materia manoel congo mnlm sisejufe n31

1
Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 33 http://sisejufe.org.br Movimento Social Geração de trabalho e renda também deve ser uma meta dos moradores Tatiana Lima* Quando Ideias em Revista che- gou na Ocupação Manoel Con- go, localizada na rua Alcino Gua- nabara, no centro do Rio, os moradores estavam apreensivos. Uma carta da Petrobras havia chegado com a informação de que a ocupação perdera o pra- zo para entrega de documentos à empresa. Com isso, a verba de R$ 980 mil destinada à Manoel Congo não havia sido aprovada. Perder essa verba significaria o fim do sonho de autossustenta- bilidade de 42 famílias, parte delas com renda entre zero a três salários mínimos. Após consultar os advogados da ONG Justiça Global, foi des- coberto que a carta se referia a uma antiga matrícula. A verba para a reforma do 1º andar do prédio, onde funcionará um centro cultural e um restauran- te com gestão dos próprios mo- radores da Manoel Congo, está garantida. Tudo não passou de um susto. O projeto de habita- ção, trabalho e renda do coleti- vo de moradores, integrantes do Movimento de Luta pela Mora- dia, está garantido. Essa narrativa serve para ilus- trar que a luta das centenas de brasileiros sem teto é complexa. Um dos principais entraves para prédios no centro urbano das cidades não serem destinados à moradia – em especial para fa- mílias na faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos – é o argumen- to precoce de que os morado- res não terão condições de ar- car com os custos de manuten- ção do prédio: o pagamento de contas de água, luz, etc. A luta dos movimentos de luta pela reforma urbana, não é so- mente por habitação, mas um projeto urbanístico de cidade que viabilize a uma real melhora nas condições de vida do traba- lhador, incluindo essas famílias de fato no perímetro urbano. E O teto chegou. Agora é preciso garantir o resto isto passa, necessariamente, por geração de renda, emprego e cidadania, além da moradia. “A reforma urbana é mobilidade, trabalho e ocupação. Isso é o que permite a permanência das famílias, porque todas precisam trabalhar para se sustentarem e se locomover na cidade. E as oportunidades de emprego es- tão na região central”, explica a moradora Maria de Lourdes. A assinatura do contrato de compra do imóvel, no dia 28 de outubro, pelo governo estadu- al, enfim, chegou. Essa é a pri- meira vez que um prédio do INSS é adquirido por um gover- no estadual para ser destinado à habitação no Brasil. “A organi- zação, pressão constante e luta dos moradores da Manoel Con- go mostraram ao governo que não somos um grupinho de pes- soas sem teto. Somos 8 milhões de brasileiros sem teto, trabalho e cidadania. Somos o vácuo de anos de políticas públicas”, con- clui Maria de Lourdes. Mas foi o resultado de uma luta constante das famílias. “Fo- ram três anos combatendo a burocracia dos mecanismos de governo. Ocupamos o INSS, a Secretaria Nacional de Patrimô- nio e União, a Caixa Econômica, a conferencia do Ministério das Cidades, as ruas, enfim. Essa as- sinatura resulta do esforço de um coletivo que tem o objetivo Pela primeira vez, um prédio do INSS foi adquirido por um governo estadual para ser destinado à habitação no Brasil. “A organização, pressão constante e luta dos moradores da ocupação Manoel Congo mostraram ao governo que não somos um grupinho de pessoas sem teto. Somos 8 milhões de brasileiros sem teto, trabalho e cidadania. Somos o vácuo de anos de políticas públicas”, diz a moradora Maria de Lourdes Fotos: Coletivo de Comunicação Assentamento Urbano Utopia e Luta Prédio Alcindo Guanabara, na Cinelândia, ocupado há três anos por 42 famílias sem teto não de lutar por lutar. Mas de lutar e conquistar”, ressalta Ma- ria de Lourdes, moradora da ocupação Manoel Congo e inte- grante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). No total, a compra e reforma do prédio Alcino Guanabara, onde fica a ocupação está orça- da em R$ 2 milhões. A ocupação recebeu verbas do governo fe- deral (R$ 700 mil), e do governo estadual (R$ 1,3 milhão). Porém, no projeto governamental não há destinação de verba para a reforma do 1º andar, onde fun- cionará o restaurante e o cen- tro cultural que está no projeto da ocupação Manoel Congo. Em decorrência desta falta do recur- so, o governo não concluía o processo de compra do imóvel. O argumento era que apenas quando todo o orçamento para reforma estivesse garantido, o prédio poderia ser adquirido. Por isso, o coletivo de morado- res através do edital do Progra- ma de Cidadania e Renda da Pe- trobras, tentaram conseguir o restante do dinheiro necessário para execução das obras. Lourdes fala aos moradores em ato na CEF, em 28 de outubro *Da Redação.

Upload: mnlmrj

Post on 22-Jan-2018

338 views

Category:

Documents


6 download

TRANSCRIPT

Ano IV – número 31 – novembro e dezembro 2010 33http://sisejufe.org.br

Movimento Social Geração de trabalho e renda também deve ser uma meta dos moradores

Tatiana Lima*

Quando Ideias em Revista che-gou na Ocupação Manoel Con-go, localizada na rua Alcino Gua-nabara, no centro do Rio, osmoradores estavam apreensivos.Uma carta da Petrobras haviachegado com a informação deque a ocupação perdera o pra-zo para entrega de documentosà empresa. Com isso, a verba deR$ 980 mil destinada à ManoelCongo não havia sido aprovada.Perder essa verba significaria ofim do sonho de autossustenta-bilidade de 42 famílias, partedelas com renda entre zero atrês salários mínimos.Após consultar os advogados

da ONG Justiça Global, foi des-coberto que a carta se referia auma antiga matrícula. A verbapara a reforma do 1º andar doprédio, onde funcionará umcentro cultural e um restauran-te com gestão dos próprios mo-radores da Manoel Congo, estágarantida. Tudo não passou deum susto. O projeto de habita-ção, trabalho e renda do coleti-vo de moradores, integrantes doMovimento de Luta pela Mora-dia, está garantido.Essa narrativa serve para ilus-

trar que a luta das centenas debrasileiros sem teto é complexa.Um dos principais entraves paraprédios no centro urbano dascidades não serem destinados àmoradia – em especial para fa-mílias na faixa de renda de 0 a 3salários mínimos – é o argumen-to precoce de que os morado-res não terão condições de ar-car com os custos de manuten-ção do prédio: o pagamento decontas de água, luz, etc.A luta dos movimentos de luta

pela reforma urbana, não é so-mente por habitação, mas umprojeto urbanístico de cidadeque viabilize a uma real melhoranas condições de vida do traba-lhador, incluindo essas famíliasde fato no perímetro urbano. E

O teto chegou. Agora é preciso garantir o resto

isto passa, necessariamente, porgeração de renda, emprego ecidadania, além da moradia. “Areforma urbana é mobilidade,trabalho e ocupação. Isso é oque permite a permanência dasfamílias, porque todas precisamtrabalhar para se sustentarem ese locomover na cidade. E asoportunidades de emprego es-tão na região central”, explica amoradora Maria de Lourdes.A assinatura do contrato de

compra do imóvel, no dia 28 deoutubro, pelo governo estadu-al, enfim, chegou. Essa é a pri-meira vez que um prédio doINSS é adquirido por um gover-no estadual para ser destinadoà habitação no Brasil. “A organi-

zação, pressão constante e lutados moradores da Manoel Con-go mostraram ao governo quenão somos um grupinho de pes-soas sem teto. Somos 8 milhõesde brasileiros sem teto, trabalhoe cidadania. Somos o vácuo deanos de políticas públicas”, con-clui Maria de Lourdes.Mas foi o resultado de uma

luta constante das famílias. “Fo-ram três anos combatendo aburocracia dos mecanismos degoverno. Ocupamos o INSS, aSecretaria Nacional de Patrimô-nio e União, a Caixa Econômica,a conferencia do Ministério dasCidades, as ruas, enfim. Essa as-sinatura resulta do esforço deum coletivo que tem o objetivo

Pela primeira vez, um

prédio do INSS foi

adquirido por um governo

estadual para ser destinado

à habitação no Brasil. “A

organização, pressão

constante e luta dos

moradores da ocupação

Manoel Congo mostraram

ao governo que não somos

um grupinho de pessoas

sem teto. Somos 8 milhões

de brasileiros sem teto,

trabalho e cidadania.

Somos o vácuo de anos de

políticas públicas”, diz a

moradora Maria de Lourdes

Fotos: Coletivo de Comunicação Assentamento Urbano Utopia e Luta

Prédio Alcindo Guanabara, na Cinelândia,ocupado há três anos por 42 famílias sem teto

não de lutar por lutar. Mas delutar e conquistar”, ressalta Ma-ria de Lourdes, moradora daocupação Manoel Congo e inte-grante do Movimento Nacionalde Luta pela Moradia (MNLM).No total, a compra e reforma

do prédio Alcino Guanabara,onde fica a ocupação está orça-da em R$ 2 milhões. A ocupaçãorecebeu verbas do governo fe-deral (R$ 700 mil), e do governoestadual (R$ 1,3 milhão). Porém,no projeto governamental nãohá destinação de verba para areforma do 1º andar, onde fun-cionará o restaurante e o cen-tro cultural que está no projetoda ocupação Manoel Congo. Emdecorrência desta falta do recur-so, o governo não concluía oprocesso de compra do imóvel.O argumento era que apenasquando todo o orçamento parareforma estivesse garantido, oprédio poderia ser adquirido.Por isso, o coletivo de morado-res através do edital do Progra-ma de Cidadania e Renda da Pe-trobras, tentaram conseguir orestante do dinheiro necessáriopara execução das obras.

Lourdes fala aos moradores em ato na CEF, em 28 de outubro *Da Redação.