mateus toledo as crônicas de elgalor tomo i

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Tomo I

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MATHEUS TOLEDO

AS CRÔNICAS DE AS CRÔNICAS DE AS CRÔNICAS DE AS CRÔNICAS DE

ELGALORELGALORELGALORELGALOR Tomo I

As Crônicas de Elgalor

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Copyright © 2010, Matheus Toledo. Copyright da capa e ilustrações © 2011, André Demambre Bacchi. revisão Liége “Astreya” Toledo

diários de astreya e apêndice Liége “Astreya” Toledo

ilustração da capa e ilustrações internas André “Frodo” Bacchi

projeto gráfico e diagramação André “Frodo” Bacchi Publicado em Janeiro de 2011 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios existentes ou que venham a ser criados no futuro sem autorização prévia, por escrito, do autor. Reinos de Elgalor www.elgalor.blogspot.com

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Agradecimentos

Agradeço à minha querida esposa Liége por todo seu incentivo para que eu colocasse esta história no papel. Agradeço a meu grande amigo André por toda sua atenção e dedicação com a arte e preparação deste livro. Por fim, agradeço meus bons amigos Philip (Aramil), Gleyson

(Oyama), Luiz (Erol), Thales (Evan), Pâmella (Tallin), Ângela (Bulma) e Liége (Astreya) por terem criado e interpretado os grandes

heróis desta série em nossas aventuras de RPG.

Sem vocês, este livro jamais teria sido feito. Muito obrigado mesmo!

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ÍNDICE

Prólogo..............................................................................................................8

Capítulo 1: Uma nova saga começa....................................................16

Capítulo 2: Charoxx, o Dragão Abissal.............................................31

Capítulo 3: O gnomo, a bruxa e o demônio....................................58

Capítulo 4: Thurxanthraxinzethos.....................................................72

Capítulo 5: Depois da tempestade....................................................111

Capítulo 6: As Terras Sombrias..........................................................127

Apêndice.....................................................................................................148

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Prólogo

os reinos de Elgalor sou conhecido por muitos nomes: O Sábio do Deserto, O Precursor da Desgraça, Aquele que Caminha no Vento ou simplesmente o Senhor dos

Ventos. Após séculos apenas observando as areias do tempo escoando enquanto novos heróis vêm e vão, é chegada a hora de voltar a caminhar entre os povos livres e alertá-los sobre o grande mal que há de obliterar e escravizar a todos se não for ferrenhamente combatido. Cinco anos atrás, através de inúmeras buscas e batalhas, o nefasto Cavaleiro da Morte foi derrotado por um grupo de valentes heróis que acompanharam o rei dos Elfos da Espada, Coran Bhael, o guardião da Lâmina de Gelo. Eram eles: Evan, o Justo, um nobre paladino Oyama Flagelo das Feras, um vigoroso monge das montanhas setentrionais Bulma, A Destruidora, uma feroz bárbara das Florestas do Inverno Astreya, a Estrela do Alvorecer, uma bela barda vinda do grande deserto de Kamaro Aramil, o Sincero, poderoso mago de Sindhar, o reino dos Altos Elfos Erol, Lâminas Mortais, um habilidoso ranger do reino de Sindhar Hargor Martelo de Mitral, um sábio clérigo anão do reino de Darakar

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A derrota do Cavaleiro da Morte não veio sem preço, pois o nobre Evan pereceu para que o vil cavaleiro negro fosse definitivamente destruído. Contudo, a paz reinou em todos os reinos livres de Elgalor. Até agora. Um poder macabro foi liberado com a abertura de um dos Tomos dos Cânticos Profanos; criaturas sinistras começaram a vagar sem medo pela noite, que passou a ser mais escura e sombria do que jamais fora. Como se guiados por uma força maior, orcs se uniram por todo o continente e declararam guerras aos reinos dos elfos e dos anões. Seres advindos do abismo clamam por sangue em ataques cada vez mais freqüentes, e as forças da luz parecem enfraquecer a cada novo anoitecer. Todos estes acontecimentos estão interligados, e o triste é que isto é apenas o começo. O grande mal por trás de tudo ainda nem sequer se moveu. Os heróis que derrotaram o Cavaleiro da Morte se dispersaram há cinco anos; Astreya passou a viver no reino élfico de Sírhion, junto ao nobre e sábio rei Coran Bhael, como sua barda real. Oyama e Hargor viajaram até o reino de Darakar para combater um culto do Deus do Massacre, liderado por minotauros. Bulma voltou para sua terra natal onde exigiu a liderança de seu povo e Erol e Aramil retornaram em honra para Sindhar. Hoje, me encontro com o rei Coran e lhe explicarei tudo sobre o Tomo dos Cânticos Profanos que se encontra aberto e bem

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guardado na Torre do Desespero nas Terras Sombrias. Explanarei também sobre a profecia que conta sobre o retorno de dois grandes avatares de Urakan, o Deus dos Orcs, assim que as vidas de 1000 elfos, 1000 anões e a cabeça de um rei de cada raça for oferecida em sacrifício. Rogo que os Grandes Reis deixem suas diferenças de lado e marchem juntos com todo seu exército rumo às Terras Sombrias quando chegar a hora. Rogo para que os grandes heróis desta era se reúnam novamente, e mesmo sem seu líder, sejam capazes de lacrar o Tomo dos Cânticos Profanos. Rogo para que ainda tenhamos tempo... ................................................ Diário de Astreya I Parece que faz décadas desde que deixei as areias de Kamaro junto com um grupo de mercadores e guerreiros para procurar o destino que minha mãe havia vislumbrado para mim. Suas palavras foram vagas e obscuras; eu deveria procurar um homem chamado Evan, pois isso seria de grande importância para mim, e, dizia ela, para muitos outros. Mesmo achando estranha aquela previsão de minha mãe, eu sabia que ela jamais errara. Hoje vejo que ela realmente estava certa. Além de Evan, o paladino, que infelizmente nos deixou, eu encontrei ainda outros companheiros: Oyama, Aramil, Bulma, Erol e Hargor. Eu imagino se estão bem, e o que estão fazendo. Pois, apesar de sermos um grupo improvável, juntos

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procuramos pelos Tomos dos Cânticos Profanos tentando impedir que fossem abertos por mãos erradas. Juntos corremos contra o tempo e contra aqueles que tentavam nos matar. Foi assim que chegamos aqui, em Sírhion. Lembro-me ainda do homem que nos procurou, querendo nos contratar como um grupo de escolta até a ilha que comportava um importante reino élfico. Lá estava a Cidadela de Cristal, localização provável de um dos Tomos que procurávamos. O homem apresentou-se como um erudito e historiador que estava interessado no secular reino da distante ilha – Sírhion – e na posição de seu Rei, Bremen Bhael, em relação aos humanos. Sabendo de nosso intuito em ir até lá por meio de conversas com os capitães do porto da cidade onde estávamos, ele pediu que o levássemos conosco, e nos ofereceu uma boa quantia em dinheiro. Hargor o examinou, colocando-o sobre o efeito de uma magia que não permite que sejam contadas mentiras. O historiador parecia estar sendo sincero. Assim, partimos com ele. Jamais dissemos qual era nosso intuito e objetivo em Sírhion, e ele também não nos perguntou. Ao fim da viagem, estávamos todos confiantes de que ele era realmente o que dizia ser. Ao chegar, fomos melhor recepcionados do que esperávamos. Apesar de, inicialmente, os elfos de Sírhion terem permitido apenas a entrada dos elfos e meio-elfos de nossa comitiva em seu território, seu tratamento para conosco foi cordial. Ao contrário dos elfos de Sindhar, estes não possuíam tanto desagrado em relação à raça humana, e, após sermos levados até a presença do Rei Bremen e termos explicado nossos motivos para estar ali, ele permitiu que todo o nosso grupo e o historiador que nos acompanhava entrassem em seu reino.

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Quanto ao nosso objetivo de entrar na Cidadela de Cristal, isto nos foi concedido. O Rei nos explicou que, caso houvesse quaisquer traços de maldade ou malícia em nossos propósitos em relação à Cidadela, estes seriam detectados por seus guardiães, os Leões de Mármore, poderosos gárgulas mágicos que serviam aos elfos. Assim, ele nos deixaria entrar por nossa própria conta e risco, pois na pior das hipóteses seríamos detidos pelos Leões. Ao saber que possuíamos em mãos um ritual para lacrar o Tomo profano que ele e seu povo guardavam na Cidadela, e que precisávamos levá-lo até um local sagrado específico para realizá-lo, o rei Bremen desejou que tivéssemos boa sorte e cuidado em nossa contenda. O historiador declarou que não possuía nenhum interesse na Cidadela, e que desejava apenas conversar com o rei. Assim, partimos, sendo escoltados por Coran, o capitão da guarda, um sério guerreiro élfico que havia nos acompanhado até ali, a pedido do próprio Bremen. Coran nos levou e avisou que o tempo passava de maneira diferente na Cidadela, e nos aconselhou a não permanecer dentro dela por muitas horas. Os leões permitiram a nossa entrada, mas mesmo assim quiseram testar nossas capacidades e corações, ao perceberem quais eram nossos objetivos. No entanto, no meio de tal teste- um combate, as criaturas perturbaram-se. Disseram que um grande mal havia surgido na floresta, e que seus nobres guardiães, os elfos, estavam sofrendo as conseqüências. Dizendo isso, desapareceram. Encontramos o Tomo rapidamente com o intuito de sair da Cidadela, mas descobrimos que sua entrada estava, de alguma maneira, lacrada, provavelmente pelos leões. Ali permanecemos por algumas horas, impotentes, até que percebemos que a porta da

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Cidadela se abria. Para nosso alívio vimos Coran, o elfo que nos acompanhara, mas sua expressão estava tensa, e logo sentimos um cheiro de fogo e mata queimada. Coran rapidamente nos contou que Sírhion estava sob ataque, pois o historiador que nos acompanhava havia se transformado em um arquidiabo e invocado centenas de lacaios, e estava no momento lutando com seu pai, o Rei Brehmen. Ele nos pediu que lhe déssemos o Tomo, pois era sua obrigação, naquele momento e como filho do rei, protegê-lo juntamente a nós. Até ali, não sabíamos que ele era o príncipe. Atordoados pela culpa e confusão, entregamos o Tomo a Coran. Mas ele logo depois desapareceu como mágica. Corremos até o palácio, mas o pior já havia acontecido. Sírhion estava estranhamente vazia a não ser pelos corpos de diabos e elfos mortos, e a cabeça do rei Brehmen estava fincada em uma lança no centro daquele terrível cenário. Estarrecidos e com o coração pesado, partimos rumo ao barco que nos trouxera, para ver se este ainda estava lá, enquanto tentávamos procurar sobreviventes. Avistamos o barco ao longe, e antes de chegarmos à costa, fomos surpreendidos por um elfo ferido e extremamente abatido, que andara também até a costa, somente para cair inconsciente logo depois de nos avistar. Este sim era o verdadeiro Coran. Na verdade, três dias haviam se passado desde a nossa entrada na Cidadela de Cristal. Coran salvara aquilo que restara de seu povo e os transportara a um lugar seguro graças a alguns túneis subterrâneos e portais existentes em Sírhion, e passara o resto do tempo lutando contra os lacaios do assassino de seu

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pai, que partira com o Tomo que havia sido resgatado por nós, graças novamente a um disfarce, que utilizara o próprio Coran como isca para nos enganar. Eu o tratei para que seu corpo, debilitado pela falta de comida e água e por inúmeros ferimentos, não cedesse. Mal podíamos imaginar que, de um encontro trágico como esse, uma importante e valiosa aliança se formaria entre o novo rei de Sírhion e guardião da Lâmina de Gelo - a poderosa espada do rei Brehmen - e nosso grupo. Após a morte do Cavaleiro Negro, responsável principal pelo roubo dos Tomos, já que procurava com o poder destes ascender à divindade e destruir seu principal inimigo, o deus maligno Mordak, patrono da morte e do ocultismo, eu me ofereci para ficar no reino de Sírhion, e sanar pelo menos um pouco da perda que havíamos inadvertidamente causado a seu povo. A culpa que ainda se apoderava de meu coração demorou a ir embora, mas se dissipou mais rápido do que eu pensava. Juntamente ao rei Coran, recuperei os registros históricos principais do reino de Sírhion que haviam sido destruídos. Por várias vezes, tive que reescrever capítulos inteiros, que o rei me narrava pacientemente da melhor forma que conseguia. Foi assim que conheci a história do povo de Sírhion, do rei Brehmen e de sua rainha, para minha surpresa, uma meio-elfa barda como eu, que ajudara o rei a livrar-se de uma poderosa maldição imposta a ele por uma drow. Foi assim que me afeiçoei ainda mais à Sírhion e a seu povo, que passou a me aceitar mesmo depois da ruína que eu e meu grupo havíamos trazido para eles. Posso dizer que, embora ame meu antigo lar, esta floresta se tornou também um lar para mim, nesses últimos cinco anos. E posso dizer que aqui ganhei um de meus mais valiosos amigos,

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uma pessoa agora essencial em minha vida: o rei Coran. No entanto, ontem acordei pela noite após ter um pesadelo terrível, que não ouso repetir nestas páginas. Eu sei e sabia, mesmo antes, que um novo mal se aproxima. Meus temores foram confirmados pela visita que recebemos hoje. O Senhor dos Ventos está nesse momento conversando com o rei, e chegou com uma expressão pesada. Logo me juntarei a eles em um conselho. Temo pelo destino do povo de Sírhion e de meus amigos, e pelo meu próprio destino. E temo ainda mais pelo destino do rei. Pois sinto algo como uma nuvem negra se aproximar do povo de Elvannus, o pai dos elfos. Só posso esperar que possamos servir novamente as forças da luz, eu e meus companheiros... para que este lugar de paz que eu passei a amar tanto e toda Elgalor jamais sejam tocados novamente por alguém que deseje seu mal. Astreya Adel Anathar.

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Capítulo I: Uma nova saga começa.

urante o pequeno Conselho organizado em Sírhion pelo rei élfico Coran Bhael, o Senhor dos Ventos explicou toda a situação que acometia os Reinos Livres de

Elgalor de forma sucinta, porém bastante clara. Graças à abertura de um poderoso artefato maligno, um dos Tomos dos Cânticos Profanos, as noites estavam cada vez mais longas e sinistras. Criaturas das trevas vagavam fortalecidas pela escuridão com cada vez menos medo. Uma profecia terrível havia sido feita por Urakan, o cruel Deus dos Orcs; após a morte de mil elfos, mil anões e o oferecimento da cabeça de um rei de cada raça, o Deus Caolho enviaria dois poderosos avatares para devastar os reinos élficos e anões de Elgalor. - E isso é apenas o começo. Em breve chegará o dia em que todos os exércitos dos povos livres deverão marchar juntos para tentar impedir a aniquilação total – disse o Senhor dos Ventos com a postura e a voz de um orador nato. Os mais atentos, porém, perceberam o temor que o perturbava a cada palavra proferida.

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- E o que o senhor sugere que façamos – perguntou o rei Coran após ouvir atentamente todo o relato. Sentada do lado direito do rei, estava a barda Astreya, sua trovadora real. Do lado esquerdo, o clérigo Thamior, alto sacerdote de Elvannus, o Deus dos Elfos. - Inicialmente, é necessário lacrar o Tomo dos Cânticos Profanos, que está localizado na Torre do Desespero, nas Terras Sombrias ao sul do deserto de Kamaro – respondeu o Senhor dos Ventos. - Como podemos fazer isso, digo, como podemos lacrar este Tomo específico? – perguntou Astreya. - Eu possuo um pergaminho que contém o ritual que irá lacrar o Tomo. Contudo, como já devem imaginar, tal artefato não está desprotegido. Involuntariamente, um momento de silêncio foi feito no salão. Já seria tarefa suficientemente difícil, mesmo para um grupo de guerreiros experientes, atravessar as Terras Sombrias e chegar à Torre. Diante de todas as revelações que o Senhor dos Ventos, um sábio profeta fizera, todos sentiam um certo medo de até mesmo imaginar que tipo de criatura nefasta guardaria o tomo. Por fim, o rei Coran levantou-se e disse: - O que está protegendo o tomo, sábio profeta? - Um dragão vermelho ancião, recentemente transformado em um lich por artes negras, vossa majestade – respondeu o Senhor dos Ventos. - Contudo... – continuou o profeta – para entrar na Torre do Desespero é necessária uma chave, que está em posse de outro dragão. - Onde? – perguntou o rei Coran educadamente, mas sentindo que não haveria fim para aquele problema “inicial”.

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- Poucas milhas a leste do reino de Darakar – respondeu o Senhor dos Ventos. - O reino dos Anões – disse Thamior como se estivesse pensando alto – Se explicássemos tudo ao Rei Balderk, ele mandaria um batalhão de guerreiros para lá e... - Não – interrompeu Astreya – mesmo que um batalhão de anões fosse bem sucedido, haveria muitas mortes. Com a profecia de Urakan em curso, a morte de tantos anões poderia trazer um problema terrível. - Você está certa – disse Thamior – contudo, se não podemos mandar o exército dos anões nem o nosso por causa da profecia, que opção temos? Mais um momento de silêncio se fez no salão. - Nós iremos – respondeu por fim Astreya se levantando e fazendo uma reverência para o rei Coran – meus amigos e eu cuidaremos disso. Tenho certeza que todos vão ajudar. - Era isto que eu tinha em mente desde o início – disse o Senhor dos Ventos de forma bastante discreta – e antes que vossa majestade diga que irá acompanhar a jovem Astreya nesta contenda, devo lembrar-lhe que são necessárias as vidas de mil elfos, e a cabeça de um único rei para que parte da profecia se cumpra. O rei Coran baixou a cabeça tentando esconder a frustração enquanto pensava em qual seria o curso de ação mais sábio a se tomar. Após alguns instantes, olhou para todos e disse: - Através de magia, enviarei mensagens ao reino de Sindhar, requisitando a presença de Aramil e Erol, e ao reino de Darakar, pedindo o auxílio de Hargor e Oyama. Não tenho como contatar Bulma, mas...

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- Dentro de uma hora ela estará nas portas de seu palácio – disse o senhor dos ventos fazendo uma reverência com a cabeça. - Ótimo – respondeu o rei Coran – enquanto isso, irei até Sindhar e explicarei pessoalmente ao Alto Rei Thingol toda a situação. - Pode ser perigoso colocar dois reis juntos em um mesmo lugar, vossa majestade – disse Astreya com preocupação nos olhos. - Sindhar é um reino extremamente bem protegido, Astreya – respondeu Thamior tentando acalmar a barda – Além disso, entre os elfos, não há guerreiro mais habilidoso do que o rei Coran, nem mago mais poderoso do que o rei Thingol. Eles estarão bem. - Rogo para que esteja certo... – respondeu Astreya entrelaçando as mãos sem esconder a apreensão que sentia. No instante seguinte, os preparativos começaram a ser feitos. O Senhor dos Ventos desapareceu magicamente do salão, e o rei Coran passou a Thamior diversas instruções que deveriam ser seguidas durante sua ausência. Astreya voltou a seu quarto, e com grande peso no coração, abriu um belo baú de marfim, onde estavam guardados sua bela cota de malha élfica púrpura, seu arco longo sagrado feito com prata mágica e sua cimitarra élfica de lâmina avermelhada. Presentes valiosos dados pelo rei Coran. Presentes que, apesar dela não saber, o rei lhe deu pedindo aos deuses que ela jamais precisasse colocá-los em uso. ...........................................................

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Diário de Astreya II Mal consigo controlar minhas mãos para escrever estas páginas. No entanto, eu o farei para me acalmar, pois no momento minha ansiedade é grande e não há muito o que fazer além de esperar. O encontro com o Senhor dos Ventos nos trouxe o que eu esperava: más notícias. Quando o rei Coran me chamou para acompanhá-lo e ouvir o que o profeta tinha a dizer, vi por sua expressão que nada ia bem. E a extensão de suas notícias é mais grave do que pensei, pois atinge a todos nós. Quando hesitei em falar ao Senhor dos Ventos que eu e meus amigos poderíamos ir recuperar a chave necessária para abrir a Torre do Desespero, não foi tanto pelo medo do dragão que a guarda. Foi pelo mesmo medo que me invadia diariamente enquanto lutávamos contra o Cavaleiro Negro. E se falharmos? Nosso fracasso implica em algo muito pior do que apenas a perda de nossas vidas. Estamos novamente envolvidos em uma complicada sucessão de eventos, de acontecimentos que precisam ser resolvidos o mais rápido possível. No momento, apenas nós podemos fazer isso. Se falharmos, falhamos com toda Elgalor. Falhamos com o povo élfico e anão. Falhamos com seus reis... Agora mesmo, enquanto eu abria meu baú para preparar minhas armas e minha armadura, eu tive uma visão clara, algo que não me acontecia há cinco anos. De certa forma, eram apenas sombras, mas eu sabia muito bem a quem elas representavam. Um rei anão, um rei elfo. E um gigantesco orc. Um medo indescritível apoderou-se de mim nesse momento. A partir daí, tudo foi muito rápido. Havia gritos e dor, e, no fim, a imagem mais nítida de todas: uma coroa caindo. Não quero pensar no significado disso, embora esteja óbvio a

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meus olhos. Tudo o que podemos fazer é nos restringir a buscar a chave da Torre do Desespero. Tudo o que podemos fazer é tentar ir até lá, depois, e lacrar o Tomo aberto. E o que acontecerá enquanto estivermos nesta busca? Que preço nós pagaremos por fazer isto? Eu rogo para que nós consigamos completar nossa missão. Mais ainda, rogo para que nada aconteça enquanto estivermos longe. Para que minha visão não se torne verdadeira de forma alguma. Para que meu querido amigo ainda esteja aqui quando eu retornar. Por Lanto, como tem sido difícil não demonstrar que a extensão de meus sentimentos por Coran vai além do que seria aconselhável! Por todo esse tempo, meu comportamento foi o mais adequado possível. Sendo a barda real, eu devo extremo respeito ao rei, e a seu povo. Nunca foi minha intenção me aproveitar da situação ou mesmo do histórico do reino de Sírhion, que já teve uma rainha meio-elfa. Por isso, minha conduta foi sempre a mais séria possível. Mas, como diziam minha mãe e as mulheres de Myrra: “quando você o vir, você saberá”. Durante todo este tempo escondi meu sentimento de todos e pensei o mínimo possível nisto. Mas agora me é impraticável ocultar o fato de que, desde aquele dia interminável no barco que nos tirou de Sírhion em chamas, no qual cuidei do rei Coran para que ele não morresse, eu sabia que essa não era nossa primeira vida juntos e que nossos destinos estavam ligados. Inevitavelmente, ligados pelo coração. E isto tem sido tão forte dentro de mim, agora mais do que nunca... De qualquer maneira, aprendi com minha mãe que nenhuma previsão ou sonho pode ser considerado como a única verdade possível ou mesmo, muitas vezes, como verdade. Aprendi com ela que toda sorte pode ser mudada por meio de nossas ações. Então espero que nossas ações sejam suficientes para mudar

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algo. Rezo por Balderk e Balin, reis dos anões, e por Karantir, Thingol e Coran, reis dos elfos. Rezo por seus povos e pelos humanos que com certeza serão atingidos pelo que está acontecendo. Rezo para que se faça uma aliança entre estes povos. Mas algo me diz que isto não será tão fácil. Astreya Adel Anathar ................................... Os preparativos logo foram terminados; através de magia, uma mensagem foi enviada ao reino de Sindhar requisitando a presença urgente de Aramil e Erol para uma nova missão, e outra foi enviada ao reino de Darakar, requisitando o mesmo de Hargor e Oyama. Em menos de uma hora, o Senhor dos Ventos trouxe a bárbara Bulma aos Salões de Sírhion, de onde ela e a barda Astreya seriam teletransportadas para as montanhas próximas aos Portões dos Antigos, a entrada do reino de Darakar. A primeira chave que os heróis deveriam encontrar estava no covil de um antigo dragão vermelho, que conseguiu facilmente se instalar tão próximo ao mais poderoso reino dos anões devido às trevas que envolveram o mundo desde a abertura de um dos Tomos dos Cânticos Profanos. Como as proteções mágicas de Darakar barram qualquer magia de teletransporte para dentro do reino, foi combinado que todos, incluindo o anão Hargor e o monge Oyama, se encontrariam próximo aos Portões dos Antigos.

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O rei Coran, já com sua armadura de batalha, se dirigiria junto ao Senhor dos Ventos para o reino de Sindhar. Quando viu Astreya novamente trajando sua cota de malha púrpura e carregando seu arco de prata e seu sabre élfico, ele simplesmente balançou negativamente a cabeça. - Que Elvannus vos acompanhe – disse o rei ao olhar uma última vez para Astreya antes de ambos partirem. - A todos nós, meu bom rei – respondeu ela fazendo uma reverência, sentindo um enorme peso em seu coração. - Vamos logo com isso – grunhiu Bulma cruzando os braços mal-humorada por ter de ser teletransportada novamente. No instante seguinte, os magos de Sírhion iniciaram os rituais e todos haviam sido magicamente levados a seus destinos. Sem palavras, Thamior rogou para que visse todos em segurança novamente. A noite já havia chegado, e nas escuras montanhas ao norte de Elgalor, Astreya e Bulma surgiram. - Isso foi o mais próximo que a magia pôde nos trazer... – disse Astreya observando os arredores. - Não estou vendo portões em parte alguma! – disse Bulma empunhando seu machado, o Terror do Campo de Batalha – será que esta magia funcionou direito? - Acho que sim – respondeu Astreya com um sorriso – Além do mais, os Portões dos Antigos só podem ser encontrados por aqueles que possuem sangue anão. Temos que esperar pelos outros. - O velho amigo de vocês disse que uma grande guerra eclodiria, e parece que ele tinha razão – disse Bulma olhando para o céu completamente escuro – sinto cheiro de sangue no ar...

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- Gostaria que isso pudesse ser evitado... – disse Astreya olhando para baixo com uma expressão bastante triste - a vida estava sendo realmente boa nos últimos cinco anos. - Você deveria falar com ele - disse Bulma ainda olhando para o céu – deveria falar com o rei élfico. Vocês estão perdendo um tempo que talvez não possa ser recuperado mais tarde. - Bulma! – gritou Astreya sem querer, tomada pela surpresa e pela vergonha. Neste instante, elas ouviram passos. Bem próximos. - Por Elvannus, como vocês mulheres tagarelam! Imediatamente elas se viraram para trás, mas ambas já haviam reconhecido a voz e o inconfundível tom de escárnio. Era Aramil, o Sincero. - Olá para você também, Aramil – respondeu Astreya com um sorriso cínico. Atrás do mago, que portava apenas seu belo manto élfico um bem ornamentado cajado dourado, elas identificaram uma figura nas sombras, e logo perceberam que se tratava de Erol, o Caçador de Sindhar. - Saudações, Erol – disse Astreya mais educadamente. - Saudações - respondeu Erol bastante sério. Ele estava trajando sua cota de malha marrom escura e carregava nas mãos suas espadas élficas, as Lâminas do Inverno. - Algum problema? – perguntou Astreya estranhando um pouco a frieza do amigo. - Sim – respondeu o ranger – há rastros de orcs e ogros nestas montanhas, e eles simplesmente surgem e somem no meio das sombras. Além disso, não deveria haver criaturas assim rondando tão perto dos portões de Darakar.

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- Algo sinistro realmente está acontecendo – disse Aramil em um tom sério – mesmo nós, os altos elfos de Sindhar estamos tendo este tipo de problema. - Já era hora... – grunhiu Bulma ao ouvir o som de pesadas botas de metal se aproximando. Como se também tivesse notado a aproximação, Erol embainhou suas espadas. Todos olharam mais à frente e viram Hargor, o clérigo anão vestindo uma armadura de batalha muito bem trabalhada, carregando um pesado escudo e seu poderoso martelo. Ao lado dele estava Oyama, com os cabelos e a barba bem mais longos e desarrumados, vestindo um par de manoplas pesadas com símbolos de Thanor e um cinturão negro. A constituição física do monge estava bem mais robusta do que seus amigos se lembravam. - É incrível, Oyama, você conseguiu ficar ainda mais feio – disse Aramil quando o clérigo e o monge se aproximaram. - Desculpe, mago – disse Oyama em tom de deboche – eu passei estes cinco anos lutando contra orcs e minotauros, e, ao contrário de vocês, altos elfos, que vivem saltitando e cheirando flores, não tive tempo para cuidar da minha beleza. - Pessoal... – disse Astreya antes que Aramil pudesse dar uma resposta ao comentário de Oyama. - Vejo que as coisas não mudaram – disse Hargor olhando para o grupo – de qualquer forma, fomos informados sobre a chave que vocês buscam e sei onde está o dragão que a guarda. Só quero que saibam que...

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Neste instante, Erol sacou suas espadas novamente, e Bulma emitiu um rosnado feroz. Nisso, todos se deram conta do que estava havendo. Eles estavam completamente cercados. Como se saídos das sombras da noite, surgiram mais de quatro dezenas de orcs de pele negra e grandes como ogros, portando imensos machados duplos de lâmina avermelhada. Com um olhar sádico e brutal, eles emitiam gritos, risadas e grunhidos guturais. Cada um deles parecia uma visão saída do inferno, e em seus cintos, presas com pregos enferrujados, jaziam várias cabeças de anões. - Formação de batalha! – gritou Hargor, sentindo seu sangue ferver em fúria, pois reconhecera a cabeça de diversos amigos “adornando” os cinturões dos orcs. Movidos pelo grito do clérigo anão e por seus próprios instintos, o grupo instantaneamente formou um perímetro defensivo, com Hargor, Bulma, Oyama e Erol defendendo cada ponta, e com Astreya e Aramil no centro. A ação do grupo foi tão rápida e precisa que até eles se surpreenderam; em um instante, estavam discutindo futilidades, e no outro, se posicionavam como veteranos que vivenciaram inúmeras batalhas. - São orcs demoníacos – gritou Erol enquanto rasgava a garganta de um orc tolo que tentara surpreender o ranger pelo flanco esquerdo – o sangue deles queima como ácido. - Então, acho que vou me queimar um pouco – respondeu Bulma ao entrar em um estado de frenesi sanguinário e arrancar a cabeça de outro orc com seu gigantesco machado.

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Astreya respirou fundo, e começou a entoar um cântico de batalha: “Bravos heróis, elevem vossos espíritos e despertem em vossos corações a fúria justa do guerreiro. Lutemos lado a lado, como verdadeiros irmãos de armas, e que hoje esta corja assassina sinta a cólera de nossa justiça...” Quando a barda terminou este refrão, todos foram envolvidos por um inabalável espírito de luta, e seus corações agora eram preenchidos por nada além de bravura e inflexível confiança. Sentiam-se envolvidos por uma energia extremamente poderosa, que ampliava visivelmente a força e a velocidade de cada um. Até mesmo Aramil sentia vontade de pegar uma espada e atravessar o peito de um orc quando ouvia as canções de Astreya, mas obviamente, o mago controlava muito bem este impulso. - Sintam a fúria de Thanor, chacais do inferno! – disse Hargor movido tanto pela canção de Astreya quanto pelo próprio ódio enquanto seu martelo esmagava com violência as cabeças dos orcs que encontrava em seu caminho e seu escudo bloqueava ferozmente cada machadada que vinha em sua direção. Aramil, por sua vez, se abaixou e tocou o chão, sussurrando algumas palavras em élfico: - “Nobres espíritos da terra, atendam meu chamado”... - Vocês vão pagar, malditos! – gritou Oyama em meio a uma rajada de socos, chutes e cabeçadas que criava uma pequena pilha de corpos a seu redor. Erol continuava sua carnificina silenciosa, cortando e estocando com suas espadas élficas com uma precisão assustadoramente

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mortal, e Bulma gargalhava e rosnava enquanto arrancava braços, pernas e cabeças cada vez que brandia seu machado. Os orcs sangravam, tinham seus ossos esmagados e seus membros arrancados, mas continuavam avançando, e mesmo seu sangue fétido deixava pequenas queimaduras onde tocava. A cada orc tombado, pareciam surgir mais dois, que atacavam com cada vez mais ódio e violência. Todos os combatentes sentiram várias vezes o poderoso fio dos machados orcs, e mesmo sem sentir dor ou cansaço devido à música de Astreya, o sangue dos heróis começou a tingir o campo de batalha, e o “perímetro protetor” começava a ceder enquanto os heróis lutavam bravamente. - Bulma, Oyama! – gritou Hargor – vocês estão avançando demais! Voltem às suas posições! Bulma ouviu o anão, e, apesar da vontade de ignorá-lo completamente, ela era uma guerreira experiente, e sabia que se não trabalhassem em equipe, todos morreriam ali. Oyama, que vivera cinco anos entre os anões, se deu conta de que se aqueles orcs quebrassem o perímetro e os atacassem por todas as direções, eles estariam condenados. Ambos contiveram sua fúria e fecharam novamente o perímetro protetor, mas estavam bastante aborrecidos com isto. - Aramil! – gritou Oyama enquanto seu cotovelo explodia contra o queixo de um orc – Será que você pode fazer alguma coisa para ajudar, elfo imprestável?! - Cale-se e cumpra seu papel de escudo de carne, Oyama – disse Aramil se levantando como se ignorasse completamente as palavras do monge. Neste mesmo instante, surgiram atrás dos orcs seis criaturas grandes e robustas, totalmente feitas de pedra; eram elementais

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da terra. Imediatamente, elas começaram a golpear e a derrubar impiedosamente os orcs com seus poderosos punhos. Aramil apontou seu cajado na direção de Oyama e gritou em um tom extremamente cínico: - Pense rápido, humano. Neste instante, um relâmpago partiu velozmente do cajado do mago na direção do monge. Oyama, cujos reflexos eram extremamente aguçados, conseguiu se esquivar do raio no último instante enquanto proferia uma série considerável de palavrões. O relâmpago atingiu o peito de um orc, carbonizando a criatura instantaneamente, e depois se dividiu em diversas direções, atingindo vários orcs. - Aramil! – gritou Astreya em reprovação, parando de cantar. Como sabia que os efeitos de sua música agora perdurariam por mais tempo, a barda se concentrou, estendeu sua mão na direção dos orcs que lutavam contra Hargor e disse: - Suas mentes agora são minhas, e eu sou sua única salvação. Vocês serão mortos pelos seus antigos aliados, a menos que os destruam primeiro. Três dos orcs que atacavam Hargor começaram imediatamente a se voltar contra os outros orcs. Se vendo livre por alguns instantes, Hargor bateu seu martelo no chão. - Bom trabalho, Astreya – disse o clérigo enquanto seu martelo emitia uma forte luz azulada - Thanor, ó Grande Pai e protetor de nosso povo, conceda-nos tua benção e cure os ferimentos de meus bravos camaradas. Todos sentiram uma aura protetora os envolvendo e curando suas feridas. Revigorados, os heróis lutaram com ainda mais vigor, e após alguns minutos, o chão da montanha estava

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coberto por sangue negro e dezenas de corpos de orcs, muitos deles desmembrados pelo machado de Bulma. Em meio aquela carnificina, estavam os exaustos e vitoriosos heróis de Elgalor. Nenhum grito de vitória havia sido desferido, pois todos sabiam que, até o fim daquela noite, ainda havia um poderoso dragão que precisava ser abatido...

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Capítulo II: Charoxx, o Dragão Abissal

m silêncio quase mortal se fez nas montanhas próximas ao grande reino de Darakar após o combate; Hargor e Oyama recolhiam todas as cabeças de guerreiros anões

dos cintos dos orcs negros abatidos, enquanto Astreya usava suas magias de cura para terminar o serviço que a magia divina de Hargor começara pouco antes do término do combate. Aramil permanecia calado, com um semblante extremamente preocupado, Bulma se distanciara um pouco para procurar orcs fugitivos e Erol estudava silenciosamente o corpo de um dos orcs tombados. - São mesmo orcs com sangue de demônios – disse Erol após alguns minutos de observação – e eles chegaram aqui viajando entre as sombras. Por isso não deixaram rastros. - Isso explica como os malditos conseguiram emboscar e destruir um batalhão de dezenas de guerreiros treinados que patrulhavam este local – respondeu Hargor soturno, juntando todas as cabeças recolhidas dentro de um círculo feito com pó de prata, que o clérigo havia acabado de terminar.

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- O que eu sei – disse Oyama esmagando uma pequena rocha com a mão – é que todos os desgraçados que fizeram isso vão pagar com sangue. Com muito sangue! Astreya começou a cantar um réquiem bastante apreciado pelos anões durante as cerimônias fúnebres de seus amados guerreiros, e neste momento, todos pararam o que faziam e baixaram suas cabeças em respeito: “Vão, bravos irmãos, pois Thanor abriu à vós as portas de seu Salão. Vão, nobres filhos da guerra, pois a Forja do Pai de Todos os aguarda. Vossos feitos serão sempre lembrados, vossa dignidade, jamais maculada. Vão, grandes guerreiros, e que vossos espíritos estejam sempre conosco no campo de batalha, preenchendo nossos corações com toda vossa honra e coragem.” - Que assim seja – disse Hargor erguendo seu martelo em direção ao céu – Podem descansar em paz, irmãos, pois vós fostes vingados, e estes chacais do abismo jamais tocarão vossas mulheres e crianças. Hargor bateu violentamente seu martelo no chão e um enorme trovão rompeu dos céus, caindo sobre o círculo de pó de prata, instantaneamente cremando todas as cabeças ali contidas. - Estão todos mortos mesmo, os orcs – disse Bulma retornando, falando baixo em respeito ao guerreiros tombados – não há nenhum rastro de sangue, e isto eles não poderiam esconder. - Não, não poderiam – respondeu Erol.

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- Obrigado a todos – disse Hargor se levantando e pegando de seu cinto uma bolsa cinza de couro – agora, vamos tratar daquilo que viemos fazer aqui. - Uma bolsa arcana – disse Aramil imediatamente reconhecendo as propriedades mágicas da pequena bolsa de Hargor. - Sim, presente do rei Coran – respondeu o anão abrindo a bolsa e retirando dela três lanças machado de metal claro como prata, perfeitamente trabalhadas e com várias runas anãs nas lâminas. - Estas são as famosas Dragonslayers de Darakar? – perguntou Erol com interesse. - Sim – disse Oyama – Uma para você, outra para Bulma e a última para Hargor. - E você vai tentar enfrentar o dragão só com os punhos, presumo? – disse Aramil balançando a cabeça e fingindo tentar segurar o riso. - Presumiu certo, grande mago – respondeu Oyama em tom de deboche – Algum problema com isso? - Nenhum, nobre monge, contanto que não fique para mim a tarefa de tirar os seus restos da boca do dragão – respondeu Aramil com um riso cínico. - O que vocês sabem sobre o dragão, Hargor? – perguntou Erol ao anão. - Apenas seu nome e onde ele fez seu covil – respondeu o clérigo. - E como ele se chama? – perguntou Aramil. - Charoxx – respondeu Oyama. - O nome dele não faz diferença! – gritou Bulma, impaciente com toda aquela discussão, que, a seu ver, não passava de mera perda de tempo. - Faz sim – respondeu Astreya como se estive buscando no fundo de sua alma informações sobre aquele nome – Acho... acho que ouvi histórias sobre ele...

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- O que você sabe? – interrompeu Oyama. - Ele é um dragão vermelho demoníaco com quase 700 anos de vida, que havia deixado nosso mundo após uma grande guerra entre os dragões metálicos e os dragões cromáticos, cerca de 300 anos atrás – respondeu Astreya sem esconder o desânimo – ele é um conjurador ainda mais poderoso que Aramil, e é muito resistente a magias. - Fraquezas? – perguntou Erol. - Armas sagradas – respondeu Astreya – e magias de gelo que sejam capazes de sobrepujar sua resistência a efeitos mágicos. - Me encarrego da segunda parte – respondeu Aramil olhando para o céu, com confiança absoluta. - E eu da primeira – disse Hargor – Com a ajuda das lanças, vamos mandar este desgraçado de volta para o abismo. - Você já tem tais magias preparadas, Aramil? – perguntou Astreya. - É óbvio – respondeu Aramil em um tom distante, retirando seu belo grimório de capa dourada de um bolso mágico em seu manto – Só preciso de alguns minutos. Então ande logo, mago – disse Bulma em um tom sombrio – porque eu estou ficando com fome e sede, e quero logo me saciar com um bom pedaço de carne de dragão e uma caneca cheia do sangue do maldito. Oyama soltou uma forte gargalhada, enquanto Aramil virou o rosto, enojado. - Vocês não elfos são realmente muito primitivos... – disse o mago para si mesmo, antes de se concentrar totalmente em seus estudos. ....................................................

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Conduzidos por Hargor e Oyama, o grupo seguiu por trilhas ocultas nas montanhas, caminhos secretos dos anões que levariam todos ao covil de Charoxx, um dragão vermelho abissal com sete séculos de vida. Derrotando o dragão, os aventureiros conseguiriam uma chave, que os permitiria entrar na Torre do Desespero. Como era de se esperar, ninguém estava com ânimo para conversas; eles haviam acabado de velar um batalhão inteiro de anões e estavam indo rumo a uma batalha que, mesmo se vencida, dificilmente seria ganha sem nenhuma baixa. Assim, o grupo caminhou em silêncio quase absoluto por cerca de meia hora. Quando a trilha parecia terminar em um enorme rochedo, a quase cem metros deles, Hargor fez sinal para todos pararem: - Aqui é a entrada – disse o clérigo – é hora de nos prepararmos. - Muito bem – respondeu Oyama – vamos acabar logo com isso. Não temos a noite inteira. - Apenas um tolo corre em direção à própria morte – disse Aramil observando o rochedo, como se estivesse pensando alto. - E apenas um covarde foge dela – retrucou Oyama aborrecido. - Basta! – gritou Hargor. - Estamos todos nervosos – disse Astreya em tom conciliador – vamos nos acalmar e prosseguir com os preparativos. - Sábias palavras – respondeu Erol subindo agilmente em uma pequena colina para observar melhor a área – Supondo que o combate vá muito bem para o nosso lado, existem passagens alternativas por onde Charoxx possa escapar? - Não, apenas aquele rochedo – respondeu Hargor em tom sombrio – para sair, ele teria que matar a todos nós primeiro.

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- Ótimo! – disse Bulma repleta de confiança – isso significa que ele não vai fugir. - Aquele rochedo não é real, não é Hargor? – perguntou Aramil olhando para o clérigo. - Olhos perspicazes, elfo – respondeu o anão – há uma magia ocultando a entrada, mas como este é nosso território, nós anões podemos ver através dela. - Existem pelo menos dez runas protegendo o lugar... – disse Aramil. - Você pode desativá-las? – perguntou Astreya ao mago. - É claro - respondeu Aramil com a arrogância de sempre – só preciso de alguns instantes. Mas antes... Subitamente, o mago começou a se concentrar e fazer gestos rápidos e precisos com as mãos: - Nobres espíritos elementais da água, ouçam meu chamado, e envolvam todos aqui presentes em vosso manto protetor. Neste momento, todos sentiram como se uma tênue aura azulada envolvesse seus corpos. - Isso nos protegerá contra o sopro de fogo do dragão, pelo menos no início – disse Aramil se voltando novamente para o rochedo. - Ótimo – disse Hargor batendo sua arma no chão. Conforme o clérigo começou a orar, runas azuis brilharam em seu martelo de guerra, e uma aura prateada envolveu a todos. - “Thanor, grande pai dos anões, invoco agora tua nobre benção para esta batalha. Que nossos espíritos e corpos recebam o vigor das montanhas, e que nossas armas golpeiem como o aço sagrado de tuas Forjas” Enquanto a magia de Aramil protegera o grupo contra magias e sopros de fogo, a benção de Hargor tornara seus corpos e

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espíritos mais resistentes, além de consagrar as lanças matadoras de dragão com uma poderosa energia divina. - Eu me encarrego de curar nossos ferimentos e renovar as proteções mágicas – disse Astreya tirando de sua pequena bolsa arcana um cajado branco e alguns pergaminhos. - Certo – concordou Hargor tirando de dentro de sua armadura de batalha um pequeno amuleto em forma de martelo – Bulma, coloque isso em seu pescoço. - Para quê? – respondeu Bulma olhando curiosa para o amuleto. - Vai proteger você contra controle mental caso o dragão enfraqueça a proteção que Thanor nos deu – respondeu o clérigo. - Guarde com você – disse Bulma devolvendo o amuleto – ainda não houve ser neste mundo capaz de dobrar minha força de vontade. - Se este for o primeiro – disse Oyama com um olhar sério para a bárbara – ele vai jogar você contra o resto de nós... - Não podemos correr este risco, Bulma – continuou Erol percebendo a relutância da bárbara – Se não colocar o amuleto, você não entrará conosco. - Muito bem – respondeu Bulma após alguns tensos instantes, colocando o amuleto de Hargor - mas só porque isso foi abençoado pelos deuses da guerra. E outra coisa, elfo... - O que foi? – respondeu Erol. - Eu vou onde quero, e da próxima vez que você tentar me ameaçar, é bom estar com as espadas em punho – disse Bulma olhando fria e severamente para o ranger. - Vou me lembrar disso – disse Erol se virando e caminhando na direção de Aramil.

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Antes que Erol chegasse, Aramil estendeu as duas mãos na direção do grande rochedo e um vento forte partiu de seus dedos, e todos ouviram um grande estalo. - Pronto... – disse Aramil exausto, secando gotas de suor de sua testa – todas as runas foram removidas. - Chegou a hora! – gritou Oyama batendo uma mão contra a outra. O grupo avançou em direção ao imponente rochedo. Hargor entrou primeiro e os demais, mesmo vendo uma intransponível barreira natural, fecharam os olhos e seguiram em frente. Ao passar pela entrada, todos se viram em um gigantesco corredor de rocha vulcânica, com filetes de lava correndo pelo chão e pelas paredes. O calor incomodava, mas não feria, graças à proteção conjurada por Aramil. Conforme andavam, todos sentiam como se seus espíritos estivessem sendo esmagados por uma presença invisível, absurdamente antiga e poderosa. Astreya instintivamente pegou sua harpa e começou a entoar uma canção para encorajar seus companheiros, quando todos ouviram uma voz grave e maliciosa ecoando por todo o imenso corredor: - Sejam bem vindos, nobres “heróis”. Tenho certeza que me trouxeram doces oferendas para compensar os servos orcs que vós e aqueles malditos anões matastes. Ficarei com vossa barda e estas ignóbeis lanças, além do resto de vossos pertences mágicos. Venham a mim, bravas almas, pois Charoxx, o Destruidor de Mundos, também vos dará um belo presente...

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No instante seguinte, um pulso de energia percorreu ferozmente o amplo corredor, anulando todas as proteções mágicas dos nobres salvadores de Elgalor. Tudo aconteceu muito rápido. Quando a magia de Charoxx, o Destruidor de Mundos, atingiu o grupo de heróis como uma onda de choque, anulando suas proteções mágicas, todos ficaram momentaneamente imobilizados, pela surpresa. Como aventureiros experientes, já estavam prontos para a possibilidade de perecerem enfrentando o dragão, mas naquele momento, sentiram que seria possível tombar antes de sequer chegar perto de seu inimigo. - Estais com frio, bravos aventureiros? – debochou Charoxx maliciosamente com sua poderosa voz, que ecoava por todo o grande corredor – Ou será medo? Seja como for, tenho algo para esquentar vossos corpos e corações. Charoxx respirou fundo. Quando soltou o ar, um gigantesco jato de fogo preencheu completamente o corredor, indo velozmente na direção dos heróis. - Aramil! – gritou Astreya. - Eu sei, meio-humana! – gritou o mago elfo estendendo seu cajado dourado a frente com a mão direita enquanto fazia gestos sutis com a mão esquerda. O cajado de Aramil brilhou e uma redoma de energia se formou em volta dos heróis, pouco antes do sopro de fogo de Charoxx atingi-los. - Quanto tempo sua barreira agüenta, Aramil? – perguntou Oyama.

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- Até que o dragão use um raio de desintegração para destruí-la – respondeu Aramil sem a habitual arrogância, pois precisava se concentrar muito para manter a redoma, que era impiedosamente atingida pelo feroz sopro de fogo de Charoxx. - Temos que ser rápidos – disse Hargor erguendo seu martelo e começando novamente uma oração: - “Grande Pai e forjador de almas, invoco tua nobre benção para esta batalha. Que uma vez mais nossos espíritos e corpos recebam o vigor das montanhas, e que nossas armas golpeiem como o aço sagrado de tuas Forjas”. Novamente uma aura prateada envolveu os heróis, que se sentiram mais fortes e vigorosos. Astreya fechou os olhos e se concentrou por um momento. Quando a barda abriu os olhos, estendeu sua mão e começou a conjurar uma magia. - “Nobres espíritos do plano astral, permitam nossa passagem e nos levem diretamente até nosso destino” Quando a barda proferiu a última palavra, um pequeno portal apareceu diante de todos, dentro da redoma mágica de Aramil. Neste exato instante, o sopro do dragão inesperadamente cessou. - Ele vai desintegrar a muralha! – Gritou Aramil - Passem pelo portal, rápido! – gritou Astreya - Seu portal vai nos levar para fora, não é? – perguntou Aramil já sabendo a resposta que obteria. - Não, para dentro – respondeu Astreya um tanto insegura, pois poderia estar levando todos para a morte – temos uma missão a cumprir. - Sua louca, como você... Antes que Aramil pudesse concluir seu protesto, Oyama o agarrou e saltou com o mago em direção ao portal.

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- Vamos, elfo – disse Oyama nervoso, mas se divertindo com a expressão no rosto de Aramil – ele iria nos achar lá fora mesmo. Agora é matar ou morrer! - Depressa! – gritou Erol entrando no portal, seguido de Bulma, Hargor e Astreya. Após atravessarem o portal, todos se viram dentro de uma imensa caverna no interior da montanha, cujo tamanho comportaria seguramente um forte de médio porte. As paredes eram negras, iluminadas por centenas de filetes de lava incandescente. A cerca de vinte metros, deitado e de costas para eles, estava Charoxx, o Dragão Abissal. Mais uma vez, todos ficaram momentaneamente imóveis. Mesmo estando deitado, já sabiam que aquele era o maior dragão que já encontraram. Suas escamas pareciam tão espessas quanto uma parede de mitral, e eram de cor vermelha levemente enegrecida. Em alguns pontos, elas apresentavam terríveis cicatrizes, comprovando que aquele dragão provavelmente já sobrevivera a muitas batalhas. - Trouxestes meus presentes, jovens crianças? – perguntou o dragão sem se mover, com uma voz doce e suave, quase como se fosse um amigo de longa data. Astreya pegou sua harpa e começou a tocá-la de maneira suave. A barda sabia que a voz de um dragão pode enfeitiçar mesmo os mais fortes espíritos, mas sua música poderia anular este efeito, ao menos por algum tempo. Neste momento, todos permaneceram em silêncio, prontos para atacar, mas tensos, esperando alguma armadilha por parte de Charoxx. Se divertindo com a apreensão dos heróis, o grande dragão virou

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seu pescoço lentamente e pela primeira vez todos puderam ver sua face. O rosto de Charoxx possuía uma imensa cicatriz próxima ao olho direto, que brilhava como um rubi. Seu outro olho era incandescente como o magma. Suas presas, enormes e disfarçadas em um leve sorriso, poderiam facilmente dilacerar a mais resistente armadura dos anões. - Bela melodia, barda. Tu cantarás em minha honra por muitas noites – disse o dragão apenas observando os aventureiros – Cheguem mais perto, crianças e deixem no chão meus presentes. Aramil, mais do que os outros, fitou com atenção o olho esquerdo de Charoxx. Após alguns instantes, o orgulhoso mago sentiu que precisava reunir toda sua força de vontade para não fugir em completo pânico, pois compreendera o que aquele olho representava. Astreya mudou sutilmente o tom da melodia que entoava com sua harpa, e todos os aventureiros sentiram um pulso de coragem e sede de batalha inundarem seus corações. - Venha pegar seus presentes! – gritou Oyama correndo em direção ao dragão. - Morte!! – urrou Bulma entrando em seu estado de frenesi guerreiro, correndo ferozmente na direção de Charoxx enquanto seus músculos se expandiam conferindo à bárbara força e vigor quase sobrenaturais. - Nobres espíritos elementais da água, ouçam meu chamado, e envolvam todos aqui presentes em vosso manto protetor – Disse Aramil se concentrando para conjurar sobre seus aliados a proteção Elemental contra o sopro de fogo do dragão. O mago pretendia conjurar uma proteção Elemental diferente, mas como a anterior fora dissipada por Charoxx, o elfo não tinha escolha.

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Hargor e Erol avançaram com as lanças, enquanto Astreya permaneceu para trás, junto à Aramil, para oferecer suporte mágico ao grupo. “ Irmãos de armas, companheiros de jornada, que por nossas espadas e lanças este nefasto dragão sinta o poder de nossa coragem e justiça. Que nossas lanças rasguem e perfurem, e que diante do perigo, nossos corações jamais recuem” – cantou a barda, fortalecendo ainda mais o espírito de luta dos bravos guerreiros. Subitamente, rápido como um raio, Charoxx se levantou e abriu suas gigantescas asas. Seu corpo inteiro era coberto por terríveis cicatrizes. Ele gargalhou e depois rugiu. Tamanha era a presença e o poder do Dragão abissal, que os heróis sentiram seus corações pararem. Sentiram-se como ratos diante de um tigre feroz. - Agora, mortais, sabereis por que sou chamado de Destruidor de Mundos – bradou Charoxx em um tom sinistro e imponente. Contudo, movidos por sua própria coragem de ferro e pela canção de batalha de Astreya, todos continuaram avançando ferozmente. Como Oyama havia dito, agora era matar ou morrer. .............................................. Charoxx puxou novamente o ar e liberou seu terrível sopro de fogo sobre todos os aventureiros. Mesmo Aramil e Astreya, que estavam um pouco mais afastados, foram atingidos. A proteção mágica conjurada por Aramil resistira bem a este primeiro

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ataque, mas o mago sabia que o que restara de sua magia era suficiente para proteger a todos apenas do calor insuportável da imensa caverna. Mais um sopro, e estariam todos mortos. Oyama, Hargor, Erol e Bulma avançaram ainda mais, prontos para atacar. Contudo, no momento em que o sopro de fogo cessou, Aramil gritou: - O olho do dragão! Hargor sentira uma forte emanação de magia ao redor do dragão, mas não pudera identificar sua origem. Agora, estava claro. Dolorosamente claro. O olho direito de Charoxx brilhou, e uma corrente de relâmpagos rompeu na direção dos aventureiros. O raio central atingiu Bulma impiedosamente, quase derrubando a poderosa bárbara, e outros cinco raios menores rumaram ferozmente em direção aos outros heróis. Com grande agilidade, Oyama e Erol esquivaram-se dos raios, e avançaram em direções opostas, tentando flanquear o dragão. Astreya conseguiu se desviar um pouco, o suficiente para reduzir o impacto total do raio. Já Hargor e Aramil foram atingidos em cheio. Apesar da dor, o clérigo anão conseguiu se recobrar rápido devido à resistência física de seu povo e avançou. Aramil foi arremessado cerca de dez metros para trás por causa do impacto, e por pouco não perdeu a consciência. - VOU ARRANCAR SUAS ENTRANHAS POR ISSO! - gritou Bulma se levantando em um frenesi completamente ensandecido. Tamanha era sua fúria, que ela se esqueceu de pegar a lança matadora de dragões no chão e avançou com seu machado.

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Erol golpeou Charoxx com a lança, que emitiu um brilho dourado quando atingiu as espessas escamas do dragão. Charoxx uivou de dor, não tanto pelo ferimento, mas sim por causa da poderosa magia contida nas lanças. Do outro lado, Oyama golpeou com toda sua força, mas seus punhos não foram capazes de romper as escamas do dragão abissal. Neste momento, Hargor e Bulma se aproximaram para entrar na batalha. Ajudando Aramil a se levantar, Astreya ergueu seu cajado de cura e entoou um pequeno encantamento: - Que as forças divinas da vida e da luz curem nossos ferimentos. O cajado branco brilhou e todos foram envolvidos por uma aura branca. Neste instante, todos sentiram a dor diminuindo e seus ferimentos sendo levemente curados - Isso não vai funcionar – disse Aramil tenso, pegando seu cajado dourado. - O que você está falando, Aramil? – perguntou Astreya aborrecida com o pessimismo do mago. - O olho direito de Charoxx – respondeu o mago ainda sentindo os efeitos do relâmpago que o atingira – ele está drenando nossa proteção Elemental, e ao mesmo tempo protegendo o dragão contra quaisquer magias que nós lancemos. Posso superar a resistência natural que Charoxx tem contra magias, mas não a resistência que o olho lhe confere. Se não o anularmos, não teremos chance alguma. Hargor se posicionou ao lado de Oyama, e Bulma golpeou ferozmente o abdômen do dragão com seu machado, fazendo um corte profundo nas resistentes escamas de Charoxx, apesar

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do dragão não esboçar nenhuma feição de dor. Oyama desferiu mais uma série de socos que poderiam pulverizar rochas, mas que não tiveram efeito algum contra a couraça de Charoxx. - Você está fazendo cócegas, monge maldito – zombou Charoxx chicoteando Oyama com sua poderosa cauda, enquanto avançava com suas garras sobre Erol, estranhamente ignorando Bulma. Estando próximo de Oyama, o clérigo anão usou sua lança na cauda de Charoxx. O dragão mais uma vez uivou de dor, mas ainda assim foi capaz de derrubar tanto o monge quanto o anão com a força de seu golpe. Como navalhas, suas garras atingiram Erol, que mesmo se protegendo com a lança, teve o peito quase rasgado pelas garras de Charoxx e tombou com a força do impacto. Bulma avançou novamente, e o dragão abissal sorriu. Quando a bárbara estava perto o bastante, Charoxx virou a cabeça velozmente e cravou suas presas no corpo da bárbara, que agora urrava de fúria e dor. Veterano de muitas batalhas, o dragão sabia que se tentasse morder Hargor ou Erol, eles usariam as lanças para frustrar o ataque, e ainda golpeariam o interior de sua boca com as armas de haste. Feito extremamente difícil de se conseguir quando está se empunhando um machado ou espada. Charoxx levantou sua cabeça e pressionou novamente o corpo de Bulma entre suas presas afiadas. - Pelo menos estamos livres de mais um sopro por enquanto – disse Aramil enquanto concentrava energia em seu cajado. - Vou fingir que não ouvi isso! – respondeu Astreya furiosa pegando seu arco de prata. - Acerte uma flecha no olho direito – disse o mago ignorando a fúria de sua companheira – mesmo que pegue apenas de raspão já será o suficiente.

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“Mesmo de raspão”, resmungou Astreya para si mesma enquanto retesava seu arco mágico. Erol poderia fazer um disparo como este, mas ela... - Não é hora para ter dúvidas – disse Astreya enquanto mirava – como Oyama disse, agora é matar ou morrer - Nisso, a barda disparou seu arco, e uma flecha prateada composta de pura energia rasgou o ar. E atingiu em cheio o peito de Charoxx, deixando um pequeno chamuscado nas escamas do dragão. - Vocês meio-humanos não conseguem fazer nada direito, não é? – disse o mago elfo. - Aramil... – respondeu Astreya rangendo os dentes e preparando mais uma flecha. Com algumas costelas quebradas, Oyama e Hargor se levantaram, e novamente atacaram Charoxx, com ainda mais ferocidade. A lança do clérigo anão atingiu com força o local onde Bulma havia golpeado, e quando o dragão se virou para retaliar o ataque, sentiu a lança do ferido Erol sendo cravada em suas costas. Mais três flechas prateadas zuniram, atingindo o peito, a garganta e uma pata do dragão, sem causar qualquer dano. Oyama saltou e desferiu um poderoso chute onde Erol havia acertado a lança pela primeira vez, e pode notar que agora seu golpe fora sentido pelo dragão. Mesmo com os músculos sendo dilacerados pela mandíbula de Charoxx, Bulma ainda tentava lutar. Usando seu machado com o braço que ainda estava livre, ela golpeou ferozmente um dos dentes do dragão, causando uma pequena rachadura na afiada presa do dragão.

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Sangrando e furioso, Charoxx usou sua cauda para esmagar Erol contra a parede da caverna, tão rápido que o exausto ranger não pode posicionar sua lança para interromper o ataque. Enquanto rasgava a carne e esmagava os ossos de Bulma com suas presas, o dragão rasgou as costas de Oyama com sua garra direita e golpeou Hargor violentamente com a esquerda, quase decapitando o clérigo. Mais três flechas prateadas zuniram na caverna. A primeira atingindo a cauda de Charoxx, a segunda raspando nas escamas de seu pescoço, e a terceira, raspando levemente no olho direito do dragão. - Finalmente... – disse Aramil apontando o cajado dourado, pulsando com uma enorme quantidade de energia arcana, na direção de Charoxx. - “Espíritos do ar e da água, unam-se perante meu pedido, e convertam-se na avassaladora força do frio que tudo congela!” – recitou o mago élfico, e um imenso cone de energia congelante partiu de seu cajado, explodindo brutalmente no peito de Charoxx. O enorme e orgulhoso dragão recuou com a força do impacto e se contorceu de dor e ódio, mas não soltou a bárbara. Astreya novamente empunhou seu cajado de cura e todos os heróis sentiram um pulso de energia positiva curar um pouco seus terríveis ferimentos. - Por que... – disse Oyama se levantando com dificuldade... – ele não solta a Bulma? - Ele vai soltá-la só quando puder lançar outro sopro de fogo – respondeu Hargor se aproximando de Oyama – Vai cuspi-la em você ou em Erol, para evitar que se esquivem, e vai carbonizar todos nós em seguida. Precisamos acabar com isso agora. - Me cubra – disse Oyama – e torça para que o Erol esteja consciente.

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- Muito bem – disse Hargor. O clérigo se concentrou e fechou os olhos por um instante - “Thanor, conceda a benção da forja e do trovão à minha lança, e que Tua fúria divina nela se manifeste” – orou o clérigo, e sua lança foi envolvida por uma poderosa energia como se dentro dela estivessem presos mil relâmpagos. - Por Thanor! – Gritou Hargor se lançando em um ataque furioso contra Charoxx. O dragão abissal reconhecia o perigo da lança do anão, por isso lançou sua cauda lateralmente na direção do clérigo enquanto sugava o ar da caverna pelas narinas para em seguida lançar mais um feroz sopro de fogo. Charoxx, contudo, não cairia no mesmo ardil duas vezes. Quando Hargor posicionasse a lança para interceptar o golpe, Charoxx mudaria o sentido do ataque, fazendo com que a cauda esmagasse o anão. Para a surpresa de Charoxx, Aramil e Astreya, Hargor simplesmente jogou a lança no chão, e foi atingido violentamente pela cauda do dragão. Todos ouviram o som dos ossos do clérigo se quebrando, e quando ele caiu inconsciente no chão, não era possível determinar se ele estava vivo ou morto. Charoxx notou que algo estava errado, mas ante que pudesse conjecturar sobre o ocorrido, viu Oyama com os punhos fechados, dando um grande salto em direção à sua boca. - Cócegas, não é? – disse o monge em pleno ar, enquanto desferia um soco com toda sua força no dente do dragão que Bulma atingira com o machado. O impacto do soco foi terrível. Oyama sentiu os ossos de sua mão se quebrando, mas sorriu satisfeito ao ver que o dente se

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quebrou completamente com o impacto do golpe. Charoxx perdeu o ar e urrou de dor, deixando a bárbara cair. - Pegue a Bulma, Aramil! – disse Astreya correndo em direção à lança de Hargor. - Não me dê ordens, meio-humana – disse Aramil conjurando uma magia de telecinésia para descer o corpo de Bulma suavemente até o ponto onde Astreya estaria. Antes que Oyama chegasse ao chão, o dragão o agarrou com uma das garras e esmagou o corpo do monge com toda sua fúria. Oyama sentiu todas as suas costelas se quebrarem, e quando sentiu sua coluna começar a se partir, a lança de Erol, em um arremesso perfeito, se enterrou na pata de Charoxx, obrigando o dragão a soltar o corpo do monge, que perdera a consciência naquele instante. - Não me ignore, lagarto imbecil! – provocou Erol, que apesar de muito ferido, sacou suas espadas. O ranger sabia que seria morto agora, mas precisava ganhar um pouco de tempo para que Aramil e Astreya agissem. Charoxx avançou sobre Erol para triturar o elfo com sua mordida, quando um pequeno portal apareceu atrás do ranger, transportando-o magicamente para onde estava Aramil. - “Espíritos da luz e da vida, curem os ferimentos de minha amiga” - disse Astreya tocando o corpo de Bulma e conjurando a magia de cura mais poderosa que conseguia. - Precisamos de você, Bulma – disse Astreya quando a bárbara abriu os olhos. Por instinto, Bulma levou a mão à lança de Hargor, e mesmo muito ferida, levantou, rosnou e correu na direção de Charoxx. O dragão, por sua vez, sugou o ar da caverna mais uma vez e se

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preparou para lançar seu último sopro, que transformaria em cinzas todos que ainda estavam de pé. Erol, que observara atentamente tudo o que havia ocorrido até ali, guardou suas espadas e sacou seu arco longo. Aramil se concentrou novamente. O arco élfico de Erol se retesou, e uma flecha rasgou o ar, atingindo em cheio o olho direito de Charoxx. Aramil lançou mais uma poderosa rajada de energia congelante, desta vez, mirando na cabeça do dragão, para tentar anular o sopro. Astreya cantou e o espírito de Bulma explodiu em fúria e determinação. No instante em que a rajada de Aramil atingira a cabeça de Charoxx, a bárbara cravou a lança de Hargor no abdômen ferido do dragão, no mesmo instante em que ele usou as garras de suas duas patas dianteiras para perfurar o corpo de Bulma. A lança, carregada com o poder de Thanor, explodiu dentro do dragão, derrubando-o, e um grande clarão cegou todos na caverna. Quando puderam enxergar de novo, Astreya, Aramil e Erol viram a carcaça sem vida de Charoxx, em meio aos corpos destruídos de seus valorosos amigos. .............................................. O combate contra Charoxx fora vencido. Mas a um alto custo; no fim do confronto, apenas Astreya, Aramil e Erol permaneciam de pé. Com a mão sobre o enorme ferimento em seu abdômen, Erol desviou-se do corpo tombado de Charoxx e se aproximou do corpo de Hargor, que estava praticamente esmagado pelo impacto da cauda do dragão abissal.

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- Ele... – ele está vivo? – perguntou Astreya aflita, sentindo seu coração quase parar. Erol se abaixou e colocou a mão sobre a garganta do clérigo, para verificar seus sinais vitais. Após um momento... - Está – respondeu o ranger, que perdia sangue rapidamente – é preciso mais do que isso para matar um anão, mas ele precisa ser curado rápido. - Sim – disse Astreya correndo em direção ao corpo de Hargor – mas e os ...? - Cure Hargor, Astreya – interrompeu Aramil andando na direção dos corpos de Oyama e Bulma, que estavam relativamente próximos – depois o clérigo se encarregará dos demais. O mago elfo chegou perto do corpo de Oyama, que estava totalmente quebrado e banhado em sangue. - Ele está vivo? – perguntou Astreya impaciente enquanto conjurava um feitiço de cura em Hargor. - Barda – respondeu o mago com uma expressão de desprezo no rosto - Você não espera que eu toque neste... - ARAMIL! – gritou Astreya furiosa. - Humph! – resmungou Aramil, abaixando-se e verificando os sinais vitais de Oyama – parece que teremos que agüentá-lo por mais algum tempo. E antes que você berre novamente, Bulma também está respirando. A magia de cura que fluiu pela mão de Astreya envolveu o corpo de Hargor com uma luz dourada, e o clérigo anão abriu lentamente os olhos. - Você... não é Thanor – disse Hargor tentando reorganizar os pensamentos – o que significa que vencemos. Como estão os outros?

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- Vivos – respondeu Erol se sentando e sentindo que seus sentidos já começavam a deixá-lo – eu... apreciaria sua ajuda, anão. - Certamente – disse Hargor ainda muito ferido, levantando-se vagarosamente. - Thanor, pai e senhor de todos os anões – disse o anão erguendo seu martelo – que por tua benção e poder sagrado os ferimentos de meus bravos irmãos de armas sejam curados! O martelo de Hargor brilhou intensamente, e um círculo de energia positiva envolveu o corpo de todos os heróis, curando parcialmente seus grandes ferimentos. O clérigo repetiu o encantamento mais três vezes, e, após alguns minutos, todos estavam de pé. Ainda feridos, mas de pé. - Dragão maldito! – gritou Bulma enterrando o machado violentamente na boca de Charoxx, arrancando um dos dentes do dragão – Isto, pelo menos vai virar um belo colar – disse a bárbara contemplando a grande presa. - Essa foi dura... – disse Oyama pressionando as costelas que à pouco estavam quebradas – Agora é só encontrar o tesouro. - Seus tolos... – resmungou Aramil colocando a mão no rosto – caso tenham se esquecido, precisamos da chave para abrir a Torre do Desespero. - O tesouro do dragão é um bom lugar para começar a procurar, elfo! – retrucou Oyama. - Nós não sabemos o que é a chave... – disse Astreya. - Eu já a encontrei – respondeu Aramil sem paciência. Todos ficaram calados por um instante. - Se você já encontrou a chave, mago – disse Hargor – qual é o problema?

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Aramil estendeu sua mão e conjurou uma magia de telecinésia. O olho direito de Charoxx começou a tremer e a emitir um brilho avermelhado. Em seguida, saiu do corpo do dragão e foi em direção à mão do mago elfo. Aramil pegou o olho com as duas mãos, pois ele era totalmente sólido, tinha cerca de trinta centímetros de diâmetro e pesava aproximadamente dez quilos. - Esta é a chave? – perguntou Bulma incrédula - O olho do dragão? - Isso não é um olho verdadeiro, bárbara. É um artefato poderoso – respondeu Aramil. - Hargor tem razão, Aramil – disse Erol – você parece perturbado. Qual é o problema? Aramil girou o olho e todos puderam ver duas rachaduras; uma lateral e outra no centro. - Nossas flechas... – disse Astreya se recordando dos pontos onde as flechas que ela e Erol dispararam atingiram o olho mágico do dragão. - Não podemos mais usá-lo? – perguntou Hargor. - Apesar das rachaduras serem pequenas, elas foram causadas pelas flechas de Erol e Astreya, que eram mágicas – explicou Aramil – a energia arcana armazenada nele é imensa, e está completamente instável. Entre dois, ou no máximo três dias, ele explodirá. - E a explosão – continuou Aramil – seria mais poderosa do que dez sopros de Charoxx. - Então, precisamos consertá-lo – disse Oyama. - Os magos de Sindhar poderiam fazer isto – disse Erol. - Mas precisariam de vários dias de estudo – respondeu Aramil – dias que não temos.

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- Há uma alternativa... – disse Astreya – ouvi histórias sobre um gnomo que é especialista em itens mágicos. Na construção e reparo deles. - Um gnomo? – zombou Aramil sarcasticamente – Um GNOMO? Vamos deixar que Oyama conserte a chave de uma vez. - Vou consertar outra coisa se você não calar a boca... – retrucou o monge guerreiro. - Você acha que ele realmente pode fazer isso, Astreya? – perguntou Hargor. - Não sei – respondeu a barda – mas é a melhor chance que temos, e com as magias de teletransporte de Aramil, não perderemos muito tempo. - Gnomos são notoriamente conhecidos como grandes pregadores de peças, mas têm certa habilidade para lidar com itens mágicos. – disse Erol - É arriscado, mas parece a melhor chance que temos. - Muito bem – concordou Aramil com hesitação – preciso preparar minhas magias, mas amanhã iremos até este gnomo. Tempos desesperados pedem medidas desesperadas. - Enquanto o grande mago descansa – disse Oyama com um sorriso – vamos procurar o tesouro!

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Diário de Astreya III Mal posso acreditar no que aconteceu. No entanto, o alívio que se apodera de mim agora não consegue ser nublado nem mesmo pelo iminente perigo que temos ao levar a chave da Torre do Desespero partida em nossas mãos. Todos nós estamos vivos. É mais do que eu poderia esperar ou desejar. Não que eu não tenha desejado isso. Antes de irmos em busca do gnomo que poderá consertar a chave, no entanto, constatamos que precisávamos de um tempo, por menor que fosse, para descansar; Oyama e Hargor decidiram avaliar o tesouro de Charoxx, mas eu resolvi deitar-me por alguns minutos. Embora quase não tenha sido ferida, o que foi um golpe de sorte, minha mente e meu espírito estavam exaustos pelo medo e pela extrema ansiedade que o combate trouxera a todos nós. Apenas Oyama e Bulma continuaram a agir com suas personalidades usuais – até mesmo Aramil demonstra sinais de cansaço e preocupação. Coloquei minha cabeça em uma pequena rocha onde tentei simular um travesseiro com minha bolsa, e assim que fechei os olhos, não foi a bem-vinda escuridão do sono que eu vislumbrei. Compreendi imediatamente que estava tendo mais uma visão, provavelmente provocada pela tensão do combate. Havia uma torre negra em uma imagem distorcida que me provocou mal-estar. Logo depois, eu vi a mim e meus amigos, mas percebi que estávamos separados, perdidos, andando sozinhos em uma escuridão sem fim. Gritos de agonia se ergueram, e meu último vislumbre daquele lugar foi, estranhamente, o de um tigre. A visão mudou e eu percebi duas pessoas conversando. A imagem se aproximou e percebi que o

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tom da conversa era de uma discussão. Eram dois homens. Dois elfos. Um deles se levantou e eu soube imediatamente quem ele era, mesmo sem poder ver seu rosto. Quando a visão estava prestes a se desvanecer, uma sombra terrível apareceu para mim, algo que ria em tom de deboche. Eu não sabia o que ou quem aquilo era, mas senti um frio terrível percorrer minha espinha. Abri os olhos imediatamente, suando um pouco, e discretamente passei a escrever nesta diário, com o fim de registrar o que acabo de ver. Não falarei com meus amigos agora. Quero dar um tempo a eles. Quero dar um tempo a todos nós. Há muito dessa visão que eu não entendo, e não quero preocupá-los inutilmente. Devemos fazer o que podemos, agora. É óbvio que dificuldades nos encontrarão na Torre do Desespero, se conseguirmos chegar até lá. Disso todos já sabem. O que eu sei agora também, além disso, é que a conversa entre o rei Coran e o rei Thingol provavelmente não vai bem. Minha visão me revelou, intuitivamente, que algo aconteceu entre os dois, mas eu não sei o que é. Rezo para que minha visão esteja errada. Mas ela raramente está. Rezo para que Coran esteja bem. Que Lanto e Elvannus estejam conosco, e com os reis também. Astreya Adel Anathar

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Capítulo III: O gnomo, a bruxa e o

demônio

ogo após todos serem devidamente curados, foi decidido que o grupo permaneceria em uma clareira próxima à caverna de Charoxx durante aquela noite para repousar, e

que partiriam ao amanhecer à procura do mago gnomo indicado por Astreya, na esperança que ele pudesse consertar a chave que seria usada para abrir a Torre do Desespero. Era arriscado armar um acampamento fora da caverna, mas era preciso, pois o calor e a fumaça venenosa do covil de Charoxx os mataria se permanecessem lá por muito tempo. Por precaução, o grupo decidiu se revezar em rondas de duas horas para garantir que não seriam surpreendidos por eventuais inimigos enquanto dormiam. A noite passou e não houve problema algum. Quando todos despertaram, ao raiar do sol, se prepararam para fazer um rápido desjejum, enquanto Hargor fazia suas orações e Aramil preparava suas magias. Subitamente, Astreya gritou: - Pessoal, onde está Oyama?

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- Ou o idiota foi atrás do tesouro do dragão ou foi devorado por um gigante ou algo parecido – respondeu Aramil com desinteresse, sem tirar os olhos de seu grimório – Não que importe. - Nós temos que procurá-lo – disse Astreya irritada com o tom de voz do mago. - Por quê? – perguntou Aramil enquanto memorizava suas magias. - Calma... – respondeu Erol – Ele realmente foi atrás do tesouro. Eu disse que não havia nada lá, pois eu mesmo procurei, mas ele não acreditou e quis checar com os próprios olhos. - Droga! – ecoou a voz de Oyama de dentro do covil de Charoxx – realmente não há tesouro nenhum! - Eu avisei – respondeu Erol pegando um pouco de frutas secas e pão que o grupo trouxera de Sírhion e Sindhar. - Charoxx se estabeleceu aqui há pouco tempo – disse Hargor bebericando seu vinho enquanto Oyama voltava – Talvez ele não tenha tido tempo de trazer seu tesouro para cá. - Faz sentido – respondeu Astreya – afinal, estas montanhas fazem divisa com o reino de Darakar, e seria tolice trazer o tesouro para cá e correr o risco dos anões o tomarem. - Então onde está o tesouro dele? – perguntou Oyama tomado por uma grande frustração. - Na Torre do Desespero, provavelmente – respondeu Erol – de qualquer forma, precisamos ir. Aramil balançou a cabeça em desaprovação, se virou para Astreya e disse: - Procurar este gnomo é uma perda de tempo, mas, como não temos outra escolha, me diga quem é e onde podemos encontrá-lo.

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- O nome dele – respondeu Astreya – é Nubling Erkenwald – e se as histórias estiverem corretas, ele tem um laboratório na floresta de Kharnat, próxima às Montanhas de Ferro, a leste de... - Eu sei onde fica – interrompeu Aramil. Os heróis terminaram a refeição, recolheram o acampamento e se aproximaram do mago. Aramil começou a entoar um pequeno ritual, e a fazer alguns gestos fluidos e precisos com as mãos. Um clarão iluminou toda a clareira, e no instante seguinte, todos haviam sumido. Quando se deram conta do que havia ocorrido, o grupo se viu em uma grande e densa floresta, repleta de árvores imponentes de aspecto muito antigo. Subitamente, algumas árvores começaram a mover sutilmente seus poderosos galhos e Bulma teve a impressão que uma delas andara em sua direção. - Entes – disse Erol surpreso – esta floresta é guardada pelos pastores das árvores. - Eles são hostis? – perguntou Hargor. - Apenas se nos virem como ameaça para a floresta – respondeu o ranger. - Mande elas se afastarem de mim, elfo – grunhiu Bulma, empunhando seu machado – ou vou transformá-los em lenha. - Guarde o machado, meio-orc tola! – disse Aramil em tom severo – é por sua causa que eles estão tensos. Eles não conseguem diferenciar você de um orc, não que esta seja uma tarefa fácil. De qualquer forma, guarde seu machado agora! Bulma lançou um olhar feroz para o mago, e lançou um cuspe que atingiu a barra do manto de Aramil. Mas mesmo assim fez o que ele disse e guardou sua arma. Em seguida, Astreya começou a entoar uma suave melodia com sua harpa.

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“Espíritos da terra, do vento e da água, Nós saudamos estes nobres guardiões, que há eras Defendem com amor e firmeza estas terras. Oh, poderosos pastores, permitam nossa travessia, Pois mal algum virá destes que seguem o caminho da luz e da harmonia.” - Uma canção élfica... – observou Erol. - Que funcionou muito bem – concluiu Oyama – olhem! Lentamente, as majestosas árvores começaram a se mover e uma tênue trilha surgiu em meio à floresta. Ela era fina e sinuosa, e parecia ter mais de um quilometro de comprimento. Sem opções, os heróis seguiram em frente, com Erol tomando a dianteira. O grupo caminhou seguindo a trilha em silêncio por cerca de meia hora, tendo a forte sensação de estarem sendo observados. O vento soprava por entre as grossas copas das árvores, como se também estivesse vivo e monitorando cada passo que os heróis davam. - Até quando vamos precisar andar? – perguntou Bulma impaciente. - Até que o gnomo de Astreya salte das árvores para consertar o olho de Charoxx ou para nos contar piadas idiotas – resmungou Aramil. - Cale a boca, Aramil – respondeu Astreya zangada, realmente temendo que tudo aquilo se mostrasse uma grande perda de tempo. Quando chegaram próximos a um grande rochedo, viram um pequeno gnomo de cabelos escuros, trajando roupas negras e

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azuis. Ele surgira do nada, possuía um cavanhaque bem aparado e carregava uma grande bolsa, repleta de poções e pergaminhos. Ao notar a surpresa nos rostos dos heróis, ele se curvou educadamente e disse: - Saudações, nobres aventureiros. Bem vindos à Floresta de Kharnat. Eu sou Nubling Erkenwald. Em que posso servi-los? O gnomo fez mais uma mesura aos aventureiros e disse: - Espero que os guardiões da floresta de Kharnat não tenham lhes trazido problema. Com toda esta maldade que parece ter tomado conta de nosso mundo, eles estão mais alertas, e até um pouco paranóicos. - Foi por isso que viemos – disse Astreya baixando a cabeça em sinal de respeito – Meu nome é Astreya, estes são meus amigos Erol, Aramil, Hargor, Bulma e Oyama. Viemos à sua procura, senhor Erkenwald. - Entendo... – respondeu o gnomo coçando seu cavanhaque enquanto pensava por alguns instantes – bem, vamos entrar e tomar um chá enquanto vocês me contam toda a história. Neste momento, Nubling se virou para o grande rochedo e fez gestos rápidos e precisos com sua pequena mão. Um portal esverdeado surgiu instantaneamente. - Vamos, entrem – disse o gnomo sorrindo enquanto pulava no portal – não tenham medo! Os aventureiros se entreolharam por alguns instantes e Astreya disse: - Ele parece uma boa pessoa.

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- Para você, qualquer um que não tenha um par de chifres e língua bifurcada parece uma boa pessoa, Astreya – resmungou Aramil. - Já viemos até aqui – disse Hargor – vamos entrar. - Espero que ele tenha mais do que chá para servir – disse Bulma – estou com fome. - Haha - gargalhou Oyama – um pernil e um caneco de cerveja realmente cairiam bem agora... Nisso os heróis passaram pelo portal. Ao chegarem do outro lado, se surpreenderam, ao ver um imenso salão dentro da montanha, com diversas pedras exóticas que emitiam luzes de várias cores, estantes com centenas de livros e pergaminhos, um bem equipado laboratório de alquimia e muitos vidros contendo os mais variados tipos de poções. Satisfeito ao ver a expressão de espanto no rosto de todos os heróis, exceto Aramil, que se mostrava totalmente indiferente, Nubling conduziu todos até uma sala separada, que era iluminada por velas e pedras brilhantes, onde uma grande e bela mesa estava preparada, com oito pratos e xícaras, vários pães, uma cesta de biscoitos, muito queijo, duas grandes jarras brancas e três bules de chá. - Você sabia que viríamos ou vive com mais alguém? – perguntou Erol desconfiado, ao pensar que seria impossível ter arrumado aquela mesa para tantas pessoas em tão pouco tempo. - Na verdade, ranger – disse Nubling se sentando na ponta da mesa – tomei conhecimento da presença de vocês quando Astreya começou a cantar. Alguns animais amigos meus ouviram a bela canção e me avisaram que “amigos dos elfos” estavam na floresta. Mas, você está certo. Comigo, temos sete pessoas aqui e oito cadeiras. - então você vive com mais alguém? – perguntou Astreya.

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- Minha sobrinha – respondeu Nubling se servindo de chá –ela logo se juntará a nós. Agora se sentem, comam e me contem como eu posso ajudá-los. Durante cerca de uma hora, Astreya, Oyama e Hargor cotaram toda a história à Nubling. Aramil permaneceu calado e taciturno o tempo todo, enquanto Oyama e Bulma devoravam os pães felizes ao saber que as jarras brancas continham vinho. Vinho anão. Todos, exceto Aramil comeram e beberam. - O vinho é ótimo – disse Hargor ao beber uma caneca inteira de uma vez. - Sim, vem das Montanhas de Ferro – respondeu Nubling orgulhoso, pois vira que todos estavam apreciando muito sua refeição. Todos, exceto... - Lorde Aramil – disse em tom de brincadeira Nubling - coma, garanto que não há nada envenenado hoje. - Obrigado, mais não estou com fome – respondeu o elfo. - Os.. os biscoitos estão uma delícia, senhor Nubling – disse Astreya sinceramente, mas envergonhada pelo comportamento de Aramil. - Fui eu mesmo quem fiz! – exclamou Nubling – Então, vocês querem que eu conserte o olho do dragão, não é? Deixem-me vê-lo. Aramil tirou de sua bolsa mágica o olho de Charoxx, que era maior do que uma bola de cristal. Nubling pegou o orbe nas mãos e observou-o atentamente. Por fim disse: - Vocês fizeram bem em trazer isto a mim... ele está instável, e no máximo amanhã vai explodir se não for consertado. O que talvez vocês não saibam, é que este olho, além de uma chave mágica, é também a filactéria que contém a alma de um dragão lich.

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Todos ficaram boquiabertos com a revelação. Nem mesmo Aramil conseguiu esconder seu espanto. - O guardião da Torre do Desespero é um dragão lich que era ligado à Charoxx – disse Astreya – se a filactéria pertencer a ele... - Podemos usar o orbe para abrir a Torre e depois destruí-lo – completou Hargor. - Sim! – exclamou Nubling – parece que finalmente vocês tiveram um pouco de sorte. - Não – ecoou uma voz doce, porém firme vinda de das sombras de uma parede lateral – não tiveram. Os aventureiros e Nubling se viraram para a sombra e viram uma bela jovem meio elfa, trajando um vestido vermelho e um longo manto negro. Sua pele era clara, seus cabelos ruivos e os olhos castanhos. Ela parecia séria, como se estivesse controlando um grande pavor. - Esta é Selwyna, minha sobrinha adotiva – disse Nubling tentando amenizar um pouco o tenso clima que se instalara. - Selwyna – disse Astreya como se estivesse se lembrando de algo – A profetisa, a Bruxa da Rosa Negra? - A própria – respondeu Nubling olhando fixamente para a sobrinha, começando a ficar preocupado – o que houve, querida? - Sabendo que o guardião original não teria condições de oferecer resistência – disse Selwyna enquanto se aproximava, o mestre da Torre do Desespero trouxe diretamente de Pandemônio, da Cidadela do Massacre de Erythnul, uma criatura terrível. - Quem? – perguntou Hargor em tom severo.

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Quando Selwyna abriu a boca para dizer o nome, as pedras brilhantes que iluminavam a sala repentinamente se apagaram. Um vento frio e cortante surgiu do nada, apagando as velas da mesa, deixando o recinto na mais completa escuridão. Subitamente, o vento se tornou mais forte, e trazia consigo ruídos terríveis de mulheres e crianças agonizando enquanto eram brutalmente assassinadas, sons de ossos se partindo e gargalhadas. Muitas gargalhadas. - Há quanto tempo, velho Nubling... E você, bastardinha estraga prazeres, achou que seus avisos histéricos poderiam salvar vocês de mim? - Quem ou o que é este idiota? – perguntou Oyama. - O novo guardião, eu suponho – disse Aramil enquanto conjurava sutilmente uma magia para tentar descobrir se tudo aquilo se tratava de uma ilusão ou se a criatura realmente estava entre eles. - Estes são realmente os ventos de pandemônio – disse Hargor em tom severo – mas não consigo sentir o foco de toda a energia profana que está ao redor de nós. - Isto é porque – disse Selwyna em tom de desafio à criatura – ele não pode sair da torre, a menos que um ritual seja realizado. - E este ritual logo será realizado - respondeu a criatura com uma malícia absurda – Não vai me cumprimentar, Nubling? - Você... – disse Nubling remoendo memórias e colocando seus pensamentos em ordem – eu não conheço. E se achas que sou tolo a ponto de dizer teu nome e intensificar assim sua presença em minha casa, você também não sabe com quem está falando! - Esta criatura seguiu você até aqui, feiticeira? – perguntou Erol olhando na direção de Selwyna.

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- Não, ranger, ele seguiu vocês – respondeu Selwyna – eu fui alertada pelos espíritos que habitam o Lago de Cristal, onde eu estava, e vim para cá o mais rápido que pude. - Demônio, a menos que você vá descer aqui para ser espancado – disse Oyama estralando os nodosos dedos de suas mãos - suma logo porque estamos no meio de uma refeição. - Hahahahahahaha – você vai ser o primeiro, monge imundo – gargalhou a criatura. No instante seguinte, o vento parou de soprar, e as luzes novamente se acenderam. - Por Elvannus, Nubling, o que foi isso? – perguntou Astreya. - Um antigo conhecido - respondeu o gnomo pensativo – que se perdeu completamente em seu caminho. - Meio humana, você disse que ele veio atrás de nós – disse Aramil olhando com desconfiança para Selwyna – e há um ritual que supostamente irá liberá-lo da torre. O que você sabe sobre... - “Meio humana” – interrompeu Selwyna – está insinuando alguma coisa, mago? - Perdão, talvez eu deva chamá-la de bruxa mirim – respondeu Aramil irritado. Enfurecida, Selwyna se aproximou de Aramil com o punho fechado e desferiu um soco, quando sentiu a mão forte de Hargor segurando gentil, mas firmemente seu pulso. - Ele não vale o esforço, minha jovem – disse o anão olhando severamente para Aramil. - Aramil – gritou Astreya – nós somos convidados aqui! - Humph – resmungou o mago – eles sabem muito mais do que estão nos dizendo, sua tola. Mas como quiserem... - Peço desculpas a ti, nobre feiticeira meio- ELFA – disse Aramil fazendo uma reverência a Selwyna – Agora, se puderes,

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por gentileza explicar qual a relação que este monstro tem conosco... - Guarde suas desculpas hipócritas para si mesmo, mago – disse Selwyna aborrecida. - Querida, por favor... – disse Nubling ainda tenso, tentando acalmar sua sobrinha. - A relação entre vocês e este demônio, arqui-mago de Sindhar – disse Selwyna olhando fixamente nos olhos de Aramil - é que vocês precisam passar por ele para chegar ao topo da Torre do Desespero, e ele precisa devorar o coração de cinco de vocês para ficar livre em nosso mundo. Este é o ritual, e esta é a relação. - Ele realmente veio atrás de nós... – disse Astreya – nos desculpe pelo incômodo, senhor Nubling, e obrigada por nos orientar, Selwyna. - Se me permite perguntar, Selwyna, mais por necessidade do que por desconfiança – disse Hargor – como você soube de tudo isso? Que ele precisa do coração de cinco de nós para se libertar? - Tenho o dom de fazer premonições, e sempre que algo importante está para acontecer, os espíritos do lago de cristal me chamam, e o contato com eles “direciona” e amplifica minhas premonições – respondeu Selwyna. - Nossa... – disse Astreya sorrindo – tenho um dom semelhante também – parece que temos muito em comum além de agüentar as provocações de Aramil. Selwyna sorriu, pela primeira vez naquele dia, mas logo em seguida se voltou para Nubling, que estava sentado sério e compenetrado. - Qual é o problema, Gnomo? – perguntou Bulma, aborrecida por não poder ainda cravar seu machado no crânio do demônio.

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- Amigo, se ele aparecer aqui, nós protegemos vocês – disse Oyama dando um tapa amigável no ombro de Nubling. Nubling ficou em silêncio por um instante. Cruzou as mãos à frente do queixo e disse: - Se eu consertar o orbe, vocês irão à torre e serão mortos por ele. Depois, aquele monstro ficará solto em nosso mundo. Se eu não consertar, vocês não entrarão na torre, e ele ficará preso eternamente, mas enquanto o Tomo lá dentro estiver aberto, nosso mundo será gradualmente tragado pela escuridão. - Há uma terceira opção – disse Erol – e você sabe disso. - Vocês vencerem? – disse Nubling desanimado – pouco provável, amigo ranger. - Conserte o orbe – disse Hargor – nós cuidaremos do resto. - Mas se não cuidarem... – interrompeu Nubling, extremamente preocupado. - Selwyna, eu sei o que isto significa para vocês, - disse Astreya se voltando para a jovem bruxa - e que há coisas aqui que são dolorosas de serem sequer lembradas, mas por favor, confiem em nós. - Tio... – disse Selwyna após considerar as palavras de Astreya – faça o que pedem. Deixemos o destino correr seu curso natural. Após um longo silêncio, Nubling se levantou com um sorriso e disse: - Muito bem, farei isso. Precisarei de algumas horas, mas o orbe será consertado. Não temos muitos quartos aqui, mas podemos acomodar todos razoavelmente bem. Nem tanto. Quando a noite caiu, os aventureiros descobriram que havia apenas um quarto disponível, além do quarto de Selwyna. No quarto da jovem, ficaram ela, Astreya e Bulma.

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Entediada, a meio orc rapidamente adormeceu, mas, as duas meio elfas passaram várias horas conversando sobre visões e principalmente, sobre pessoas queridas e importantes. Pessoas com que se queria estar, mas por algum motivo ou outro, este desejo era momentaneamente negado pelo destino. Já no quarto de Nubling, ficaram Oyama, Hargor, Erol e Aramil enquanto o gnomo trabalhava. Aramil se enfureceu com o fato e disse que Oyama só poderia entrar lá após tomar um banho; o monge, por mera diversão, fez questão de demonstrar os piores hábitos de higiene imagináveis e os quatro heróis passaram uma noite bastante conturbada em meio a gargalhadas, vinho, arrotos e ameaças de morte. Ao amanhecer, o mago gnomo entregou à Aramil o olho de Charoxx completamente restaurado, e fora da caverna, frente ao mesmo rochedo onde os heróis encontraram Nubling pela primeira vez, todos se despediram. - Muito obrigado por sua ajuda, nobre amigo – disse Hargor apertando a mão de Nubling – e não se preocupe, pois não falharemos. - Confio em vocês – respondeu Nubling sorrindo – se vocês foram capazes de arrancar o olho de um dragão abissal, conseguirão superar isso também! - É assim que se fala – disse Oyama dando um tapa nas costas do gnomo – este demônio vai virar esterco quando acabarmos com ele. - Obrigada por tudo, Selwyna – disse Astreya à jovem feiticeira enquanto trocavam um forte abraço – Fique tranqüila, pois tudo dará certo.

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- Espero que sim, minha amiga – respondeu Selwyna com um sorriso – e que logo possamos comemorar alguns casamentos também. Ao terminar de preparar sua magia de teletransporte e reunir todo o grupo, Aramil se voltou para Nubling e disse: - Você tem uma grande habilidade, Erkenwald; uma habilidade pouco vista mesmo entre os elfos. Obrigado, e adeus. Quando o grupo desapareceu, Nubling se virou para Selwyna e disse: - Você está preocupada. - Não é nada... – respondeu a feiticeira, tentando esconder a tristeza. - Eu conheço você, querida – disse Nubling segurando a mão de Selwyna. Diga-me o que há. Está preocupada com o desfecho do que há de ocorrer na Torre do Desespero? - Não... – respondeu ela em tom sombrio. - Então com o que? – perguntou Nubling com uma expressão bastante preocupada no rosto – o que você viu? - Eles irão para um lugar antes de partirem para a Torre do Desespero – disse ela enquanto uma lágrima escorria – e neste lugar, um deles, não sei ainda quem, irá perecer de uma forma terrivelmente brutal.

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Capítulo IV: Thurxanthraxinzethos

teletransporte de Aramil levou o grupo até uma pequena colina, isolada em uma grande e cinzenta planície. O céu estava escuro, coberto por nuvens

negras e mal cheirosas, enquanto o chão da colina parecia cinzento e completamente sem vida. Ao longe, os aguçados olhos dos elfos podiam ver uma imensa torre, cujo topo parecia rasgar impiedosamente o próprio céu. - Aramil... – disse Oyama olhando para a vastidão ao redor deles – não dava para nos levar um pouco mais perto? - Por que parar perto da torre quando podemos fazer uma caminhada agradável de vinte quilômetros nesta bela paisagem repleta de orcs, wargs e demônios que vivem no subterrâneo? – respondeu Aramil com um insuportável tom de sarcasmo. - Era só falar que você não consegue nos levar para perto, mago – respondeu Oyama rindo em tom de provocação – nós compreendemos as suas limitações. - Meus parabéns – retrucou Aramil – talvez algum dia eu seja capaz de compreender a extensão das suas também. - Calem a boca – gritou Bulma – onde nós estamos?

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- Nas Terras Sombrias – respondeu Astreya, demonstrando repentinamente estar sentindo-se um pouco tonta – uma grande guerra entre diabos e demônios ocorreu aqui eras atrás, e devastou invariavelmente toda a região ao sul do Deserto de Kamaro. Se não lacrarmos o Tomo dos Cânticos Profanos na Torre do Desespero, esta paisagem vai se espalhar por toda Elgalor dentro de alguns anos. - Você está bem, jovem? – perguntou Hargor. Antes que Astreya pudesse responder, ela perdeu os sentidos e caiu, sendo segurada às pressas pelo clérigo anão. Hargor deitou cuidadosamente a barda no chão, e percebeu que ela estava com muita febre. - O que significa isso, Hargor? – perguntou Erol se aproximando – o ar deste lugar fez isso com ela? - Não – respondeu Aramil – se ficarmos muito tempo aqui, realmente adoeceremos, mas isso levaria dias. Ela deve estar tendo alguma de suas visões. - Sim – disse Oyama observando a barda – desde que nos reencontramos, ela não havia tido nenhuma visão, e eu até achei que elas tinham passado, mas... Neste instante, Astreya emitiu um grito de pavor indescritível, e levantou seu tronco do chão, ficando sentada. Sua boca parecia seca e seus olhos estavam completamente arregalados. - Erol, Bulma, vigiem o perímetro – disse Hargor se abaixando e dando o cantil de água para Astreya – este grito pode ter chamado a atenção das criaturas deste lugar. - “Pode” – disse Aramil olhando ao redor. Erol e Bulma se posicionaram cada um de um lado diferente da colina com as armas em punho. - Astreya, você está bem? – perguntou Oyama.

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Vendo que a barda ainda parecia estar em choque, Hargor fez uma rápida oração e envolveu Astreya em uma tênue aura de energia, que lentamente fez com que a meio-elfa se acalmasse e recobrasse plenamente os sentidos. - Obrigada, Hargor, e a você também, Oyama – disse a barda bebendo um pouco de água – Nós temos que sair daqui agora. - O que você viu? – perguntou Aramil relutante, pois sabia que as visões de Astreya, apesar de confusas e enigmáticas, sempre traziam consigo uma verdade terrível – O demônio guardião da Torre? - Não, não é nada relacionado à Torre – respondeu a barda se levantando – É algo muito mais sério, e muito pior. - Muito bem, agora você conseguiu oficialmente me deixar preocupado – disse Oyama – O que está acontecendo, Astreya? - Minha visão foi confusa, mas bastante real – respondeu a barda tentando organizar seus pensamentos para transmitir sua visão da maneira mais clara e coerente possível. - Vi uma grande floresta, um imenso reino élfico – disse Astreya – não parecia Sindhar ou Sírhion. Um enorme dragão vermelho sobrevoou árvores de aparência milenar, e uma horda de orcs e meio dragões adentrou a floresta destruindo brutalmente os elementais e Ents que tentavam proteger o local. Os elfos lutaram, e destruíram praticamente todo o exército invasor, mas foram massacrados na batalha. O dragão queimou quase metade da imensa floresta, mas teve que fugir, pois percebeu que não era páreo para a fúria dos guardiões Ents que restaram. De pé, só havia duas pessoas. Um rei élfico, que usava uma coroa de madeira branca com uma safira incrustada, e um meio dragão que trajava uma armadura negra e portava uma imensa espada flamejante. Por alguma razão, ele me assustava muito mais do que o dragão vermelho.

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- Você está se referindo ao reino de Elvanna, o lar dos Elfos Silvestres – disse Erol, prestando atenção às palavras de Astreya enquanto vigiava – boa parte de meu treinamento como ranger se deu lá. - Como suas visões sempre avisam sobre o que está para acontecer – observou Bulma – ainda temos tempo de chafurdar os desgraçados no próprio sangue. A torre pode esperar. - Continue, Astreya – disse Hargor. - O rei e o meio dragão lutaram – disse a barda – após uma luta intensa em meio às chamas, o meio dragão enterrou sua espada flamejante no peito do rei élfico e jogou seu corpo nas chamas. Logo depois disso... - Astreya? – perguntou Oyama ao ver que sua amiga havia novamente ficado completamente pálida. - ... depois disso – continuou Astreya se recompondo – o meio dragão arrancou a cabeça do rei élfico e gargalhou enquanto a levantava no ar. Tudo ficou escuro depois disto, e então... - A profecia de Urakan – interrompeu Aramil completamente perplexo, ao entender onde a história de Astreya levaria – Se os malditos conseguirem a cabeça do rei Karanthir... - Sim – gritou Astreya enquanto lágrimas escorriam de seu rosto – saindo da escuridão, eu vi a sombra de um orc caolho enorme, carregando um imenso machado e rumando com um exército gigantesco sobre Sírhion e Sindhar, matando e destruindo tudo o que podiam encontrar. Mulheres, crianças, TUDO! - Não podemos deixar isso acontecer – disse Hargor furioso, imaginando que o mesmo poderia acontecer com seu povo se um rei anão também tombasse diante de tais inimigos – Aramil, você pode no levar para Elvanna? - Agora mesmo – disse o mago cheio de ódio em sua voz. Apesar de não dedicar sua vida em prol de seu povo, como os

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reis Coran e Thingol faziam, ele jamais permitiria que os membros de sua raça sofressem tamanha dor. - Enxugue os olhos, Astreya – disse Bulma gentilmente (para seus padrões) enquanto abria um sorriso assustador – Vamos matar e desmembrar muitos orcs e meio dragões. Deixe que eles derramem lágrimas enquanto imploram inutilmente por misericórdia. Hahahahahaha! - Vamos – disse Erol com o frio olhar de um assassino – minhas espadas estão sedentas. - É assim que se fala – disse Oyama vibrando com a expectativa da batalha que logo ocorreria – estes desgraçados não sabem com quem mexeram! - Thanor, grande Senhor e Pai dos anões – gritou Hargor erguendo seu martelo – conceda-nos sua benção e sua fúria divina nesta batalha! Que a força de teu martelo e o vigor de tua bigorna preencham nossos corpos e espíritos. - Sim, meus amigos – disse Astreya enxugando as últimas lágrimas de seu rosto – vamos dar um basta nisso. Aramil conjurou mais um teletransporte e todos os bravos heróis desapareceram em um piscar de olhos. Coincidência ou não, um relâmpago rompeu no céu neste exato instante. ............................ Levado pela magia de teletransporte de Aramil, o grupo de heróis foi conduzido para a Grande Floresta de Elvanna, lar dos elfos silvestres. Para o espanto de todos, o local estava em

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chamas, e era mais fácil ver fogo e fumaça do que árvores naquele local. - Chegamos muito tarde? – Exclamou Astreya temendo pelo pior. - Não... – respondeu Erol examinando atentamente o ambiente ao seu redor – o fogo começou a se alastrar há pouco tempo. Ainda podemos fazer alguma coisa. Aramil ergueu seu cajado dourado e começou a recitar uma magia: - Nobres filhos da água e do vento, atendam agora meu chamado. Que vós e vossas crianças dancem intensamente nesta grande floresta, e que o fogo recue perante vossa força. Instantes depois, o cajado do mago brilhou, e dois grandes elementais, um de água e outro de vento, seguidos por dezenas de espíritos elementais menores, se espalharam e começaram gradualmente a apagar o fogo daquela região. - Os espíritos não serão capazes de apagar todo o fogo, mas impedirão que ele se alastre – disse Aramil – ao menos nessa região. - A situação é bem pior do que eu imaginava – comentou Hargor com um semblante ainda mais sério no rosto – Segundo as lendas, Elvanna possui um encantamento semelhante àquele que protege Sindhar, uma barreira poderosa que impede qualquer um que não tenha sangue élfico de colocar os pés na floresta. Se o teletransporte conseguiu trazer Oyama, Bulma e a mim para dentro, significa que a barreira já foi destruída. - É provável – respondeu Aramil em um tom sombrio.

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Erol se abaixou, deslizou seus dedos sobre o solo e estudou-o por alguns instantes. Quando se deu por satisfeito, levantou-se e olhou para seus companheiros. - Um grupo grande de criaturas bípedes e pesadas passou por aqui há menos de meia hora – disse o ranger - Cerca de vinte, e provavelmente estavam armaduradas. Uma delas, a maior de todas, estava visivelmente na frente, como se conduzisse a pequena tropa. Se formos rápidos, podemos interceptá-los. - Isso será difícil se corrermos no meu ritmo - resmungou Hargor – Oyama, Bulma e Erol são os mais rápidos e devem ir na frente para ganharmos tempo. Astreya, Aramil e eu seguimos logo atrás. - Não é sábio nos separarmos, mas dada a situação – ponderou Aramil – não temos escolha. - É verdade – respondeu Astreya – Vão, amigos, o mais rápido que puderem! Erol concordou acenando a cabeça e o ranger, Oyama e Bulma se adiantaram rapidamente na frente. Apesar da grande dificuldade que era seguir rastros enquanto se está correndo, Erol era um ranger bastante experiente e conhecia bem aquela floresta. Por onde passavam, ele deixava uma marca com sua espada, para que Astreya, Aramil e Hargor pudessem saber para onde ele e seu grupo estavam indo. Após alguns minutos de marcha rápida através de um caminho muito tortuoso, Erol e seus companheiros já podiam ouvir sons de gritos e espadas se chocando. Agora, sem a necessidade de seguir rastros, os três combatentes correram com todas as forças de suas pernas, e puderam ver uma grande clareira, e uma feroz batalha em curso.

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Os vigorosos elfos silvestres, usando bem trabalhadas e resistentes armaduras verdes- escuras, brandiam habilmente suas belas espadas élficas contra um exército de guerreiros meio dragões de couro vermelho, que trajavam pesadas armaduras peitorais e portavam grandes espadas curvadas e escudos. Ao lado dos elfos, vários animais como lobos, ursos e até leões batalhavam ferozmente. No chão, jaziam os corpos de pelo menos cinqüenta guerreiros e guerreiras élficas, e um número semelhante de meio dragões e animais selvagens. Apesar do combate parecer equilibrado naquele local, mais e mais meio dragões vermelhos pesadamente armadurados adentravam o campo de batalha. - Eles estão vindo por todos os lados – disse Erol sacando suas espadas enquanto corria na direção de um meio dragão. - Ótimo! – gritou Bulma enquanto rosnava e entrava em um estado de fúria sanguinária. Oyama, que era capaz de correr ainda mais rápido que seus companheiros, avançou, deu um salto para frente e desferiu um poderoso chute circular que atingiu a cabeça de um meio dragão com a força de dez martelos. A criatura baqueou, rosnou e furiosamente desferiu um golpe de sua pesada espada contra o monge. - Isso não vai ser fácil – resmungou Oyama para si mesmo enquanto se esquivava do golpe de seu inimigo e desferia um soco certeiro bem na garganta do meio dragão, que por muito pouco não permaneceu de pé – isso não vai ser fácil... Sabendo que o couro dos meio dragões era extremamente resistente, e que além disso eles estavam bastante armadurados, Erol conteve sua velocidade e permitiu que o meio dragão que enfrentava atacasse primeiro. O meio dragão desferiu uma

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mordida que teria arrancado o braço do ranger se ele não tivesse desviado, e em seguida, golpeou furiosamente com sua espada. Erol bloqueou com dificuldade o golpe de seu inimigo com a espada de sua mão esquerda, firmou sua base, e com o braço direito enterrou sua outra espada no olho do meio dragão, que uivou de dor e em seguida caiu morto no chão. Bulma correu na direção de um meio dragão completamente sedenta por sangue. Ela já estava há dias sem lutar e desejava compensar todo este período de morosidade neste combate. O meio dragão, ao reconhecer que aquela era uma oponente que poderia fazer frente a sua força física, respirou fundo e lançou um sopro de fogo em direção à bárbara meio orc. Bulma apenas protegeu os olhos com os braços e continuou em frente, sentindo seu corpo queimar, mas sem diminuir o ritmo de seu ataque em momento algum. Surpreso, o meio dragão posicionou seu escudo e se preparou para desferir uma poderosa estocada no peito da bárbara. Bulma, no entanto, por puro instinto se esquivou do golpe de espada e baixou ferozmente seu machado sobre o braço do meio dragão, arrancando-o impiedosamente. Tomado pela dor e pela surpresa, o meio dragão cambaleou, e quando se posicionou novamente, foi apenas para ver o feroz machado de Bulma atravessando seu pescoço com uma força indescritível. O combate prosseguiu intenso por mais alguns minutos; nobres guerreiros elfos, animais selvagens e poderosos meio dragões caiam um a um em meio a uma imensa carnificina, até que no fim só restaram Oyama, Erol e Bulma de pé no campo de batalha. De pé, mas extremamente feridos.

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- Irmão... – disse um guerreiro elfo à Erol, com grande dificuldade. Ele estava caído no chão com um grave ferimento em seu abdômen - Vocês precisam salvar o rei Karanthir. Se Thurxanthraxinzethos chegar até ele, estaremos todos condenados... - Quem? – perguntou Oyama. - Provavelmente o líder dos meio dragões – respondeu Erol ao ver que o guerreiro elfo perecera devido à gravidade de seu ferimento – precisamos partir agora. O Grande Carvalho do rei Karanthir fica a norte daqui. Porém... - Porém o que, elfo? – interrompeu Bulma enquanto cuspia sangue. - Se formos neste estado, não ajudaremos em nada – respondeu o ranger irritado, observando que os três mal conseguiam se manter de pé – precisamos esperar Hargor e Astreya. - Não... – disse Oyama colocando a mão em uma pequena bolsa presa a seu pesado cinturão - Quando saímos de Darakar, Hargor meu deu isto para eventuais emergências. O monge tirou três pequenas poções, abriu e tomou uma e deu as restantes para Erol e Bulma. - Bebam – disse ele enquanto seus ferimentos lentamente se fechavam- Eu ainda tenho mais uma sobrando. - Ótimo – respondeu Erol bebendo sua poção enquanto fazia uma pequena marca no chão com sua espada, para indicar a seus amigos o caminho que os três haviam seguido. - Vamos logo – disse Bulma após tomar a poção e sentir suas forças retornarem – quero ver como é esse tal de Thurxanthraxinzethos. Alguns minutos depois que Erol, Bulma e Oyama partiram em direção ao Grande Carvalho, Astreya, Aramil e Hargor chegaram à clareira onde seus amigos enfrentaram os guerreiros

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meio dragões. Hargor e Astreya examinaram todos os elfos feridos naquele cruel campo de batalha, e constataram que realmente, todos estavam mortos. - Por Thanor, o que houve aqui? – exclamou Hargor – mais da metade desta floresta foi destruída pelo fogo, e agora isso... - Pelo menos – disse Astreya com a cabeça baixa em respeito aos nobres elfos que morreram protegendo seu lar – Erol, Bulma e Oyama conseguiram sobreviver e prosseguiram, já que não vemos o corpo de nenhum deles aqui. - Sim, eles sobreviveram – disse Aramil observando algumas marcas no chão – e segundo o sinal de Erol, eles foram para o Grande Carvalho, o local onde fica o trono do rei Karanthir. - O local – continuou Aramil – não pode ser alcançado por meios mágicos, mas como já estive lá, posso criar uma porta dimensional que nos levará para perto. - Faça isso – respondeu Hargor de forma extremamente séria enquanto olhava ao redor como se procurasse algo – apenas me diga a direção, que alcanço vocês depois. - Como assim, Hargor? – perguntou Astreya surpresa – se você sente algo errado, ficaremos todos juntos. - Não! – respondeu o anão – nossos companheiros provavelmente enfrentarão o grande responsável por tudo isso, e precisarão de ajuda. - Então vamos todos juntos – retrucou Astreya – não vou deixar você para trás. - Se formos todos juntos, seremos atacados pelas costas no pior momento possível – respondeu Hargor impaciente - por favor, Astreya, faça o que eu digo. - Siga em direção ao norte, clérigo – respondeu Aramil enquanto começava a se concentrar para conjurar uma magia – Vamos, Astreya.

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A barda olhou para Hargor e, com grande hesitação, se virou para Aramil, que havia conjurado um pequeno portal de cor esmeralda. - Tome cuidado, meu amigo – disse Astreya com grande temor na voz – tome cuidado. Aramil passou pelo portal que havia conjurado e Astreya seguiu logo atrás do mago elfo. Assim que o portal se fechou, Hargor gritou: - Pode aparecer, covarde. Somos apenas nós dois agora! Neste instante, um vulto negro, de cerca de dois metros de altura começou a se formar cerca de dois metros a frente do clérigo anão, bem no meio da clareira. Era um meio dragão, de escamas vermelho sangue, protegido por uma espessa armadura de batalha negra e um grosso manto rasgado, escuro como a noite. Em sua mão direita, ele carregava uma ornamentada e afiada lança. A criatura sorriu maliciosamente e disse: - Covarde? Por que eu teria o trabalho de enfrentar vocês três juntos, se tenho a oportunidade de matar você facilmente agora e depois caçar o mago e a barda com tranqüilidade? Você foi um tolo, clérigo, em ter permitido que seus amigos partissem. - E apenas para constar – disse o meio dragão em meio a uma sádica risada enquanto enfiava a ponta de sua lança no chão – não seremos apenas “nós dois agora”. Rapidamente, o chão de toda a clareira assumiu um aspecto negro e apodrecido. Instantes depois, todos os elfos, animais selvagens e meio dragões se ergueram, com um doentio brilho vermelho em seus olhos. Eles babavam e rosnavam, e caminhavam de maneira fria e implacável em direção ao clérigo anão. - Mortos vivos... – disse Hargor apertando com força o cabo de seu martelo.

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- Não deveria fazer esta cara de nojo, nanico – zombou o meio dragão – Afinal, você logo se juntará a eles... Os mortos vivos avançaram violenta e impiedosamente sobre Hargor. O anão ergueu seu martelo, gritou o nome de seu deus e golpeou o chão vigorosamente. Uma onda de choque composta por uma luz clara como os primeiros raios do sol do amanhecer banhou toda a clareira, desintegrando instantaneamente todos os mortos vivos presentes. - Não me subestime, chacal – disse Hargor apontando seu martelo na direção do meio dragão – se quer matar Hargor Martelo de Mitral, venha, e tente fazer isso como um homem! O meio dragão sorriu e assumiu posição de combate. - Você não vai falar assim tão grosso quando estiver empalado na minha lança e com a barba raspada, lambe botas de Thanor – gritou o meio dragão – A propósito, meu nome é Ar- Zerakk, e eu aceito o seu “desafio”. ................................................ Logo que passaram pelo portal, Aramil e Astreya se depararam com a floresta em chamas, e com uma cena que nenhum dos dois jamais imaginaria contemplar em vida. Um imenso dragão vermelho, do mesmo tamanho que Charoxx, se digladiava com quatro Ents gigantescos, cujos vigorosos troncos mediam mais de dez metros de altura. O dragão queimava e mordia violentamente os galhos dos poderosos pastores das árvores, mas urrava de dor ao sentir suas escamas, e talvez até mesmo seus ossos, se partindo devido à pressão exercida pelos nodosos “braços” dos Ents que o prendiam. - Vamos sair daqui rápido – disse Aramil – isto está muito além de nosso poder.

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- Verdade – disse Astreya se recordando de sua visão – Somos necessários em outro lugar. Os dois heróis correram cerca de dois minutos e encontraram uma verdadeira parede de névoa verde. Aquela, como ambos sabiam, era a barreira que protegia o Grande Carvalho, e o trono do rei Karanthir. - Ela está falha em alguns pontos – observou Astreya após alguns instantes. - Sim - disse Aramil tenso, olhando ao redor com grande preocupação em seu semblante. - Estou sentindo alguma coisa – disse Astreya - energias arcanas se acumulando ao redor. Subitamente, um relâmpago rasgou o ar, surgindo aparentemente do nada. Aramil recitou um rápido encantamento e estendeu seu cajado à frente. Uma barreira protetora surgiu ao redor dos dois, dissipando o relâmpago no último instante. O mago elfo bateu seu cajado dourado no chão, e um pulso de energia se espalhou por um raio de seis metros. Neste momento, Astreya viu escondido entre as árvores um meio dragão, coberto por um longo manto vermelho, portando um cajado negro feito de ferro. - Ali – disse a barda sacando seu arco de prata e disparando uma flecha certeira. Para o espanto da barda, sua flecha passou pela garganta do meio dragão como se ele fosse um fantasma ou uma ilusão. - Deixe que eu cuido disso – disse Aramil com imensa presunção na voz – entre na barreira e se faça útil. Por um instante Astreya desejou que o meio dragão realmente desse uma lição de humildade no mago, mas logo afastou este pensamento de sua mente.

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- Tome cuidado, “alto elfo”- disse ela enquanto desaparecia em uma das falhas na barreira. - Um mago ficando sozinho para trás? – ecoou uma voz sinistra, que parecia vir de toda parte – ou você é muito nobre ou muito tolo. De qualquer forma, será apenas um punhado de poeira quando isso terminar. Aramil ergueu seu cajado e se concentrou. Combates entre guerreiros poderosos eram sempre emocionantes, e poderiam ter resultados surpreendentes, que por vezes apenas se revelavam no último instante da contenda. Já duelos entre magos são extremamente mortais, e normalmente o vencedor é definido no primeiro movimento que ambos fazem. Não haveria tempo para bravatas nem debates morais. Um único erro certamente culminaria em uma morte dolorosa e talvez humilhante. Aramil sabia disso. E seu inimigo também. ..................................................... Hargor e o meio dragão Ar- Zerakk se encararam por alguns instantes; o anão sabia que seu inimigo era fisicamente muito superior a ele, e Ar- Zerakk sabia que clérigos anões costumavam ser combatentes perigosos. Após tensos instantes, ambos gritaram, quase que ao mesmo tempo, o nome de seus deuses e avançaram ferozmente. - Vou oferecer seu crânio a Tiamat depois de desmembrá-lo, anão maldito – gritou Ar- Zerakk enquanto desferia um golpe

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impiedoso com sua lança, que fora habilmente barrado pelo escudo de Hargor. - Eu ofereceria seu crânio imundo à Thanor, desgraçado – respondeu Hargor golpeando com seu poderoso martelo, que também foi bloqueado por um hábil movimento de seu inimigo – mas não vai sobrar nada dele quando eu tiver terminado. Assim, os dois lutaram. Não haveria tempo para conjuração de magias, bênçãos ou feitiços de cura. Martelo e lança se chocavam com um impacto terrível. Os golpes de Ar- Zerakk eram mais fortes, e mesmo quando o escudo de Hargor os desviava, o anão sentia o pesado impacto lesionando seu braço direito. Em resposta, o anão golpeava vigorosamente em locais onde a armadura do meio dragão o protegeria menos da força de seu martelo. Nos primeiros dois minutos do combate, a lança de Ar- Zerakk chegou muito perto de arrancar o olho esquerdo de Hargor e atravessar a garganta do anão. O martelo de Hargor atingira em cheio as costelas do meio dragão, quebrando três delas mesmo com a proteção da armadura. Aos cinco minutos, ambos estavam sangrando, com ossos fraturados e muito cansados. Contudo, não haveria descanso. Muito menos piedade. ..................................................... Aramil ergueu seu cajado e avaliou a situação. Seu inimigo estava escondido com o uso de magia. Uma magia que poderia ser facilmente dissipada, pensou o mago elfo. Todavia, se gastasse alguns instantes para dissipar o ardil de seu inimigo, ele contra-atacaria instantaneamente, e isto poderia ser o fim do mago de Sindhar. Se seu inimigo realmente fosse um meio

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dragão, poderia usar um sopro de fogo caso chegasse mais perto, e se ambos entrassem em combate corpo-a-corpo, Aramil sabia que morreria antes que conseguisse gritar. Temendo ser destruído em um ataque pelas costas, seu inimigo não iria atrás de Astreya enquanto não tivesse certeza sobre a morte do elfo. Tudo isto passou pela mente do mago em poucos segundos. Levando em conta todas as possibilidades ele gritou um breve encantamento em élfico e bateu seu cajado contra o chão. Neste instante, uma corrente de relâmpagos rompeu das árvores, e o raio principal rasgou o ar na direção de Aramil, explodindo contra uma redoma de energia criada pelo mago. Aramil não poderia atacar seu inimigo, mas estava protegido. Na pior das hipóteses, isto conseguiria tempo para Astreya, Erol, Oyama e Bulma. Ou talvez não. ............................................ Astreya passou pela barreira da floresta, caminhou poucos metros e viu Oyama, Bulma e Erol olhando algo à frente deles. Parecia uma névoa verde, ainda mais densa do que a barreira que a meio elfa havia atravessado; dentro dela, só era possível ver a sombra majestosa de uma árvore ancestral, que parecia velha e enfraquecida. Sem dúvida, este era o trono do rei Karanthir. Aos pés dos heróis, jaziam três meio dragões, incrivelmente grandes e bem armadurados; um com o crânio esmagado, um sem a cabeça e o último sem os dois braços. Por reflexo, Erol olhou para trás e viu Astreya. Em seguida, Bulma e Oyama

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fizeram o mesmo. A barda notou que todos estavam extremamente feridos e cobertos de sangue. - Amigos... – disse Astreya tirando o cajado de cura de sua bolsa arcana – não se preocupem, pois vocês vão ficar bem. - Onde estão Hargor e Aramil, Astreya? – perguntou Oyama. - Ficaram para trás... – respondeu a barda sentindo um enorme peso em seu coração - para que eu pudesse chegar até vocês. - Rápido Astreya! – gritou Erol enquanto olhava atentamente para a densa névoa – algo está se movendo. Astreya ergueu seu cajado, proferiu um pequeno encantamento em forma de música e uma onda de energia positiva envolveu seus amigos, curando-os quase totalmente. - Talvez... – disse Astreya tentando encorajar seus amigos – talvez seja o rei Karanthir. Agora todos podiam ver a movimentação e observavam com atenção absoluta o vulto que se movimentava em direção a eles. Subitamente, algo voou para fora da névoa. Era realmente o rei Karanthir. Ou o corpo dele. O outrora altivo e nobre elfo agora não passava de um corpo quebrado e banhado em sangue; ele estava queimado, sem um dos braços e com o pescoço visivelmente quebrado. Logo atrás, caminhava lentamente uma pesada e imponente criatura de quase três metros de altura. Suas escamas variavam entre o vermelho sangue e o marrom, sua armadura de batalha era vermelha e negra, como se tivesse sido forjada no próprio inferno. Em sua mão direita, ele carregava uma espada flamejante maior do que o machado de Bulma, e preso ao braço direito, um pesado escudo de metal. Seu corpo e armadura eram

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marcados por dezenas de cicatrizes, provando que aquele era um guerreiro que já vira muitos campos de batalha. - O maldito elfo deu mais trabalho do que eu esperava – disse a criatura olhando sarcasticamente para os heróis – mas se vieram impedir que eu matasse o inseto ou que meu exército destruísse este reino ridículo, perderam a viagem. - Ainda há tempo para fazer uma coisa, desgraçado! – gritou Erol mostrando uma fúria que seus companheiros jamais haviam visto no calmo e frio ranger – Você é Thurxanthraxinzethos? - E se for, cheirador de flores? – provocou o imenso meio dragão – O que você vai fazer? Sangrar em mim? Ou vai chorar até eu ficar com pena de vocês e ir embora? - CHEGA! – Gritou Erol disparando com suas espadas em direção ao seu inimigo – quero ver você fazer piadas com dois palmos de aço atravessando sua garganta! - Deixe um pouco para mim, elfo – gritou Oyama rangendo os dentes enquanto corria com os punhos cerrados e ódio nos olhos. Bulma lançou um grito bestial e correu ferozmente na direção do meio dragão. Aquele seria um adversário difícil, e isto agradava a bárbara. Astreya controlou sua raiva e começou a entoar um poderoso cântico de batalha, que inflamou os corações de seus companheiros tornando seus espíritos de luta ainda mais formidáveis. - Dizem que vocês três estão entre os melhores combatentes de Elgalor – disse o meio dragão sorrindo maliciosamente enquanto assumia uma postura ofensiva de combate – mas perto de Thurxanthraxinzethos, vocês são apenas insetos. Ou menos do que isso.

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Astreya manteve o cajado de cura firme em suas mãos, pois sabia que teria que usá-lo muito. Ela cantava, mas seu coração estava tenso, e suas pernas tremiam. Como se algo terrível estivesse para acontecer. Motivados ainda mais pela canção de batalha de Astreya, Oyama, Erol e Bulma se lançaram ferozmente contra Thurxanthraxinzethos. O meio dragão sorriu e avançou na direção de Erol, posicionando seu escudo para bloquear a investida de Bulma. Completamente tomado pela fúria, Erol não recuou. Mas mesmo cego pela raiva, o ranger não era tolo. Thurxanthraxinzethos desferiu um golpe veloz com sua enorme espada flamejante, que visava o pescoço do elfo. Com grande agilidade, Erol se abaixou dobrando seus joelhos e jogando suas costas para trás, e a lâmina de Thurxanthraxinzethos passou a menos de três centímetros de sua cabeça. Aproveitando a oportunidade, Oyama desferiu um poderoso golpe nas costas do meio dragão, e o impacto foi tão forte que a pesada armadura de Thurxanthraxinzethos rachou no ponto onde foi atingida. Bulma golpeou com grande selvageria, mas seu machado foi bloqueado pelo poderoso escudo do meio dragão. Erol se esquivou para o lado direito, golpeando com precisão absoluta a perna do meio dragão, onde sua armadura não o protegeria tanto. Thurxanthraxinzethos rosnou de dor e ódio e baqueou por um instante, e Oyama acertou mais um soco, desta vez, na região das costelas do meio dragão. Bulma golpeou impiedosamente e seu machado agora foi capaz de rachar o escudo de Thurxanthraxinzethos.

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A batalha ia bem, mas Astreya observava tudo com imensa apreensão. Eles estavam próximos demais, e se moviam rápido demais para que ela arriscasse lançar uma flecha com seu arco sagrado. Ela apenas cantava e mantinha seu cajado de cura erguido, pois temia que ele ainda fosse muito necessário. - Acabaram, vermes? – zombou Thurxanthraxinzethos – agora é a minha vez. - Está um pouco tarde para bravatas, desgraçado! – gritou Erol enquanto se levantava em um salto e se posicionava ao lado de Oyama. O monge saltou e desferiu um poderoso chute circular que atingiu em cheio a boca de Thurxanthraxinzethos, fazendo com que o meio dragão cuspisse dois ou três dentes no chão. Furioso, Thurxanthraxinzethos desferiu um golpe terrível com sua espada que teria rasgado o ventre de Erol caso o ágil ranger não tivesse recuado. Quando Bulma avançou, Thurxanthraxinzethos se virou para ela e lançou um infernal sopro de fogo bem no rosto da bárbara. O impacto foi tão grande que Bulma foi jogada quase três metros para trás. Bulma gritou de ódio e dor, enquanto sentia sua pele queimar como se tivesse sido jogada em um lago de lava. Astreya ativou seu cajado e um pulso de energia positiva curou parcialmente a bárbara, mas não diminuiu em nada sua fúria. - EU VOU ARRANCAR SUAS TRIPAS COM OS DENTES, MEIO DRAGAO DESGRAÇADO! – Urrou a bárbara. Thurxanthraxinzethos se manteve sério, e desferiu um golpe forte contra Oyama. Apesar da agilidade do monge, a espada flamejante atingiu em cheio seu peito, abrindo um corte enorme, que ia do abdômen até próximo ao pescoço. O impacto foi tão grande que o monge foi arremessado cerca de cinco metros para

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trás. Novamente o cajado de cura de Astreya foi ativado e mais um pulso de energia positiva foi emitido. O ferimento do determinado Oyama começou a se fechar, enquanto ele se esforçava para se colocar novamente de pé. O ataque de Thurxanthraxinzethos, apesar de eficiente, deixou o meio dragão completamente exposto para as espadas de Erol. Por um momento, o ranger sentiu como se algo estivesse errado, mas avançou com suas lâminas mirando os olhos de Thurxanthraxinzethos. - Não nos subestime! – gritou o ranger. Thurxanthraxinzethos permaneceu imóvel por um instante. Em seguida, desferiu um poderoso golpe em forma de arco contra Erol, enquanto Bulma se levantava furiosa e corria na direção do meio dragão, completamente fora de si devido a seu frenesi de batalha e devido à dor que ainda castigava seu corpo. Erol se esquivou habilmente, da mesma forma como fizera antes. Thurxanthraxinzethos sorriu. O ranger estalou os olhos, se dando conta de seu erro; Ele observara perfeita e friamente o ângulo do ataque de Thurxanthraxinzethos, a posição do meio dragão, o escudo quebrado que quase se soltava de seu braço e considerou até mesmo a possibilidade de Thurxanthraxinzethos desferir mais um sopro de fogo. Mas se esquecera da cauda do meio dragão. Thurxanthraxinzethos girou seu quadril para a direita e prendeu a cintura de Erol com sua poderosa cauda. Mesmo pego desprevenido, o ranger conseguiu fincar uma de suas espadas na cauda de Thurxanthraxinzethos. O meio dragão urrou de dor, mas isso não impediu que ele erguesse Erol, posicionando o ranger na frente de Bulma, no exato momento em que a bárbara,

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cega de dor e ódio, desferira um terrível golpe vertical, de cima para baixo, com seu impiedoso machado. - Não... – disse Oyama presenciando a cena macabra que acabara de se suceder. - EROL! – gritou Astreya sem poder acreditar no que seus olhos a mostravam. O machado de Bulma atingiu em cheio o crânio de Erol, dividindo a cabeça do valoroso ranger ao meio. A força do golpe foi tão terrível, que o machado da bárbara só parou depois de ter rasgado metade do tórax de Erol e ficado preso entre os ossos do elfo. Thurxanthraxinzethos gargalhou e soltou o corpo destruído do ranger. Aproveitando o ínfimo instante em que Bulma ficou parada tentando entender o que acabara de fazer, o meio dragão atravessou sua enorme espada flamejante no ventre da bárbara, e com o outro braço, arremessou seu escudo rachado com uma força e precisão incríveis. Na direção de Astreya. Abalada pelo choque que sofrera pela morte brutal de Erol, Astreya apenas conseguiu colocar seu cajado de cura na frente do corpo, esboçando uma tentativa desesperada de defesa. Contudo, o escudo de Thurxanthraxinzethos destruiu o cajado e atingiu impiedosamente a garganta da barda. Astreya caiu para trás com a força do impacto, sentiu como se sua traquéia estivesse quase esmagada, e desmaiou. - Monge, não matei a barda, pois vou levá-la ao meu harem. Mas agora... – disse Thurxanthraxinzethos com um sorriso extremamente sádico no rosto enquanto o corpo inerte de Bulma

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caia pesadamente no chão – você vai pagar pelos dentes que me fez perder! Oyama fechou os punhos, gritou e avançou. Ele sabia que este seria seu último dia de vida, mas honraria seus amigos e deixaria o mundo como um homem... ................................................................ Erol estava morto, com a cabeça partida ao meio pelo machado de Bulma. Bulma estava no chão com o abdômen trespassado pela espada de Thurxanthraxinzethos. Astreya estava inconsciente, com a traquéia parcialmente esmagada. Não havia sinal de Aramil ou Hargor; ambos poderiam já estar mortos. Oyama sabia que estava sozinho contra Thurxanthraxinzethos, um monstro cruel e astuto que certamente o mataria com apenas um golpe, e o faria da maneira mais perversa e dolorosa possível. Mesmo assim, Oyama não sentia medo. Apenas ódio. Muito ódio. Oyama gritou com toda a força de seus pulmões e disparou em uma investida suicida contra Thurxanthraxinzethos. O meio dragão sorriu e correu na direção do monge, com sua enorme espada preparada para desferir um ataque circular que partiria o corpo de Oyama com a mesma dificuldade que uma faca corta um pedaço de manteiga. Em um feito digno de ser lembrado

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pelas canções dos bardos, Oyama saltou e desferiu um poderoso chute frontal que atingiu como um martelo a boca de Thurxanthraxinzethos, arrancando mais três dentes do meio dragão. O meio dragão foi arrastado um metro para trás com a força do impacto, mas antes que Oyama chegasse ao chão e atacasse novamente, Thurxanthraxinzethos agarrou a perna do monge com sua mão direita e girou sua espada flamejante impiedosamente, em um ataque terrível que decepou a perna que Oyama usara para golpeá-lo duas vezes. Oyama caiu no chão cerrando os dentes para não dar a Thurxanthraxinzethos o prazer de ouvi-lo gritar; as chamas da espada de Thurxanthraxinzethos haviam cicatrizado o terrível corte, mas a dor que Oyama sentia era absolutamente indescritível. - Gosta de me chutar, meretriz dos anões? – zombou Thurxanthraxinzethos cuspindo sangue enquanto decepava a outra perna do monge em um acesso de risos que refletia a mais pura crueldade – vamos ver se consegue fazer isso de novo. O bravo Oyama não desferiu um grito sequer; cerrou os dentes e se virou, tentando morder a perna de Thurxanthraxinzethos. Nisso, o monge viu a sombra da enorme pata armadurada do meio dragão descer sobre sua cabeça, e tudo ficou escuro. ........................................................... Hargor e o meio dragão Ar- Zerakk lutavam ferozmente. A resistente armadura de batalha do anão já possuía inúmeras rachaduras, graças aos poderosos golpes da lança profana de Ar- Zerakk, e o sangue que escorria do corte que sofrera na testa comprometia cada vez mais a visão do clérigo. Um dos joelhos de Ar- Zerakk já havia sido esmagado pelo martelo de Hargor, e o meio dragão só conseguia se manter de pé graças à força de

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sua cauda. Quando Ar- Zerakk conseguiu se aproximar suficientemente do anão, abriu a boca e desferiu seu poderoso sopro de fogo no rosto de Hargor. O clérigo, por puro reflexo, levou seu escudo ao rosto ainda a tempo de se proteger do jato de fogo que certamente incineraria sua cabeça se o atingisse. Quando Hargor ergueu seu martelo para realizar um contra-ataque, sentiu a lança de Ar- Zerakk varando sua armadura e atravessando seu diafragma. O robusto anão rosnou e se curvou de dor conforme a lança mágica de Ar- Zerakk penetrava ainda mais sua carne, enquanto espinhos se abriam de sua ponta causando severos danos internos ao já castigado corpo do clérigo. - Você durou bastante, mas nunca teve chance, anão maldito – disse Ar- Zerakk sadicamente enquanto afundava devagar sua lança no tronco de Hargor – E ainda por cima escolheu a pior morte. Deveria ter deixado minhas chamas arrancarem sua cabeça imunda. Teria sido mais rápido. Hargor rosnou como um animal selvagem à beira da morte. Por mais que se esforçasse, não conseguia mais manter seu martelo erguido. Como um último gesto de resistência, agarrou a lança de Ar- Zerakk com a mão que segurava o escudo e apertou firme o cabo de seu martelo. - Isso mesmo, anão – gargalhou Ar- Zerakk enquanto cuspia no rosto de Hargor – resista bastante. Quero aproveitar bem este momento. Afinal, posso passar o dia inteiro vendo você se contorcer enquanto os espinhos de minha lança rasgam você de dentro para fora. - E só para constar – continuou Ar- Zerakk girando a lança lentamente para provocar ainda mais dor ao clérigo anão – vou tornar você meu morto-vivo de estimação depois disso. Em um acesso de fúria, Hargor gritou o nome de Thanor e ergueu se martelo. Ar- Zerakk riu e puxou a lança para fora do

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corpo do anão, mas percebeu que Hargor a mantinha presa com a outra mão que a segurava; quando Ar- Zerakk se deu conta de que àquela distância o martelo de Hargor poderia atingi-lo, já era tarde demais. - Lembra-se do que eu disse sobre seu crânio? – gritou o anão enquanto baixava seu martelo furiosamente na cabeça de Ar- Zerakk. O impacto do martelo de Hargor foi terrível; o crânio de Ar- Zerakk rachou, e quando o meio dragão sentiu tudo a sua volta começar a girar, percebeu mais uma forte martelada abrir seu crânio ao meio. Antes de morrer amaldiçoando todos os filhos de Thanor, Ar- Zerakk sentiu o martelo de Hargor explodir mais quatro vezes contra sua cabeça. - Estou indo, meus irmãos – disse Hargor cuspindo sangue enquanto caia sobre o corpo de seu inimigo. Não havia forças para conjurar uma magia de cura, apenas o suficiente para esboçar um leve sorriso de satisfação ao ver o que restara do crânio de Ar- Zerakk. ................................................................... Aramil andava com dificuldade em direção à barreira tênue que anteriormente protegia o trono do rei Karanthir. Ao seu redor, o mago via a outrora majestosa floresta dos elfos silvestres se desfazer em chamas. Quando olhava para baixo, percebia que seu manto esmeralda estava repleto de sangue. Seu sangue. Colocando a mão sobre o enorme corte em seu abdômen, ele

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prosseguiu se lembrando de sua batalha contra o feiticeiro meio dragão. Uma batalha rápida e dolorosamente mortal. Aramil se protegera dentro de uma muralha de energia, e sabia que seu inimigo se teletransportaria para dentro dela. E foi realmente isso que aconteceu. Quando ficou de frente para o mago elfo, o meio dragão desferiu um devastador sopro de fogo. Aramil havia predito isso também, tanto que invocou a proteção elemental de um Espírito da Água, e saiu ileso do ataque de seu inimigo. Rapidamente, Aramil contra-atacou, usando uma de suas mais poderosas magias, o raio negro da desintegração. Seu raio atingiu em cheio o meio dragão, mas há um instante antes de se desintegrar, ele esfaqueou o elfo com uma adaga mágica do sangramento. Se não fosse devidamente tratado, Aramil sangraria até morrer. Isso, nem mesmo o arquimago de Sindhar pudera prever. Aramil não deu um único passo sem pensar em se teletransportar para Sindhar, mas ele sabia que, enfraquecido como estava, não poderia garantir que chegaria a seu destino, e sabia também que as coisas ali não estavam bem. Hargor não os alcançou como prometera e nenhum dos outros saiu da barreira. - Raças inferiores – cuspiu o mago enquanto caminhava debilmente apoiando-se em seu cajado – não fazem nada direito. Apesar da arrogância, Aramil sabia que dificilmente conseguiria obter êxito onde todos os seus companheiros haviam provavelmente falhado. Contudo, ele tinha um plano de emergência.

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E esperava viver tempo suficiente para descobrir se ele seria frutífero ou não... .......................................................... Como todo mago que viveu tempo o bastante para ser considerado experiente, Aramil era extremamente cauteloso; antes de adentrar a enfraquecida barreira que outrora guardava o trono do rei Karanthir, ele se tornou invisível, e caminhou por locais onde a vegetação era alta o bastante para ocultar a tênue trilha de sangue que seu ferimento no abdômen estava deixando. Ele se sentia tonto, seria difícil conjurar suas magias e dentro de poucos minutos o elfo perderia a consciência. Ainda assim, o orgulhoso mago sabia que se seus inimigos levassem a cabeça do rei Karanthir (Aramil não era otimista ou tolo a ponto de ter esperanças que o rei dos elfos silvestres ainda estivesse vivo), um ritual nefasto seria completado e um avatar de Urakan surgiria trazendo ruína a seu povo. Ele jamais permitiria isto. Secundariamente, por mais que se esforçasse para não admitir, ele também estava preocupado com o destino de seus companheiros não elfos. Realista como era, e vendo o estado da floresta, Aramil estava preparado para o pior. Mesmo assim, se surpreendeu com o que viu quando atravessou a barreira. Oyama estava desacordado, provavelmente morto, com as duas pernas decepadas. Erol havia sido estraçalhado de cima para baixo com uma lâmina enorme. Bulma estava com o abdômen trespassado, totalmente imóvel. Astreya estava de pé, ao lado do

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corpo do rei Karanthir, com um semblante sério e seu arco apontado para Thurxanthraxinzethos, que gargalhava compulsivamente. - Meio-humana tola – pensou Aramil enquanto se posicionava melhor para avaliar a situação por completo – este arco vai fazer cócegas nele. Sua única chance são suas canções... Neste momento, Aramil pôde ver todo o cenário da batalha, e seu aguçado intelecto concebeu em instantes o que poderia ter acontecido ali. Aos pés de Astreya também jazia o escudo de Thurxanthraxinzethos e o cajado de cura da barda partido em dois. A garganta de Astreya estava com um imenso hematoma também. O meio dragão provavelmente arremessara o escudo contra a garganta da barda, que por reflexo usou o cajado para se proteger. Assim, Thurxanthraxinzethos se livrou do cajado de cura e das canções de Astreya. Oyama era o único com força e velocidade suficientes para correr rapidamente dali carregando alguém, por isso Thurxanthraxinzethos lhe cortara as pernas. Erol estava morto, mas seu ferimento grotesco não estava cauterizado como os de Oyama ou o de Bulma, o que significava que outra arma enorme havia matado seu amigo. Muito provavelmente, o machado da bárbara. Evidentemente, seu inimigo não era um amador. Quando tentou conjecturar como a bárbara havia tombado, Aramil percebeu que Thurxanthraxinzethos parou de rir e começou a andar na direção de Astreya. - Você deve estar brincando, não é minha futura concubina – zombou Thurxanthraxinzethos caminhando lentamente em direção a Astreya – vou levar o corpo deste verme para os malditos orcs, e você vem comigo para o meu Harem, junto com a bárbara, se ela sobreviver...

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Tomada por grande ódio e repulsa, Astreya disparou uma flecha no meio do rosto de Thurxanthraxinzethos, mas o meio dragão bloqueou o disparo levando seu braço fortemente armadurado à frente. Ela queria gritar ou usar seus encantamentos, mas não podia, pois o ataque do escudo de Thurxanthraxinzethos a impedira de usar sua voz. - Isso...- gosto das bravinhas, HAHAHAHA – zombou ainda mais Thurxanthraxinzethos, caminhando devagar. Pelo que estudara sobre a barda, sabia que ela não fugiria deixando o corpo de Karanthir e seus amigos para trás. Astreya jogou seu arco no chão e sacou sua cimitarra mágica. Thurxanthraxinzethos parou e começou a gargalhar novamente. - É melhor eu guardar isto – disse ele em zombaria enquanto embainhava sua poderosa espada flamejante em suas costas – ou vou acabar cortando você no meio sem querer, belezinha. Neste momento, um raio negro rompeu do nada e atingiu em cheio o peito de Thurxanthraxinzethos. O meio dragão gritou, mas logo se recompôs, com um grande ódio nos olhos. - Mago desgraçado... – quase me esqueci de você – disse Thurxanthraxinzethos sacando novamente sua espada – não posso te ver, mas quando pegar seu cheiro, você vai ficar pior do que o elfo que sua amiga matou. - Era meu último raio de desintegração, e era óbvio que o maldito resistiria a ele... – pensou Aramil consigo mesmo - bem, não custava tentar. Agora só há uma coisa a fazer. - Pense rápido, Astreya! – gritou Aramil enquanto conjurava uma magia.

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Neste instante, Thurxanthraxinzethos se virou em direção à voz e arremessou sua espada com grande fúria e precisão. Aramil emitiu um grito terrível, e ainda no ar, a espada de Thurxanthraxinzethos girou e voltou para a mão de seu mestre. - Humph – resmungou Thurxanthraxinzethos – odeio matar pessoas invisíveis. Nunca dá para ver as tripas ou o sangue espirrando... Neste momento, Thurxanthraxinzethos se calou. A magia de Aramil havia sido conjurada antes que o mago tombasse. Aos pés de Astreya, onde jazia o corpo do rei Karanthir, estava o corpo de um inseto, pouco maior do que um besouro das florestas. - Barda, estou avisando, se você ... – ameaçou Thurxanthraxinzethos. Inutilmente. Astreya pisou na criatura esmagando-a completamente. Mesmo que conseguissem reverter o corpo de rei Karanthir à forma original, a cabeça já havia sido irremediavelmente destruída. O ritual não poderia ser completado. - Rameira desgraçada! Eu iria receber cem virgens por este trabalho! – gritou Thurxanthraxinzethos completamente fora de si enquanto avançava sobre Astreya. A barda tentou se defender, mas foi inútil. Thurxanthraxinzethos usou a chapa da lâmina de sua espada na coluna de Astreya, quebrando a espinha da meio-elfa como um graveto com a força do impacto. Antes que a ela caísse ao chão, o meio dragão segurou sua cabeça com a mão e a bateu violentamente contra o

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chão. Astreya sentiu seu nariz se quebrar com o impacto, e não podia sentir nada da cintura para baixo. Thurxanthraxinzethos esmagou a cabeça da barda contra o chão mais uma vez e ela sentiu como se seu crânio fosse romper a qualquer momento. - Não se preocupe que eu vou te curar depois disso, vadia – disse Thurxanthraxinzethos - afinal, você vai ter que me compensar pelas cem virgens que me fez perder. - Chega! – gritou uma voz vinda de longe, seguida por um poderoso relâmpago que explodiu contra as costas de Thurxanthraxinzethos. Era Aramil, e ele estava totalmente visível. Thurxanthraxinzethos jogou Astreya no chão e se virou na direção do mago Aramil, que apontava seu cajado para ele com uma mão e com a outra segurava o pequeno, mas profundo ferimento em seu abdômen, que obviamente não fora feito pela espada flamejante do meio dragão. - Então, sua “morte” foi um truque, maldito cheirador de flores? - Rosnou Thurxanthraxinzethos. - Chama-se Som Fantasma, cria do inferno – respondeu Aramil com a habitual arrogância – se você não fosse tão inepto, teria percebido que nenhum mago seria idiota a ponto de entregar assim sua posição. Mas é claro, não posso esperar nada diferente de alguém que é mais feio e burro do que Oyama. - A única coisa que você vai conseguir com seus insultos, verme – disse Thurxanthraxinzethos apontando a espada para Aramil – é uma morte mais lenta, mais grotesca e mais dolorosa. Mas admito que estou curioso... - Com o que? – perguntou Aramil tentando esconder o fato de que mal conseguia ficar em pé por conta do sangue que perdera.

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- De todos os capachos do Senhor dos Ventos, você é o mais covarde e egoísta – continuou Thurxanthraxinzethos ainda sem sair do lugar – e a menos que seja um idiota completo, você sabe que não pode me vencer nem salvar ninguém aqui. Porque não fugiu depois que transformou o cadáver de Karanthir em um inseto? - Para ganhar tempo – respondeu Aramil de maneira seca e prepotente – e para seu governo, porco mestiço, o único capacho que vejo de pé aqui é você, servo de orcs. Furioso, Thurxanthraxinzethos avançou sobre Aramil, e o mago disparou mais um relâmpago com seu cajado. A magia de Aramil era potente, e sobrepujara sem problema as defesas naturais de Thurxanthraxinzethos, mas o mago sabia que nem mesmo o Alto Rei Thingol de Sindhar conseguiria abater Thurxanthraxinzethos com apenas um relâmpago. O meio dragão gritou quando foi atingido no peito, mas não diminuiu o ritmo de sua investida, e com um golpe perfeito, decepou os dois braços do mago elfo com sua espada flamejante, que cauterizou os cortes quase que instantaneamente. Aramil urrou de dor e caiu no chão quase inconsciente. Thurxanthraxinzethos pisou no frágil peito do elfo e disse: - Tudo isso foi para dar tempo para que o clérigo anão chegasse? Era para isso que você estava enrolando tanto, “grande” mago? Eu esperava mais do que isso. - Não... se preocupe... – disse Aramil em seus últimos momentos de consciência enquanto sentia um forte pulso de energia arcana se manifestar do lado de fora da barreira - você não vai se desapontar...

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- Desmaiou... – disse Thurxanthraxinzethos intrigado, tentando compreender o significado das palavras de Aramil – E “para seu governo”, elfinho, eu não sirvo nenhum orc imundo. Isto é apenas uma aliança de guerra. - Bem... – disse Thurxanthraxinzethos para si mesmo com um sorriso ao ver todos os heróis brutalmente tombados no chão – vou espancar um pouco mais a meio-elfa e depois voltar para nossa fortaleza. Quando se virou na direção de Astreya, Thurxanthraxinzethos ficou congelado por um instante. Apertou o cabo de sua espada e empurrou com o pé o corpo de Aramil para o lado. - Então... – disse Thurxanthraxinzethos em voz alta com um sorriso sádico na boca – este era o plano de Aramil. O fracote deve ter usado sua magia para enviar um pedido de socorro antes de entrar aqui. Ele provavelmente esperava conseguir ficar vivo até vocês chegarem, mas... Abaixado ao lado de Astreya, estava um guerreiro élfico de longos cabelos castanhos e armadura de batalha azul e prateada. Ele portava um bem polido escudo escuro, com nove estrelas prateadas, e uma coroa de prata na cabeça. O elfo parecia falar algo para a barda, e quando ele se levantou e encarou Thurxanthraxinzethos, o meio dragão pôde sentir um ódio avassalador partindo dos olhos do altivo guerreiro. Ao lado dele, estava outro guerreiro élfico, loiro e de pele bem clara, trajando uma bem ornada cota de malha élfica marrom e um longo manto verde escuro. Este guerreiro portava dois sabres élficos cujas lâminas reluziam com uma tênue luz esmeralda, e

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em seu ombro repousava uma águia celestial, cujas penas pareciam navalhas douradas. - Sei quem vocês são – disse Thurxanthraxinzethos satisfeito – Coran Bhael, o rei élfico de Sírhion e Bheleg Aldalen, general e mestre de armas do Alto Rei Thingol de Sindhar – Os dois maiores guerreiros élficos de Elgalor. Eu sou Thurxanthraxinzethos, primeiro marechal e mestre de armas do Rei Dragão, mas se preferirem, podem me chamar de MORTE. - Não vou perder meu tempo discutindo com um pedaço de lixo mestiço como você! – disse Bheleg de maneira fria e implacável, enquanto jogava seu manto no chão e sua águia voava para o alto – mas garanto que em menos de um minuto, você estará inutilmente implorando por sua vida miserável! Bheleg assumiu posição de combate e se preparou para avançar. Ao observar o olhar frio e cruel com que o elfo o encarava, Thurxanthraxinzethos percebeu que aquele, como ele, era um veterano de incontáveis batalhas. - Espere, Bheleg! – disse Coran colocando gentilmente a cabeça mutilada de Astreya no solo – Eu vou arrancar a cabeça deste assassino. Coran sacou sua espada, a Lâmina do Gelo. A espada reluzia com um brilho cálido e mortal. Thurxanthraxinzethos sabia que Coran ostentava o título de mais poderoso guerreiro élfico daquela era, e que o que estava em sua mão era a mais poderosa espada já criada pelos artífices elfos. Por um instante, Thurxanthraxinzethos gargalhou. Ele vibrou com a possibilidade de colocar aquela arma em sua já impressionante coleção. Sem contar que, se levasse a cabeça

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deste rei élfico, o ritual dos orcs funcionaria e ele teria suas cem virgens afinal. Só havia um problema. Confiante como era, Thurxanthraxinzethos sabia que poderia derrotar ambos em um duelo singular, mas se eles resolvessem atacar juntos, até o arrogante meio dragão sabia que não sairia andando daquele campo de batalha. - Perfeito... aceito seu “desafio”, rei de Sírhion – disse o meio dragão em tom de provocação enquanto se posicionava para lutar – mas considerando a coragem e habilidade em combate risíveis de sua raça, recomendo que venham os dois juntos. Relutante, o orgulhoso Bheleg guardou suas espadas. Por mais que desejasse vingar a morte de Erol, um de seus maiores discípulos, sabia que a primazia do combate, segundo o código dos guerreiros de Sindhar e de Sírhion, pertencia sempre ao rei. Coran caminhou na direção de Thurxanthraxinzethos, visivelmente tentando controlar o ódio que parecia que explodiria de seu peito a qualquer momento. Quando se aproximou mais, teve que tomar cuidado para não pisar em uma das pernas de Oyama. - Hahaha! Cuidado para não pisar nos pedaços de lixo, vossa majestade – disse Thurxanthraxinzethos em meio a uma gargalhada gutural. - Este “lixo” – gritou Coran em fúria – eram meus amigos, e quando eu terminar com você, não vai sobrar nem isto para enviar de volta a seu mestre! Os dois guerreiros correram na direção um do outro de maneira furiosa, mas impecavelmente calculada. Thurxanthraxinzethos

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empunhava sua enorme espada com as duas mãos, aumentando ainda mais o poder já devastador de seus golpes. Se atingisse o rei de Sírhion de raspão com aquela força, o guerreiro élfico seria completamente despedaçado. Coran avançava com o escudo posicionado à frente, não para tentar aparar o ataque de Thurxanthraxinzethos, mas para bloquear o campo de visão do meio dragão por uma fração de segundo, tempo suficiente para ele afundar a Lâmina de Gelo no coração ou garganta de Thurxanthraxinzethos. Quando ambos se aproximaram mais, houve um clarão, que jogou Coran para trás. Mesmo surpreso, o rei élfico rapidamente se recompôs, e percebeu que Thurxanthraxinzethos estava envolvido por uma redoma de fogo. - Volte – disse uma voz imponente e autoritária que ecoava na mente de Thurxanthraxinzethos – O reino élfico de Elvanna caiu. Seu trabalho aqui está feito. - Não! – gritou Thurxanthraxinzethos tão alto que até Coran e Bheleg ouviram – eu posso facilmente acabar com os dois, e teríamos a cabeça de um rei élfico como era planejado. - Me responda novamente, e eu mesmo arrancarei cada osso do seu corpo – disse novamente a voz na mente de Thurxanthraxinzethos, mas desta vez, repleta de fúria – Os dragões vermelhos e mais da metade de seus exércitos foram destruídos no ataque, e em poucos minutos, todo o exército do rei Thingol estará ai. Volte agora. - Está bem, meu senhor – respondeu Thurxanthraxinzethos – perdoe-me por minha insolência. Contrariado, e ainda envolvido pela redoma de fogo, Thurxanthraxinzethos olhou fixamente para Coran e Bheleg.

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- Estão com sorte, elfos – gritou Thurxanthraxinzethos embainhando sua espada nas costas – mas da próxima vez que nos encontrarmos, vou fazer com vocês o mesmo que fiz com estes vermes. Mais um clarão se fez e Thurxanthraxinzethos desapareceu. Furiosos, Coran e Bheleg se entreolharam, mas sabiam que nada mais podia ser feito ali. Coran recolheu gentilmente o corpo inerte de Astreya e Bheleg mandou sua águia dar o sinal para que os clérigos que os acompanharam adentrassem a clareira para tentar fazer algo pelos feridos. O outrora belo reino de Elvanna estava irremediavelmente destruído. O sábio rei Karanthir estava morto, e nem mesmo os deuses sabiam se os sobreviventes entre os nobres heróis de Elgalor iriam um dia se recuperar daquele dia de dor e massacre...

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Capítulo V: Depois da tempestade

streya abriu os olhos assustada. Quando olhou ao redor, viu um quarto branco, com várias janelas que o mantinham bastante iluminado. Ela estava deitada em

uma cama, vestindo uma túnica branca com detalhes prateados. Ao virar o pescoço um pouco para a esquerda, viu que havia alguém sentado em uma cadeira de madeira ao lado de sua cama. - Está se sentindo melhor? – perguntou o rei Coran, aliviado ao ver a barda desperta. - Coran! – gritou Astreya, surpreendendo-se com a altura da própria voz – minha voz voltou. Onde estamos? O que aconteceu com os outros? - Calma – disse Coran se levantando – está tudo bem agora. Estamos nas casas de cura de Sírhion. Já faz três dias desde o confronto com Thurxanthraxinzethos. - E os outros? – perguntou Astreya – me lembro de você me carregando, dizendo que tudo ficaria bem, mas não me lembro de mais nada depois... - Depois, Bheleg e eu levamos vocês para Sindhar – continuou Coran – o rei Thingol foi... generoso, e apesar de vocês não

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serem elfos, ele permitiu que permanecessem em Sindhar por cerca de meio dia, depois, trouxemos vocês para cá. - Coran, e quanto aos outros? – perguntou Astreya aflita – me lembro de Thurxanthraxinzethos ter cortado as pernas de Oyama, rasgado Bulma ao meio... sem contar Erol... - Thamior já se encarregou de Oyama e Bulma – respondeu Coran com gentileza, tentando acalmar Astreya - ambos estão em perfeita ordem. Mas Erol infelizmente estava morto quando chegamos, além de qualquer ajuda que pudéssemos dar. Astreya baixou os olhos tentando esconder o choro e o medo que sentia cada vez que se lembrava do que ocorrera na Floresta de Elvanna. Coran colocou a mão em seu ombro e disse: - Sei o que vocês passaram, mas saiba que o sacrifício de vocês, e principalmente o de Erol, não foi em vão. Graças aos seus esforços, o ritual de Urakan que traria um de seus arautos não pôde ser completado. Vocês se saíram bem, Astreya. - Não o bastante para todos voltarmos vivos – retrucou a barda enquanto enxugava suas lágrimas – o que houve com Hargor e Aramil? - Aramil se feriu gravemente e estava à beira da morte, mas foi curado pelos clérigos de Sindhar – disse Coran - Hargor estava em uma situação ainda pior, mas Bheleg conseguiu encontrá-lo a tempo, e foi possível que os clérigos de Sindhar o curassem também. Descanse agora. Você precisa se recuperar. Vocês todos precisam. - Minha voz já voltou, e todos os ossos que Thurxanthraxinzethos havia quebrado estão curados – respondeu Astreya. - Não estou falando de seus corpos, Astreya – respondeu Coran – estou falando de seus espíritos.

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- Não há tempo para isso, Coran, digo, vossa majestade – disse Astreya fazendo uma pequena mesura – precisamos ir até a Torre do Desespero. - Não – disse Coran de maneira bastante seca – não vou permitir. - Mas você não pode... – disse Astreya estranhando a mudança de atitude em Coran. - Sim, eu posso – respondeu Coran de maneira ainda mais fria – você principalmente, Astreya, é súdita de meu reino há mais de cinco anos. Como seu rei, eu lhe proíbo de participar do grupo do Senhor dos Ventos. E se minha autoridade permitir, nenhum de seus amigos continuará nesta contenda suicida. Astreya abriu a boca para protestar, mas Coran virou as costas e caminhou para a porta. - Não torne isto mais difícil do que precisa ser – disse Coran sem olhar para trás – não me obrigue a fechar o punho da mesma forma que Thingol. .................................................. Em meio a uma clareira, Oyama chocava seus pés e punhos violentamente contra pedras e rochas, tentando aliviar um pouco sua ira. Próximo a ele, estavam Hargor, que olhava pensativo para o céu e Bulma, que permanecia mortalmente calada. - Maldito Thurxanthraxinzethos! Quando eu encontrar você, seu desgraçado filho de uma cocatriz – disse Oyama enquanto partia uma rocha em pedaços com um soco – EU VOU ARRANCAR SEU COURO E FAZER UM SACO DE PANCADAS COM ELE!! Hargor se levantou e olhou para seu amigo. - É isso que você quer? – perguntou o clérigo. - Sim! – respondeu o monge – é isso que eu VOU fazer!

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- Ótimo – disse Hargor – então pare de desperdiçar seu tempo e me ajude a reunir os outros. Vamos acabar com a missão que começamos e depois voltamos para Darakar. Lá, vamos continuar com o treinamento que Durin começou dois anos atrás e quando for a hora, vamos caçar Thurxanthraxinzethos e fazer o bastardo se arrepender de ter nascido. - E você, Bulma? – perguntou Oyama enquanto enxugava o suor com a própria barba – vem conosco? - Não – respondeu a bárbara rispidamente – Não quero nunca mais ver suas caras feias de novo, fracotes incompetentes – vou sozinha atrás de Thurxanthraxinzethos, e vou torturá-lo tanto que até os clérigos de Erythnul vão sentir pena dele. - O que aconteceu com Erol não foi sua culpa, Bulma – disse Hargor ignorando as ofensas da bárbara. - Você não estava lá para ver, idiota – respondeu Bulma ainda mais agressiva. - Você é indisciplinada, irresponsável e inconseqüente – gritou Hargor – se estivéssemos em um exército anão, você já teria sido enforcada por má conduta depois da primeira batalha. Mas... - Mas? - perguntou Bulma. - Não somos uma tropa de anões perfeitamente organizada – respondeu o clérigo – mas somos uma equipe. Precisamos uns dos outros se quisermos realmente fazer alguma diferença significante como indivíduos. Precisamos ficar juntos. - Bulma... – começou Oyama – Se eu matar você por acidente como você fez com Erol, não vou perder nem uma hora de sono. Temos que ser cuidadosos e cobrir os flancos uns dos outros, como Hargor vive cobrando principalmente de nós dois, mas em uma guerra, tudo pode acontecer. Se não pudermos encarar isso, é melhor “aposentar a espada” e virar fazendeiro de uma vez.

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Após um tenso momento de silêncio, Bulma se levantou e ergueu seu machado. - Eu não nasci para ser fazendeira, e não vou perder um segundo de sono se você morrer, Oyama. Mas... – disse a bárbara olhando para Hargor – Vou me esforçar para lutar dentro da formação. - Ótimo – disse Oyama – agora é só pegarmos Astreya, o cretino do Aramil e seguirmos para as Terras Sombrias. Hargor novamente olhou para o céu e coçou a barba. Algo lhe dizia que desta vez não seria tão simples assim reunir o grupo novamente. .................................................................... Diário de Astreya IV Hoje escrevo com o corpo cansado, com a mente nublada e com o coração pesado. Minhas mãos estão trêmulas, mas isso não me impede de registrar nestas páginas tudo o que aconteceu. E eu, que sempre dei tanto valor para o registro dos fatos e de nossas memórias, gostaria de poder apagar qualquer vestígio da última batalha que tivemos de nossas mentes. Mas o que me resta agora para colocar para fora um pouco da angústia que estou sentindo são essas páginas vazias que estão sob minha pena. De todos os combates, de todas as feridas e mortes que já presenciamos, eu nunca havia visto ou vivido nada parecido com o embate contra este demônio em forma de meio-dragão. E pensar nele me enraivece como nada nunca antes me enraiveceu. Mas o pior de tudo é que, além de ódio, eu sinto medo. Muito medo. Dois sentimentos, como minha mãe me disse uma vez, que podem minar qualquer coração, que podem minar

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o caráter dos mais justos e nobres homens e mulheres. Eu não posso deixar que eles me dominem por muito tempo. Por isso, a partir de hoje, devo pensar em um dia de cada vez. Nós temos uma missão a cumprir, e pessoas para ajudar. E se um dia o destino nos colocar novamente frente a frente com aquele monstro, nós selaremos a batalha que começou em Elvanna de uma vez por todas. Thurxanthraxinzethos. Eu não fugirei de me lembrar deste nome. O nome do meio-dragão que fez com que amigos se matassem, que torturou a cada um de nós física e emocionalmente, e que, como acabo de testemunhar, abriu uma ferida difícil de reparar na pessoa que eu mais amo, obrigando-o a ver-me no estado em que me encontrava em Elvanna, e fazendo com que ele agora assuma uma posição extremada e aparentemente fria numa tentativa de me proteger. Eu sei o quanto isso o deve estar ferindo. No fundo, acredito que ele saiba que isso não adiantará em nada. Assim como eu sei que nunca poderei impedi-lo de cumprir nenhuma de suas obrigações como rei e guerreiro, por mais que deseje com todo o meu coração que ele possa simplesmente viver em paz. Isso atormenta a nós dois, mas Thurxantraxinzethos fez com que esse medo se transformasse em realidade e dor para Coran, na forma de um corpo quebrado e quase inerte na floresta do rei Karanthir. E principalmente por ter feito isso com ele, pela morte de meu amigo Erol de uma forma tão brutal, e pela dor que ele causou a todos os meus companheiros, eu jamais, jamais perdoarei esse meio-dragão do abismo. E ainda assim, há esperança. E também nos espera mais dor e medo, mas sempre há esperança. Pois quando caí, eu pensei que não resistiria e morreria. Não havia apenas a dor que sentia por ver todos morrendo a minha volta; a dor física

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também se abateu sobre mim de uma maneira excruciante. Ainda assim, eu ouvi palavras de conforto. Alguém viera nos buscar e socorrer, e assim que perdi a consciência, vi também alguém esperando por mim em meio a escuridão. Uma cigana vestida de vermelho. Uma mulher que chegava a me lembrar de minha mãe, mas que obviamente não era ela, e agora não me lembro mais de seu rosto. - Não tema e não perca tuas esperanças. Pois antes da contenda de teu grupo acabar, uma marca vermelha irá ferir teu coração de modo que tu jamais experimentaste, e de várias maneiras tal cor se transformará em teu pior pesadelo. Muitas serão as baixas e as lágrimas, e vosso mundo todo mudará. Se vós estivéreis alquebrados, no entanto, vós permitireis que todos os sacrifícios se transformem em perdas vãs. Há muitos olhando por vós, e contra vós. Se olharem para o lado certo, contudo, nada será desperdiçado. A imagem desapareceu, e eu simplesmente mergulhei em minha inconsciência até despertar nesse lugar que representa segurança, paz, e uma promessa de felicidade e amor para mim. O ritual de Urakan não se completou e estamos aqui, afinal. Posso ouvir Oyama esbravejar lá fora. Sei que devemos cumprir nossa missão, mesmo que, um a um, nós tombemos e todos os nossos anseios terminem apenas em promessa, em sonhos que nunca serão realizados, pelo menos neste plano de existência. Enquanto ainda tivermos a chance de proteger aquilo que nos é caro e aqueles que amamos, é o que devemos fazer. Se precisar, vou repetir isso todos os dias para continuar caminhando. E espero que as mulheres de Myrra estejam certas quando dizem que não há ferida que o tempo não cure.

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Astreya Adel Anathar ........................................................... Enquanto Astreya, Hargor, Oyama e Bulma se recuperavam no reino de Sírhion, Aramil se reunia com o Alto Rei dos elfos, Thingol de Sindhar, o mais poderoso mago de toda Elgalor. Dois dias após ter seus braços restaurados, Aramil foi chamado para uma conferência com seu rei na sala do trono do Palácio da Luz, um magnífico castelo feito de pedras brancas e cristais, perfeitamente integrado às belas florestas e bosques de Sindhar, o reino dos altos elfos. O altivo e poderoso rei Thingol era amado e respeitado por todos os altos elfos, pois vivia única e exclusivamente em prol da raça élfica. Ele seria capaz de enviar todo seu exército para resgatar um único elfo que estivesse com problemas, mas sua generosidade era extremamente seletiva; ele sentia grande desprezo por todos os “não elfos”, especialmente humanos, devido às grandes perdas que estes lhe trouxeram. Sua visão era compartilhada por todos em Sindhar, tanto que a entrada de não elfos no reino era expressamente proibida. Thingol usava sempre mantos verdes e dourados, e uma fina coroa de ouro. Era um pouco mais alto que os outros elfos, e seu cabelo, apesar de loiro como o de todos os altos elfos, era tão claro que por vezes se assemelhava a prata. Para Balderk, o Grande Monarca dos anões, Thingol era arrogante e excêntrico, mas em Sindhar, ele representava aquilo que todo elfo deveria ser.

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- Então foi isso que aconteceu desde que você deixou Sindhar para encontrar os não elfos nas montanhas dos anões – disse Thingol sentado em seu trono à Aramil, que o ouvia atentamente – Você foi escolhido para representar os elfos nesta contenda juntamente com o nobre Erol, e tem o feito muito bem, pelo que vejo. Por esta razão, eu lhe libero de teu dever. - Fico muito honrado com vossos elogios, grande rei – respondeu Aramil fazendo uma reverência – mas sendo que o homem mais indicado para tal tarefa é o capitão Bheleg, alguém de quem o senhor não pode dispor no momento, acredito que eu mesmo hei de continuar carregando este fardo em nome de nosso povo. - É muito nobre de sua parte, lorde Aramil – disse Thingol se levantando – em nome de todos os elfos eu lhe agradeço, pois sei como deve ser difícil ter de trabalhar junto dos não elfos do Senhor dos Ventos. - Mais do que pode imaginar, vossa majestade – respondeu Aramil imediatamente se lembrando de Oyama e Bulma – mas independentemente disso, gostaria de fazer-lhe uma pergunta. - Faça – autorizou Thingol. - Como foi vossa reunião com o rei Coran? – questionou Aramil. Thingol permaneceu imóvel por um instante, como se estivesse tentando colocar tudo o que sentia em palavras sem demonstrar a grande ira que sentia. - Ruim... – respondeu o Alto Rei por fim – muito ruim. - Coran Bhael – continuou Thingol – assim como seu falecido pai, Brehmen Bhael, partilha da filosofia de que nós elfos devemos viver em comunhão com as outras raças. Compreendo isto, tanto que por mais de seiscentos anos tentei ensinar a outros povos nosso caminho, tentei guiá-los e auxiliá-los de

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todas as formas possíveis. Quando os humanos nos traíram pela segunda vez, resultando na morte de meu filho mais velho e de minha amada esposa, percebi que deveríamos nos recolher, e lutar ao lado de outras raças apenas quando a ameaça de um verdadeiro apocalipse estiver pairando sobre o mundo. - Como sinto que este momento está se aproximando – disse Thingol olhando para uma das grandes janelas de seu palácio – e sei que não podemos correr o risco de ser traídos novamente, decidi unir nossos povos. Os alto elfos, os elfos silvestres e os elfos de prata. Propus a Coran que ele se casasse com minha filha Meliann com as bênçãos do sábio e falecido rei Karanthir. Eu lideraria nossos exércitos reunidos contra a ameaça de que o Senhor dos Ventos nos alertou, e depois de terminada a guerra, cederia o posto de Alto Rei a Coran, podendo finalmente partir para os reinos de Elvannus com o coração em paz. - Venceríamos esta guerra sem ter que trabalhar junto de humanos sem honra e anões tolos – disse Aramil – não precisaríamos fazer negociações, pactos, nem nos preocupar com espadas em nossas costas... Seria realmente ótimo. Nossa supremacia seria reconhecida até pelos anões, e se em algum dia no futuro uma aliança fosse necessária, todos teriam que nos seguir, como deveria ter sido desde o início. - Exato – respondeu Thingol – mas como pode imaginar, os ideais ingênuos de Coran Bhael o impediram de aceitar minha oferta. - “Ideais” – disse Aramil revoltado – Coran Bhael é um tolo. Era evidente que ele não aceitaria uma oferta como esta. - Aramil... – disse Thingol intrigado com a reação do mago – você sabe de algo que eu não sei? - Não, vossa majestade – respondeu Aramil se curvando para evitar os olhos inquisidores de seu rei – nada relevante...

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..................................................... Nos jardins do Palácio da Luz, a princesa Meliann, a mais bela elfa que já nascera em Elgalor, tocava em sua harpa uma melodia agradável, porém melancólica, enquanto sua melhor amiga, a jovem Elenna Aldalen, sobrinha do capitão Bheleg Aldalen, reclamava furiosa. - Não é justo! – gritou a também bela e jovem elfa – já faz três anos que iniciei meu treinamento, e o grupo de lorde Aramil precisa de uma ladino habilidoso, mas meu tio se recusa a me deixar partir! Entre os elfos, os ladinos são indivíduos habilidosos e altamente treinados para recuperar relíquias élficas perdidas, encontrar pessoas e explorar lugares que ninguém mais seria capaz. Diferentes da maioria dos ladinos humanos ou halflings, eles não eram movidos por cobiça de qualquer tipo, apenas pelo desejo de servir seu povo e pelo ainda mais forte desejo de conhecer novos e fantásticos locais neste processo. - Bheleg é um bom homem – respondeu Meliann com um leve sorriso e um suspiro – depois que meu irmão morreu séculos atrás, ele assumiu o posto de mestre de armas de Sindhar, e sabe o que faz, Elenna. Se ele disse que você não está pronta, é porque não está. - Não consigo aceitar as coisas tão bem quanto você, Meliann, por mais que gostaria – respondeu Elenna sentando-se na grama, percebendo que de nada adiantaria despejar suas frustrações nos ombros da amiga – Ele já mandou chamar uma elfa de Sírhion, uma tal de Tallin, para se juntar à companhia de lorde Aramil. Mas sabe o que mais me incomoda?

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- O que, Elenna? – perguntou Meliann tocando sua harpa. - O que faremos – disse Elenna - se em algum momento não tivermos mais seu pai ou meu tio para nos proteger? Meliann parou de tocar naquele instante. Um aperto terrível assolou seu coração, de uma maneira que a inocente elfa jamais havia sentido antes. - Isto nunca vai acontecer, Elenna – disse Meliann com rispidez – Nunca! Tentando afastar as sombras que temporariamente esmagaram seu coração, a bela princesa continuou a tocar, fingindo para si mesma que não notava as nuvens negras que começavam a se formar no céu de Sindhar... ..................................................................... Mais um dia se passou, e agora todos os heróis de Elgalor já estavam plenamente recuperados, ao menos fisicamente. Contudo, ainda havia questões que precisavam ser resolvidas antes que eles pudessem uma vez mais se reunir. Pela manhã, na grande praça em frente ao belo palácio de Sírhion, Oyama, Hargor e Bulma aguardavam impacientes por Astreya, enquanto conferiam seus equipamentos. Junto deles, estava Thamior, o alto clérigo de Sírhion. - Eu entendo a preocupação de Coran, Thamior – disse Hargor olhando atentamente para sua armadura que havia sido restaurada pelos hábeis ferreiros de Sírhion – mas ele não pode simplesmente impedir Astreya de sair, muito menos nos manter aqui contra nossa vontade.

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- Muito menos nos deixando armados – disse Bulma conferindo o fio de seu machado. - Eu só peço que esperem um pouco – respondeu Thamior ignorando o comentário de Bulma – esperem para que ele e Astreya resolvam isto. - Muito bem – disse Oyama colocando suas braçadeiras – mas se ela quiser partir conosco e Coran não permitir... - Vamos nos preocupar com isso caso aconteça – disse Hargor cortando o assunto – e enquanto estou aqui – continuou o anão em tom mais brando – vou ensinar a seus ferreiros como se junta as placas de uma armadura sem deixar brechas ou pontos frágeis nas articulações... .......................................... Dentro do palácio, na câmara real, Astreya abriu educadamente a porta, fez uma mesura e esperou permissão para entrar. Ela vestia uma nova cota de malha élfica que lhe fora dada por Thamior, e carregava sua espada na cintura e arco nas costas. Coran estava sentado em seu trono de carvalho, lendo atentamente um pergaminho que acabara de receber de um mensageiro de Sindhar. - Pode entrar, lady Astreya – disse ele de maneira polida, mas olhando com desagrado para as armas que a meio elfa carregava. - Obrigada – respondeu a barda fazendo outra mesura – o senhor sabe por que vim. - Sim – respondeu Coran se levantando de seu trono e caminhando em direção à Astreya – e agradeço por não ter simplesmente partido ignorando meu pedido. - Ordem – disse Astreya com tristeza– o senhor não fez um pedido, me deu uma ordem ontem pela manhã.

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Por um instante, Coran não soube o que dizer. Quando abriu a boca para falar, Astreya o interrompeu: - Eu entendo sua posição, Coran. Mas preciso que entenda a minha também. - Eu compreendo – disse Coran ficando a menos de dois metros de Astreya – e é por isso que com grande pesar não vou obrigá-la a partir daqui fugida, como se estivesse fazendo algo errado. Desta vez, Astreya ficou sem saber o que dizer. Coran colocou a mão dentro de um bolso em seu cinto e tirou dele algo pequeno. - Por favor, estenda sua mão – disse o rei à barda com a voz bastante calma. Astreya estendeu sua mão direita, mesmo não entendendo o que aquilo significava. Coran colocou gentilmente na mão da meio-elfa um pequeno e bem adornado anel dourado, com inscrições feitas em prata e ouro branco. Ao olhar para o anel, Astreya sentiu seu coração parar por um instante, e seus olhos começaram a lacrimejar. - Coran... – disse a barda tentando organizar seus pensamentos – eu não posso... - Você não precisa me responder agora – respondeu o rei colocando os dedos suavemente nos lábios da barda – guarde isso com você, de forma que possa sempre se lembrar de mim e de que tem um lugar para onde voltar. Quando tudo isso acabar, você me responde se aceita ou não meu pedido. Astreya deu um forte abraço em Coran e começou a chorar. Pela primeira vez em muitos meses, de alegria, e não de preocupação ou medo. Ele ergueu delicadamente a cabeça da barda e ela naturalmente o beijou, selando um momento desejado por ambos há tempos. - Apenas prometa, querida Astreya – disse Coran acariciando os belos cabelos ondulados da meio-elfa – que você vai voltar para me dar sua resposta.

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- Eu prometo – respondeu a barda recostando sua cabeça no peito de Coran – eu prometo... ................................... Ao final daquele dia, todos os preparativos finais haviam sido arranjados. Aramil foi para Sírhion encontrar seus “companheiros”, trazendo preciosas informações dadas pelo Alto Rei Thingol sobre a Torre do Desespero e o demônio que a guardava. Segundo o mago, o capitão Bheleg de Sindhar, com o consentimento do rei Coran, havia convocado o auxílio de uma experiente ladina élfica que trabalhava junto da tropa de elite mista formada por soldados de Sindhar e Sírhion. Ela encontraria os aventureiros em uma pequena vila outrora ocupada por humanos que fazia fronteira entre o reino de Kamaro e as Terras Sombrias. Nos portões de Sírhion, os cinco heróis se reuniram e começaram a organizar seus planos. - Irei nos teletransportar para um vilarejo humano abandonado à cerca de vinte quilômetros da região onde achamos que fica a Torre do Desespero – disse Aramil aos demais – é o mais próximo das Terras Sombrias que podemos chegar sem um grave risco da magia falhar. Lá vamos encontrar a ladina Tallin. - A caminhada vai nos fazer bem, e espero que ela seja bonita e bastante “sociável” – respondeu Oyama – na verdade, achei que você não voltaria, Aramil. - Para a sorte de todos vocês, eu decidi vir – respondeu o mago. - Vou agradecer Thanor por nossa boa fortuna – disse Hargor em um tom ranzinza. - Vamos logo! – exclamou Bulma – quero encontrar aquele maldito meio dragão e fazer um tapete com o couro dele!

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- Não sabemos se ele estará na Torre ou não, Bulma – disse Hargor – mas se estiver... - Vamos dar cabo da raça dele! – gritou Oyama levantando os punhos e gargalhando. - Idiotas... – murmurou Aramil – novamente cercado por idiotas. Astreya gargalhou. Eles estavam indo rumo às Terras Sombrias, um lugar amaldiçoado repleto de mortos vivos e demônios. Na Torre do Desespero, encontrariam um terrível arquidemônio, e talvez até mesmo Thurxanthraxinzethos. Ainda assim, ela não conseguia parar de gargalhar. Pois, apesar da triste morte de Erol, tudo estava voltando ao normal, e quando todo aquele pesadelo tivesse um fim, ela teria muitos motivos para querer voltar para casa.

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Capítulo VI: As Terras Sombrias.

o serem teletransportados de Sírhion por Aramil, os heróis chegaram a um pequeno vilarejo abandonado, que fazia divisa entre o Reino de Kamaro e a região

inóspita conhecida em Elgalor como as Terras Sombrias. Segundo as lendas, há muitas eras atrás duas divindades de imenso poder se digladiaram ali. Além dos próprios deuses, campeões que representavam a epítome do bem e do mal, da luz e das trevas se confrontaram durante sessenta dias e sessenta noites. O avanço das forças das trevas foi barrado ao fim daquela titânica batalha; o mal não chegou a tocar as areias de Kamaro e o restante de Elgalor, mas corrompeu completamente toda a região onde a guerra ocorreu. Alguns bardos afirmam que as divindades que se enfrentaram foram Elvannus e Urakan; outros cantam histórias sobre o duelo mortal entre Thyr, o deus da justiça e Dhargo, o deus da carnificina. Em Kamaro, é dito que aquele foi o último confronto aberto entre Lanto, o deus da luz e Laeth, o Deus da Morte. Ninguém sabe o que ocorreu ali de fato, mas é de conhecimento geral que aquela região está irremediavelmente destruída e corrompida pelo mal.

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Apesar da proximidade com Kamaro, o vilarejo onde os heróis surgiram era frio, e a noite pesada e sinistra. - Hã? – disse Oyama olhando para o céu – saímos de Sírhion no meio do dia. Como pode estar escuro aqui? - Nesta região – disse Astreya se lembrando das histórias contadas por sua mãe – temos de três a quatro horas de sol por dia. Todo resto do tempo, o céu é escuro com se fosse noite. - Sinto cheiro de carniça por toda parte – disse Bulma empunhando seu machado e observando estranhas pegadas no solo arenoso – este lugar não está tão deserto quanto deveria. - Monstros e demônios vivem neste lugar – respondeu Hargor - por isso os humanos partiram. Depois de alguns anos, não havia mais como lutar, ou por que ficar aqui. - É verdade – confirmou Astreya. - Sem querer atrapalhar o paisagismo ou as lições de história inúteis de vocês – disse Aramil abruptamente – temos uma caminhada de vinte quilômetros pela nossa frente. - Que jeito interessante de dizer “estou morrendo de medo, por favor vamos sair daqui” você arrumou agora, Aramil – zombou Oyama. - Por um lado, sou obrigado a concordar com o arrogante lorde Aramil – ecoou uma voz feminina doce, porém atrevida – vocês estão fazendo barulho demais. Todos olharam ao redor com armas em punho tentando identificar a origem da voz. Sim, eles iriam encontrar a ladina Tallin ali, mas não sobreviveram a anos de aventuras sendo descuidados e confiando no que apenas parecia certo. - Se for você, Tallin, apareça – disse Aramil. - Se não for, apareça também – disse Bulma com um sorriso malicioso no rosto.

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De repente, um vulto surgiu detrás de uma pequena cabana destruída. Era uma bela elfa, da altura de Astreya, com os longos cabelos castanho claros e olhos bastante aguçados. Vestia uma bem trabalhada e leve armadura de couro repleta de bolsos e compartimentos. - Prazer – respondeu a elfa com um sorriso fazendo uma mesura – como vocês realmente parecem ser quem eu procuro, aqui estou eu. Tallin de Sírhion, a vosso dispor. - Nada mal... – disse Oyama observando a elfa enquanto tentava em vão arrumar um pouco seu cabelo desgrenhado – Sou Oyama, o Flagelo das Feras, bela donzela. Estes são Hargor, Astreya e Bulma. O elfo de vestido aqui é Aramil, mas acho que vocês já se conhecem. - Oyama... – disse Astreya. - Sei quem vocês todos são – respondeu Tallin se divertindo com a situação, pois ela realmente gostava da maneira direta e tola como apenas os humanos conseguiam se expressar - Capitão Bheleg e o rei Coran me informaram tudo sobre vocês. - Tudo? – disse Oyama gargalhando – aposto que não! - Querem calar a boca e começar a andar, tolos? – gritou Aramil – Tallin, você está criando ainda mais barulho e atraso! - Não ligue para ele – disse Oyama propositalmente colocando a mão sobre o ombro de Aramil para provocar o elfo – no fundo ele é quase suportável. - Não se preocupe – disse Tallin – Lorde Aramil não tem muita simpatia por mim. - Talvez porque você seja uma ELFA que parece apreciar mais a companhia de humanos do que de seu próprio povo – respondeu Aramil. - Basta! – gritou Hargor – chega de discussões inúteis. Temos muito trabalho a fazer!

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- Realmente – disse Bulma pegando uma pedra no chão e arremessando-a com toda força sobre uma sombra entre alguns escombros. A pedra se chocou contra a madeira entulhada e atravessou-a como uma espada atravessa um manto de seda. Um gritou gutural ecoou das sombras e uma criatura de pouco mais de um metro de altura saltou para frente, com as mãos levantadas. - Não me machuquem! Não vou lhes fazer mal! A voz da criatura era ríspida e difícil de ser entendida. Seu corpo era retorcido e sujo; ele tinha poucos fios de cabelo, dentes e nariz tortos e olhos esbugalhados. Suas roupas eram rasgadas e imundas, e fediam a fezes. - Por Elvannus, que criatura abissal é esta? – disse Aramil com extremo repúdio. - Ele é inofensivo – disse Tallin – ficou escondido o tempo todo desde que eu cheguei aqui há algumas horas atrás. - Eu esperando um demônio de seis braços, e aparece isto – disse Bulma frustrada guardando seu machado – não se preocupe. Não vamos machucá-lo. - Quem é você? – perguntou Astreya com docilidade – precisa de ajuda? - Ajuda? – disse Aramil – A única coisa que podemos fazer para ajudar esta... criatura, é matá-la e livrá-la do tormento e da vergonha da própria existência. - Aramil! – gritou Astreya. - Elfo maldito! – gritou a criatura – você me humilha só porque se acha superior! - “Se acha superior”? – repetiu Aramil com cada vez mais asco da pobre criatura – eu SOU superior. Até os piolhos de Oyama são superiores a você. Na verdade, eu tenho pena de você. Muita pena.

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- Aramil, cale a boca! – gritou Astreya furiosa com o comportamento do companheiro. - Ignore o elfo tolo – disse Hargor para a criatura – qual é seu nome? - Me chamam de Morkk, o Grotesco – respondeu a criatura. - Eu não teria um nome melhor – zombou Aramil. - Cale-se elfo! – disse Hargor secamente – Morkk, nossa amiga encontrou rastros estranhos no solo. Pareciam pegadas de demônios ou algo assim. Sabe de alguma coisa? - Há um dia e meio atrás – disse Morkk – uma caravana de humanos havia se perdido e chegado até aqui – demônios os perseguiam e teriam matado todos certamente, mas de repente surgiu um guerreiro trajando uma armadura de batalha e portando uma lança. Ele vinha montado em um grande lobo branco, e matou todos os demônios. Depois, partiu para o norte, provavelmente para escoltá-los até alguma estrada. - E por que você não foi junto? – perguntou Astreya. - Por que alguém levaria isso? - disse Aramil apontando para Morkk com desprezo. Morkk, desta vez, se enfureceu tanto que sua raiva pelo elfo superou o medo que ele sentia. Ele pegou a pedra que Bulma havia atirado e a arremessou com toda força que tinha contra o elfo. A pedra atingiu a testa de Aramil, abrindo um enorme corte pouco acima da sobrancelha direita. - Seu maldito pedaço de esterco! – gritou Aramil apontando seu cajado para Morkk. - Nãããoo – gritou Morkk desesperado ao ver o cajado de Aramil brilhando – um dia ainda vou me vingar de você, elfo maldito – disse ele enquanto corria para a escuridão. - Aramil, você ficou louco? – gritou Astreya baixando rapidamente a mão do mago que segurava o cajado.

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- Solte-me, meio humana tola! – respondeu Aramil – eu não iria machucá-lo, apenas assustá-lo! - Mas chega disto – disse Aramil tocando seu ferimento com a mão enquanto olhava para Hargor e Astreya – ao julgar pela expressão de seus rostos, suponho que não irão me curar, não é? - Supôs certo – respondeu Hargor rispidamente – e eu sinceramente espero que isto infeccione. - Afinal, como você mesmo disse – zombou Astreya – temos mais de vinte quilômetros de caminhada pela frente. É melhor não “perdermos tempo”. - Humph! – resmungou Aramil retirando de sua bolsa um pequeno pedaço de tecido e uma poção – não preciso de vocês. - Hahaha, acho que vou gostar muito de andar ao lado de vocês! – disse Tallin. - Você é muito bem-vinda – respondeu Oyama – Mas estou curioso com uma coisa: Parece impossível, mas aquele guerreiro que o Morkk descreveu não lhes parecia familiar? - SE for quem pensamos – disse Hargor – ele irá nos encontrar. - Mas ele foi para o norte, e estamos indo para o sul – respondeu Oyama. - Se realmente for ELE – disse Bulma – ele VAI nos encontrar. ........................................................ Em meio ao solo cinzento e a escura neblina que envolvia a vastidão conhecida como Terras Sombrias, os heróis de Elgalor lutavam. Contra grandes demônios alados de pele negra e olhos amarelos, esqueletos gigantes cobertos por mantos rasgados, vermes gigantes e outros monstros que nenhum deles jamais havia visto.

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- Droga! – exclamou Tallin enquanto cortava a garganta de um demônio com seus dois longos punhais prateados de lâmina curvada – É o que? A quarta vez que somos atacados do nada em menos de duas horas? - Quinta, eu acho – gritou Oyama esmagando o crânio de outro demônio – nós não conseguimos dar vinte passos sem que apareça alguém voando da neblina ou sem que saia um bicho do chão tentando nos puxar para baixo. - E daí? – disse Bulma com um sorriso sanguinário no rosto enquanto arrancava as asas de um demônio com as mãos – Eu não agüentava mais ficar parada. - Neste ritmo – gritou Hargor enquanto batia furiosamente seu martelo sagrado no chão, criando uma onda de luz que transformou em pó todos os esqueletos que os cercavam – não vamos conseguir chegar à Torre do Desespero. - Se tivéssemos um mago de verdade, ele poderia nos levar até lá – provocou Oyama enquanto derrubava outro demônio. - Guarde sua idiotice para si mesmo, maldito! Se eu tentar nos teletransportar aqui, podemos aparecer debaixo da terra ou até em outro plano – disse Aramil logo após conjurar um poderoso relâmpago que destruiu três demônios que estavam atordoados pela magia sônica que Astreya havia conjurado. - Hargor tem razão – disse Astreya se esquivando do ataque de um demônio que foi logo depois decapitado pelo machado de Bulma – precisamos avançar mais rápido. Alguns minutos depois, o combate se encerrou. Como das outras quatro vezes anteriores, os heróis formaram um círculo onde Tallin, Oyama e Bulma montavam guarda, enquanto Hargor curava os ferimentos de todos e Astreya e Aramil usavam magias de adivinhação para tentar encontrar uma rota menos cheia de demônios. Da primeira vez, eles tentaram enviar Tallin

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e Oyama como batedores, mas os dois foram cercados e quase mortos antes que o restante do grupo pudesse chegar para auxiliá-los. As magias de Aramil e Astreya, apesar de se mostrarem pouco eficientes, ao menos não colocavam ninguém em risco direto. - O que é isso? – perguntou Aramil levantando a cabeça, como se tentasse enxergar um rastro invisível – Uma magia muito poderosa esta sendo conjurada perto daqui. - Estou sentindo – respondeu Astreya – o que pode ser? Antes que Aramil pudesse formular uma teoria, um jato de fogo rompeu do chão a cerca de cem metros deles. O jato parecia se elevar até o céu sombrio daquela região amaldiçoada, e quando ele se apagou, Tallin, que aparentemente tinha a visão mais aguçada entre todos ali, gritou. - Por Elvannus... – disse a ladina se esforçando para conter o desespero avassalador que a tomou por um instante – Aramil, nos teletransporte daqui! - O que você está vendo, mulher? – perguntou Aramil irritado por nem mesmo seus aguçados olhos élficos serem capazes de romper a névoa e enxergar o que havia assustado tanto Tallin. - Agora! – gritou Tallin. Após o grito da ladina, todos gradativamente começaram ver o que surgira daquela explosão de fogo. Como se fosse controlada por uma consciência sádica, a névoa lentamente se dissipou, mostrando com clareza uma imagem que gelou por um instante o coração de todos ali. Sem exceções. No local onde o jato de fogo havia rompido, havia centenas de guerreiros orcs, trajando pesadas camisas de cota de malha enferrujadas e portando grandes machados de lâmina vermelha. À frente deles, estava aquele que claramente era o líder. Um orc

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de aparentemente mais de dois metros de altura, com a constituição poderosa como a de um anão, que trajava uma camisa de cota de malha negra e carregava com uma só mão um enorme machado cuja lâmina parecia banhada em sangue fresco, que pingava lentamente no chão. Para a surpresa de todos os heróis, este orc cravou seu machado no chão e começou a andar desarmado na direção deles, enquanto seu exército permanecia imóvel. O orc caminhava de forma lenta e extremamente arrogante, como se pudesse facilmente matar todos ali com as mãos nuas. Conforme ele foi se aproximando, os heróis começaram a reparar em alguns detalhes de sua aparência nefasta. Este orc não tinha o olho direito, e seu olho esquerdo era tão vermelho quanto o sangue que cobria seu machado. Sua face era marcada por uma enorme cicatriz que varava todo o lado direito de seu rosto. Seus cabelos eram negros e desgrenhados, sua pele era cinzenta e repleta de cicatrizes e queimaduras. Astreya estacou e empalideceu ao ver o sangue e a cor do único olho da enorme criatura. Ela lembrou-se imediatamente da revelação que lhe havia sido feita pela cigana que havia aparecido para ela quando perdera a consciência na floresta de Elvanna. Vermelho, a cor que lhe traria sofrimento. - Atacamos? – perguntou Oyama para os demais enquanto o líder orc ainda estava há pouco mais de cinqüenta metros. - Sim – rosnou Bulma. - Não! – disse Aramil – se atacarmos ele, seu exército vai avançar sobre nós no mesmo instante. Sinto magia ali. Há conjuradores escondidos em meio aos soldados. - Então, você também acha que eles não são uma ilusão – disse Hargor.

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- Não, não são – respondeu Aramil - Não sei o que este idiota quer conosco – disse Tallin com as mãos próximas aos cabos de suas armas – mas não estou disposta a esperar para descobrir. Aramil, sei dos riscos do teletransporte, mas não pode ser pior do que enfrentar sozinhos um exército de orcs em um campo aberto. - Sim, pode, tola – respondeu o mago de forma sombria – acredite. - Espere... – disse Hargor olhando para seu símbolo sagrado, como se estivesse ouvindo algo – ele nos traz uma mensagem. Pouco depois que Hargor terminou de falar, o orc chegou, parando há dez metros de distância do grupo. - Saudações, porcos e gazelas de Elgalor – disse o orc com um sorriso sombrio no rosto – eu sou Skarr, o Escolhido de Urakan. - E o que quer conosco? – perguntou Astreya. - Que levem uma mensagem aos seus reis covardes – respondeu Skarr em um tom rude a ameaçador – dentro de três dias, Urakan, o Senhor dos Orcs, propõe um desafio. - “Desafio” – repetiu Hargor demonstrando claramente o ódio que sentia. - Sim – continuou Skarr olhando friamente para o anão – Eu duelarei com o rei de cada uma de suas raças imundas. Anões e elfos. Vocês escolhem o local, e nós escolhemos os termos. - Que seriam... – perguntou Aramil como se não estivesse levando aquilo a sério. - Combate homem contra homem sem a interferência de nenhuma força externa dentro de uma arena – respondeu Skarr – isso se houver homens entre suas raças medíocres. - E por que os reis devem aceitar seu desafio, poderoso Skarr? – questionou Tallin com sarcasmo na voz.

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- Porque se não o fizerem – respondeu Skarr com um sorriso malicioso – A contagem de corpos do lado de vocês vai aumentar MUITO. - Explique melhor, Skarr – disse Oyama – até onde eu sei, até um elfo mirrado como Aramil consegue colocar a sua raça suja para correr. - Cuidado com a boca, verme – ameaço Skarr - ou levo você ainda vivo para Aqueronte comigo. Meu exército e eu não podemos ficar neste plano por muito tempo sem agredir o acordo de “não interferência” que seus deuses patéticos criaram... - Mas se recusarmos um desafio formal feito por um representante de um deus – completou Hargor a contragosto – isso lhes dá o direito de infligir as regras momentaneamente, o que possibilitaria que você e sua corja possam vagar por este mundo. - Exato – respondeu Skarr – o desafio é feito para seus Grandes Reis, mas se um deles não tiver coragem o bastante para aceitar, podem mandar um representante no lugar. O resultado será o mesmo. Skarr estendeu suas duas mãos à frente, e duas grotescas cornetas vermelhas feitas de ossos surgiram. - Entreguem isto a seus reis – ordenou o orc – quando eles estiverem prontos para morrer nas minhas mãos, basta soprar. Lembrem-se que eles podem escolher qualquer lugar em Elgalor para os combates, mas que nenhuma interferência externa será permitida dentro da arena que meu mestre criará. Hargor estendeu a mão e pegou uma das cornetas. Aramil fez o mesmo, mas Astreya se adiantou e pegou a corneta restante. O mago elfo olhou para a barda com recriminação, mas Astreya o ignorou e guardou a corneta em sua bolsa arcana.

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- Você já disse isso antes, orc estúpido – disse Aramil de forma arrogante agora que compreendera a situação – não há necessidade de repetir. – Um dia depois da morte de seus reis, - disse Skarr abrindo um sorriso macabro - vocês todos estarão na minha câmara de tortura. - Isso se eu não matar você primeiro – rosnou Bulma com o machado em mãos. - Se tentar fazer isso, meus soldados e eu ganharemos mais alguns minutos aqui – disse Skarr – Quer arriscar? - Já deu seu recado, cão – disse Aramil de forma extremamente arrogante – agora suma, pois temos mais o que fazer. Skarr olhou furiosamente para o elfo, mas sabia que não poderia sequer encostar em um deles naquele momento sem atrair a ira de Elvannus, Thanor e talvez até outros deuses. Irritado, Skarr virou as costas e começou a andar em direção a seus homens. - Três dias, vermes – disse ele ainda de costas – três dias. - Como vocês saberão o local do combate? – perguntou Tallin. - Estaremos observando vocês – respondeu Skarr sem se virar – E Aramil... - O que foi? – perguntou o Elfo. - Há sete anos, quando vocês começaram a lutar juntos, você tinha um cavalo – disse Skarr enquanto caminhava. - Sim – respondeu Aramil com um sorriso – o nome dele era Urakan. Um lembrete para que ficasse sempre claro quem monta e quem é montado. - Você vai pagar por isso! – respondeu Skarr emitindo um rosnado – muito caro. Neste momento, mais um jato de fogo surgiu do chão, e Skarr e seu exército desapareceram da mesma forma abrupta como surgiram.

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- E agora? – perguntou Astreya, visivelmente perturbada – precisamos avisar os reis... Três dias é muito pouco tempo para algo tão grande assim! - É proposital – disse Hargor – mas não se preocupem, com isso agora. Vamos nos concentrar em chegar vivos à Torre do Desespero. Temos ainda um longo caminho pela frente. ................................................................. O encontro com Skarr, o escolhido de Urakan havia sido tenso; dentro de três dias, uma grande batalha entre o misterioso orc e os Grandes Reis dos anões e elfos provavelmente ocorreria. Os aventureiros avançavam cautelosamente dentro das Terras Sombrias, tentando focar-se em sua missão imediata. Contudo, a mensagem de Skarr deveria ser entregue por eles, e ninguém conseguia prever as conseqüências que um embate daquelas proporções traria. - Como se já não tivéssemos problemas o bastante, agora aparece esse orc gigante querendo desafiar os grandes reis – disse Tallin enquanto todos caminhavam juntos e com as armas em mãos. - Tudo bem – respondeu Oyama – quero mesmo ver o rei Balderk arrancar o couro deste animal. - Sim – respondeu Hargor sério, porém sem esconder o orgulho que sentia – apesar disto evidentemente se tratar de uma armadilha, Skarr não terá chance contra o mais poderoso rei que Darakar já teve. - Humph – praguejou Tallin olhando para os lados – grande coisa. Dizem que Balderk é o guerreiro mais poderoso de

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Elgalor, mas nunca o vi cruzar lâminas com Coran Bhael ou com Bheleg Aldalen. - Por mais habilidosos que sejam o rei de Sírhion e o mestre de armas de Sindhar – retrucou Hargor zangado – eles ainda não são tão poderosos quanto o rei Balderk, elfa. Da mesma forma que Thingol de Sindhar é o arquimago mais poderoso de Elgalor, Balderk é o guerreiro mais formidável. Isto é indiscutível. Antes que Tallin tentasse derrubar o argumento de Hargor, todos notaram que Aramil subitamente havia parado de andar. - O que foi, elfo? – perguntou Bulma impaciente – já está cansado de novo? - Cale-se – disse Aramil friamente- Astreya! – chamou o mago. - Diga, Aramil – respondeu a barda se virando para trás, já sabendo do que se tratava. - Me entregue a corneta - disse o mago com autoridade – ela irá para Sindhar. - Não – respondeu a barda – levarei a corneta para Sírhion e a entregarei ao rei Coran. - O duelo é diz respeito ao ALTO REI dos elfos, meio humana – gritou Aramil furioso – apenas o rei Thingol. Quando isso acabar, a corneta irá comigo para Sindhar, nem que eu tenha que... - Tomá-la de mim à força, Aramil? – perguntou a barda. - Você não faz idéia do que isto significa, tola – respondeu Aramil ignorando a pergunta de Astreya - Independente de quem uma meio-humana como você chama de rei, isto é um assunto dos elfos. Esta não é a primeira vez na história em que um campeão de Urakan desafia um rei élfico, e o desafio deve ser respondido apenas pelo alto rei de nosso povo. Ninguém mais!

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- Mesmo que ele morra, visto que este duelo será claramente desvantajoso para conjuradores – perguntou Astreya tentando persuadir Aramil – Este orgulho de vocês altos elfos ainda vai causar muita dor para todos nós! - Apenas o Alto Rei pode lutar – respondeu Aramil secamente – uma meio-humana não tem direito algum de sequer opinar sobre o assunto. Deixar que alguém lute em seu lugar? Thingol jamais submeteria seu povo a esta humilhação frente à Elvannus. Além do mais, o que a faz pensar que Coran Bhael se sairia melhor apenas porque sabe brandir uma espada? - Pode ter certeza – gritou Astreya – que eu sou a última pessoa no mundo que quer ver Coran lutando com aquele monstro! - Mas... – disse a barda em um tom mais moderado – Ele já fez mais por nós todos do que Thingol ou qualquer outro rei. Seria errado simplesmente ignorá-lo e entregar a corneta à Thingol sem nem mesmo falar com ele. Se fizer isso, estarei traindo sua confiança... - Você é uma tola, Astreya – interrompeu Aramil – Será que é tão difícil resistir aos impulsos idiotas de seu lado humano, barda? - Chega! – gritou Hargor segurando firme seu martelo – resolvam isso depois! Mal o anão terminou de falar e uma densa névoa cinzenta encobriu todos eles. - O que é isso? – gritou Bulma – Surgiu totalmente do nada! - E é diferente da névoa escura de antes – observou Oyama – esta névoa é mais clara, e muito mais densa. - Nós estamos completamente cercados por ela – gritou Tallin, notando que agora eles não enxergavam nada ao redor, e mal podiam ver uns aos outros.

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- A névoa está repleta de magia – disse Aramil erguendo seu cajado – preparem-se, pois alguma coisa está vindo. Lentamente, a névoa que envolvera os aventureiros começou a se dissipar, e todos viram a sombra de um guerreiro carregando uma lança, montado em um grande lobo atroz, de pelo branco como a neve. - Não pode ser! – gritou Astreya – Evan? - Não acredito... – disse Oyama quando a névoa se dissipou completamente. O guerreiro à frente deles era um meio elfo de cabelos negros mal cuidados e barba por fazer. Trajava uma armadura de batalha sem nenhum adorno ou símbolo e carregava uma lança, perfeitamente construída em um metal claro como prata, que emanava uma forte luz dourada por todo seu cabo e lâmina. - Você morreu quando derrotamos o Cavaleiro Negro – disse Bulma ainda não acreditando em seus olhos – eu mesma acendi a pira que usamos para queimar seu corpo! - Sei que deve ser difícil acreditar, mas eu ressuscitei a cerca de seis dias – respondeu o guerreiro desmontando de seu lobo – Lutei ao lado dos paladinos e guerreiros durante todo esse tempo nos Planos Celestiais. Há uma grande guerra acontecendo nos planos superiores, mas por alguma razão, os deuses da justiça decidiram que minha presença seria mais necessária em Elgalor, por isso, fui enviado para cá. - Sério? – disse Tallin tentando sutilmente arrancar mais informações – E como é o pós- vida? - Na verdade, moça – disse o guerreiro com formalidade pois ainda não conhecia a elfa – me lembro de muito pouco do que ocorreu lá, e quanto mais me esforço para lembrar, mais me esqueço.

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Em Elgalor, ressurreições são acontecimentos raros e extremamente complexos; clérigos são capazes de trazer alguém de volta à vida alguns instantes depois que esta pessoa pereceu, mas na maioria dos casos, apenas os deuses decidem quando uma alma deve retornar ao plano material. Os critérios de decisão que são usados por eles são desconhecidos por mortais e até pelos mais experientes clérigos. A única coisa que se sabe de fato é que poucas pessoas retornam da morte, e aquelas que o fazem passam por um longo período de tempo servindo direta ou indiretamente sua divindade patrona. - Perdão, mas isso tudo parece conveniente demais – disse Hargor enquanto conjurava uma magia que envolveu o guerreiro e sua montaria em um círculo de luz branca. - Sou obrigado a concordar com o anão – completou Aramil apontando seu cajado para o lobo do guerreiro, paralisando-o totalmente. - O que vocês estão fazendo? – perguntou Astreya. - Nos certificando de que não seremos empalados por uma lança ou devorados por um lobo enquanto estivermos lutando – respondeu Hargor – Se ele realmente for quem diz ser, este círculo não irá lhe causar mal nenhum. - É ele – disse Bulma – reconheço o cheiro dos dois. - Que sofisticado... – ironizou Aramil – Hargor... - Quem é você, e o que faz aqui? – perguntou o anão ao guerreiro, sabendo que dentro da área de sua magia divina, ele não seria capaz de mentir sem que isto ficasse muito evidente. - Sou Evan – respondeu ele calmamente – um paladino que voltou para lutar ao lado de seus amigos novamente, embora ainda não saiba exatamente contra o que. - Como chegou até aqui tão rápido? – perguntou Aramil ainda não completamente convencido – uma criatura nojenta que

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parecia um cruzamento de Oyama com um goblin nos disse que alguém com a sua descrição resgatou alguns mercadores humanos e rumou para a direção oposta a que estamos agora. - Quer mais uma pedrada na cabeça, mago? – disse Oyama em tom de deboche. - Isto, Aramil – continuou o paladino – é a parte realmente estranha. Eu sabia que vocês estariam indo para a Torre do Desespero graças a uma mensagem de um homem chamado Senhor dos Ventos. Quando deixei os mercadores em um pequeno vilarejo de Kamaro, decidi tentar encontrar a Torre. - O Senhor dos Ventos trouxe você aqui, Evan? – perguntou Astreya. - Não - respondeu o meio elfo – foi outra pessoa. Uma jovem cigana, de roupas vermelhas e longos cabelos castanhos. Ela disse que eu não avançaria muito nas Terras Sombrias viajando sozinho, e que minha lança seria um “farol” chamando todos os monstros da região. Além disso, ela disse que vocês não chegariam à Torre sem que pelo menos dois morressem no caminho. A menos que obtivessem ajuda. - Pessoal... – disse Tallin - Espere! – respondeu Aramil – foi a tal cigana que criou esta névoa que trouxe você? - Sim – disse Evan – Agora solte meu lobo, Aramil. Aramil fez um gesto simples com a mão e o lobo de Evan começou a se mover novamente. - Bem vindo de volta, amigo – disse Oyama apertando a mão do paladino convencido de que ele realmente era quem parecia – agora vamos apenas esperar que os deuses liberem a alma do Erol e teremos o grupo todo junto novamente. - Eu já ia lhes perguntar sobre isso quando percebi que Erol não estava com vocês – disse Evan – O que houve com ele?

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Astreya explicou sucintamente tudo o que ocorrera no antigo reino dos elfos silvestres e o confronto fatal com Thurxanthraxinzethos, omitindo apenas a parte em que Bulma acidentalmente matara Erol. - Este monstro pagará caro! – disse Evan apertando com força o cabo de sua lança. - Sim, ele vai! – disse Bulma enfaticamente – E talvez o desgraçado esteja dentro da Torre junto com o tal demônio. - O guardião... – disse Evan – o Senhor dos Ventos mencionou algo sobre ele. - Pessoal – gritou Tallin - querem ficar quietos por um instante e olhar para o leste? Todos se viraram instintivamente e não acreditaram no que seus olhos lhes mostravam. A menos de quinhentos metros, envolto por sombras vivas que serpenteavam incessantemente, jazia um imenso pilar. Negro, distorcido e impenetrável. A Torre do Desespero. - Como? - disse Hargor perplexo. - A névoa que nos envolveu nos trouxe para cá – disse Astreya tentando explicar para si mesma o que havia ocorrido – da mesma forma que trouxe Evan até nós. A cigana... - Quem é esta cigana? – perguntou Aramil extremamente perturbado – Como ela conseguiu nos teletransportar para tão perto? - De que isso importa? – disse Oyama – Vamos logo. Depois perguntamos se ela quer entrar para o grupo e preencher a vaga de mago. - Cale a boa, seu idiota! – gritou Aramil em meio aos risos de Oyama. - Evan, o que o Senhor dos Ventos disse sobre o guardião? – perguntou Hargor.

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- Que deveríamos ouvir o que o rei Thingol disse a Aramil – respondeu o paladino meio elfo – esta, segundo ele, será nossa melhor defesa. - O Alto Rei Thingol disse que o demônio não está fisicamente dentro da Torre – explicou Aramil – mas que ele controla tudo lá dentro, da estrutura física da Torre às criaturas que existem lá. O rei Thingol me deu amuletos que irão anular o controle que o demônio tem sobre as paredes e o chão da torre por onde passarmos, mas o maior perigo, segundo ele, não era este. - E qual era? – perguntou Tallin. - Este local é chamado Torre do Desespero por um motivo – continuou Aramil – ela tem um poder muito grande de afetar nossas mentes, e o demônio guardião parece ser um mestre neste tipo de “arte”. O rei Thingol disse que nossas proteções mágicas serão inúteis lá dentro, e que, apesar do demônio não poder se manifestar fisicamente na Torre, ele pode abrir diversos portais, e VAI tentar fazer com que entremos em um destes. Não preciso dizer o que acontece caso alguém passe por um portal que leva a Pandemônio, não é? - Não, não precisa – disse Evan – você tem amuletos para todos nós, Aramil? - Sim – respondeu o mago – o rei Thingol, sabendo que esta missão seria empreendida por muitos não elfos, sabia que os amuletos poderiam se quebrados ou perdidos de forma estúpida, por isso, me deu vários sobressalentes. - Quanta gentileza a dele – disse Hargor. Aramil entregou a todos um amuleto, feito em ouro com o símbolo de uma lua crescente. Mais confiantes pelo retorno de seu antigo líder, os heróis de Elgalor avançaram. Sabiam que enfrentariam horrores e terríveis pesadelos, um demônio astuto e quase invencível e talvez até mesmo Thurxanthraxinzethos.

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Ainda assim, caminhavam com a convicção de que TODOS sairiam juntos dali. E longe dali, uma misteriosa e bela jovem observava tudo atentamente em sua bola de cristal...

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Apêndice

Sob a lua (Antes da Tempestade)

sta história se passou imediatamente antes dos eventos narrados neste livro.

Fui até a sacada do palácio de Sírhion respirando fundo. A noite cobria cada canto como um manto de ônix, e a pálida luz de uma lua minguante não valia de muita coisa. Sentei-me em um banco; a sacada é grande, uma bela estrutura de madeira, com plantas e flores se entrelaçando em suas colunas. Tudo o que os elfos fazem, afinal, está em harmonia com a natureza. Parecia que, com meu nervosismo, eu era a única coisa que não estava combinando com aquele cenário, com a paz escura daquela noite. Se bem que, mesmo ali, as noites pareciam maiores, mais escuras e mais sombrias. Ouvi passos vagarosos de alguém adentrando o meu refúgio noturno, minutos depois. Meus ouvidos, acostumados a reconhecer qualquer tipo de som, sabiam a quem eles pertenciam; eu conhecia o jeito de andar do rei de Sírhion. Olhei para a porta de entrada e o vi; quando ele me percebeu, havia surpresa em seu rosto. Embora estivesse escuro, meus olhos já haviam se acostumado, naquela altura, à iluminação quase inexistente. Preocupado, ele andou até a minha direção. Eu baixei o olhar. Não queria ver seu rosto. Não queria me

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lembrar daquilo que havia sonhado, há cerca de meia hora atrás. (...) Estava frio. Eu estava na câmara mortuária do palácio de Sírhion. Vários túmulos de mármore esculpidos guardavam corpos de reis, príncipes, rainhas, guerreiros, clérigas, generais, enfim, de pessoas caras e importantes ao reino. No entanto, um deles não estava desocupado e reluzente como os outros; havia um corpo sobre ele, ainda conservado, sendo velado ali por algum motivo que me escapava. O rosto sem vida, pálido como a cera de uma vela, as mãos entrelaçadas ao cabo de uma espada ornamentada que repousava sobre seu peito, e uma bela túnica azul e prateada. Eu me aproximei, sentindo o quente das lágrimas escorrendo, beijei a testa, as mãos e os lábios de Coran morto, numa intimidade que nunca havíamos tido, mas, que todos os deuses sabiam, eu – e tinha praticamente certeza, nós - desejávamos. E fui embora vestida para uma batalha (...). - Lady Astreya, está se sentindo bem? – ele perguntou, tirando-me de meus devaneios. - Sim – eu respondi prontamente, com a voz falhando um pouco, agradecendo por estar escuro e ele não poder ver meu suor e as lágrimas que se formavam em meus olhos – perdi o sono, apenas isso. Perdoe-me majestade, se eu o incomodei. - Não – ele sorriu um pouco desconfortável; não gostava que eu o chamasse de majestade o tempo todo, mas eu devia a ele respeito – você não me incomodou. Eu não durmo após a madrugada. A maioria de nós não dorme, na verdade, mas fica em seus aposentos esperando a noite passar. Mas você costuma dormir. Eu sei o que acontece com você para acordar no meio

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da noite. Teve alguma visão? Eu me virei, incapaz de responder, descontrolando-me muito alem do que gostaria. Apertei o roupão que usava para cobrir minha camisola ainda mais; um vento frio soprava agora, forte o bastante para afastar meus cabelos do rosto. - Não foi nada demais, apenas pesadelos envolvendo eventos passados, quando fiquei presa no calabouço do Cavaleiro Negro – foi a melhor desculpa que pude arranjar, agora que ele havia percebido meu nervosismo, se isso já não havia acontecido antes. Ele tocou meu ombro levemente. - Também não gosto de me lembrar disso – sua voz era grave. - Vocês foram para lá rápido – eu atalhei – evitaram que o pior acontecesse. Não gosto de me lembrar de como me senti lá dentro, pois achei que todos vocês tivessem morrido... Quando falei essa palavra, o nó que havia se feito em minha garganta pareceu se desfazer para o pior. Era o pranto que estava guardando o tempo todo vindo a tona. Na masmorra do Cavaleiro Negro, eu não chorei. Estava tão chocada e revoltada, que não chorei. Quando acordei do pesadelo, não chorei. Agora, as duas coisas se misturavam e o medo do que poderia vir se apoderava de mim. O que havia sido aquele sonho, aquela visão? Ele me virou delicadamente e me abraçou. Depois, me afastou levemente e levou a mão até o meu rosto, secando minhas lágrimas. - Eu não sei o que mais você viu que não está querendo me contar – ele disse, com a expressão tranqüila – mas você está com medo. Todos estamos. A noite está mais escura, o ar está pesado. São tempos difíceis. Sei que suas visões são acuradas, mas não se impressione tanto. Você mesma me disse uma vez que todo destino pode ser mudado. Você já previu a queda de

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seu grupo. E estão todos vocês, a exceção de Evan, vivos. Até mesmo por causa de suas visões, vocês mudaram seus cursos de ação e puderam moldar seus destinos de maneira melhor. Eu fiz um sim com a cabeça. - Você tem razão – eu respondi – eu apenas não quero que nada aconteça aqui... e com você. - Nada vai acontecer – ele disse, sorrindo ao me ouvir dirigindo-se a ele com um pronome de tratamento mais adequado a um amigo de longa data – e eu não tenho medo, Astreya. Não por mim. Mas eu sei que dizer isso não vai deixá-la mais tranqüila, assim como não me deixaria mais tranqüilo ouvir o mesmo de você. A situação já estava bem clara aos olhos de nós dois. Mas algo que ia além do desejo de sermos discretos e respeitosos um com o outro nos impedia de levar qualquer intenção de deixar tudo ainda mais claro adiante, uma certa apreensão que preenchia nossos corações. Era um medo, afinal, do que poderia acontecer. Ele pareceu se adiantar, no entanto. Me apertou forte em seus braços, e eu, cedendo aos meus sentimentos, coloquei minha cabeça em seu peito. Alguns criados e pessoas da corte já começavam a aparecer nos corredores. A manhã já ia romper, afinal. Levantei a cabeça um pouco apreensiva, no que ele beijou minha testa. Surpresa, toquei seu rosto e fechei meus olhos aproveitando aquele momento. - Pela tarde – ele disse, soltando-me mas sorrindo – eu quero falar com você, Lady Astreya, minha barda real. Eu sorri. - É claro – fiz uma pequena mesura.

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- Vossa Majestade – a voz de um criado ressoou atrás de nós – Perdoe-me. Tens uma visita, e ele diz que é urgente. Nos viramos, um pouco embaraçados - no entanto, tal sentimento foi rapidamente encoberto por outro, o de surpresa e, logo depois, de apreensão. Pois atrás do criado, havia ninguém menos que o Senhor dos Ventos.