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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática

GABRIEL LUIZ SANTOS KACHEL

LÍGIA ARANTES SAD

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS DO IFES:

um olhar para a construção do currículo

Vitória

2018

Copyright @ 2018 by Instituto Federal do Espírito Santo Depó-sito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nº. 1.825 de

20 de dezembro de 1907. O conteúdo dos textos é de inteira res-ponsabilidade dos respectivos autores.

Observação: Material didático público para livre reprodução.

Material bibliográfico eletrônico e impresso.

(Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo)K11e Kachel, Gabriel Luiz Santos.

Educação matemática no curso técnico em Estradas do Ifes : um olhar para a construção do currículo [recurso eletrônico] / Gabriel Luiz Santos Kachel, Ligia Arantes Sad. – Vitória: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo, 2018. 158 p. : il. ; 21 cm. ISBN: 978-85-8263-289-5

1. Matemática – Estudo e ensino. 2. Currículos. 3. Ensino téc-nico. I. Sad, Ligia Arantes. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título

CDD: 375

Realização:

Apoio:

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Editora do IFESInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito

SantoPró-Reitoria de Extensão e Produção

Av. Rio Branco, nº 50, Santa LúciaVitória – Espírito Santo, CEP 29056-255

Telefone: (27) 3227-5564E-mail: [email protected]

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática

Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância (Cefor)

Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) Rua Barão de Mauá, 30, Jucutuquara

Vitória – Espírito Santo, CEP: 29.040-860Telefone: (27) 3198-0912.

E-mail: [email protected]

Comissão CientíficaDra. Lígia Arantes Sad, Ifes.

Dr. Antonio Henrique Pinto, Ifes.Dr. Tércio Girelli Kill, UFES.

Dr. Edmar Reis Thiengo, Ifes.

Coordenação EditorialDanielli Veiga Carneiro Sondermann

Michele Walz ComarúMaria Auxiliadora Vilela Paiva

Editoração EletrônicaGabriel Luiz Santos Kachel

CapaWendel Alexandre Albino Macedo

Produção e DivulgaçãoPrograma Educimat, Ifes

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOJadir José Pella

Reitor

Adriana Pionttkovsky BarcellosPró-Reitora de Ensino

André Romero da SilvaPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Renato Tannure Rotta de AlmeidaPró-Reitor de Extensão e Produção

Lezi José FerreiraPró-Reitor de Administração e Orçamento

Ademar Manuel StangePró-Reitor de Desenvolvimento Institucional

Diretoria do Campus Vitória do Ifes

Hudson Luiz CogoDiretor Geral do Campus Vitória – Ifes

Marcio Almeida CóDiretor de Ensino

Márcia Regina Pereira LimaDiretora de Pesquisa e Pós-graduação

Christian Mariani Lucas Dos SantosDiretor de Extensão

Roseni da Costa Silva PrattiDiretora de Administração

Centro de Referência em Formação e Educação à DistânciaVanessa Battestin Nunes

Diretora do CEFOR

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MINICURRÍCULO DOS AUTORES

APRESENTAÇÃO

Figura 1 - Convite para a aula inaugural de instalação do curso técnico em Estradas.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1962b).

Essa imagem é do convite para a aula inaugural do curso Téc-nico em Estradas. Tomamos a liberdade de estender esse convite a você, leitor. Infelizmente, não é possível voltar no tempo para contemplar o dia memorável em que esse curso foi instalado. Criado em dezembro de 1961, na então Escola Técnica de VitóriaI (ETV), o curso Técnico em Estradas fun-ciona até os dias de hoje no Campus Vitória do Instituto Fede-ral do Espírito Santo (Ifes). Esse curso representou um marco

I O Ifes já teve várias denominações: Em 1909, chamava-se Escola de Aprendizes Artífices; em 1937, Liceu Industrial de Vitória; em 1942, Escola Técnica de Vitória (ETV); em 1965, Escola Técnica Federal do Espírito Santo (ETFES); em 1999, Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo (CEFETES) e, finalmente, em 2008, Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes).

Para tornar a leitura mais fluída, o texto ficou organizado com as referências no final do livro como notas de fim. As referências completas das obras podem ser encontradas na seção Referências. As notas de rodapé estão indicadas com números romanos e seus respectivos textos se encontram na própria página.

Gabriel Luiz Santos Kachel - Mes-tre pelo Programa de Pós-Gradu-ação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo. Desenvolve pesqui-sa em História da Educação Mate-mática. Licenciado em Matemática pelo Instituto Federal do Espírito Santo e Especialista em Docência no Ensino Superior e Técnico.

Lígia Arantes Sad - Possui gradu-ação em Matemática pela Univer-sidade Federal do Espírito Santo e doutorado em Educação Matemáti-ca pela Universidade Estadual Pau-lista Júlio de Mesquita Filho (1999). Professora do Centro de Forma-ção e EaD - Cefor / Ifes - Instituto Federal e Tecnológico do Espírito Santo; Professora do Programa de Pós-Graduação de Educação em

Ciências e Matemática (EDUCIMAT) do Cefor / Ifes. Atua e pesquisa principalmente nos seguintes campos: história da matemática, edu-cação matemática, epistemologia e diversidade cultural.

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na instituição sendo o primeiro técnico de nível médio. E veio também trazer algumas transformações para a Educação Ma-temática realizada dentro dos muros dessa escola.

O presente trabalho convida o leitor a se transportar para aquela época por meio de documentos, registros, vestígios e memórias de depoentes. Este livro foi escrito como produto educacional de uma pesquisa de mestrado que investigou a construção social dos currículos de Matemática do curso Téc-nico em Estradas no período das décadasII de 1960, 1970 e 1980.

No processo de pesquisa foi possível analisar como ocorreu a configuração das prescrições e práticas curriculares de Ma-temática nesse curso, bem como o contexto histórico no qual esse processo estava inserido. A história dessa Educação Ma-temática construída se entrelaça com a história do curso e do próprio Ifes. Dessa forma, fica clara a relevância dessa disci-plina na formação deste profissional: o técnico em Estradas.

Os autores

II No presente trabalho, pretende-se tratar “década” como um período de tempo iniciado com o ano de final zero e terminado com ano de final nove. A década de 1960, por exemplo, será considerada como o período compreen-dido de 1960 a 1969.

SUMÁRIO

1 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO TÉCNICO EM ESTRADAS NA ESCOLA TÉCNICA FEDE-RAL DO ESPÍRITO SANTO........................10

2 IMPLANTAÇÃO DO CURSO TÉCNINCO EM ESTRADAS NA ESCOLA TÉCNICA DE VITÓ-RIA........................................................... 33

3 DÉCADA DE 1960: CURRÍCULOS DE MA-TEMÁTICA NOS PRIMEIROS ANOS DO CUR-SO TÉCNICO EM ESTRADAS DO IFES.... 45

4 DÉCADA DE 1970: CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS, EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E LI-VRO DIDÁTICO......................................... 62

5 MOVIMENTOS DE PROFESSORES E MOVIMENTOS NO CURRÍCULO DE MATE-MÁTICA DO CURSO TÉCNICO EM ESTRA-DAS......................................................... 94

6 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS NA ATUALIDA-DE..........................................................134

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................143

REFERÊNCIAS.......................................149

NOTAS....................................................155

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1 FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO TÉCNI-CO EM ESTRADAS NA ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

O curso Técnico em Estradas do Ifes tem formado profissio-nais dessa área desde sua instalação em 1962 até os dias de hoje. A seguir encontra-se uma página de um documento de 1983 no qual constam o objetivo do curso e as atividades de-senvolvidas pelo técnico em Estradas

Figura 1 - Uma das páginas do documento no qual constam os programas de ensino do curso Técnico em Estradas de 1983.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1963).

Como era a experiência formativa nas primeiras três décadas de funcionamento do curso? E qual o papel da Matemática nessa formação?

Essas perguntas são complexas e não temos a pretensão de esgota-las nesse livro. No entanto, entendemos que podemos utilizar, como ponto de partida, as experiências de pessoas que vivenciaram esse processo. Assim, trazemos relatos de dois ex-alunos do curso: Robson Birchler e aluno AIII.

O ex-aluno A, concluinte do curso técnico em Estradas no ano 1974, também concedeu entrevista. Atuou como técnico em Estradas até 1979 e prosseguiu com seus estudos no ensino superior formando-se Engenheiro Civil em 1987. Ele atuou na área de infraestrutura de estradas até 1995, ano em que in-gressou na ETFES, por meio de concurso público, como pro-fessor do curso técnico em Estradas. A atuação dele nesse curso aconteceu até o ano de 2002, quando o curso passou por uma reestruturação e passou a integrar a parte de constru-ção sendo desmembrado da parte de agrimensura. O docente A preferiu atuar na Geomática, pois seu mestrado foi desen-volvido nessa área. Durante sua atuação no curso Técnico em Estradas, ele lecionou quase todas as disciplinas técnicas, com exceção daquelas que estão relacionadas à administra-ção e ao direito.

Robson Birchler concluiu o curso em 1986 e trabalha como técnico de Estradas até os dias de hoje. Em 1985, estagiou na companhia Vale do Rio Doce. Em sua trajetória profissional,

III Esse entrevistado preferiu manter seu nome em anonimato na pre-sente publicação.

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ele atuou em obras pela Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), pela Odebrecht, pela OAS, pela CESAN, pela companhia Vale do Rio Doce, pela Cinco Estrelas e outras empresas.

As entrevistas com esses egressos do curso aconteceram em espaços e tempos diferentes. Todavia, organizamos as per-guntas respondidas por ambos de tal forma que se estabe-lece um diálogo em que ambos falam de suas experiências enquanto alunos do curso Técnico em Estradas. Dessa forma, oferecemos ao leitor uma oportunidade de conhecer um pou-co do passado do curso por meio da memória de nossos de-poentes. As perguntas feitas nas entrevistas encontram-se em negrito e as iniciais dos entrevistados indicam suas respostas.

Em que ano o senhor iniciou o Curso de Técnico em Estra-das no Ifes? Em que ano concluiu esse curso?

Aluno A: Iniciei em 1972, conclui em 1974.

RB: Eu iniciei em 83 e conclui em 85. Eram três anos de for-mação, na época a escola técnica ainda tinha o sistema, você tinha aula de manhã e de tarde, às vezes à noite, né, então pra poder pegar toda essa gama de horas-aula normalmente era necessário que ficassem mais de um turno na escola. Então, era muito comum, na época, os alunos ficarem o dia inteiro na escola. Mesmo as pessoas que moravam próximas da escola, em alguns dias da semana, ficavam o dia inteiro na escola.

Como era a composição da grade curricular do seu curso?

Aluno A: Era um curso de três anos. Era um curso integra-do, mas em três anos, tínhamos aulas durante dois horários, praticamente o dia todo, tinha aula de manhã e a tarde. Eu me lembro que tínhamos bastante Matemática, tinha bastante aulas de Física e matérias técnicas. Tínhamos menos aulas de Português. Não lembro totalmente de todas as disciplinas.

RB: É, a composição da grade curricular do curso na época, [...] ela era composta de disciplinas de cultura geral. Compu-nha o ensino médio e as disciplinas do curso técnico voltadas para a área específica. E é justamente por isso que a gente tinha aula, às vezes, em mais de um período porque as cargas horárias dessas disciplinas técnicas são muito grandes. Então, já as disciplinas de cultura geral, excetuando-se Matemática, Português e Física, que tem um peso maior, as outras só fa-ziam mesmo o cumprimento do currículo básico de cada disci-plina. Só mesmo o que o MEC estipula como sendo o mínimo, tanto que se você reparar, por exemplo, História e Geografia a carga horária era muito pequena, muito pequena.

Entrevistador: Seria a carga horária de todos os anos?

RB: De todos os anos. Então, a carga horária é muito pequena mesmo, você vê que a carga horária que realmente é sensível mesmo é só matemática, física, você está vendo? Matemá-tica e física, está certo? E língua portuguesa que é básico, está certo? Agora, o restante é praticamente só mesmo aquilo que o MEC exigia como base, tanto que na época era muito comum os alunos de escola técnica passarem com facilidade

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na UFES porque praticamente todo mundo que saía da escola fazia para área de engenharia. Então, assim, na área de exa-tas você tinha realmente uma condição boa, e naquela época você tinha as discursivas que tinham o maior peso, e as dis-cursivas eram matemática e física, então, a gente nadava de braçada, a gente tinha, realmente, mais facilidade, tanto que era muito comum ninguém fazer cursinho naquela época, você saía da escola e a escola já era o cursinho e fazia direto. Tinha uma carga bem boa mesmo, entendeu? E mesmo as discipli-nas que a gente tinha um volume maior, como Matemática e Física, por exemplo, eram bem voltadas para o nosso curso. Se você pegar a grade curricular, o currículo de Matemática no curso de Estradas não é o mesmo do currículo que o de meta-lurgia à época, por exemplo. Tá? Em metalurgia, por exemplo, eles tinham uma carga horária, acho que nem tem mais o cur-so de metalurgia na Escola, se não me engano.

É, química para o pessoal de metalurgia tinha uma carga ho-rária grande e a gente praticamente não tinha nada porque a química para nós só interessava um pouco mesmo nas aulas de Mecânica dos Solos, mas o resto, praticamente nada. Já a Matemática não porque, como a gente tem uma carga muito pesada de topografia e de desenho técnico, a parte de trigono-metria e geometria plana para gente é fundamental. Topografia é praticamente um curso de Matemática, só que você coloca um aparelho na frente para poder fazer leitura, em cima dessa leitura, mas é todo raciocínio matemático, tudo matemática. Topografia é uma disciplina de Matemática, entendeu? Tá, e, Mecânica dos Solos interfere muito com Física, principalmente a mecânica.

Quem eram os professores(as) e quais disciplinas eles le-cionavam?

Aluno A: Se eu lembro algum professor... Acho que o professor de Matemática foi Taciano Corrêa em pelo menos em um dos períodos, nos outros períodos eu não me lembro quem foi o professor de Matemática. De Português eu me lembro, de uma professora chamada Elza Cerutti. Biologia eu me lembro de uma professora de Biologia chamada Magda. O professor de Química era o Pignaton. Nas matérias técnicas, eu me lembro de vários professores: Topografia era o professor Carone, pro-fessor de projeto de Estrada teve Jair Fortunato, Getúlio... De pavimentação tinha o professor Eliomar...

Eu esqueci de dois professores, e não posso deixar de falar deles, pois eles foram professores no curso Técnico e no curso da faculdade de Engenharia na Ufes. Um foi o professor Se-bastião Carneiro, nós chamávamos ele de Carneirinho. Ele era professor de Mateco (Materiais de Construção) e o outro era o professor de Geologia, Renato Adnet. Teve outros profes-sores, teve dois irmãos, Donaldo e Dido Fontes. O pai deles, Dido Fontes, foi um dos fundadores do Curso de Engenharia Civil da Universidade Federal. Donaldo Fontes deu aula de Ferrovia e Dido Fontes, aula de desenho. Interessante que o Carneirinho e Renato Adnet deram aulas aqui e também lá na Ufes. O Carneirinho tinha um filho que também era professor aqui na Escola Técnica. O filho do Carneirinho era o Hebert, e era conhecido como Carneirão. O pai era o Carneirinho, e o filho, o Carneirão...

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RB: É, em Matemática, o professor que me marcou mesmo foi o Helcias Camargo que eu tenho certeza que eu tive aula com ele em dois anos, não sei se foram nos três, que eu tive algumas aulas com o Taciano, mas eu acho que o Taciano não era o nosso professor direto. Ele só fazia às vezes algumas aulas. Professor nosso mesmo foi o Helcias, da minha turma. Era muito raro isso, mas às vezes acontecia de você pegar o mesmo professor nos três anos de escola [...] É... o Helcias de Matemática, essa é uma pessoa bem marcante, a Acidi-na, de Geografia, também uma pessoa muito marcante pra mim, particularmente porque ela era uma pessoa muito ativa politicamente e eu fazia parte de grêmio [...] Os professores de área técnica, esses foram os que mais marcaram porque eram as pessoas que a gente tinha mais convivência, os mais próximos eram Hélvio Sartorio, que depois foi diretor geral do DER, foi professor da UFES durante muito anos, né? Certo? Um cara que não foi meu professor, mas era professor da es-cola, e dava O.N. (Organização e Normas) para os outros cur-sos e era chefe do departamento de ensino, é o Carneirão, entendeu? Herbert Carneiro [...] acho que inclusive ele está na UFES até hoje, tá certo? Uma pessoa assim, magnífica, uma pessoa de um respeito, se fazia ser respeitado e respeitava muito todo mundo, um cara maravilhoso, uma pessoa magní-fica, Herbert, embora não fosse meu professor direto, ele era, ele acabava sendo porque ele era chefe do departamento de ensino. [...] É, ah, o Damião que deu aula de Física. [...] Outra pessoa que para mim muito importante foi, foi o Afonso Dena-zad Cabral, foi um cara também que, além de ser professor da escola, era engenheiro fora da escola. Cabral era engenheiro

da Vale. O Élver era engenheiro do DER, entendeu? O Pavan, que deu Materiais de Construção e Máquinas e Equipamentos, era também engenheiro da Vale, entendeu? O Darlins foi coor-denador do curso de Estradas, dava desenho técnico, na To-pografia teve o Mauro e o Carnielli, e o professor Wilson Hash Carone que eu respeito até hoje [...] Quando ele deu aula para mim, ele já tinha mais de 70 com certeza, devia estar chegan-do nos 80 já e isso foi há 30 anos [...] Quem mais marcante? Tinha os gêmeos da Biologia, mas eu não lembro mais o nome deles, Biologia porque também era uma disciplina que a gente tinha muito pouco, não tinha muito contato. Tinha a Terezão que dava Português. Tinha um cara que dava Mecânica dos Solos prática... Juarez! Ele era técnico, ele não era engenheiro e se formou na escola técnica, na época a escola ainda con-tratava professores de nível médio, como ele era de uma área específica, ele dava Mecânica dos Solos prática para gente. [...] Foi meu professor, uma pessoa magnífica também. [...] O.N. foi o Paulo César Zambeli. [...] Educação Moral e Cívica era uma mulher, gente muito boa. Que estava tentando fazer uma transição da Educação Moral e Cívica da ditatura para uma Educação Moral e Cívica mais palpável, porque essas disciplinas são disciplinas da ditadura, né? Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil, que é a OSPB são disciplinas da ditadura ali mesmo. Foram disciplinas que foram implementadas. Então, ela tentava ser criativa porque o currículo dessas disciplinas na época ainda estava amarrado na ditadura, embora a gente já estivesse saindo desse pro-cesso que já era 83, 84, 85, né, o processo de tensão política no Brasil começa em 82, né? Tanto é que a gente refunda o

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Grêmio em 83, eu sou participante da reabertura do GrêmioIV em 83.

Na fotografia a seguir encontra-se o professor Carnielli à es-querda. Trata-se de um registro de setembro de 1984.

Figura 3 – Fotografia do professor Carnielli.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1984).

Qual(is) eram os livros ou materiais didáticos utilizados nas aulas de Matemática?

Aluno A: Eu lembro que na época nós usávamos bem pouco os livros. Como tínhamos bastante matéria, as matérias eram escritas no quadro, então não tínhamos muitos livros.

RB: Pois é. O livro era um [...] livro grosso que era o mesmo para o primeiro, segundo e terceiro anos. Era um livrão. Mas, as disciplinas eram sacadas de dentro dele para atender ao conteúdo da área técnica, entendeu? Então, assim, a gente

IV Segundo Robson Birchler, o grêmio esteve fechado de 1979 a 1983.

não ia, por exemplo, quando você estudava matrizes, você não estudava porque você tinha que fazer vestibular depois, não se dava uma ênfase àquilo. Vamos imaginar o seguinte, das, sei lá, 330 horas de Matemática, a gente deve ter 230 horas de trigonometria, entendeu? E as outras 100 horas você gastou para o resto. Entendeu? Porque a ideia era justamente isso, entendeu? Você tinha que saber aquilo, voltado mesmo para dentro [do curso]. Não foi o meu caso porque eu sempre, como eu te contei agora há pouco, trabalhei com área de obra, obra mesmo. Ou com fiscalização de obras ou com execução de obras. Então, o que eu mais usei de Matemática foi mate-mática básica, é, cálculo de áreas, de volumes e aritmética básica, entendeu? O conhecimento de trigonometria só me ajudava mesmo quando eu estava analisando algum levan-tamento topográfico de outro topógrafo. Eu mesmo nunca me dediquei à topografia, por exemplo, tá certo? [...] a gente estu-dava muito com apostila, usava muito apostila, mesmo para as outras, para algumas disciplinas de conteúdo geral era normal se ter, às vezes, a apostila justamente por isso: para você não se perder no conteúdo que não interessa, que não interessas-se ao curso. Então, era pinçado aquilo, Mecânica dos Solos mesmo, as disciplinas técnicas, todas elas eram feitas com apostilas, nenhuma delas tinha livro, todas elas eram aposti-las. E, assim, 90% dessas apostilas eram feitas pelo próprio professor do curso, da disciplina. Entendeu? Matemática, eu lembro do Helcias, mas era trigonometria que a gente apren-deu mesmo dentro do curso. Porque você usa para tudo, Lei dos Senos, Cossenos, essas coisas. [...] porque assim, quan-do você conclui o curso, você, basicamente, você vai para três

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áreas: ou você vai para Topografia, ou você vai para Desenho Técnico, ou você vai para fiscalização de obras, para área de obras. Entendeu? E eu sempre trabalhei com a área de obras. Então, a parte de desenho eu sou fraquíssimo. Optei mesmo por mexer com operário, com gente. Eu gosto mais de gente do que de papel.

O senhor lembra quais assuntos ou conteúdos eram en-sinados nas disciplinas de Matemática? Você utilizou co-nhecimentos aprendidos nas aulas de Matemática em ou-tras disciplinas do curso? Quais conhecimentos?

Aluno A: Conteúdo até lembro porque tinha conteúdo que era bem importante pra gente. Alguns dos conteúdos importantes eram Geometria e Trigonometria porque o curso Técnico em Estradas em síntese precisa muito de Geometria e Trigonome-tria. [...] nós estudávamos as equações, funções, mas a essên-cia de nosso curso era saber bem Geometria e Trigonometria e nesse aspecto nós tínhamos um curso muito bom. Lembro-me que naquela época não tínhamos calculadoras. Então, em Tri-gonometria para o cálculo do seno, cosseno, tangente, usáva-mos as tabelas logarítmicas, não sei se você conheceu tabela logarítmica, em que você tinha o ângulo de..., sei lá, de 30 em 30 minutos ou alguma coisa desse tipo e se eu queria ter se-gundo ou minuto, tinha que fazer interpolações sempre. Então, uma das coisas que a gente aprendia muito bem, mas hoje nossos alunos têm dificuldade em aprender a fazer, é interpo-lação. Tudo a gente tinha que interpolar. Todos cálculos eram feitos na mão porque não tínhamos acesso a calculadora. As máquinas de calcular começaram a aparecer depois de 76, 80.

Me lembro até quando eu tive a primeira maquininha de calcu-lar: somar, subtrair, não tinha funções trigonométricas. Máqui-na com funções trigonométricas fui ter uma no final de década 70 e início da década de 80.

RB: A Matemática era diretamente ligada à área de Topogra-fia, e um pouco Desenho Técnico, desenho técnico também. Porque a gente chamava de Desenho Técnico, mas era muito mais uma aula de projeto do que de desenho técnico. A gen-te chama de desenho técnico por ser mais fácil, a gente sim-plificava as coisas, mas era uma aula de projeto, entendeu? Então, esses conhecimentos de Matemática na aula, na área de geometria plana, certo? Você usa muito no desenho e na topografia.

Eles [os conteúdos] vão interagindo ao longo do curso. Jus-tamente o currículo de cada disciplina era voltado para aten-der à demanda do curso. Por exemplo, no primeiro ano você tem Topografia mais básica e Desenho Técnico mais básico. Então, por exemplo, Matemática era mais geometria, geome-tria plana, você começa a trabalhar com trigonometria, mas mais simples. Quando vai complicando, por exemplo, o curso de desenho, começa a exigir mais, entendeu? Aí o curso de Matemática vai acompanhando. Ele meio que dá sustentação, entendeu? Ao longo dos três anos de curso essa interação é constante. Matemática e Física, elas são feitas para dar sus-tentação principalmente a essas duas disciplinas: Topografia e Desenho Técnico. As outras disciplinas são mais de carga de conhecimento, de conhecimento geral mesmo. Máquinas e Equipamentos tem um pouco na parte de dimensionamento.

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Mas, aí é Matemática básica mesmo, é mais aritmética e é mais conhecimento de ensino fundamental hoje, de 1º grau. Não tem muito essa demanda.

O senhor utilizou conhecimentos de Matemática em sua prática profissional?

Aluno A:: Na verdade, foi usado, quem trabalha com Topogra-fia em essência tem que saber Matemática. Talvez até tenha algumas atividades em que basta que se saiba só somar e subtrair. Agora, na área de topografia, em que se trabalha com espaço, tem que saber geometria espacial, tem que saber tri-gonometria, saber trigonometria realmente. Ou seja, quem ti-ver domínio desses conhecimentos tem grande facilidade em desenvolver suas atividades. Hoje, até menos, porque temos programas que fazem quase tudo. Mas, tempos atrás, o aluno tinha que saber geometria e trigonometria, principalmente.

RB: Sim, sim, usei. Usei principalmente quando você está fa-zendo medição, medição de obra. Então, aí você vai usar levan-tamentos de quantitativos de projetos. Mas, volto a dizer, é Ma-temática básica, aritmética e geometria plana, entendeu? Muita formuleta. Fórmula de tronco de cone, de pirâmide, não sei o quê, para facilitar levantamento de áreas, esse tipo de coisa, e áreas e volumes. Então, é Matemática, o tempo todo você usa Matemática [...] Mesmo eu não tendo trabalhado com topografia e com desenho técnico, você usa Matemática o tempo todo. Só é uma Matemática mais básica, não tem grandes complicações, aquelas equações biquadradas que a gente aprendeu na escola eu nunca mais vi na minha vida e não quero nem ver.

Figura 4 – Aula prática de Topografia (registro do final da dé-cada de 70).

Escola Técnica Federal do Espírito Santo [197?].

Fale um pouco sobre as aulas das disciplinas de Matemá-tica.

RB: O Helcias Camargo já era uma pessoa, um professor ta-rimbado, era uma pessoa já de muita experiência. Então, lem-bre que a gente está falando da década de 80, então, esses ar-tifícios todos que nós temos hoje para trabalhar em uma aula, de audiovisual, nada disso. A aula era basicamente cuspe e giz, entendeu? Então, o cara tinha que ser criativo. O Helcias, particularmente, era um professor muito querido. Ele era muito simpático, conversava com as pessoas. Aquele professor que o aluno gosta de ter. Então, as aulas eram aulas boas. Boas de se assistir, as aulas eram aulas gostosas, até porque como a gente estava fazendo um curso técnico, não tinha aquela

Gabriel
Realce
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coisinha do: “ah, eu não gosto de Matemática”. Não existia! Você não gosta de Matemática, você junta suas trouxas e sai fora, né? Você está no curso errado, entendeu? Então, assim, basicamente, mesmo as pessoas que não tinham grande afi-nidade com Matemática assistiam com certa desenvoltura. A gente tinha poucas reprovações no curso. Não tinha, não tinha essa coisa, até porque, a prova de seleção da escola era muito concorrida. Na época não se tinha tantas escolas boas. Parti-culares como se tem hoje, hoje há essa demanda, quem tem condições financeiras de manter uma boa escola não precisa necessariamente de ir para escola técnica, para o Ifes. Tem ‘n’ escolas boas. Na época você não tinha tantas opções de escolas boas. Então, assim, todo aluno que tinha um pouco mais de qualidade acadêmica ele ia para a Escola Técnica, independente de ser rico ou pobre. Os pobres porque queriam uma escola de graça e os mais abastados porque queriam uma escola de qualidade. Mesmo que fosse de graça ou não. Então, assim, era muito concorrido, muito concorrido mesmo. Então, isso já limitava, por isso até você não tinha tantas re-provações. [...] Tinha muito pouco por causa disso, porque os caras que entravam já eram pessoas, preparadas para fazer o curso. E, Matemática para a gente era uma aula que era as-sistida, entendeu?

[...] A atuação do professor de Matemática era basicamente cuspe e giz, então, dependia muito do carisma, da empatia do professor. No nosso caso, a gente teve essa sorte que era um professor que tinha essas qualidades. Então, as aulas dele eram boas de se assistir. Do ponto de vista dos artifícios que ele usava para ministrar essa aula, não tinha muito, não se

tinha muito recurso na época, você tinha retroprojetor, que era uma coisa que hoje as pessoas nem conhecem o que é um retroprojetor, aquela coisa arcaica, mimeógrafo. [...] Então, uns negócios bem arcaicos comparados com o que o professor tem hoje à disposição, mas como o Helcias era um cara muito inteligente, ele buscava nas disciplinas técnicas a finalidade daquilo que ele estava dando na aula de Matemática. Mesmo para os [...] que não conseguiam entender isso, porque muita gente falava: “Ó, por que que eu aprendendo isso?”, Então, volta e meia, Helcias falava “não, olha, vocês estão aprenden-do, por exemplo, fazer cálculo de trigonometria básica aqui porque senão vocês não vão conseguir fazer a leitura. Porque quando você for ler lá fio médio, fio superior e fio inferior na topografia, você vai precisar desse ângulo aqui do meio para você dimensionar qual é a altura, qual é a distância, então, isso é lei dos Senos, é lei dos Cossenos que você vai usar o tempo todo”. Procurava sempre trazer essa coisa de aplicabi-lidade. Mas, isso se deve muito ao mérito do professor. Agora, artifício mesmo para ministrar tinha muito pouco. Tinha essa coisa, o aluno tinha mesmo que querer aprender mesmo. Ou você está aqui para aprender ou você vai embora. Mas eram boas as aulas. No geral, eram boas as aulas.

O senhor lembra algumas características de sua turma do Curso Técnico em Estradas (número aproximado de alu-nos, gênero, idades homogêneas ou não, postura em sala, etc)?

Aluno A: Quarenta alunos. Idades homogêneas. [...] Quarenta alunos entravam quando eu comecei a dar aula. Quando eu era

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aluno, entravam 120 alunos em cada curso. No curso de Estra-das quando eu entrei, três turmas de 40 alunos (A, B e C) [...] tínhamos, uns sei lá, uma turma devia ter uns 30%, 20% eram mulheres e o resto era, eram homens. Nosso curso era mais ou menos assim, pelo menos na minha turma. A minha turma era turma A (as turmas eram organizadas por ordem alfabética).

Entrevistador: E você lembra um pouco de postura em sala de aula? Como que a turma se portava...

Aluno A: Isso eu me lembro! Isso eu me lembro. Bem diferente de hoje... Bem diferente principalmente porque, diferente de hoje, na escola nós tínhamos só curso técnico. Então, os ho-rários eram os mesmos para todas as turmas. Então, fora do horário de recreio você não via ninguém no pátio, ninguém. Se um aluno estava no pátio no horário de aula, ele tinha que ter alguma razão de estar no pátio, isto é, ele foi ao banheiro, autorizado pelo professor, por exemplo. Tinha os inspetores que viam o aluno e tinham que saber o que ele estava fazendo no pátio no horário de aula. O professor não tinha problema com alunos. O aluno entrava na sala para estudar, caso não quisesse estudar, pelo menos não atrapalhava a aula. Coisa interessante da época também é que vivíamos o regime mi-litar. Então, a escola também não deixava de ser regime mili-tar. Nossos pais de uma certa forma também viviam o regime militar. É bem diferente dos meus filhos hoje. Então, a esco-la, a sociedade, as famílias tinham o mesmo comportamento, acho que podemos pensar assim. Mas, uma das coisas inte-ressantes que não se faz hoje é: a limpeza da sala de aula era responsabilidade dos alunos. Então, nós chegávamos, a sala

de aula estava arrumada, organizada, limpa porque a turma anterior deixou assim. Então, terminada a aula ficava sempre dois alunos responsáveis por deixar a sala como a encontrou. Então, limpeza e organização da sala era responsabilidade dos alunos. Então, nós tínhamos que limpar e entregar do jei-to que nós encontramos a sala. Era em todas as aulas. Essa era uma das coisas da escola antiga: sala de aula era respon-sabilidade do aluno. Então, era uma cultura da época. Tinha coisas diferentes de hoje que não, por exemplo, todos os dias, antes de entrar para sala de aula, as turmas ficavam em fila, nesse momento o diretor, o inspetor, davam as notícias do dia, somente depois, as turmas iam para as salas de aula. Uma vez na semana, sempre na quarta-feira, durante o recreio nós tínhamos um momento em que era cantado o hino nacional, que era feita uma homenagem a um professor, um funcionário. Com o passar do tempo, perdemos algumas coisas que cha-mávamos de o visgo eteviano, hoje, por exemplo, se perguntar a um aluno se ele sabe cantar o hino da escola, certamente, a maioria responderá que não sabe. [...] Então, nós tínhamos um relacionamento com escola muito grande e que ao longo do tempo esse relacionamento se perdeu. Eu digo assim é: eu estava na Bahia, se eu encontrasse um ex-aluno de um outro curso, mesmo muito depois de mim, então a gente já tinha um elo, alguma coisa. Isso só pelo fato de saber que ele foi aluno da escola, a gente já estava entre amigos, então tinha algo que se chamava de visgo eteviano. Esse visgo foi perdido. E foi perdido só no superior que entrou depois, ele foi perdido por todos os alunos, inclusivo pelos os alunos do cur-so técnico. Em que época não sei, mas isso foi perdido. Isso

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era uma coisa que nos dava identidade. Hoje ainda alunos da minha época de estudante se encontram. O último encontro foi ano passado, juntou vários desses alunos. Nós, ex-alunos mais antigos mantemos essa relação. E olha que eu fiz primei-ro grau, fiz escola técnica, depois fiz universidade, fiquei um bom tempo na universidade, que eu fiquei mais de 5 anos. Há poucos anos fiz mestrado na USP – São Carlos, e nenhuma dessas instituições me marcou mais do que a escola técnica. Em nenhuma dessas outras instituições eu tive vontade de dar aula. Mas, na Escola Técnica, eu tinha vontade. Só para ver um... passaram-se vinte anos, eu terminei em o curso Técnico em 74 e voltei vinte anos depois para escola. Esse era o nível de relação que a gente tinha com a escola. Hoje esse nível... se perdeu bastante. Isso é uma pena. E hoje é o momento de criar esse vínculo novamente. Se não criarmos esse vínculo, uma das coisas, uma das coisas que vai acontecer é ela vai acabar. Se não defenderem... ela pode vir a acabar. [...]

RB: Era uma turma, você entrava com uma turma de 40 alu-nos. A minha turma se manteve grande numericamente até o final do curso, tivemos poucas reprovações. É, era uma turma até bem distribuída, no sentido de gênero. Tinha mais ou me-nos, meio a meio, meninos e meninas. A idade era também bem homogênea, todo mundo na faixa de catorze, quinze anos entramos no primeiro ano, a grande maioria. Tinha uns dois ou três que eram mais velhos, [...] Do ponto de vista social, tam-bém bem equilibrado. [...] tinha uma galera mais humilde, que a escola era mesmo, o ponto de fuga da pobreza, a gente veio fazer curso técnico para ter uma profissão legal na vida, para ser alguém, como se dizia. E tinha uma galera mais abastada,

desse pessoal mais abastado, a maioria inclusive não ficou como técnico, foi para outras áreas. Eu acho que da minha turma, uns 30% dela ficaram na área diretamente ligados à área como técnico. Eu sei que eu tenho notícia de três amigos que ficaram na área de Topografia propriamente dita, tem uns quatro do meu conhecimento que ficaram como técnicos, tra-balham, atuam na área. É, assim, na área de Estradas mesmo, fazendo Estradas, acho que uns dois. Uns dez conseguiram fazer engenharia logo depois do curso, vários depois fizeram curso superior. Vários fizeram, em várias áreas. Assim, logo que saíram da escola foram poucos os que foram para a área de engenharia, tirando esses mais abastados, porque outros tinham realmente, que trabalhar. [...] Eu mesmo quando fui fazer curso superior já tinha 30 anos de idade, praticamente doze, treze, catorze anos depois de ter saído da escola. Vá-rios fizeram engenharia, alguns foram para áreas não afins [...] Mas, um número considerável da turma foi mesmo para área, foi trabalhar com, ou diretamente como técnico ou fazendo engenharia, depois tocando a vida como profissional da área mesmo. Um número considerável, era uma turma bem boa.

[...] Era uma turma bem coesa, bem unida, como eu falei nessa época a escola técnica ainda tinha uma aura assim muito le-gal dessa coisa de ser Eteviano. Era muito forte isso. Tivemos poucas brigas, atritos dentro da sala. [...] Tinha muita ajuda mútua, de estudar no pátio, de ficar na biblioteca, uma turma boa, uma turma bem próxima mesmo. Eu tenho poucos con-tatos da minha sala de aula, na verdade, como eu era muito aluno de pavilhão, eu era muito envolvido com coisa do Grê-mio e tudo mais.

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Eu tinha uma relação com toda a escola técnica. É, mas era muito gostoso, nossa. A gente, tem uma cena que sempre fica na minha cabeça quando eu fecho os olhos, eu lembro da es-cola e a imagem que eu tenho da minha turma, da minha sala de aula é a gente deitado lá num pavilhão embaixo, a escola era muito diferente do que é hoje, a estrutura física dela, era uma estrutura bem mais aberta. Tinha bem menos construção inclusive, bem menos prédios. É... mês de agosto quando a gente voltava das férias de julho, ainda estava bem frio em Vitória, aquela chuvinha fina, aquela garoa, o café Glória, ain-da existia o café Glória, [...] na Avenida Vitória tinha o café Glória onde hoje é uma revenda de automóveis. Na esquina aqui tem uma revenda de automóveis da Unidas, se não me engano. Ali era o café Glória. Agosto então, o tempo muito frio, e na hora da torrefação, a fumaça do café Glória, a fumaça da torrefação, como estava chovendo, ela não se dissipava tão facilmente, não tinha vento. Ela vinha toda para escola, a gente ficava deitado, lembro da minha turma deitado embaixo do nosso pavilhão que o meu pavilhão era o último, o primeiro daqui para lá, V10, V11. Deitado ali embaixo e aquela fumaça, a gente sentindo aquele cheiro de café, café sendo torrado, parecia coisa da roça, entendeu? [...] A gente saía da aula da manhã e às vezes a aula da tarde começava só lá para as duas horas da tarde. Acabava a aula da manhã onze horas e ia ter aula duas horas da tarde [...] na época o transporte não era tão simples, você tinha que ir para o Salesiano, aí pegar lá no ponto o ônibus para ir para Vila Velha. Então, não dava tempo de ir em casa, então as pessoas ficavam na escola. [...] Era um tempo muito bom, memorável. Então, a postura

da turma era uma postura boa assim, era legal. Tinha muito comprometimento.

[...] É essa postura com relação ao aprendizado que na maior parte das vezes era muito séria, justamente por isso, porque uma boa parte da turma que estava ali, não só da minha sala, de todas as salas da escola, tinham convicção de que estavam buscando uma profissão. Então, essa ideia de você estar se formando enquanto profissional, você acaba criando um cer-to peso, uma certa responsabilidade dentro do cotidiano de aula. Então, na maioria das vezes tinha uma postura muito séria com relação ao aprendizado. Tirando as disciplinas que a gente desprezava porque não tinha a ver com curso, então, assim, volto a falar: Biologia, Educação Moral e Cívica, OSPB, é, todo mundo fazia mesmo para poder cumprir carga horária e ter ponto para poder passar. Elas reprovavam como qualquer outra, certo? Mas, os próprios professores também, jogavam bem leve com a gente nessas disciplinas. [...] o nível de exi-gência era menor. Até porque eles tinham sapiência, as outras disciplinas o nível de exigência era muito maior. Muito maior do que o normal, entendeu? Certo? Então, assim, a carga, volto a falar, a carga de Matemática, por exemplo, era uma carga mui-to pesada, entendeu? Então, o aluno, um aluno Eteviano, no final do curso técnico dele, ele era um cara bom em Matemá-tica, entendeu? Independente de qual área ele era, o cara era bom em Matemática, mesmo que fosse só aquela Matemática voltada para o curso dele, entendeu?

[...] era muito normal você ver, assim os mais burrinhos lá, ficar estudando na escola, mas estudando mesmo, para ninguém ir

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na biblioteca, passava três quatro dias na biblioteca sem parar, chegava às 6 horas da manhã e saía às 11 da noite, na hora que a biblioteca fechava para ir embora. E não era brincadeira não porque saía, muita gente morava em Vila Velha, então você saía da escola técnica, você ia andando até o ponto po-bre que é lá no Salesiano, pegar o bacurau, para poder ir para casa e estar de volta, tinha que acordar cinco horas da manhã. Então volta para chegar na escola seis e meia, sete horas. Era barra pesada e a galera levava muito a sério, entendeu? [...] Então, tirando essas pessoas que já sabiam que não iam se dedicar ao curso técnico, a postura do aluno em sala de aula, no geral, era de muita responsabilidade.

2 IMPLANTAÇÃO DO CURSO TÉCNINCO EM ESTRADAS NA ESCOLA TÉCNICA DE VITÓRIA

O curso na modalidade técnica já existia no Brasil, desde mea-dos da década de 1930, no Colégio Mackenzie, em São Paulo. O decreto nº 4073 de 1942 instituiu e regulamentou a existên-cias dos cursos técnicos. No entanto, até o ano de 1962 não havia nenhum curso técnico instalado na Escola Técnica de Vitória (ETV). Os alunos da escola indagavam sobre a criação do curso técnico que seria uma sequência natural do curso básico conforme previa o decreto1.

Em um trecho da edição número 66 de 1959 do jornal inter-no da escola “ETV”2, o então diretor Fernando Alves Duarte declarou que o funcionamento do curso técnico na escola es-tava dependendo da construção do novo pavilhão. A obra es-tava com entrega prevista para o final de 1959, possibilitando a instalação dos cursos técnicos em 1960. O diretor afirmou que problemas de natureza burocrática e técnica retardaram aquela construção. Além disso, com a mudança instituída pelo decreto 3.552 de 1959, o funcionamento dos cursos técnicos dependeria da decisão do conselho de representantes.

O decreto 3.552 de 1959 foi importante, nesse período de grandes mudanças. Essa legislação foi divisora de águas na gestão da ETV e criou expectativas nos diretores de escolas técnicas do Governo Federal, pois apontava a possibilidade de mais autonomia e maiores recursos financeiros na gestão de cada escola3. No artigo 16 desse decreto, é estabelecida a autonomia didática, administrativa, técnica e financeira dos

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estabelecimentos de ensino industrial mantidos pelo MEC.

Com o intuito de organizar a administração dos estabelecimentos de ensino industrial, o decreto regulamentou a criação do Conse-lho de Representantes (CR) e do Conselho de Professores (CP).

Conforme o decreto, o CR era composto por representantes da comunidade e tinha o importante papel de eleger o diretor da escola. Esses membros eram escolhidos pelo próprio presiden-te da república. Esse conselho também era responsável por: avaliar a viabilidade da criação de cursos profissionalizantes; aprovar a organização dos cursos e os sistemas de exames e promoções da escola; administrar e fiscalizar o uso de recursos.

Os membros do primeiro Conselho de Representantes da ETV eram4:

• Presidente: professor Balbino de Lima Pitta - representante do corpo docente da ETV;

• Vice-presidente: Eugênio P. de Quiroz – representante da indústria;

• Aristóbulo B. Leão – representante dos educadores estra-nhos aos quadros da escola;

• Américo BuaizV – da indústria; • Engenheiro Luiz Palma Lima – do Crea; • Engenheiro Dido Fontes de F. BritoVI – da Escola Politéc-

nica; • Secretário: Welington Ayrola Barcelos.

V Américo Buaiz foi presidente da Federação do Comércio do Espírito Santo.

VI O engenheiro Dido Fontes de Faria Brito foi diretor da Escola Politéc-nica da UFES, diretor de engenharia da prefeitura de Vitória e presidente da associação dos engenheiros. Na edição de 20 de novembro de 1953 do jornal “Folha do Povo: o vespertino do Espírito Santo”, Dido Fontes é descrito como “ilustre Engenheiro Civil, militando no Espírito Santo há mais de vinte anos, co-

A representatividade da comunidade, preconizada pelo decre-to, é questionável. Há representantes da área da educação, indústria e engenharia. Contudo, não há representantes do corpo discente, de pais de alunos ou funcionários da ETV, por exemplo. Em outras palavras, não há representatividade da comunidade local. A escolha realizada pelo presidente da re-pública possivelmente priorizou pessoas conhecidas ou reno-madas na sociedade capixaba da época. Os interesses desse grupo entravam em conflito com os do Conselho de Professo-res com frequência. Ocorrências desse tipo serão abordadas posteriormente no presente livro.

A nova estrutura de gestão preconizada pelo decreto foi efeti-vada em 1961. O professor Balbino de Lima Pitta foi eleito por seus colegas como representante dos docentes e tornou-se presidente do Conselho de Representantes. Essa mudança foi noticiada em uma edição de 1961 do jornal da escola: “O ETE-VIANO”5.

nhecido em todo país por sua competência profissional”. O engenheiro tem seu nome citado diversas vezes em edições desse periódico, em colunas como “O dia do governador” (na qual figura em conferências e reuniões com o governa-dor), nas colunas de atividades do prefeito de Vitória e em colunas de eventos sociais da época.

De acordo com o ex-diretor da ETV, Zenaldo Rosa da Silva: “[...] Dido Fontes, fundador da Escola de Engenharia [...] Dido Fontes fez a Escola de Engenharia praticamente com recursos próprios e entregou ao Estado, era a politécnica que ficava ali em Maruípe. Eu disse, dentro do CREA, para um monte de en-genheiros, grande parte deles, ex-alunos da Escola Técnica, eu disse assim: ‘Vocês pertencem à descendência prometida de Dido Fontes, que foi o fun-dador da Escola de Engenharia’. Então, Dido Fontes foi prefeito de Vitória, foi o fundador do DER no Espírito Santo, mas hoje sua história está esquecida” (PINTO, 2006, p. 47).

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A Diretoria da Escola passou a ser formada por um conselho de representantes do qual era presidente o nosso ex-mestre, professor Balbino de Lima Pitta, que foi eleito pelos seus colegas na ETV, como seu representante e escolhido como presidente. Este, por sua vez, escolheu entre três professores eleitos, o Dr. Mauro Fontoura Borges atual diretor da escola (O ETEVIANO, 1961, p.12).

Figura 5 – Visita do Dr. Armando Hildebrand à ETV.

Fonte: Escola Técnica de Vitória (1962a).

A figura 5 é um registro feito durante a visita do Dr. Armando Hildebrand (diretor de ensino industrial) à ETV. Da direita para a esquerda: Balbino de Lima Pitta, Dido Fontes, Dr. Arman-do Hildebrand, Frederico T. Filho e, o então diretor da escola, Mauro Fontoura Borges.

Figura 6 – Balbino Pitta e Américo Buaiz.

Fonte: Escola Técnica de Vitória (1962a).

O Conselho de Professores era um órgão com função peda-gógica-didática organizado conforme regimento próprio. O CP era composto por comissões. Dentre as quais, são permanen-tes: a comissão de provas, de redação, de programas e de adaptação de cursos.

A comissão de provas, presidida pela professora de Matemáti-

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ca Léa Manhães PenedoVII, estava incumbida de elaborar pro-gramas e modelos das provas dos exames de seleção para ingresso na escola. A comissão de redação, presidida por Cló-vis Rabelo, era responsável por contribuir na redação das atas e demais resoluções oficiais do Conselho de Professores. A comissão de adaptação de curso, presidida pela professora Maria Penedo, emitia pareceres sobre casos de requerimento de matrícula por parte de alunos provenientes de outros cur-sos de grau médio e sobre casos de transferência de curso.

As atribuições da comissão de programas estão a seguir.

Figura 7 - Atribuições da comissão de programas do Conselho de Professores.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo [196-a].

VII Conforme narrativa da própria professora Léa Manhães Penedo, ela ingressou na ETV em 1952. Naquela época, havia poucos professores for-mados em Matemática. Para lecionar, a docente prestou um exame junto ao Ministério da Educação. Enquanto lecionava na Escola Técnica, a professora fez o curso de Pedagogia que a habilitava a dar aulas de Matemática no pri-meiro ciclo do curso ginasial. No início da década de 1970, Professora Léa passou a trabalhar no Serviço de Orientação Educacional, exercendo, entre outras funções, o acompanhamento pedagógico dos professores. A docente se aposentou pela ETV em 1980.

As comissões do Conselho de Professores atuavam em todos os cursos oferecidos pela ETV (ginasiais e colegiais técnicos) incluindo o curso Técnico em Estradas.

Por meio de seu relato6, a professora Maria do Perpétuo So-corro B. de Castro, membro da comissão de programas, escla-rece como se dava a elaboração dos programas das discipli-nas dos cursos técnicos:

Os programas de ensino das matérias se diferen-ciavam de acordo com o curso. Tinha uma parte bá-sica, que era para todos os cursos, e outras partes que eram para determinados cursos. Por exemplo, na Mecânica tinha necessidade de um assunto que não precisava em Edificações, por isso os programas eram diversificados. Os programas de ensino eram elaborados assim: vamos supor que houvesse três professores de Desenho. Então, eles se reuniam, discutiam e elaboravam o programa. Depois eles le-vavam ao Conselho, através do representante dos professores de Desenho e que era membro do Con-selho, e então o Conselho avaliava. No início, a gente mandava muita coisa para Brasília, mas depois não precisava mais, pois ficamos mais independentes.

De forma análoga ao exemplo dado pela professora Maria de Castro, os professores de Matemática se reuniam e levavam o programa elaborado por meio de seus representantes ao CP. Esses representantes eram a professora Léa Manhães Pene-do e o professor Expedito Bogéa. Destacam-se ainda, no refe-rido relato, a autonomia conquistada pela ETV na elaboração de seus programas e o fato desses programas se diferencia-rem de acordo com o curso, mantendo uma base comum.

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Na relação entre o CR e o CP, no entanto, havia conflitos. O Conselho de Professores defendia a autonomia da escola pro-curando a melhor educação para os estudantes e uma sólida preparação para o mundo do trabalho. O Conselho de Repre-sentantes procurava garantir que a formação profissional da instituição atendesse às demandas das empresas e da socie-dade7.

Ainda no relato da professora Maria de Castro que secretá-ria do Conselho de Professores de 1961 a 1973 é possível encontrar mais detalhes sobre o CR e o CP:

No início da década de 1960, foi criado o Conselho de Professores, e eu fui escolhida para ser a secre-tária. Eu fui secretária deste conselho por muito tem-po, quase até o fim dele. [...] Para a composição do Conselho de Professores, eram escolhidos represen-tantes das várias matérias, dos cursos e das ofici-nas. Esse Conselho tinha um papel muito importante, pois se constituía num órgão pedagógico-didático da escola. Nós fazíamos uma reunião por mês, ou por quinzena, às vezes. Nessas reuniões, a gente discu-tia os programas das disciplinas, dos cursos e tudo o que envolvia a organização pedagógica da escola. O Conselho de Professores também discutia a criação de cursos, e foi nesse Conselho que foram criados os primeiros cursos técnicos. Havia também o Conselho de Representantes, que era mais voltado para a par-te administrativa e financeira da escola, mas, como o presidente do Conselho de Representantes tinha sido professor da escola, o professor Balbino Pita, então ele achava que tinha o direito de interferir nos assuntos pedagógicos. Mas também havia uma coi-sa: tudo o que nós fazíamos no Conselho de Profes-sores nós mandávamos para o Conselho de Repre-sentantes, pois sabíamos que devíamos obediência a eles, pois era o Conselho de Representantes que elegia o diretor da escola.

As interferências do Conselho de Representantes em assun-tos pedagógicos e didáticos foi motivo de atritos com o CP. No livro de atas do CP, é possível encontrar um registro datado de 19638, mostrando uma divergência com o CR na elaboração dos programas da disciplina de Desenho.

Nesse cenário de relação entre os conselhos, o Conselho de Professores viabilizou a criação do curso Técnico em Estra-das, sendo aprovada pelo Conselho de Representantes em 29 de dezembro de 1961. A imagem a seguir mostra a cópia da resolução do CR que aprovou a criação do curso.

Figura 8 - Aprovação da criação do curso técnico em Estradas pelo Conselho de Representantes.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1961a).

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O curso técnico em Estradas é instalado em abril de 1962 com aula inaugural ministrada pelo Dr. Armando Hildebrand, dire-tor de ensino industrial do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em sua visita, o diretor de ensino industrial conheceu todas as instalações da escola, acompanhado pelo diretor da instituição e membros do Conselho de Representantes.

É importante destacar que o curso Técnico em Estradas é criado em convênio com o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Em outubro de 1962, o então diretor da ETV, Mauro Fontoura Borges, mandou uma carta ao diretor geral do DNER comunicando a instalação do curso Técnico em Estradas na escola e solicitando maior colaboração e ajuda financeira. Em contrapartida, a escola ofereceria matrículas sem ônus aos servidores do DNER.

A carta do chefe do 17º DRF, encaminhando o ofício da ETV ao diretor geral do DNER, contém elementos importantes para o entendimento do contexto histórico da época em que foi cria-do o curso Técnico em Estradas. Dessa forma, um trecho da carta está reproduzido no quadro a seguir:

Quadro 1 - Carta encaminhada ao diretor geral do DNER.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1962b).

O trecho mostra a dificuldade de encontrar técnicos rodoviá-rios. Nesse sentido, fica clara a demanda do mercado de tra-balho por esses profissionais. Mesmo com esse quadro no es-tado do Espírito Santo, o curso técnico em Estradas foi criado

[...] O curso criado no corrente ano pela Escola Técnica de Vitória vem preencher uma lacuna no E. Santo, contribuindo para sanar aqui uma falha que sabemos existir em todo Brasil, formando o técnico rodoviário de grau médio, intermediário entre o engenheiro e o operário, elemento assaz procurado e pouco encontrado e que nós engenheiros temos fabricado “à sopapo”, a partir do operário geralmente sem nenhum co-nhecimento básico, muitas vezes até sem o curso primário, e portanto incompleto e deficiente em face de suas próprias limitações culturais.

3. Queremos ressaltar que vem sendo boa a orien-tação dada ao curso Técnico de Estradas e o exame do currículo apresentado nos diz bem dos ensinamentos que serão ministrados. Êste Distrito vem cooperando, dentro de suas possibilidades, no sentido de facilitar a aplicação de aulas práticas.4. É do nosso conhecimento que a Escola Técnica de Vitória vinha já lutando com dificuldades financeiras face aos poucos recursos que dispõe, quando se re-solveu a criar o curso de que estamos tratando, tendo sido apanhada de surpresa pelo Plano de Econômia do Govêrno, que a atingiu duramente, de vez que a quase totalidade dos seus recursos destina-se, como pudemos apurar, a alimentação, uniformes. material para traba-lhos de oficina, roupa de cama, (os alunos são todos internos, por conta da Escola) e pagamento de pesso-al e professores; mesmo assim, manteve a Direção da Escola o curso recém-criado com ingentes sacrifícios, e que, por força daquela contingência, esteve em vias de ser encerrado.5. São oferecidas ao DNER, sem nenhum ônus, ma-trículas para o referido Curso que poderemos vir a apro-veitar, dentro de nossas possibilidades.6. Tudo considerado, manisfestâmo-nos inteiramen-te favoraveis no que vem de ser pleiteado, e que, antes de tudo, acreditamos atender sobremaneira aos interês-ses do DNER.

Cordiais Saudações

Engº Fabiano VivacquaChefe do 17º D.R.F.

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apenas em 1962.

Por que o primeiro curso técnico da ETV foi o curso Técnico em Estradas? Para esse questionamento, conseguimos ape-nas levantar hipóteses. Primeiramente, na época da criação do curso, o estado do Espírito Santo estava ampliando a sua malha viária. Em especial, destaca-se a construção da BR 101.

Além da necessidade de profissionais especializados, citada na carta analisada, outro aspecto pode se configurar como motivo para essa escolha: Dido Fontes, membro do Conselho de Representantes da ETV, foi um dos fundadores do Departa-mento de Estradas e Rodagem (DER) do Espírito Santo.

3 DÉCADA DE 1960: CURRÍCULOS DE MATEMÁTICA NOS PRIMEIROS ANOS DO CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS DO IFES

Até 1960, o sistema educacional brasileiro tinha organização cen-tralizada e seu modelo era seguido por todos os estados e mu-nicípios do país. Dessa forma, os currículos eram definidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em 1961 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61) que trouxe a descentralização e flexibilidade à educação, confe-rindo aos Estados competência para a organização de seus siste-mas de ensino9. Assim, os órgãos educacionais estaduais e mu-nicipais ganharam mais autonomia. A lei também reconheceu a articulação completa do ensino profissional com o sistema regular de ensino, estabelecendo-se a plena equivalência entre os cursos profissionalizantes e propedêuticos, para fins de prosseguimento nos estudos10.

Os cursos técnicos e propedêuticos receberam a mesma denomi-nação de ciclos para a educação de grau médio. Os cursos mé-dios tinham duração de sete anos dividindo-se em dois ciclos: o ginasial (quatro anos) e o colegial (três anos). O curso técnico em Estradas pertencia ao ciclo colegial e sua conclusão possibilitaria a continuidade dos estudos no ensino superior. A criação desse curso técnico, especialmente por ser de nível médio, trouxe novos desafios e gerou mudanças significativas nas práticas da ETV. O ensino de Matemática também sofreu reformulações11.

A seguir está a organização do percurso curricular do curso em tempos e disciplinas. Este documento é referente ao ano de 1962.

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Figura 9 – Grade de disciplinas curriculares do curso Técnico em Estradas de 1962.

Fonte: Escola Técnica de Vitória (1961b).

As disciplinas do curso eram divididas em dois grupos: cultura geral e cultura técnica. A Matemática era uma disciplina presente nas três séries e com carga horária relevante.

Essa distribuição de carga horária sofre pequenas alterações até 1964. Nos anos de 1965, 1966 e 1967, há mudanças que chamam a atenção. Integrando o grupo da cultura geral, a dis-

ciplina de Matemática era ofertada na 1ª série e na 2ª série. No entanto, não há oferta dessa disciplina na 3ª série. Nessa série, é ofertada a disciplina “Complementos de Matemática”, integran-do o bloco de disciplinas de cultura técnica.

Outra mudança é a criação da 4ª série no curso técnico em Estradas. Essa série integra a grade curricular do curso de 1965 a 1970. A 4ª série é “destinada a trabalhos realizados fora da escola, em empresa adequada, incluindo operação e manutenção de equipamentos, locação e medição de serviço”12.

Nesse mesmo período, passam a compor o percurso curricular do curso as disciplinas de Educação Física e Educação Artís-tica. Essas disciplinas são introduzidas em um bloco intitulado “Práticas Educativas”. Esse bloco recebe a disciplina “Educação Moral e Cívica” em 1969 e 1970.

Embora o curso técnico em Estradas já houvesse sido criado desde o ano de 1961, a aprovação dos programas para os cur-sos Técnicos (incluindo o curso Técnico em Estradas) é mencio-nada no Livro de Atas do Conselho de Professores, de forma su-cinta apenas em 1965. Não há registros de discussões amplas sobre a construção desses programas. Aparentemente eles fo-ram elaborados pelos professores Expedito Bogéa e Francisco Árabe Filho, pois trazem suas assinaturas13.

A seguir encontra-se um quadro com o programa de Matemáti-ca de 1965 para os cursos técnicos. É importante destacar que essa proposta de currículo é comum a todos os cursos técnicos oferecidos pela ETVVIII naquela época.

VIII Segundo o livro de resoluções do Conselho de Representantes: o curso técnico de Edificações foi criado em 18 de dezembro de 1962; o curso técnico de

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Quadro 5 - Programas dos cursos técnicos – 1965.1ª SÉRIE

I)Álgebra

1.Progressões2.Logaritmos3.Equações exponenciais

II)Trigonometria

1.Linhas proporcionais. Semelhança. Escala entre os lados de um triângulo.

2.Fórmulas fundamentais de trigonometria. Funções dos ângulos de 30 graus e 60 graus.

3.Funções trigonométricas de ângulos complementares. Tábuas trigonométricas naturais. Resolução de retângulos.

4.Equação do círculo.

5.Funções trigonométricas de arcos suplementares, de arcos que diferem de 180 graus ou cuja extremida-de estão sobre o mesmo diâmetro.

6.Operações com arcos: soma, subtração, multiplica-ção e divisão. Transforma-ção logarítmica.

7.Teoria dos logaritmos. Uso das tábuas.

8.Resolução de triângulos empregando as tábuas loga-rítmico-trigonométricas.

9.Aplicação da trigonometria a casos práticos. Avaliação de áreas de figu-ras irregulares. Fórmulas de Simpsom e Poncelet

2ª SÉRIE

I)Álgebra

1.Análise combinatória simples

2.Binômio de Newton

3.Determinantes

4.Sistemas lineares

II) Geometria no espaço

1.Prisma

2.Pirâmides

3.Cilindro

4.Cone

5.Esfera

3ª SÉRIEI)Álgebra

1.Trinômio do 2º grau

2.Números reais e com-plexos

3.Funções

4.Limites

5.Derivadas primitivas imediatas

6.Polinômios

7.Introdução à teoria das equações

II)Geometria Analítica

1.Coordenadas cartesianas

2.Problemas Importantes

3.Função linear e a linha reta

4.Problemas clássicos da reta

5.Circunferência

Fonte: Pinto (2006, p. 123 e 124).

A geometria espacial, o cálculo de áreas e volumes dos sólidos Máquinas e Motores foi criado em 19 de outubro de 1964 e o curso técnico de Agrimensura foi criado em 12 de novembro de 1965.

mais comuns, as coordenadas, a trigonometria e a geometria analítica são conhecimentos matemáticos utilizados pelos pro-fessores das áreas técnicas do curso técnico em Estradas. Es-ses conteúdos se fazem presentes no currículo aprovado em 1965. Na 1ª série há uma ênfase na trigonometria. A presen-ça desse conteúdo pode ser justificada pela aplicabilidade do mesmo em alguns cursos técnicos (incluindo o curso técnico em Estradas). No entanto, isso não está claro no programa. O único item que comenta sobre algumas aplicações (“Aplicação da trigonometria a casos práticos”) não deixa claro de que tipo de aplicação se trata.

Conforme exposto, o programa de Matemática para os cursos técnicos de 1965 é assinado pelos professores de Matemática Expedito Bogéa e Francisco Árabe Filho. Esses professores possivelmente são os elaboradores desse currículo prescrito e mediadores entre o mesmo e seus alunos.

O professor Expedito Ramos Bogéa cursou Matemática na Fa-culdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Mes-mo sem ter concluído o curso, Expedito recebeu uma carta de recomendação de seu professor de Análise Matemática, José Abdelhay, renomado matemático brasileiro. A carta declarava que Bogéa poderia lecionar com proveito no ensino industrial. De posse dessa recomendação o professor Bogéa iniciou suas atividades no estado do Espírito Santo em 1945, como professor interino da ETV. Na escola técnica, atuou de 1947 a 1956 como professor chefe da área de Matemática, sendo que existem registros de seu vínculo com ensino técnico até o ano de 1973. O professor Expedito Bogéa também atuou como ca-

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tedrático de Matemática do Colégio Estadual do Espírito Santo de 1950 a 1966 e professor da Ufes na década de 6014.

O professor Bogéa era considerado muito competente e próxi-mo de seus alunos. De acordo com a professora Iracema Vieira Bogéa, viúva do professor Expedito e colega de profissão no Colégio Estadual

[...] os alunos gostavam muito dele porque ele desmi-tificava a matemática, procurava mostrar que a mate-mática não era um bicho papão, que era fácil de com-preender [...] era compreensível desde que a pessoa se dispusesse a entender, e sempre nesse espírito, que todos têm condição de aprender a matemática15.

Figura 10 – Fotografia do professor Expedito Bogéa.

Fonte: Escola Técnica de Vitória [196?].

O professor Francisco Árabe Filho formou-se em Engenharia.

Ele ingressou na Escola Técnica de Vitória no início da década de quarenta. Foi professor da Escola de Engenharia na Uni-versidade Federal do Espírito Santo, no mesmo período em que trabalhou na ETV. Foram encontrados registros do ano de 195216 mostrando que ele atuou em uma comissão julgadora do Departamento de Estradas e Rodagem. Essa comissão jul-gou propostas de firmas concorrentes para diversos trechos de construção de estradas em terras capixabas. O engenheiro Árabe prestou serviços sob contrato para o DER em 1953. Em 1955, o professor Francisco prestou concurso público, promo-vido pela Diretoria do Ensino Industrial, para atuar em escolas técnicas industriais. Foi aprovado para atuar na ETV. Há regis-tro de abril de 195617, no qual seu nome figura com os nomes de Clóvis Rabelo e Mauro F. Borges na efetivação da vaga de professor.

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Figura 11 – Visita do Dr. Armando Hildebrand à ETV.

Fonte: Escola Técnica de Vitória (1962a).

Em ata do conselho de professores, no ano de 1967, encontra-se em pauta a discussão sobre o elevado índice de reprovações nas turmas do professor Francisco Árabe Filho.

Outro assunto em pauta foi o elevado índice de re-provados nas turmas do prof. Árabe, tendo o conse-lheiro Ivam lembrado o prejuízo da Nação e sugerido que a Direção tivesse um contato mais estreito com o mencionado professor. O Sr. presidente explicou que é amigo pessoal do professor Árabe e concorda com a idéia de um entendimento. Debates acalora-dos terminaram pela constituição de uma comissão que com absoluto sigilo conversaria com o professor Árabe18.

No que diz respeito à avaliação, o primeiro ano de funciona-mento do curso Técnico em Estradas (1962) teve um rendi-

mento foi desastroso. Conforme registro no livro de atas do Conselho de Professores19 dos 22 estudantes matriculados, apenas um foi aprovado sem o exame de segunda época. Sete alunos foram reprovados, três foram desligados e onze foram encaminhados ao exame de segunda época.

A Matemática, nos primeiros anos do curso Técnico em Es-tradas, foi marcada por mudanças importantes a nível insti-tucional. Trata-se do primeiro curso técnico de nível colegial. Ele trouxe a necessidade de novas práticas para mediar o currículo de Matemática de nível médio em integração com a formação profissional. As importantes transformações trazem motivações suficientes para embasar o alto índice de repro-vações em Matemática naquela época. No entanto, qual é o papel dos professores nessa situação? A prática do professor Árabe, por exemplo, teria contribuído para as reprovações no curso Técnico em Estradas?IX

Outro ponto importante é que o professor Bogéa atuou de forma concomitante na ETV e na Escola Estadual do Espírito Santo por certo período. Em especial, destaca-se a época em que o currículo de Matemática de 1965 foi elaborado. A apro-ximação do currículo de 65 com o programa de Matemática do ensino propedêutico tem relação com o fato de o professor Expedito ser também catedrático da Escola Estadual do Espí-rito Santo?

IX As concepções do professor implicam em sua forma de avaliar a aprendizagem dos estudantes. Nesse sentido, a formação do docente, a ma-neira de ensinar, o relacionamento com os discentes também são indícios para entender o processo de avaliação em uma disciplina.

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No decorrer da pesquisa de mestrado que resultou no presen-te livro, um questionamento relevante permaneceu em aberto: existiram programas de Matemática para o curso técnico em Estradas no período de 1962 a 1965? E como ocorreu a cons-trução social do currículo nesses anos?

A investigação permitiu apenas apontar algumas hipóteses. Foi possível encontrar um documento no qual o presidente da comissão de redação do CP aprovou os programas de Mate-mática de 1965 para os cursos técnicos.

Figura 12 - Aprovação dos programas de Matemática de 1965 para os cursos técnicos.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1965b).

Esse documento é datado em outubro de 1965. Também foi encon-trado no livro de atas do CR um documento homologando uma de-liberação do CP pela revisão dos programas de Matemática (dentre outras disciplinas) para os cursos técnicos. Essa revisão foi validada

em novembro de 1965. Ao que parece, os programas cujos textos foram aprovados em outubro já sofriam uma revisão em novembro daquele ano. Porém, esses documentos apenas ratificavam a exis-tência dos já conhecidos programas de Matemática de 1965.

Em meio às correspondências recebidas pela ETV, foi encontrada uma cujo remetente era o diretor do ensino industrial do MEC, Ar-mando Hildebrand. Por considerarmos seu conteúdo relevante, re-produzimos a carta a seguir:

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Quadro 6 - Carta enviada pelo Diretor de Ensino Industrial à ETV.

Do Diretoria do Ensino Industrial

Ao Sr. Presidente do Conselho de Representantes da E.T. de Vitória – E. Santo

Assunto: Currículo

Senhor Presidente:

Tenho o prazer em acusar e agradecer o recebimento dos programas da 1ª série do Curso Técnico de Estradas mantido por essa Escola.

Embora as Escolas sejam autônomas para a organização dos progra-mas que melhor atendam aos seus objetivos, junto ao presente um extrato do parecer oferecido a respeito do assunto pelo Dr. Hélio A. Avellar, apenas a título de colaboração.

Na oportunidade, renovo a Vossa Senhoria meus protestos de eleva-da consideração.

Armando Hildebrand

Diretor do Ensino IndustrialFonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo, 1964.

Essa carta é datada em 1964, fato que aponta para a existência de programas anteriores a 1965. Possivelmente, o programa de Matemática fosse um dos referidos pelo diretor do ensino industrial. Outro aspecto que chama a atenção é a afirmativa

de que as escolas eram autônomas na definição de seus pro-gramas. O remetente parece ter certo cuidado ao enviar em anexo o parecer oferecido pelo Dr. Hélio Avellar, salientando que o faz apenas a título de colaboração. Isso reflete a situa-ção regulamentada pela LDB de 1961 que garantiu maior au-tonomia e flexibilidade aos sistemas de ensino.

Prosseguindo na pesquisa em meio às correspondências tro-cadas pela ETV, pode-se perceber que era bastante comum a troca de missivas entre as instituições da rede federal a res-peito de programas e grades curriculares de cursos técnicos. Por meio dessas cartas, por exemplo, foi possível fazer um levantamento das instituições que ofereciam o curso Técnico em Estradas na década de 1960X. Ademais, destaca-se em especial uma carta enviada pelo diretor substituto da Escola Técnica de Salvador ao Diretor da ETV.

X Há registro de oferta do curso Técnico em Estradas nas seguintes instituições da rede de ensino técnico federal: Escola Técnica Federal do Pará (1968); Escola Industrial Federal da Paraíba (1967); Escola Técnica Federal de Minas Gerais (não há data especificada no documento consultado); Escola Técnica Federal da Bahia (sem data); Escola Técnica Federal de Pernambuco (sem data).

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Quadro 7 - Carta enviada pelo diretor substituto da Escola Técnica de Salvador ao diretor da ETV.

Salvador – Bahia

Em 11 – 1º – 1962

Do Diretor Substituto da Escola Técnica de Salvador

Ao Diretor da Escola Técnica de Vitória

Senhor Diretor:

Atendendo à solicitação de V. S. em telegrama urgente de 4/1º/62, estou anexando cópias dos programas solicitados.

Devo esclarecer que os aqui adotados foram aqueles da Escola Téc-nica Nacional devidamente adaptados pelos professores das diversas cadeiras, de vez que a nossa Escola não os tinha oficiais. A partir de março, com a constituição do Conselho de Professores e em cumpri-mento à determinações regimentais, deverão, os programas de todas as cadeiras, serem devidamente estudados e aprovados, ocasião em que teremos satisfação, novamente, de lhe faser chegar em mãos, caso seja ainda do intêresse de V.S.

Atenciosamente,

Ramiro Herculano da Fonsêca

Diretor Substituto

Fonte: Arquivo de Memórias do Ifes.

O telegrama urgente é enviado em janeiro de 1962 com a re-quisição de programas. É importante ressaltar que em abril da-quele mesmo ano estaria ocorrendo a aula inaugural do curso Técnico em Estradas da ETV. A possibilidade dos programas requisitados serem desse curso não pode ser descartada. Ou-

tro indício é o fato dos programas enviados serem adaptações dos programas da então Escola Técnica NacionalXI (atual CE-FET-RJ).

A Escola Técnica Nacional (ETN) tornou-se referência para a rede federal de ensino industrial. Assim, faz-se o questio-namento: os programas do recém-criado (à época) curso de Estradas da ETV seriam adaptações dos programas do curso da ETN? As adaptações de programas realizadas na Escola Técnica de Salvador levantam essa possibilidade.

Conforme exposto, o decreto 3.552 de 1959 organizou a ad-ministração das escolas de ensino industrial. Todavia, a car-ta do diretor substituto da Escola Técnica de Salvador mostra que a organização proposta pelo decreto ainda não havia sido efetivada. Destaca-se que três anos haviam se passado e a constituição do Conselho de Professores não havia sido con-cretizada.

Considerando que a criação do curso Técnico em Estradas foi homologada em dezembro de 1961 e que a aula inaugural do curso se deu em abril de 1962, ou seja, em curto intervalo de

XI Em 1917, foi criada na cidade do Rio de Janeiro a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Brás, precursora da então Escola Técnica Nacional. Essa escola normal passou à jurisdição federal e foi reformulada em 1937, sen-do transformada em liceu profissional. Antes, porém, que o liceu fosse inaugu-rado sua denominação foi mudada, passando a chamar-se Escola Técnica Na-cional (a cidade do Rio de Janeiro foi capital da república até 1960), consoante o espírito da Lei Orgânica do Ensino Industrial, promulgada em 30 de janeiro de 1942. “A essa Escola [...], que estabeleceu as bases de organização da rede federal de estabelecimentos de ensino industrial, coube ministrar cursos de 1º ciclo (industriais e de mestria) e de 2º ciclo (técnicos e pedagógicos)” (dis-ponível em: <http://www.cefet-rj.br/index.php/2015-06-02-16-38-34>. Acesso em:21 mai 2017) [grifo nosso].

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tempo, é provável que os programas utilizados nos primeiros anos do curso tenham sido de outra instituição (possivelmente a ETN por sua importância à época) ou mesmo elaborados com base em programas de outras instituições. O telegrama enviado pelo diretor da ETV também aponta para essas pos-sibilidades.

Além disso, encontra-se no livro de resoluções do Conselho de Representantes uma deliberação de 23 de março de 1962 cujo assunto era “Currículo escolar e carga horária dos Cursos de Aprendizagem e Técnico de Estradas”. Possivelmente, as primeiras discussões sobre os percursos curriculares do curso tenham ocorrido nessa época. Outra deliberação importante é a nº 4, datada de 04 de maio de 1962, cujo assunto era “Cur-rículo e carga horária para as 2ª e 3ª séries do Curso Técnico de Estradas”. Tem-se ainda, em 24 de abril de 1963, uma deli-beração sobre os programas da 1ª série do curso Técnico em Estradas. Pelo menos para a primeira série, a missiva enviada pelo diretor de ensino industrial mostra que existiam progra-mas elaborados para o curso Técnico em Estradas em 1964.

Ao final da década de 60, o quadro de professores de Mate-máticaXII sofre alterações importantes Três dos cinco professo-res se aposentam: Expedito Bogéa, Carlos Lopes Rodrigues e Frederico Teixeira Filho (o professor Bogéa ainda mantém vínculo com o ensino técnico até 1973). A professora Léa Ma-nhães Penedo passa à função de Coordenadora Pedagógica no início da década de 7020.

XII O quadro de docentes da disciplina de Matemática da ETV era com-posto pelos seguintes professores: Expedito Bogéa, Léa Manhães Penedo, Carlos Lopes Rodrigues, Frederico Teixeira Filho e Helcias Camargo.

Com um quadro de professores renovado na década de 70, possivelmente ocorreram mudanças nas práticas curriculares de Matemática. Com essa renovação, surgiu a oportunidade do ingresso de professores recém-licenciados em Matemática, como ocorreu com os professores Taciano Corrêa, Maria Auxi-liadora e Jaime Regatiere.

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4 DÉCADA DE 1970: CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS, EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E LIVRO DIDÁTICO

Em 1971, foi promulgada uma nova LDB que trouxe modifica-ções importantes: a extensão da escolaridade obrigatória; o ensino de 1º grau com duração de oito anos e a substituição dos ensinos primário e ginasial por uma escola integrada de educação fundamental; o ensino de 2º grau com duração de três ou quatro anos que passou a designar todo o segundo ciclo da educação de nível médio, unificando os vários ramos do ensino (o secundário e os técnicos); a profissionalização universal e compulsória no 2º grau (SOUZA, 2008).

Assim, o ensino de 2º grau surgia com a descaracterização das escolas técnicas e das escolas secundárias. Havia um embate entre a educação geral e a formação profissional, no que diz respeito à relevância e à prioridade. As discussões também giravam em torno das finalidades do ensino médio e da sua relação com ensino superior. Além disso, a organização dos currículos teve papel importante na consolidação da nova estrutura educacional. A LDB de 1971 promoveu um agrava-mento da centralização curricular (SOUZA, 2008).

No ano de 1971, há uma alteração na carga horária de Mate-mática: a 1ª série e a 2ª série passam a contar com 4 horas semanais. A disciplina “Complementos de Matemática” deixa de ser ofertada na 3ª série e nenhuma disciplina oferece con-teúdos de Matemática nessa série. Há diminuição na carga horária das disciplinas de formação geral e a disciplina “Geo-

grafia Econômica do Brasil” deixa de ser ofertada. Além disso, a 4ª série, destinada à formação profissional, é retirada da gra-de curricular.

Todavia, essas mudanças são adotadas apenas no ano de 1971. No ano seguinte, temos novas alterações. O currículo é dividido em três áreas: “Educação geral”, “Formação especial” e “Artigo sétimo”. A área “Artigo sétimo” surge em cumprimento ao sétimo artigo da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1971 (lei 5.692/71):

Art. 7º. Será obrigatória a inclusão de Educação Mo-ral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos esta-belecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969. Parágrafo único. O ensino religio-so, de matrícula facultativa constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus (BRASIL, 1971).

Na área “Artigo sétimo” estão as disciplinas que se tornaram obrigatórias devido à promulgação da LDB de 1971. Mas, as disciplinas “Programa de Saúde” e “Ensino religioso” não pos-suem carga horária semanal especificada. Quanto ao “Ensino religioso”, talvez a ausência de carga horária semanal explici-tada se deva ao fato da disciplina ser facultativa.

A disciplina de “Educação Moral e Cívica” estava presente na grade curricular do curso técnico em Estradas desde 1969 (an-tes da obrigatoriedade imposta pela LDB de 71). Essa discipli-na foi criada dentro da estrutura política e ideológica do regime militar. A intenção do regime era que essa disciplina fosse a principal responsável pela formação política do cidadão bra-

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sileiro. A educação moral e cívica visava o combate às ideias subversivas, como o comunismo, e à criação de uma moral religiosa21.

É importante destacar a redistribuição da carga horária sema-nal para disciplinas de educação geral no curso técnico em Estradas: houve aumento de carga horária na 1ª série e dimi-nuição no número de horas semanais na 3ª série. A disciplina de Matemática fica com 5 horas na 1ª série, 3 horas na 2ª série e 2 horas na 3ª série.

O ano de 1973 apresenta algumas mudanças significativas em relação aos dois anos anteriores. Nesse ano, a grade curricu-lar é também dividida em Educação geral e Formação espe-cial. Contudo, a formação especial é subdividida em parte pro-fissionalizante e parte instrumental. Na parte profissionalizante ficaram as disciplinas técnicas do curso. A parte instrumental é dividida em “Comunicação e expressão” e “Ciências”, sendo que na última destacam-se as disciplinas de “Complementos de Matemática” (a única disciplina de Matemática da 3ª série), “Complementos de Química” e “Complementos de Física”, to-das ofertadas na 3ª série do curso com carga horária semanal de 2 horas cada uma. Possivelmente, essa alteração esteja relacionada ao inciso terceiro do artigo quinto da LDB de 1971:

§ 3º Excepcionalmente, a parte especial do currículo poderá assumir, no ensino de 2º grau, o caráter de aprofundamento em determinada ordem de estudos gerais, para atender a aptidão específica do estudante, por indicação de professores e orientadores.

Dessa forma, no programa de 1973, a disciplina que trata de Matemática na 3ª série integra a parte de formação especial do curso. Essa configuração é mantida até 1976. A 4ª série volta ao curso técnico em Estradas nesse ano, sendo descrita como “exercício profissional orientado pela escola [ETFES]”. Essa alteração aproxima-se do que preconiza o artigo sexto da LDB de 71: “As habilitações profissionais poderão ser realiza-das em regime de cooperação com as empresas”22.

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Figura 13 – Grade de disciplinas curriculares do curso Técnico em Estradas de 1973.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1961b).

No ano de 1973, ocorre a extinção do ginásio industrial. Isso trouxe mudanças ao quadro de professores que atuavam nos cursos técnicos, conforme recorda o professor Taciano:

Eu já entrei na Escola Técnica no curso Técnico. O pessoal que ficou no ginásio foi o Helcias e outros. Bem, como é que acabou o ginásio? Em 70, não teve seleção pro ginásio, então neste ano tiveram o se-gundo, o terceiro e o quarto anos. Em 71 o terceiro e o quarto anos e em 72 só o quarto ano. Em 73 já não tinha mais o ginásio industrial. Então, o Helcias, a Dona Lea Penedo e o Frederico foram alçados a dar aulas só no primeiro ano, e jogavam para a gente, que já tinha ou que estava terminando a faculdade, pros segundos e terceiros anos23.

Outro fato marcante ocorrido no ano de 1973 foi a extinção do Conselho de Professores. É possível que o fim desse órgão pedagógico-didático tenha contribuído para diminuir o diálogo entre os professores e seus pares. O docente Taciano lembra--se que os professores de Matemática se encontravam com pouca frequência. Por conta da autonomia de cada docente, cada um tinha uma prática de Educação Matemática e curricu-lar, condizente com sua concepção de ensino.

Quando eu iniciei aqui, nós, os professores, pouco nos encontrávamos. O Expedito Bogéa dava aula aqui e no curso de Economia da faculdade, dona Léa trabalhava também com o 2° grau em outra escola. Era cada um por si. Eu dava minha aula do jeito que eu entendia, o outro a mesma coisa, e assim faziam todos. Então, quando mudavam os professores, a cada início de ano, os alunos sentiam muito. Hoje não ocorre isso, porque existe pouca diferença en-tre as metodologias dos professores. Quase todos seguem os mesmos procedimentos organizadinhos. Naquela época, não. Se eu quisesse ensinar o que viesse à cabeça, eu tinha esta autonomia. Não havia uma ligação da aula de Matemática com as oficinas.

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Eu é que, por livre e espontânea vontade, procurava os professores e pedia a eles exercícios e o que eles utilizariam lá pra me passarem e eu poder utilizar. Eu sempre fiz isso24.

A mudança de professor de Matemática de uma turma era comum. As fontes históricas encontradas durante a pesquisa apontam para uma rotatividade entre os docentes que atua-vam nos cursos. O professor Taciano recorda-se do rodízio fei-to entre os professores de cultura geral:

[...] Pelo seguinte: é, você dava aula de Estradas, Agrimensura e Mecânica. Suas aulas eram no pri-meiro, segundo e terceiro ano. No outro ano, você podia pegar um curso desse ou pegar Metalurgia, Eletrotécnica, Edificações ou você pegava no outro ano Edificações, Eletrotécnica e Mecânica. Então, as matérias que chamava de cultura geral, era Matemá-tica, Física, Química, História, Geografia, Português, é, Química, Biologia, havia um rodízio porque eles achavam que com isso os alunos, é, tinham, é, ex-perimentavam outros professores [porque] eles já ti-nham fixos nas matérias técnicas. Então, o professor de Agrimensura deles todo ano a aula de Agrimen-sura era com o mesmo, com os mesmos professo-res, entendeu? [...] então, esses professores eram os mesmos todo ano. Você tinha desenho no primeiro, segundo e terceiro ano, o professor era o mesmo no primeiro, segundo e terceiro ano. Então, mas, então eles faziam o rodízio pra cultura geral. [...] eu dei aula pelo menos 25 anos lá [na ETFES], pelo me-nos, no mínimo uns doze, eu dei aula pra Estradas, pra Agrimensura. Pelo menos uns 12 anos, que você não pegava assim, só no curso de Estradas. Você dava assim, primeiro um e segundo ano de Estradas e depois dava um primeiro e segundo de Mecânica, depois dava, terceiro ano era só duas aulas, aí você pegava e dava terceiro ano todo de Eletrotécnica e terceiro ano todo de Mecânica e dava primeiro e se-

gundo ano de Estradas e Agrimensura. Então, eles dividiam, então, você, às vezes você tinha dois cur-sos, três cursos, às vezes quatro cursos. Eles faziam bastante rodízio.

No entanto, havia exceções ao rodízio que acontecia nas dis-ciplinas de cultura geral. O professor Taciano lembra que um docente poderia pedir para lecionar mais anos seguidos em certo curso, conforme ele mesmo fizera ao atuar no curso de Metalurgia. Conforme exposto no primeiro capítulo, o egresso do curso Técnico em Estradas, Robson Birchler, recorda-se que teve aulas por pelo menos dois anos com o professor Hel-cias Camargo.

A rotatividade que acontecia entre os professores de Matemá-tica, considerando as diferenças na forma de cada professor mediar o currículo, pode ter sido relevante no aprendizado dos estudantes.

Com a extinção do Conselho de Professores, no início da dé-cada de 1970, a responsabilidade pela organização didática da escola é passada para uma equipe técnico-pedagógica. A professora Maria Auxiliadora, que foi coordenadora de Mate-mática da ETFES, recorda-se que participou da elaboração de planos de curso e programas do curso Técnico em Estradas. A equipe técnico-pedagógica participava desse processo.

Participei [da elaboração de planos de curso da dis-ciplina Matemática]. Porque eu fui coordenadora de Matemática do Ifes. Eu era coordenadora de todas, todos os professores de Matemática. Então, eu sen-tava com eles pra fazer os planejamentos e pra dis-cutir os planos de curso, né. Então, eu, e não só o de Estradas, mas de outros também. Eu fui durante alguns anos, um dos motivos que o diretor não queria

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que eu saísse pra mestrado é porque ele: “não, você é uma boa coordenadora e eu preciso de você”. Ele não queria que eu saísse, então, mesmo, como pro-fessora eu participei e como coordenadora. E tinha uma coordenação pedagógica, né, que sentava com a gente, que era dona Léa Penedo, né, que sentava com a gente e planejava, fazia meio que o planeja-mento, discutia o plano.

Durante o processo de pesquisa que resultou no presente li-vro, obtivemos acesso a apenas um programa de Matemática do curso Técnico em Estradas dentro do período da década de 1970. Trata-se do programa de Matemática para a 1ª e 2ª série de 1979. Esses currículos, no entanto, não foram pensados exclusivamente para o curso Técnico em Estradas. Segundo o professor Taciano, os programas de Matemática naquela épo-ca eram todos iguais, aplicando-se a todos os cursos técnicos oferecidos pela instituiçãoXIII. Essa realidade sofreria mudan-ças durante a década de 1980.

A seguir foi organizado um quadro com as principais informa-ções desse programa de Matemática:

XIII Em 1979, a ETFES ofertava os seguintes cursos técnicos: Agrimensu-ra, Estradas, Edificações, Mecânica, Metalurgia e Eletrotécnica.

Quadro 8 - Resumo do programa do curso técnico em estradas de 1979 – Matemática.

PROGRAMA DE 1979 – DISCIPLINA: MATEMÁTICA1ª Série

Carga horária: 180 horas

Habilitação: Curso Téc-nico de Agrimensura, Estradas, Edificações, Mecânica, Metalurgia e Eletrotécnica

Revisão

Introdução à trigonometria

Ciclo trigonométrico

Funções circulares

Relações fundamentais

Redução ao 1º quadrante

Transformações trigono-métricas

Funções circulares inver-sas

Números

Noções de geometria analítica

Função do 1º grau

Função quadrática

Função exponencial

Função Logarítmica

2ª Série

Carga horária: 90 horas

Habilitação: Mecânica, Eletrotécnica, Edifica-ções, Agrimensura e Estradas

Geometria espacial

Matrizes

Sistema Linear

Análise combinatória

Binômio de Newton

3ª série

Fonte: Elaborado pelo autor baseado em Escola Técnica Federal do Espírito Santo, 1979.

No contato com esse documento, algo nos chamou a atenção: a ausência de página com o programa de ensino de Mate-mática para a 3ª série. O documento foi em algum momento

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danificado e essa página foi perdida? Não havia sinais que apontassem para isso, pois o documento mostrava-se bem conservado. Ou essa página nunca existiu? Ou ainda o pro-grama fora deixado “em aberto”?

A pesquisa em outro documento permitiu confrontar essa dú-vida. Esse outro documento é intitulado “Grades curriculares 1977 - 1978 - 1979” e prevê uma carga horária de 2 horas se-manais para a disciplina de Matemática na 3ª série, totalizando 64 horas durante as 32 semanas letivas. Isso indica a existên-cia da disciplina de Matemática para a terceira série naquele ano. Além disso, uma anotação à mão no documento diz que essa grade curricular do curso técnico em Estradas teve vali-dade para o ano de 1980 também. Infelizmente, não foi encon-trado documento com o programa de ensino para a 3ª série de 1979. É importante destacar ainda o aumento da carga horária de Matemática para a 1ª série que passa a contar com 6 aulas semanais, totalizando 192 horas.

Figura 14 - Grades curriculares 1977 – 1978 – 1979.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo, 1977.

Essa configuração de carga horária de Matemática definida pela primeira vez no triênio 1977, 1978 e 1979, com 6 horas semanais para a 1ª série, 3 horas semanais para a 2ª série e 2 horas semanais para a 3ª série é adotada até pelo menos 1986. A diferença é que a partir de 1980 o curso passa a ter duração de 30 semanas. A seguir está um quadro organizado pelos autores com a carga horária semanal de Matemática do curso técnico em Estradas para as três séries.

Quadro 9 - Carga horária semanal de Matemática no curso Técnico em Estradas

Período 1ª série 2ª série 3ª série1962 a 1964 4 3 31965 a 1967 4 3 -*1968 a 1970 3 3 -*

1971 4 4 -1972 5 3 2

1973 a 1976 5 3 -*1977 a 1986 6 3 2

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Escola Técnica Federal do Es-pírito Santo [197?], Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1979; 1980;

1981; 1982; 1983; 1986).

Os espaços sinalizados com asterisco representam anos em que não havia carga horária para a disciplina de Matemática e que, contudo, havia estudo de Matemática na disciplina “Com-plementos de Matemática” pertencente à parte técnica (ou de formação especial) do curso. No ano de 1971, não houve car-ga horária para qualquer estudo de Matemática na 3ª série.

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O quadro nos permite a percepção de um aumento de carga horária na disciplina de Matemática na 1ª série. O aumento para 6 horas semanais coincide com a introdução de um bloco destinado à revisão de conteúdos do 1º grau. Possivelmente, a carga horária de Matemática aumentou pela necessidade de aplicação dos conhecimentos matemáticos no estudo desen-volvido pelas disciplinas técnicas, que seria comprimido pela ocupação da revisão de Matemática do 1º grau.

Em 1971, a ETFES decidiu pela adoção do livro didático, em cumprimento às regulamentações oficiais. O então diretor Ze-naldo Rosa considerava que essa iniciativa que tomou foi uma importante medida para alavancar o ensino. No livro de atas do Conselho de Professores encontra-se um trecho a respeito da adoção dos livros didáticos:

O sr. diretor [...] comunica aos Srs. Conselheiros que a direção pretende adotar o sistema de livros textos, principalmente para as matérias de cultura geral25.

Os professores de Matemática escolheram para os cursos Técnicos a coleção “Matemática para o 2º grau”, da editora Atual, de autoria de Gelson Iezzi (et al.). Esse livro seria ado-tado durante mais de vinte anos, sendo substituído apenas em 1998. O ensino de Matemática, por conta do uso dos livros pelos alunos, se identificou ainda mais com as escolas secun-dárias não profissionais26.

Figura 15 - Coleção Matemática 2º grau de Iezzi et al.

Fonte: Elaborado pelo autor (2018).

O docente Taciano se lembra da adoção desse livro didático:

O Gelson Iezzi começou a ser usado aqui, se não me engano, em 76, depois de 75. Quando nós fo-mos escolher, estudamos e entendemos que era o melhor livro. Tanto é que ele ficou aqui quinze anos. Até oferta de dinheiro para trocar de livro eu cheguei a receber [...]27

O professor Jaime Regatieri recorda-se que a escolha da co-leção de Iezzi et al. se deu por volta de 197428. Apesar de ha-ver certa discrepância no que diz respeito ao ano em que a coleção foi escolhida e passou a ser utilizada, um fato chama a atenção: a adoção dessas obras se deu alguns anos depois da determinação do uso dos livros-texto na ETEFES. Nesse sentido, questiona-se como foi a recepção dos professores de Matemática à adoção do sistema de livros-texto: houve resis-tência?

O professor Taciano pensa que o ensino mudou para pior com a adoção do livro didático:

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Eu acho que hoje o ensino mudou para pior. Por quê? Como nós não tínhamos um livro adotado, então tí-nhamos que usar mais a criatividade, e o aluno exigia mais. Então, com a chegada de computador, televi-são, videocassete e também o uso de um único livro acabou acomodando o professor. Então, se um aluno repetisse o ano, ele poderia estudar em casa porque o professor iria repetir as mesmas coisas, os mes-mos exercícios, etc.29

Infelizmente, não foram encontrados vestígios que esclare-cessem como se deu a introdução dos livros didáticos nesses primeiros anos após a determinação da direção da escola. En-tretanto, é fato que a adoção do sistema de livros-texto trouxe mudanças relevantes para a Educação Matemática na Escola Técnica:

A adoção de livro didático, em substituição às cópias em es-têncilXIV, ocorrida no início da década de 1970, provocaria mu-danças nas práticas docentes do ensino de Matemática da Es-cola Técnica de Vitória e contribuiria significativamente para a introdução da concepção tecnicista nesse ensino30.

A pedagogia tecnicista se centra nos objetivos instrucionais, nos recursos (manuais, materiais instrucionais, livros didáti-cos, calculadoras, etc.) e nas técnicas de ensino para o alcan-ce de tais objetivos. Assim, professor e aluno tornam-se meros executores de um processo concebido, planejado e coorde-nado por especialistas31. Nesse modelo de pedagogia, o livro

XIV Estêncil é um tipo de papel. As cópias de conteúdos, exercícios e atividades eram realizadas por mimeógrafos em papéis estêncil. Essas cópias eram utilizadas para economizar tempo de aula (evitando a exposição dos exercícios no quadro) e os professores podiam passar listas de exercícios, ocupando o tempo dos alunos que possuíam um ritmo de aprendizagem mais rápido.

didático ganha ainda mais importância, configurando-se como um possível sustentador da prática curricular.

No processo de pesquisa para a construção do presente tra-balho, foi possível o acesso à obra de Iezzi et al. nos seguintes volumes: um livro da 1ª série de 1980, em sua 8ª edição; um livro de 2ª série de 1978, em sua 5ª edição e um livro da 3ª série de 1976, em sua 5ª edição.

De acordo com o prefácio do volume da 1ª série, a coleção foi pensada para o “aluno normal do curso colegial, na maio-ria dos casos com deficiências de formação”. Trata-se de uma obra que foi pensada para o ciclo colegial de uma maneira geral e que, portanto, não foi escrita visando a formação pro-fissional do ensino técnico. Nesse sentido, o livro pode ter se configurado como mais um elemento de aproximação entre os programas de Matemática dos cursos técnicos da ETFES e os programas de Matemática do ensino propedêutico.

Os autores procuram deixar claro o enfoque dado à Matemá-tica na obra. Nos demais volumes, encontram-se no prefácio trechos que reafirmam essa concepção:

Este volume é a continuação do trabalho que come-çamos com o livro da 1ª série. Procuramos manter a mesma linha já utilizada: linguagem acessível, for-malização reduzida ao mínimo necessário, exemplos introdutórios antes de cada conceito novo [...]32

Completamos com este volume o trabalho a que nos propusemos: escrever uma coleção de livros de Ma-temática para os alunos do 2° grau, pensando tam-bém naqueles que não se encaminharão para um estudo superior de Matemática. Assim, na mesma linha dos volumes lançados anteriormente, a formali-

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zação foi reduzida ao mínimo necessário, a teoria foi desenvolvida em pequenas doses sempre acompa-nhadas de exercícios resolvidos e propostos, e mos-tramos, sempre que possível, aplicações práticas da matéria exposta [...]33

A forma de abordagem dos conteúdos feita por esses livros influenciou a prática dos professores de Matemática nas salas de aula da ETFES. É possível que nas aulas a preocupação com a formalização fosse reduzida e os exemplos tivessem papel relevante no aprendizado dos estudantes. A Matemática recebia uma abordagem mais pragmática, diferentemente da moderna Matemática que se preocupava com a formalização e com a formação de homens de ciência.

O professor Taciano Correa por meio de suas memórias es-clarece o uso que fazia da obra de Iezzi et al. em suas aulas:

Então, o Gelson Iezzi era o melhor livro para o aluno aprender sozinho. Na aula eu mandava o aluno estudar o livro antes de eu ensinar. Falava para os alunos: “Vocês lêem este capítulo aí e vejam o que entenderam”. Porque, se você pega um ma-nual do aparelho, e se você lê o manual, aquilo que você não entendeu rapidinho o cara te explica, mas se você não leu o manual, então o cara fala, fala, fala e, quando ele for embora, você não lembra de mais nada. Inclusive colegas me criticavam dizendo que aquilo era para tomar tempo da aula. Então eu fazia o aluno ler, não precisava que ele entendesse nada, bastava somente ler para eu ver o que ele conseguia assimilar. Algumas vezes nem precisa da minha aju-da para ele entender34.

A linguagem acessível e resumida do livro permitia ao aluno o estudo autodidata. Além disso, o professor Taciano explorava o livro como forma dos alunos terem um contato inicial com os

conteúdos antes das explicações dadas pelo docente. Todos os assuntos abordados na obra de Iezzi et al. são tratados desta forma: conceito, exercícios resolvidos e exercícios propostos. Assim, é provável que os discentes estudassem os conceitos e os exemplos (exercícios resolvidos), fazendo em seguida os exercícios propostos. A seguir encontra-se uma foto de uma das páginas do capítulo que trata de trigonometria.

Figura 16 - Página do livro de Iezzi et al. do capítulo que trata das Funções Circulares.

Fonte: Iezzi et al. (1980).

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Outro ponto abordado no prefácio da coleção é a presença de aplicações às ciências, notadamente à Física. A seguir estão alguns exercícios de aplicação de conteúdos matemáticos a essa ciência.

Figura 17 – Exercícios de aplicação de conteúdos matemáticos à Física.

Fonte: Iezzi et al. (1980).

Figura 18 - Exercícios de aplicação de conteúdos matemáticos à Física.

Fonte: Iezzi et al. (1980).

A seguir encontra-se um quadro com os capítulos do livro da 1ª série de Iezzi et al (1980).

Quadro 10 - Capítulos do livro “Matemática 2º grau, 1ª série” de Iezzi et al.

1. Conjuntos

2. Números

3. Relações e funções

4. Função do 1º grau

5. Função quadrática

6. Função modular

7. Função exponencial

8. Função logarítmica

9. Funções circulares

Fonte: Iezzi et al. (1980).

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No capítulo sobre funções circulares são abordados os seguin-tes conteúdos: noções de Seno, Cosseno e Tangente no triân-gulo retângulo; trigonometria no ciclo; transformações trigo-nométricas; funções, equações e inequações trigonométricas e resolução de triângulos (triângulos retângulos e triângulos quaisquer).

Ao comparar os conteúdos abordados pelo livro didático com o programa de Matemática de 1979 do curso Técnico em Estra-das, percebem-se algumas similaridades. Ambos trazem o es-tudo da trigonometria e quase todos os conteúdos do capítulo 9 do livro aparecem no programa de Matemática. A exceção é o conteúdo “Inequações trigonométricas” que não aparece no currículo de 1979.

A maioria dos conteúdos do programa encontra par em capí-tulos do livro. No entanto, tem-se na obra de Iezzi et al. (1980) o estudo de “Conjuntos” e de “Função Modular” que não está previsto para a disciplina de Matemática na 1ª série do curso Técnico em Estradas. É importante destacar que algumas no-menclaturas de conteúdos são idênticas, incluindo, em alguns casos, a mesma ordem de subtópicos.

Outra diferença é a presença, no programa da 1ª série de 1979, de um bloco de revisão de conteúdos do ensino de 1º grau. Nesse bloco, destaca-se a revisão sobre números deci-mais. Esse conteúdo está presente em blocos de revisão nos programas de Matemática do curso Técnico em Estradas de 1979, 1980, 1982, 1983 e 1984 (o programa de 1984 ficou em vigência até 1986). O professor Taciano recorda-se de ter con-

siderado a revisão de números decimais ao pensar na elabora-ção do currículo de Matemática do curso Técnico em Estradas:

Então, você tinha por exemplo, no [...] Estradas pro cara de topografia [...] botei lá uma revisão, enten-deu? É... [...] de números decimais, entendeu? Com casas consecutivas descartar, porque hoje é tudo eletrônico né, mas antes entendeu? Tinha conta lá que é, essa página assim não dava pra botar o que vinha depois da vírgula por causa da precisão. Hoje não, hoje você tá, bota lá tudo eletrônico, acertou a vida deles pra danar, mas antes tinha que ver muito isso, divisão de número decimal e o pessoal chegava muito fraco, como chega fraquíssimo na universida-de.

Com o desenvolvimento da tecnologia, as práticas de Educa-ção Matemática sofreram mudanças. O egresso do curso Téc-nico em Estradas, Aluno A, lembra que na época em que era estudante do curso não tinha acesso à calculadora. No estudo da trigonometria eram utilizadas as tabelas logarítmicas e to-dos os cálculos eram feitos manualmente.

A seguir está uma fotografia de parte de uma tabela logarítmi-ca, presente no volume da 1ª série da coleção de Iezzi et al.

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Figura 18 – Parte de uma tabela logarítimica presente no livro de Iezzi et al.

Fonte: Iezzi et al. (1980)

O estudo dos logaritmos e a revisão de operações com núme-ros decimais, considerada pelo professor Taciano, são exem-plos de conteúdos que constavam no programa para também atender à necessidade dos alunos de realizar cálculos com precisão nas matérias técnicas e na posterior vida profissional.

O professor Taciano lembra-se que a chegada da calculadora nas salas de aula da ETFES foi motivo de discussões.

A primeira briga que eu tive aqui na escola foi com o uso da máquina de calcular, que alguns colegas achavam um absurdo eu permitir que os alunos usas-sem. Os professores foram atropelados pela máqui-na de calcular, depois pelo vídeo e, por último, foram massacrados pelo computador. Sobre a máquina de calcular, eu tenho uma história: eu tinha dado aula para uma turma no primeiro ano e peguei esta tur-ma novamente no terceiro ano. Então encontrei o professor Ademar, da Eletrotécnica, e ele me pediu que, antes de começar minha matéria do terceiro ano, era para eu revisar logaritmos. Eu respondi a ele o seguinte: “Aqueles meninos foram meu alunos no primeiro ano e um troço que eu ensino bastante é o tal de logaritmo, e eu não sei quem colocou na cabeça dos nossos ancestrais que logaritmo é difí-cil. Os meninos ficavam com esse negócio de que não conseguem aprender, etc. e tal. Logaritmo é po-tência, e não um bicho de sete cabeças. Mas deixa que vou resolver o problema de vocês”. Então, eu cheguei à sala de aula e falei assim: “Meu filho, pega um desses problemas do curso de vocês que tenha logaritmo. Vamos colocar no quadro pra resolver”. Então, eles foram na máquina e aperta botão daqui, etc. e não conseguiram achar o resultado correto, di-ziam que dava errado. “Tudo bem, só que, quando você bateu log de zero, zero, zero alguma coisa, que é uma pequena amperagem, a máquina deu menos três vírgula alguma coisa, não é isso?”. Então eu tive de explicar o que eles deveriam fazer para ajustar o que a máquina fornecia para o valor que eles que-riam calcular. Feito isso, eu disse que, naquela época

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do primeiro ano eu não podia usar a máquina em sala de aula, porque a coordenadoria de Matemática era contra. Veja,

eu gastei apenas quinze minutos para esclare-cer aquele problema. Então, os meninos usavam a máquina de calcular igual a um papagaio, sem ra-ciocinar no que estavam fazendo. Nos cursos de Agrimensura e Estradas, tinha um professor que passava atividades de topografia e os meninos fi-cavam calculando durante quatro horas, fazendo contas nas mãos e, se errassem, ele tirava pontos na nota do aluno. Isso é uma ignorância35.

O relato do docente traz indícios que justificam a necessidade da revisão de operações envolvendo números decimais em programas de Matemática do curso Técnico em Estradas. Os estudantes realizavam cálculos que demandavam precisão e que eram bastante trabalhosos. A forma de avaliação proposta pelo professor mencionado no relato de Taciano elevava o ní-vel de exigência sobre os alunos.

A seguir está um quadro com os capítulos presentes no volu-me da 2ª série da coleção adotada na ETFES.

Quadro 11 - Capítulos do livro “Matemática 2º GRAU, 2ª série” de Iezzi et al.

1. Progressões

2. Indução Finita

3. Matrizes

4. Sistemas Lineares

5. Combinatória [Análise Combinatória]

6. Binômio de Newton

7. Probabilidades

8. Introdução à Geometria Espacial

9. Paralelismo e perpendicularismo no espaço

10. Prisma e pirâmide

11. Cilindro, cone e esfera

12. PoliedrosFonte: IEZZI et al. (1978).

Comparando o programa de Matemática de 1979 com o livro didático, percebem-se novamente similaridades. Todavia, há diferenças: os capítulos “Progressões”, “Indução Finita” e “Pro-babilidades” não são considerados no percurso da 2ª série do curso Técnico em Estradas.

A diferença mais relevante é no estudo da Geometria Espa-cial. A obra de Iezzi et al. (1978) preocupa-se em introduzir a Geometria Espacial fazendo uma discussão teórica sobre os elementos primitivos (ponto, reta e plano) e suas posições re-lativas no espaço. A partir daí, os autores desenvolvem o estu-do dos sólidos geométricos que dão título a capítulos do livro. O programa de Matemática para a 2ª série do curso Técnico em Estradas prevê o estudo dos mesmos sólidos. Porém, a

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abordagem feita não se ocupa com a mesma discussão teóri-ca realizada pelo livro. O que precede o estudo desses sólidos são revisões de áreas das principais figuras planas e revisões do cálculo do apótema e do lado das principais figuras planas regulares.

A escolha dessa abordagem, feita pelos elaboradores desse programa, pode estar relacionada às aplicações da geometria plana e da geometria espacial no curso Técnico em Estradas. Trata-se de conteúdos imprescindíveis na formação desse pro-fissional. Robson Birchler lembra que a geometria plana tinha especial relação com as disciplinas de topografia e desenho técnico.

O professor A, que trabalhou na área de Topografia após for-mar-se no curso Técnico em Estradas, falou sobre os conhe-cimentos matemáticos usados nessa prática profissional. Ele destacou a geometria espacial e a trigonometria como conteú-dos matemáticos que devem ser dominados por um topógrafo.

A Topografia e o Desenho Técnico estão presentes nas três séries do curso com cargas horárias relevantes: são as disci-plinas com os maiores totais de horas/aulas. O tempo destina-do para essas disciplinas é um dos indicadores da importância das mesmas no percurso de formação do técnico em Estradas.

A seguir encontra-se um quadro com os capítulos abordados pelo volume da 3ª série de Iezzi et al. (1976).

Quadro 12 - Capítulos do livro “Matemática 2º grau, 3ª série” de Iezzi et al.

1. O ponto

2. A reta

3. A circunferência

4. As cônicas

5. Polinômios

6. Limites

7. Derivadas

8. Regras de derivação

9. Estudo da variação das funções

10. Números complexos

11. Equações polinomiais Fonte: Iezzi et al. (1976).

A obra de Iezzi et al. aborda um estudo de geometria analítica que considera, o ponto, a reta, a circunferência e as curvas cônicas. Em capítulos específicos, cada um desses tópicos é explanado mais detalhadamente. Estuda-se, por exemplo, o sistema cartesiano; distância entre pontos; ponto médio; equa-ções de retas e circunferências; posições relativas; elipse, hi-pérbole e parábola.

No programa de Matemática para o curso Técnico em Estra-das de 1980, há uma unidade intitulada “Geometria Analítica” que é subdividida nos assuntos “Ponto” e “Reta”. Todavia, não há qualquer detalhamento sobre o estudo desses conteúdos. Há, ainda, uma unidade intitulada “Circunferência” que está igualmente sem maiores informações. Seria o estudo da circunferência uma continuidade da unidade de geometria

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analítica (já que são unidades consecutivas no programa) ou tratamento dado seria dentro do campo da geometria plana?

Tanto a obra de Iezzi et al. (1976) quanto o programa do curso contemplam o estudo de polinômios, limites e derivadas. No-tam-se novamente algumas nomenclaturas idênticas em am-bos documentos. A diferença é que o livro didático mostra os assuntos tratados de forma mais esmiuçada e detalhada.

Outra diferença é o estudo de alguns capítulos que constam no livro, mas não são considerados no percurso da 3ª série do curso Técnico em Estradas: “Estudo da variação das funções”, “Números Complexos” e “Equações Polinomiais”.

Ao comparar os volumes da coleção de Iezzi et al. com os programas de Matemática do final da década de 1970 e início da década de 1980 é possível perceber similaridades: vários conteúdos comuns; disposição ou nomenclaturas idênticas em alguns assuntos. Há diferenças: no tratamento de alguns as-suntos como a Geometria Espacial e a Geometria Analítica e capítulos que aparecem nesses livros didáticos, mas não são abordados nos programas.

Com sua proposta de formalização reduzida ao mínimo neces-sário, exposição de conceitos seguida de exercícios resolvidos e exercícios propostos, esses livros apresentam aos professo-res métodos de aprendizagem e influenciam a configuração de uma prática docente. Prioriza-se a memorização e resolução de exercícios de mesmo tipo que os exercícios resolvidos que aparecem na obra.

Entretanto, o uso da obra de Iezzi el al. pelos docentes da ET-FES foi diverso. Por exemplo, a professora Maria Auxiliadora recorda-se que seguia o livro e lecionava os conteúdos apre-sentados por ele.

Naquela época, o livro do Gelson Iezzi, que foi adota-do, era um livro inovador. A gente seguia o livro do Gelson Iezzi e dava o que tinha no livro. Não havia um projeto pedagógico e era tudo muito tradicio-nal. O livro do Gelson Iezzi sempre foi um meio-ter-mo entre a Matemática mais prática e pragmática e a Matemática Moderna. Ele era um meio-termo. Era a Matemática pela Matemática, não ligava com as outras áreas de conhecimento. Era um livro bem fei-to, didaticamente falando. Apresentava os conceitos, dava os exemplos e a ilustração geométrica. Naque-la época ele atendeu. Talvez hoje ele não faça mais sentido36.

Em seu relato, a professora afirma que fazia todos os exercí-cios do livro e então planejava suas aulas em um caderno. Ela procurava seguir os conteúdos dispostos no livro, mas con-fessa que dava mais ênfase à álgebra, campo da Matemáti-ca pelo qual ela tinha mais carinho. A docente recorda-se de como aconteciam suas aulas na ETFES:

É, a gente usava o Gelson Iezzi, né, mas eu, eu tinha uma aula muito dialogada, né? [...] não chega a ser assim resolução de problemas como hoje, né, porque naquela época eu não conhecia essa metodologia, mas eu lembro que eu passava problemas e eu não ia para o quadro e resolvia e fazia aluno copiar, eu deixava eles resolverem, a gente discutia, eu meio que inconscientemente trabalhava numa linha de re-solução de problemas, mas eu, porque eu tive pro-fessores na licencia, tive um professor na licenciatura que era assim e eu gostava muito da aula dele, então a gente tende a repetir o bom professor. Então, eu dava uma aula assim bem dialogada, eles falavam,

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eu ia nas carteiras, eu ia muito nas carteiras tirar dú-vida, se escreveu certo, se não escreveu, se fez ou se não fez, então eu tinha, assim era bem próxima ao aluno, não era uma professora distante não.

A professora utilizava exercícios da coleção de Iezzi et al. de forma diferente daquela pensada pelos autores. Os exercícios não eram simplesmente expostos (como no caso dos exercí-cios resolvidos da obra). Tornavam-se propostas para que os alunos mobilizassem seus conhecimentos e discutissem cole-tivamente as formas de resolução.

O professor Taciano utilizava a obra como forma de oferecer aos discentes um contato inicial com os conceitos que ele tra-taria em suas aulas. Ele afirmou ainda que o livro algumas ve-zes era suficiente para o entendimento do aluno, dispensando maiores esclarecimentos.

O professor Jaime Regatieri relata que a coleção de Iezzi et al. era muito boa para os alunos que tivessem dificuldades.

Em todo o período que aqui trabalhei, o livro foi sem-pre o mesmo, e até ficou muito batido, o livro do Gelson Iezzi. [...] Eu gostava muito dele, porque o aluno que tivesse dificuldades na matéria pegava o livro e encontrava o exercício explicadinho, e depois resolvia os exercícios propostos. No pe-ríodo em que a gente trabalhava, chegamos a exa-minar outros livros, mas não encontramos um que fosse melhor. Eu acho que o livro é uma peça muito importante na estrutura do ensino. Mas nós também usávamos outros livros. O que eu me lembro mais era o do Ary Quintela, pois era o que mais puxava com aquelas listas enormes de exercícios. Eu me baseava mais nesse livro, pois tinha que dar aulas para quatro turmas e havia muitos alunos espertos na sala. Alguns alunos diziam assim: “Jaime, isso eu já sei”. Então, eu falava: “Pega esta outra lista e tenta

resolver”. Hoje é difícil encontrar alunos assim37.

Já o professor A não se lembrou do livro de Matemática que utilizou enquanto estudante do curso Técnico em Estradas na década de 1970. É possível que os docentes que foram pro-fessores de Matemática de Aluno A optaram por não utilizar o livro didático em sala de aula.

No relato do egresso Robson Birchler, que concluiu o curso em 1986, foi possível ter ideia de como seu professor, Helcias Camargo, utilizava o livro didático. O ex-aluno lembra-se que os conteúdos eram selecionados do livro de Matemática para atender às demandas de conhecimentos matemáticos nas dis-ciplinas técnicas.

É inegável que a coleção de Iezzi et al. teve um papel relevan-te na construção social do currículo de Matemática do curso Técnico em Estradas. Todavia, os docentes, mediadores en-tre o currículo e os estudantes, serviram-se dessa elaboração do currículo (o livro didático) de forma diversa, conforme suas concepções de educação matemática. Em algumas práticas o livro fez quase o papel do currículo, definindo o cotidiano nas salas de aula. Em outras, o livro configurou-se como uma das possíveis interpretações do percurso escolhido para a Mate-mática no curso Técnico em Estradas.

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5 MOVIMENTOS DE PROFESSORES E MO-VIMENTOS NO CURRÍCULO DE MATEMÁ-TICA DO CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS

A partir da década de 1970, assistiu-se a uma situação de mudança nas instituições federais de Ensino Técnico. Elas passaram a significar ensino de 2º grau gratuito e de qualida-de, sendo assim, procuradas por jovens oriundos da classe média. A obtenção de um alto índice de aprovação no vestibu-lar contribuiu para que a ETFES passasse a ser considerada uma instituição com um bom nível de ensino.

Essa mudança de clientela aconteceu em várias instituições federais de ensino técnico. Elas não estavam mais atendendo aos filhos dos trabalhadores: a maioria deles já estava excluí-da do sistema escolar antes de concluir o ensino fundamental; e os que concluem, frente à necessidade de inserção no mer-cado de trabalho, quando se dirigem ao ensino médio, o fazem em escola noturna. A clientela das escolas técnicas federais passou a ser a classe média que encontrava um ensino de boa qualidade, permitindo o acesso ao ensino superior sem o custo dos cursinhos e ao mesmo tempo facilitando a inserção no mercado de trabalho com salários competitivos38.

O fato da Escola Técnica tornar-se meio para ingresso nas universidades foi um motivo, dentre outros, para uma mudan-ça de trajetória na Instituição: houve o deslocamento de um ensino correcional-assistencialista para um ensino centrado nas ciências e na tecnologia. O ensino técnico, antes marcado pelo preconceito, passou a ser uma opção para as camadas médias da sociedade39. Após a década de setenta, e princi-

palmente na década de oitenta, a expectativa da maioria dos alunos não era apenas a formação profissional. A continuidade dos estudos até a Universidade passou a ser prioridade40.

Na década de 1980, essa descaracterização do currículo in-comodava muitos professores das instituições federais de en-sino técnico, pois perceberam que a função de formar para o trabalho havia se tornado secundária. Alguns professores de Matemática da ETFES estavam preocupados com o ensino de uma Matemática mais próxima dos conhecimentos técnicos.

Dessa forma, docentes de Matemática de instituições federais de ensino técnico dos diferentes estados do país começaram a organizar encontros anuais com o objetivo de pensar em propostas para a melhoria do ensino tendo como foco as es-pecificidades do ensino profissional. Esses encontros ficaram denominados como “Encontro Nacional de Professores de Ma-temática das Escolas Técnicas Federais e CEFET’S” e conhe-cidos como ENCONAM’S, sendo realizados de 1980 até 1994.

Destacam-se ainda, os encontros que tiveram como pauta de discussão a elaboração de um livro didático específico para o ensino de Matemática nos cursos técnicos de nível médio (do II ao V ENCONAM, aquele realizado em 1981 e este em 1985). O argumento principal para a mudança no ensino de Mate-mática era que os alunos das Escolas Técnicas e Cefet’s não teriam uma formação profissional técnica de qualidade, se o ensino ministrado seguisse a concepção clássica e acadêmica hegemônica nas escolas regulares41.

Esse movimento de professores buscou um retorno àquele

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baseado em situações práticas, no qual os conceitos matemá-ticos seriam desenvolvidos a partir das necessidades oriun-das de problemas originados nas oficinas. Todavia, o objetivo não era reduzir a Matemática à mera instrumentalidade, mas ampliá-la, realçando uma ciência concebida na perspectiva da integração com as demais ciências e aplicadas à realidade e contexto cultural e profissional do aluno42.

Ao final do III ENCONAM, organizou-se uma comissão de professores responsável pela pesquisa e confecção do livro didático. Essa comissão preparou um questionário que seria aplicado aos professores das áreas técnicas entre os meses de agosto de 1982 e fevereiro de 1983.

Os dados obtidos foram tabulados e apresentaram como resul-tados informações importantes: 98% dos professores entrevis-tados consideraram a Matemática como essencial no aprendi-zado de suas respectivas disciplinas técnicas; 30% afirmaram que os alunos trazem a bagagem matemática necessária ao aprendizado; 2% afirmaram que são exigidos apenas os co-nhecimentos de matemática do 1º grau em suas disciplinas e 50% dos professores disseram que os alunos reagem de forma favorável às aplicações dos conceitos matemáticos de 2º grau em suas disciplinas. A grande maioria dos professores reclamou da falta de base em matemática do 1º grau, sugerin-do incluir no programa uma revisão de alguns conceitos43.

No intuito de garantir resultados mais consistentes, simulta-neamente ao questionário, a comissão realizou entrevistas com professores das áreas técnicas, procurando identificar

quais os conteúdos de Matemática eram mais usados nas au-las técnicas, oficinas e laboratórios. O professor Taciano reali-zou entrevistas com os professores das matérias técnicas da ETFES.

Tive que entrevistar professor de matéria técnica, [...] era, um professor, entrevistava ele quatro, cinco ve-zes porque tinha que pegar um horário que o plane-jamento dele coincidisse com o meu, porque eu fiz isso dando aula. Não fiquei liberado pela direção pra fazer isso não. Aí eu chegava lá, [...] na eletrotécnica com professor de matéria técnica, escuta é... pegava o índice, isso aqui assim [esse conteúdo]... você usa ele em que ano? Hum... não uso nada. Isso aqui? Ah, eu uso [...] isso aqui só é usado no terceiro ano, no segundo. Isso aqui? Isso aqui não, isso aqui é usa-do no primeiro, pegava item por item, primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, com cada professor de matéria técnica, entendeu? Foram oito meses. Não foram oito dias, entendeu?

Para o curso técnico em Estradas, a pesquisa realizada apon-tou o uso dos seguintes conhecimentos Matemáticos nas dis-ciplinas técnicas:

• Geometria espacial;

• Cálculo de áreas e volumes dos sólidos mais comuns;

• Coordenadas;

• Geometria Analítica;

• Trigonometria.

Em outubro de 1985, foi realizado o 5º ENCONAM, no qual a maior expectativa girava em torno da apresentação do livro didático construído pela comissão de professores de Matemá-tica. Durante o encontro foi feita a sugestão da adaptação dos

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currículos para o mais próximo possível dos aspectos que os alunos encontrarão no mundo do trabalho.

O material produzido foi disposto em fascículos separados por temas. Segundo um dos representantes da comissão de professores, o livro-texto trazia uma ligação entre Número, Álgebra e Geometria, conceitos matemáticos associados às disciplinas profissionalizantes. Havia também problemas en-volvendo situações reais do cotidiano dos profissionais egres-sos dos cursos técnicos. Entretanto, nem todas as temáticas tinham problemas reais44.

Os fascículos que estavam prontos foram apresentados: fas-cículo I – Funções; fascículo II – Exponenciais e Logaritmos; fascículo III – Trigonometria; e fascículo IV – Matrizes, De-terminantes e Sistemas Lineares. Havia outros fascículos já prontos na forma de originais, faltando apenas a datilografia e diagramação.

O professor Taciano participou da elaboração desses fascícu-los. Ele se lembra que cada professor ficou responsável por um item e que os autores não foram remunerados por esse trabalho. Além disso, o CEFET-MG imprimia esses livros a pre-ço de custo.

Todo esse contexto de movimento de professores de Matemá-tica das instituições federais de ensino técnico influenciou a construção social do currículo de Matemática do curso técnico em Estradas. A ETFES também esteve inserida nesse movi-mento. O professor Taciano lembra que no curso Técnico em Estradas, desde as primeiras semanas letivas, a trigonometria

se fazia necessária em aulas de disciplinas técnicas. Nesse sentido, professores de Matemática das instituições federais de ensino técnico, incluindo docentes da ETFES, procuraram sanar as lacunas entre a Matemática e as oficinas.

Então, os alunos de Agrimensura e Estradas o que [...] era mais visado neles, [...] que eles precisavam pra matéria técnica deles, [...] trigonometria, enten-deu? Então, você tinha que dá logo de uma... uma semana, um mês de aula o menino já tava lá “voan-do”, já tava, professor [de matéria técnica] fazia: isso aqui vou dar só a resposta que isso aqui vocês tem, quando aprender a trigonometria, vocês vão apren-der a fazer. Então, a gente tentou resolver essa la-cuna em âmbito nacional. Não sei como ficou nas outras escolas, porque quando... você... não tem o apoio na sua escola, sua tendência é você ir largando pra lá, tá?

Após ter participado do III ENCONAM, o professor Taciano fi-cou responsável por fazer uma pesquisa sobre a Matemática necessária aos cursos técnicos oferecidos pela ETFES. No IV ENCONAM, realizado em 1983 na cidade de Salvador, o do-cente apresentou planos de curso baseados nessa pesquisa.

Então eu fiquei... é, que tinha participado dessa... desse... encontro em Belo Horizonte [III ENCONAM]. Então eu fiquei responsável de fazer essa pesquisa. Aí, o que a gente fez. é, com exceção do curso de Metalurgia, foi Metalurgia... Mecânica fiz... fiz Eletro, Estradas e Agrimensura era mais ou menos a mes-ma programação... Edificações... Metalurgia ficou de fora... [...] eu tenho certeza que ficou de fora Metalur-gia que era um curso novo na escola e tal e não dava tempo. Então, por exemplo, é... a gente precisava... no curso de edificações geometria plana e espacial no primeiro ano e não no segundo... Você podia jo-gar pro terceiro ano pra... pra todos eles progressão aritmética, progressão geométrica, [...] análise com-binatória, entendeu?

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E deixar essas matérias que não tinha nenhuma ou quase nenhuma aplicabilidade no primeiro e segundo ano, no terceiro ano duas aulas só por semana, eram quatro aulas no primeiro ano, três no segundo e duas no terceiro. Entendeu? Não era assim quatro, quatro, quatro. Era muita matéria técnica, muita coisa. Então, eu fiz o plano de curso, foi apresentado no congresso seguinte que foi em Salvador...

Conforme exposto, a distribuição da carga horária da disciplina de Matemática nos cursos técnicos não era uniforme. Assim, no plano de curso construído por esse docente, procurou-se colocar em cada ano os conteúdos matemáticos relacionados às disciplinas técnicas de mesmo período. Todavia, na primeira e na segunda série, que possuíam carga horária maior, foram colocados os conteúdos com nenhuma ou pouca aplicabilida-de às disciplinas técnicas.

A proposta de mudança nos currículos de Matemática abran-geu a maioria dos cursos técnicos ofertados pela ETFES e foi aceita sem maiores questionamentos ou debates entre os professores de Matemática da instituição. O professor Taciano recorda que pediu as contribuições de seus colegas na cons-trução dos planos de curso.

[...] olha, queria que vocês levassem pra casa, numa hora de planejamento, é... e fizessem uma crítica construtiva do que pode-se melhorar. Aí todos: não tá bom, tá ótimo. Falei: não pode estar bom, fiz sozinho, não pode estar bom. Eu quero a opinião de vocês. Não, vamos botar aí e final de ano a gente vê como é que ficou. Foram cinco anos sem ninguém dizer nada, entendeu? [...]

Porém algumas dificuldades surgiram quando a proposta foi colocada em prática.

[...] eles [os alunos dos cursos técnicos de Agrimen-sura e Estradas] tinham necessidade muito grande de trigonometria porque já tinham aula de topografia no primeiro ano e é trigonometria pra danar. Então, ah, então aquilo que você pegava o que [...] você po-dia ensinar, no primeiro ano que você, era uma ma-téria que era dada no terceiro e você não dependia a não ser do primeiro grau, dependia nada do segundo grau pra dar aquela matéria, a não ser geometria pla-na, aritmética e álgebra. Aí você podia botar primeiro, você não podia botar, por exemplo, quando eu botei é, integral no primeiro ano [para os alunos da Eletro-técnica], você tinha que dar função, limite, derivada, pra chegar na integral. Aí você já criou um problema porque tinha professor que dava aula no primeiro ano e tinha pouca formação porque tinha entrado na es-cola há muitos anos e não tinha formação superior, entendeu? Quando eu inclusive falei, fulano, faz um vestibular e tal. Pra quê? Vou ganhar a mesma coi-sa que você. Vou fazer vestibular, estudar mais, pra quê?

O professor que se mostrou resistente à proposta de mudança atuava na escola há anos e, sentindo-se seguro com relação à sua continuidade como profissional da ETFES, negou-se a contribuir de forma mais efetiva. Esse docente não via van-tagem em aprimorar sua formação, pois não haveria retorno financeiro.

É possível que essa proposta de uma Matemática mais voltada para as oficinas, ou seja para a formação técnica, não tenha agradado alguns estudantes. Destacam-se em especial aque-les que buscavam na ETFES uma forma de prosseguir os es-tudos no ensino superior. O professor Taciano recorda-se que

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uma aluna questionou a forma como ensino de Matemática estava sendo ministrado:

[...] acontece que tinha que cumprir o programa por causa do vestibular, então eu dizia: “O vestibular que se dane, eu não estou dando aula num pré-vestibu-lar. Se ele [o aluno] quiser se aprofundar em algum assunto, é só ele pegar o livro em casa, estudar e fazer um monte de exercícios”. Depois do meu traba-lho já pronto e apresentado, eu peguei quatro turmas da professora Kátia, duas de Edificações e duas de Estrada. Pedimos cada uma para fazer uma planta de uma casa e um protótipo de uma casa, que tives-se de construir quase todos aqueles sólidos e figuras geométricas. Então eles pegavam o exercício princi-pal que era este e iam para o laboratório [Laboratório de ensino de Matemática – LEM]. Primeiro assistiam uma aula do professor Imenes na TV e, depois, eles iam calcular a área lateral, a área total, o volume, etc. Isso tudo num semestre. Depois desse trabalho, uma aluna me disse o seguinte: “Olha, isso pode ser muito válido, mas para mim pessoalmente não valeu nada, porque o meu negócio é o vestibular”. Então eu res-pondi: “A sua sorte é que seu pai é meu amigo e eu sei que ele é rico, então você pode se dar ao luxo de falar isso. Agora, tudo o que você aprendeu com esse trabalho, se você estudar em casa, você vai se dar bem no vestibular”. Então, a primeira questão do vestibular foi a seguinte: uma piscina de forma retan-gular foi construída, escavando-se a terra e colocan-do esta terra empilhada em forma de um cone. Não me lembro bem dos dados, eu sei que eu mostrei a questão para esta aluna e ela falou que até parecia que era eu quem tinha feito a questão. Essa era a for-ma que a gente trabalhava, onde os alunos é que ela-boravam suas atividades de acordo com o projeto de maquete que construíram. Então, eles faziam todos os cálculos relativos à geometria, a custo e a orça-mentos, etc. Era assim que a gente trabalhava, mas encontrava muita resistência de alguns colegas45.

Outro problema criado por essa mudança no currículo foi o uso do livro didático. Alguns conteúdos estudados no primeiro ano de um curso estavam nos livros do segundo ano ou do terceiro ano. Dessa forma, o estudante deveria adquirir a coleção toda no primeiro ano e isso era muito custoso. Uma solução foi a venda de livros usados entre os próprios alunos. Procurou-se também a construção de livros-texto que contemplassem os conteúdos a serem estudados pelos alunos em cada ano. Ta-ciano Corrêa comenta essa dificuldade em seu relato:

[...] os alunos, eles tinham, tem, a gente conseguiu aluno do primeiro ano, do terceiro vender pro segun-do, primeiro, então você, o aluno do primeiro ano, ele tinha matéria que tinha no Gelson Iezzi primeiro ano, tinha outras que tinha no Gelson Iezzi segundo, Gelson Iezzi terceiro, então inclusive teve que fazer esses livrinhos porque ficava muito caro pro aluno adquirir isso aí, então esse livrinho era por tópicos, entendeu? era por tópicos... E... uns cinco anos, ninguém nunca revisou nada e você que faz, não adianta você querer revisar que você não consegue melhorar. Você não tem como, a não ser que você tivesse feito com dois, três, aí senta de novo no final do ano os mesmos dois, três, como é que foi, como é que tá, não. Mas, eu chegava e o pessoal, como é, o que que a gente pode mudar aí? O que pode melho-rar? Tá ótimo do jeito que tá. [...] não queria trabalho.

A proposta curricular foi aceita por comodidade, segundo o professor Taciano. Ao longo dos cinco anos em que foi aplica-da não houve revisões por parte dos docentes que a configura-ram em sala de aula por meio de suas práticas. Além disso, um dos elaboradores desse currículo (os livros-texto editados por professores de Matemática de instituições federais de ensino técnico) não sofreu revisões conforme o esperado.

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A instauração das disciplinas ou das reformas curriculares é uma operação de longa duração. O sucesso ou o fracasso de um procedimento didático não se manifesta a não ser ao término da escolaridade do aluno46. Nesse período de 5 anos houve tempo suficiente para começar a avaliar os resultados da proposta, já que os cursos técnicos formavam turmas em períodos de três a quatro anos. Por outro lado, a avaliação apenas sobre um período de terminalidade dos cursos é insu-ficiente para obter informações mais precisas sobre o sucesso da proposta curricular.

Infelizmente, conforme relembra o professor Taciano, os pro-fessores de Matemática da ETFES escolheram abandonar essa proposta, voltando a seguir a sequência de conteúdos proposta pela coleção de Iezzi et al. A avaliação da proposta não foi realizada e o docente desistiu da mesma pela falta de apoio dos colegas. O professor rememora:

[...] Então... é... tudo que você modifica... você cria um clima de rejeição... certo? Então quando eu fiz o projeto e por comodidade os colegas aceitaram sem, ninguém questionou nada e, todo ano, você teria que fazer uma avaliação pra ver que modificação você fa-ria pro ano seguinte. Eles optaram o seguinte... deixa como tá. Tá ótimo [...]

[...] E, no final, vamos voltar do jeito que é o Gelson Iezzi [...]

Conhecendo melhor o contexto dessa movimentação de pro-fessores ocorrida principalmente na década de 1980, é possí-vel ter um olhar mais apurado para analisar os programas de Matemática do curso Técnico em Estradas dessa época.

O programa de 1981 apresenta mudanças consideráveis em seu formato que possivelmente estão relacionadas aos deba-tes desse período. Por exemplo, a introdução de objetivos da disciplina de Matemática nos documentos curriculares. Nes-se sentido, destaca-se também o programa de 1984 que é o primeiro pensado, exclusivamente, para o curso Técnico em Estradas. Todavia, pretende-se, primeiramente, discutir o pro-grama de 1980.

Em relação ao ano de 1979, o programa de ensino de 1980 para o curso técnico em Estradas apresenta poucas mudan-ças para a 1ª e 2ª série. A unidade “revisão” é removida da 1ª série. No entanto, uma observação ao final da ementa mostra que a revisão de conteúdos ainda estava prevista.

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Quadro 13 - Conteúdos de revisão para a 1ª série – 1980.OBSERVAÇÃO:- Durante o 1º mês, num total de 24 aulas, os alunos receberão ‘reforço’ de assuntos básicos da programa-ção do 1º grau a saber:

- Números decimais

- Sistema métrico decimal

- Raiz quadrada

- Equação do 1º grau

- Sistemas de equações do 1º grau

- Fatoração algébrica

- M.M.C. de expressões algébricas

- Relações métricas nos triângulos retângulos

- Áreas das principais figuras planas

- Radiciação: Racionalização

- Regra de três simples

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1980).

Os conteúdos de revisão previstos no programa de 1980 são quase idênticos ao programa de 1979. A única exceção é a retirada do conteúdo “Operações com números fracionários”. A mudança apresentada na 2ª série é o acréscimo do estudo de progressões aritméticas e progressões geométricas.

Nesse documento, é apresentado o programa de ensino para a 3ª série. As poucas alterações nas outras séries (em relação a 1979) apontam para a possibilidade de que o programa da 3ª série de 1980 seja idêntico ou parecido com o de 1979 (ao qual não se obteve acesso durante a pesquisa que resultou no presente livro). Além disso, o programa era o mesmo para

vários cursos técnicos (Agrimensura, Estradas, Edificações, Mecânica e Eletrotécnica), servindo também à formação do estudante que queria se preparar e enfrentar o vestibular para curso superior. O quadro a seguir mostra o programa de ensi-no de Matemática para a 3ª série no ano de 1980.

Quadro 14 - Programa de ensino para o curso Técnico em Es-tradas de 1980 – 3ª série – Matemática.Disciplina: MatemáticaCarga horária: 60 horas Série: 3ªsHabilitação: Agrimensura, Estradas, Edificações, Mecânica, Eletrotécnica

Unidade 01: Polinômios1.1 – Conceitos fundamentais1.2 – Identidade dos polinômios1.3 – Operações com polinômios1.4 – Divisão de polinômios por binômios Unidade 02: Limites 2.1 – Introdução 2.2 – Limite trigonométrico fundamental 2.3 – Limites com elementos e 2.4 – Limite exponencial fundamentalUnidade 03: Derivadas 3.1 – Introdução 3.2 – Regra geral de derivação 3.3 – Significado geométrico da derivada 3.4 – Significado cinemático da derivada 3.5 – Fórmulas de derivação Unidade 04 Geometria Analítica 4.1 – Ponto 4.2 – Reta Unidade 05: Circunferência

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1980).

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Observa-se que o programa da 3ª série contemplava conteú-dos que atualmente são abordados no ensino superior.

A partir da década de sessenta até meados da década de se-tenta, o mundo do trabalho passa por uma mudança de para-digma: a tecnologia torna-se essencial ao processo produtivo e a formação profissional passa a demandar outros requisitos, além dos atitudinais e comportamentais47. Os saberes mate-máticos se fazem presentes e necessários em vários ramos do mundo do trabalho. Nesse novo paradigma, as instituições técnicas, formadoras de trabalhadores, passam a oferecer um estudo mais aprofundado da Matemática e essa disciplina tor-na-se imprescindível ao desenvolvimento cognitivo do aluno48.

O programa de 1981 apresenta algumas diferenças em rela-ção ao programa do ano anterior. Uma das diferenças é que em todas as séries são apresentados objetivos gerais da dis-ciplina Matemática.

A análise desses objetivos gerais traz subsídios para o enten-dimento das finalidades da disciplina de Matemática no curso Técnico em Estradas da ETFES. No entanto, é preciso consi-derar que as finalidades expressadas nos programas oficiais podem ser diferentes das finalidades reais que refletem as condições de cada escola. Nesse sentido, os textos oficiais são insuficientes para a compreender a finalidade do ensino. Ainda assim, eles podem trazer apontamentos relevantes. A seguir estão os objetivos da disciplina para a 1ª série.

Quadro 15 - Objetivos da disciplina de Matemática (plano de curso de 1981 – 1ª série).

Objetivo Geral da Disciplina:

• Desenvolver a capacidade de generalização, abstração e síntese.

• Formar e desenvolver hábitos de reflexão, es-tudo, ordem, clareza, pesquisa e consulta para adquirir rigor, precisão, raciocínio, perseveran-ça e crítica, assim como, exemplificar e resolver problemas.

• Adquirir uma cultura geral matemática que pos-sibilite a integração apropriada no meio social.

• Aplicar conhecimentos adquiridos em sua vida diária para resolver problemas técnicos e cien-tíficos.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1981).

Os dois primeiros objetivos dialogam com uma Matemática mais abstrata e contribuinte para o desenvolvimento mental do aluno. No entanto, o terceiro objetivo tenta mostrar um aspecto utilitário da Matemática enquanto um elemento integrador ao meio social. A maneira como o saber matemático colabora com essa integração e como a mesma acontece não está clara.

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Quais conhecimentos adquiridos na vida diária seriam aplica-dos para a resolução de problemas técnicos e científicos? Es-ses conhecimentos seriam aqueles adquiridos no mundo do trabalho? O último objetivo parece mostrar uma valorização dos conhecimentos prévios dos alunos e daqueles adquiridos no cotidiano.

Notável é a ausência de qualquer objetivo que se relacione de maneira mais direta com as disciplinas técnicas ou com as práticas dos Técnicos no mercado de trabalho. Em suma, não fica claro qual é o papel específico da disciplina Matemática nos curso Técnico em Estradas.

O plano de curso de 1981 é bastante detalhado. Há objetivos a serem atingidos pelos alunos para cada conteúdo programático. De acordo com esses objetivos, a aplicação dos conhecimen-tos em grande maioria se dá no emprego correto de conceitos, propriedades e definições. Apenas um objetivo trata da apli-cação de determinado conteúdo (seno, cosseno e tangente) na resolução de problemas. Entretanto, não se sabe sobre a natureza desses problemas.

Os objetivos gerais da disciplina Matemática na 2ª série são quase idênticos aos da 1ª série. A única diferença é a ausência do objetivo sobre a aplicação de conhecimentos da vida diária na resolução de problemas técnicos e científicos. A seguir es-tão os objetivos gerais da disciplina para a 3ª série.

Quadro 16 - Objetivos gerais da disciplina de Matemática (pla-no de curso de 1981 – 3ª série).OBJETIVO GERAL DA DISCIPLINA:

• Interpretar de maneira segura, dados propostos no decorrer do ano e resolvê-los corretamente.

• Aplicar conhecimentos adquiridos na sua vida diária, resolvendo problemas de ordem social e científica de maneira técnica.

• Acompanhar o desenvolvimento da tecnologia e ajus-tar-se às novas transformações.

• Desenvolver a capacidade de abstração de raciocí-nio.Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1981).

No primeiro objetivo há referência aos “dados propostos no decorrer do ano”. Seriam esses dados oriundos da própria dis-ciplina de matemática? Ou ainda seriam dados provenientes das disciplinas técnicas? A interpretação segura e a resolução desses dados são aplicações da Matemática em outras ciên-cias?

Há um objetivo geral semelhante a um presente nos planos da 1ª e 2ª série: ele faz referência aos conhecimentos adqui-ridos na vida diária. A maneira técnica de resolver problemas de ordem social e científica parece esclarecer, de certa forma, os ”conhecimentos adquiridos na vida diária”. É possível que esses conhecimentos sejam aqueles adquiridos nas vivências dos estudantes nas disciplinas técnicas, nas oficinas, nas dis-

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ciplinas científicas; em suma, nas práticas relacionadas aos cursos técnicos dentro e fora dos muros da instituição.

O terceiro objetivo aponta para as transformações ocorridas no mundo do trabalho, nas décadas de 1960, 1970 e 1980. A pedagogia do trabalho taylorista-fordista tinha como priori-dade o aprendizado de modos de fazer e do disciplinamen-to. O trabalhador não tinha uma relação com o conhecimento que possibilitasse o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas. Era preciso apenas compreender os movimentos necessários a cada operação, memoriza-los e repeti-los ao longo do tempo, isso não exige outra formação escolar e pro-fissional que o desenvolvimento da capacidade de memorizar conhecimentos e repetir procedimentos em uma determinada sequência49.

A pedagogia estabelecida no ensino técnico tinha conteúdos fragmentados; ressaltava a importância das respostas unifor-mes na resolução de exercícios; valorizava a memorização como sinal de aprendizagem.

“Acompanhar o desenvolvimento da tecnologia e ajustar-se às novas transformações” não é um objetivo que se encaixe com a pedagogia do trabalho taylorista-fordista. Esse objetivo faz referência a uma nova pedagogia que começou a surgir no final da década de 1960. Uma pedagogia de trabalho de base flexível, na qual a ciência e a tecnologia passam a ser domí-nio dos trabalhadores. Novas características são necessárias no mundo do trabalho: capacidade de adaptação; criatividade; capacidade de se comunicar adequadamente; autonomia inte-

lectual para a resolução de problemas práticos e, para isso, o domínio do conhecimento científico.

Os indícios sugerem que a mudança de paradigma no mundo do trabalho trouxe seus reflexos ao ensino técnico. Os saberes Matemáticos, utilizados no progresso de várias ciências, tor-naram-se ainda mais importantes quando o objetivo do ensino técnico passa a contemplar um domínio científico e tecnológi-co. O mundo do trabalho passava por mudanças e provocava alterações na Matemática do ensino técnico.

O programa de Matemática de 1982 apresenta similaridades em relação ao do ano anterior. No entanto, algumas diferenças são notadas. Cada unidade de conteúdo programático possui um objetivo geral. O bloco de revisão de assuntos do 1º grau retorna ao programa com o seguinte objetivo geral: “Resolver exercícios sobre assuntos necessários durante o curso”. Nesse caso, fica clara a valorização desses conteúdos para o desen-volvimento do estudante dentro do curso. O número de aulas destinadas à revisão de conteúdos ganha um incremento de quatorze horas/aulas, totalizando as primeiras 38 horas/aulas da disciplina de Matemática na 1ª série do curso.

A unidade de trigonometria tem como objetivo geral “Resolver problemas de Trigonometria. Aplicar os conhecimentos adqui-ridos de Trigonometria, na Física e nas matérias técnicas, prá-tica e teórica”. Diferentemente do programa de 1981, neste currículo é apresentado um objetivo que trata de aplicações do conhecimento matemático a outras disciplinas. A Física era uma das disciplinas importantes na formação do Técnico em

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Estradas. Pode-se perceber essa relevância na análise da car-ga horária da disciplina no curso: na 1ª série são 120 horas; na 2ª série 90 horas e na 3ª série 60 horas. Dentre as disciplinas de cultura geral, a disciplina de Física supera em total de ho-ras as demais (incluindo a Língua Portuguesa), ficando atrás apenas da Matemática.

As demais unidades que estão presentes no documento tra-zem como objetivos gerais o domínio dos próprios conteúdos matemáticos. Ao comparar os programas de 1981 e 1982, fo-ram percebidas poucas diferenças. Uma delas é a presença de um quadro intitulado “Avaliação” no final do programa de cada série. As formas de avaliação previstas pelos elaboradores desses currículos são testes, provas, trabalhos, participação nas aulas, assiduidade e atitudes. Todavia, o documento não detalha como essas avaliações eram realizadas e tampouco seus critérios. Questiona-se, em especial, como a participação nas aulas e as atitudes eram avaliadas.

Assim como no programa de 1981, encontram-se no currículo do ano posterior quadros com as bibliografias adotadas pe-los professores para ministrar as disciplinas de Matemática no curso Técnico em Estradas. A obra de Iezzi et al. aparece no topo da lista das bibliografias de todas as séries do curso. A seguir, por exemplo, está o quadro com a bibliografia utilizada na 1ª série.

Quadro 17 - Bibliografia utilizada para a disciplina de Matemá-tica na 1ª série do curso Técnico em Estradas (1982).

Bibliografia:

Gelson Iezzi e outros

Scipioni de Piero Netto

Jairo Bezerra

Ary Quintela

Sinésio de Faria [sic]

Henrique Morandi

José Guilherme Morandi

Abecedário da Álgebra

Zaremba Machado

Delmar BassoFonte: Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1982).

Além da obra de Iezzi et al., notam-se a obra de Sinésio de Fa-rias e o Abecedário da Álgebra (ambas utilizadas pelo profes-sor Taciano no preparo de suas aulas). Também está presente na lista a obra de Ary Quintela, livro que, segundo o professor Jaime Regatiere, oferecia maior nível de dificuldade e exten-sas listas de exercícios.

Diferentemente dos outros anos, o programa de Matemática

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para o curso Técnico em Estradas é comum apenas ao curso de Agrimensura.

A primeira unidade do programa de 1983 para a 1ª série está intitulada como “Introdução ao programa de Matemática”. Nes-sa seção didática é feito um estudo sobre operações envolven-do frações, números decimais e porcentagem. O bloco de re-visão que estava presente nos programas de anos anteriores parece ter sido removido ou substituído por essa introdução. Na sequência, o programa apresenta uma unidade intitulada “Introdução a Trigonometria”. Nessa unidade são trabalhadas as noções de seno, cosseno e tangente no triângulo retângulo e o emprego dessas ferramentas matemáticas na resolução de problemas. Essa unidade, nos programas de 1980, 1981 e 1982 estava na mesma divisão das funções circulares.

Uma mudança significativa no programa de 1983 é a inserção da geometria espacial no programa da 1ª e da 2ª sérieXV. Em todos os programas de anos anteriores analisados no proces-so de pesquisa (1965, 1979, 1980, 1981 e 1982) a geometria espacial era um dos conteúdos programáticos da 2ª série. A presença desse conteúdo nos primeiros momentos do per-curso curricular mostra uma preocupação em oferecer ao alu-no os subsídios necessários para as disciplinas técnicas (em especial, a Topografia e o Desenho Técnico). Ademais, essa

XV Em ambas as séries, a unidade de geometria espacial tem prati-camente os mesmos conteúdos. Questiona-se o porquê dessas repetições. Os mesmos conteúdos seriam divididos entre as duas séries? Ou vistos em ambas com diferentes abordagens? Nota-se que o conteúdo “Polinômios” consta no programa da 1ª série e da 3ª série de formas praticamente idênti-cas também. O mesmo ocorre com o conteúdo de “Geometria Analítica” que está nos programas da 2ª e da 3ª série, diferindo em poucas coisas, como, por exemplo, na forma da redação dos objetivos.

configuração vai ao encontro do relato do professor Taciano que declarou que fora pensado à época um currículo em que a relação entre a Matemática e as disciplinas técnicas fosse mais efetiva.

Os objetivos gerais de cada unidade trazem mais um indício dessa intencionalidade. Unidades com aplicabilidade às disci-plinas técnicas trazem objetivos que remetem a esse fato. As demais, que possuem pouca ou nenhuma aplicabilidade, têm objetivos relacionados a cálculos, aplicação correta de algorit-mos e resolução de problemas do próprio conteúdo. O quadro a seguir foi construído com alguns exemplos de unidades e seus respectivos objetivos gerais.

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Quadro 18 - Exemplos de unidades, e respectivos objetivos gerais, abordadas no programa de 1983.

Unidade Objetivo geralIntrodução ao Programa de Matemática

Resolver problemas de matemá-tica de materiais de construção, desenho, física que necessitam de conhecimentos de frações, núme-ros decimais e porcentagem.

Introdução à trigonometria Resolver problemas que empre-gam relações trigonométricas nos triângulos. Aplicar os conhecimen-tos adquiridos na Física, nas dis-ciplinas técnicas: Práticas e Teóri-cas.

Geometria Espacial Resolver problemas de geometria espacial. Aplicar os conhecimen-tos adquiridos nesta unidade em disciplinas técnicas (objetivo da 1ª série); Resolver problemas de ma-téria técnica que envolvem áreas e volumes de sólidos geométricos (objetivo da 2ª série).

Função do 1º grau Resolver problemas que envolvem função do 1º grau.

Polinômios Efetuar corretamente as quatro operações com polinômios.

Geometria Analítica Determinar equações de retas e circunferências, conhecendo-se al-gum dos seus elementos.

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1983).

Outra diferença entre o programa de 1983 e seu antecessor é a inserção das unidades de funções do 1º grau e polinômios

na 1ª série. Os objetivos dessas unidades não apontam para uma aplicabilidade a outras disciplinas do curso Técnico em Estradas. De acordo com o relato do professor Taciano, fo-ram inseridos nas duas primeiras séries conteúdos com pouca aplicabilidade por conta da carga horária das mesmas. Com 6 horas de aula por semana na primeira série e três na segunda série foi possível trabalhar com uma parcela maior dos conteú-dos previstos para as escolas de 2º grau.

O estudo da geometria espacial previsto no programa de 1983 difere daquele pensado para o ano anterior. A abordagem do currículo de Matemática de 1983 introduz uma unidade didáti-ca cujo conteúdo trata dos entes geométricos primitivos (pon-to, reta e plano) e suas posições relativas. Além disso, no es-tudo dos demais conteúdos da geometria espacial, o foco se dá sobre a resolução de problemas. É introduzido também um extenso bloco intitulado “poliedros” que versa sobre diedros, triedros, ângulos poliédricos, relação de Euler, poliedros de Pla-tão e poliedros regulares. Dentre os programas analisados du-rante a pesquisa, o programa de 1983 é aquele que tem em seu percurso o estudo mais aprofundado da geometria espacial.

A unidade sobre progressões, presente no currículo de 1982 para a 2ª série, é removida. O estudo da geometria espacial passa ser seguido pela Geometria Analítica que se encontra duplicado, com poucas diferenças, na 3ª série. Novamente, questiona-se por que praticamente os mesmos conteúdos são abordados em duas séries diferentes de um mesmo curso. Os programas dessas séries possuem diferentes professores res-ponsáveis (Helcias Camargo Costa, José Luiz Vicente Pereira

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e Jair Piccin são os responsáveis pelo programa da 2ª série e Antônio Lorençon pelo da 3ª série). Com que intenção os professores montaram os programas com essa configuração? Seria por falta de diálogo?

Conforme exposto, o programa de Matemática de 1984 para o curso Técnico em Estradas traz diferenças significativas. Pela primeira vez, tem-se um plano de ensino pensado, exclusi-vamente, para esse curso. É importante reforçar que nesse período estavam sendo realizados os ENCONAM’s e os deba-tes entre professores de Matemática das instituições federais de ensino técnico eram intensos. O professor Taciano havia apresentado a sua proposta de planos de Matemática para os cursos técnicos da ETFES no ano anterior (1983).

Um ponto que chama atenção é a distribuição de carga ho-rária, presente na primeira página de cada série do plano de curso de Matemática de 1984. Cada mês possui um número de aulas previsto. Está explícito um desconto no número total de aulas para aplicação e comentários de provas, para revisão dos objetivos e considera-se ainda uma margem de segurança de 10% das aulas. No final há o número de aulas disponíveis para o professor ministrar os conteúdos. A distribuição de au-las por unidade se faz presente nos currículos de 1981 a 1983. No entanto, nos planos de 1984, o planejamento das cargas horárias é mais rigoroso. Como exemplo, a seguir encontra-se a fotografia do plano de curso de Matemática para o curso Técnico em Estradas.

Figura 19 - Plano de curso da 2ª série do curso Técnico em Estradas (1984).

Fonte: Escola Técnica Federal do Espírito Santo (1986).

Esse planejamento meticuloso e o controle do processo de en-sino-aprendizagem são características do tecnicismo. Ele teve presença marcante entre nós desde o final da década de 1960 até o final da década de 1970. Foi marcado pela sua ênfase às ‘tecnologias de ensino’, sobretudo àquelas relativas ao plane-jamento e à organização e controle do processo ensino-apren-dizagem”.50

Apesar de ter presença marcante até o final da década de 1970, percebe-se em alguns aspectos desses currículos a presença do tecnicismo. Conforme exposto, o Conselho de Professores passou a perder espaço, no início da década de setenta, vindo a se extinguir no ano de 1973. A responsabili-dade pela organização didática da Instituição é passada para uma equipe técnico-pedagógica. Os professores passaram a

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ser controlados em seus cotidianos. O trabalho tornara-se tec-nicamente organizado, sequencialmente planejado e a ETFES se identificava cada vez mais com o racionalismo técnico, no qual o planejamento estava em primeiro lugar51.

O tecnicismo pedagógico foi incorporado às práticas culturais, via instâncias de poder. A quantificação do número de exa-mes, durante o período letivo, a imposição da adoção do livro didático na disciplina de Matemática e nas demais disciplinas, a adoção do rito do “Conselho de Classe” foram algumas das mudanças “técnico-didáticas” incorporadas à prática docen-te52.

Ainda em 1984, percebem-se características do tecnicismo. Os objetivos gerais da disciplina de Matemática também se encontram nesse plano. Os três primeiros objetivos (objetivos cognitivos) da 1ª série são aplicações da Matemática:

• Resolver problemas de Matemática, Física e Matérias Técnicas que necessitam de conheci-mentos de frações, números decimais, sistema métrico decimal e porcentagem.

• Aplicar em Física, nas matérias técnicas e em conteúdos posteriores de matemática, os conhe-cimentos adquiridos em trigonometria.

• Aplicar os conhecimentos dos sólidos geométri-cos em Desenho Técnico e outras disciplinas de cultura técnica.

A preocupação com a aplicação da Matemática na disciplina de Física e em disciplinas técnicas tem-se mostrado constante desde o programa de 1982. Robson Birchler, concluinte do curso em 1986, lembra-se que os conteúdos de Matemática

eram utilizados ao longo do curso nessas disciplinas.

A disciplina de Física, nessa época, também possuía um cur-rículo diferenciado considerando a habilitação técnica para a qual servia. O egresso Robson exemplifica isso em seu relato.

Por exemplo, vou usar o exemplo de Física que é até mais fácil. Por exemplo, o pessoal que fazia Eletro-técnica [...] tinha uma carga de eletricidade, dentro da Física, o professor de Física perdia muito mais tempo com eletricidade do que com [...] Mecânica! É Mecâ-nica que você estuda vetores, força peso, essa coisa toda. Isso para gente, no caso de curso de Estradas, você tinha uma carga muito em cima de Mecânica, dentro da Física [...] O cara que fazia elétrica, é, o curso técnico de eletricidade era mais voltado para isso, porque o da Metal [curso técnico de Metalurgia], por exemplo, usava muito conhecimento de calor, a parte de Termodinâmica, entendeu? Mas aquela coi-sa que era voltada para o seu curso você saía fera naquilo, você está entendendo?

Segundo Robson, a disciplina de Mecânica dos Solos era uma das disciplinas técnicas que utilizavam os conhecimentos de mecânica ensinados na disciplina de Física. Ao falar da gra-de curricular do curso Técnico em Estradas na época em que foi estudante do mesmo, Robson recorda que as disciplinas técnicas e as disciplinas de Matemática, Física e Português possuíam as maiores cargas horárias.

As cargas horárias das disciplinas determinando a relevância dos saberes; a interação entre disciplinas de cultura geral com disciplinas de formação técnica; a definição de percursos para a Matemática de forma que ela acompanhe e sirva às discipli-nas específicas do curso Técnico em Estradas são indícios de uma preocupação institucional da ETFES com a qualidade da

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formação profissional.

A primeira unidade didática do programa de 1984 é intitulada “Revisão”. A revisão proposta é parecida com a de 1983. Ao comparar com a mesma unidade didática constante no progra-ma de 1982, percebe-se que a quantidade de conteúdos se-lecionados é bem menor. Persistem apenas os conteúdos de operações com números decimais e sistema métrico decimal. Há o acréscimo de operações com frações e porcentagem. De acordo com os relatos do professor Taciano e do egresso do curso Técnico em Estradas A, os conteúdos que permane-ceram na revisão são utilizados em cálculos que necessitam precisão e em medições.

Ao analisar o programa de 1984, é possível perceber uma dife-rença relevante: na 1ª série estão os conteúdos de geometria (Relações trigonométricas no triângulo retângulo, Relações métricas no triângulo qualquer, Geometria Espacial e Funções circulares). A primeira série é aquela que possui maior carga horária no curso (180 horas totais, 6 horas/aulas por semana). Ou seja, dedica-se ao estudo da geometria, conteúdo impres-cindível à formação do técnico em Estradas, a maior carga ho-rária de Matemática. Na segunda série a carga horária total é de 90 horas com 3 horas/aulas por semana e na terceira série são 60 horas totais com 2 horas/aulas por semana.

O plano de curso da 2ª série tem, em sua primeira página, a distribuição das cargas horárias da mesma forma que o plano da 1ª série. Os objetivos gerais referem-se a aplicações dos conhecimentos matemáticos dentro da própria Matemática. Há

alguns objetivos explicitando a importância da habilidade de tecer relações entre a álgebra e a geometria:

• Resolver problemas geométricos usando ál-gebra.

• Resolver problemas algébricos usando geo-metria.

• Interpretar problemas algébricos utilizando geometria.

É possível que esses objetivos estejam presentes no plano de ensino porque na 1ª série realiza-se um estudo da geometria, na 2ª série realiza-se um estudo da álgebra e encerra-se o ano com o estudo da geometria analítica (que envolve tanto a geo-metria quanto a álgebra). Na segunda série são abordados, nessa ordem, os seguintes conteúdos: Função do 1º grau, Função quadrática, Função exponencial, Função Logarítmica, Sistemas lineares, Ponto, Reta e Circunferência. Infelizmente, durante a pesquisa não foram encontrados os programas de Matemática de 1984 para a 3ª série do curso Técnico em Es-tradas.

Conforme discutido anteriormente, a configuração pensada para o percurso da Matemática no curso Técnico em Estradas enfrentou problemas em sua aplicação nas salas de aula. Um dos problemas era o fato da obra de Iezzi et al., usada pelos estudantes, ter uma sequência de conteúdos diferente da pre-vista no programa de Matemática.

Para cumprir o programa da 1ª série de 1984, era necessá-rio estudar os conteúdos “Relações trigonométricas no triân-gulo retângulo”. “Relações métricas no triângulo qualquer” e

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“Funções circulares” que se encontravam no primeiro volume da coleção de Iezzi et al. Já todo o bloco de geometria espa-cial estava no segundo volume da coleção. No programa da 2ª série desse mesmo ano, conteúdos como “Função do 1º grau”, “Função quadrática”. “Função exponencial” e “Função logarítmica” estavam no primeiro volume. Os “Sistemas linea-res” eram encontrados no segundo volume e “Ponto”, “Reta” e Circunferência” constam no terceiro volume da coleção.

No caso do programa de 1983, situação análoga também pôde ser verificada. Dessa forma, no cotidiano, o uso do livro didá-tico ficou mais complicado, visto que, um estudante poderia precisar, em um único ano, de todos os volumes da coleção adotada pela escola. Adquirir os três volumes envolvia um cus-to que não podia ser arcado por todos os alunos ou mesmo pela instituição. Os docentes procuraram contornar a situação com cópias de trechos dos volumes, confecção de apostilas ou materiais didáticos com os tópicos do programa, e em nível nacional, a elaboração, edição e produção dos fascículos re-sultantes das discussões nos ENCONAM’s. De acordo com o professor Taciano, esses fascículos chegaram a ser aplicados nas salas de aula da ETFES. O ex-aluno do curso Técnico em Estradas, Robson Birchler, comenta que o uso de apostilas elaboradas pelos próprios docentes das disciplinas era comum (principalmente nas disciplinas técnicas).

Na sequência dos conteúdos de cada série, há uma página na qual estão expostos os procedimentos adotados pelo profes-sor, os recursos, a forma de avaliação e a bibliografia.

A avaliação da parte cognitiva se dava por no mínimo duas provas por bimestre com valor de 10 pontos cada. No docu-mento consta que a ênfase à avaliação formativa deveria ser considerada a fim de detectar falhas do ensino e da aprendi-zagem.

Na seção relativa às bibliografias adotadas, constam quatro livros (Iezzi et. al., Imenes, Setani e Castrucci). A obra de Iezzi et al. está no topo da lista, sendo usados os volumes dois e três, 7ª edição, de 1974.

Após essa página, encontram-se planos detalhados de cada unidade didática presente no programa de Matemática. Em cada plano constam os objetivos da unidade; a duração (nú-mero de aulas); os conteúdos; os procedimentos que seriam adotados pelo professor em suas aulas; os recursos utilizados e a avaliação. É possível perceber nesses planos a identifica-ção da ETFES com o racionalismo técnico, no qual tudo deve-ria ser planejado.

A coluna de procedimentos chama atenção pelo detalhamen-to. O seguinte trecho está escrito no plano da unidade número 1, “Função do 1º grau”:

INTRODUÇÃO: Através de exemplos de gráficos re-tirados de jornais, de revistas, mostrar aos alunos a importância do estudo das funções e da construção de seus gráficos. DESENVOLVIMENTO: Exposição do assunto. Exercícios de avaliação. INTEGRAÇÃO: Avaliação formativa. Revisão do conteúdo dando-se ênfase às dificuldades detectadas através da avalia-ção formativa.

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Na coluna de procedimentos do plano de unidade de “função quadrática”, está registrada a introdução do conteúdo por meio da resolução de um problema:

INTRODUÇÃO: O conceito da função quadrática será introduzido através da resolução de um proble-ma: “Um engenheiro deseja comprar um terreno para a construção de um edifício. Os terrenos encontrados à venda têm a forma retangular e a diferença entre os lados é igual a .... Sabendo-se que o perímetro des-tes terrenos mede .... quais devem ser as medidas dos lados para que a área seja a maior possível?” DESENVOLVIMENTO: Exposição do assunto (apro-veitar a resolução do problema para dar conceito, gráfico, vértice).

Os elaboradores do programa escolheram a utilização de um problema de natureza geométrica (área máxima de um ter-reno retangular) para tratar das funções quadráticas. Esse procedimento está relacionado com os objetivos gerais que tratam das ligações entre geometria e álgebra.

Em alguns planos, os conteúdos são introduzidos sem maio-res explicações. Por exemplo, a unidade didática “Sistemas Lineares”. O procedimento descrito no plano dessa unidade é: “Comunicar aos alunos a experiência de aprendizagem que será desenvolvida”.

O professor Taciano lembra-se que seguia alguns dos pro-cedimentos que estavam nesses programas. No entanto, ele afirmou que professores mais experientes não se preocupa-

vam tanto em aplica-los. Geralmente, os docentes novatos eram os que consideravam em suas práticas esses procedi-mentos.

Algumas dessas metodologias constantes nos programas já eram parte da prática dos docentes. O professor Taciano re-corda-se do uso de jornais para discutir gráficos em sala de aula.

Cansava de levar pra aula, é que eu assinava a Folha de São Paulo [...] E teve é, já fui chamado à atenção por estar com jornal em sala de aula. Aí, o inspetor falou: ó, você vai lá no departamento de ensino. [...] Taciano, pessoa passa lá e você tá lendo jornal na sala de aula. Falei: vamos lá embaixo. Aí tava tendo aula de Geografia. Minha aula era vaga, tinha tempo vago. Vamos lá na sala, vamos lá. É, o jornal Folha de São Paulo que eu... que eu tava lendo pra vo-cês, vocês podiam dizer o que eu estava lendo? Tava lendo nada professor. O senhor estava mostrando os gráficos sobre o, um era sobre, é, o problema eco-nômico no país e outro era sobre o, comparando o econômico do país com o que o Fundo Monetário Internacional falava. Falei: nós mostramos o gráfico, entendeu?, que que é o x, que que é o y, como que faz um gráfico. Tá vendo? Eu não tava lendo jornal pra eles, eu não tava lendo jornal. Eu tava mostrando pra eles como se interpreta um gráfico que vem num jornal. Como eles estão estudando função, então isso é importante pra eles.

Nessa época, o controle sobre o cotidiano dos professores e alunos nos espaços da instituição era mais rígido. Alguns procedimentos utilizados pelo professor Taciano foram mal in-terpretados. O docente lembra que, ao ministrar uma aula de geometria espacial, andou pela escola com uma turma mos-trando os sólidos geométricos que compunham os vários pré-

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dios da instituição.

E outra vez foi quando eu saí de aula, saí andan-do com os alunos. Sentamos lá na arquibancada do estádio e depois voltamos. Aí fui chamado também. [Coordenador] de ensino já era outro. Ah, o senhor foi passear com a turma pela escola? Fui, tava muito estressado, não queria dar aula e fui passear com eles. Pergunta a eles aí, tinha as duas aulas segui-das, pergunta a eles aí o passeio que a gente deu. Ah não vou fazer isso. Vai perguntar sim! Vai per-guntar. Não perguntou a mim? Pergunta a eles. Ah, o professor saiu com a gente mostrando todos, que vai começar geometria espacial, todos os sólidos... que até, ali, que tem, que cobre a cantina ali na fren-te [...] é uma pirâmide deitada cobrindo um paralele-pípedo. Depois ele mostrou, aí mostrou, pra gente ter cuidado pra não bater a cabeça nas colunas, nos cilindros que são as colunas, depois levou a gente lá no estádio e mostrou um monte de casa lá no morro, onde, que a gente chama de [...] pirâmide quadran-gular cobrindo um [...] prisma. Mandou a gente pegar e... botar, perguntou que que era essa tampinha da, a tampa da caixa, do disjuntor lá fora, aí se era plano ou sólido. Aí falou assim: Não, a gente acha... é pla-no. Falei assim: se é plano você não pode pegar. Vo-cês estão vendo a minha mão ali atrás? Não. Posso pegar? Pode. Então é sólido. Sólido tem volume. En-tão, passeei com eles mostrando que tudo que eles estudaram, eles tropeçavam, que o livro deles era um paralelepípedo, que a caneta deles era um prisma hexagonal com um tronco de cone, com outro tronco de cone e uma esferinha na ponta. É isso colega que eles estavam aprendendo. Aprendendo a raciocinar. Porque fazer conta, botar na fórmula, isso qualquer livro tem fórmula.

Mesmo com planejamentos de curso tecnicamente organiza-dos (com divisões precisas dos tempos em sala de aula) e controle sobre o cotidiano do ensino e aprendizagem na insti-tuição, os professores buscavam o protagonismo e a inventivi-

dade em suas práticas curriculares.

No dia-a-dia da ETFES, estudantes também tinham tempos e espaços definidos para a aprendizagem. O egresso do curso Técnico em Estradas em 1974, A, lembra-se da postura dos alunos de sua turma dentro e fora da sala de aula.

A rotina dos alunos possuía procedimentos determinados. Se-gundo A, estava relacionada com o clima do regime militar vi-venciado à época. Nesse sentido, a disciplina possivelmente era um traço presente nas salas de aula. Ao contar um evento ocorrido em sua sala de aula, a professora Maria Auxiliadora recorda-se da rigidez com os estudantes na escola.

[...] eu tinha que ser brava pra manter a disciplina. Era assim que pensava na época... E eu lembro que eu tava dando uma aula um dia na Estradas e um compridão, um aluno comprido, alto, não tava na sala. No Ifes, naquela época, havia o inspetor de alu-nos e ele, tomava conta do corredor... Um deles tinha o apelido de Dade. Esses inspetores eram muito bra-vos... Então, ou seja, se o cara não estivesse na aula na hora, o professor entrando, não podia entrar mais, tinha umas regras bem rígidas em relação a entrar e sair de sala [...]

Seja pela disciplina imposta em sala de aula ou pelo interesse no estudo dos conteúdos, discentes estavam em sala de aula para estudar. Conforme visto na entrevista, Robson Birchler, ex-aluno da turma de 1986, rememora o comprometimento da maioria da turma com os estudos e em especial com a Mate-mática.

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Robson afirma em seu relato que, de uma maneira geral, os alunos eram comprometidos com os estudos. As exceções em sua turma eram colegas que não tinham interesse em atuar na área e que ingressaram no ensino superior buscando outras profissões.

A postura dos estudantes do curso Técnico em Estradas nos estudos de Matemática é relevante para o entendimento da construção social do currículo desse curso. Conforme expos-to, entende-se que os alunos também são contribuintes desse processo. Encontra-se, por exemplo, no relato do professor Jaime Regatieri mais subsídios para sustentar essa ideia. O docente afirma que em algumas turmas era necessário mo-bilizar outros livros e listas de exercícios porque alguns es-tudantes já tinham domínio do conteúdo abordado. Assim, o estudo promovido nessas turmas de um conteúdo constante no currículo de Matemática era mais aprofundado. A exigên-cia dos mestres e o comprometimento dos alunos resultavam nessas práticas curriculares. De acordo com Robson Birchler, os alunos da ETFES saíam de seus cursos técnicos sabendo a Matemática prevista no percurso curricular. E possivelmente, até mais do que a prescrição curricular previa.

Outro ponto a ser considerado é que os discentes poderiam trazer para a sala de aula de Matemática aplicações e conhe-cimentos das disciplinas técnicas. Frequentando as aulas das disciplinas de cultura geral e técnicas, o aluno do curso Técni-co em Estradas poderia estabelecer relações entre os conhe-cimentos aprendidos. E nesse sentido, poderia contribuir com o enriquecimento das aulas dessas disciplinas.

O programa de 1984 foi elaborado considerando relações entre a Matemática e as disciplinas técnicas. Possivelmente, esse programa seja aquele que melhor expressa as discus-sões e estudos realizados por professores de Matemática nos ENCONAM’s. Robson Birchler foi aluno do curso na época em que esse programa estava em vigência. Ele lembra que a Matemática interagia com as disciplinas técnicas ao longo do curso.

Por meio da pesquisa, foi possível saber que o programa de 1984 ficou em vigência até 1986. De acordo com o docente Taciano, os professores de Matemática resolveram abandonar essa proposta retomando um programa que se baseava na disposição de conteúdos da obra de Iezzi et al. Infelizmente, durante a investigação não foi possível encontrar programas posteriores a esse (1984), dentro do período de tempo delimi-tado para a pesquisa.

Em seu relato, o professor Taciano declara que após o aban-dono dessa proposta curricular, ele resolveu tirar uma licença sabática para estudar e posteriormente implantar na escola o Laboratório de Ensino de Matemática (LEM). Durante a pes-quisa, foi encontrado um documento relativo a esse laboratório que mostra que o mesmo começou a funcionar em 1989.

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6 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CURSO TÉCNICO EM ESTRADAS NA ATUALIDADE

Nesta seção, serão feitas algumas considerações a respeito da Matemática em cursos de formação de técnicos em Es-tradas, oferecidos pela rede federal de ensino. A oferta desse curso realizada pelo Ifes será abordada com mais detalhes.

Atualmente, o curso técnico em Estradas é oferecido na rede federal em quatro instituições: Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), Centro Federal de Educação Tec-nológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ) e Ifes.

No IFRN, o curso é oferecido na modalidade subsequenteXVI (para alunos que já completaram o ensino médio) e estrutu-rado em três núcleos: núcleo fundamental, núcleo articulador e núcleo tecnológico. De acordo com o projeto pedagógico do curso, disponível no sítio do IFRN, o núcleo fundamental contempla disciplinas de revisão do Ensino Médio; o núcleo articulador é formado por disciplinas de base científica e tecno-lógica comuns aos eixos tecnológicos e disciplinas técnicas de articulação e integração; o núcleo tecnológico é composto por disciplinas técnicas específicas do curso, não contempladas no núcleo articulador.

XVI Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Técnico Subsequente em Estradas. Disponível em: <http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-tecni-cos-de-nivel-medio/tecnico-subsequente/tecnico-de-nivel-medio-em-estradas/view> Acesso em: 21 mai 2017.

Esse curso técnico é concluído em quatro semestres. A dis-ciplina de Matemática compõe o núcleo fundamental, sendo ofertada apenas no 1º semestre em duas aulas por semana e total de 30 horas. Segundo a ementa, “a disciplina visa tra-balhar conteúdos técnico-científicos na área da Matemática, necessários ao exercício de atividades técnicas na área da execução de obras rodoviárias”. Constam na ementa os se-guintes conteúdos: Escalas; Razão; Porcentagem; Regra de três simples e composta; Alinhamento de três pontos; Triângu-lo retângulo; Trigonometria no triângulo retângulo e resolução de triângulos quaisquer; Áreas de figuras planas; Cálculo de Volumes e Resolução de sistemas de equação.

É possível que a Matemática possua carga horária pequena pelo fato dessa disciplina estar inserida em um núcleo de revisão do Ensino Médio de um curso que é ofertado na modalidade subsequente. A carga horária de Matemática representa 2,5% do total de horas das disciplinas do curso. Além disso, vários conteúdos revisados são abordados anteriormente no ensino fundamental.

No CEFET-RJ, o curso técnico em Estradas é ofertado na mo-dalidade de curso técnico integrado ao ensino médioXVII. O site da instituição disponibiliza para acesso o plano pedagógico do curso do ano de 2015. Conforme esse documento, a matriz curricular do curso foi pensada de acordo com a caracterização da área da Construção Civil articulada ao ensino médio com

XVII Centro de Educação Federal Celso Suckow da Fonseca. Plano peda-gógico de curso: ensino médio integrado ao técnico de Estradas. Disponí-vel em: <http://www.cefet-rj.br/attachments/article/2597/PPCESTRADASINTE-GRADO.pdf> Acesso em: 21 mai 2017.

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o objetivo de promover a formação integral de profissionais: humanística, científica e tecnológica, ética, política e social.

As disciplinas do curso são agrupadas em três núcleos: núcleo co-mum que trabalha os conhecimentos do ensino médio contemplan-do conteúdos basilares para a formação humana integral; núcleo profissional e tecnológico que trabalha os conhecimentos da for-mação técnica específica e núcleo integrador que pretende auxiliar na integração dos conhecimentos do ensino médio e da educação tecnológica e profissional por meio de projetos que articulem os conhecimentos comuns e científicos em uma visão interdisciplinar.

A Matemática é uma das disciplinas que integra o núcleo comum ou básico. É distribuída ao longo dos quatro anos de curso com as seguintes cargas horárias semanais: 4 aulas semanais para a 1ª série e 2 aulas semanais na 2ª série, na 3ª série e na 4ª série. Infe-lizmente, o documento não contém uma ementa para a disciplina de Matemática.

O curso Técnico em Estradas é ofertado no CEFET-MGXVIII nas seguintes modalidades: curso técnico integrado com duração de 3 anos, curso subsequente noturno com duração de 2 anos e com concomitância externa sendo noturno e com duração de 2 anos.

Conforme exposto, o Ifes oferece o curso Técnico em Estra-dasXIX desde sua criação em dezembro de 1961. Esse curso

XVIII Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Depar-tamento de Engenharia de Transportes – Estradas. Disponível em: <http://www.det.cefetmg.br/cursos-tecnicos/estradas/> Acesso em: 21 mai 2017.

XIX Instituto Federal do Espírito Santo. Estradas. Disponível em: <http://www.ifes.edu.br/component/content/article?id=12275> Acesso em: 21 mai

foi criado na então Escola Técnica de Vitória (ETV) – uma das precursoras na constituição até o atual Instituto.

O curso funciona no campus Vitória do Ifes, localizado na ca-pital do estado do Espírito Santo, ofertando vagas nas moda-lidades “Articulada Integrada” e “Articulada concomitante”. A seguir encontra-se um quadro com informações sobre essas formas de oferta do curso.

Quadro 19 - Formas de oferta do curso Técnico em Estradas no Ifes.Forma de oferta: Articulada Integrada

Modalidade: presencial

Turno: Diurno

Duração: 4 anos

Carga horária: 3480 horas

Ingresso: processo seletivo anual

Vagas: 36

Forma de oferta: Articulada Con-comitante

Modalidade: presencial

Turno: Noturno

Duração: 2 anos

Carga horária: 1680 horas

Ingresso: processo seletivo se-mestral

Vagas: 24Fonte: Instituto Federal do Espírito Santo (2017a).

Uma observação mostra que a oferta na forma articulada con-comitante está aguardando suspensão em 2017/2.

O site da instituição traz informações sobre o perfil do profis-2017.

Gabriel
Realce
Gabriel
Nota
Tem como colocar esse 2017 na página anterior? Ficou meio estranho.
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sional técnico em Estradas e sua área de atuação, de acordo com o catálogo nacional de cursos técnicos:

Quadro 20 - Perfil e área de atuação do técnico em Estradas.Perfil do Profissional

Executa o levantamento, projeto, construção, gerenciamen-to, manutenção e conservação de vias rodoviárias e ferroviá-rias. Implementa ações para melhoria da produtividade de máquinas e equipamentos. Supervisiona e executa ensaios de solos, agregados, misturas betuminosas e concretos. Ela-bora orçamento, medição e controle de custos. Desenha e elabora projetos geométricos, de pavimentação, drenagem, sinalização, terraplenagem, loteamentos e obras.

Área de Atuação

Empresas de consultoria e projetos em sistema viário. Em-presas construtoras. Empresas públicas de manutenção do sistema viário. Empresas de topografia e geoprocessamen-to. Empresas de locação de equipamentos pesados. Empre-sas mineradoras. Empresas de manutenção e restauração de rodovias e ferrovias. Usinas de asfalto.

Fonte: Instituto Federal do Espírito Santo (2017a).

No Ifes, o curso técnico em Estradas na modalidade integra-da ao Ensino Médio possui um percurso formativo de quatro anos. A Matemática é uma das disciplinas que é ofertada em todas as séries do curso com as seguintes cargas horárias: 90 horas na 1ª e 2ª série e 60 horas na 3ª e 4ª série. Reproduzi-mos a seguir a grade curricular do curso.

Quadro 21 - Grade curricular do curso Técnico em Estradas (2017).

Período Disciplina Carga horária total (horas)

1

Segurança, Meio Ambiente e Saúde 60Língua Estrangeira - Inglês I 60Língua Portuguesa e Literatura Brasileira I 90Matemática I 90Física I 90Química I 90Biologia I 90Educação Física I 90Filosofia I 30Sociologia I 30Informática Aplicada 60Desenho Básico 60

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2

Sociologia II 30Língua Estrangeira – Espanhol Básico e Intermediário*

60

Filosofia II 30Artes 60Língua estrangeira – Inglês II 60Topografia Básica 90Solos 90Língua Portuguesa e Literatura Brasileira II

60

Matemática II 90Física II 90Química II 90Biologia II 90Geografia I 60Educação Física II 60

3

Língua Portuguesa e Literatura Brasileira III

60

Matemática III 60Física III 90Química III 60Biologia III 60Geografia II 90Cálculo e Desenho Topográfico 90Engenharia de Tráfego 90Geodésia, Cartografia e Geoprocessa-mento

90

Laboratório de Materiais 90Filosofia III 30Sociologia III 30História I 90

4

História II 60Sociologia IV 30Filosofia IV 30Língua Portuguesa e Literatura Brasileira IV

60

Matemática IV 60Geografia III 60Fundamentos da Administração 60Hidrologia e Drenagem 90Superestrutura Rodoviária 90Construção Civil Pesada 90Planejamento, Orçamento e Gerência de Projetos

90

Ferrovias 90Geometria e Terraplanagem 90Fonte: Instituto Federal do Espírito Santo (2017b).

Com carga horária de 90 horas, a disciplina Matemática I possui em sua ementa os seguintes conteúdos: conjuntos e conjuntos numéricos; funções; função afim; função quadráti-ca; função modular; função exponencial; logaritmo e função logarítmica.

A disciplina Matemática II possui a mesma carga horária que sua predecessora e inicia seu percurso de estudos retomando e aprofundando os logaritmos e as funções logarítmicas. Na sequência, são estudados os seguintes conteúdos: semelhan-ça de triângulos; trigonometria no triângulo retângulo; resolu-ção de triângulos quaisquer (lei dos senos e lei dos cossenos); conceitos trigonométricos básicos (arcos, ângulos e circunfe-rência trigonométrica); seno, cosseno e tangente na circun-ferência trigonométrica; relações, equações e inequações

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trigonométricas; transformações trigonométricas; senoides e fenômenos periódicos.

Na ementa da disciplina Matemática III está previsto o estudo dos seguintes conteúdos: propriedades de figuras geométricas; se-melhança de triângulos; relações métricas no triângulo retângulo; polígonos regulares inscritos na circunferência e comprimento da circunferência; áreas (medidas de superfície); geometria espacial de posição; poliedros (prismas e pirâmides), corpos redondos (ci-lindro, cone e esfera) e troncos.

A disciplina Matemática IV, com carga horária total de 60 horas (assim como sua antecessora), traz em sua ementa os conteú-dos: poliedros (prismas e pirâmides); corpos redondos (cilindro, cone e esfera); troncos (troncos de prismas, de pirâmides, de ci-lindros e de cones); geometria analítica: ponto, reta, circunferên-cia e secções cônicas (parábola, elipse, e hipérbole); números complexos; polinômios e equações polinomiais.

De forma análoga aos percursos formativos analisados no pre-sente trabalho (dentro do recorte temporal de 1960 a 1990), a Matemática no atual currículo do curso Técnico em Estradas é disciplina importante. Verifica-se a presença dessa disciplina nas quatro séries com carga horária relevante.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão da construção social do currículo foi possível por meio de uma compreensão do contexto histórico no qual ocor-reu esse processo. Nesse cenário, foi realizada a análise dos currículos prescritos, procurando entender o processo de ela-boração, os sujeitos envolvidos e as intenções para esse per-curso curricular. Procurou-se identificar como ocorreu a aplica-ção interativa desses currículos em sala de aula.

No decorrer da pesquisa que resultou no presente livro, foi possível perceber que foram muitos os sujeitos envolvidos na construção do currículo de Matemática do curso Técnico em Estradas.

Primeiramente, destaca-se o papel da instituição. A Escola Técnica possuía certas finalidades educativas frente à socie-dade. Entretanto, no decorrer das décadas essas finalidades passaram por mudanças.

Inicialmente, a Escola de Aprendizes Artífices, precursora da ETV, possuía como uma de suas finalidades a educação e a formação do caráter pelo trabalho. Na década de 1940, a divi-são do trabalho passa a ser regida pelo paradigma taylorista--fordista. Na produção, o trabalhador precisava compreender os movimentos necessários a cada operação e repeti-los ao longo do tempo53. Nesse cenário, a escola passava a atender a outras finalidades incumbidas pela sociedade e pelo mundo do trabalho.

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A partir da década de 1960, o mercado de trabalho passa a demandar uma mão-de-obra com domínio da ciência e da tec-nologia e autonomia intelectual para resolução de problemas. Assim, a Matemática torna-se ainda mais relevante e outra pe-dagogia surge dentro dos muros da ETFES. A organização ad-ministrativa e pedagógica da escola torna-se responsabilidade do Conselho de Representantes e do Conselho de Profes-sores. Conforme exposto, esses conselhos possuíam visões diferentes das finalidades educativas da escola. O Conselho de Professores defendia a autonomia da escola procurando a melhor educação para os estudantes e uma sólida prepara-ção para o mundo do trabalho. O Conselho de Representantes procurava garantir que a formação profissional da instituição atendesse às demandas das empresas e da sociedade54.

As décadas seguintes são marcadas por aproximação com o ensino propedêutico. Com a oferta de ensino gratuito e de qualidade, a ETFES também é procurada por estudantes al-mejando a continuidade dos estudos no ensino superior. Pro-fessores de Matemática começaram a se questionar sobre as finalidades dessa disciplina na escola.

Os professores, utilizando a autonomia que possuíam dentro da instituição, foram relevantes na construção do currículo de Matemática do curso Técnico em Estradas. Na década de 1960, os professores da disciplina elaboravam os programas com seus pares e encaminhavam os mesmos para aprova-ção do conselho de professores. A prescrição do currículo de Matemática era a mesma para os cursos técnicos ofertados à época. A prática curricular em sala de aula era diversa. Cada

professor escolhia as formas de mediar o currículo aos alunos. Por exemplo, alguns procuravam estabelecer relações entre a Matemática e as disciplinas técnicas; em outras práticas havia ênfase à Álgebra; possivelmente alguns professores que atua-vam em escolas do ensino propedêutico traziam para suas práticas dentro da ETFES aspectos desses outros espaços.

No início da década de 1970, o Conselho de Professores é extinto. Uma equipe técnico-pedagógica assume a responsa-bilidade pela organização didática da escola. A elaboração dos programas de Matemática acontece com a participação dessa equipe. Trata-se de uma época marcada pelo tecnicismo: a prática é planejada de forma rigorosa; há ênfase na organi-zação e no controle do processo de ensino-aprendizagem; os professores passam a ser controlados em seus cotidianos; é realizada a adoção do livro didático na disciplina de Matemá-tica. Mesmo nesse cenário, os docentes encontram meios de exercer papel de construtores do currículo com criatividade e protagonismo.

E esse protagonismo torna-se evidente quando docentes de Matemática da ETFES e de outras escolas técnicas da rede federal iniciam um movimento buscando uma Educação Ma-temática mais condizente com a formação profissional. Nesse movimento de professores, o currículo de Matemática também se movimentou. As propostas curriculares passam a atender cursos técnicos de áreas afins (diferentemente da proposta de percurso único de todos os cursos técnicos para a Matemá-tica). E como culminância desse processo, no caso do curso Técnico em Estradas, tem-se o programa utilizado de 1984 a

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1986 que foi pensado exclusivamente para esse curso. Como participante do movimento, a ETFES também sedia um EN-CONAM em 1988.

Todavia, a proposta enfrenta algumas dificuldades: a inércia de alguns docentes de Matemática (no que diz respeito à for-mação continuada e à avaliação e reformulação da proposta curricular); a possível resistência de alunos que não viam na proposta um caminho para o sucesso no vestibular; a necessi-dade de mais de um volume da coleção de Gelson Iezzi em um mesmo ano, gerando custos altos para os estudantes adquiri-rem os livros. Por fim, os professores de Matemática da escola resolvem abandonar essa possibilidade de percurso curricular, retomando um currículo baseado na obra de Iezzi et al.

O livro didático contribuiu de forma significativa na construção do currículo de Matemática do curso Técnico em Estradas. Com relação à prática curricular, a obra de Iezzi et al. ofereceu aos docentes o conteúdo com formalização reduzida ao míni-mo necessário, seguida de exercícios resolvidos e exercícios propostos. Essa apresentação dos conteúdos curriculares in-fluenciou a prática dos docentes da ETFES. Contudo, como foi possível constatar, o uso do livro feito pelos docentes era diverso. Outro ponto importante é que a sequência de con-teúdos disposta na coleção adotada coincidiu em sua maioria com alguns dos programas de Matemática do curso Técnico em Estradas que foram analisados. Essa situação passou por mudanças na década de 1980, conforme exposto. O livro adotado é uma das interpretações do programa. Um dos ela-boradores do currículo. Entretanto, sua relevância e perma-

nência na ETFES (a mesma coleção foi utilizada por mais de 20 anos), suscitam o questionamento: no cotidiano de sala de aula, a preponderância era do currículo prescritivo ou do livro didático?

Os estudantes também trouxeram suas contribuições para essa construção social do currículo. Em cada aula de Matemá-tica, os discentes do curso Técnico em Estradas participavam da construção da prática curricular. Em suas facilidades e di-ficuldades procuravam os mestres e prestavam auxílio mútuo quando necessário. Os professores possivelmente sentiam a necessidade de buscar outras metodologias de acordo com o rendimento das turmas. O aluno ainda ocupava um espaço pri-vilegiado no qual podia cursar as disciplinas técnicas e as de cultura geral, estabelecendo relações entre as mesmas. Esse processo de trocas entre as disciplinas, dado muitas vezes por meio dos discentes, contribuiu com a construção do currículo de Matemática do curso Técnico em Estradas.

A construção curricular que foi objeto de pesquisa do presente trabalho se deu nesse movimento. O percurso trilhado em mo-mento algum foi retilíneo. Vários foram os sujeitos que cons-truíram essas estradas que buscaram a direção de uma for-mação profissional de qualidade. E nessa formação de técnico em Estradas, fica clara a relevância da Matemática.

No caminhar que resultou na escrita desse trabalho, foi possí-vel esclarecer algumas questões. Entretanto, questionamentos permaneceram em aberto e o que se pôde conhecer suscitou outras inquietações. O volume de informações presente nas

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fontes históricas acessadas durante a investigação mostra que a pesquisa é apenas o início de uma história dos currículos de Matemática no Ifes. Foi possível devassar algumas verda-des parciais. E é assim se constrói a ciência histórica: pouco a pouco, por meio de revisões do trabalho histórico, verificações sucessivas e acumulação de verdades parciais55.

REFERÊNCIAS

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Acesso em: 30 jan. 2013.

CENTRO DE EDUCAÇÃO FEDERAL CELSO SUCKOW DA FONSECA. Plano pedagógico de curso: ensino médio integra-do ao técnico de Estradas. Disponível em: <http://www.cefet-rj.br/attachments/article/2597/PPCESTRADASINTEGRADO.pdf> Acesso em: 21 maio 2017.

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MI-NAS GERAIS. Departamento de Engenharia de Transportes – Estradas. Disponível em: <http://www.det.cefetmg.br/cursos--tecnicos/estradas/> Acesso em: 21 mai 2017.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Revista Teoria e Educação, Por-to Alegre, n. 2, p. 177-229,1990. Disponível em: < https://moodle.fct.unl.pt/pluginfile.php/122510/mod_resource/content/0/Leituras/Chervel01.pdf>. Acesso em: 06 jul. 2017.

ESCOLA TÉCNICA DE VITÓRIA. Lembrança da visita de Dr. Armando Hildebrand diretor do ensino industrial: Instalação do curso Técnico em Estradas. Vitória, 1962a.

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______. Programas de Ensino: Curso de Estradas. Vitória, 1981.

______. Programas de Ensino: Curso de Estradas. Vitória, 1982.

______. Programas de Ensino: Curso de Estradas. Vitória, 1983.

______. Programas de Ensino: Curso de Estradas. Vitória, 1986.

FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática: 1969 – 1993. São Paulo: 2006. Dispo-nível em: <https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/10549/1/Dis-sertacao%20Juliana%20Miranda%20Filgueiras.pdf> Acesso em: 18 fev. 2018.

FIORENTINI, Dario. Alguns modos de ver e conceber o ensino da matemática no Brasil. Revista Zetetiké, Campinas, SP: Uni-camp – FE - CEMPEM, ano 3, n. 4, p. 1 – 38, 1995. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/zetetike/article/view/2561/2305>

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IEZZI, Gelson et al. Matemática: 1ª série, 2º grau. 8. ed. rev. São Paulo: Atual, 1980.

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Aprova-ção dos programas de Matemática de 1965 para os cursos técnicos. Vitória, 1965b.

______. Conselho de professores: programas: Oficinas. Vitória, [196-a].

______. Carta enviada pelo Diretor de Ensino Industrial à ETV. Vitória, 1964.

______. Conselho de professores: Resoluções: Conselho de representantes. Vitória, 1961a.

______. Conselho de professores: Correspondência recebida. Vitória, 1962b.

______. Currículos: Estradas 1962 – 1976. Vitória, 1961b.

______. Grades Curriculares: 1977 – 1978 – 1979. Vitória, 1977.

______. Programas de Ensino: Curso de Estradas. Vitória, 1979.

______. Programas de Ensino: Curso de Estradas. Vitória, 1980.

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IEZZI, Gelson et al. Matemática: 2ª série, 2º grau. 5. ed. São Paulo: Atual, 1978.

IEZZI, Gelson et al. Matemática: 3ª série, 2º grau. 5. ed. São Paulo: Atual, 1976.

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KACHEL, Gabriel Luiz Santos. Currículos de matemática do curso técnico em Estradas do Ifes: algumas reflexões. Mono-grafia (graduação) – Instituto Federal do Espírito Santo, Coor-denadoria de Licenciatura em Matemática, Curso Superior de Licenciatura em Matemática, 2013.

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PINTO, Antonio Henrique. Educação Matemática e formação para o trabalho: práticas escolares na Escola Técnica de Vitória – 1960 a 1990. Tese de doutorado, Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, 2006.

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SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: (ensino primário e secun-dário no Brasil). São Paulo: Cortez, 2008.

NOTAS

1 Lima (2004).

2 Lima (2004).

3 Pinto (2006).

4 Pinto (2006).

5 Lima (2004, p. 160).

6 Esse relato encontra-se no trabalho de Pinto (2006, p. 22 e 23).

7 Pinto (2006).

8 Pinto (2006, p. 100).

9 Souza, 2008.

10 Kuenzer, 1998.

11 Pinto (2006, p.120).

12 Trecho presente em um documento intitulado “Currículos: Estradas (1962 -1976)”, consultado no arquivo de memórias do Ifes.

13 Pinto (2006).

14 Kill [2017?]. Essas informações são provenientes de uma pesquisa de autoria de Tércio Girelli Kill. Essa pesquisa não foi publicada até o presente momento.

15 Entrevista concedida a Tércio Girelli Kill.

16 O registro foi encontrado no jornal “Folha do povo: o vespertino do Espírito Santo” de fevereiro de 1952.

17 Registro encontrado na edição de 29 de abril de 1956 do periódico “O jornal” que circulava no estado do Rio de Janeiro.

18 Ata do Conselho de Professores do dia 7- 3- 1967 citada por Pinto, 2006, p. 132.

19 Ata do Conselho de Professores de 21- 1- 1963 citada por Pinto, 2006, p. 132.

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20 Pinto (2006).

21 Filgueiras (2006).

22 Brasil (1971).

23 Pinto (2006, p. 53 e 54).

24 Pinto (2006, p. 55).

25 ata do Conselho de Professores de 4- 11- 1971 / arquivo do Cefetes citada por Pinto (2006, p. 135).

26 Pinto (2006).

27 Pinto (2006, p. 54).

28 Pinto (2006).

29 Pinto (2006, p. 135).

30 Pinto (2006, p. 134 e 135).

31 Fiorentini (1995).

32 Iezzi et al. (1978).

33 Iezzi et al. (1976) [grifo nosso]

34 Pinto (2006, p. 54) [grifo nosso].

35 Pinto (2006, p. 58 e 59) [grifo nosso].

36 Pinto (2006, p. 136) [grifo nosso].

37 Regatieri citado por Pinto (2006, p. 63) [grifo nosso].

38 Kuenzer (1998, p. 375).

39 D’Ávila citado por Pinto (2006).

40 Pinto (2006).

41 Pinto e Santos (2011).

42 Pinto e Santos (2011, p. 11).

43 Pinto e Santos (2011).

44 Pinto e Santos (2011).

45 Pinto (2006, p. 57 e 58).

46 Chervel (1990).

47 Kuenzer (1998).

48 Pinto (2006).

49 Kuenzer (1998).

50 Fiorentini (1995, p. 16).

51 Pinto (2006).

52 Pinto (2006, p. 167).

53 Instituto Federal do Rio Grande do Norte (2017).

54 Centro de Educação Federal Celso Suckow da Fonseca (2017).

55 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (2017).

56 Instituto Federal do Espírito Santo (2017a).

57 Kuenzer (1998).

58 Pinto (2006).

59 Le Goff (2013).

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