secundário (mosto retirado após a lavagem da torta com água), volume

antes da fervura, volume após a fervura e densidade após a fervura. Obtiveram-se

os resultados da Tabela 4 a seguir.

Tabela 4 - Valores medidos de densidade do mosto primário, densidade do mosto

secundário, volume antes da fervura, volume após a fervura e densidade após a fervura das

cervejas A, B e C.

Cerveja A Cerveja B Cerveja C

Densidade do mosto primário D1 (g/cm³) 1,082 1,084 1,080

Densidade do mosto secundário D2 (g/cm³) 1,044 1,050 1,054

Volume antes da fervura V1 (L) 22,0 21,3 20,7

Volume após a fervura V2 (L) 17,6 14,5 12,9

Densidade após a fervura D3 (g/cm³) 1,059 1,074 1,077

Utilizando-se de uma tabela gerada experimentalmente de conversão de

densidade para graus Plato, confidencial e fornecida pela empresa WE consultoria,

chegou-se aos seguintes resultados da Tabela 5.

34

Tabela 5 - Concentração de açúcares do mosto primário, concentração de açúcares

do mosto secundário, volume antes da fervura, volume após a fervura e concentração de

açúcares após a fervura das cervejas A, B e C.

Cerveja A Cerveja B Cerveja C

Conc. de açúcares mosto primário P1 (°P) 19,87 20,39 19,36

Conc. de açúcares mosto secundário P2 (°P) 10,96 12,39 13,34

Volume antes da fervura V1 (L) 22,0 21,3 20,7

Volume após a fervura V2 (L) 17,6 14,5 12,9

Conc. de açúcares após a fervura P3 (°P) 14,51 17,97 18,65

Neste ponto, o mais importante é obter o controle da concentração de açúcar

para que o mosto não chegue ao término do processo de fervura com valores abaixo

de 12ºP, pois é possível diluí-lo simplesmente com o acréscimo de água até esta

concentração, porém para concentrá-lo, o processo não seria tão simples. Como

pode-se observar, os valores obtidos de graus Plato ao término da fervura para as

três cervejas fabricadas foram superiores a 12ºP.

4.2. Cálculo para diluição do mosto

Para cálculo da quantidade de água adicionada (VH2O), utilizou-se a seguinte

fórmula fornecida pela equipe da Cervejaria do Gordo Dance bar:

VH2O = 0,7 x (((V2 x P3) / Pi) - V2)

Em que V2 é o volume em litros do mosto após a fervura, P3 é a concentração

de açúcares após a fervura (graus Plato) e Pi é a concentração de açúcares que

deseja-se alcançar para início da fermentação (graus Plato).

Os cálculos descritos abaixo foram realizados visando-se obter uma

densidade inicial de fermentação próxima a 1,049 g/cm³ que corresponde a uma

concentração de açúcares inicial de fermentação (Pi) de 12,00 ºP.

35

VH2OA = 0,7 x (((V2A x P3A) / Pi) - V2A)

VH2OA = 0,7 x (((17,6 x 14,51) / 12) - 17,6)

VH2OA = 2,6 L

VH2OB = 0,7 x (((V2B x P3B) / Pi) - V2B)

VH2OB = 0,7 x (((14,5 x 17,97) / 12) - 14,5)

VH2OB = 5,1 L

VH2OC = 0,7 x (((V2C x P3C) / Pi) - V2C)

VH2OC = 0,7 x (((12,9 x 18,65) / 12) - 12,9)

VH2OC = 5,0 L

4.3. Densidade inicial de fermentação

Após o acréscimo das quantidades de água calculadas, mediu-se a

densidade em que os mostos das cervejas A, B e C iniciaram a fermentação e

obtiveram-se os seguintes resultados:

Cerveja A: DiA = 1,048 g/cm³

Cerveja B: DiB = 1,049 g/cm³

Cerveja C: DiC = 1,052 g/cm³

Utilizando-se a tabela de conversão de densidade para graus Plato fornecida

pela empresa WE consultoria, chegou-se aos seguintes valores:

Cerveja A: PiA = 11,91 ºP

Cerveja B: PiB = 12,00 ºP

Cerveja C: PiC = 12,86 ºP

Foi notado que a concentração inicial de açúcares da cerveja C apresentou-

se um pouco mais elevada que as das cervejas A e B, contudo apresentou um valor

próximo da concentração inicial considerada ideal neste trabalho que é 12°P.

36

4.4. Análise das amostras

A partir das análises com refratômetro das amostras coletadas de 12 em 12

horas, foi possível construir o Gráfico 1 com valores de concentração de açúcar em

graus Brix e tempo decorrido de fermentação de cada cerveja.

Gráfico 1 - Concentração de açúcares versus tempo de fermentação das

cervejas A, B e C.

Como o álcool gerado durante a fermentação causa um erro na leitura do

refratômetro, utilizou-se uma planilha de Excel fornecida pela empresa WE

consultoria com fórmulas confidenciais geradas experimentalmente para obtenção

do Gráfico 2, com os valores corrigidos de concentração de açúcar em graus Brix

versus tempo decorrido de fermentação.

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

10,0

11,0

12,0

13,0

14,0

15,0

0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 132 144 156 168 180

Co

nce

ntr

ação

de

açu

car

(Bri

x)

Tempo (Horas)

Cerveja A

cerveja B

cerveja C

37

Gráfico 2 - Concentração de açúcar corrigido versus tempo de fermentação das

cervejas A, B e C.

Analisando-se os gráficos, pôde-se notar que a fermentação ocorreu de forma

esperada, com uma curva de decréscimo do teor de açúcar sem grandes anomalias

e comum para a produção de uma cerveja de baixa fermentação (perfil parecido com

o apresentado na Figura 6, seção 2.4.6.2 deste trabalho). Notou-se também que a

curva da cerveja C apresentou valores um pouco diferentes das cervejas A e B,

porém isso não ocasionou diferenças consideráveis na qualidade do produto final e

ocorreu devido à cerveja C ter iniciado a fermentação com um teor de açúcar um

pouco mais elevado, e esta diferença manteve-se ao longo do tempo de

fermentação. Isto pode ser explicado devido às cervejas terem sido produzidas a

partir de um procedimento artesanal que, normalmente, apresenta uma variação

maior quando comparada a um processo industrial, em virtude de não ter todos os

controles de processo existentes nas fábricas.

Através da análise visual das cervejas geradas, pôde-se notar um bom

“corpo”, boa consistência na espuma e boa coloração, apresentando-se com um

ligeiro excesso de gás, identificado pela grande formação de espuma ao colocá-la

em um copo.

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

8,0

9,0

10,0

11,0

12,0

13,0

14,0

15,0

0 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 132 144 156 168 180

Co

nce

ntr

ação

de

açú

car

corr

ig. (

Bri

x)

Tempo (Horas)

Cerveja A

cerveja B

cerveja C

38

No geral, a cerveja resultante apresentou boas características, porém foram

identificados alguns pontos do processo que podem ser aperfeiçoados visando-se

obter um controle ainda maior sobre a qualidade do produto final, como por exemplo:

Uso de produtos próprios para limpeza dos equipamentos, controle mais rígido sobre

as matérias primas adquiridas, diminuição da quantidade de açúcar adicionada para

realização do priming e utilização do próprio mosto cervejeiro para ativação e

hidratação das leveduras adquiridas, diminuindo-se o risco de sabores residuais do

açúcar refinado adicionado durante o pré-inóculo.

4.5. Grau alcoólico final

Cerveja A:

DinicialA = 1,051 g/cm³ e DfinalA = 1,015 g/cm³ (Tabela 6)

Cruzando-se os valores na tabela 4, chegou-se a um valor de álcool

aproximado de 4,6% ABV.

Cerveja B:

DinicialB = 1,052 g/cm³ e DfinalB = 1,015 g/cm³ (Tabela 6)

Cruzando-se os valores na tabela 4, chegou-se a um valor de álcool

aproximado de 4,7% ABV.

Cerveja C:

DinicialC = 1,055 g/cm³ e DfinalC = 1,017 g/cm³ (Tabela 6)

Cruzando-se os valores na tabela 4, chegou-se a um valor de álcool

aproximado de 4,9% ABV.

Observa-se que os teores de álcool alcançados estão de acordo com o

esperado para uma cerveja tipo Lager, que possuem valores em torno de 4,5% a

5,5% ABV (BRIGGS, 2004).

39

5. CONCLUSÃO

Considerando-se um processo artesanal, o procedimento utilizado se mostrou

eficaz e permitiu que as condições necessárias para uma boa fermentação fossem

alcançadas. A partir do conhecimento adquirido durante a realização deste trabalho,

foi possível propor algumas melhorias, tanto para a etapa de fermentação, quanto

para outras etapas do processo, como:

Controle mais rígido na diluição do mosto antes da fermentação,

fazendo-se medições da densidade simultaneamente ao acréscimo da

água calculada, permitindo a obtenção de valores mais próximos de

12ºP.

Esterilização dos equipamentos utilizando-se produtos especializados

como o ácido peracético.

Compra do malte não moído, evitando-se o início da oxidação do grão

com a exposição do endosperma.

Utilização do próprio mosto separado após a mosturação para

hidratação e ativação das leveduras.

A quantidade de açúcar adicionada para realização do priming pode

ser baixada para 5,5 gramas por litro de mosto.

Desta forma é possível se obter um maior controle sobre o processo e,

consequentemente, uma cerveja com propriedades melhoradas e com menores

variações entre as produções.

40

6. REFERÊNCIAS

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FILHO, W.G. ed. São Paulo: Edgard Blucher Ltda., p.347-380, 2005.

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BAMFORTH. C. Beer: Tap into the Art and Science of Brewing. Second

Edition, New York: Oxford University Press, 2003.

BRASIL. Decreto nº 6.871, de 4 de junho de 2009. Regulamenta a Lei

no 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a

classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas.

Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jun. 2009. Seção 1.

1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 1 dez. 2014.

BRIGGS, D.E. et al. Brewing science and practice. Woodhead, London, 863

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41

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Produzido por SMG TV Productions para The History Channel, 2005.

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