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(mas não sei em que moeda se faz esta transacção)

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Palacete Pinto Leite 27 março – 6 abril 2014

texto e direção Joana Craveirocriação TeaTro do vesTido

Até comprAvA o teu Amor

cocriação e interpretação Daniel Pinto, João Paulo Serafim, Miguel Bonneville, Rosinda Costa, Simon Frankel, Tânia Guerreiro, Victor Hugo Pontesmovimento e figurinos Ainhoa Vidalimagem João Paulo Serafimdesenho de luz João Cachuloprodução executiva Rosário Fariaassistência Sara Barros Leitão

participação especial Maria Leonorcontra-regra Diana Raimundo, Diogo Limas, Flávio Miller, Maria Leonor, Sofia Lopes (alunos da academia contemporânea do espetáculo) e Bruno Relvas

coprodução Teatro do Vestido, TNSJcolaboração Câmara Municipal do Porto

qua-dom 21:30

dur. aprox. 2:10 sem intervaloM/12 anos

estreia absoluta

(mas não sei em que moeda se faz esta transacção)

o tNsJ é membro da

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Breves notas para a divisão de um espectáculo em quartosJoana Craveiro

0. cidade do Porto, Março de 2012

Tomámos de assalto um canto da cidade, com as suas histórias e pessoas. Lembro-me que estava frio quando chegámos, e as noites passadas na rua a ensaiar eram longas e cortantes, apesar do calor das histórias; depois veio uma Primavera improvável e passámos todos a conseguir estar duas horas na rua à noite sem tiritar, e ganhámos esperança na cidade e em nós nela. E foi assim que criámos o espectáculo de cartografia poética e emocional a que chamámos Esta é a minha cidade e eu quero viver nela. Refiro-me a isso, aqui, porque é um momento fundador desta criação presente. Falávamos de ruas e estradas e pessoas a habitar bairros, também falávamos de nós, mas de alguma forma ficávamos à porta das casas.

As casas de fora olham-nos pelas janelasRuy BELo

1. ainda cidade do Porto, e já cidade de Lisboa também, ano de 2013

Pensámos fazer um espectáculo sobre o amor. E pensámos nele como um negativo desse outro espectáculo anterior que já aqui mencionei. Negativo porque, desta vez, queríamos falar do “dentro” depois de termos falado do “fora”. Pensámos que, desta vez, entraríamos nas casas.

Eu amei as casas os recantos das casasVisitei casas apalpei casasSó as casas explicam que exista uma palavra como intimidadeRuy BELo

Porque estava em nós gravada a memória da cidade e porque ao palmilhá-la sentíamos já as possibilidades afectivas que encerrava, porque, enfim, há o TNSJ, com a sua vontade genuína e generosa de acolher projectos e criações de raiz e de os possibilitar – por tudo isso, dizíamos, fazia sentido que voltássemos ao Porto.

As cidades poderiam ser claras e lavadasSoPhia dE MELLo BREyNER aNdRESEN

E foi aqui que a encontrámos – à casa, onde queríamos construir este espectáculo.

As casas essas parecem estáveismas são tão frágeis as pobres casasRuy BELo

2. frágil (como nós)

Neste espectáculo trabalhámos a ideia de quarto enquanto espaço interior, revisitando nesse processo todos os quartos onde já entrámos, todas as camas onde dormimos. Fizemos listas de tudo isso, fizemos apresentações sobre isso, fizemos sucessivas reconstituições de lugares e, principalmente, de como nós estávamos quando entrámos ou habitámos esses lugares. um móvel inútil, um armário que não abria porque o espaço entre a cama e a parede era muito estreito, um quarto interior onde se dormiu durante anos, a recordação intacta de certos objectos nas prateleiras, o tempo que nos demorámos num quarto em particular, a frequência com que ali íamos, o que sentimos quando o deixámos.

Neste espectáculo trabalhámos a ideia de festa. de encenar uma festa no nosso quarto.

Neste espectáculo criámos um arquivo de histórias de amor observadas na realidade da cidade do Porto, e de Lisboa também (num dia de ensaio anterior) – histórias urgentes, imediatas, rápidas, numa voracidade de coleccionar o maior número de histórias que conseguíssemos.

Neste espectáculo fomos forçados a pensar no nosso primeiro amor.

Neste espectáculo acabámos por ficar nus, por vezes, porque pedimos uns aos outros que fôssemos verdadeiros naquilo que partilhávamos. Mas estava tudo bem porque nesse momento tínhamos os olhos vendados e ninguém viu ninguém, ou fingimos todos que assim era. Eu sei de alguns que abriram os olhos. Mas sei também que o fizeram para se sentirem menos sozinhos.

Neste espectáculo trabalhámos a ideia de uma casa e de sete quartos, habitados por sete pessoas – uma por quarto.

Neste espectáculo tentámos trabalhar com o que trouxemos connosco – o nosso capital emocional e afectivo, num mundo onde há cada vez menos lugar para isso, ou tempo, ou lá o que é – porque não é, simplesmente, prioritário. (isto é, referimo-nos a tudo o que sobreviveu ao detector de metais interior, e que se poderá desfazer a qualquer momento, de tão frágil.)

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Oh as casas as casas as casas suspirou Ruy Belo

Quando olhamos para as casas alguma coisa estremecealguma coisa chama alguma coisa espera

Olho-te com os olhos das casas respiro-te ao abrir cada janelae atravesso as portas como se penetrasse o teu corpoangustiado e nuJoaquiM PESSoa

3. deveríamos mencionar

que no começo deste projecto andávamos a reflectir sobre a ideia que Bernard-Marie Koltès expressa de que todas as relações se baseiam na troca de alguma coisa, no “negócio”, no que ele chama deal. a nossa motivação começou por ser a investigação desta teoria.

Il n’y a pas d’amour il n’y a pas d’amour.BERNaRd-MaRiE KoLTèS

4. cidade do Porto, Março de 2014

Este ano, novamente, somos saudados pelo frio e pela chuva que dão lugar a uma Primavera precoce e improvável, com a qual aquecemos, de janelas abertas, os quartos frios do palacete que habitamos. a estreia está marcada para o mesmo dia em que, há dois anos atrás, estreámos o espectáculo irmão deste. Sorrimos ante a coincidência, que se inscreve na lógica de cartografia emocional que praticamos, ou deveríamos dizer antes cronologia emocional? Se citamos tantas vezes Ruy Belo, é que ele parece saber tudo sobre isso.

Não sabem nada de casas os construtoresos senhorios os procuradoresRuy BELo

5. por ser sobre o amor

consideramos este espectáculo como mais um espaço de resistência num país que, sendo o possível, não é ainda o que queremos.E voltamos a citar Sophia, no final deste texto, como em Março de 2012. Para que, à força de o repetir, fique gravado.

Sei que seria possível construir o mundo justoAs cidades poderiam ser claras e lavadasPelo canto dos espaços e das fontesO céu o mar e a terra estão prontos

A saciar a nossa fome do terrestreA terra onde estamos – se ninguém atraiçoasse – proporiaCada dia a cada um a liberdade e o reino– Na concha na flor no homem e no frutoSe nada adoecer a própria forma é justaE no todo se integra como palavra em versoSei que seria possível construir a forma justaDe uma cidade humana que fosseFiel à perfeição do universo

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em brancoE este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundoSoPhia dE MELLo BREyNER aNdRESEN

Texto escrito de acordo com a antiga ortografia.

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como a planta de uma casa – a planta interior de uma pessoa. Localizar o coração da casa. Compreender isso de haver um coração em cada quarto e de haver num dos quartos um coração mais ruidoso.

Se tivesse chegado a tempo ao nosso encontro, ter-te-ia dito que havia esperança para nós.

Tiveste pena que não o tivesse conseguido?

Manda a resposta na volta do correio.

PS: Não percas mais do que cinco minutos a pensar nisto tudo. Tempo é dinheiro e há que o poupar. Sobretudo, sabes bem, em tempos como os que hoje atravessamos.

Sete quartos habitados por elespara uma geografia da casa

textos Joana CraveiroEu chegava primeiro e tinha de esperar-tee antes de chegares já lá estavasnaquele preciso sítio combinadoonde sempre chegavas sempre tardeainda que antes mesmo de chegares lá estivessesse ausente mais presente pela expectativapor isso mais te via do que ao ter-te à minha frenteMas sabia e sei que um dia não virásque até duvidarei se tu estiveste onde estivesteou até se exististe ou se eu mesmo existipois na dúvida tenho a única certezaTerá mesmo existido o sítio onde estivemos?Aquela hora certa aquele lugar?À força de o pensar penso que não

Ruy BELo

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uma cave

“aquele desarranjo agradou-me”, disse ele. Estava a referir-se a um quarto que habitava ocasionalmente, depois de um olhar furtivo trocado num passadiço junto à praia, onde se cruzava por vezes com ela.

este é um espaço que é na verdade vários quartos, salas, cafés, ruas. há uma aragem que corre, sempre, uma parede debaixo de terra, uma casa que se está prestes a deixar, um colchão no qual ainda se dorme.

ele disse, “para mim, mudar é mais natural do que recordar”. E isto foi uma afirmação naturalmente problemática.

estas divisões são habitadas por daniel Pinto.

Hoje saí para a rua e não me apeteceu encontrar históriasde amor para contar aqui. Queria vir de mãos vazias, quase que a dizer que afinal o mundo se tinha esvaziado de amor, que afinal, como eu, andam todos perdidos ou em busca, ou a fazer as suas próprias reconstituições de forma a que possam finalmente chegar junto daqueles que os esperam sem saber que os esperam porque ainda não aconteceu.

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uma casa no 1.º direito(1 sala, 2 quartos e 1 cozinha)“identifico-me com o elefante, com a sua forma de viver, a sabedoria, o carinho” – esta afirmação foi acompanhada de uma descrição pormenorizada de uns elefantes numa mesa de cabeceira, na casa do irmão dela. Lembro-me de a ter surpreendido várias vezes a chorar, mas não foi exactamente na sequência da afirmação referente aos elefantes.

o quarto, a que ela chama de arrumações, é insonorizado com cortiça portuguesa, como ela costumava dizer, e por isso ela dá-se ao luxo de fazer nele o que muitas vezes não conseguimos nós fazer, por falta de coragem e de exercício de uma espécie de músculo anti-frustração que entretanto atrofiou por falta de uso. Ela, naquele quarto, expressa-se.

ela notou, com surpresa, que o seu próprio quarto está ausente desta casa, que ela tem todo o gosto em mostrar. Pediu-nos, contudo, para que não insistíssemos nesta questão.

estas divisões são habitadas por Rosinda Costa.

Obrigada por terem ficado, mesmo depois de já ter acabado.

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uma casa no 1.º esquerdo (2 quartos)“posso dizer que este amor é grande porque me magoou muito.” Ele disse: sou uma pessoa que chega sempre atrasada às coisas, ou adiantada. Ele disse: comigo, simplesmente, não funciona. Ele disse mais coisas, mas entretanto a música estava muito alta e deixámos de o ouvir. Levou-nos para um canto com o intuito de que o pudéssemos escutar melhor, mas entretanto veio alguém que lhe tocou no ombro e ele deixou-nos precipitadamente, de copo na mão e sem conhecermos ninguém naquela festa.

estava tudo impecavelmente organizado, contudo, e, apesar de sós, pudemos deliciar-nos com várias iguarias, uma vista maravilhosa sobre a cidade e admirar os bordados das toalhas e dos naperons, esplendidamente engomados.

saímos sem que dessem por nós, enquanto ele, ao fundo, dançava sozinho. Não deixámos de reparar como ele esteve sozinho o tempo todo.nota: Ele disse também qualquer coisa sobre quartos azuis.

estas divisões são habitadas por Victor hugo Pontes.

Eu sou daquelas pessoas que dão a chave de casa aqualquer pessoa com toda a confiança. Fiquem à vontade, façam como se estivessem na vossa casa. Isto é uma estupidez, eu sei, não tenho uma única razão para confiar em ninguém porque a minha história é essencialmente uma história de desilusões. E eu não aprendo, não aprendo.

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um quarto no 2.º direito

“este quarto veio depois a ser muito importante para mim.” Com ela é sempre assim. há como que uma resistência. há o tempo necessário para que as coisas maturem e aconteçam. há o tempo infinito que leva a esquecer as coisas (se é que as esquece alguma vez).

ela transpõe – com artes que são só dela – uma cartografia emocional para o espaço e – com as mesmas artes que são só dela – dá sentido a cada canto da casa porque diz que os pormenores são tudo.

ela sabe sempre onde amanhece e quanto tempo se deve demorar em cada sítio, mediante a importância de que se reveste esse sítio para ela. Podemos chamar-lhe organização, controlo ou, simplesmente, solidão. Ela está lentamente a aprender a não dar importância àquilo que as pessoas pensam sobre ela e sobre o que ela pensa, e isso, diz ela, dá-lhe uma espécie de liberdade.

esta divisão é habitada por Tânia Guerreiro.

Estabeleci os diferentes pontos de não retorno da minhavida. Pontos em que tudo mudou para sempre. Porque são vários, refiro-me a eles à vez como “o ponto em que tudo mudou” e, quando me chamam a atenção por ter vários pontos dessa natureza na minha vida, digo: nem imaginas.

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um quarto no 2.º direitoà direita“chorei quando ela disse que cada um tinha que seguir o seu caminho.” Se te dissesse que és uma bomba-relógio, que tudo em ti espera para explodir, disfarçado no meio da aparente e sincera bondade e gentileza; se te chamasse a atenção para os teus olhos abertos – esbugalhados mesmo –, enquanto te tentas controlar para não explodir em cima de todos – e inadvertidamente lhes infligires nódoas negras, mesmo que de raspão; se te dissesse da espuma pequenina ao canto da boca enquanto dizes que não queres e não queres lembrar-te; se te dissesse dos vidros todos que partirias assim mesmo de mãos nuas; se te dissesse que sei o que te acalma, a doçura das festas na cabeça e isso, o saberes que não desistem de ti, o saberes que há esperança – por exemplo, que há o amor, isso mesmo, que existe e é palpável e o sentes; se te dissesse que é isso exactamente que te redime ou salva ou lá o que é; se te dissesse tantas outras coisas que entretanto deixámos de ter tempo de dizer um ao outro, na voragem de não conseguirmos falar um com o outro sem levantarmos a voz...

sei que não há só isto a dizer sobre ti, sei mesmo. Se houvesse mais espaço, falaria da tua actividade principal – a de jardineiro do coração, mas corro o risco de ser ridícula e sei o quanto detestas que se seja ridículo ao pé de ti. Não arrisco, não arrisco.

esta divisão é habitada por Simon Frankel.

E, de repente, vejo-a, é uma coisa de dois segundos. Mas fico ali, preso. Parecia aqueles filmes americanos em que as personagens precisam de dois segundos para se apaixonarem. Há sempre como que um olhar em que o tempo pára. E eu pensava sempre, “ridículo”.

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dois quartos no 2.º frente

“eu não vinha preparado para isto.” isto foi das primeiras coisas que ele disse. depois de anos a viver em espaços pequenos, aqueles quartos sufocavam-no. Não conseguia nem começar a desempacotar as coisas, que se amontoavam no rés-do-chão. Na vida, temos que encontrar o nosso lugar naturalmente e não à força. Temos que escolher. Escolhendo, sentimo-nos livres. isto repetia-o ele para si próprio, à medida que os dias passavam. Enquanto isso, conduzia os outros habitantes da Casa numa visita guiada aos seus quartos pequenos e mais amplos, como quem abrisse gavetas de si próprio e dissesse: isto é o que eu sou.

os outros acompanhavam entusiasmados aquela expedição. Conheciam bem o calor da planície espanhola, os dois touros a marcar os quilómetros, e até mesmo as peripécias que envolvem a troca de estrados e camas. Também sabiam um pouco acerca da sensação de se dormir com quem se ama. Mesmo que fugazmente.

estas divisões são habitadas por João Paulo Serafim.

E entretanto passou-se muita coisa neste quarto também,muita mesmo.

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um quarto e outras divisõesno 2.º direito“talvez o amor só seja cego para os que têm falta de imaginação.” Porto, dia qualquer de Março do ano de 2014, penso em nós. Sei que essa acção não fará qualquer diferença na nossa história. Não ajo para imprimir qualquer diferença no curso das coisas, mas por ter que o fazer, absolutamente. Talvez a palavra “absolutamente” seja muito forte para ti, mas é a palavra que quero usar neste preciso momento – absolutamente. Sabes que passei os primeiros meses a pensar que tudo era demasiado bom para não acabar a qualquer momento. Sabes que esse pessimismo activo, antecipatório, lúcido, me caracteriza. Cheguei demasiado tarde à hipótese de continuarmos – a essa oportunidade que não me foi dada – mas sei que mesmo que tivesse chegado a tempo nunca teria sido a tempo porque tu já tinhas decidido – e isso, em si, merecia também a palavra “absolutamente” esborrachada de encontro a essa ideia – a da tua premeditação. Perdoa-me a crueldade, por favor. Mesmo.

continuemos em contacto, sim? de vez em quando.

depois mando-te a morada para onde deves reenviar a minha correspondência. ou melhor, vou buscá-la em mão para que não descubras onde moro. Farás a gentileza de, mais uma vez, perdoar esta absurda e inexplicável crueldade.

estas divisões são habitadas por Miguel Bonneville.

Nunca nenhum quarto antes deste se tornou tãoclaustrofóbico e melancólico – uma espécie de paisagem que parece pressagiar a morte. Mas talvez ela já se tenha dado e o crime já tenha sido cometido. É sempre nos quartos que tudo acontece. Dobrar e arrumar a roupa, limpar os vestígios, dobrar, arrumar e limpar o corpo.

Textos escritos de acordo com a antiga ortografia.

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teatro do vestido

o teatro do Vestido é um coletivo teatral fundado em 2001, que realizou até ao momento 27 criações, bem como leituras encenadas e diversas outras iniciativas de partilha dos seus métodos de trabalho, e desenvolveu um programa pedagógico regular entre 2006 e 2010. o trabalho da companhia pauta-se pela pesquisa e experimentação, bem como pelo desenvolvimento de uma dramaturgia original, com base em diversos pontos de partida. caracteriza-se ainda por uma forte relação com espaços de apresentação variados, tanto em contextos urbanos quanto rurais, bem como com o desenvolvimento de iniciativas que visam a criação de uma comunidade de espectadores atentos e implicados na reflexão acerca da realidade. a companhia trabalha em colaboração, com direção artística de Joana craveiro. em 2012, o teatro do Vestido recebeu uma menção honrosa atribuída pela aPct – associação Portuguesa de críticos de teatro por “uma atividade aberta a todas as formas de arte, atenta a todos os cidadãos e curiosa de tudo o que se passa no mundo em que as pessoas vivem”.

Algumas premissas do trabalho do Teatro do Vestido

1. Colaboração e Dramaturgiao trabalho do teatro do Vestido pauta-se pela criação de uma dramaturgia original, escrita em colaboração ou assinada por Joana craveiro. Procura-se que os intérpretes sejam cocriadores dos seus materiais e trabalhem em estreita colaboração uns com os outros e com Joana craveiro, na criação dos espetáculos. o plano de atividades segue uma organização temática, que procura dar resposta a questões prementes da atualidade, bem como resgatar autores cuja escrita não é necessariamente dramática e, a partir deles, falar essencialmente sobre a realidade. o teatro do Vestido procura também colaborar com um leque variado de criadores exteriores à estrutura da companhia, enriquecendo assim o seu vocabulário e metodologias nestas trocas e encontros.

2. Memória e Dimensão Políticaa companhia trabalha desde sempre a temática da memória, e a sua relação com a sociedade e com a vida de cada um, fazendo do seu trabalho um misto de autobiografia e profunda reflexão sobre a realidade envolvente. a companhia tem vindo também, e cada vez

mais, a tentar definir e redefinir aquilo que significa fazer um trabalho político hoje. Para tal, desenvolveu o projeto Monstro em 2012-13, no qual especificamente falava acerca da transmissão da memória política em Portugal, nomeadamente da ditadura, do 25 de abril e do pós-revolução. este projeto foi apresentado em montemor-o--Velho, lisboa, madrid, são Paulo e curitiba. em 2013, o teatro do Vestido iniciou o desenvolvimento de um projeto chamado Labor, sobre o trabalho – sua génese e ideologia. Labor #1 foi apresentado no teatro maria matos e no citemor. recentemente, o teatro do Vestido começou também a desenvolver um trabalho de recolha de testemunhos de pessoas que retornaram das ex-colónias portuguesas depois de 1974, e com os quais construiu Retornos, Exílios e Alguns que Ficaram, em coprodução com o teatro Viriato (Viseu, janeiro de 2014).

3. Espaçoa relação com o espaço também foi sempre uma das bases de trabalho do teatro do Vestido. tendo apresentado peças em lugares tão díspares quanto caves de um hospital psiquiátrico, um lagar de azeite, um monte alentejano, uma estufa, ruas de várias cidades, e alguns palcos também – e agora o Palacete Pinto leite –, o teatro do Vestido trabalha com, para e a partir do espaço. a reflexão sobre a cidade está também sempre presente, sendo os membros deste coletivo maioritariamente habitantes de cidades. aliás, escrever e falar sobre a cidade é uma das premissas base do projeto Esta é a minha cidade e eu quero viver nela – que já foi realizado diversas vezes em lisboa, e também no Porto e em Viseu. são apaixonados confessos de lugares e de pessoas.

4. Comunidadea relação com a comunidade é também um dos aspetos centrais do trabalho do teatro do Vestido. desde sempre, realizaram espetáculos nos quais incluíram a recolha de histórias, os encontros e as investigações que empreenderam em torno de localidades, de pessoas, de bairros. desde o princípio da história do teatro do Vestido, em que trabalharam intensamente e viveram no ceNta – centro de estudos de Novas tendências artísticas (em Vila Velha de ródão), até experiências mais recentes do desenvolvimento de Esta é a minha cidade e eu quero viver nela, passando pela cumplicidade de mais de seis anos com o Festival escrita na Paisagem, que lhes propiciou sempre residências criativas de relação com a comunidade, sentem que essa é não só uma afinidade como uma verdadeira vocação do seu trabalho e das suas metodologias.

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Ficha Técnica TnSJ

coordenação de produção Maria João Teixeiraassistência de produção Maria do céu Soares, Mónica Rochadireção de palco (adjunto) Emanuel Pinaassistência técnica Rui Miguel Simão

aPoioS TnSJ

aPoioS TEaTRo do VESTido

O Teatro do Vestido é uma estrutura financiada por

aPoioS à diVulgação

agRadEciMEnToS TnSJ

Câmara Municipal do PortoPolícia de Segurança PúblicaMr. Piano/Pianos – Rui Macedo

agRadEciMEnToS TEaTRo do VESTido

ACE, Ana Sousa, António Gonçalves, Ao Cabo Teatro. Ao Quim, à Júlia e aos outros dois. Armando e Elisabete Guerreiro Pereira, Best Western Hotel Inca, Campos de Barros, Carla Castro, Catarina Baptista, Catarina Vargas, Célia Pinto, Circolando, Cristina Silva, Esperança Sousa, Elisabete Araújo, Emília Pontes, Francisco Vilhena, Gabriela Macedo Pinto. Inês, Camila e Ema. Inês Saúde, Isabel, Jaime Garcia, Joana Sapinho, João Ferreira, João Tuna, Jorge Cordeiro, José Alberto e Nazaré Serafim, José António Leitão, José Reis, Luísa Faria, Luísa Leitão, Madalena Wallenstein, Manuel Moreira, Manuela Barros, Manuela Palma Barbosa, Marco da Silva Ferreira, Maria Gil, Maria José Solla, Maria Teresa Oliveira, Máquinas de Outros Tempos, Mónica Rocha, Mundo Perfeito, Nisa Félix, Nuno Fonseca, Pedras & Pêssegos, Pedro Gonçalves, Rui Miguel Simão, Sara Vaz, Simão Sapinho Frankel, Sofia Arriscado, Teresa Gentil. E toda a equipa do TNSJ.

Teatro do VestidoTravessa do Corpo Santo, 29, 2.º1200-131 LisboaT 91 838 88 [email protected]://teatrodovestido.org

Teatro nacional São JoãoPraça da Batalha4000-102 PortoT 22 340 19 00

Teatro carlos albertoRua das Oliveiras, 434050-449 PortoT 22 340 19 00

Mosteiro de São Bento da VitóriaRua de São Bento da Vitória4050-543 PortoT 22 340 19 00

[email protected]

Edição

departamento de Edições do TnSJdesign gráfico Joana Monteiroilustrações João Tuna impressão Multitema

Não é permitido filmar, gravar ou fotografar durante o espectáculo. O uso de telemóveis ou relógios com sinal sonoro é incómodo, tanto para os intérpretes como para os espectadores.

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