marx - o capital - livro 3. tomo 2 - os economistas

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os ECONOMISTAS

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Crítica da economia política de Marx. Volume 3, Tomo 2. Obra que aborda uma crítica radical à economia política clássica.

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  • os ECONOMISTAS

  • CIP-Brasil. Catalogao-na-Publicao Cmara Brasileira do Livro, SP

    Marx, Karl, 1818-1883. M355c O capital : crtica da economia poltica / Karl Marx ; apre-v.1-3 sentao de Jacob Gorender ; coordenao e reviso de Paul Sin-2.ed. ger ; traduo de Rgis Barbosa e Flvio R. Kothe. 2. ed.

    So Paulo : Nova Cultural, 1985-1986. (Os economistas)

    Contedo: v.l. , 1.1-2. O processo de produo do capital. v.2. O processo de circulao do capital. v.3., 1.1-2. O pro-cesso global da produo capitalista / editado por Friedrich Engels.

    1. Capital (Economia) 2. Economia 3. Economia marxista I. Gorender, Jac, 1923- II. Singer, Paul, 1932- III. Engels, Frie-drich, 1820-1895. IV. Ttulo. V. Srie.

    85-0508 17.

    17. CDD-335.411 18. -335.412 17. -332 18. -332.041

    e 18. -330

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Capital : Economia 332 (17.) 332.041 (18.) 2. Economia marxista 335.411 (17.) 335.412 (18.) 3. Economia poltica 330 (17. e 18.) 4. Marx, Karl, 1818-1883 : Conceitos econmicos 335.411 (17.)

    335.412 (18.)

  • KARL MARX

    O Capital

    Crtica da Economia Poltica

    Volume III

    Livro Terceiro

    O Processo Global da Produ Capitalista

    Tomo 2

    (Parte Segunda)

    Coordenao de Paul Singer Traduo de Rgis Barbosa e Flvio R. Kothe

    1986

    NOVA CULTURAL

  • Ttulo original:

    Das Kapital Kritik der politischen konomie

    Copyright desta edio, Editora Nova Cultural Ltda., So Paulo, 1985. - 2? edio, 1986.

    Direitos exclusivos sobre a traduo deste volume, Editora Nova Cultural Ltda., So Paulo.

  • LIVRO TERCEIRO*

    O Processo Global da Produo Capitalista

    Parte Segunda

    Esta traduo foi feita de MARX, Karl. Das Kapital Kritik der politischen konomie. Dritter Band. "Der Gesamtpro

    zess der kapitalistischen Produktion" In: Karl Marx Friedrich Engels Werke (MEW). Band 25. Dietz Verlag, Berlim, 1977.

    De acordo com a 4? edio revista e editada por Friedrich Engels. Hamburgo, 1890. (N. do Ed.)

    5

  • SEO V

    Diviso do Lucro em Juro e Ganho Empresarial. O Capital Portador de Juros (Continuao)

  • CAPTULO X X I X

    Partes Constitutivas do Capital Bancrio

    E necessrio agora examinar mais de perto em que consiste o capital bancrio. Acabamos de ver que Fullarton, entre outros, transforma a diferena entre o

    dinheiro como meio de circulao e o dinheiro como meio de pagamento (e tam-bm como dinheiro mundial, medida que se trata da exportao de ouro) numa diferena entre circulao (currency) e capital.

    O papel peculiar que o capital desempenha aqui faz com que, com a mesma insistncia com que a economia esclarecida procurava inculcar a idia de que di-nheiro no capital, essa economia de banqueiros trate de inculcar que, na realida-de, o dinheiro o capital par excellence.r

    Em nossas investigaes subseqentes mostraremos que aqui o capital mone-trio confundido com moneyed capital no sentido de capital portador de juros, enquanto, no sentido anterior, o capital monetrio sempre apenas uma forma tran-sitria do capital, diferenciada das outras formas do capital, do capital-mercadoria e do capital produtivo.

    O capital bancrio se compe de 1) dinheiro em espcie, ouro ou notas, e 2) de ttulos de valor. Estes podem ser divididos, por sua vez, em duas partes: ttulos comerciais, letras de cmbio, que so flutuantes, vencem de tempo a tempo e cujo desconto constitui o verdadeiro negcio do banqueiro; e ttulos pblicos de valor, como ttulos do Estado, ttulos do Tesouro, aes de todas as espcies, em sua, ttu-los portadores de juros, mas que se distinguem essencialmente das letras de cm-bio. Entre eles tambm podem ser includas as hipotecas. O capital composto desses elementos materiais divide-se, por sua vez, no capital de investimento do prprio banqueiro e nos depsitos que formam seu banking capital ou capital emprestado. Nos bancos com emisso de notas acrescentam-se ainda as notas. Deixaremos de lado, por enquanto, os depsitos e as notas. Isso claro: as partes constitutivas do capital bancrio dinheiro, letras de cmbio, ttulos depositados em nada se alteram se esses diferentes elementos representarem seu prprio capital ou depsi-tos, isto , o capital de outras pessoas. A mesma diviso permaneceria tanto se ele operasse seu negcio unicamente com capital prprio como se o fizesse unicamen-te com capital depositado com ele.

    rPor excelncia. (N. dos T.)

    9

  • 10 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    A forma de capital portador de juros faz com que cada rendimento monetrio determinado e regular aparea como juro de um capital, quer provenha de um ca-pital ou no. Primeiro, o rendimento monetrio convertido em juro e com o juro se acha ento o capital de que se origina. Do mesmo modo, com o capital portador de juros cada soma de valor aparece como capital, desde que no seja despendida como rendimento; a saber, como soma principal {principal) em anttese ao juro pos-svel ou real que pode proporcionar.

    A coisa simples: suponhamos que a taxa mdia de juros seja de 5% ao ano. Uma soma de 500 libras esterlinas, se transformada em capital portador de juros, proporcionaria portanto anualmente 25 libras esterlinas. Considera-se, \ssim, toda receita fixa anual de 25 libras esterlinas como juro de um capital de 500 libras ester-linas. Isso, entretanto, e permanece uma representao puramente ilusria, exce-tuado o caso em que a fonte das 25 libras esterlinas seja esta um simples ttulo de propriedade, respectivamente um crdito ou um elemento real de produo, co-mo, por exemplo, uma propriedade fundiria seja diretamente transfervel ou as-suma uma forma em que se torna transfervel. Tomemos como exemplos a dvida pblica e o salrio.

    O Estado tem de pagar anualmente a seus credores certo quantum de juros pelo capital emprestado. O credor, nesse caso, no pode pedir do devedor o reem-bolso, mas apenas vender o crdito, ou seja, seu ttulo de propriedade sobre ele. O prprio capital foi consumido, despendido pelo Estado. Ele j no existe. O que o credor do Estado possui 1) um ttulo de dvida contra o Estado, digamos de 100 libras esterlinas; 2) esse ttulo de dvida lhe d direito sobre as receitas anuais do Estado, isto , sobre o produto anual dos impostos, em determinado montante, digamos de 5 libras esterlinas ou 5%; 3) ele pode vender esse ttulo de dvida de 100 libras esterlinas quando quiser a outras pessoas. Se a taxa de juros for de 5%, supondo-se ainda a garantia do Estado, o proprietrio A pode, em regra, vender o ttulo de dvida por 100 libras esterlinas a B, pois para B o mesmo emprestar 100 libras esterlinas a 5% ao ano ou assegurar-se mediante o pagamento de 100 libras esterlinas um tributo anual do Estado, no montante de 5 libras esterlinas. Mas, em todos esses casos, o capital, do qual o pagamento feito pelo Estado considera-se um fruto 0ur)> permanece capital ilusrio, fictcio. A soma que foi emprestada ao Estado j no existe ao todo. Ela em geral jamais se destinou a ser despendida, investida como capital, e apenas por seu investimento como capital ela teria podido converter-se num valor que se conserva. Para o credor original A, a parte que lhe cabe dos impostos anuais representa o juro de seu capital, do mesmo modo que para o usurrio, a parte que lhe cabe do patrimnio do prdigo, embora em ambos os casos a soma emprestada de dinheiro no tenha sido despendida como capital. A possibilidade de vender o ttulo de dvida contra o Estado representa para A o refluxo possvel da soma principal. Quanto a B, de seu ponto de vista particular, seu capital est investido como capital portador de juros. Virtualmente, ele apenas apareceu no lugar de A, cujo crdito contra o Estado ele comprou. Por mais que essas transaes se multipliquem, o capital da dvida pblica permanece puramente fictcio, e a partir do momento em que os ttulos de dvida se tornam invendveis, desaparece a aparncia desse capital. No obstante, como logo veremos, esse capi-tal fictcio tem seu prprio movimento.

    Em anttese ao capital da dvida pblica, onde um menos aparece como capital sendo o capital portador de juros, em geral, a matriz de todas as formas alouca-das, de modo que, por exemplo, na concepo do banqueiro, dvidas podem apa-recer como mercadorias , queremos agora considerar a fora de trabalho. Nesse caso, concebe-se o salrio como juro e, por conseguinte, a fora de trabalho como o capital que proporciona esse juro. Se, por exemplo, o salrio de um ano de 50 libras esterlinas e a taxa de juros de 5%, ento a fora de trabalho anual equivale

  • PARTES CONSTITUTIVAS DO CAPITAL BANCRIO 11

    a um capital de 1 000 libras esterlinas. A loucura da concepo capitalista atinge a seu pice: em vez de explicar a valorizao do capital pela explorao da fora de trabalho, , ao contrrio, a produtividade da fora de trabalho que explicada pela circunstncia de que a prpria fora de trabalho esta coisa mstica, capital portador de juros. Na segunda metade do sculo XVII (por exemplo, em Petty), essa era uma concepo favorita, mas ainda hoje ela utilizada com toda seriedade em parte por economistas vulgares e em parte e principalmente por estatsticos ale-mes.1 Infelizmente, duas circunstncias que contrariam desagradavelmente essa concepo irracional aparecem aqui: primeiro, o trabalhador tem de trabalhar para obter esse juro e, segundo, no pode converter, por meio de transferncia, o valor-capital de sua fora de trabalho em prata. Pelo contrrio, o valor anual de sua fora de trabalho igual a seu salrio mdio anual, e o que ele tem de repor mediante seu trabalho a seu comprador esse prprio valor plus a mais-valia, a valorizao da mesma. No sistema escravista, o trabalhador tem um valor-capital, seu preo de compra. E quando alugado, o locatrio tem de pagar o juro do preo de compra e, por cima, de repor a depreciao anual do capital.

    A formao do capital fictcio chama-se capitalizao. Cada receita que se repe-te regularmente capitalizada em se a calculando na base da taxa mdia de juros, como importncia que um capital, emprestado a essa taxa de juros, proporcionaria; se, por exemplo, a receita anual = 100 libras esterlinas e a taxa de juros = 5%, ento as 100 libras esterlinas seriam o juro anual de 2 000 libras esterlinas, e essas 2 000 libras esterlinas so agora consideradas o valor-capital do ttulo jurdico de propriedade sobre as 100 libras esterlinas anuais. Para quem compra esse ttulo de propriedade, a receita anual de 100 libras esterlinas representa ento, de fato, os juros de seu capital investido a 5%. Toda a conexo com o processo real de valori-zao do capital se perde assim at o ltimo vestgio, e a concepo do capital como autmato que se valoriza por si mesmo se consolida.

    Mesmo l onde o ttulo de dvida o ttulo de valor no representa, como no caso das dvidas pblicas, um capital puramente ilusrio, o valor-capital desse ttulo puramente ilusrio. Viu-se acima como o sistema de crdito gera capital as-sociado. Os papis so considerados ttulos de propriedade que representam esse capital. As aes de companhias ferrovirias, de minerao, de navegao etc. re-presentam capital real, a saber, o capital investido e que funciona nessas empresas, ou a soma de dinheiro que adiantada pelos scios para ser despendida em tais empresas como capital. Do que no se exclui, de modo algum, a possibilidade de que representem mera fraude. Mas esse capital no existe duplamente, uma vez co-mo valor-capital dos ttulos de propriedade, das aes, e outra vez como capital real-mente investido ou a investir naquelas empresas. Ele existe apenas nesta ltima forma, e a ao nada mais que um ttulo de propriedade, pro raia, sobre a mais-valia a realizar por aquele capital. A pode vender esse ttulo a B e B a C. Essas transa-es em nada alteram a natureza da coisa. A ou B transformou ento seu ttulo em capital, mas C transformou seu capital em mero ttulo de propriedade sobre a mais-valia a ser esperada do capital acionrio.

    O movimento autnomo do valor desses ttulos de propriedade, no apenas dos ttulos da dvida pblica, mas tambm das aes, confirma a aparncia, como se eles constitussem^ capital real ao lado do capital ou do direito ao qual possivel-mente dem ttulo. E que se tornam mercadorias cujo preo tem um movimento e uma fixao peculiares. Seu valor de mercado obtm uma determinao diferente

    l u O trabalhador tem valor-capital, quando se considera o valor monetrio de seu salrio anual como juro. (...) Se (...) se

    capitalizam as taxas mdias do salrio mdio dirio a 4%, ento se obtm como valor mdio de um trabalhador agrcola

    do sexo masculino: na ustria alem, 1 500 tleres; na Prssia, 1 500; na Inglaterra, 3 750; na Frana, 2 000; no interior

    da Rssia, 750" (REDEN, Von. Vergleichende Kulturstatistik. Berlim, 1848. p. 434.)

  • 12 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    de seu valor nominal, sem que o valor (ainda que a valorizao) do capital real se altere. Por um lado, seu valor de mercado flutua com o montante e a segurana dos rendimentos, sobre os quais do ttulo legal. Se o valor nominal de uma ao, isto , a soma recebida, que a ao originalmente representa, de 100 libras esterli-nas e se a empresa, em vez de 5%, proporciona 10%, seu valor de mercado, com as demais circunstncias constantes e com uma taxa de juros de 5%, sobe para 200 libras esterlinas, pois capitalizada a 5% a ao representa um capital fictcio de 200 libras esterlinas. Quem a compra por 200 libras esterlinas obtm desse investimento de capital um rendimento de 5%. Ocorre o contrrio quando diminui o rendimento da empresa. O valor do mercado desses papis em parte especulativo, pois no determinado apenas pela receita real, mas tambm pela esperada, calculada por antecipao. Mas, pressuposta a valorizao do capital real como constante ou, on-de no existe capital, como no caso das dvidas pblicas, pressuposto o rendimento anual como fixado legalmente e tambm antecipado com suficiente segurana, en-to o preo desses papis de crdito sobe e cai na razo inversa da taxa de juros. Se a taxa de juros sobe de 5% para 10%, ento um ttulo de valor que assegura um rendimento de 5 libras esterlinas representa apenas um capital de 50 libras es-terlinas. Se a taxa de juros cai para 2 1/2%, ento o mesmo ttulo de valor repre-senta um capital de 200 libras esterlinas. Seu valor sempre apenas o rendimento capitalizado, isto , o rendimento calculado sobre um capital ilusrio, com base na taxa de juros vigente. Em tempos de aperto no mercado de dinheiro, o preo desses ttulos cair de dupla maneira; primeiro, porque a taxa de juros sobe e, segundo, porque so lanados em massa ao mercado, para serem realizados em dinheiro. Essa queda de preo ocorre independentemente da circunstncia de que o rendi-mento que esses papis asseguram a seu possuidor, seja constante, como no caso dos ttulos de dvida pblica, ou de que ^valorizao do capital real, que eles repre-sentam, como no caso das empresas industriais, seja possivelmente atingida pela perturbao do processo de reproduo. Neste ltimo caso, acrescenta-se desva-lorizao mencionada ainda uma outra. Passada a tempestade, esses papis voltam a subir ao nvel anterior, medida que no representem empresas falidas ou frau-dulentas. Sua desvalorizao na crise atua como meio poderoso para a centraliza-o das fortunas em dinheiro.2

    Na medida em que a desvalorizao ou valorizao desses ttulos indepen-dente do movimento de valor do capital real que eles representam, a riqueza de uma nao exatamente do mesmo tamanho tanto antes quanto depois da desva-lorizao ou valorizao.

    "Ern 23 de outubro de 1847, os fundos pblicos e as aes dos canais e das ferrovias j estavam desvalorizados num montante de 114 752 225 libras esterlinas." (Morris, go-vernador do Banco da Inglaterra, depoimento no relatrio sobre Commercial Distress, 1847/48 [n 3800].)

    Na medida em que sua desvalorizao no exprimia uma paralisao real da produo e do trfego em ferrovias e canais ou o abandono de empreendimentos

    2 (Imediatamente aps a revoluo de fevereiro, quando em Paris mercadorias e ttulos de valor estavam extremamente

    desvalorizados e se tornaram totalmente invendveis, um comerciante suo em Liverpool, o Sr. R. Zwilchenbart (que con-

    tou isso a meu pai), converteu em dinheiro tudo o que pde, viajou com o dinheiro em espcie para Paris e procurou

    Rothschild, propondo-lhe fazer um negcio comum. Rothschild o olhou fixamente, atirou-se sobre ele, segurando-o pelos

    ombros: "Avez-vous de l'argent sur vous?" "Oui, M. le baron" "Alors vous tes mon homme!" E ambos fizeram

    um brilhante negcio. F. E.)

    a "0 senhor tem dinheiro consigo?" "Sim, Sr. Baro" "Ento o meu homem!"

  • PARTES CONSTITUTIVAS DO CAPITAL BANCRIO 13

    iniciados ou o desperdcio de capital em empresas positivamente sem valor, a na-o no empobreceu nem de um centavo pelo estouro dessas bolhas de sabo de capital monetrio nominal.

    Todos esses papis representam de fato apenas direitos acumulados, ttulos ju-rdicos sobre produo futura, cujo valor monetrio ou valor-capital ou no repre-senta capital algum, como no caso da dvida pblica, ou regulado independente-mente do valor do capital real que representam.

    Em todos os pases de poduo capitalista existe uma massa enorme do assim chamado capital portador de juros ou morxeye capital nessa forma. E por acumu-lao do capital monetrio em grande parte deve ser entendido apenas a acumula-o desses direitos sobre a produo, acumulao do preo de mercado, do valor-capital ilusrio desses direitos.

    Parte do capital baficrio , pois, investida nesses assim chamados papis por-tadores de juros. Ela mesma constitui parte do capital de reserva que no funciona no negcio bancrio real. A parte mais importante consiste em letras de cmbio, isto , promessas de pagamento de capitalistas industriais ou comerciantes. Para o prestamista de dinheiro, essas letras de cmbio so papis portadores de juros: ao compr-las, ele deduz o juro pelo tempo que falta at o vencimento. Isso o que se chama descontar. Depende, pois, da taxa de juros em cada momento a grandeza da deduo da soma que a letra de cmbio representa.

    A ltima parte do capital do banqueiro, por fim, consiste em sua reserva mone-tria em ouro ou notas. Os depsitos, quando no comprometidos por prazo maior, esto sempre disposio dos depositantes. Encontram-se em flutuao constante. Mas, quando retirados por uns, so repostos por outros, de modo que, em tempos de negcios normais, o montante mdio geral flutua pouco.

    Os fundos de reserva dos bancos, em pases de produo capitalista desenvol-vida, expressam sempre, em mdia, a grandeza do dinheiro existente como tesouro, e parte desse tesouro consiste, por sua vez, em papis, meros direitos sobre ouro, mas que no constituem valores em si. A maior parte do capital bancrio , portan-to, puramente fictcia e consiste em ttulos de dvidas (letras de cmbio), ttulos de dvida pblica (que representam capital passado) e aes (direitos sobre rendimento futuro). No se deve esquecer que o valor monetrio do capital que esses papis nas caixas fortes do banqueiro representam mesmo medida que so direitos sobre rendimentos seguros (como no caso dos ttulos da dvida pblica) ou medi-da que so ttulos de propriedade de capital real (como no caso das aes) completamente fictcio e que regulado de modo a se desviar do valor do capital real que, pelo menos parcialmente, representam; ou onde representam mero direito a rendimentos e no capital, o direito ao mesmo rendimento se expressa num mon-tante sempre varivel de capital monetrio fictcio. Alm disso, esse capital fictcio do banqueiro, em grande parte, no representa seu prprio capital, mas o do pbli-co, que o deposita com ele, com ou sem juros.

    Os depsitos so sempre feitos em dinheiro, em ouro ou notas ou em direitos sobre estes. Excetuado o fundo de reserva, que conforme as necessidades da circu-lao real se contrai ou se expande, esses depsitos se encontram na realidade sempre nas mos, de um lado, dos capitalistas industriais e comerciantes, cujas letras de cmbio so descontadas com eles ou aos quais so feitos adiantamentos com eles; de outro lado, nas mos de negociantes de ttulos de valor (corretores de Bolsa) ou nas mos de particulares que vendem seus ttulos de valor, ou nas mos do Go-verno (no caso de ttulos do Tesouro e de novos emprstimos). Os prprios depsi-tos desempenham duplo papel. Por um lado, como acabamos de expor, so emprestados como capital portador de juros e, portanto, no se encontram nas cai-xas dos bancos, mas figuram apenas em sua contabilidade como crdito dos depo-sitantes. Por outro lado, funcionam como meros registros contbeis, medida que

  • 14 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    os crditos recprocos dos depositantes se equalizam mediante cheques sobre seus

    depsitos e so compensados entre si; no que inteiramente indiferente se os de-

    psitos se encontram junto ao mesmo banqueiro, de modo que este compensa as

    diversas contas mutuamente, ou se isso se d em bancos diferentes, que trocam

    os cheques entre si e apenas pagam as diferenas.

    Com o desenvolvimento do capital portador de juros e do sistema de crdito,

    todo capital parece duplicar e s vezes triplicar pelo modo diverso em que o mesmo

    capital ou simplesmente o mesmo ttulo de dvida aparece, em diferentes mos, sob

    diversas formas.3 A maior parte desse "capital monetrio" puramente fictcia. To-

    dos os depsitos, excetuado o fundo de reserva, so apenas crditos contra o ban-

    queiro, mas nunca existem em depsito. A medida que servem para operaes de

    compensao, funcionam como capital para os banqueiros, depois de estes os te-

    rem emprestado. Eles pagam entre si os direitos recprocos sobre os depsitos no

    existentes mediante compensao mtua desses crditos.

    A. Smith, com respeito ao papel que o capital desempenha nos emprstimos

    de dinheiro, diz:

    "Mesmo nos negcios monetrios, no entanto, o dinheiro , por assim dizer, apenas a adjudicao que transfere de uma mo para outra os capitais para os quais seus pro-prietrios no tm aplicao. Esses capitais podem exceder em quase qualquer propor-o o montante de dinheiro que serve de instrumento para sua transferncia; as mesmas peas de dinheiro servem sucessivamente tanto para muitos emprstimos diferentes quanto para muitas compras diferentes. Por exemplo, A empresta a W 1 000 libras esterlinas, com as quais W compra imediatamente de B mercadorias por 1 000 libras esterlinas. Como B, ele mesmo, no tem aplicao para o dinheiro, ele empresta as mesmas peas de dinheiro a X, com as quais X imediatamente compra mercadorias por 1 000 libras esterlinas de C. Da mesma maneira e pelo mesmo motivo, C empresta o dinheiro a Y, que compra com ele mercadorias de D. Assim, as mesmas peas de ouro ou de pa-pel podem no decorrer de poucos dias servir para mediar trs emprstimos diferentes e trs compras diferentes dos quais cada um igual ao valor do montante global dessas peas. O que os trs homens de dinheiro A, B e C transferiram aos trs muturios W, X e Y o poder de fazer essas compras. Nesse poder consiste tanto o valor quanto a utilidade desses emprstimos. O capital emprestado pelos trs homens de dinheiro igual ao valor das mercadorias que com ele podem ser compradas, e trs vezes maior que o valor do dinheiro com que se efetuam as compras. Apesar disso, todos esses em-prstimos podem ser completamente seguros, pois as mercadorias compradas pelos di-ferentes devedores com eles so empregadas de tal maneira que, no devido tempo, do um retorno de valor igual em ouro ou papel-moeda, inclusive um lucro. E do mesmo modo que as mesmas peas de dinheiro podem servir para a mediao de emprstimos

    3 (Essa duplicao e triplicao de capital desenvolveu-se consideravelmente nos ltimos anos, por exemplo, pelos finan-

    cial trusts, que j ocupam uma rubrica especial no boletim da Bolsa de Londres. Constitui-se uma sociedade para a compra

    de certa classe de papis portadores de juros, digamos, ttulos pblicos estrangeiros, ttulos da dvida municipal inglesa ou

    da dvida pblica americana, aes ferrovirias etc. O capital de, digamos, 2 milhes de libras esterlinas conseguido me-

    diante a subscrio de aes; a direo compra os valores correspondentes ou especula mais ou menos ativamente com

    eles, e distribui os juros anuais obtidos depois de descontar os custos como dividendo entre os acionistas. Alm disso,

    entre algumas sociedades por aes apareceu o costume de dividir as aes comuns em duas classes, preferreda e defer-

    red.b As preferred recebem um juro fixo, digamos de 5%, pressupondo que o lucro global o permita; se restar algo, recebem-

    no as deferred. Dessa maneira, o investimento "slido" nas preferred mais ou menos separado da especulao propria-

    mente dita nas deferred. Como algumas grandes empresas no quiseram sujeitar-se a essa nova moda, houve casos em

    que se constituram sociedades que investiram um ou vrios milhes de libras esterlinas nas aes daquelas e, em seguida,

    pelo valor nominal dessas aes, emitiram novas, sendo metade de preferred e metade de deferred. Nestes casos, as aes

    originadas so duplicadas, ao servir de base para a emisso de novas aes. F. E.)

    aPreferenciais bDiferidas.

  • PARTES CONSTITUTIVAS DO CAPITAL BANCRIO 15

    diferentes at trs ou mesmo trinta vezes seu valor, elas podem servir, sucessivamente, de novo como meio de restituio". (Livro Segundo, Cap. IV.2")

    Assim como a mesma pea de dinheiro pode efetuar diferentes compras, con-forme a velocidade de sua circulao, ela pode servir igualmente para realizar dife-rentes emprstimos, pois as compras fazem-na passar de uma mo para outra e o emprstimo apenas uma transferncia de uma mo para outra, que no me-diada por nenhuma compra. Para cada um dos vendedores, o dinheiro representa a forma transmutada de sua mercadoria; hoje em dia, em que todo valor expres-so como valor-capital, ele representa nos diversos emprstimos, sucessivamente, di-ferentes capitais, o que constitui apenas outra maneira de expressar a proposio anterior de que ele pode realizar, sucessivamente, diferentes valores-mercadorias. Ao mesmo tempo, serve como meio de circulao para transferir os capitais mate-riais de uma mo para outra. Nos emprstimos, no passa de uma mo para outra como meio de circulao. Enquanto permanece nas mos do prestamista, ele no meio de circulao, mas existncia de valor de seu capital. E nessa forma que este o transfere, via emprstimo, a um terceiro. Se A tivesse emprestado o dinheiro a B, e B a C, sem a mediao das compras, o mesmo dinheiro no representaria trs capitais, mas apenas um, somente um valor-capital. Quantos capitais ele real-mente representa depende de quantas vezes funciona como forma-valor de diferen-tes capitais-mercadorias.

    O mesmo que A. Smith diz dos emprstimos em geral aplica-se aos depsitos, que so apenas um nome especfico para os emprstimos que o pblico faz aos banqueiros. As mesmas peas de dinheiro podem servir como instrumento para um nmero qualquer de depsitos.

    ttE inquestionavelmente verdadeiro que as 1 000 libras esterlinas que algum hoje de-posita com A so despendidas de novo amanh para formar um depsito com B. No dia seguinte, desembolsadas por B, podem formar um depsito com C, e assim por diante, at o infinito. As mesmas 1 000 libras esterlinas em dinheiro podem, por isso, mediante uma srie de transferncias, multiplicar-se numa soma absolutamente indeterminvel de depsitos. E possvel, portanto, que 9/10 de todos os depsitos do Reino Unido no tenham outra existncia alm de seu registro nos livros dos banqueiros, que, por sua vez, tm de prestar conta deles. (...) Assim, por exemplo, na Esccia, onde a circulao monetria jamais excedeu 3 milhes de libras esterlinas, os depsitos no entanto atin-gem 27 milhes. Se no houver uma corrida geral aos bancos pelos depsitos, as mes-mas 1 000 libras esterlinas, voltando pelo mesmo caminho, poderiam cancelar, com a mesma facilidade, uma soma igualmente indeterminvel. Uma vez que as mesmas 1 000 libras esterlinas com as quais hoje algum cancela uma dvida a um negociante, podem amanh cancelar a dvida deste ao comerciante e no dia seguinte a dvida do comer-ciante ao banco, e assim por diante, sem fim; do mesmo modo as mesmas 1 000 libras esterlinas podem passar de mo em mo e de banco em banco e saldar qualquer soma imaginvel de depsitos" (The Currency Theory Reviewed. p. 62-63.)

    Como nesse sistema de crdito tudo se duplica e triplica e se transforma em mera quimera, isso tambm se aplica ao "fundo de reserva", onde por fim se supu-nha agarrar algo slido.

    Ouamos de novo o Sr. Morris, governador do Banco da Inglaterra:

    aAs reservas dos bancos particulares encontram-se nas mos do Banco da Inglaterra, na forma de depsitos. A primeira conseqncia de uma exportao de ouro parece

    2 'SMITH. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Londres, Aberdeen, 1848. p. 236. (N. da Ed.

    Alema.)

  • 16 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    afetar apenas o Banco da Inglaterra; mas atingiria tambm as reservas dos outros ban-cos, pois a retirada de parte da reserva que eles possuem em nosso Banco. Do mes-mo modo, afetaria as reservas de todos os bancos provinciais". (Commercial Distress, 1847/48 [n 3639, 3642].)

    Finalmente, os fundos de reserva se reduzem, pois, na realidade, ao fundo de reserva do Banco da Inglaterra.4 Mas tambm esse fundo de reserva, por sua vez, tem existncia dupla. O fundo de reserva do banking department?' igual ao ex-cesso de notas, que o banco est autorizado a emitir, sobre as notas que esto em circulao. O mximo legal das notas a serem emitidas = 14 milhes (pelo qual no se exige reserva metlica; aproximadamente o montante da dvida do Estado ao Banco) mais o montante de reservas de metais preciosos do Banco. Se, portan-to, essas reservas = 14 milhes de libras esterlinas, ento o Banco pode emitir em notas 28 milhes de libras esterlinas, e se destas 20 milhes circulam, ento o fundo de reserva do banking department = 8 milhes. Esses 8 milhes em notas consti-tuem ento, legalmente, o capital do banqueiro, do qual o Banco tem de dispor e, ao mesmo tempo, o fundo de reserva para seus depsitos. Se ocorrer uma ex-portao de ouro que reduza a reserva metlica em 6 milhes pelo que o mes-mo montante em notas tem de ser destrudo , a reserva do banking department cairia de 8 para 2 milhes. Por um lado, o Banco elevaria ento consideravelmente

    4 (Como isso desde ento se acentuou, demonstra a seguinte relao, extrada do Da/y News de 15 de dezembro de 1892,

    das reservas bancrias dos 15 maiores bancos de Londres em novembro de 1892:

    Passivo Reservas em

    Nome do banco espcie %

    Libras esterlinas

    City 9 317 629 746 551 8,01

    Capital and Counties 11 392 744 1 307 483 11,47

    Imperial 3 987 744 447 157 11,47

    Lloyds 23 800 937 2 966 806 12,46

    London and Westminster 24 671 559 3 818 885 15,50

    London and S. Western . 5 570 268 812 353 14,58

    London Joint Stock 12 127 993 1 288 977 10,62

    London and Midland 8 814 499 1 127 280 12,79

    London and County 37 111 035 3 600 374 9,70

    National 11 163 829 1 426 225 12,77

    National Provincial 41 907 384 4 614 780 11,01

    Parrs and the Alliance .... 12 794 489 1 532 707 11,98

    Prescott and Co 4 041 058 538 517 13,07

    Union of London 15 502 618 2 300 084 14,84

    Williams, Deacon, and

    Manchester! & Co. 10 452 381 1 317 628 12,60

    Total 232 655 823 27 317 807 11,97

    Dessas reservas de quase 28 milhes, pelo menos 25 milhes esto depositadas no Banco da Inglaterra, e no mximo

    3 milhes em espcie nos cofres dos 15 bancos. As reservas em espcie do departamento bancrio do Banco da Inglaterra,

    porm, no mesmo ms de novembro de 1892, nunca atingiram um montante de 16 milhes! F. E.j

    3*Departamento bancrio. (N. dos T.)

  • PARTES CONSTITUTIVAS DO CAPITAL BANCRIO 17

    sua taxa de juros; por outro, os bancos que nele tm depsitos e os outros deposi-

    tantes veriam diminuir consideravelmente o fundo de reserva para seus prprios cr-

    ditos no Banco. Em 1857, os quatro maiores bancos por aes de Londres amea-

    aram, se o Banco da Inglaterra no conseguisse uma "carta do Governo" suspen-

    dendo5 a lei bancria de 1844,4 ', retirar seus depsitos, com o que o banking de-partment estaria falido. Assim, o banking department pode falir, como em 1847, enquanto no issue department5' esto quantos milhes se queiram (por exemplo, 8 milhes em 1847), como garantia da conversibilidade das notas em circulao.

    Mas isso por sua vez uma iluso.

    uGrande parte dos depsitos, para a qual os prprios banqueiros no tm procura imediata, passa s mos dos bill-brokers" (literalmente, corretores de letras de cmbio, virtualmente, meio-banqueiros) "que entregam ao banqueiro em troca, como garantia por seu adiantamento, letras de cmbio comerciais que eles j descontaram para pes-soas de Londres e das provncias. O bill-broker responsvel perante o banqueiro pelo reembolso desse money at cair jdinheiro imediatamente reembolsvel quando solicita-do); ae esses negcios so de tal magnitude que o Sr. Neave, o atual governador do Banco" |da Inglaterra), "diz, em seu depoimento: 'Sabemos que um broker tinha 5 mi-lhes, e temos razes para supor que outro tinha entre 8 e 10 milhes; um tinha 4, outro 3 1/2, um terceiro mais de 8. Falo de depsitos com os brokersm (Report of Com-mittee on Bank Acts, 1857/58. p. V, 8.)

    uOs bill-brokers de Londres (...) realizavam seus enormes negcios sem nenhuma re-serva em espcie; confiavam nas entradas pelas letras que se venciam sucessivamente ou, em caso de necessidade, em seu poder de obter adiantamentos do Banco da Ingla-terra contra depsito das letras por eles descontadas." [Ib.y p. VIII, 17.]

    aDuas firmas de bill-brokers em Londres suspenderam seus pagamentos, em 1847; ambas retoma-ram os negcios mais tarde. Em 1857, suspenderam-nos novamente. Em 1847, o pas-sivo de uma das firmas era, em nmeros redondos, de 2,683 milhes de libras esterlinas, para um capital de 180 mil libras esterlinas; seu passivo em 1857 era = 5,3 milhes de libras esterlinas, enquanto o capital provavelmente no ultrapassava 1/4 do que fora em 1847. O passivo da outra firma esteve das duas vezes entre 3 e 4 milhes, para um capital de no mais de 45 mil libras esterlinas." (Jb., p. XXI, 52.)

    5 (A suspenso da lei bancria de 1844 permite ao Banco emitir a quantidade que desejar de notas de banco, sem consi-

    derar sua cobertura pela reserva de ouro que se encontra em suas mos; criar, portanto, as quantidades que desejar de

    capital monetrio fictcio de papel e com ele fazer adiantamentos aos bancos e corretores de letras de cmbio e, por meio

    deles, ao comrcio.]

    4"Ver O Capital. So Paulo, Abril Cultural*; 1984. v. III, t. 1, cap. XXV, nota T. 5"Departamento de emisso. (N. dos T.)

  • CAPTULO X X X

    Capital Monetrio e Capital Real I

    Os nicos problemas difceis de que nos aproximamos agora, em conexo com o sistema de crdito, so os seguintes:

    Primeiro: A acumulao do capital monetrio propriamente dito. At que pon-to e at que ponto no indicadora de acumulao real de capital, isto , de re-produo em escala ampliada? A assim chamada pletora do capital, uma expresso que sempre se aplica somente ao capital portador de juros, isto , ao capital monetrio, apenas uma maneira especial d expressar a superproduo industrial ou ela constitui um fenmeno particular ao lado dela? Coincide essa pletora, essa superoferta de capital monetrio, com a existncia de massas de dinheiro estagnadas (barras, moe-das de ouro e notas de banco), de modo que esse excesso de dinheiro real ex-presso e forma de manifestao daquela pletora de capital de emprstimo?

    E segundo: At que ponto o aperto monetrio, isto , a escassez de capital de emprstimo, expressa uma escassez de capital real (capital-mercadoria e capital pro-dutivo)? At que ponto ele coincide, por outro lado, com a escassez de dinheiro enquanto tal, escassez de meios de circulao?

    Na medida em que observamos a forma peculiar da acumulao do capital mo-netrio e da riqueza monetria em geral, at agora, ela se reduziu acumulao de direitos da propriedade sobre o trabalho. A acumulao do capital da dvida p-blica significa, conforme se mostrou, apenas a multiplicao de uma classe de cre-dores do Estado autorizados a retirar antecipadamente para si certas somas do mon-tante dos impostos.6 Nesses fatos, de que at uma acumulao de dvidas pode aparecer como acumulao de capital, se revela o pice da distoro que tem lugar no sistema de crdito. Esses certificados de dvida, que so emitidos sobre o capital

    6 Os ttulos pblicos so apenas o capital imaginrio que representa a parte da receita anual destinada a pagar as dvidas.

    Um capital de mesma grandeza foi dissipado; este serve como denominador para o emprstimo, mas no o que o ttulo

    pblico representa; pois o capital j no existe ao todo. No meio tempo^ novas riquezas devem surgir do trabalho da inds-

    tria; uma parte anual dessas riquezas destinada, de antemo, queles que emprestaram aquelas riquezas dissipadas; essa

    parte tirada, mediante impostos, daqueles que produzem as riquezas, para ser dada aos credores do Estado, e, de acordo

    com a proporo habitual no pas entre capital e juros, supe-se um capital imaginrio, com a mesma grandeza do capital

    de que poderia surgir a renda anual que os credores tm a receber" (SISMONDI. Nouueaux Prncipes. II, p. 229-230.)

    19

  • 2 0 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    originalmente emprestado e h muito despendido, essas duplicatas de papel de ca-pital extinto, funcionam como capital para seus proprietrios na medida em que so mercadorias vendveis e, por isso, podem ser retransformados em capital.

    Os ttulos de propriedade sobre empresas por aes, ferrovias, minas etc. so, de fato, conforme igualmente vimos, ttulos sobre capital real. Entretanto, no do possibilidade de dispor desse capital. Ele no pode ser retirado. Apenas do direitos a uma parte da mais-valia a ser produzida pelo mesmo. Mas esses ttulos se tornam tambm duplicatas de papel do capital real, como se o conhecimento de carga re-cebesse um valor alm do da carga e simultaneamente com ela. Tornam-se repre-sentantes nominais de capitais inexistentes. Pois o capital real existe a seu lado e no muda ao todo de mos pelo fato de essas duplicatas mudarem de mos. Tomam-se formas do capital portador de juros, no apenas por assegurar certos rendimen-tos, mas tambm porque, pela venda, pode ser conseguido seu reembolso como valores-capitais. Na medida em que a acumulao desses papis expressa a acu-mulao de ferrovias, minas, navios etc., ela expressa a ampliao do processo real de reproduo, do mesmo modo que a ampliao de uma relao de impostos so-bre, por exemplo, bens mveis indica a expanso desses bens. Mas, como duplica-tas que so, em si mesmas, negociveis como mercadorias e, por isso, circulam como valores-capitais, elas so ilusrias e seu montante de valor pode cair ou subir de modo inteiramente independente do movimento de valor do capital real, sobre o qual so ttulos. O montante de seu valor, isto , sua cotao na Bolsa, tem neces-sariamente a tendncia a subir com a queda da taxa de juros, na medida em que esta, independentemente dos movimentos peculiares do capital monetrio, sim-ples conseqncia da queda tendencial da taxa de lucro; de modo que, essa rique-za imaginria, de acordo com a expresso de valor de cada uma de suas partes alquotas de determinado valor nominal original, s por essa razo se expande com o desenvolvimento da produo capitalista.7

    Ganhar e perder pelas flutuaes de preo desses ttulos de propriedade, bem como sua centralizao nas mos dos reis das ferrovias etc., torna-se virtualmente mais e mais resultado do jogo, que toma o lugar do trabalho, como modo original de adquirir propriedade do capital, e tambm o lugar da violncia direta. Essa esp-cie de riqueza monetria imaginria no apenas constitui uma parte muito conside-rvel da riqueza monetria dos particulares, mas tambm do capital dos banqueiros, conforme j mencionamos.

    Poder-se-ia tambm entender por acumulao do capital monetrio men-cionamos isso s de passagem para liquid-lo rapidamente a acumulao da ri-queza nas mos dos banqueiros (prestamistas de dinheiro por profisso), como mediadores entre os capitalistas monetrios privados, por um lado, e o Estado, os municpios e os muturios reprodutores, por outro; pelo fato de que toda a enorme expanso do sistema de crdito, todo o crdito em geral, explorada por eles como se fosse seu capital privado. Esses sujeitos possuem o capital e a receita sempre em forma monetria ou em direitos diretos sobre dinheiro. A acumulao da fortuna dessa classe pode efetuar-se em direo bem diversa da acumulao real; demons-tra, porm, em todo caso, que essa classe embolsa boa parte desta ltima.

    Para examinar a questo em pauta em limites mais estreitos: ttulos estatais, as-sim como aes e outros ttulos de todas as espcies, so esferas de investimento para capital emprestvel, para capital destinado a se tomar portador de juros. So

    7 Parte do capital monetrio acumulado e emprestvel , na realidade, mera expresso de capital industrial. Quando, por

    exemplo, a Inglaterra, por volta de 1857, investiu 80 milhes de libras esterlinas em ferrovias americanas e outros empreen-

    dimentos, esse investimento foi quase exclusivamente mediado pela exportao de mercadorias inglesas pelas quais os ame-

    ricanos no tiveram que fazer nenhum pagamento. Contra essas mercadorias, o exportador ingls emitia letras sobre a

    Amrica, as quais eram compradas pelos acionistas ingleses e enviadas para a Amrica como pagamento dos montantes

    em aes.

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 2 1

    formas de emprest-lo. Mas no so, eles mesmos, o capital de emprstimo que investido neles. Por outro lado, medida que o crdito desempenha um papel direto no processo de reproduo: do que o industrial ou o comerciante precisa, quando quer que se lhe desconte letras ou se lhe conceda um emprstimo, no so de aes nem de ttulos estatais. Ele precisa de dinheiro. Ele empenha ou vende, portanto, aqueles papis se no puder arrumar o dinheiro de outro modo. E a acumulao desse capital de emprstimo que temos de examinar aqui, e espe-cialmente a do capital emprestvel monetrio. No se trata aqui de emprstimos de casas, mquinas ou outro capital fixo. No se trata tambm dos adiantamentos que os industriais e comerciantes fazem entre si em mercadorias, dentro do crculo do processo de reproduo; embora tenhamos de examinar antes esse ponto, mais de perto; trata-se exclusivamente dos emprstimos em dinheiro que so feitos pelos ban-queiros, como intermedirios, aos industriais e comerciantes.

    Comecemos, pois, com a anlise do crdito comercial, isto , do crdito que os capitalistas ocupados na reproduo se concedem mutuamente. Ele constitui a base do sistema de crdito. Seu representante a letra de cmbio, certificado de dvida com prazo determinado de vencimento, document of deferred payment.r

    Cada um d crdito com uma mo e recebe crdito com a outra. Abstraiamos, por enquanto, do crdito bancrio que constitui outro momento, essencialmente dife-rente. A medida que essas letras circulam entre os prprios comerciantes de novo como meio de pagamento, mediante endosso de um para outro, mas em que o desconto no interfere, trata-se somente de uma transferncia do ttulo de crdito de A para B e no altera absolutamente nada no contexto. Apenas coloca uma pes-soa no lugar de outra. E mesmo nesse caso, a liquidao pode efetuar-se sem inter-ferncia de dinheiro. O fiandeiro A, por exemplo, tem de pagar uma letra ao corretor de algodo B, e este ao importador C. Se agora C tambm exporta fio, o que fre-qentemente acontece, pode comprar fio de A com letras, e o fiandeiro A pode cobrir o corretor B mediante a prpria letra deste, recebida de C em pagamento, havendo, no mximo, um saldo em dinheiro a ser pago. Toda a transao medeia ento apenas o intercmbio de algodo e fio. O exportador representa apenas o fiandeiro, o corretor, o plantador de algodo.

    No circuito desse crdito puramente comercial, cabe agora observar duas coisas:

    Primeiro: A liquidao desses dbitos recprocos depende do refluxo do capital, isto , de M D, que est simplesmente diferido. Se o fiandeiro recebeu uma letra do fabricante de chita, ento o fabricante de chita s pode pagar se a chita que tem no mercado, no entretempo, foi vendida. Se o especulador de trigo deu uma letra de cmbio a seu agente, ento o agente pode pagar o dinheiro, se entrementes o trigo foi vendido ao preo esperado. Esses pagamentos dependem, portanto, da fluidez da reproduo, isto , dos processos de produo e de consumo. Mas, uma vez que os crditos so mtuos, a capacidade de pagar de um depende ao mesmo tempo da capacidade de pagar do outro; pois, ao emitir a letra, aquele pode ter contado ou com o refluxo do capital em seu prprio negcio ou com o refluxo no negcio de um terceiro, que no entretempo tem de lhe pagar uma letra. Abstraindo da pers-pectiva de refluxos, o pagamento somente pode se tomar possvel por meio de ca-pital de reserva de que disponha o emissor da letra para poder cumprir seus com-promissos no caso de se retardarem os refluxos.

    rDocumento de pagamento diferido. (N. dos T.)

  • 2 2 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    Segundo: Esse sistema de crdito no elimina a necessidade de pagamentos monetrios em espcie. Por um lado, grande parte das despesas deve sempre ser paga em espcie: salrios, impostos etc. Por outro lado, pode ocorrer, por exemplo, que B, que recebeu uma letra de C em lugar do pagamento, tenha, antes que essa letra vena, de pagar a D uma letra vencida, e para isso precisa de dinheiro em espcie. Um ciclo to perfeito de reproduo como o suposto acima, do plantador de algodo at o fiandeiro de algodo e vice-versa, s pode constituir uma exceo e no pode deixar de ser sempre interrompido em muitos pontos. Ao examinar o processo de reproduo (Livro Segundo, Seo III), vimos que os produtores do capital constante intercambiam, em parte, capital constante entre si. Por isso, as le-tras de cmbio podem se compensar mais ou menos. O mesmo acontece na linha ascedente da produo, em que o corretor de algodo tem de sacar sobre o fiandei-ro, o fiandeiro sobre o fabricante de chita, este sobre o exportador e este sobre o importador (talvez, novamente, de algodo). Mas no ocorre, ao mesmo tempo, um ciclo das transaes e, portanto, reverso da linha de crditos. O crdito, por exem-plo, do fiandeiro contra o tecelo no liquidado pelo crdito do fornecedor de carvo contra o construtor de mquinas; o fiandeiro, em seu negcio, nunca tem de conceder crditos compensatrios ao construtor de mquinas, pois seu produto, o fio, jamais entra como elemento no processo de reproduo deste. Tais crditos tm de ser, portanto, saldados em dinheiro.

    Os limites desse crdito comercial, considerado em si, so 1) a riqueza dos in-dustriais e comerciantes, isto , sua disponibilidade de capital de reserva, no caso de retardo dos refluxos; 2) esses prprios refluxos. Estes podem retardar-se tempo-rariamente, ou os preos das mercadorias podem cair, no entretempo, ou a merca-doria pode momentaneamente se tornar invendvel, caso haja paralisao dos mer-cados. Quanto maior o prazo de vencimento das letras de cmbio, tanto maior tem de ser o capital de reserva, e tanto maior a possibilidade de uma diminuio ou retardamento do refluxo por queda de preo ou saturao dos mercados. E, alm disso, os retornos sero tanto mais inseguros quanto mais a transao originria ti-ver sido. condicionada pela especulao sobre alta ou baixa dos preos das merca-dorias. E claro, entretanto, que com o desenvolvimento da fora produtiva do trabalho e, por conseguinte, da produo em grande escala, 1) os mercados se expandem e se afastam do local de produo, 2) por isso, os crditos tm de prolongar-se e, portanto, 3) o elemento especulativo deve dominar cada vez mais as transaes. A produo em grande escala e para mercados distantes lana o produto global nas mos do comrcio; mas impossvel que o capital da nao se duplique, de modo que o comrcio fosse em si capaz de comprar e revender, com capital prprio, todo o produto nacional. O crdito aqui portanto indispensvel; crdito, que cresce em volume ao crescer o montante de valor da produo, e em durao com o distan-ciamento cada vez maior dos mercados. Ocorre aqui efeito recproco. O desenvolvi-mento do processo de produo amplia o crdito, e o crdito leva expanso das operaes industriais e mercantis.

    Se observamos esse crdito separado do crdito do banqueiro, ento claro que ele cresce com o volume do prprio capital industrial. Capital de emprstimo e capital industrial so aqui idnticos; os capitais emprestados so capitais-mercadorias, destinados ao consumo individual final ou reposio dos elementos constantes do capital produtivo. O que aparece aqui, pois, como capital emprestado sempre capital que se encontra em determinada fase do processo de reproduo, mas que passa, mediante compra e venda, de uma mo para outra, enquanto o equivalente dele pago [pelo] comprador apenas mais tarde, no prazo estipulado. O algodo, por exemplo, passa contra letra de cmbio s mos do fiandeiro, o fio, contra letra, s mos do fabricante de chita, a chita, contra letra, s mos do comerciante, das mos deste, contra letra, para as do exportador, das mos do exportador, contra

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 2 3

    letra, para as de um comerciante na ndia, que a vende para comprar ndigo etc. Durante essa passagem de uma mo para outra, o algodo realiza sua transforma-o em chita, a chita finalmente transportada para a ndia e trocada por ndigo, que embarcado para a Europa e ali entra, novamente, no processo de reprodu-o. As diferentes fases do processo de reproduo so aqui mediadas pelo crdito sem que o fiandeiro tenha pago o algodo, o fabricante de chita, o fio, o comercian-te, a chita etc. Nos primeiros atos do processo, a mercadoria, o algodo, passa por suas diferentes fases de produo, e essa passagem mediada pelo crdito. Mas, to logo o algodo tenha recebido na produo sua ltima forma, como mercado-ria, o mesmo capital-mercadoria passa apenas pelas mos de diversos comercian-tes, que medeiam o transporte ao mercado distante e dos quais o ltimo vende-a finalmente ao consumidor e, em troca, compra outra mercadoria que entra ou no consumo ou no processo de reproduo. H que distinguir aqui, pois, duas etapas: na primeira, o crdito medeia as fases sucessivas reais na produo do mesmo arti-go; na segunda, simplesmente a passagem das mos de um comerciante s de ou-tro, que inclui o transporte, isto , o ato M D. Mas, tambm aqui, a mercadoria encontra-se ao menos sempre no ato de circulao, portanto numa fase do proces-so de reproduo.

    O que conseqentemente aqui emprestado nunca capital desocupado, mas capital que nas mos de seu possuidor tem de mudar sua forma, que existe numa forma em que para ele simples capital-mercadoria, isto , capital que tem de ser retransformado e especificamente, ao menos de incio, convertido em dinheiro. E, portanto, a metamorfose da mercadoria que aqui mediada pelo crdito; no ape-nas M D, mas tambm D - M e o processo real de produo. Muito crdito dentro do ciclo reprodutivo abstraindo-se do crdito do banqueiro no significa muito capital desocupado, que oferecido para emprstimo e procura investimento lucra-tivo, mas: grande ocupao de capital no processo de reproduo. O crdito me-deia aqui, portanto, 1) medida que se consideram os capitalistas industriais, a transio do capital industrial de uma fase a outra, a conexo entre as esferas da produo que se pertencem e se encaixam uma nas outras; 2) medida que se consideram os comerciantes, o transporte e a passagem das mercadorias de uma mo para outra at sua venda definitiva por dinheiro ou seu intercmbio por outra mercadoria.

    O mximo de crdito aqui igual mais plena ocupao do capital industrial, isto , ativao extrema de sua fora de reproduo, sem preocupao pelos limi-tes do consumo. Esses limites do consumo so ampliados pela prpria ativao do processo de reproduo; esta aumenta, por um lado, o consumo de rendimento por trabalhadores e capitalistas e, por outro, idntica com a ativao do consumo produtivo.

    Enquanto o processo de reproduo mantm a fluidez, assegurando com isso o refluxo do capital, esse crdito perdura e se expande, e sua expanso se baseia sobre a expanso do prprio processo de reproduo. To logo ocorre uma estag-nao, em conseqncia de refluxos retardados, mercados saturados ou preos em queda, h excesso de capital industrial, mas numa forma em que no pode desem-penhar sua funo. Massas de capital-mercadoria, mas invendveis. Massas de ca-pital fixo, mas, em virtude da paralisao da reproduo, em grande parte desocupa-das. O crdito contrai-se 1) porque esse capital est desocupado, isto , paralisado numa das fases de sua reproduo, porque no pode completar sua metamorfose; 2) porque a confiana na fluidez do processo de reproduo est quebrada; 3) por-que a procura por esse crdito comercial diminui. O fiandeiro que reduz sua produ-o e tem grande estoque de fio no vendido no precisa comprar algodo a crdito; o comerciante no precisa comprar mercadorias a crdito, porque as que tem so mais que suficientes.

  • 2 4 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    Se, portanto, ocorre uma perturbao nessa expanso ou simplesmente na ati-vao normal do processo de reproduo, ento com isso tambm o crdito escas-seia; fica mais difcil obter mercadorias a crdito. Mas particularmente a exigncia de pagamento em espcie e a precauo na venda a crdito o que caracteriza a fase do ciclo industrial aps a crise. Na prpria crise, quando todos tm de vender e no podem vender e ainda assim so obrigados a vender para pagar, a massa, no do capital desocupado, procura de aplicao, mas do capital travado no pro-cesso de reproduo, justamente ento a maior, quando tambm maior a escas-sez de crdito (e, por isso, a taxa de desconto, no crdito do banqueiro, est no mximo). O capital j desembolsado est ento de fato desocupado em massa, porque o processo de reproduo est paralisado. Fbricas ficam paradas, matrias-primas se amontoam, produtos acabados abarrotam, como mercadorias, o mercado. Nada mais falso, portanto, que atribuir tal situao falta de capital produtivo. Exatamente ento tem lugar excesso de capital produtivo, em parte com relao escala nor-mal, mas momentaneamente contrada, da reproduo, em parte com relao ao consumo paralisado.

    Imaginemos toda a sociedade composta apenas por capitalistas industriais e tra-balhadores assalariados. Abstraiamos, alm disso, as flutuaes de preos, que im-pedem grandes pores do capital global de se repor em suas propores mdias, e que, em virtude da interdependncia geral de todo o processo de reproduo, como nomeadamente o crdito o desenvolve, tm sempre de provocar paralisaes temporrias gerais. Abstraiamos igualmente os pseudonegcios e as transaes es-peculativas, que o sistema de crdito estimula. Ento, uma crise somente seria ex-plicvel por desproporo da produo nos diversos ramos e por uma desproporo do consumo dos prprios capitalistas para com sua acumulao. Mas, como as coi-sas so, a reposio dos capitais investidos na produo depende, em grande parte, da capacidade de consumo das classes no produtivas; enquanto a capacidade de consumo dos trabalhadores est limitada em parte pelas leis de salrio, em parte pela circunstncia de s serem empregados enquanto puderem ser empregados com lucro para a classe capitalista. A razo ltima de todas as crises reais sempre a pobreza e a restrio ao consumo das massas em face do impulso da produo ca-pitalista a desenvolver as foras produtivas como se apenas a capacidade absoluta de consumo da sociedade constitusse seu limite.

    S se pode falar de escassez real de capital produtivo, pelo menos nas naes capitalistas desenvolvidas, no caso de malogro geral de colheitas, seja dos alimentos principais, seja das matrias-primas industriais mais importantes.

    Mas agora a esse crdito comercial se soma o crdito monetrio propriamente dito. Os adiantamentos dos industriais e comerciantes entre si se combinam com os adiantamentos de dinheiro a eles por parte dos banqueiros e dos prestamistas de dinheiro. No desconto das letras de cmbio, o adiantamento apenas nominal. Um fabricante vende seu produto contra letra e desconta essa letra num bill-broker. Na realidade, este adianta apenas o crdito de seu banqueiro, que, por sua vez, lhe adianta o capital monetrio de seus depositantes, constitudos pelos prprios indus-triais e comerciantes, mas tambm por trabalhadores (por meio de caixas econmi-cas), pelos que usufruem rendas fundirias e demais classes improdutivas. Assim, para cada fabricante ou comerciante individual se contorna tanto a necessidade de um forte capital de reserva quanto a dependncia dos refluxos reais. Por outro lado, porm, em parte devido simples emisso de letras frias, em parte devido a neg-cios de mercadorias realizados somente com a finalidade de fabricar letras, todo o processo se complica tanto que a aparncia de negcios slidos e de refluxos rpi-dos pode subsistir tranqilamente, depois que os refluxos, na realidade, eram j h muito feitos custa em parte de prestamistas defraudados, em parte de produtores defraudados. Por isso, os negcios parecem quase exageradamente sadios justamente

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 2 5

    antes da crise. A melhor prova disso fornecem, por exemplo, os Reports on Bank Acts de 1857 e 1858, em que todos os diretores de bancos, comerciantes, em su-ma, todos os peritos convocados, Lorde Overstone frente deles, se felicitavam mu-tuamente pelo florescimento e sade dos negcios exatamente um ms antes de rebentar a crise de agosto de 1857. E curiosamente Tooke, em sua History of Prices, passa outra vez por essa iluso, como historiador, a cada crise. Os negcios esto sempre fundamentalmente sadios e a campanha em pleno avano, at que subitamente ocorre o colapso.

    Voltamos agora acumulao do capital monetrio. Nem todo aumento do capital monetrio emprestvel indica acumulao real

    de capital ou ampliao do processo de reproduo. Isso ressalta mais claramente na fase do ciclo industrial que segue imediatamente superao da crise, quando grandes massas de capital de emprstimo esto em alqueive. Em tais momentos, em que o processo de produo est restringido (a produo nos distritos industriais ingleses ficou reduzida de 1/3 aps a crise de 1847), em que os preos das merca-dorias atingem seu nvel mais baixo, em que o esprito empresarial est paralisado, o nvel da taxa de juros baixo, o que, aqui, nada mais indica que o aumento do capital emprestvel justamente pela contrao e paralisao do capital industrial. Que menos meios de circulao so necessrios com queda dos preos das mercado-rias, transaes diminudas e contrao do capital desembolsado em salrios; que, por outro lado, aps a liquidao das dvidas ao estrangeiro, em parte por exporta-o de ouro e em parte por falncias, dinheiro adicional para a funo de dinheiro mundial no necessrio; e que, finalmente, o volume do negcio de desconto de letras diminui com o nmero e os montantes dessas prprias letras tudo isso evidente. A procura por capital monetrio emprestvel, seja para meio de circula-o, seja para meio de pagamento (no se fala ainda de novos investimentos de capital) diminui, portanto, e ele se torna com isso relativamente abundante. Mas a oferta de capital monetrio emprestvel, nessas circunstncias, tambm aumenta po-sitivamente, como se ver mais tarde.

    Assim, aps a crise de 1847, reinava "restrio das transaes e grande exce-dente de dinheiro". (Comm. Distress, 1847/48. Evid. n? 1664.) A taxa de juros era muito baixa em virtude da "destruio quase completa do comrcio e da ausncia quase total de possibilidades de investir dinheiro" (op. c/t., p. 45. Depoimento de Hodgson, diretor do Royai Bank of Liverpool). Que disparates esses senhores (e Hodgson ainda um dos melhores) inventam para explicar isso, pode-se ver na seguinte passagem:

    ttO aperto* (de 1847) ttsurgiu de uma diminuio real do capital monetrio no pas, causada em parte pela necessidade de pagar as importaes de todas as regies do mundo em ouro, e em parte pela transformao de capital de circulao (floating capital) em capital fixo." (Op. c/., p. 63.)

    Como a transformao de capital de circulao em fixo deva diminuir o capital monetrio do pas no d para ver, uma vez que, por exemplo, no caso das ferro-vias em que mais se imobilizava capital, na poca , no se usa ouro ou papel em viadutos e vias e o dinheiro para as aes ferrovirias, na medida em que era depositado simplesmente em pagamento, funcionava como qualquer outro dinhei-ro depositado nos bancos e mesmo aumentava momentaneamente, como j mos-tramos acima, o capital monetrio emprestvel; e na medida em que era desembolsado realmente na construo, rolava pelo pas como meio de compra e de pagamento.

  • 26 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    Apenas na medida em que capital fixo no artigo exportvel, portanto que, com

    a impossibilidade de exportao, desaparece tambm o capital disponvel, que ar-

    rumado mediante os retornos por artigos exportados, portanto tambm os retornos

    em espcie ou em barras, s nessa medida o capital monetrio poderia ser afetado.

    Mas tambm artigos ingleses de exportao estavam estocados em massa como

    invendveis nos mercados externos. Para os comerciantes e fabricantes de Manchester

    etc., que imobilizaram parte de seu capital operacional normal em aes ferrovirias

    e, por isso, dependiam de capital de emprstimo para operar seus negcios, seu

    floating capital fixara-se, de fato, e por isso tinham de arcar com as conseqncias. Mas teria ocorrido o mesmo se tivessem investido o capital pertencente a seu neg-

    cio e retirado deste, em vez de em ferrovias, por exemplo, em minas, cujo produto,

    por sua vez, floating capital, ferro, carvo, cobre etc. A diminuio real do capi-tal monetrio disponvel devida a ms colheitas, importao de trigo e exportao

    de ouro era naturalmente um acontecimento que nada tinha a ver com a fraude

    ferroviria.

    "Quase todas as casas comerciais tinham comeado a esfomear mais ou menos seus empreendimentos, para investir o dinheiro em ferrovias." [Op. c/., p. 42.] ttOs adian-tamentos to extensos que foram concedidos s ferrovias pelas casas comerciais induzi-ram estas a apoiar-se demasiadamente nos bancos, por meio de desconto de letras, para continuar operando assim seus negcios comerciais." (O mesmo Hodgson, op. cit., p. 67.) aEm Manchester houve perdas imensas pela especulao com ferrovias." (R. Gard-ner, j citado no livro Primeiro, cap. XIII, 3, c, e em outras partes desta obra, depoimen-to n 4884, op. cit.)

    Uma das principais causas da crise de 1847 foi a colossal saturao dos merca-

    dos e a fraude ilimitada no comrcio de mercadorias das ndias Orientais. Mas ou-

    tras circunstncias tambm levaram falncia casas muito ricas desse ramo:

    "Possuam recursos abundantes, mas no se podia torn-los lquidos. Todo o seu ca-pital estava imobilizado em propriedades fundirias em Maurcio ou em fbricas de ndi-go e acar. Quando ento contraram obrigaes que atingiam 500 mil e 60 mil libras esterlinas, eles no tinham recursos lquidos para pagar suas letras, e finalmente eviden-ciou-se que, para pag-las, tinham de fiar-se totalmente em seu crdito". (Ch. Turner, grande comerciante das ndias Orientais em Liverpool, n? 730, op. cit.)

    Ainda Gardner (n 4872, op. cit):

    "Imediatamente aps o tratado com a China, apresentaram-se ao pas perspectivas to amplas de uma imensa expanso do comrcio com a China que muitas grandes fbricas foram construdas expressamente para esse negcio, a fim de fabricar tecidos de algodo, que tinham sada principalmente no mercado chins, e estas se somaram a todas as nossas fbricas j existentes" 4874. "Como decorreu esse negcio? De maneira to ruinosa que desafia qualquer descrio; no acredito que de todos os em-barques feitos para a China em 1844 e 1845 tenham jamais retornado mais de 2/3 do montante; como o ch o artigo principal de exportao chinesa e como nos ofere-ceram expectativas to grandes, ns fabricantes contvamos seguramente com uma grande reduo das taxas aduaneiras sobre o ch."

    E agora vem, expresso com ingenuidade, o credo caracterstico do fabricante

    ingls:

    "Nosso comrcio com um mercado externo no est limitado pela capacidade deste de comprar as mercadorias, mas limitado nesse pas por nossa capacidade de consumir os produtos que recebemos em troca de nossos produtos industriais"

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 2 7

    (Os pases relativamente pobres, com que a Inglaterra comercia, podem natu-ralmente pagar e consumir qualquer quantidade possvel de manufaturas inglesas, mas infelizmente a rica Inglaterra no pode digerir os produtos recebidos em troca.)

    4876. ttNo incio, enviei algumas mercadorias para o exterior que foram vendidas com cerca de 15% de prejuzo, com a firme convico de que o preo a que os meus agentes poderiam comprar ch, na revenda aqui, daria um lucro to grande que cobriria esse prejuzo; mas, em vez de ter lucro, perdi s vezes 25 e at 50%." 4877. "Exportavam os fabricantes por conta prpria? Principalmente; os comerciantes, parece, logo per-ceberam que do negcio nada se obteria e eles animaram os fabricantes a fazer consig-naes em vez de eles mesmos participarem dele."

    Em 1857, ao contrrio, os prejuzos e falncias recaram principalmente sobre os comerciantes, pois dessa vez os fabricantes lhes cederam a tarefa de inundar os mercados estrangeiros "por conta prpria".

    Uma expanso do capital monetrio que decorre da circunstncia de que, em conseqncia da expanso do sistema bancrio (ver mais adiante o exemplo de Ips-wich, onde no curso de poucos anos, imediatamente antes de 1857, os depsitos dos arrendatrios se quadruplicaram), aquilo que antes era tesouro particular ou re-serva monetria transforma-se sempre, por determinado tempo, em capital empres-tvel, expressa to pouco um aumento do capital produtivo, quanto os depsitos crescentes nos bancos por aes de Londres, to logo estes comearam a pagar juros sobre depsitos. Enquanto a escala de produo permanece a mesma, essa expanso leva apenas abundncia do capital monetrio emprestvel em face do capital produtivo. Da taxa baixa de juros.

    Se o processo de reproduo alcanou novamente a fase de prosperidade que precede de ativao excessiva, ento o crdito comercial alcana uma extenso muito grande, que, de fato, volta a ter como base "sadia" refluxos obtidos com facili-dade e produo ampliada. Nessa situao, a taxa de juros ainda continua baixa, ainda que suba acima de seu mnimo. Na realidade, este o nico momento em que se pode dizer que taxa de juros baixa e, por isso, abundncia relativa de capital emprestvel coincidem com expanso real do capital industrial. A facilidade e a re-gularidade dos refluxos, combinados com um crdito comercial extenso, asseguram a oferta de capital de emprstimo, apesar da procura aumentada, e impedem que o nvel da taxa de juros suba. Por outro lado, s agora entram em cena, em grau perceptvel, os cavalheiros que trabalham sem capital de reserva ou mesmo sem capital ao todo e por isso operam totalmente na base do crdito monetrio. Acresce agora tambm a grande expanso do capital fixo em todas as formas e a abertura em massa de novas empresas de grande alcance. O juro sobe agora a seu nvel m-dio. Volta a alcanar seu nvel mximo to logo a nova crise arrebenta, o crdito cessa subitamente, os pagamentos interrompem-se, o processo de reproduo pa-ralisado e, com as excees anteriormente mencionadas, surge, ao lado da carncia quase absoluta de capital de emprstimo, abundncia de capital industrial desocupado.

    Ao todo, o movimento do capital de emprstimo, como ele se exprime na taxa de juros, decorre em direo oposta do capital industrial. A fase em que a taxa de juros baixa, mas superior ao nvel mnimo, coincide com a "melhoria" e a con-fiana crescente, subseqentes crise, e especialmente a fase em que ela alcana seu nvel mdio, o meio eqidistante do mnimo e do mximo, s esses dois mo-mentos expressam a coincidncia entre capital de emprstimo abundante e grande expanso do capital industrial. Mas, no comeo do ciclo industrial, a taxa de juros baixa coincide com a contrao do capital industrial, e, no fim do ciclo, a taxa de

  • 2 8 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    juros alta coincide com a superabundncia de capital industrial. A taxa de juros bai-xa, que acompanha a "melhoria", expressa o fato de que o crdito comercial precisa do crdito bancrio apenas em pequena medida, por se apoiar ainda sobre seus prprios ps.

    Esse ciclo industrial de tal natureza que o mesmo ciclo, uma vez dado o pri-meiro impulso, tem de reproduzir-se periodicamente 8 Na situao de distenso, a produo cai abaixo do nvel que ela atingiu no ciclo anterior e para o qual se criou agora a base tcnica. Na prosperidade no perodo mdio ela continua a desenvolver-se sobre essa base. No perodo de superproduo e de fraude, ela ativa as foras produtivas ao mximo, at ultrapassar os limites capitalistas do processo de produo.

    Que no perodo de crise faltem meios de pagamento evidente por si mesmo. A conversibilidade das letras de cmbio substitui a prpria metamorfose das merca-dorias, e tanto mais precisamente nesse perodo quanto mais parte das casas co-merciais trabalha meramente a crdito. Uma legislao bancria ignorante e errada, como a de 1844/45, pode agravar essa crise monetria. Mas nenhuma espcie de legislao bancria pode eliminar a crise.

    Num sistema de produo em que toda a conexo do processo de reproduo repousa sobre o crdito, quando ento o crdito subitamente cessa e passa apenas a valer pagamento em espcie, tem de sobrevir evidentemente uma crise, uma cor-rida violenta aos meios de pagamento. A primeira vista, a crise toda se apresenta portanto apenas como crise de crdito e crise monetria. E de fato trata-se apenas da conversibilidade das letras em dinheiro. Mas essas letras representam em sua maioria compras e vendas reais, cuja extenso, que ultrapassa de longe as necessidades so-ciais, est, em ltima instncia, na base de toda a crise. Ao lado disso, entretanto, uma enorme quantidade dessas letras representa negcios meramente fraudulentos que agora vm luz do dia e estouram; alm de especulaes feitas com capital alheio, mas fracassadas; e, finalmente, capitais-mercadorias desvalorizados ou at invendveis ou refluxos que jamais podem entrar. Todo esse sistema artificial de ex-panso forada do processo de reproduo no pode naturalmente ser curado pelo fato de um banco, por exemplo, o Banco da Inglaterra, dar a todos os caloteiros, em seu papel, o capital que lhes falta e comprar todas as mercadorias desvaloriza-das a seus antigos valores nominais. De resto, tudo aparece aqui invertido, pois nes-se mundo de papel o preo real e seus momentos reais nunca aparecem, mas apenas barras, dinheiro metlico, notas, letras de cmbio e papis de crdito. Essa inverso

    8 (Como j observei noutra passagem, desde a ltima grande crise geral ocorreu aqui uma mudana. A forma aguda do

    processo peridico, com seu ciclo at ento de 10 anos, parece ter cedido lugar a uma alternncia mais crnica, mais pro-

    longada, que se distribui entre os diversos pases industriais em tempos diferentes, de melhoria relativamente curta e dbil

    dos negcios e presso relativamente longa e indecisa. Mas talvez trate-se apenas de uma expanso da durao do ciclo.

    Na infncia do comrcio mundial, de 1815 a 1847, pode-se comprovar ciclos de cerca de 5 anos; de 1847 a 1867, os

    ciclos so decididamente de 10 anos; ser que nos encontramos no perodo preparatrio de uma nova crise mundial de

    veemncia inaudita? H alguns indcios disso. Desde a ltima crise geral de 1867, houve grandes mudanas. A expanso

    colossal dos meios de transporte navios a vapor transatlnticos, ferrovias, telgrafos eltricos, canal de Suez criou

    o mercado mundial pela primeira vez de fato. Tomaram lugar ao lado da Inglaterra, que antes monopolizava a indstria,

    uma srie de pases industriais competidores; ao investimento do capital europeu excedente abriram-se, em todas as partes

    do mundo, campos infinitamente mais extensos e diversificados, de modo que ele se distribui muito mais amplamente e

    a superespeculao local superada com mais facilidade. Por tudo isso a maioria dos focos de crises e das oportunidades

    de formao de crises de antes foi eliminada ou muito debilitada. Ao mesmo tempo, a concorrncia no mercado interno

    retrocede diante dos cartis e trustes, enquanto limitada no mercado externo pelas tarifas protecionistas, com que se cer-

    cam todos os grandes pases industriais, exceto a Inglaterra. Mas essas tarifas protecionistas mesmas so apenas o arma-

    mento para a campanha final e geral da indstria que dever decidir o domnio do mercado mundial. Assim, cada um

    dos elementos que se opem repetio das velhas crises traz dentro de si o germe de uma crise futura muito mais violenta.

    - F. E.)

    0 O Capital. Op. cit., v. I, t. 1, p. 33.

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 2 9

    aparece sobretudo nos centros em que se concentra todo o negcio monetrio do pas, como Londres; todo o processo se torna incompreensvel; j menos, nos cen-tros de produo.

    De resto, quanto superabundncia de capital industrial, que se manifesta nas crises, h que observar: o capital-mercadoria em si ao mesmo tempo capital mo-netrio, isto , determinada soma de valor expressa no preo da mercadoria. Como valor de uso, determinado quantum de determinados objetos teis, existente em excesso no momento da crise. Mas, como capital monetrio em si, como capital monetrio potencial, est sujeito a constante expanso e contrao. Na vspera da crise e dentro da mesma, o capital-mercadoria, em sua qualidade de capital mone-trio potencial, est contrado. Representa para seu possuidor e para os credores deste (e como garantia de letras e emprstimos) menos capital monetrio que ao tempo em que foi comprado e em que se efetuaram os descontos e os negcios pignoratcios baseados nele. Se deve ser este o sentido da afirmao de que o capi-tal monetrio de um pas em tempos de crise fica diminudo, ento isso idntico proposio de que caram os preos das mercadorias. Tal colapso dos preos de resto apenas compensa sua inchao anterior.

    As receitas das classes improdutivas e dos que vivem de rendas fixas permane-cem em sua maior parte estacionrias durante a inchao dos preos, que sempre vai de mos dadas com a superproduo e a superespeculao. Sua capacidade de consumo diminui por isso relativamente e, com isso, sua capacidade de repor da produo global a parte que normaliter2' teria de entrar em seu consumo. Mes-mo quando sua procura permanece nominalmente a mesma, ela diminui na realidade.

    Com relao importao e exportao cabe observar que todos os pases, um aps o outro, so envolvidos na crise, revelando-se ento que todos eles, com poucas excees, exportaram e importaram demais, que, portanto, o balano de pagamentos se tornou desfavorvel para todos e que, de fato, o problema no est no balano de pagamentos. A Inglaterra, por exemplo, sofre pela drenagem de ou-ro. Ela importou excessivamente. Mas, ao mesmo tempo, todos os outros pases es-to sobrecarregados de mercadorias inglesas. Portanto, tambm importaram excessiva-mente ou foram excessivamente importados. (Em todo caso, aparece uma diferen-a entre o pas que exporta a crdito e os que no exportam ou pouco exportam a crdito. Estes ltimos importam ento a crdito; e este s no o caso quando a mercadoria enviada para l em consignao.) A crise pode arrebentar primeiro na Inglaterra, no pas que d mais crdito e toma o mnimo, porque o balano de pagamentos, o balano dos pagamentos vencidos que tm de ser imediatamente liquidados, desfavorvel a ela, embora o balano comercial geral lhe seja favor-vel. Isso se explica em parte pelo crdito que concede, em parte pela massa de ca-pitais emprestados ao exterior, de modo que uma massa de refluxos em mercadorias, alm dos retornos comerciais propriamente ditos, fluem para ela. (As vezes, porm, a crise tambm arrebentou primeiro na Amrica, o pas que mais toma crdito co-mercial e de capital da Inglaterra.) A queda da Inglaterra, encaminhada e acompa-nhada pela drenagem de ouro, salda o balano de pagamentos da Inglaterra, em parte pela bancarrota de seus importadores (voltaremos a isso mais adiante), em parte pela expulso de uma parcela de seu capital-mercadoria a preos baixos ao exterior, em parte pela venda de ttulos estrangeiros, a compra de ttulos ingleses etc. Chega ento a vez de outro pas. O balano de pagamentos lhe era momenta-neamente favorvel, mas agora o prazo que em tempos normais existe entre o ba-lano de pagamentos e o balano comercial desaparece ou se encurta, em virtude

    2*Normalmente. (N. dos T.)

  • 3 0 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    da crise; todos os pagamentos devem ser liquidados de uma vez. A mesma coisa se repete aqui. A Inglaterra tem agora refluxo de ouro, o outro pas drenagem de ouro. O que num pas aparece como excesso de importao, aparece no outro co-mo excesso de exportao e vice-versa. Mas houve importao excessiva e exporta-o excessiva em todos os pases (no estamos falando aqui de colheitas malogradas etc., mas de crise geral); isto , superproduo, promovida pelo crdito e pela incha-o geral dos preos, que a acompanha.

    Em 1857 arrebentou a crise nos Estados Unidos. Seguiu-se drenagem de ouro da Inglaterra para a Amrica. Mas, to logo a inchao na Amrica estourou, suce-deu crise na Inglaterra e drenagem de ouro da Amrica para a Inglaterra. A mesma coisa se deu entre a Inglaterra e o Continente. O balano de pagamentos, em tem-pos de crise geral, desfavorvel a cada nao, pelo menos a cada nao comer-cialmente desenvolvida, mas sempre a uma aps a outra, como num fogo de fila,3' to logo chega sua vez de pagar; e a crise, uma vez arrebentada, por exemplo, na Inglaterra, comprime a srie desses prazos num perodo muito curto. Revela-se en-to que todas essas naes, ao mesmo tempo, exportaram excessivamente (portan-to, superproduziram) e importaram excessivamente (portanto, supercomerciaram), que em todas os preos foram inflados e o crdito foi ampliado em demasia. E em todas sucede o mesmo colapso. O fenmeno da drenagem de ouro alcana ento a todas sucessivamente e demonstra, justamente por sua generalidade, 1) que a dre-nagem de ouro mero fenmeno da crise, e no sua causa; 2) que a seqncia em que ela sucede nas diversas naes apenas indica quando na srie chegou sua vez de ajustar suas contas com os cus, quando nelas chegou o momento de crise e nelas irrompem os elementos latentes da mesma.

    E caracterstico dos escritores econmicos ingleses e a literatura econmica digna de ser mencionada desde 1830 se reduz principalmente literatura sobre cur-rency, crdito, crises considerar a exportao de metais preciosos, apesar da va-riao das taxas de cmbio, em tempos de crise, somente do ponto de vista da Inglaterra, como um fenmeno puramente nacional, fechando resolutamente os olhos perante o fato de que, quando seu banco [da Inglaterra] em tempos de crise eleva a taxa de juros, os demais bancos europeus fazem o mesmo e que se hoje ressoa o grito de socorro em seu pas por causa da drenagem de ouro, ele amanh ecoar na Amrica e depois de amanh na Alemanha e na Frana.

    Em 1847 "a Inglaterra tinha de liquidar suas obrigaes correntes" (em sua maior par-te, por trigo). "Infelizmente, elas foram liquidadas em grande parte por meio de bancar-rotas." (A rica Inglaterra se aliviou por meio de bancarrotas perante o Continente e a Amrica.) "Mas, na medida em que no foram liquidadas por meio de bancarrotas, elas foram satisfeitas mediante a exportao de metais preciosos". (Report of Committee on Bank Acs, 1857.)

    Na medida, pois, em que a crise na Inglaterra agravada pela legislao banc-ria, essa legislao um meio para em tempos de fome depenar as naes exporta-doras de trigo, primeiro de seu trigo e, segundo, do dinheiro por seu trigo. Uma proibio da exportao de trigo, em tais tempos, constitui, para pases que por sua vez sofrem mais ou menos de carestia, um meio muito racional contra esse plano do Banco da Inglaterra de "liquidar obrigaes" pela importao de trigo "por meio de bancarrotas". Nessas condies, muito melhor que os produtores de trigo e os especuladores percam parte de seu lucro em benefcio do pas do que todo o seu capital em benefcio da Inglaterra.

    3'Ttica de combate em que uma fileira aps outra de soldados faz fogo. (N. dos T.)

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 31

    Do exposto segue que o capital-mercadoria perde, em tempos de crise e de paralisao dos negcios, em grande parte sua qualidade de representar capital mo-netrio potencial. O mesmo se aplica ao capital fictcio, aos papis portadores de juros, na medida em que estes mesmos circulam na Bolsa como capitais monet-rios. Com o juro em ascenso cai seu preo. Ele cai, alm disso, pela escassez geral de crdito, a qual obriga seus proprietrios a lan-los em massa no mercado, para arranjar dinheiro. Ele cai, finalmente, no caso das aes, em parte pela diminuio dos rendimentos a que do direito, em parte devido ao carter fraudulento dos em-preendimentos que com tanta freqncia representam. Esse capitai monetrio fict-cio fica nas crises enormemente reduzido, e com ele o poder de seus proprietrios de levantar dinheiro sobre ele no mercado. A diminuio do nome monetrio des-ses papis de crdito no boletim da Bolsa nada tem a ver com o capital real que representam, muito, porm, com a solvncia de seus proprietrios.

  • CAPTULO X X X I

    Capital Monetrio e Capital Real II (Continuao)

    Ainda no terminamos a questo de at que ponto a acumulao do capital na forma de capital monetrio emprestvel coincide com a acumulao real, a ex-panso do processo de reproduo.

    A transformao de dinheiro em capital monetrio emprestvel uma histria muito mais simples que a transformao de dinheiro em capital produtivo. Mas te-mos de distinguir a duas coisas:

    1. a mera transformao de dinheiro em capital de emprstimo;

    2. a transformao de capital ou rendimento em dinheiro, que transformado em capital de emprstimo.

    E somente este ltimo caso que pode abranger uma acumulao positiva do capital de emprstimo, conexa com a acumulao real do capital industrial.

    1. Transformao de dinheiro em capital de emprstimo

    J vimos que pode haver uma acumulao, uma superabundncia de capital de emprstimo, que apenas se relaciona com a acumulao produtiva na medida em que est em razo inversa a esta. Este o caso em duas fases do ciclo industrial: primeiro, no momento em que o capital industrial se contrai em suas duas formas, a de capital produtivo e a de capital-mercadoria, portanto no comeo do ciclo, aps a crise; e segundo, no momento em que comea a melhoria, mas quando o crdito comercial ainda solicita pouco o crdito bancrio. No primeiro caso, o capital mone-trio, que antes estava aplicado na produo e no comrcio, aparece como capital de emprstimo desocupado; no segundo caso, aparece empregado em escala cres-cente, mas a uma taxa de juros muito baixa, pois agora o capitalista industrial e comercial que dita as condies ao capitalista monetrio. A pletora de capital de emprstimo expressa, no primeiro caso, uma estagnao do capital industrial e, no segundo, uma independncia relativa do crdito comercial em relao ao crdito bancrio, baseada na fluidez do refluxo, nos prazos curtos de crdito e na preponde-rncia das operaes com capital prprio. Os especuladores que contam com capi-

    3 3

  • 3 4 . DIVISO DO LUCRO EM JURO E GANHO EMPRESARIAL

    tal de crdito alheio ainda no entraram em campo; as pessoas, que operam com capital prprio, ainda esto muito longe de operaes aproximadamente puras de crdito. Na primeira fase, a pletora de capital de emprstimo justamente o contr-rio da acumulao real. Na segunda fase, ela coincide com expanso renovada do processo de reproduo, a acompanha, mas no causa dela. A pletora de capital de emprstimo j vai diminuindo, apenas relativa ainda, comparada com a procu-ra. Em ambos os casos, a expanso do processo real de acumulao estimulada porque o juro baixo, que coincide, no primeiro caso, com preos baixos, e, no se-gundo, com preos em elevao lenta, aumenta a parte do lucro que se converte em ganho empresarial. Isso ocorre ainda mais ao elevar-se o juro a seu nvel mdio, durante o pice da prosperidade, quando na verdade ele subiu, mas no na pro-poro de lucro.

    Vimos, por outro lado, que pode haver acumulao do capital de emprstimo sem qualquer acumulao real, por meios meramente tcnicos, como expanso e concentrao do sistema bancrio, economia nas reservas de circulao ou tambm no fundo de reserva dos meios de pagamentos particulares, que dessa maneira so sempre transformados por prazos curtos, em capital de emprstimo. Embora esse capital de emprstimo, que por isso tambm chamado de capital flutuante (floa-ting capital), mantenha a forma de capital de emprstimo sempre apenas por pero-dos curtos (assim como deva ser descontado apenas por perodos curtos), ele flui e reflui constantemente. Se um o retira, ento outro o repe. A massa do capital monetrio emprestvel (no falamos aqui ao todo de emprstimos por anos, mas apenas de emprstimos a curto prazo, garantidos por letras e depsitos) cresce, as-sim, na realidade, de maneira totalmente independente da acumulao real.

    Bank Committee, 1857. Pergunta 501. aQue entende o senhor por floating capitalT (Sr. Weguelin, governador do Banco da Inglaterra:) "E capital aplicvel em emprstimos de dinheiro a curto prazo (...) (502) notas do Banco da Inglaterra (...) dos bancos provin-ciais e o montante do dinheiro existente no pas." (Pergunta:) "Segundo as informa-es possudas pela Comisso, no parece que, se o senhor entende por floating capital a circulao ativa" (quer dizer, nas notas do Banco da Inglaterra), "nessa circulao ativa ocorrem flutuaes muito considerveis?" (Mas faz uma diferena muito grande por quem a circulao ativa adiantada, se pelo prestamista ou pelo prprio capitalista reproduti-vo. Resposta de Weguelin:) "Incluo no floating capital as reservas dos banqueiros, nas quais h flutuaes considerveis".

    Quer dizer, portanto, que flutuaes considerveis ocorrem naquela parte dos depsitos, que os banqueiros no emprestaram novamente, mas que figura como reserva deles, mas tambm, em grande parte, como reserva do Banco da Inglater-ra, no qual est depositada. Por fim, o mesmo senhor diz: floating capital bul-lion, isto , barras e dinheiro metlico (503). E realmente maravilhoso como nessa algaravia do crdito no mercado monetrio todas as categorias da Economia Polti-ca assumem um outro sentido e uma outra forma. A expresso floating capital l exprime circulating capital, o que naturalmente algo bem diferente, e money capital, e bullion capital, e notas de banco so circulation, e capital a commo-dity,r e dvidas so commodities, e fixed capitaF dinheiro, que est investido em papis dificilmente vendveis!

    "Os bancos por aes de Londres (...) aumentaram seus depsitos de 8 850 774 li-bras esterlinas em 1847 para 43 100 724 libras esterlinas em 1857. (...) As provas e de-poimentos apresentados comisso permitem a concluso de que, desse enorme

    r Uma mercadoria. (N. dos T.) 2 ' Capital fixo. (N. dos T.)

  • CAPITAL MONETRIO E CAPITAL REAL - III 3 5

    montante, uma grande parte deriva de fontes que antes no eram utilizveis para esse fim; e que o costume de abrir uma conta junto a um banqueiro e depositar dinheiro com ele estendeu-se a numerosas classes, que antes no empregavam seu capital (!) dessa maneira. O Sr. Rod well, presidente da Associao dos Bancos Provinciais Parti-culares" (em contraste com os bancos por aes) ue delegado por ela para depor perante a comisso, informa que na regio de Ipswich esse costume quadruplicou recentemente entre os arrendatrios e pequenos comerciantes daquele distrito; que quase todos os arrendatrios, mesmo aqueles que pagam apenas 50 libras esterlinas de arrendamento por ano, mantm agora depsitos nos bancos. A massa desses depsitos encontra natu-ralmente sua via ao emprego nos negcios e gravita especialmente para Londres, o cen-tro da atividade comercial, onde encontra primeiro emprego no desconto de letras e em outros adiantamentos aos clientes dos banqueiros de Londres. Uma grande parte, porm, para a qual os prprios banqueiros no tem procura imediata, vai para as mos dos bill-brokers, que em troca do aos banqueiros letras comerciais que j tinham des-contado uma vez para pessoas em Londres e nas provncias" (B. C. 1858. p. [V, pa