marx, karl. para a crítica da economia política, etc. (os economistas)

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OS ECONOMIST AS

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M355p

82-0533

CIP-Brasil. Cataloga~o-na-Publica~o camara Brasileira do Livro, SP

Marx, Karl, 1818-1883. Para a critica da economia polftica ; Salario, pre­

f¥0 e lucro ; 0 rendimento e suas fontes : a economia vulgar I Karl Marx ; introdu~o de Jacob Goren­der ; tradu~oes de Edgard Malagodi ... [et al.]. - Sao Paulo : Abril Cultural, 1982.

(Os economistas)

1. Economia 2. Economia marxista 3. Marx, Karl, 1818-1883 I. Titulo. II. Titulo: Salario, pref¥0 e lu­cro. III. Titulo: 0 rendimento e suas fontes. IV. Titulo: A economia vulgar. V. Serle.

17. e 18. CDD-330 17. -335.411 18. -335.412

Indices para catalogo sistematico: 1. Economia politica 330 (17. e 18.) 2. Marx, Karl, 1818-1883 : Conceitos economicos

335.411 (17.) 335.412 (18.) 3. Marxismo : Fundamentos economicos 335.411 (17.)

335.412 (18.)

-KARL MARX

Para a Critica da Economia Politica

Salario, Pre~o e Lucro

0 Rendimento e Suas Fontes ,. , A Economia Vulgar

Introdu<;ao de Jacob Gorender

Tradu~oes de Edgard Malagodi, Leandro Konder,/

Jose Arthur Giannotti, Walter Rehfeld

1982 EDITOR: VICTOR CIVITA

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Titulos originais: Zur Kritik der po/itischen Oekonomie

Value, Price and Profit Revenue and its Sources -Die Vulgaeroekonomie,

in: Theorien ueber Mehrwert

© Copyright desta edi~ao, Abril S.A. Cultural e Industrial, Sao Paulo, 1982.

Tradu~ao de Sa/arlo, Preqo e Luera publicada sob licen~a de Leandro Konder, Rio de Janeiro.

Direitos exclusives sobre a Introdu~ao de autoria de Jacob Gorender, Abril S.A. Cultural e Industrial, Sao Paulo.

Direitos exclusives sobre as demais traduct6es deste volume, Abril S.A. Cultural e Industrial, Sao Paulo.

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KARL Heinrich MARX (1818-1883)

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Jacob Gorender (Salvador, BA, 1923-e urn estudioso do marxismo, principalmente em seus aspectos de filosofta e teoria economica. Historiador da economia brasileira, e autor de 0 Escrovismo Colonial e A Burguesia Brosileiro, alem de artigos e ensaios em revistas e colet8neas. Dedicou-se tambem as atividades de conferencista unive.rsitario, jomalista e militante politico.

lntrodu~iio

No prefacio a Critica da Economia Polftica, inseriu Marx o seu currfculo de estudos e publica~6es no domfnio da investiga~ao economica. Valendo-nos dessas informa­~6es extremamente sucintas, seguiremos o fio de uma traje­t6ria intelectual que se incluiu entre as mais influentes no mundo contemporaneo. Desde logo, esclare~a-se que a evofu~ao do pensamento economico marxiano e insepara­vel da elabora~ao da teoria do materialismo hist6rico. E e tambem inseparavel da colabora~ao com Engels, tao estrei­ta que, sob vanos aspectos, as contribui~6es pessoais se tor­nam indistingufveis.

Da Aliena~ao ao Valor-Trabalho

Por sinal, foi de Engels a primeira incursao no terreno economico: em princfpios de 1844, publicava o Esbo~o de uma Critica da Economia Polftica. 0 opusculo causou ta­manha impressao no espfrito de Marx que este, no Prefa­cio acima mencionado, passados mujtos anos, fez questao de cita-lo como urn trabalho genial. E que, naquelas escas­sas paginas, despontavam, sem duvida, intui~6es seminais decisivas.

Ja no tftulo, o jovem Engels apresentou uma ideia que se tomaria obsessiva para Marx e o nortearia ate o seu magnum opus: a da crftica de uma ciencia social ate entao constitufda e ricamente desenvolvida pelo pensamento bur­gues. Mas a crftica do pr6prio Engels partia de princfpios humanistas antropocentricos e moralizantes, inspirados na filosofia de Feuerbach. Com apoio no humanismo feuerba­chiano e que se desvendava a Economia Polftica como ideologia da propriedade privada, da concorrencia e do en­riquecimento sem limite. Enquanto Adam Smith e Ricardo

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Introdu~Cio CONTINUA<;:AO salientaram o positivo da concorr~ncia capitalista, o seu ca­rater de mola propulsora e de mecanismo equilibrante das fon;as produtivas, Engels insistiu no negativo da concorr~n­cia, no seu aspecto desagregador e anti-humano. Do ponto de vista cientffico, mais importante ainda foi que o autor do Esbo~o rejeitou peremptoriamente a teoria ricardiana do valor-trabalho e preferiu explicar o valor como rela~ao en­tre o custo de produ~o e a utilidade, no que aceitava restri­tivamente a tese de Say.

Tais concepc;oes seriam logo adiante superadas, mas outras ideias de Engels se incorporaram em definitivo a ela­borac;ao marxiana no ambito da Economia Politica. Figu­ram entre elas, em primeiro plano, a refutac;ao da "Lei de Say" (sobre a harmonia entre produc;ao e consumo) com base na observa~o da periodicidade das crises economi­cas; a crftica a teoria da populac;ao de Malthus, sob os argu­mentos da sua inspirac;ao numa situac;ao hist6rica transit6-ria e da possibilidade de ampliac;ao da produc;ao agricola mediante aplica~o das conquistas das ci~ncias naturais; a tend~ncia inelutavel da concorrencia para engendrar o mo­nop6lio; e a coexistencia constante do sistema capitalista com urn contingente de trabalhadores sem emprego. Esta ultima ideia seria desenvolvida pelo proprio Engels na obra publicada em 1845 - A Situa~ao da C/asse Operaria na In­glaterra. Realizando alentada pesquisa de campo sobre as conseqtiencias da Revolw;ao Industrial, pesquisa pioneira no genera, inseriu seu autor na l6gica das necessidades do sistema capitalista o que designou por "exercito de reserva de operarios desempregados" , precisamente urn dos con­ceitos essenciais na exposi~o do Livro Primeiro de 0 Capi­tal, onde recebeu a denominac;ao de "exercito industrial de reserva".

A primeira formulac;ao do pr6prio Marx sobre a teoria economica ficou registrada num ensaio inedito em vida do autor e ausente nas suas informac;oes curriculares. Trata-se da obra que, na forma ainda de redac;ao sem acabamento, teve sua primeira edi~ao em 1932 sob o titulo de Manuscri­tos Economico-Filos6ficos de 1844.

No ambito da filosofia, os Manuscritos marcam o mo­menta em que Marx completa a ruptura com o idealismo de Hegel, sem, contudo, rejeitar sua dialetica da negativida­de enquanto "princfpio gerador e motor". Tanto mais nota­vel e essa valorizac;ao da dialetica quanta a adesao de Marx ao materialismo transcorria, entao, sob influencia do humanismo naturalista de Feuerbach, o qual, ao investir contra o sistema hegeliano, nao extraiu dele o que Marx vi­ria a indicar como seu "nucleo racional".

Nas dilatadas e, por vezes, prolixas digressoes acerca de temas economicos, os Manuscritos seguem na esteira de Engels e recusam a teoria do valor-trabalho de Smith e Ricardo, considerando-a inadequada para servir de base a uma ciencia da Economia Polftica. Em seu Iugar, o princf-

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rx pio explicativo original e o da domina~o da propriedade privada, a partir da qual se enfoca a subjugac;ao do proleta­riado como urn processo de a/iena~ao. Esse conceito tinha, no contexto hegeliano, o significado geral de exteriorizac;ao objetivizante da Ideia. Em Feuerbach, recebeu a significa­~o de apropria~o da essencia generica do homem pela religiao. Marx daria o passo seguinte, ao trazer a aliena~o do ceu para a terra. A aliena~o toma-se o processo por meio do qual a cria~o da riqueza pelos operarios e deles expropriada e convertida em capital, ou seja, em instrumen­to da continuada subjuga~o daqueles que o criaram, nele exteriorizando sua essencia humana. Assim, uma vez afasta­da a teoria do valor-trabalho, o que Marx apresentou em seu Iugar foi uma teoria da expropria~ao e nao da exp/ora­~ao da classe operaria. Nesse particular e vistas as coisas sob a perspectiva da sua evoluc;ao posterior, Marx se en­contrava, naquele momenta, atras dos ricardianos de es­querda, cuja critica a sociedade burguesa e cuja defesa das reivindica~oes dos trabalhadores recorriam aos pressupos­tos estabelecidos pelo pr6prio Ricardo.

Em 1845/46, Marx e Engels escreveram, como co-au­tares, A Ideo/ogia A/ema, que tambem teria o destino da publicac;ao p6stuma. A parte mais importante do volumoso texto e o ensaio inicial dedicado a refutac;ao de Feuerbach, do qual os co-autores definitivamente se separam. A refuta­c;ao· ganhou seu aspecto positivo na primeira exposi~o do materialismo hist6rico. Ou seja, aquela altura, Marx e En­gels ja possufam, formulada de maneira ainda tosca, uma teoria hist6rico-sociol6gica original, que ambos iriam desen­volver durante quarenta anos de intensa colabora~o.

A concep~o do materialismo hist6rico confere a esfe­ra dos fenomenos economicos o estatuto de instancia basi­ca da vida social. Nao deixava, por isso, de ser perturbador o fato de que, no momenta em que escreviam A Ideologia Alema, seus autores ainda estivessem Ionge de poder apre­sentar uma teoria economica altemativa apta ao confronto com os classicos burgueses. Que Marx tivesse disso aguda percepc;ao se evidencia pelo empenho com que se lan~ou ao estudo dos economistas. E e o titulo de economista que ele ja se atribui explicitamente na Miseria da Fi/osofta, em pol~mica com Proudhon. .

Publicada em 1847, essa obra assinala o passo decisi­vo que e a aceita~ao da teoria do valor-trabalho e, em es­pecial, do .enfoque de Ricardo, diverso do de Smith no rete­rente a determinac;ao do valor pelo tempo de trabalho e nao pelo "valor do trabalho". 0 termo aliena~ao sequer aparece no novo texto e a teoria do valor-trabalho e reco­nhecida como fundamento da Economia Polftica enquanto ci~ncia. Demais, consider9u Marx que Ricardo oferece uma concepc;ao cientffica acerca da estrutura de classes e da distribui~o do produto social na sociedade burguesa. Vai mesmo ao ponto de concordar com a posi~o de Ricar-

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lntrodufiiO CONTINUA<;:Ao do na questao do dinheiro, justamente urn dos itens princi­pais de suas divergencias posteriores.

A aceitac;§o da teoria economica nao implicou alinha- · · mento ideol6gico. Alem de observar que Ricardo faz a iden­tificac;ao "cfnica" entre chapeus e trabalhacores, pais uns e outros tern seu valor determinado pelo tempo de trabalho necessaria a sua produ~ao, Marx destacou a importancia da literatura dos ricardianos de tendencia socialista: Hodgs­kin, Thompson, Bray e outros. Tais publicistas ingleses se­riam olvidados na pr6pria lnglaterra, nao fossem as nume­rosas referencias que lhes fez o autor de 0 Capital. Neles, sem duvida, encontrou Marx uma ponte entre Ricardo -economista burgues por excelencia - e o comunismo. Mas, ja na Miseria da Filosofia, estava consciente do cara­ter ut6pico que o socialismo assumia nos ricardianos de es­querda, diante dos quais Proudhon carecia de originalida­de. Foi neles, no entanto, que Marx se apoiou para extrair dos princfpios te6ricos ricardianos conclusoes que orientas­sem os operarios na !uta por suas reivindica~6es economi­cas. Tais conclusoes seriam expostas, em estilo popular, nu­ma serie de conferencias proferidas no infcio de 1848 e que, mais tarde, teriam divulga<;ao no folheto intitulado Tra­balho Assalariado e Capital. Naquela, mesma epoca, Marx e Engels redigiram sua obra mais difundida - o Manifesto do Partido Comunista.

Materialismo Historico e Metodo da Economia Politico

0 sistema economico marxiano, nao s6 distinto dos classicos burgueses como oposto a eles, nasceria no exflio londrino, a partir de 1850, ap6s a agitada participa~ao de Marx e Engels nos acontecimentos revolucionanos que sa­cudiram a Alemanha e outros pafses europeus, nos dois anos anteriores.

Recem-elaborado, o sistema ganhou sua primeira re­da~ao, em 1857/58, na forma de rascunho, cuja publica­<;ao se deu somente em 1939, sob o tftulo de Fundamen­tos para a Critica da Economia Polftica e geralmente citado como Grundrisse. Escrito com uma pressa febril, o rascu­nho foi motivado pelos sintomas de aproxima<;ao de nova crise cfclica, que Marx acreditava devesse provocar uma on­da revolucionaria mais violenta na Europa. Queria, por is­so, lan<;ar a publico o resultado de seus estudos, antes que a atividade polftica pratica o absorvesse por completo.

Numa redac;§o pouco trabalhada, com lacunas e im­precis6es terrninol6gicas, usando uma linguagem por vezes pesadamente hegeliana, os Grundrisse representam, como ja foi afirmado, uma especie de laborat6rio do pensamento marxiano. Af encontramos os elementos basicos, que te­riam desenvolvimento organico nos Livros Primeiro e Se-

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gundo de 0 Capital. Uma vez que seu conteudo foi menos aproveitado e dilufdo nessa obra, conquistou vida propria e circulac;§o em separado a parte dos Grundrisse intitulada Formas Que Precedem a Prodw;ao Capita/ista, geralmente citada como Formen.

A crise economica nao subverteu a ordem capitalista europeia, e Marx s6 conseguiu dar reda<;ao definitiva a uma reduzida parcela de suas investiga<;6es. Assim e que, em 1859, veio a publico a Critica da Economia Polftica. Seu texto esta aqui precedido por dois documentos doutri­narios primordiais no universo do marxismo: o Prefacio e a Introdur;ao.

No Prefacio, alem das informa<;6es curriculares ja referi­das, figura a mais condensada e famosa sfntese do materia­lismo hist6rico. A prioridade metodol6gica atribufda a Eco­nomia Polftica tern sua explica~ao ontol6gica na conclusao de que nela reside a anatomia da sociedade civil, cujo con­ceito compreende a totalidade das rela<;6es materiais de vi­da. A dialetica entre for~as produtivas e rela<;6es de produ­~ao, bern como entre base economica e superestrutura ideol6gica e institucional, determina a sucessao dos modos de produ<;ao e das forma<;6es sociais. A sociedade burgue­sa e declarada forma transit6ria de organiza<;ao social - a Ultima forma antagonica.

A Introdu~ao nao fez parte do livro publicado, o que Marx justificou no Prefacio por nao querer antecipar resulta­dos ainda pendentes de prova. Somente em 1903 viria a luz aquele texto inconcluso onde, no entanto, se encontra a mais extensa e a unica exposi<;ao sistematica sabre a questao do metodo, na imensa literatura marxiana.

Podemos discemir tres temas centrais nessa disserta­<;ao metodol6gica.

0 primeiro diz respeito ao objeto da Economia Polfti­ca. Costuma-se tomar por tal objeto a produ<;ao vista atra­ves de categorias supra-hist6ricas, validas para todas as epocas. A produc;§o, no entanto, e sempre social e sempre o resultado de urn desenvolvimento hist6rico. Cada epoca tern categorias especfficas e, por isso, as chamadas determi­nac;oes gerais da prodw;ao, se abstrafdas das categorias es­pecfficas, se reduzem a 'tautologias.

Segue-se uma argumenta<;ao contra a separa<;ao cor­rente entre produ<;ao e distribui<;ao - a primeira considera­da passive! de estudo cientffico, pois submetida a leis "natu­rais", enquanto a segunda seria o reino do arbftrio dos he­mens. Nao obstante, produc;ao, distribui<;ao, circula<;ao e consumo sao momentos· ou fases de urn processo l1nico. Nao que, a maneira de Hegel, devam ser reunidas numa identidade, em que tudo se confunde. Cumpre compreen­de-las, isto sim, enquanto momentos distintos e pressupos­tos umas das outras, entrela<;adas e mutuamente determi­nantes. Se a produc;ao e regida por leis independentes do que os homens pensem ou queiram, a distribui<;ao implica

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lntrodut;iio CONTINUA<;:AO que se distribui o que foi produzido e, por conseguinte, urn modo de prodw;ao. Por sua vez, a produ~o nao se da sem que os meios e objetos de trabalho sejam apropriados e distribufdos de acordo com procedimentos, que s6 na apar~ncia podem ser tidos por arbit:rarios. Assim tambem com a circula~o - que e 0 prolongamento, no ambito dos indivfduos, do que a distribui~o real~ou no domfnio dos agrupamentos sociais - e com o consumo. Este Ulti­mo ja se contem na produ~o como seu fim ideal, como seu acicate, mas, ao mesmo tempo, a produ~:tao modela o consumo, determina-lhe o carater especificamente huma­no, na medida em que cria necessidades ao criar os obje­tos capazes de satisfazer tais necessidades.

Se produ~:tao, distribui~:tao, circula~:tao e consumo sao pressupostos e determinantes umas ci_as outras, cabe a pro­du~:tao a determina~o fundamental. E ela o ponto de parti­da sempre recorrente do processo, sua razao de ser mais essencial, o resumo de todas as distintas fases. Por isso mesmo, Marx chamara de modo de produr;ao a organiza­~:tao social da atividade economica, criando urn conceito axial para todo o seu sistema te6rico.

0 segundo tema da Introdu~o aborda o aspecto pro­priamente epistemol6gico da metodologia. 0 processo cog­noscitivo e examinado numa sequencia de tr~ escalas, que ja possufa tradi~:tao na hist6ria da filosofia. Tal seqtiE~n­cia triescalar remonta, pelo menos, a Nicolau de Cusa, es­colastico do seculo XV. Vamos reencontra-la em Espinosa, com o teorema sobre os tr~ g~neros do conhecimento. Se­ria retomada pela filosofia classica alema, principalmente por Kant, que a sistematizou numa concep~o idealista sub­jetiva de categorias transcendentais a priori. l?artindo de uma concep~o tambem idealista, porem objetiva, Hegel rejeitou as categorias a priori e resolveu a seqti~ncia cog­noscitiva numa dialetica racional, que supera as antinomias kantianas. Foi de Hegel que Marx recebeu essa dialetica do conhecimento e e com Hegel que polemiza, quando enfo­ca o processo cognoscitivo do ponto de vista do materialis­mo.

Nao se trata de mera inversao de sinais, da substitui­~:tao sumaria do idealismo pelo materialismo, porem de uma visao profundamente inovadora. 0 concreto pensado nao e o concreto real ca6tico inicialmente captado pela in­tui~:tao e pela representa~o, mas a unidade do diverso, a sistematiza~:tao de multiplas abstra~:t6es unilaterais previa­mente refinadas e elaboradas a partir da intui~:tao empfrica. 0 concreto-totalidade supera o abstrato unilateral, do qual parte de modo imediato (e nao do empfrico). No entanto, ao contrario de Hegel, para o qual o concreto pensado e autocria~:tao do conceito, de fora e por cima da intui~o e da representa~ao, Marx insiste em que o ponto de partida do processo cognoscitivo esta no concreto real. Este consti­tui o objeto sobre o qual o pensamento exerce sua ativida-

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de criadora especffica, que e a atividade te6rica. Assim, o conhecimento percorre escalas necessarias do intuitive em­pfrico ao abstrato e deste ao concreto pensado, que retor­na, enquanto totalidade de multiplas determina~:t5es, ao concreto real.

0 terceiro tema diz respeito a organiza~:tao expositiva. Qual a ordem em que devem ser expostas as categorias pa­ra que formem urn sistema explicative estruturado? Essa or­dem nao pode ser hist6rica, porem 16gica. Ou seja, as cate­gorias nao se situam na exposi~:tao sistematica conforme sua sucessao na hist6ria, mas de acordo com as conexoes intemas determinadas por sua ess~ncia conceitual, no qua­dro da sociedade burguesa. Marx, contudo, e taxativo na afirma~o da rela~o imanente entre o hist6rico e o l6gico, constituindo cada qual uma perspectiva diferente do mes­mo processo real. Por vezes extremamente sutil, revelando a delicadeza com que enfrenta o assunto, sua argumenta­~:tao, se afirma tal rela~:tao, dirige-se tambem contra a identi­fica~:tao redutora do l6gico ao hist6rico. Justamente a identi­fica~:tao redutora em que incorreria Engels, ao escrever uma de suas resenhas sobre a Crftica da Economia Po/fti­ca, dando ao pensamento marxiano uma interpreta~:tao his­toricista certamente inadequada.

Teoria da Mercadoria e do Dinheiro

Por sinal, as duas resenhas de Engels representaram a Onica repercussao que o livro de Marx obteve na imprensa. Nos meios universitarios e cultos em geral, o sil~ncio foi complete. T odavia, se e verdade que sua tematica seria re­tomada em 0 Capital, nao e menos verdade que a Crftica tern significa~:tao original de alta categoria na bibliografia marxiana.

0 livro e constitufdo de apenas dois capftulos. 0 pri­meiro - A Mercadoria - coincide com o capitulo inicial do Livro Primeiro de 0 Capital, porem e mais sumario. Ja define, no entanto, o procedimento discursive e algumas te­ses basicas para o sistema em seu conjunto.

0 proprio come~r pela analise da mercadoria, fora das relar;oes capitalistas, encerra especial relevancia. Nao cabe aqui abordar a polemica em tomo da existencia ou nao de justifica~:tao hist6rica para semelhante come~:to. Por enquanto, basta assinalar a justifica~ao 16gica do procedi­mento: tratava-se de demonstrar que o desenvolvimento das formas do valor conduz necessariamente ao dinheiro e ao capital.

Na Critica, Marx ainda nao estabelece distin~ao termi­nol6gica entre valor e valor de troca, como fara em 0 Capi­tal. Mas o seu ponto de partida, quando se refere ao valor de troca, e 0 pr6prio valor e nao sua forma imprescindfvel. 0 criterio de Marx e, antes de tudo, qualitative e nao quan-

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Introdu~iio CONTINUAcAO titativo, como no case de Ricardo. 0 objetivo primordial deste ultimo foi o de identificar no tempo de trabalho a me­dido do valor e estudar as variaveis relacionadas com tal medida. Sem negligenciar, em absolute, os aspectos quanti­tativos, o objetivo primordial de Marx e desvendar no valor a substancia da mercadoria. Pois esta substancia contem a rela~ao social basica da economia capitalista. Ja na Crftica, encontramos a tese segundo a qual o valor (aqui chamado de valor de troca) e uma rela~ao entre pessoas que apare­ce como rela~o entre coisas. 0 carater social do trabalho de produtores mercantis isolados, pree~stente a qualquer rela~ao, s6 se manifesta na rela~ao de troca entre os seus produtos. 0 valor e 0 indicador do carater social do traba­lho de proprietaries privados e o regulador da divisao so­cial do trabalho entre eles.

A mercadoria encerra uma contradi~ao entre valor de uso e valor. Assim tambem o trabalho, que produz a merca­doria, se distingue contraditoriamente como trabalho con­creto, determinado por certas caracteristicas tecnicas, que cria valor de uso, e trabalho abstrato, geral, gasto indiferen­ciado de energia humana, que cria valor. 0 tempo de tra­balho abstrato despendido na produc;ao da mercadoria, de acordo com a norma social historicamente generalizada, constitui a medida do valor.

A rela~o de troca entre objetos diferentes do ponto de vista ffsico pede ser efetuada segundo propor~o regu­lar e reciprocamente aceita pelos respectivos produtores porque aqueles objetos cont~m uma substancia identica, que e o trabalho invertido em sua produ~ao. E porque es­se trabalho, uma vez que assume carater social, pode ser medido pelo tempo de sua dura~ao. Assim, se o intercam­bio mercantil s6 tern razao de ser porque se trocam coisas diferentes sob o aspecto de sua utilidade, tal intercambio s6 e possivel porque as coisas trocadas tambem sao iguais enquanto mercadorias, uma vez que possuem a substancia social comum e comensuravel do valor.

No processo do intercambio mercantil, o valor de tro­ca se metamorfoseia. Passa de forma simples e acidental do valor a forma desenvolvida, mais ou menos estavel. Da forma desenvolvida surge a forma de equivalente geral, que se fixa, afinal, na forma dinheiro. Essa parte do tema ganhara uma exposi~ao mais didatica e detalhada em 0 Capital.

0 capitulo termina com a enumera~ao dos problemas suscitados pela teoria ricardiana do valor e que a Econo­mia Politica devera resolver: os problemas do trabalho assa­lariado, da mais-valia. dos pre~os de produ~o e de merca­do e da renda da terra.

Bern mais extenso, o segundo capitulo constitui a sinte­se mais completa das teses de Marx sobre o dinheiro. Aqui, encontramos urn conteudo, que sera reproduzido no Livro Primeiro de 0 Capital, e certas antecipa~oes dos Livros Se-

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gundo e T erceiro. Mas a longa se<;ao dedicada a analise das teorias sobre 0 dinheiro apresenta importancia unica. Em particular, somente na Crftica e que tern Iugar uma po­l~mica minuciosa e concatenada com as ideias de Ricardo acerca da questao do dinheiro.

0 dinheiro possui varias fun~oes, sendo a primeira, da qual decorrem as demais, a de medida do valor. Pelo de­senvolvimento da forma do valor, que e o valor de troca, a medida do yaJor de todas as mercadorias se toma monop6-lio de uma mercadoria singular. Para ser medida universal do valor das outras mercadorias, essa mercadoria singular tambem precisa ter valor, medido, portanto, pelo tempo de trabalho socialmente necessaria para produzi-la. 0 proces­so hist6rico fixou, por fim, a fun<;ao de medida do valor nos metais preciosos, dadas suas caracteristicas especiais: pequeno volume para grande valor, comodidade de trans­porte, durabilidade, inalterabilidade, divisibilidade.

0 valor das mercadorias expresso em dinheiro (portan­to, em ouro ou prata) e o pre~o. Na Crftica, porem, nao fi­gura o estudo do complexo relacionamento entre valor e pre~o, que inclui oscilantes discrepancias entre ambos. 0 assunto s6 tera exame compreensivo no Livre T erceiro de 0 Capital, que trata da teoria da concorrencia, dos pre<;os de prodU<;ao e dos pre~os de mercado.

Ao monopolizar a fun~ao de medida do valor das de­mais mercadorias, o dinheiro permanece mercadoria, po­rem deixa de ser uma simples rhercadoria igual as outras. 0 dinheiro torna-se mercadoria absoluta, a unica que, a qualquer memento, pode ser trocada por qualquer outra, conforme, esta clare, propor<;oes variaveis. Para tanto, o di­nheiro nao precisa constituir urn padrao i!'lvariavel do valor (como, em vao, pretendeu Ricardo), mas, bern ao contra­rio, deve variar seu proprio valor de acordo com as altera­~oes no tempo social de trabalho para a produ~o dos me­tais preciosos.

Enquanto mercadoria, o dinheiro nao deve ser confun­dido com os padroes monetarios, que constituem conven­~oes arbitrarias sancionadas pelo Estado. As altera<;oes do peso metalico das unidades monetarias convencionais e de suas divisoes vao permitir que a fun<;ao pratica do dinheiro deixe de ser desempenhada pelos pr6prios metais precio-

. sos e se transfira aos seus representantes simb6licos - o papel-moeda e a moeda creditfcia.

Dada sua fun~ao de medida do valor, o dinheiro vern a preencher as fun~oes de meio de circula<;ao ou de moe­da e de meio de pagamento. Serve de intermediario nas trocas mercantis e pode ser acumulado para a efetiva~o de pagamentos em datas futuras, marcadas por compras a termo, emprestimos, contratos etc. No desempenho de tais fun<;oes, o dinheiro metalico vern a ser substitufdo por sfm­bolos ou signos de si mesmo. A princfpio, moedas de metal precioso cunhadas pelo Estado que, em conseqliencia do

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lntrodu~iio CONTINUAcAO desgaste no processo de manuseio, ja nao cont~m o peso enunciado pelo seu padrao oficial, porem continuam a cir­cular como se ainda o contivessem. Em seguida, moedas de metal nao-precioso, papel-moeda e moeda creditfcia (moeda escritural e notas bancarias). Na compensa~o dos pagamentos, sequer precisam comparecer os suportes ma­terials dos signos do dinheiro: este comparece apenas de maneira ideal como padre') de medida para efeito contabll. 0 assunto, que na Crftica tern enunciadas suas bases te6ri­cas, recebera detalhada elabora~ao no Livro T erceiro de 0 Capital, na parte dedicada ao credito.

Nao obstante, Marx opoe-se decididamente as teorias que fazem do dinheiro mero signo convencional, omitindo sua fun~ao de medida do valor e focalizando, com exclusi­vidade, sua fun~ao de moeda, de meio circulante. Na roes­rna linha de raciocfnio, opoe-se radicalmente as teorias quantitativas da moeda. Para estas, o nfvel geral dos pre­~os das mercadorias e fun~ao da massa dos meios de circu­la~ao. Marx afirma o contrario: a massa dos meios de circu­la~o varia em fun~o do nfvel geral de pre~os, levando em conta, ademais, a soma total dos pre~os das mercado­rias, a velocidade de circula~ao da moeda e os pagamentos compensados que se anulam reciprocamente. A altera~ao arbitraria do volume de papel-moeda em circula~o nao su­prime essa lei, uma vez que a aprecia~ao ou deprecia~ao do papel-moeda decorrem das necessidades reais da circu­la~o. expressas em dinheiro metalico. Se as chamadas au­toridades monetarias dispoem de poder para aumentar ou diminuir a quantidade de papel-moeda em circula~ao, o pr6prio papel-moeda nao deixara de ter a capacidade aqui­sitiva, que simbolicamente representa, na depend~ncia va­riavel das necessidades reais da circula~o e dos pagamen­tos em cada momento dado.

Afirmada sua posi~ao antiquantitativista, Marx ajusta contas com a teoria do ..dinheiro de Ricardo, antes aceita, como vimos, em Miseria da Filosofia.

Ricardo estabelece o princfpio segundo o qual o di­nheiro-ouro e uma mercadoria cujo valor depende do tem­po de trabalho invertido em sua produ~o. Mas, a seguir, abandona o princfpio estabelecido e junta o dinheiro metali­co ao pap~l-moeda de curso for~ado e a moeda creditfcia, somando-os num meio circulante (mico. Dado semelhante passo, subordina as altera~oes do valor do ouro a oferta e demanda de meios de circula~ao, cujo quantitativa regula­ria o nfvel dos pre~os. Polemizando contra semelhante con­cep~o, Marx refuta, em particular, a explica~o de Ricar­do sobre a questao dos saldos positivos ou negativos do ba­lan~o de pagamentos, apontando urn erro da sua teoria quantitativista na omissao da fun~ao do dinheiro como meio de entesouramento, que Steuart soube destacar com notavel perspicacia.

No enfoque da fun~ao do ouro como meio de ente-

XVII

souramento e como dinheiro mundial, Marx realizou giro discursivo original, uma vez que recuperou certo aspecto valido dos mercantilistas justamente contra Adam Smith -o autor que liquidou teoricamente o mercantilismo e com isso, lan~ou as bases cientfficas da Economia Polftica. E evi­dente que Marx nao se proporia, em oposi~ao aos pr6prios princfpios, a revalida~ao da obsessao mercantilista pelo ou­ro como riqueza suprema ou (mica riqueza aub~ntica. Recu­sou, porem, a posi~o de Smith, que faz do ouro uma sim­ples mercadoria igual as outras. Se o dinheiro metalico po­de ser volatizado nos sucedaneos simb6licos e ideais en­quanto os neg6cios correm pr6speros e sem maiores trope­~os, os panicos financeiros e as crises cfclicas recolocam brutalmente a preeminencia do metal precioso enquanto mercadoria absoluta. Nas situa~oes de estabilidade e confia­bilidade geral, o modo de produ~o capitalista reduz a pro­pon;oes mfnimas o entesouramento de metal precioso em compara~o com os modos de produ~ao anteriores ao capi­talismo. Mesmo assim, o funcionamento normal da econo­mia capitalista nao consegue prescindir de certo grau de en­tesouramento, que garante a liquidez do meio circulante nao-metalico. Mas, diante de retra~oes bruscas do merca­do e do credito, a ansia de entesourar ressurge potenciada e a avidez de ouro como que reconduz a burguesia aos pri~ m6rdios mercantilistas.

A formula<;ao marxiana da fun~ao do entesouramento na moderna economia capitalista decerto prefigura o con­ceito de "preferencia pela liquidez" cunhado por Keynes, apesar das bases te6ricas opostas e da enfase em aspectos d!ferentes. Apesar tambem da opiniao depreciativa de Key­nes acerca de Marx.

Ap6s a cessa~o da paridade oficial do d6lar com o ou­ro, a partir de 1971, os sistemas monetarios dos pafses capi­talistas dao a impressao de completa desvincula~ao com o lastro metalico, regulando-se, em conseqi.iencia, por outras leis que nao as enunciadas pelo autor da Critica. Sem dt1vi­da, surgiram fenomenos monetarios novos, que Marx nao previu, nem imaginou. Ainda assim, com base nele, justifi­ca-se argumentar que, se e verdade que as moedas nacio­nais contemporaneas se distanciaram astronomicamente da massa aurffera, nem por isso se libertaram de sua atra­~ao gravitaciorial. Manifestada seja na especula~ao tam­bern astronomica com o ouro e no seu incessante entesou­ramento, seja nos espasmos financeiros muito mais rebel­des ao tratamento de governos e institui<;6es internacio­nais.

A pratica dos sistemas monetarios implica, obviamen­te, urn elemento de arbftrio. 0 que a teoria marxiana afir­ma e que o arbftrio governamental nao elimina a atua~ao das leis objetivas atuantes na esfera do dinheiro, a come<;ar pela lei do valor. E, ja na Crftica, advertia seu autor que a entroniza~ao do ouro pelo sistema mercantilista devia ser

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fntrodu~iiO CONTINUA<;AO

XVIII

reconhecida pela Economia Polftica modema como "( ... ) a forma barbara do seu princfpio fundamental". 0 que, pro­vavelmente, Keynes ignorou quando chamou o ouro de "relfquia barbara", embora, por motivos diversos, tambem viesse a promover a reabilita~ao dos mercantilistas.

Elementos da Teoria dos Saliirios

A Critico do Economio Politico termina com uma nota de rodape que anuncia urn terceiro capitulo sabre a trans­forma<;ao do dinheiro em capital. Ao inves, porem, desse terceiro capitulo, veio a publico, em 1867, o Livro Primeiro de 0 Capitol, em obediencia a alterac;oes no projeto do au­tor.

No Iongo intervalo entre as duas obras, o movimento operario retornou a uma fase ascensional e Marx aumen­tou a atua~ao pratica, em detrimento da contlnuidade do trabalho te6rico. Em 1864, empenhou-se nas articula~6es que resultaram na fundac;ao da Associa~ao lnternacional dos Trabalhadores, mais tarde celebrizada como Primeira Internacional. Foi em duas sess6es do Conselho Geral da Associa~ao, em 1865, que Marx proferiu a conferencia cu­ja edic;ao p6stuma, originalmente em ingles, recebeu o titu­lo de Solorio, Prer;o e Luera.

Em forma popular, evitando as abstrac;oes mais com­plicadas, o conferencista aproveitou a oportunidade para transmitir a urn publico operario as conclus6es pri[lcipais de suas pesquisas no campo da Economia Polftica. Aquela altura, tais conclus6es ja se achavam registradas nos esbo­~os preliminares dos quais sairiam os Livros de 0 Capitol.

Solorio, Prer;o e Luera, apesar da forma popular e de algumas concess6es terminol6gicas daf decorrentes, consti­tui urn compendia da teoria marxiana sabre a categoria sa­lario no modo de produ~ao capitalista. Af encontramos, com encadeamento sistematico, os elementos fundamen­tais dessa teoria.

0 texto se inicia por uma polernica com John Weston, operario ingles que defendia posic;6es derivadas da tese sa­bre o ''fun do de salarios'' desenvolvida por John Stuart Mill. Para este e para Weston, o fundo de salarios seria uma grandeza constante previamente fixada em cada situa­~ao, sendo inutil a tentativa de modifica-la mediante au­mentos dos salarios nominais. Em sua contesta~ao, argu­mentou Marx que aumentos nos salarios nominais podem traduzir-se em aumentos nos salarios reais, pois as varia­c;oes setoriais de prec;os, que venham a provocar, sao pas­sageiras e nao determinam uma alterac;ao no nfvel geral de prec;os. Os salarios nao determinam o valor, nem os. prec;os das mercadorias - esta a tese enfatizada por Marx, que a creditou sobretudo a Ricardo e tambem a Smith. E e ainda em Ricardo que se ap6ia sua afirmac;ao de que o aumento

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do salario real nao modifica o pre~o total do produto nacio­nal, modificando apenas a relac;ao entre salarios e Iueras nos limites daquela grandeza.

Se, ate af, o fundamento te6rico e o de Smith e Ricar­do, estes sao ultrapassados quando Marx apresenta, pela primeira vez, sua descoberta acerca da cliferen~a entre uo­/or do trobolho e uo/or do forr;o de trobolho. Descoberta crucial para o sistema da Economia Polftica marxista, uma vez que permitira resolver as contraclic;oes discursivas Jega­das pelos classicos e que os ricardianos de esquerda nao conseguiram superar.

Ao contrario da aparencia suscitada pelo funcionamen­to do regime capitalista, e que adquire a consistencia de dogma ideol6gico tanto para os patroes quanta para os operarios, o que o salario paga nao e o valor do trabalho, mas o valor da forc;a de trabalho. 0 valor da forc;a de traba­lho se determina como o das demais mercadorias, ou seja, pelo tempo de trabalho socialmente necessaria para sua produc;ao. Ora, a produc;ao da forc;a de trabalho se da me­diante o conjunto de bens que o operario precisa consumir a fim de restabelecer, a cada dia, suas aptidoes ffsicas e in­telectuais e ainda sustentar sua famflia, que inclui uma fra­~ao da futura gerac;ao de operarios. Contratado pelo capita­lista para trabalhar determinado numero de horas por dia, o operario reproduz, numa parte da jomada, o valor da sua forc;a de trabalho, valor que o patrao !he retribui sob forma de salario. Mas o restante da jomada constitui traba­lho excedente sem retribui<;ao, criador de sobrevalor ou mais-valia, da qual o patrao se apropria. A apropria~ao da mais-valia - da qual o Iuera industrial e comercial, os ju­ros e a renda da terra representam formas particulares -nao se processa mediante violac;ao da lei do valor, sob o as­pecto de determinante da troca de equivalentes, porem no seu estrito cumprimento.

Se se admitir a premissa de que o salario e o equi­valente monetario do valor da forc;a de trabalho, dever-se­a admitir tambem a inelutavel fixidez do salario, exclusao feita de oscila~oes momentaneas e mutuamente compensa­das? Certo, a for~a de trabalho e, no regime capitalista·, uma mercadoria como as demais, sujeita a lei do valor. Tra­ta-se, contudo, de mercadoria especial, a unica cujo uso consiste na criac;ao de valor e mais-valia. A (mica que se vincula a subjetividade do indivfduo trabalhador e, por isso mesmo, sofre a influencia de fatores peculiares.

Embora nao a mencione, Marx opoe-se, em sua confe­rencia, a chamada "lei de ferro dos salarios" , segundo a qual os salarios tenderiam, de maneira irresistfvel, ao mfni­mo da subsistencia ffsica dos trabalhadores. Por antecipa­c;ao, seus argumentos se contrapoem a tese da pauperiza­~ao obsoluto da classe operaria, que continua a ser-lhe atri­bufda com freqtiencia, mas incorretamente.

A grandeza do salario compoe-se de dois elementos: o

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Jntroduc;ao CONTINUA<;AO

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ffsico e o hist6rico-social. 0 primeiro diz respeito aos bens de primeira necessidade imprescindfveis a sobrevivencia do operario e da sua famflia. 0 segundo inclui aqueles bens que, com variat;6es para cada pafs, se incorporaram por tra­di~o ao padrao de vida dos trabalhadores, elevando-o aci­ma do limite ffsico mfnimo. Embora com menos clareza e diversas restrit;6es, isso ja fora dito por Ricardo. Este, po­rem, s6 considerou a incidencia sobre o nfvel dos salarios das variaveis popula~o. oferta e procura de mao-de-obra, pret;o dos alimentos e valor do dinheiro. Marx incorporou a sua argumenta~o as tres ultimas variaveis, deu a varia­vel popula~o urn tratamento completamente diverso e acrescentou variaveis como as diferen~as entre as fases do ciclo economico e, fundamentalmente, a !uta de classes. Sob este ultimo aspecto, retomou, com uma nova concep­~ao do processo economico, a linha seguida por Hodgskin e outros ricardianos de tendencia socialista.

Se o elemento ffsico do salario nao pode ser baixado, sob pena de incapacitat;ao dos operarios para o trabalho e ate de sua extinc;ao, o elemento hist6rico-soci'!_l e suscetfvel de alterat;6es, que o expandem ou contraem. As vezes, tais alterat;6es sao espontaneas, acompanhando as fases de au­ge ou de depressao do ciclo economico, quando cresce ou definha a demanda de mao-de-obra. Mas tambem deri­vam, a qualquer momento, da rela~ao das for~as de classe, da disputa entre os interesses dos capitalistas contrapostos aos interesses dos operarios. Os primeiros tendem a dimi­nui~ao do salario real ate reduzi-lo ao elemento ffsico, en­quanta, simultaneamente, procuram prolongar a jomada e aumentar a intensidade do trabalho ate onde o permita a resistencia vital dos operarios. Da sua parte, os operarios lu­tam para aumentar seus salarios reais e obter redu~6es na dura~ao da jomada e na intensidade do trabalho. Baseado em estatisticas, Marx afirmou enfaticamente que essa !uta dos trabalhadores e capaz de alcanc;ar e ja alcan~ou exitos, em especial na lnglaterra; que a classe operaria pode con­quistar aumentos de salarios e melhorias das condi~6es de vida ainda no regime capitalista. Enquanto Ricardo, conse­quente com sua consciencia burguesa, considerou indeseja­vel a interferencia legislativa nas quest6es salariais e reco­mendou que se resolvessem pela livre concorrencia no mer­cado, Marx indicou a classe operaria a necessidade de se bater por essa interferencia, de tal maneira que se fixassem na legislac;ao suas conquistas arrancadas ao capital.

Assim, nao ha uma ferrea lei economica dos salarios, que os empurra ao mfnimo vital, nem a condi~ao operaria sob o capitalismo implica a fatalidade da miseria cada vez mais acentuada. Nao obstante, o que a classe operaria po­de conquistar no regime capitalista se submete as limita­~6es e a precariedade impostas pelos mecanismos imanen­tes desse regime. Os operarios nao devem iludir-se acerca

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de suas possibilidades objetivas. A essa altura de sua argu­menta~ao, Marx apresentou, em termos sucintos, sua tese sobre a superpopula~ao relativa ou exercito industrial de re­serva como cria~ao da dinamica do proprio capitalismo, in­dependendo da ocorrencia de crescimento vegetativo da popula~ao. lmpelidos pela concorrencia, os empresarios substituem operarios por maquinas e elevam a composic;ao organica do capital. Dar resulta que aumenta continuamen­te a grandeza do capital em rela~o a cada operario ocupa­do. Em consequencia, a classe operaria se ve em situa<;ao cada vez mais desvantajosa diante do patronato, sob cons­tante ameac;a de desemprego. 0 que a obriga a lutar com maior vigor ainda por melhores condic;oes de vida, sem o que nao ganhara consciencia de que seu objetivo superior deve ser a reconstruc;ao economica da sociedade, com a aboli~ao do proprio sistema de trabalho assalariado.

0 Fetichismo do Capital

0 ultimo segmento deste volume reproduz urn esboc;o de Marx, editado como apendice das Teorias da Mais-Va­lia, obra planejada para constituir o Livro Quarto de 0 Ca­pital, nao tendo, porem, safdo da fase de rascunho.

0 esbo~o contem ideias aproveitadas em varias partes de 0 Capital. 0 trecho final exp6e observat;6es hist6ricas que figuram no capitulo XXXVI do Livro T erceiro, sobre o capital de emprestimo nas format;6es sociais anteriores ao capitalismo. Mas, sem duvida, o tema de maior relevo e o do fetichismo do capital. Trata-se da disserta~ao marxiana mais ampla sobre este tema, sendo o capftulo LXVIll do Li­vro T erceiro, sobre ·a "formula trinitaria", uma condensa­~ao de 0 Rendimento e Suas Fontes.

Valendo-se do recurso metaf6rico, o conceito de feti­chismo representa uma versao concretizada do conceito de aliena~ao, que Marx, alias, continuou a empregar, mas des­pido de conota~6es especulativas e em raras passagens.

Uma vez lant;ada ao mercado, a mercadoria adquire vida independente de seu criador. Ao contrario, o destino do criador val depender do que acontecera a sua criac;ao, a qual, embora coisa banal de uso comum, assume a fei~ao de fetiche com poderes misteriosos. Tanto pode trazer felici­dade, ao ser vendida com lucro, como encalhar no deposi­to e arruinar seu produtor. No fetichismo da mercadoria ja esta latente o fetichismo do capital.

A analise do fenomeno come~a pelo capital a juros. Es­te aparece como a forma por excelencia, a forma pura do capital: e dinheiro que produz urn rendimento especffico -os juros - sem que o seu proprietano precise assumir qual­quer responsabilidade produtiva. Pode dar-se ate que o di­nheiro seja emprestado a urn mutuario que o gastara no

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lntrodufiiO CONTINUAcAO consumo pessoal improdutivo. Para o mutuante tanto faz, porque, assim mesmo, tera direito ao recebimento de juros e o seu dinheiro funcionara para ele como capital, con­quanta nao ingresse no processo produtivo. Os juros ga­nham a aparE!ncia de cria~o do dinheiro como tal, sem qualquer rela~o com a prodw;ao efetiva de mais-valia.

0 fetichismo do capital a juros se prolonga no fetichis­mo do capital industrial. Se o dinheiro rende juros sem exi­gir a participac;ao do seu proprietario em algum empreendi­mento produtivo, o Iuera industrial pode, entao, dar a im­pressao de resultar do trabalho de administrac;ao executa­do pelo empresario. Ora, Marx reconhece que o trabalho de administrac;ao e urn trabalho produtivo, s6 que, mesmo quando o exerce e nao o delega a urn gerente, nao e a es­se tftulo que o empresario embolsa o Iuera industrial. Ja Adam Smith e Ricardo haviam afirmado expressamente nao ter o Iuera outra fonte senao a do valor excedente cria­do pelos trabalhadores. Por isso, tanto mais criticavel a po­si<;ao de J. S. Mill, que se desvia dos fundamentos ricardia­nos para explicar o Iuera industrial como remunerac;ao do trabalho de administra~o, rendendo-se a aparencia feti­chista do capital industrial.

Se o Iuera industrial adquire a aparencia de remunera­~o do trabalho do empresario, o Iuera comercial pode ser, com justificac;ao nao menos id6nea, atribufdo ao processo de circulac;ao em si mesmo e nao a criac;ao da mais-valia no processo de produc;ao. Por fim, mistifica-se a origem da renda da terra, cujo carater de sobreproduto criado por tra­balhadores agrfcolas e obscurecido para que seja vista co­mo mero resultado da fecundidade do solo, dadiva da natu­reza ao proprietario da terra. Surge daf uma categoria co­mo a de pre~ da terra, tao irracional quanta a de pre~o do dinheiro, medido pela taxa de juros, e a de pre~o do tra­balho, medido pelo salario.

Completa-se, por conseguinte, urn circuito de enfeiti<;a­mento, que imputa fantasticamente a coisas inertes - o di­nheiro e a terra - urn poder de cria~o que lhes e alheio. Mas tal enfeiti<;amento nao e arbitrario, nao vern de inven­~o maliciosa, pais emana das pr6prias relac;oes de produ­~o capitalistas, das quais constitui aparencia ideol6gica ne­cessaria. Por isso mesmo, essa aparencia mistificadora e aceita com a maior naturalidade pelos agentes econ6micos praticos, que se guiam por ela na atividade cotidiana.

Semelhante naturalidade ja nao se justifica no caso de economistas, com pretensoes cientfficas. Os econornistas classicos - Quesnay, Smith, Ricardo, Sismondi - empe­nharam-se em desvendar as rela<;oes de classe inerentes a produ<;ao e a distribui<;ao do produto social. Os seus suces­sores, que Marx crismou de vulgares - os Say, Bastiat e Roscher -, assumiram a aparencia fetichista como sendo, nao o disfarce superficial da realidade, porem sua essencia.

XXIII

E, assim, por analogia com a religiao crista, difundiram a f6rmula trinitaria do capital criador de juros, da terra criado­ra de renda e do trabalho criador de salario. Ciencia com os classicos, a Economia Polftica, ao se vulgarizar, conver­teu-se em exercfcio apologetico.

Jacob Gorender

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Para a Critica da Econontia Politica*

Traduc;ao de Edgard Malagodi

Colabora<;ao de Jose Arthur Giannotti

• Escrito de fins de agosto a meados de setembro de 1857. Traduzido do original alemao Zur Kritik der politischen Oe· konomle, publicado em Manc-Engels Werke. Berlim, Dietz Verlag, 1972. v. XIII. (N. doT.)

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Introdu~ao [a Crftica da Economia PolfticaP

1- Produ~lio, Consumo, Distribui~lio, Troca (Circula~lio)

1. Produ~iio

a) 0 objeto deste estudo e, em primeiro Iugar, a produgiio material. Indivfduos produzindo em sociedade, portanto a produc;ao dos indivfduos de­

terminada socialmente, e por certo o ponto de partida. 0 cac;ador e o pescador, in­dividuals e isolados, de que partem Smith e Ricardo, pertencem as pobres ficc;oes das robinsonadas do seculo XVIII. Estas nao expressam, de modo algum - como se afigura aos historiadores da Civilizac;ao - , uma simples reac;ao contra os exces­ses de requinte e urn retono mal compreendido a uma vida natural. Do mesmo modo, o contrat social de Rousseau, que relaciona e liga sujeitos independentes por natureza, por meio de urn contrato, tampouco repousa sobre tal naturalismo. Essa e a aparencia, aparencia puramente estetica, das pequenas e grandes robin­sonadas. Trata-se, ao contrario, de uma antecipac;ao da "sociedade" (bi.irgerlichen Gesellschaft), que se preparava desde o seculo XVI, e no seculo XVIII deu largufssi­mos passos em direc;ao a sua maturidade. Nessa sociedade da livre concorrencia, o indivfduo aparece desprendido dos lac;os naturals que, em epocas hist6ricas remo­tas, fizeram aeleu m acess6rio de urn congloinerado humano limitado e determina­do. Os profetas do seculo XVIII, sobre cujos ombros se ap6iam inteiramente Smith e Ricardo, imaginam esse indivfduo do seculo XVIII - produto, por urn !ado, da decomposic;ao das formas feudais de sociedade e, por outro, das novas forc;as de produc;ao que se desenvolvem a partir do seculo XVI - como urn ideal, que teria

1 Com essa lntrodu~iio, Marx inicla seus apontamentos economicos dos anos de)857/58, que foram publicados em conjunto em 1939, em Moscou, sob o titulo de Grundrisse der Kritik der politischen Okonomie (Rohentwurf).

Foi descoberta em 1902 entre os manuscritos dei.xados por Marx, e publicada pela primeira vez por Kautsky, na re­vista Die Neue Zeit em 1903. £a essa lntrodu~llo que Marx faz alusao em seu prefacio de Para o Critico do Economfo Politico. 0 titulo "lntrodu~llo II Crftfco do Economio Polftica" nao e do seu proprio autor, mas refere-se ao nome com que foi publicada pela primeira vez e que se tornou tradicional. 0 texto nao foi preparado para a publica~o e Marx se refere a ele como urn es~ (veja o referldo prefc\cio). 0 carater inacabado e mais vislvel na parte final, onde Marx ali­nha os temas que pretendla desenvolver futuramente. As palavras entre colchetes se referem a inclu50es nilo constan­tes do manuscrito, acrescentadas para a compreensilo do texto. As palavras entre parenteses, ou sao do proprio Marx, ou sao tradu¢es para o portugu~ de expres50es estrangeiras que aparecem no texto original. (N. doT.)

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4 PARA A CRfT!CA DA ECONOM!A POLiTICA

existid~ no pass~do .. Veem-no nao c~mo urn resultado hist6rico, mas como ponto de partida da H1st6na, porque o cons1deravam como urn indivfduo conforme a na­tu~e~ - ?en~o da representac;ao que tinham de natureza humana - , que nao se on~nou h1stoncamente, mas foi posto como tal pela natureza. Essa ilusao tern sido partilhada por todas as novas epocas, ate o presente. Steuart, que em muitos as­pectos se opoe ao seculo XVIII e que na sua condic;ao de aristocrata se situa mais sabre o terrene hist6rico, escapou dessa ingenuidade.

Quanta mais se recua na Hist6ria, mais dependente aparece o indivfduo e portant<:', _ t~mbem o indivfduo produtor, e mais amplo e o conjunto a que pert~n­c~. De mtc~o, est~ apare~e de u~ modo ainda muito natural, numa familia e numa tribo, que e fami11a ampliada; mcus tarde, nas diversas formas de comunidade resul­tantes do antagonismo e da fusao das tribos. 56 no seculo XVIII na "sociedade b~rguesa", as .diversas f~rmas do ~onjunto social passaram a apres~ntar-se ao indi­~·duo com? s1mples me1o de reahzar seus fins privados, como necessidade exte­nor .. Todav1a, a epoca que produz esse ponto de vista, o do indivfduo isolado, e prec•samente a~uela na qual as relac;oes socials (e, desse ponto de vista, gerais) al­canc;aram o ma1s alto grau de desenvolvimento. 0 homem e no sentido mais lite­ral,. urn zoon politikon, 2 nao s6 animal social, mas animal que s6 pode isolar-se em soc1edade. A produc;ao do indivfduo isolado fora da sociedade - uma raridade que pode multo bern acontecer a urn homem civilizado transportado por acaso pa~ ra urn lu~ar selva~em, _mas levan do consigo ja, dinamicamente, as forc;as da socie­d~de - e u~a c01~a tao absurda como o d_esenvolvimento da linguagem sem indi­v•duos que VIva.m Juntos _e. falem entre si. E inutil deter-se mais tempo sabre isso. Nem seq_uer sena necessano tocar nesse pontd se essa banalidade que teve senti­do .e razao entre os homens do seculo XVIII nao fosse seriamente reintroduzida na ma1s modema Economia por Bastiat, Carey, Proudhon etc. Para Proudhon e al­g~ns ou~os, parece,. P?r. ce~o, agradavel deduzir a origem de uma relac;ao econo­m•ca,. CU)a genese _h•st?nca .•gnora?1, de uma maneira hist6rico-filos6fica, que lhes perm1te o rec~rso a m•tologJa, e d12er que as ideias surgiram de modo acabado na mente de Adao ou Prometeu, e pastas em uso. Nada e mais aborrecedor e arido do que o locus communis (lugar-comum) disfarc;ado.

Quando se tra~, pois, de produc;ao, trata-se da produc;ao em urn grau determi­na~o do desenvolv•mento soc1al, da produc;ao dos indivfduos socials. Por isso, po­dena parecer que ao falar da produc;iio em geral seria precise quer seguir 0 proces­so de desenvolvimento e suas diferentes fases, quer declarar desde 0 primeiro mo­menta que se trata de uma determinada epoca hist6rica, da produc;ao burguesa '_!lOdema, por exemplo, q.ue propriamente constitui o nosso tema. Mas todas as epocas da prod~c;ao tern ce;tas caracterfsticas comuns, certas determinac;oes co­~uns. A produc;a~ em gera/ e ~rna abstrac;ao, mas uma abstrac;ao razoavel, na me­dida e~ _que, efetivamente subhnhando e precisando os trac;os comuns, poupa-nos a rep:tic;ao. Esse car~ter _geral, c?nt~do, ou esse elemento comum, que se destaca atraves da comparac;ao, e ele propno urn conjunto complexo urn conjunto de de­terminac;oes_ diferentes e divergentes. Alguns desses element~s comuns pertencem a_ todas as e~o~as, outr~s apenas sao comuns a poucas. Certas determinac;oes se­rao -comuns a epoca m~•s mo~ema e ~ mais antiga. Sem elas nao se poderia con­cebe.r ne~huma prod~c;ao, po1s se as hnguagens mais desenvolvidas tern leis e de­~ermmac;oes ~omun~ as menos desenvolvidas, o que constitui seu desenvolvimento e o que as diferenc:a desses elementos gerais e comuns. As determinac;oes que va­le~ para a produc;~o em geral d~vem ser precisamente separadas, a fim de que nao se esquec;a a d1ferenc;a essenc1al por causa da unidade, a qual decorre ja do fa-

2 Zoon po/itfkon (ser social, animal social). ARISTOTELES. De Repubr.ca. Uvro Primeiro. Cap. 2. (N. da Ed. Alem3.)

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INTRODUQ\0 5

to de que o sujeito - a humanidade - e o objeto - a natureza - sao os mes­mos. Esse esquecimento e responsavel por toda a sabedoria dos economistas rna­demos que pretendem provar a etemidade e a harmonia das relac;oes socials exis­tentes no seu tempo. Por exemplo, nao ha produc;ao possfvel sem urn instrumento de produc;ao; seja esse instrumento apenas a mao. Nao ha produc;ao possfvel sem trabalho passado, acumulado; seja esse trabalho a habilidade que o exerdcio repe­tido desenvolveu e fixou na mao do selvagem. Entre outras coisas, o capital e tam­bern urn instrumento de produc;ao, e tambem trabalho passado e objetivado. Lo­go, o capital e uma relac;ao natural, universal e etema. Mas o e com a condic;ao de deixar de !ado precisamente 0 que e espedfico, 0 que transforma 0 "instrumento de produc;ao" "trabalho acumulado" em capital. Assim toda a hist6ria das relac;oes de produc;iio aparece em Carey, por exemplo, como uma falsificac;iio instigada mal­dosamente pelos govemos.

Se nao existe uma produc;ao em geral, tambem nao pode haver produc;ao ge­ral. A produc;ao e sempre urn ramo particular da produc;ao - por exemplo, a agri­cultura, a pecuaria, a manufatura etc. -, ou ela e totalidade. Mas a Econ6mia Po­lltica nao e tecnologia. Sera precise desenvolver em outro Iugar (mais tarde) a rela­c;ao entre as determinac;oes gerais da produc;ao, num dado grau social, e as formas particulares da produc;ao.

Finalmente a produc;ao tambem nao e apenas uma produc;ao particular, mas e sempre, ao contrario, certo .corpo social, sujeito social, que exerce sua atividade numa totalidade maior ou menor de ramos da produc;ao. Tambem nao e este ain­da o Iugar adequado para tratar da relac;ao que existe entre a apresentac;ao cientffi­ca e o movimento real. [Temos que distinguir] entre a produc;ao em geral, os ra­mos de produc;iio particulares e a totalidade da produc;iio.

Esta na moda entre OS economistas comec;ar por uma parte geral, precisamen­te a que figura sob o tftulo de "Produc;ao" (veja-se, por exemplo, J. Stuart Mill), onde sao tratadas as condic;oes gerais de toda produc;ao. Esta parte consiste, ou pretende-se que consista, em:

1 - nas condic;oes sem as quais a produc;iio nao e possfvel, o que de fato se reduz somente a indicac;ao dos mementos essenciais de toda produc;ao. Limita-se, com efeito, como veremos, a certo numero de determinac;oes multo simples, repeti­das em vulgares tautologias;

2 - nas condic;oes que dao maior ou menor intensidade a produc;ao, como por exemplo, em Adam Smith, o estado progressive ou estagnado da sociedade. Para dar urn carater cientffico aquila que, na sua obra, vale como esboc;o, seria ne­cessaria estudar os perfodos dos diversos graus de produtiuidade no decurso do de­senvolvimento dos diferentes povos - estudo que ultrapassa os limites propria­mente ditos do nosso tema, mas que, na medida em que nele se enquadra, sera exposto na parte referente a concorrencia, a acumulac;ao etc. Formulada de uma maneira geral, a resposta conduz a generalidade de que urn povo atinge o apogeu de sua produc;ao no momenta em que alcanc;a em geral seu apogeu hist6rico. Efeti­vamente, urn povo se encontra em seu apogeu industrial enquanto o principal pa­ra ele nao seja o ganho, mas o processo de ganhar. Nesse sentido, os ianques su­peram os ingleses. Ou tambem ista: certas rac;as, certas disposic;oes, certos climas e certas condic;oes naturals, tais como estar ao !ado do mar, a fertilidade do solo etc., sao mais favoraveis do que outras para a produc;ao. 0 que conduz, de novo, a tau­telogia de que a riqueza se produz com tanta maior facilidade conforme seus ele­mentos, subjetiva e objetivamente, existam em maior proporc;ao.

Mas isso ainda nao e tudo o que, efetivamente, preocupa os economistas nes­ta parte geral. Trata-se, antes, de representar a prodw;ao - veja por exemplo Mill - diferentemente da distribuic;ao, como regida por leis naturals, etemas, indepen­dentes da Hist6ria; e nessa oportunidade insinuam-se dissimuladamente relac;oes

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6 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITICA

burguesas como leis naturals, imutaveis, da sociedade in abstrato. Essa e a finalida­de mais ou menos consciente de todo o procedimento. Na distribui¢o, ao contra­rio, os homens permitir-se-iam, de fato, toda classe de arbitrariedade. Abstraindo a brutal disjun!tao da produ!tao e da distribui!tao, e de sua rela!tao efetiva, e de todo evidente, a primeira vista, que por diversificada que possa ser a distribui!tao nos di­ferentes graus da sociedade, deve ser possfvel tanto nesta como na produ!taO bus­car determina~oes comuns, do mesmo modo que e possfvel confundir e extinguir todas as diferen~s hist6ricas em leis geralmente humanas. 0 escravo, o servo, o operario assalariado, por exemplo, recebem todos uma quantia de alimentos que lhes permite existirem como escravo, servo, operario assalariado. Enquanto vivam, o conquistador de tribute, o funcionario de impostos, o proprietario fundiario da renda, o frade de esmolas, e o levita dos dfzimos, todos recebem uma cota da pro­du!taO social, cota que e determinada por leis distintas da dos escravos etc. Os dois pontes principais, que todos os economistas colocam sob essa rubrica, sao: 1 - a propriedade; 2 - a prote¢o desta pela Justi~, pela polfcia etc. A isto deve-se res­ponder brevissimamente:

Ad 1 - T oda produ¢o e apropriactao da natureza pelo indivfduo, no interior e por meio de uma determinada forma de sociedade. Nesse sentido, e tautologia dizer que a propriedade [apropria!tao] e uma condi!taO da produ!tao. Mas e ridfcu­lo saltar dar a uma forma determinada da propriedade, a propriedade privada, por exemplo (o que, alem disso, pressupoe uma forma antitetica, a niio-propriedade, como condictao). A hist6ria nos mostra, ao contrario, a propriedade comum (entre os hindus, os eslavos, os antigos celtas etc., por exemplo) como a' forma primitiva, forma que, todavia, desempenhou durante multo tempo importante papel sob a fi­gura de propriedade comunal. Nem se trata ainda de colocar a questao se a rique­za se desenvolve melhor sob esta ou sob outra forma de propriedade. Dizer, po­rem, que nao se pode falar de produ!taO, nem portanto de sociedade onde nao exista propriedade, e uma tautologia. Uma apropria!tao que nao se apropria de na­da e uma contradictio in subjecto (contradi!tao nos termos);

Ad 2 - Salvaguarda dos bens adquiridos etc. Quando se reduzem estas trivia­lidades a seu conteudo efetivo, expressam mais do que seus pregadores sabem, is­to e, cada forma de produ~ao cria suas pr¢prias rela~oes de direito, formas de go­vema etc. A grosseria e a incompreensao consistem em nao relacionar, senao for­tuitamente, uns aos outros, em nao enla!tar, senao como mera reflexao, elementos que se acham unidos organicamente. A noc;ao que flutua no espfrito dos economis­tas burgueses e que a polfcia e mais favoravel a produ~ao que 0 direito da for~a. por exemplo. Esquecem apenas que o direito da forcta e tambem urn direito, e que o di­reito do mais forte sobrevive ainda sob outra forma em seu "Estado de Direito".

Quando as condi~oes socials, que correspondem a urn grau determinado da produ~ao, se encontram em vias de forma~ao ou quando ja estao em vias de desa­parecer, sobrevem naturalmente perturbac;oes na prodw;ao, embora em graus dis­tintos e com efeitos diferentes.

Em resume: existem determina~oes comuns a todos os graus de produ~ao, apreendidas pelo pensamento como gerais; mas as chamadas condi~oes gerais de toda a produ¢o nao sao outra coisa senao esses fatores abstratos, os quais nao ex- · plicam nenhum grau hist6rico efetivo da produ~ao.

2 . A rela~iio geral da produ~iio com a distribuif_;iiO, troca e consumo

Antes de aprofundar a analise da produ¢o, e necessaria considerar as diferen­tes rubricas que os economistas poem a seu )ado.

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INTRODU~O 7

A ideia que se apresenta por si mesma e esta: na produ¢o, os membros da \ sociedade apropriam-se [produzem, moldam] dos produtos da natureza para as ne­cessidades humanas; a distribuic;ao determina a propon;ao dos produtos de que o indivfduo participa; a troca fomece-lhe os produtos particulares em que queira con­verter a quantia que lhe coube pela distribui!tao; finalmente no consume, os produ- J tos3 convertem-se em objetos de desfrute, de apropria~ao individual. A produc;ao cria os objetos que correspondem as necessidades (Bediirfnissen); a distribui¢o os reparte de acordo com as leis socials; a troca reparte de novo o que ja esta distribuf­do segundo a necessidade individual, e finalmente, no consume, o produto desapa­rece do movimento social, convertendo-se diretamente em objeto e servidor da ne­cessidade individual satisfazendo-a no desfrute. A produ~ao aparece assim como o ponte inicial; o consume, como ponte final; a distribui!taO e a troca aparecem co­mo o meio-termo, que e assim duplice, ja que a distribui!tao e determinada como memento determinado pela sociedade, e a troca como memento determinado pe­los indivfduos. Na produ!taO a pessoa se objetiva; no [consumo],4 a coisa se subjeti­va; na distribui!taO, a sociedade, sob a forma de determina!t6es gerais dominantes, encarrega-se da media!tao entre a produc;ao e o consume; na troca, essa mediac;ao realiza-se pelo indivfduo determinado fortuitamente.

A distribuic;ao determina a proporc;ao [a quantia] de produtos que correspon­dem ao indivfduo; a troca determina os produtos nos quais o indivfduo reclama a parte que a distribuic;ao lhe atribui.

Produc;ao, distribuic;ao, troca, consume, formam assim [segundo a doutrina dos economistas), urn silogismo correto: produ~ao e a generalidade; distribui¢o e troca, a particularidade; consume, a individualidade expressa pela conclusao. Ha, sem duvida, nele, urn encad~amento, mas e superficial. A produc;ao [segundo os economistas] e determinada por leis naturals gerais; a distribui!tao, pela contingen­cia social, podendo, pols, influir mais ou menos favoravelmente sobre a produ!tao; a troca acha-se situada entre ambas como movimento social formal; e o ato final do consume, concebido nao somente como o ponto final, mas tambem como a propria finalidade, se encontra propriamente fora da Economia, salvo quando re­troage sobre o ponte inicial, fazendo com que todo o processo recomece.

Os adversaries dos economistas - estejam eles dentro ou fora desse domfnio e que reprovam a barbara separac;ao do que se encontra unido - situam-se no mesmo terrene que aqueles ou mais abaixo ainda. Nao ha nada mais banal que a censura, feita aos economistas, de que consideram a produ!taO de modo demasia­do exclusivista, como urn fim em si, [alegando] que a distribuic;ao tern a mesma im­portancia. Essa reprova¢o se baseia precisamente na representac;ao economica de que a distribui¢o e uma esfera independente, autonoma, que existe ao lado da produ¢o. Tambem [se lhes censura] nao conceberem os [diferentes] mementos em sua unidade. Como se essa cisao nao tivesse passado da realidade aos livros, cafdo dos livros para a realidade, e como se aqui se tratasse de uma compensac;ao dialetica dos conceitos, e nao da resoluc;ao5 de relac;oes reais.

a) [Produ~iio e Consume]

A produ¢o e tambem imediatamente consume. Consume duplo, subjetivo e

3 No manuscrito, "produ~o" em Iugar de "consumo". (N. da Ed. Alema.) 4 No manuscrito, "pessoa" em Iugar de "consume" . (N. da Ed. Alema.) 5 Resolu~l!o: no texto que utillzamos para esta tradu~!lo (Marx·Engels Werke. v. 13, p. 621), bem como na edi~!io de Kautsky, a palavra e Au/loesung (dissolu~ao). M. Husson (Parts, Editions Sociales, 1972, p. 155) leu Auf/assung (con· cep;l!o). Mllntivemos a versl!o menclonada, ]a que Marx pretende mostrar aqui exatamente que o fato de os econo­mlstlls dissociarem a produ~ao dll distribui~ao nao prov<!m de uma forma de conceber esses processos. mas uma disso· cia~o real dos mesmos. (N. doT.)

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8 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITICA

objetivo. [Primeiro]: o indivfduo, que ao produzir desenvolve suas faculdades, tam­bern as gasta, as consome, no ato da produ~ao, exatamente como a reprodu~ao natural e urn consumo de for~as vitais. Segundo: produzir e consumir os meios de produ~ao utilizados, e gastos, parte dos quais (como na combustao, por exemplo) dissolve-se de novo nos elementos universais. Tambem se consome a materia-pri­ma, a qual nao conserva sua figura e constitui~o naturais, esta ao contrario e con­sumida. 0 pr6prio ato de produ~ao e, pois, em todos os seus momentos, tambem ato de consumo. Mas isso os economistas reconhecem. A produ~ao, enquanto e imediatamente identica ao consumo, o consumo, enquanto coincide imediatamen­te com a produ~o. chamam de consumo produtiuo. Essa identidade de produ~ao e consumo nos leva a proposit;ao de Espinosa: determinatio est negatio.

No entanto, essa determina~o do consumo produtivo s6 e estabelecidal ,:>ara separar o consumo, identico a produ~ao, do consumo propriamente dito, concebi­do, ao contrario, como antftese destrutora da produ~o. Consideremos, pois, o consumo propriamente dito.

0 consumo e tambem imediatamente produc;ao, do mesmo modo que na na­tureza o consumo dos elementos e das substancias qufmicas e produ~ao da planta. E claro que, por exemplo, na alimentac;ao, uma forma de consumo, o homem pro­duz seu pr6prio corpo; mas isso e igualmente valido para qualquer outro tipo de consumo, que, de urn modo ou de outro, produza o homem. [Esta e) a produ~ao consumidora. Apenas - diz a Economia - essa produ~ao identica ao consumo e uma segunda [produ~ao) nascida do aniquilamento do produto da, primeira. Na pri­meira o produtor se coisifica, na segunda, e a coisa criada por ele que se personifi­ca. Assim, pois, essa produ~o consumidora - mesmo sendo uma unidade imedia­ta da produc;ao e do consumo - difere essencialmente da produ~ao propriamente dita. A unidade imediata em que coincide a produ~ao com o consumo e o consu­mo com a produ~ao deixa subsistir sua dualidade imediata.

A produ~ao e, pois, imediatamente consumo; o consumo e, imediatamente, predw;ao. Cada qual e imediatamente seu contrario. Mas, ao mesmo tempo, ope­ra-se urn movimento mediador entre ambos. A produ~o e mediadora do consu­mo, cujos materiais cria e sem os quais nao teria objeto. Mas o consumo e tambem mediador da produc;ao ao criar para os produtos o sujeito, para o qual sao produ­tos. 0 produto recebe seu acabamento final no consumo. Uma estrada de ferro em que nao se viaja e que, por conseguinte, nao se gasta, nao se consome, nao e mais que uma estrada de ferro dynamei, e nao e efetiva. Sem produ~ao nao ha consumo, mas sem consumo tampouco ha preduc;ao. 0 consumo produz de uma dupla maneira a produ~ao:

1 - porque o produto nao se torna produto efetivo senao no consumo; por exemplo, urn vestido converte-se efetivamente em vestido quando e usado; uma casa desabitada nao e, de fato, uma casa efetiva; por isso mesmo o produto, diver­samente do simples objeto natural, nao se confirma como produto, nao se toma produto, senao no consumo. Ao dissolver o produto, o consumo !he da seu reto­que final (finishing stroke), pois o produto nao e apenas a produ~ao enquanto ativi­dade coisificada, mas [tambem] enquanto objeto para o sujeito em atividade. E,

2 - porque o consumo cria a necessidade de uma noua produ~ao, ou seja, 6 fundamento ideal, que move internamente a produ~o, e que e sua pressuposi~ao. 0 consumo cria o impulso da produc;ao; cria tambem o objeto que atua na produ­c;ao como determinante da finalidade. Se e clare que a produ~ao oferece o objeto do consumo em sua forma exterior, nao e menos clare que o consumo poe ideal­mente o objeto da produ~ao, como imagem interior, como necessidade, como im­pulso e como fim. 0 consumo cria os objetos da produ~o de uma forma ainda mais subjetiva. Sem necessidade nao ha produ~ao. Mas o consumo reproduz a ne­cessidade.

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INTRODU<;:AO 9

Do !ado da prodw;ao, pode-se dizer: 1 - que ela fornece os materiais, o objeto. Urn consumo sem objeto nao e

consumo. Assim, pols, a produ~ao cria o consumo nesse sentido; 2 - mas nao e somente o objeto que a produ~o cria para o consumo. Deter­

rnina tambem seu carater, da-lhe seu acabamento (finish) . Do mesmo modo que o consumo clava ao produto seu acabamento, agora e a produ~o que da o acaba­mento do consumo. Em primeiro Iugar, o objeto nao e urn objeto em geral, mas urn objeto determinado, que deve ser consurnido de uma certa maneira, esta por sua vez mediada pela propria produ~ao. A fome e fome, mas a fome que se satis­faz com came cozida, que se come com faca ou garfo, e uma fome muito distinta da que devora came crua, com unhas e dentes. A produ~o nao produz, pois uni­camente o objeto do consumo, mas tambem o modo de consumo, ou seja, nao s6 objetiva, como subjetivamente. Logo, a produ~ao cria o consumidor;

3 - a produc;ao nao se limita a fornecer urn objeto material a necessidade, fomece ainda uma necessidade ao objeto material. Quando o consumo se liberta da sua rudeza primitiva e perde seu carc:1ter imediato - e nao o fazer seria ainda o resultado de uma produc;ao que se mantivesse num estadio de primitiva rudeza -- ' o proprio consumo, enquanto impulso, e mediado pelo objeto. A necessidade que sente desse objeto e criada pela percepc;ao do mesmo. 0 objeto de arte, tal como qualquer outro produto, cria urn publico capaz de compreender a arte e de apre­ciar a beleza. Portanto, a produc;ao nao cria somente urn objeto para o sujeito, mas tambem urn sujeito para o objeto.

A produ~ao engendra, portanto, o consumo: 1 - fornecendo-lhe o material; 2 - determinando o modo de consumo; 3 - gerando no consumidor a necessida­de dos produtos, que, de in\cio, foram postos por ela como objeto. Produz, pois, o objeto do consumo, o impulso do consumo. De igual modo, o consumo engendra a disposi~oo do produtor, solicitando-lhe a finalidade da produc;ao sob a forma de uma necessidade determinante.

As identidades entre o consumo e a predu~o aparecem, pois, de urn modo triplo:

1 - identidade imediata: a produ~o e consumo, o consumo e produ~o. Pro­du~o consumidora. Consumo produtivo. Os economistas chamam a ambos de consumo produtivo, mas estabelecem ainda uma diferenc;a: a primeira, figura co­mo reprodu~o; o segundo, como consumo produtivo. T odas as investigac;oes so­bre a primeira se referem ao trabalho produtivo e improdutivo; sob o segundo, ao consumo produtivo e nao produtivo;

2 - ambos aparecem como meio e existem por media~o do outro, o que se exprime como sua dependencia recfproca; e urn movimento pelo qual se relacio­nam entre si e se apresentam como reciprocamente indispensaveis; mas permane­cem, entretanto, exteriores entre si. A produc;ao cria o material para o consumo co­mo objeto exterior; o consumo cria ·a necessidade como objeto interno, como finali­dade da produc;ao. Sem produc;ao nao ha consumo; sem consumo nao existe pro­duc;ao; essa proposi~ao figura na Economia sob numeresas formas;

3 - a produc;ao nao e apenas imediatamente consumo, nem o consumo ime­diatamente produc;ao; igualmente, a produc;ao nao e apenas urn meio para o con­sumo, nem o consumo urn fim para a produc;ao, no sentido em que cada urn da ao outro seu objeto, a produc;ao - o objeto exterior do consumo, o consumo - o objeto idealizado da prodw;ao. De fato, cada urn nao e apenas imediatamente o outro, nem apenas intermediario do outro: cada urn, ao realizar-se, cria o outro. E o consumo que realiza plenamente o ato da produ~o ao dar ao produto seu cara­ter acabado de produto, ao dissolve-lo consurnindo a forma de coisa independente que ele reveste, ao elevar a destreza pela necessidade de repetic;ao, a disposi~o desenvolvida no primeiro ato da produ~o; ele nao e somente o ato ultimo pelo

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10 PARA A CRiTICA OA ECONOMIA POLinCA

qual o praduto se toma praduto, mas tambem o ato pelo qu~ o produto se tom~ produtor. Por outro !ado, a pradu~ao produz o consumo a? cnar ~ modo d~cerml­nado do consume, e o estfmulo para o consumo, a pr6pna capac1dade de consu­mo sob a forma de necessidade. Esta ultima identidade mencionada no paragrafo 3 e muito discutida pela Economia a prop6sito da rela~ao da oferta e da procura, dos objetos e das necessidades, das necessidades criadas pela sociedade e das ne-cessidades naturals.

Depois disso, nada mais simples para urn hegeliano que colocar c~mo identi-cos a produ~ao e o consumo. E e isso o que tern feito, nao somente os literatos so­cialistas,6 mas tambem os economistas prosaicos, como Say, por exemplo, da se­guinte forma: se se considerar urn povo e ate a humanidade in abstracto, sua pro­du<;iio e seu consumo. Storch demonstrara o erro de s.ay notanda q_:te urn . pov? nao consome seu praduto lrquido, mas tambem cria me!os de produ<;ao, cap1tal fi­xo etc. Alem disso, considerar a sociedade como urn unico sujeito e considera-la falsamente - especu/ativamente. Em urn sujeito, produzir e consumir aparecem como momentos de urn ato. 0 importante nessa questao e salientar que, se se con­sideram a produ~ao e o consumo como atividades de urn s6 sujeito, ou de indivf­duos isolados, surgem em todo caso como momentos de urn processo no qual a produc;ao e o ponto de partida efetivo, e, por conseguinte, tambem o momenta que predomina. 0 consumo como carencia e necessidade e, ele mes~o, urn m~­mento interno da atividade produtiva, mas esta ultima e o ponto de partida da reali­za<;ao e, portanto, seu memento preponderante, o ato em que se ~esenrola de no: vo todo o processo. 0 indivfduo produz urn objeto e, ao consum1-lo, retoma a s1 mesmo mas como indivfduo produtor e que se reproduz a si mesmo. Desse mo-do, o c~nsumo aparece como urn momento da pradu~ao. .

Mas na sociedade o relacionamento do produtor com o produto, ass1m que este se ~ncontre acabado, e puramente exterior e o retorno do produto ao sujeito depende das rela~oes deste com os outros indivfduos. Nao se apodera dele imedia­tamehte. Tambem a apropria<;ao imediata do produto nao e sua finalidade quando produz dentro da sociedade. Entre o pradutor e os produtos se coloca a distribui­~iio, a qual, por meio de leis socials, determina sua parte no mundo dos pradutos e interpoe-se, portanto, entre a produ¢o e o consumo. . _

Mas constituira a distribui<;ao uma esfera autonoma, marginal e extenor a pra-du~ao?

b) [Produ~iio e Distribui~iio]

0 que nos deve surpreender, em primeiro Iugar, quando nao considerado~ ~s tratados correntes de Economia, e que tudo neles e colocado duplamente: na distri­buic;ao, por exemplo, figuram a renda da terra, o salario, o jura e o lucro, enquan­to que na produ<;ao, a terra, o trabalho, o capital, figuram como agentes da produ­<;ao. No que concerne ao capital, e evidente que desde o primeiro mom_ento ele e estabelecido de uma dupla maneira: primeira, como agente de produ<;ao; segun­do como fonte de receitas: como forma de distribui~ao determinada e determinan­te. 'Por conseguinte, jura e lucro figuram tam bern, como tais, na produ¢o, na me­dida em que sao formas nas quais o capital aumenta, cresce na medida em que sao fatores de sua pr6pria produ~ao. Juros e Iueras, enquanto formas de distribui­¢o, supoem o capital considerado como agente da produ<;ao. Sao modos de distri-

6 "Literates sodalistas'' - e sebretudo ae "verdadelro" socialista Karl Griin, a quem se dirige essa refer~ncia. Suas te· ses sabre a rela~ao entre a produ~e e e consume ~o crilicadas par Marx em A /deologio Alemii. (N. da Ed. Alema.)

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INTRODU<;fi.O 11

bui¢o que tern por postulado o capital como agente da produ<;ao. Sao igualmente modos de repraduc;ao do capital.

De igual modo o salario e o trabalho assalariado [que os economistas conside­ram] sob uma outra rubrica; o can'iter determinado do agente de produc;ao, que o trabalho possui nesse caso aparece como determina~ao da distribuic;ao. Se o traba­lho nao fosse definido como trabalho assalariado, o modo segundo o qual partici­pa na repartic;ao dos pradutos nao assumiria a forma de salano: e o que acontece, por exemplo, com a escravidao. Finalmente, a renda da terra, para considerar ago­ra a forma mais desenvolvida da distribuic;ao pela qual a propriedade fundiaria par­ticipa na repartic;ao dos produtos, supoe a grande propriedade fundiaria (a bern di­zer, a grande agricultural como agente de produ<;ao, e nao pura e simplesmente a terra, tal como o salario nao supoe o trabalho puro e simples. Por isso, as rela<;oes e os modos de distribuic;ao aparecem apenas como o inverso dos agentes de pro­du~ao. Urn indivfduo que participe na produ<;ao por meio do trabalho assalariado, participa na reparti¢o dos pradutos, resultado da produ¢o, na forma do salario. A articulac;ao da distribuic;ao e inteiramente determinada pela articulac;ao da produ­<;ao. A pr6pria distribui<;ao e urn produto da pradu~ao, nao s6 no que diz respeito ao objeto, podendo apenas ser distribuldo o resultado da produ<;ao, mas tambem no que diz respeito a forma, pois o modo preciso de participac;ao na produ<;ao de­termina as formas particulares da distribui<;ao, isto e, determina de que forma 0

produtor participara na distribui<;ao. Nao passa de ilusao incluir a terra na produ­c;ao, a renda da terra na distribuic;ao etc.

Economistas como Ricardo, a quem muitas vezes se acusou de s6 terem em vista a produ<;ao, definiram no entanto a distribui<;ao como o objeto exclusivo da Economia, porque instintivamente viam nas formas de distribui<;ao a expressao mais definida em que se estabelecem agentes de praduc;ao numa dada sociedade.

Em rela<;ao ao indivfduo isolado, a distribui<;ao aparece naturalmente como uma lei social, que condiciona sua posi<;ao no interior da produ<;ao, no quadro da qual ele praduz e que precede portanto a produc;ao. Originariamente, o indivfduo nao tern capital nem prapriedade de terra. Logo ao nascer e constrangido ao traba­lho assalariado pela distribui<;ao social. Mas o pr6prio fato de ser constrangido ao trabalho assalariado e urn resultado da ex.istencia do capital e da propriedade fun­diana com os agentes de praduc;ao autonomos.

Considerando as sociedades na sua totalidade, a distribuic;ao, de urn outro ponto de vista, parece preceder a produc;ao e determina-la - a bern dizer como urn fato pre-econ6mico. Urn povo conquistador partilha a terra entre os conquista­dores, impondo assim uma certa reparti¢o e uma certa forma de prapriedade de terra. Deterrnina, portanto, a praduc;ao. Ou entao escraviza os povos conquista­dos, fazendo assim do trabalho escravo a base da produ¢o. Ou ainda, par meio de uma revolu<;ao, urn povo destr6i a grande propriedade fundiaria e divide-a em parcelas; ·da assim, com essa nova distribuic;ao, urn novo carater [a produ<;ao]. Ou a legisla<;ao perpetua a propriedade fundiaria em certas famflias; ou faz do trabalho urn privilegio hereditario, imprimindo-lhe desse modo urn carater de casta. Em to­dos esses casas - e todos sao hist6ricos - , a distribuic;ao nao parece ser articula­da e determinada pela produ¢o, mas, pelo contrario, e a produ¢o que parece se­lo pela distribuic;ao.

Na sua concepc;ao mais banal, a distribui¢o aparece como distribui<;ao dos produtos e assim como que afastada da produ<;ao, e, par assim dizer, independen­te dela. Contudo, antes de ser distribui<;ao de pradutos, ela e: primeira, distribui­<;ao dos instrumentos de produ<;ao, e, segundo, distribuic;ao dos membros da socie­dade pelos diferentes tipos de pradu<;ao, o que e uma determinac;ao ampliada da relac;ao anterior. (Subordina<;ao dos indivfduos a relac;oes de prodw;ao determina-

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12 PARA A CRfnCA DA ECONOMIA POLITICA

das.) A distribuigao dos produtos e 111anifestamente o resultado dessa distribuigao que e incluida no proprio processo de produc;ao, cuja articulat;ao deterrnina. Consi­derar a produc;ao sem ter em conta essa distribuic;ao, nela incluida, e manifesta-· mente uma abstragao vazia, visto que a distribui~¥ao dos produtos e implicada por essa distribui~¥ao que constitui, na origem, urn fator da produ~¥ao. Ricardo, a quem interessava conceber a produc;ao modema na sua articula~¥aO social determinada, e que e o economista da produ~¥ao par excelencia, afirma mesmo assim que niio e a produi¥ao, mas sim a distribui~¥aO que constitui o tema propriamente dito da Econo­mia modema. Aqui ressurge novamente o absurdo dos economistas que conside­ram a produgao como uma verdade etema, enquanto proscrevem a Historia ao do­minio da distribui~¥ao.

A questao de saber qual e a rela~¥ao dessa distribuic;ao com a produgao que determina e evidentemente do dominic da propria produc;ao. Se se dissesse, en­tao, pelo menos - uma vez que a produ~ao depende de certa distribuit;ao dos ins­trumentos de produc;ao - que a distribuic;ao nesse sentido precede a produgao, e pressuposta par ela, deve-se replicar que, de fato, a produi¥ao tern condi~¥5es e pressupostos que constituem os seus mementos. Pode parecer, a principia, que es­tas tern urha origem espontAnea. Pelo proprio processo de produ~¥ao convertem-se de fatores espontaneos em fatores historicos e se, em relac;ao a urn perfodo, apare­cem como pressuposit;ao natural a produc;ao, em relac;ao a outro constituem seu resultado historico. No interior da produc;ao sao constantemente transformados. 0 emprego da maquina, por exemplo, modifica a distribuigao dos instrumentos de produc;ao tanto como dos produtos, e ate a grande propriedade fundiaria modema e resultado tanto do modemo comercio como da industria moc.lema, como tam­bern da aplicac;ao desta a agricultura.

T odas as questoes tratadas acima se reduzem, pois, em ultima instancia, a sa­ber de que maneira as condic;oes historicas gerais afetam a produc;ao e qual e a re­la~ao desta com o movimento historico em geral. A questao evidentemente perten­ce a discussao e a analise da propria produ~ao.

Contudo, na forma trivial em que acabam de ser expostas, podem ser acomo­dadas facilmente. T odas as conquistas comportam tres possibilidades. 0 povo con­quistador submete o povo conquistado a seu proprio modo sfe produc;ao (os ingle­ses, par exemplo, na Irlanda, neste seculo, e em parte na India); ou entao deixa subsistir o antigo modo e contenta-se com urn tributo (os turcos e os romanos, por exemplo); ou entao estabelece-se uma ai¥aO reciproca que produz alga novo, uma sintese (isso ocorreu em parte nas conquistas germanicas). Em todos os casas, o modo de produc;ao, seja o do povo conquistador, seja o do povo conquistado, seja o que precede da fusao de ambos, e decisivo para a nova distribui~¥ao que se esta­belece. Embora esta surja como uma condic;ao previa para o novo periodo de pro­dw;ao, ela propria e urn produto da produc;ao, nao somente da produ~¥ao historica em geral, mas da produc;ao historica determinada.

Os mongois, em suas devasta~¥5es na Russia, par exemplo, agiam de conformi­dade com a sua produt;ao, que nao exigia senao o pasta, para o qual as grandes extensoes dos paises despovoados constituem uma condic;ao capital. Os barbaros germAnicos, para os quais a agricultura praticada pelos servos era a produ~ao tradi­cional e que estavam acostumados a vida solitaria no campo, puderam com muito maior facilidade submeter as provincias romanas a essas condi~oes, quando a con­centragao da propriedade da terra, que nelas havia se operado, transformara ja por c9mpleto os antigos sistemas de agricultura.

E uma noc;ao tradicional esta que imagina que se tern vivido em certos perio­dos unicamente de pilhagens. Mas, para poder saquear, e necessaria que exista a!-

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INTRODUcAO 13

go que saquear, isto e, produt;ao. E o proprio genera de pilhagem e deterrninado pelo genera da produc;ao. Nao se pode saquear uma stock jobbing nation (nac;ao de especuladores da balsa) da mesma maneira que uma nac;ao de vaqueiros.

Quando se rouba o escravo, rouba-se diretamente o instrumento da produ­c;ao. Mas tambem e preciso que a produt;ao do pais, para o qual tenha sido rouba­do, se e~contre articulada de maneira que perrnita o trabalho escravo, ou (como na Amenca do Sui etc.) e necessaria que se erie urn modo de produ~¥ao que corres­ponda ao escravo.

As leis po~em perpetuar urn instrumento de produc;ao, a terra, par exemplo, em certas famihas. Essas leis adquirem uma importancia economica unicamente on­d_e a grande propriedade territorial se encontra em harmonia com a produgao so­Cial, como na lnglaterra. Na Franc;a, praticava-se a pequena agricultura a despeito da g~nde propriedade; par isso esta ultima foi destroc;ada pela Revolu~¥ao. Mas se as le1s perpetuam o parcelamento? Apesar dessas leis, a propriedade volta a con­centra~-se. A influencia das leis para fixar as relac;oes de distribuit;ao e, portanto, sua ai¥aO sabre a produc;ao, devem ser deterrninadas separadamente.

c) Finalmente Troca e Circulaqiio

A propria circulat;ao e somente urn momenta determinado da troca ou ainda e a troca considerada em sua totalidade. ' '

. _Na medid_a em que a troca e momenta mediador entre a produi¥ao e a distri­bu1c;ao deterrnmada par ela e o consumo, na medida em que, entretanto, este Ulti­mo aparece como momenta da produc;ao, a troca e tambem manifestamente inclui­da como urn momenta na produgao.

Em primeir? !~gar, pare_ce clara que ~ troca de atividades e capacidades, que se efetua na propna produi¥ao, pertence d1retamente a esta e a constitui essencial­mente. Em segu_ndo Iugar, isso e certo em rela~¥ao a troca de produtos, na medida em que e o me1o que serve para criar o produto acabado destinado ao consume i~ediato. Den~ro desses limit~s, a pr6pria troca e urn ato c'ompreendido na produ­c;ao. Em terce1ro Iugar, a ass1m chamada troca (exchange) entre negociantes ( dea­lers) _e, segu~d? sua organ~ac;ao, tao completamente determinada pela produ~ao q~e e ~m~ atiVJdade prod~tiva. A troca aparece como independente junto a produ­c;ao_ e m_d1ferente em relac;ao a ela, na Ultima etapa, quando o produto e trocado, de 1med1ato, para o consumo. Mas, primeiro, nao existe troca sem divisao de traba­lho, quer natural, quer como resultado hist6rico; segundo, a troca privada supoe a produc;ao privada; terceiro, a intensidade da troca, do mesmo modo que sua exten­sao e tipo, sao determinadas pelo desenvolvimento e articulac;ao da produgao; par exemplo: a troca entre a cidade e o campo, a troca no campo, na cidade etc. A tro­ca aparece, assim, em todos os seus momentos diretamente compreendida na pro­duc;ao ou por ela deterrninada.

. 0 resultado a _qu~ chegamos nao e que a produ~¥ao, a distribuic;ao, o intercam­bJO, o consumo, sao 1denticos, mas que todos eles sao elementos de uma totalida­de, diferen~¥as dentro de uma unidade. A produc;ao se expande tanto a si mesma na deterrninac;ao antitetica da produt;ao, como se alastra aos demais mementos. 0 processo comec;a sempre de novo a partir dela. Que a troca e o consumo nao pas­sam ser o elemento predominante, compreende-se par si mesmo. 0 mesmo acon­tece com a distribuigao como distribuic;ao dos produtos. Porem, como distribui~¥ao dos agentes de produc;ao, constitui um momenta da produ~¥ao. Uma (forma] deter­minada da produc;ao determina, pais, [formas] deterrninadas do consumo da distri­buic;ao, da troca, assim como relaqoes determinadas desses diferentes fat~res entre

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14 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITJCA

si. A produ~ao, sem duvida, em sua forma unilateral, e tambem determinada por outros mementos; por exemplo, quando o mercado, isto e, a esfera da troca, se es­tende, a produ~o ganha em extensao e divide-se mais profundamente.

Se a distribui~ad sofre uma modifica~o, modifica-se tambem a produ~o; com a concentra~ao do capital, ocorre uma distribui~o diferente da popula~o na cidade e no campo etc. Enfim, as necessidades do consume determinam a produ­~o. Uma reciprocidade de a~ao ocorre entre os diferentes mementos. Este e o ca­so para qualquer todo organico.

3. 0 metodo da Economia Politico

Quando estudamos urn dado pafs do ponto de vista da Economia Polftica, co­me~amos por sua popula~ao, sua divisao em classes, sua reparti~ao entre cidades e campo, na orla maritima; os diferentes ramos da produc;ao, a exporta~o e a im­porta~o, a produ~o e o consume anuais, os pre~os das mercadorias etc. Parece que o correto e comec;ar pelo real e pelo concreto, que sao a pressuposi~o previa e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, comec;ar-se-ia pela popula~ao, que e a base e o sujeito do ato social de produ~ao como urn todo. No entanto, gra~as a uma observac;ao mais atenta, tomamos conhecimento de que isso e falso. A popu­lac;ao e uma abstra~o. se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compoem. Por seu !ado, essas classes sao uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os ele­mentos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes supoem a troca, a divisao do trabalho, os pre~os etc. 0 capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o pre~o etc., nao e nada. Assim, se comet;.asserrios pela populac;ao, teriamos firma representa~o ca6tica do todo, e atraves de uma determinac;ao mais precisaj atraves de uma analise, chega­rfamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passarfamos a abstrac;oes cada vez mais tenues ate atingirmos determina~oes as mais simples. Chegados a esse ponto, terfamos que voltar a fazer a viagem de modo inverse, ate dar de novo com a popula~ao, mas desta vez nao com uma representa~ao ca6tica de urn todo, porem com uma rica totalidade de determinac;oes e rela~oes diversas. 0 primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente eco­nornia. Os economistas do seculo XVII, por exemplo, comec;am sempre pelo todo vivo: a popula~o, a na~ao, o Estado, varios Estados etc.; mas terminam sempre por descobrir, por meio da analise, certo numero de rela~oes gerais abstratas que sao determinantes, tais como a divisao do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Esses elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e abstrafdos, dao origem aos sistemas econ6micos, que se elevam do simples, tal como trabalho, divisao do tra­balho, necessidade, valor de troca, ate o Estado, a troca entre as na~oes e o merca­do mundial. 0 ultimo metodo e manifestamente o metodo cientificamente exato. t 0 concreto e concreto porque e a sfntese de muitas determina~oes, isto e, unidade do diverse. Por isso o concreto ~rece no pensamento como o processo da sfnte­se, como resultado, nao como pcmto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida tam bern da intui~o e da representa~ol No primeiro metodo, a representa~ao plena volatiliza-se em determina~oes abstratas, no segundo, as determina~oes abstratas conduzem a reprodu~ao do concreto por meio do pensamento. Por isso e que Hegel caiu na ilusao de conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto que o metodo que consiste em elevar-se do abstrato ao con­creto nao e senao a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do con­creto, para reproduzi-lo como concreto pensado. Mas este nao e de modo ne­nhum o processo da genese do proprio concreto. A mais simples categoria econo-

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~ODUCAO 15

mica, st.~poohamo~, por exemplo, o valor de troca, pressupoe a popula~ao, uma 17opula~ao pro~uzmdo em determinadas condi~oes e tambem certos tipos de {ami­bas, de comumdades ou Estados. 0 valor de troca nunca poderia ex.istir de outro modo senao como rela~ao unilateral, abstrata de urn todo vivo e concreto ja dado.

~o~o categoria, ao contrario, o valor de troca leva consigo urn modo de ser antedJluv~ano. Para a consciencia - e a consciencia filos6fica e determinada de tal modo que, para ela, o pensamento que concebe e o homem efetivo e o mundo conceb~do e como tal o unico efetivo. Para a consciencia, pois, o m~vimento das categon~s aparece como o ato de produ~ao efetivo - que recebe infelizmente ape­nas urn Impulse do exterior -, cujo resultado e o mundo, e isso e certo (aqui te­mos de novo uma tautologia) na medida em que a totalidade concreta, como totali­dade de pensamentos, como urn concreto de pensamentos, e de fato urn produto do pensar, do co~ceber; _na~ ~ de modo nenhum o produto do conceito que pen­sa separado e ac1ma da mtu1~ao e da representa~ao, e que se engendra a si mes­mo, mas da elabora~o da intuic;ao e da representa~o em conceitos. 0 todo, tal como aparece no cerebro, como urn todo de pensamentos, e urn produto do cere­bro p~nsante que se apropria do mundo do unico modo que Jhe e possfvel, modo ~~e difere do modo artfstico, religiose e pratico-mental de se apropriar dele. 0 su­Jeito real permanece subsistindo, agora como antes em sua autonomia fora do ce­rebro, isto ~· na medida ~m que o cerebro nao s~ comporta senao especulativa­men~e! teoncame~te. Por ISSO tambem, no metodo te6rico [da economia politica], o_ SUJeito - a sociedade- deve figurar sempre na representa~o como pressuposi-c;ao. .

No entanto, essas categorias simples nao possuem tambem uma ex.istencia in­dependente hist6rica ou na~ral anterior as categorias mais concretas? <;a depend (Depende). Hegel, por exemplo, comec;a corretamente sua Filosofia do Direito com a posse como a mais simples rela~o jurfdica do sujeito. T odavia nao existe po~e anterior a .familia e as rela~oes de senhor e servo, que sao rel~~oes muito mais concretas amda. Ao contrario, seria justo dizer que ex.istem fami1ias tribos que se li.mitam a possu!r, mas nao tern propriedade. A categoria mais simples apa~ rece, p01s, como relac;ao de comunidades mais simples de fami1ias ou tribos em com~ara~a<? c<;>m a propriedade. Na sociedade mais desenvolvida aparece co~o a relac;ao mats simples _de urn organismo mais desenvolvido, mas e sempre pressu­posto ~ substrate m~1s con~reto, cuja rela~o e a posse. Pode-se imaginar urn sel­vagem .:so~ado possumdo coisas. Mas nesse caso a posse nao e uma rela~ao jurfdica.

Na~ e corr~~o que ~ ~os~e. evolu~ historican;?nte ate a familia. A posse sempre pressupoe essa categona JUndica mais concreta . Entretanto, restaria sempre o se­guinte: as cat~gorias simples sao _a expressao de rela~oes nas quais o concreto pou­co desenvoiVIdo pode ter se realizado sem haver estabelecido ainda a rela~ao ou o rel~cionamento mais complexo, que se acha expresso mentalmente na categoria ~ais concreta, enq~anto o concreto mais desenvolvido conserva a mesma catego­na como uma relac;ao subordinada. 0 dinheiro pode ex.istir, e existiu historicamen­te, antes que ex.is~sse o capital, antes que ex.istissem os Bancos, antes que ex.istisse ~ trabalho assalan?d?. Desse ponto de vista, pode-se dizer que a categoria mais simples pode expnmir rela~oes dominantes de urn todo menos desenvolvido ou rela~oes subordinadas de urn todo mais desenvolvido, rela~oes que ja existiam' an­tes que o todo tivesse se desenvolvido, no sentido que se expressa em uma catego­ria _m~s concreta. Nessa medida, o curso do pensamento abstrato que se eleva do ma1s Simples ao complexo corresponde ao processo hist6rico efetivo.

De outro !ado, pode-se dizer que ha formas de sociedades multo desenvolvi­das, embora historicamente_ nao tenham atingido ainda sua maturidade, nas quais s~ ~~contram as formas ma1s elevadas da Economia, tais como a coopera~ao, uma dtVIsao do trabalho desenvolvida, . sem que exista nelas o dinheiro; o Peru e urn

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16 PARA A CRITICA OA ECONOM!A POLITICA

exemplo. Tambem nas comunidades eslavas, o dinheiro e a troca, que o condicio­na, desempenham urn papel insignificante ou nulo, J!laS aparecem em suas frontei­·ras, nas suas rela~oes com as outras comunidades. E, pais, urn erro situar o inter­cambia no interior das comunidades como elemento que as constitui originaria­mente. A principia surge antes nas rela~oes redprocas entre as distintas comunida­des, que nas rela~oes entre os membros de uma mesma e unica comunidade.

Alem disso, embora o dinheiro tenha, multo cedo e par toda parte, desempe­nhado urn papel, nao assume papel de elemento dorninante na Antiguidade, se­nao de modo unilateral e em determinadas na~oes - as na~oes comerciais. E mes­mo na Antiguidade mais culta, entre os gregos e os romanos, nao atinge seu com­pleto desenvolvimento, que se pressupoe existir na modema sociedade burguesa, a nao ser no perfodo de sua dissoluc;ao. Essa categoria, que e no entanto bern sim­ples, s6 aparece portanto historicamente com todo o seu vigor nos Estados mais desenvolvidos da sociedade. E o dinheiro nao entrava de modo nenhum em todas as rela~oes economicas; a5sim, no Imperio Romano, na epoca de seu perfeito de­senvolvimento, permaneceram como fundamentals o impasto e as entregas em produtos. 0 sistema do dinheiro, propriamente dito, encontrava-se completamente desenvolvido apenas no exercito, e jamais atingiu a totalidade do trabalho. De mo­do que, embora a categoria mais simples possa ter existido historicamente antes da mais concreta, pode precisamente pertencer em seu plena desenvolvimento, inten­sivo e extensivo, a formas complexas de sociedade, enquanto que a categoria mais concreta ja se achava plenamente desenvolvida em uma forma de sociedade me­nos avan~ada.

0 trabalho parece ser uma categoria multo simples. E tambem a representa­c;ao do trabalho nesse sentido geral - como trabalho em geral - e multo antiga. Entretanto, concebido economicamente nessa simplicidade, o "trabalho" e uma ca­tegoria tao modema como o sao as rela~oes que engendram essa abstra~o. Par exemplo, o sistema monetario situa a riqueza de forma ainda mais objetiva, como coisa exterior a si, no dinheiro. Desse ponto de vista, houve urn grande progresso quando o sistema manufatureiro ou comercial colocou a fonte da riqueza nao nes­se objeto, mas na atividade subjetiva - no trabalho comercial e manufatureiro. Contudo concebia apenas essa ati~ade, limitadamente, como produto de dinhei­ro. Face a esse sistema, o sistema dos fisiocratas admite uma forma determinada de trabalho - a agricultura - como criadora de riqueza, e admite o pr6prio obje­to nao sob a forma dissimulada do dinheiro, mas como produto em geral, como re­sultado geral do trabalho. Esse produto, em virtude do carater limitado da ativida­de, continua a ser ainda urn produto determinado pela natureza, produto da agri­cultura, o produto da terra par excellence (par excelencia).

Urn enorme progresso se deve a Adam Smith, que rejeitou toda determinac;ao particular da atividade criadora de riqueza, considerando apenas o trabalho puro e simples, isto e, nem o trabalho industrial, nem o trabalho comercial, nem o traba­lho agricola, mas todas essas formas de trabalho. Com a generalidade abstrata da atividade criadora de riqueza, igualmente se manifesta entao a generalidade do ob­jeto determinador da riqueza, o produto em absoluto, ou ainda, o trabalho em ge­ral, mas enquanto trabalho passado, trabalho objetivado. A dificuldade e importan­cia dessa transic;ao provam o fato de que o pr6prio Adam Smith torna a cair de quando em quando no sistema fisiocratico. Poderia parecer agora que, desse mo­do, se teria encontrado unicamente a relac;ao abstrata mais simples e mais antiga em que entram os homens em qualquer forma de sociedade - enquanto sao pro­dutores. Isso e certo em urn sentido. Mas nao em outro.

A indiferen~ em rela~o ao genera de trabalho deterrninado pressupoe uma totalidade multo desenvolvida de generos de trabalho efetivos, nenhum dos quais domina os demais. Tampouco se produzem as abstrar;oes mais gerais senao onde

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INTRODUC}.O 17

existe o desenvolvimento concreto mais rico, onde urn aparece como comum a muitos, comum a todos. Entao ja nao pode ser pensado somente sob uma forma particular. Par outro lado, essa abstra~ao do trabalho em geral nao e· apenas o re­sultado intelectual de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferen~a em rela­~o ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os in­divfduos podem passar com facilidade de urn trabalho a outro e na qual o genera deterrninado de trabalho e fortuito, e, portanto, e-lhes indiferente. Nesse caso o tra­balho se converteu nao s6 como categoria, mas na efetividade em urn meio de pro­duzir riqueza em geral, deixando, como determina~o, de se confundir com o indi­vfduo em sua particularidade. Esse estado de coisas se encontra mais desenvolvido na forma de existencia mais modema da sociedade burguesa - nos Estados Uni­dos. Af, pols, a abstra~ao da categoria "trabalho", "trabalho em geral" , trabalho sa~s J?hrase (se~ rodeios), ponto de partida da Economia modema, toma-se pela pnm~1ra vez prati~amente verdadeira. Assim, a abstra~ao mais simples, que a Eco­no~ma modema sttua em primeiro Iugar e que exprime uma rela~ao multo antiga e vahda para todas as formas de sociedade, s6 aparece no entanto nessa abstra~ao praticamente verdadeira como categoria da sociedade mais moderna. Poder-se-ia dizer que essa indiferen~a em rela~ao a uma forma determinada de trabalho, que se apresenta nos Estados Unidos como produto hist6rico, se manifesta na Russia par exemplo, como uma disposi~ao natural. Mas, par urn !ado, que d!feren~ dana~ da entre barbaros que tern uma tendencia natural para se deixar empregar em to­dos os trabalhos, e os civilizados que se empregam a si pr6prios. E, par outro !ado, a essa indiferen~a para urn trabalho determinado corresponde, na pratica, entre os russos, a sua sujei~ao tradicional a urn trabalho bern determinado, do qual s6 in­fluencias exteriores podem arranca-los.

Esse exemplo mostra de maneira multo clara como ate as categorias mais abs­tratas - precisamente par causa de sua natureza abstrata - , apesar de su~ valida­de para todas as epocas, sao, contudo, na determinidade dessa abstra~ao, igual­mente produto de condi~oes hist6ricas, e nao possuem plena validez senao para es­sas condi~oes e dentro dos limites destas.

A sociedade burguesa e a organiza~o hist6rica mais desenvolvida mais dife­renciada da produ~o. As categorias que exprimem suas rela~oes, a c~mpreensao de ~ua pr6pria articula~o, permitem penetrar na articula~ao e nas rela~oes de pro­du~o de todas as formas de sociedade desaparecidas, sabre cujas rufnas e elemen­tos se acha edificada, e cujos vestfgios, nao ultrapassados ainda, leva de arrastao desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado que toma assim toda a sua sig­nifica~o etc. A anatomia do homem e a chave da anatomia do macaco. 0 que nas especies animals inferiores indica uma forma superior nao pode, ao contrario, ser compreendido senao quando se conhece a forma superior. A Economia bur­guesa fornece a chave da Economia da Antiguidade etc. Porem, nao conforme o metoda dos economistas que fazem desaparecer todas as diferen~as hist6ricas e veem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pode-se compreender o tributo, o dfzimo, quando se compreende a renda da terra. Mas nao se deve identi­fica-los.

Como, alem disso, a pr6pria sociedade burguesa e apenas uma forma opositi­va do desenvolvimento, certas rela~oes pertencentes a formas anteriores nela s6 poderao ser novamente encontradas quando completamente atrofiadas ou mes­mo disfar~adas; par exemplo, a propriedade comunal. Se e certo, portan'to, que as categorias da Economia burguesa passu em [ o carater de] verda de para todas as demais formas de sociedade, nao se deve tamar isso senao cum grana sa/is. 7 Po-

7 Cum grono sa/is (com urn gr!o de sal). Tradu~o da edic;ao de Manc-Enge/s Werke: "em sentido bern determinado". (N.doT.)

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18 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLiTICA

dem ser desenvolvidas, atrofiadas, caricaturadas, mas sempre essencialmente distin­tas. 0 chamado desenvolvimento historico repousa em geral sobre o fato de a ulti­ma forma considerar as formas passadas como etapas que levam a seu proprio grau de desenvolvimento, e dado que ela raramente e capaz de fazer a sua propria crftica, e isso em condi~oes bern determinadas - concebe-os sempre sob urn as­pecto unilateral. A religiao crista so pode ajudar a compreender objetivamente as mitologias anteriores depois de ter feito, ate certo grau, por assim dizer dynamei, a sua propria crftica. Igualmente, a Economia burguesa so conseguiu compreender as sociedades feudal, antiga, oriental, quando come~ou a autocrftica da sociedade burg1,1esa. Na medida em que a Economia burguesa, criando uma nova mitologia, nao se identificou pura e simplesmente com o passado, a crftica que fez as socieda­des anteriores, em particular, a sociedade feudal, contra a qual tinha ainda que lu­tar diretamente, assemelhou-se a crftica do paganismo feita pelo cristianismo, ou a do catolicismo feita pela religiao protestante.

Do mesmo modo que em toda ci~ncia historica e social em geral e preciso ter sempre em conta, a proposito do curso das categorias economicas, que o sujeito, nesse caso, a sociedade burguesa mbdema, esta dado tanto na realidade efetiva como no cerebro; que as categorias exprimem portanto formas de modos de ser, determina~oes de exist~ncia, freqi.ientemente aspectos isolados dessa sociedade de­terminada, desse sujeito, e que, por conseguinte, essa sociedade de maneira ne­nhuma se inicia, inclusive do ponto de vista cientifico, somente a partir do momen­to em que se trata deJa como tal. Isso deve ser fixado porque da imediatamente uma dire~ao decisiva as se~oes que precisam ser estabelecidas. Nada parece mais natural, por exemplo, do que come~ar pela renda da terra, pela propriedade fun­diana, dado que esta ligada a terra, fonte de toda a produ~ao e de todo modo de ser, e por ela ligada a primeira forma de produ¢o de qualquer sociedade que atin­giu urn certo grau de estabilidade - a agricultura. Ora, nada seria mais errado. Em todas as formas de sociedade se encontra uma produ~ao determinada, superior ~ todas as demais, e cuja situa¢o aponta sua posi~ao e influencia sobre as outras. E uma luz universal de que se embebem todas as cores, e que as modifica em sua particularidade. E um eter especial, que deterrnina o peso especffico de todas as coisas emprestando relevo a seu modo de ser.

Consideremos, por exemplo, os povos pastores (os simples povos ca~dores ou pescadores nao chegaram ao ponto em que come~ o verdadeiro desenvolvi­mento). Neles existe certa forma esporadica de lavoura. A propriedade de terra en­contra-se determinada por ela. Essa propriedade e comum e conserva rnais ou me­nos essa forma, conforme aqueleS))ovos se aferrem mais ou menos a suas tradi­~oes; por exemplo, a propriedade comunal dos eslavos. Onde predomina a agricul­tura, praticada por povos estabelecidos - e isso ja constituiu um grande progresso -, como na sociedade antiga e feudal, mesmo a industria, com sua organiza~ao e formas da propriedade que the correspondem, tem em maior ou menor medida urn carater especifico de propriedade rural. A [sociedade] ou bem esta marcada in­teiramente por esse carater, como entre os antigos romanos, ou a organiza~ao da cidade imita, como na Idade Media, a organizac;ao do campo. 0 proprio capital -enquanto nao seja simples capital-dinheiro - possui na Idade Media, como instru­mento tradicional, por exemplo, esse carater de propriedade fundiaria.

Na sociedade burguesa acontece o contrario. A agricultura transforma-se mais e mais em simples ramos da industria e e dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda da terra. Em todas as formas em que domina a propriedade fundiaria, a rela~ao com a natureza e ainda preponderante. Naquelas em que domina o capital, o que prevalece e o elemento produzido social e histori­camente. Nao se compreende a renda da terra sem o capital, entretanto compreen-

INTRODU<;AO 19

de-se o capital sem a renda da terra. 0 capital e a pot~ncia economica da socieda­de burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade da terra. Depois de considerar particularmente um e outro, deve-se estudar sua rela~ao recfproca.

Seria, pois, impraticavel e erroneo colocar as categorias economicas na ordem segundo a qual tiveram historicamente uma a¢o determinante. A ordem em que se sucedem se acha determinada, ao contrario, pelo relacionamento que t~m umas com as outras na sociedade burguesa modema, e que e precisamente o inverso do que parece ser uma rela¢o· natural, ou do que corresponde a serie do desenvolvi­mento hist6rico. Nao se trata da rela¢0 que as rela~oes economicas assumem his­toricamente na sucessao das diferentes formas da sociedade. Muito menos sua or­dem de sucessao "na ideia" (Proudhon) (representa¢o nebulosa do movimento historico). Trata-se da sua hierarquia no interior da modema sociedade burguesa.

A pureza (determinidade abstrata) com que aparecem no mundo antigo os po­vos comerciantes - fenfcios, cartagineses - e dada pela propria predominancia dos povos agricultores. 0 capital, enquanto capital comercial ou capital de dinhei­ro, aparece precisamente sob essa forma abstrata sempre que o capital nao e ain­da o elemento dominante das sociedades. Lombardos e judeus ocupam a mesma situac;ao diante das sociedades medievais que praticam a agricultura.

Outro exemplo de situa~ao diferente ocup'ada por essas mesmas categorias em diferentes· estadios da sociedade: uma das ultimas formas da sociedade burgue­sa sao as joint-stock-companies (sociedades por a~oes). Mas aparecem tambem no princfpio da sociedade burguesa nas grandes companhias privilegiadas de comer­cio, que gozavam de um monopolio.

0 proprio conceito de tiqueza nacional se insinua entre os economistas do se­culo XVII - a representa~ao subsiste ainda em parte nos do seculo XVIII - desta forma: a riqueza e criada unicamente para o Estado, e o poder deste mede-se por essa riqueza. Esta era a forma ainda inconscientemente hipocrita em que a riqueza anuncia sua propria produ¢o com a finalidade dos Estados modemos, considera­dos a partir de entao unicamente como meio para a produ~ao da riqueza.

· As se~oes a adotar devem evidentemente ser as seguintes: 1 - as determina­~oes abstratas gerais, que conv~m portanto mais ou menos a todas as formas de sociedade, mas consideradas no sentido acima discutido; 2 - as l:ategorias que constituem a articula¢o intema da sociedade burguesa e sobre as quais assentam as classes fundamentals. Capital, trabalho assalariado, propriedade fundiaria. Os seus relacionamentos recfprocos. Cidade e campo. As tr~s grandes classes socials. A troca entre estas. A circula¢o. 0 sistema de credito (privado); 3- sfntese da so­ciedade burguesa na forma do Estado. Considerado no seu relacionamento consi­go proprio. As classes "improdutivas". Os impostos. A dfvida publica. 0 credito pu­blico. A popula~ao. As colonias. A imigra~ao; 4 - rela~oes intemacionais de pro­duc;ao. A divisao internacional do trabalho. A troca internacional. A exporta~ao e a importac;ao. A cotac;;ao do cambio; 5 - o mercado mundial e as crises.

4. Produ~ao. Meios de produ~ao e rela~oes de produ~ao. Rela~oes de produ~ao e rela~oes comerciais. · Formas de Estado e de consciencia em rela~ao com as rela~oes de produ~ao e de comercio. Rela~oes juridicas. Rela~oes familiares.

N.B.: em relac;;ao aos pontos que devem ser mencionados aqui e nao devem ser esquecidos:

1 -a guerra e desenvolvida antes que a paz: [mostrar] como certas relac;;oes

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economicas, tais como o trabalho assalariado, a maquina etc., se desenvolveram mais cedo com a guerra e com os exercitos, do que no seio da sociedade burgue­sa. Igualmente a rela~ao entre a for~ produtiva e as rela~oes de comercio particu­larmente manifesta no exercito;

2 - re/aqoo entre a historiografia idealista tal como tem sido escrita ate agora e a hist6ria real. Nomeadamente as que se intitulam hist6rias da civilizaqoo - a an­tiga historia da religiao e dos Estados. (Oportunamente, podemos referir tambem aos diferentes generos de historiografia ate o presente. A chamada [historiografia] objetiva. A subjetiva (moral etc.). A Filosofica.);

3 - [fenomenos] secundarios e terciarios. De uma forma geral, rela~oes de produ~ao derivadas, transferidas, nao originais. Aqui entram em jogo rela~oes inter­nacionais;

4 - crfticas a prop6sito do materialismo dessa concepqoo. Relaqoo com o ma­terialismo naturalista;

5 - dialetica dos conceitos: forqa produtiva (meios de produqoo) e relaqoes de produqoo, dialetica cujos limites estao por determinar e nao suprime as diferen­~as reais;

6 - relaqoo desigual do desenvolvimento da produqoo material, face a produ­qoo artfstica, por exemplo. De maneira geral, nao tomar o conceito de progresso na forma abstrata habitual. Arte modema etc. Essa despropor~ao esta Ionge de ser importante e tao diffcil de aprender como a que se produz no interior das rela~oes sociais praticas. Por exemplo, a cultura. Rela~ao dos Estados Unidos com a Euro­pa. 0 ponto propriamente diffcil nesse caso e discutir o seguinte: de que modo as relac;oes de produc;ao, como relac;oes jurfdicas, seguem urn desenvolvimento desi­gual. Assim, por exemplo, a relac;ao entre o direito privado romano (que nao e bern o caso do direito criminal e do direito publico) e a produ¢o modema;

7 - essa concepqoo aparece como um desenvolvimento necessaria. Mas, jus­tificac;ao do acaso. De que modo. (A liberdade, e tam bern outras coisas.) (Influen­cia dos meios de comunicar;ao. A historia universal nao existiu sempre; a historia considerada como historia universal e urn resultado. );

8 - natura/mente o ponto de partida das determinidades naturais; subjetiva e objetivamente. Tribos, ra~as etc.

( ... ) Em relac;ao a arte, sabe-se que certas epocas do florescimento 'artfstico nao es­

tao de modo algum em conformidade com o desenvolvimento geral da sociedade, nem, por conseguinte, com o da base material que e, de certo modo, a ossatura da sua organiza¢o. Por exemplo, os gregos comparados com os modemos ou ain­da Shakespeare. Em rela~ao a certas formas de arte, a epopeia, por exemplo, ate mesmo se admite que nao poderiam ter sido produzidas na forma classica em que fizeram epoca, quando a produc;ao artfstica se manifesta como tal; que, portanto, no domfnio da propria arte, certas de suas figuras importantes so sao possfveis num estagio inferior do desenvolvimento artfstico. Se esse e o caso em relac;ao aos diferentes generos artfsticos no interior do domfnio da propria arte, e ja menos sur­preendente que seja igualmertte o caso em rela9ao a todo o domfnio artfstico no desenvolvimento geral da sociedade. A dificuldade reside apenas na maneira geral de apreender essas contradic;oes. Uma vez especificadas, so por isso estao explica­das.

T omemos, por exemplo, a rela~ao com o nosso tempo, primeiro, da arte gre­ga, depois, da arte de Shakespeare. Sabe-se que a mitologia grega nao foi somen­te arsenal da arte grega, mas tam bern a terra [em que se desenvolveu]. A intui¢o da natureza e as relac;oes sociais que a imagina~ao grega inspira e constitui por isso mesmo o fundamento da [mitologia] grega, serao compatfveis com as selfactors

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INTRODU<;AO 21

(maquinas automaticas de fiar), as estradas de ferro, as locomotivas e o telegrafo eletrico? Quem e Vulcano ao !ado de Roberts & Cia., Jupiter em compara~ao com o para-raios e Hermes face ao Credit Mobilier? Toda mitologia supera, govema e modela as for~as da natureza na imagina¢o e pela imaginac;ao, portanto, desapa­rece quando essas forc;as sao dominadas efetivamente. 0 que seria da Fama ao la­do de Printing House Square?8 .A arte grega supoe a mitologia grega, isto e, a ela­bora~ao artfstica mas_ inconsciente da natureza e das proprias formas sociais pela imagina~ao popular. E esse o seu material. 0 que nao significa qualquer mitologia, ou seja, qualquer elaborac;ao artfstica inconsciente da natureza (subentendendo es­sa palavra tudo o que e objetivo, incluindo, portanto, a sociedade). Jamais a mito­logia egfpcia teria podido proporcionar o terreno ou o seio materno para a arte gre­ga. Mas de qualquer modo e necessaria uma mitologia. Portanto, nunca uma socie­dade num estagio de desenvolvimento que exclua qualquer rela~ao mitologica com a natureza, qualquer rela~ao geradora de mitos, exigindo assim do artista uma fantasia independente da mitologia.

De outro ponto de vista, Aquiles sera compatfvel com a polvora e o chumbo? Ou, em resumo, a llfada com a imprensa, ou melhor, com a maquina de imprimir. 0 canto, as lendas epicas, a musa, nao desaparecerao necessariamente com a bar­ra do tipografo? Nao terao deixado de existir as condi~oes necessarias a poesia epi­ca?

Mas a dificuldade nao esta em compreender que a arte grega e a epopeia es­tao ligadas a certas formas do desenvolvimento social. A dificuldade reside no fato de nos proporcionarem ainda urn prazer estetico e de terem ainda para nos, em certos aspectos, o valor de normas e de modelos inacessfveis.

Urn homem nao pode voltar a ser crian~a sem cair na puerilidade. Mas nao acha prazer na inocencia da crianc;a e, tendo alcan~ado urn nfvel superior, nao de­ve aspirar ele proprio a reproduzir sua verdade? Em todas as epocas, o seu proprio carater nao revive na verdade natural da natureza infantil? Por que entao a infan­cia historica da humanidade, precisamente naquilo em que atingiu seu mais belo florescimento, por que essa etapa para sempre perdida nao ha de exercer urn eter­no encanto? Ha crian~as mal educadas e crianc;as precoces. Muitos dos povos da Antiguidade pertencem a essa categoria. Crianc;as normais foram os gregos. 0 en­canto que a sua arte exerce sobre nos nao esta em contradic;ao com o carater pri­mitivo da sociedade em que ela se desenvolveu. Pelo contrario, esta indissoluvel­mente ligado ao fato de as condic;oes sociais insuficientemente maduras em que es­sa arte nasceu, e somente sob as quais poderia nascer, nao poderao retomar ja­mais.

[Escrito de fins de agosto a meados de setembro de 1857.]

s "Priting House Square". Pra~a em Londres, onde se encontra localizada a reda~ao do Times. (N. da Ed. Alema.)

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Prefiicio 1

Considero o sistema da economia burguesa nesta ordem: capital, proprieda­de fundiaria, traba/ho assalariado; Estado, comercio exterior, mercado mundial. Nos tres primeiros titulos examino as condi<;oes economicas de vida das tres gran­des classes em que se divide a modema sociedade burguesa; a conexao dos tres seguintes e evidente. A primeira parte do Livro Primeiro, que trata do capital, com­poe-se dos seguintes capftulos: 1- a mercadoria; 2- a moeda ou a circula<;ao sim­ples; 3-- o capital em geral: Os dois primeiros capitulos formam o conteudo do presente volume. Tenho diante de mim o conjunto do material sob a forma demo­nografias que foram redigidas com longos intervalos, nao para serem impressas, mas para minha propria compreensao, e cuja elabora<;ao sistematica, segundo o plano dado, dependera de circunstancias exteriores.

1 A rootAvel obra Paro a Critica da Economia Polfllca (Zur Kritik der politischen Okonomie) representa urn marco impor­tante na fonna~l!o da Economla Polltica marxlsta. Fol escrita no perlodo entre agosto de 1858 e janeiro de 1859. Na resenha que escreve para o Volk (Marx-Engels Werke. v. 13, p. 468). Engels ressalta o significado desse livro para o "partido prole!Ario alemao" e o m~todo da "dial~tica materlallsta" empregado. 0 pr6prio Marx escreve a Engels em 22 de julho de 1859: "No caso de que escrevas algo [sobre o tivro), nao deves esquecer. 1) que o Ptoudhonismo ~ aniquilado em suas bases, 2) que exatamente na lonna mais simples, a lonna da mercadoria, ~ analisado o carnter es· pecljlcamente social da produ~llo burguesa, mas nao se !rata de lonna alguma de seu carnter absoluto". A reallza~l!o da obra custou a Marx urn trabalho de quinze anos, durante os quais Marx estudou uma enonne quantidade de litera­lura s6cio-econ0mlca e elaborou as bases de sua pr6pria teoria econOmica.

Em agosto de 1857 Marx inlcla a sistematiza~o do material colecionado e a reda~o definitiva, e, em 26 de janeiro de 1859, envia o manuscrlto a Franz Dunker, o seu editor em Berl!m. 0 livro, que deveria ser o primeiro de uma ~rie de "cademos", apareceu em junho de 1859 con tendo apenas dois capitulos: "A mercadoria" e "0 dinheiro ou a circu­la~o simples", mas como primeiros capltulos do "Uvro Primeiro: Sobre o Capital" (que deveria ser o primeiro num to­tal de seis) e da "Se~o 1: 0 Capital em Geral".

Marx pretendia publicar o segundo cademo logo em segulda, onde trataria das questi5es llgadas ao capital. Contu­do, pesquisas continuadas obrigaram-no a alterar seu plano original. Agora, em vez dos seis livros planejados, a obra deve constar de quatro tornos sobre o capital. No Iugar dos "cade.mos peri6dicos", Marx elabora o Das Kapital, onde retoma as teses principals de seu escrito Zur Kritik der politischen Okonomie. No preMcio a primeira edi¢o de 0 Capi­tal, <liz Marx a respeito da rela~o entre as duas obras: "A obra que entrego agora ao pCtblico ~ a continua~o do meu escrito Paro a Crltlca do Economla Polftica, publicado em 1859. A longa pausa entre o inicio e a continua~o deve-se a uma enfennldade prolongada por muitos anos que me obrigou a interromper vi1rias vezes o trabalho. 0 conteCtdo daquele escrito es!A resumido no capitulo I desse livro. Essa inclus!o nao se deve apenas ao contexte ou a integridade da obra. A exposl~o esti1 melhorada. Na medida em que a implica~o dos fatos tenha pennltido de alguma lonna, muitos pontos, que foram anterionnente apenas mencionados, aparecem aqui mais desenvolvidos, enquanto que ou­tros pontos desenvoMdos naquela obra, ao contri1rio, sao aqui rneramente mendonados. A parte referente a hlst6ria da t~ria do uolor e do teoria do dlnheiro fica agora totalmente fora, mas o leitor daquele escrito anterior encontraro§ nas notas do capitulo I novas lontes sobre a hist6ria daquela teoria".

A referE!ncla sobre os "outros pontos desenvolvldos naquela obra", que sera tratada por alto em 0 Capital, conslste sobretudo no capitulo sobre o dinheiro que, juntamente com a parte sobre a hlst6ria da teoria do dinheiro, constitul a eX'posi~o mais detalhada da teoria do dinheiro de Marx. T rata-se aqui de questOes da circula~o do dinheiro e da teo-

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Suprimo uma introdw;ao geral2 que havia esbo~ado, pois, gra~as a uma refle­xao mais atenta, parece-me que toda antecipa~o perturbaria os resultados ainda por provar, e o leitor que se dispuser a seguir-me tera que se decidir a ascender do particular para o geral. Por outro !ado, poderao aparecer aqui algumas indica~oes sobre o curso dos meus pr6prios estudos politico-economicos.

Minha especialidade era a Jurisprudencia, a qual exercia contudo como disci­plina secundaria ao !ado de Filosofia e Hist6ria. Nos anos de 1842/43, como reda­tor da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung)3 vi-me pela primeira vez em apuros por ter que tomar parte na discussao sobre os chamados interesses materiais. As delibe­ra~oes do Parlamento renano sobre o roubo de madeira e parcelamento da pro­priedade fundiaria, a polemica oficial que o Sr. Von Schaper, entao govemador da provincia renana, abriu com a Gazeta Renana sobre a situa~ao dos camponeses do vale do Mosela, e finalmente os debates sobre o livre-comercio e prote~ao adua­neira, deram-me os primeiros motivos para ocupar-me de questoes economicas. Alem do mais, naquele tempo em que a boa vontade de "ir a frente" ocupava mui­tas vezes o Iugar do conhecimento do assunto, fez-se ouvir na Gazeta Renana urn eco de fraco matiz filos6fico do socialismo e comunismo frances. Eu me declarei contra essa remendagem; mas ao mesmo tempo em uma controversia com o Jor­nal Gera/ de Augsburgo (Allgemeine Augsburger Zeitung)4 confessei francamente que os meus estudos feitos ate entao nao me permitiam ousar qualquer julgamen­to sobre o conteudo das correntes francesas. Agarrei-me as ilusoes dos gerentes da Gazeta Renana, que acreditavam que atraves de uma atitude mais vacilante do jor­nal conseguiriam anular a condena~ao de morte que fora decretada contra ele, pa­ra me retirar do cenario publico para o gabinete de estudos.

0 primeiro trabalho que empreendi para resolver a duvida que me assediava foi uma revisao crftica da filosofia do direito de Hegel, trabalho este cuja introdu­~ao apareceu nos Anais Franco-Aiemiies ( Deutsch-Franzosische Jahrbiicher), 5

ria dos melos de circula¢o, em um sistema de produ¢o capitalista totalmente desenvolvido, que em 0 Capital s6 se­r&o tratadas no Uvro T erceiro, depois de ter sido leila a analise do processo de produ~o e do processo de circula¢o do capital e a an6lise da taxa media de Iuera. Se, par lsso, a critica e lormalmente apenas um com~. e 0 Copikl/ a sua continua~o. pode-se afirmar tambem que ela abrange muito mais do que a mera circula¢o simples de mercado­rias. Ela lomece j6, no campo da teoria do dinheiro, os grandes Ira~ da obra total (N. da Ed Alem!.)

A edi~o que utilizamos como texto bAsico para esta tradu~o loi ada Dietz Verlag Berlln (1972), da cole¢o Marx­Enge/s Werke, v. 13. Procuramos realizar uma tradu¢o que, alem de se manter lie! ao texto, deixasse transparecer to­do o jogo dialetico das categorias. Para lsso loi muitas vezes preciso quebrar o uso corrente de certas palavras e ate mesmo lormar outras. Exemplo significativo de ruptura com o sentido tradicional e a tradu¢o de Geld, quando nao aparece composta com outra palavra, como em Geldstiick (pe~ de moeda), par "dinhelro", quando lreqUentemente empregamos "moeda". Mas entre Geld e Miinze ex!ste uma opo~ao entre o Ideal e o encamado num ser particular, a que o born senso portugu~ sempre loi cego. Para distinguir Bestlmmung (determina~o) de Beslimmheit (uma de­termlna~o que adv~m ao objeto par sua posi<;ao no processo) , lnventamos "determlnldade". Asslm e que a moeda, que encama a ldealidade do dinhelro gra~as ao pr6prio movimento dialetico dessa Oltima categoria, ~ uma determini­dade lormal do dinhelro. (N. doT.) 2 Veja neste volume Introdw;:iio {a Critica do Economla Politico}. (N. dos T.) 3 Rheinische Zeitung fUr Politik, Handel und Gewerbe {Gazekl Renana de Polftlca, Com«!rcio e /ndlistria) - Dt!lrio pu­blfcado em ColOnia, de 1.• de janeiro de 1842 ate 31 de mar~o de 1843. Fundado por representantes da burguesia re­nana, que se opunham ao absolutismo prussiano, o jomal atraiu tambem alguns jovens hegelianos. Marx loi seu cola­borador a partir de abril de 1842, e seu redator-chele a partir de outubro do mesmo ano. 0 jomal publicou tambem uma sene de artigos de Friedrich Engels. Sob a influ~ncia de Marx, o jomal assumlu um car!lter revolucionlirio-demo­cr6tico, tendl!ncla esta que se acentuava progressivamente. A llnha do Rheinische Ze.ftung, cuja popularidade cresciel na Alemanha, provocou preocupa¢o e insatisla¢o nos drculos govemamentals, e a lmprensa reaclon!lria lan~ou-se enlureclda contra ele. 0 jomal loi colocado sob severa censura, depots de 19 de janeiro de 1843, por lo~ de um de­creta do govemo prusslano, e proibido definitivamente em 1. • de abril de 1843. (N. da Ed. Alema.) 4 Allgemeine Zeitung (Jomal Geral) - Di6rio conservador lundado em 1798. Entre 1810 e 1882 loi publicado em Augsburgo. Em artigo publicado no Rheinische Zeltung (0 Comunismo e o "Allgemeine Zeltung" de Augsburgo), Marx ataca esse jomal par haver falsificado as ideias do socialismo e comunlsmo ut6plcos. (N. da Ed. Alema.) s Os Deutsch-Franzasische Jahrbiicher (Anais Franco-Aiemiles) loram publlcados em Paris, no idioma alemao, par Karl Marx e Arnold Ruge, e apareceram apenas uma Onica vez, em fevereiro de 1844. Neles foram publicados os Ira· balhos de Marx A Quesliio Judia e Para Critica do Filosofia do Diretto de Hegel: Introdu~iio, bem como o Es~ para uma Critica do Economla Polftlca e A Sltua¢o do /nglaterro, Past and Present by Thomas Carlyle, Londres, 1843, de Friedrich Engels. Esses trabalhos marcam a passagem de Marx e Engels para o materialismo e comunismo. Contudo, divergl!nclas de principia entre Marx e o burgu~ radical Ruge lmpediram que a revista continuasse a ser publicada. (N. da Ed Alcmi.)

PREFACIO 25

editados em Paris em 1844. Minha investiga~ao desembocou no seguinte resulta­do: rela~oe~ jurfd~cas, tais como formas de Estado, nao podem ser compreendidas nem a partir de SJ mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espfrito humano, mas, pelo contrario, elas se enrafzam nas rela~oes materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de "sociedade civil" (biirgerliche Gesellschaft), seguindo os ingleses e franceses do seculo XVIII· mas que a anatomia da sociedade burguesa (biirgerliche Gesel/schaft}6 deve ser procu­rada na Economia Polftica. Comecei o estudo dessa materia em Paris mas tive que continua-lo em Bruxelas, para onde me transferi em conseqi.lencia de uma or-

. de~ de ex~ulsao do Sr. Guizot 0 resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, seMu-me de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em pou­cas ~alavras : na pro~u~o. social da propria vida, os homens contraem rela~oes de­termmadas, necessanas e mdependentes de sua vontade, rela~oes de produ~ao es­tas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas for­~as produtivas materiais. A totalidade dessas rela~oes de produ~ao forma a estrutu­~a e~on6mica ?a soci:dade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura JUrfdJca e polftica, e a qual correspondem formas sociais determinadas de conscien­cia. 0 modo de produ~ao da vida material condiciona o processo em geral de vida social, polrtico e espiritual. Nao e a consciencia dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrario, e o seu ser social que determina sua consciencia. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as for~as produtivas materiais da sociedade entram em contradi~ao com as rela~oes de produ~ao existentes ou, o que nada mais e do que a sua expressao jurfdica, com as rela~oes 9e propriedade dentro das quais aquelas ate entao se tinham movido. De formas de desenvolvimento das for­~s produtivas essas rela~oes se transformam em seus grilhoes. Sobrevem entao uma epoca de revolu~ao soda!. Com a transforma~ao da base economica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na considera­~o ·~e tais trans~o~a~oes ~ ~ecessano disti~guir sempre entre a transforma~ao ma~~nal_ das co~d1~?es econonucas de produ~o, que pode ser objeto de rigorosa ~enfic~~o da CJencJa natural, e as formas jurfdicas, politicas, religiosas, artisticas ou filos6ficas, em resumo, as formas @eol6gica]> pelas quais os homens tomam cons­~ie~c!a d~se con~ito e _o conduzem at€ o fim. Assim como nao se julga o que urn mdividuo e a partir do JUlgamento que ele se faz de si mesmo, da mesma maneira

- -) /'f{--1,/J 131 t·9 6 No original 14!-se: " ... Rechtsuerhiiltnlsse wie Staatsformen ( ... ) in den materiellen Lebensuerhiiltnlssen wurseln, deren Gesamtheft Hege!, nach dem Vorgang der Englander und Franzasen des 18. Jahrhunderts, unter dem Nomen 'biirger­llche Gese//schaft zusammenfasst, doss aber dir Anaklmie der biirgerlichen Gesellschaft in der politlschen 6konomie zu suchen set". Em breves palavras, pode-se dizer que a bUrgerllche Gesellschaft (sociedade civU), para Hegel se apre­senta como a antltese da famfila, e o Estado surge como a srntese de ambos, como unllio dos respectivos pri~c!pios. A socledade civil e o campo onde os Jndiv!duos, como pessoas privadas, buscam a satisla~o de seus lnteresses. Marx, ao contr!lrio, distingue a concep<;ao hegeliana de sua pr6pria: a "sociedade civil" corresponde ao nrvel onde se dli "o relacionamento d_os possuidores de mercadorias", "as rela~ees materials de vida" ou "metabollsmo social". Ela consti­tul a anatomla ou ~ base da estrutura social. Mas a socledade burguesa (o termo alemlio e, tamb~m. como se viu, bUr­gerllche Gesellschaft reOne, para Marx, ni!o somente o modo burgu~ de produ~l!o como tamb~m as rela~oes jurfdl­cas, o Estado burgul!s etc., que 1m plica. Em sua realidade hist6rica, a biirgerllche Gesellschaft ~ a sociedade capitalista, com todas as forma~oes socials que lhe sao pr6prias." (N. doT.) • Na tradu~o lrancesa de Maurice Husson, o mesmo trecho da obra de Marx teve a seguinte reda~o: "Mes recher­ches aboutlrent a ce resu/tat que /es rapports ]uridiques - alnsi que les formes de I'Eklt - ne peuuent ttre compris ni par ewc-m~mes, nl par Ia pr«ltendue euo/ulion generate de /'esprit humaln, mals qu'lls prennent au contraire leurs raci­nes dans /es conditions d'exlstence materlelles dont Hegel, d exemp/e des Ang/als et des Fran~ls du XVIII• si~cle com­prend ,I' ensemble sous /e nom de 'societe ciuile' et que l'anatomie de Ia socletf! dul/e dolt f!tre chercMe d sdn tour dans I konomle po/ltlque." (MARX, Karl. Contribution il /a Critique de I'Economle Politlque. Paris, £ditions Sociales, 1957. p. 4). A tradu~o de M. Husson, em portugu~. teria a seguinte reda~o: " Mlnhas pesqulsas conduzlram ao re­sultado segundo o qual as rela~i5es juridicas - bern como as lormas do Estado - nlio podem ser compreendidas nem par s1 mesmas, nem pela pretensa evolu¢o geral do esp!rito humano, porem que, ao contrnrlo, elas se enrarzam nas condi¢es materials de ex!st4!ncia, cujo conjunto Hegel, a exemplo dos ingleses e dos lranceses do seculo XVlll reOne sob o nome de 'sociedade civil', e que a anatomia da sociedade civil deve ser procurada, por sua vez, na EconO: mia Pol!tlca." Como se v4!, Husson traduziu biirgerliche Gese/lschaft, em am bas as passagens do trecho, igualmente par socfedade dull. (N. do Ed. )

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nao se pode julgar uma epoca de transforma~ao a partir de sua propria conscien­cia; ao contrario, e preciso explicar essa consciencia a partir das contradi~6es da vi­da material, a partir do conflito existente entre as for~as produtivas socials e as rela­~6es de produ~ao. Uma forma~ao social nunca perece antes _que estejam de­senvolvidas todas as for~as produtivas para as quais ela e suficientemente desenvol­vida e novas rela~6es de produ~ao mais adiantadas jamais tomarao o Iugar, antes que 'suas condi~6'}5 materials de existencia tennam sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. E por isso que a humanidade so se prop6e as tarefas que pode re­solver, pols, se se considera mais atentamente, se chegara a conclusao de que a propria tarefa so aparece onde as condi~6es materials de sua soluc;:ao ja existem, ou, pelo menos, sao captadas no processo de seu devir. Em grandes tra~os podem ser caracterizados, como epocas progressivas da forma~ao econ6mica da socieda­de, os modos de produ~ao: asiatica, antigo, feudal e burgues moderno. As rela­~6es burguesas de produ~ao constituem a ultima forma antag6nica do processo so­cial de produ~ao, antag6nicas nao em urn sentido.individual, mas de urn antagonis­mo nascente das condi~6es socials de vida dos indivfduos; contudo, as forgas pro­dutivas que se encontram em desenvolvimento no seio da sociedade burguesa criam ao mesmo tempo as condi~6es materials para a solugao desse antagonismo. Oaf que com essa formagao social se encerra a pre-historia da sociedade humana.

Friedrich Engels, com quem mantive por escrito urn interdimbio permanente de ideias desde a · publicagao de seu genial esbo~o de uma crftica das categorias econ6micas (nos Anais Franco-A/emaes), chegou por outro caminho (compare o seu trabalho Situat;iio da Classe Trabalhadora na lnglaterra) ao mesmo resultado que eu; e quando ele, na primavera de 1845, veio tambem instalar-se em Bruxe-las, decidimos elaborar em comum nossa oposi~ao contra o que ha de1!0€010W§) tf:- l) na filosofia alema; tratava-se, de fato, de acertar as contas com a nossa antiga cons- fiCW I c1encia filosofica. 0 prop6sito tomou corpo na forma de uma crftica da filosofia f ·10 pos-hegeliana. 0 manuscrito, 7 dois grossos volumes in octavo, ja havia chegado ha muito tempo a editora em Westfalia quando fomos informados de que a impressao fora impedida por circunstancias adversas. Abandonamos o manuscrito a crftica roedora dos ratos, tanto mais a gosto quanto ja havfamos atingido o fim principal: a compreensao de si mesmo. Entre os trabalhos dispersos de entao, atraves dos quais submetemos ao publico nossas opini6es sobre quest6es diversas, menciono apenas o Manifesto do Partido Comunista, que Engels e eu redigimos em conjun-to, e uma publica<;:ao minha, o Discurso Sobre o Livre-Comercio {Discours sur le Libre Echange). Os pontos decisivos de nossa opiniao foram indicados cientifica-mente pela primeira vez, ainda que apenas de uma forma polemica, em meu escri-to Miseria da Filosofia · (Misere de Ia Philosophie etc.), publicado em 1847 e dirigi-do contra Proudhon. Depois, numa dissertagao escrita em alemao sobre o T raba-lho Assalariado, 8 onde sintetizei as minhas conferencias sobre este tema feitas na Uniao dos Trabalhadores Alemaes de Bruxelas,9 cuja impressao, todavia, foi inter-rompida pela Revolu~ao de Fevereiro e por minha subseqiiente expulsao da Belgi-ca.

7 Trata-se de A ldeologfa Alemii. (N. da Ed. Alema.) 8 Essa disserta~o foi posterionnente diwlgada em folheto intitulado Traba/ho Assalariado e Capital. (N. do Ed.) 9 A Deutsche Arbeitervereln (UnUio dos Trabalhadores Alemaes) foi fundada em agosto de 1847 por Marx e Engels em Bruxelas, com o objetivo de esclarecer politicamente os trabalhadores alemaes que viviam na Belgica, e para levar ate eles as ideias do comunismo cientffico. Sob a dire~o de Marx, Engels e outros seus companheiros, a "Uniao" se transfonna em urn centro dos trabalhadores alemaes revolucionarios. A Deutsche Arbeiterverein mantinha estreito con· tato com as associa~5es operarias belgas. Seus membros mais progressistas entraram para a Comunidade de Bruxelas da Uga dos Comunistas. Essa associa~o desempenhou urn papel destacado na funda~o da Association D~mocrati· que de Bruxelas. Logo ap6s a Revolu~ao de Fevereiro na Fran~ (1848), a polfcia belga detem e expulsa a maioria dos membros da "Uniao", como que essa associa~ao teve que paralisar suas atividades. (N. da Ed. Alema.)

PREFACIO 27

A publicagao da Nova Gazeta Renana {Neue Rheinische Zeitung), 10 em 1848 e 1849, e os acontecimentos posteriores interromperam meus estudos econ6mi­cos, que s6 puderam ser retomados em 1850, em Londres. A enorme quantidade de material sobre a hist6ria da economia polftica que se encontra acumulada no Museu Britanico, a situa~ao favoravel de Londres como ponto de observa~ao da sociedade burguesa e finalmente o novo estagio de desenvolvimento em que esta parecia entrar com a descoberta do ouro na California e Australia determinaram­me a comegar tudo de novo, e estudar criticamente ate o fim todo o material. Es­ses estudos, em parte por causa de seu proprio carater, chegaram a disciplinas apa­rentemente afastadas do plano original, nas quais tive que deter-me por mais ou menos tempo. Mas foi sobretudo a necessidade imperiosa de exercer uma profis­sao para ganhar a vida que me reduziu o tempo disponfvel. Minha colaboragao, ja de oito a nos, com o primeiro jornal anglo-americano, o New-York Tribune, 11 tern exigido uma extraordinaria dispersao dos estudos, uma vez que apenas excepcio­nalmente me ocupo com o jornalismo propriamente dito. Contudo, artigos sobre fatos econ6micos de destaque, ocorridos na lnglaterra e no continente, constituem uma parte tao significativa da minha contribui~ao que me vi obrigado a familiari­zar-me com pormenores que ficam fora do ramo da ciencia da Economia Polftica propriamente dita.

Esse esbogo sobre o itinerario dos meus estudos no campo da economia polfti­ca tern apenas o objetivo de provar que minhas opini6es, sejam julgadas como fo­rem e por menos que coincidam com os preconceitos ditados pelos interesses das classes dominantes, sao o resultado de uma pesquisa conscienciosa e demorada. Mas na entrada para a Ciencia - como na entrada do Inferno - e preciso impor a exigencia:

Qui si convien lasciare ogni sospetto Ogni vilta convien che sia morta. 12

Londres, janeiro de 1859

Karl Marx

10 Neue Rheinische Zeitung. Organ der Demokratie (Nova Gazeta Renana. Org1io da Democracia) - Oiario cuja reda· ~ao esteve a cargo de Marx, e que foi publicado em Colonia de 1.• de junho de 1848 a 19 de maio de 1849. A ele per· tenceram tambem Friedrich Engels, Wilhelm Wolff, Georg Weerth, Ferdinand Wolff, Ernst Dronke, Ferdinand Freili· grath e Heinrich BUrgers.

Apesar das pressoes e persegui~oes policiais contra os seus redatores, o Neue Rheinische Zeitung defendia corajosa· mente os interesses da democracia revolucionaria e com isso os interesses do proletariado. Em maio de 1849, quando a contra-revolu~o passa a ofensiva, o govemo prussiano detennina a expulsao de Marx da Prussia, depois de ter-lhe negado a nacionalidade. Sua expulsao e as represallas que se seguiram, contra os outros redatores, obrigam o jomal a fechar. 0 ultimo numero da Nova Gazeta Renona foi impressa em vennelho (n.• 301, de 19 de maio de 1849) e traz uma proclama~o de despedida dos redatores, dirigida aos operarios de Colonia, em que afinnam que " a Ultima pala· vra do jomal sera por toda parte e sempre: Emancipa~1io da classe opertiria!" 0 Neue Rheinische Zeitung " foi o me­lhor e jamais superado 6rgao do proletariado revolucionario" (L~nin). (N. da Ed. Alema.) II New-York Doily Tribune- Jomal americana, que existiu de 1841 a 1924. Nas decadas de 40 e 50 o jomal assumiu urn carater progressista e se engajou contra a escravidao. A colabora~o de Marx come~ em agosto de 1851 e se es­tende ate mar~o de 1862. Uma boa parte dos artigos foi escrita por Engels, por solicita~o de Marx. Os artigos de am· bos nesse jomal tratam de quest5es importantes do movimento operario, de polftica intema e extema, e do desenvolvi· menlo econOmico dos parses europeus, como tambem questoes ligadas a expansao colonial e aos movimentos de Ji. berta~ao nos palses dominados e dependentes. (N. da Ed. Alema.) IZ "Que aqui se afaste toda a suspeita Que neste Iugar se despreze todo o medo". (DANTE. Divina Comedia.) (N. da Ed. Alema.)

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LIVRO PRIMEIRO

Do Capital

PARTE PRIMEIRA

0 Capital em Geral

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CAPITULO I

A Mercadoria

A primeira vista, a riqueza burguesa aparece como uma enorme acumulacrao de mercadorias, e a mercadoria isolada como seu modo de ser elementar. Mas to­da mercadoria se apresenta sob o duplo ponto de vista de ua/or de uso e valor de troca. 1

Em primeiro Iugar, a mercadoria e, na expressao dos economistas ingleses, "uma coisa qualquer, necessaria, uti! ou agradavel para a vida", objeto de necessi­dades humanas, meio de vida no sentido mais amplo da palavra. Esse modo de ser da mercadoria como valor de uso coincide com sua existencia natural palpavel. Trigo, por exemplo, e urn valor de uso particular que se diferencia dos valores de uso algodao, vidro, papel etc. 0 valor de uso s6 tern valor para o uso, e se efetiva apenas no processo de consume. 0 mesmo valor de uso pode ser utilizado de mo­dos diversos. Contudo, a soma de suas possiveis utilidades esta resumida em seu modo de existencia como coisa com propriedades determinadas. Alem disso, o va­lor de uso e determinado nao s6 qualitativa como quantitativamente. Segundo sua propriedade natural, diversos valo~es de uso possuem medidas diferentes, como fanga de trigo, resma de papel, vara de tecido.

Qualquer que seja a forma social da riqueza, os valores de }ISO formam sem­pre seu conteudo, que e, inicialmente, indiferente a essa forma. E impossfvel com­provar pelo sabor do trigo quem o cultivou, servo russo, campones parcelario fran­ces ou capitalista ingles. Ainda que seja objeto de necessidades sociais, e estar, por isso, em contexte social, o valor de uso contudo nao expressa nenhuma relacrao so­cial de producrao. T omemos uma mercadoria, urn diamante, por exemplo, como valor de uso. No diamante nao se pode notar que ele e uma mercadoria. Onde quer que sirva como valor de uso, no colo de uma dama, onde tern uma finalida­de estetica, na mao de urn cortador de vidro, desempenhando uma funcrao tecni­ca, e sempre diamante e nao mercadoria. Ser valor de uso parece ser pressuposi­<;ao necessaria para a mercadoria, mas nao reciprocamente, pois ser mercadoria

I ARIST6TELES. De Republica. Edit. I. Bekkeri Oxonii, 1837. Livro Primeiro. cap. IX. - "Pois todo o bern pode ser­vir para dais uses ... Urn ~ pr6prio A coisa como tal, mas o outro nao o e: assim, uma sandalia pode servir como cal~a· do, mas tam~m pode ser trocada. T rata·se, nos dois casos, de valores de uso da sandalia, porque aquele que troca a sandalia por aquilo de que necessim, alimentos, por exemplo, serve-se tambem da sandalia como sandalia. Contudo, nao e este o seu modo natural de uso. Pois a sandalia nao loi leila para a troca. 0 mesmo se passa com os outros bens."

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parece ser determina~o indiferente para o valor de uso. 0 valor de uso em sua in­diferenc;a frente a determinac;ao economica formal, isto e, valor de uso em si mes­mo, fica alem do campo de investigac;ao da Economia Politica. 2 Apenas entra em seu cfrculo quando e determinac;ao formal. 0 valor de uso e diretamente a base material onde se apresenta uma relac;ao econornica determinada- o ualor de troca.

0 valor de troca aparece primeiramente como relar;Cio quantitativa em que va­lores de uso sao trocaveis entre si. Em tal rela~o lormam eles a mesma grandeza de troca. Assim e possfvel que urn volume de Propercio e oito onc;as de rape sejam o mesmo valor de troca, apesar dos valores de uso incompatfveis do tabaco e da elegia. Como valor de troca, urn valor de uso e exatamente tanto valor quanta o outro, bastando apenas estar a mao na por~o certa. 0 valor de troca de urn pala­cio pode ser expresso em determinado m1mero de latas de graxa para botas. lnver­samente, fabricantes londrinos de graxa tern o valor de troca de suas muitfssimas la­tas expresso em palacios. T otalmente indiferente, portanto, ao seu modo natural de existencia, e sem considera<;ao a natureza especffica da necessidade para a qual sao valores de uso, as mercadorias cobrem-se umas as outras em quantidades de­terminadas, substituem-se entre si na troca, valem como equivalentes e, apesar de sua aparencia variegada, apresentam a mesma unidade.

Os valores de uso sao imediatamente meios de subsistencia. Mas, inversamen­te, esses meios de subsistencia sao eles proprios produtos da vida social, resultado de for<;a vital humana gasta, trabalho objetiuado. Como encarna<;~o3 do trabalho social, todas as mercadorias sao cristaliza<;6es da mesma unidade. E preciso consi­derar agora 0 carater determinado dessa unidade, isto e, do traba}ho que se apre­senta no valor de troca.

Suponhamos que uma onc;a de ouro, uma tonelada de ferro, urn quintal de tri­go e vinte varas de seda sejam valores de troca de igual grandeza. Como tais equi­valentes, nos quais se extinguiu a diferen<;a qualitativa de seus valores de uso, apre­sentam volume igual do mesmo trabalho. 0 trabalho que uniformemente se objeti­vou neles deve ser ele proprio uniforme, sem diferenc;as, trabalho simples, para o qual e tao indiferente aparecer em forma de ouro, ferro, trigo ou seda, como e indi­ferente ao oxigenio encontrar-se na ferrugem, na atmosfera, no suco de uvas ou no sangue dos seres humanos. Mas cavar em busca de ouro, extrair ferro da mina, cultivar trigo e tecer a seda sao modos de trabalho qualitativamente diversos entre si. De fato, o que concretamente aparece como diversidade de valores de uso apa­rece em processo como diversidade da atividade que produz os valores de uso. Sendo indiferente frente a materia particular dos valores de uso, o trabalho que poe 0 valor de troca e, por isso, indiferente frente a forma particular do proprio tra­balho. Diversos valores de uso sao alem disso produtos da atividade de indivfduos distintos, portanto resultado de trabalhos individualmente diferentes. Mas, como va­lores de troca, apresentam trabalho igual, sem diferen<;as, isto e, trabalho em que a individualidade dos trabalhadores se extinguiu. Trabalho que poe valor de troca e, por isso, trabalho abstratamente geral.

Se uma on<;a de ouro, uma tonelada de ferro, urn quintal de trigo e vlnte va­ras de seda sao valores de troca de identica grandeza, isto e, equivalentes, uma on­c;a de ouro, meia tonelada de ferro, oitenta Iibras de trigo e cinco varas de seda sao

2 Esta i! a razlio que expllca por que compiladores alemaes tratam com amore (com prazer) valores de uso deslgnados pelo nome de " bern" (Gut). Veja, por exemplo, STEIN, L System der Stootswissenschaft (Sistema do Cilndo Politi· co). Stuttgart e TUblngen, 1852. v. I, cap. sobre os "bens". Uma explica.,ao mais sensata sobre os " bens" i! nec~­rio procurar nas "lndica~s Sobre a Cl~ncia das Mercadorias" . J Moterlotur, no or1g!nal. (N. doT.)

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valores de troca de grandeza completamente diferentes e essa diferenc;a quantitati­va e a (mica de que ainda sao suscetfveis, enquanto valores de troca. Como valo­res de troca de grandeza diferente, apresentam urn mais ou menos, maiores ou me­nares quantias daquele trabalho simples, uniforrne, geral abstrato, que constitui a substancia do valor de troca. lmporta saber como medir essas quantias. Ou impor­ta saber antes qual e o modo de ser quantitativa daquele trabalho, porque as dife­renc;as de grandeza das mercadorias como valores de troca sao apenas diferenc;as de grandeza do trabalho objetivado nelas. Ja que o modo de ser quantitativa do movimento e o tempo, assim o modo de ser quantitativa do trabalho e o tempo de trabalho. Pressupondo sua qualidade como dada, a unica diferenciac;ao de que e suscetfvel e a diversidade da sua propria durac;ao. Como tempo de trabalho, ob­tem seu padrao de medida nas unidades naturais do tempo: hora, dia, semana etc. Tempo de trabalho e o modo vivo de ser do trabalho, indiferente a sua forma, ao seu conteudo, a sua individualidade; e o seu modo vivo de ser como quantidade, ao mesmo tempo que e sua medida imanente. 0 tempo de trabalho objetivado nos valores de uso das mercadorias e tao exatamente a substfmcia que os torna va­lores de troca, e daf mercadorias, como tambem mede sua grandeza determinada de valor. As quantidades correlativas de diversos valores de uso nos quais se objeti­vou o mesmo tempo de trabalho sao equivalentes, isto e, todos os valores de uso sao equivalentes nas proporc;oes em que contem o mesmo tempo de trabalho aca­bado, objetivado. Como valor de troca, todas as mercadorias sao apenas medidas determinadas de tempo de trabalho coagulado.

Para a compreensao da determinac;ao do valor de troca por tempo de traba­lho, e preciso manter os seguintes pontos de vista principais: a reduc;ao do trabalho a trabalho simples, trabalho sem qualidade, por assim dizer; o modo especffico em que o trabalho que poe valor· de troca, portanto, trabalho que produz mercadorias, e trabalho social; finalmente, a diferenc;a entre o trabalho enquanto resulte em valo­res de uso e o trabalho enquanto resulte em valores de troca.

Para medir os valores de troca das mercadorias pelo tempo de trabalho conti­do nelas os diversos trabalhos devem estar reduzidos a trabalho sem diferen<;as, uniforme', simples; em breve, a trabalho que e qualitativamente o mesmo, e, por is­so, se diferencia apenas quantitativamente.

Essa redu~o aparece como uma abstrac;ao, mas e uma abstrac;ao que e prati­cada diariamente no processo social de produc;ao. A resoluc;ao de todas as merca­dorias em tempo de trabalho nao e uma abstrac;ao maior nem tampouco menos real que a de todos os corpos organicos em ar. 0 trabalho que e medido dessa ma­neira, isto e, pelo tempo, aparece nao como o trabalho de diferentes sujeitos, mas, ao contn:irio, os indivfduos diversos que trabalham aparecem como meros orgaos do trabalho. Ou seja, o trabalho, tal como se apresenta em valores de troca, pode­ria expressar-se como trabalho humano geral. Essa abstrac;ao do trabalho humano geral existe no trabalho medio, que qualquer indivfduo medio de uma sociedade dada pocJe executar; urn gasto produtivo determinado de musculos, nervos, cere­bra etc. E trabalho simples, 4 ao qual qualquer indivfduo medio pode ser adestrado, e que deve executar de uma ou de outra forma. 0 carater· desse trabalho medio e, ele proprio, diferente em diferentes pafses e epocas culturais, contudo aparece co­mo dado em uma determinada sociedade. 0 trabalho simples constitui de Ionge a maior parte do trabalho total da sociedade burguesa, como se pode verificar a par­tir de qualquer estatfstica. Se A produz ferro em seis horas e tecido em outras seis horas, e B da mesma maneira produz ferro durante seis horas e durante outras seis

4 Os economistas ingleses denominam unskilled labour (trabalho nao-qualificado).

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horas produz tecido; ou se A durante doze horas produz ferro e B durante doze ho­ras produz tecido, isso aparece obviamente como mera diferent;a no emprego do mesmo tempo de trabalho. Mas como explicar entao o trabalho complexo, que se eleva acima do nfvel media enquanto trabalho de malar vitalidade, de peso especf­fico maior? Esse tipo de trabalho resolve-se em trabalho simples composto, em tra­balho simples a uma potencia mais elevada, de tal maneira que, par exemplo, urn dia de trabalho complexoe igual a tres dias de trabalho simples. As leis que regu­lam essa redut;ao nao correspondem a esta parte do nosso estudo. Mas esta clara que a redut;ao se efetua, pais, como valor de troca, o produto do trabalho mais complexo e equivalente ao produto do trabalho simples media em determinada proport;ao, portanto, e equiparado a uma quantia determinada desse trabalho sim­ples.

A determinat;ao do valor de troca pelo tempo de trabalho pressupoe alem dis­so que urn mesmo tanto de trabalho se encontra objetivado em uma determinada mercadoria, em uma tonelada de ferro, par exemplo. E indiferente se e trabalho de A ou de B, ou de indivfduos diversos que tenham empregado igual tempo de trabalho para a produt;ao do mesmo valor de usa determinado qualitativa e quanti­tativamente. Em outras palavras, supoe-se que o tempo de trabalho contido em uma mercadoria e o tempo de trabalho necessaria para a sua produt;ao, ou seja, o tempo de trabalho requerido para produzir urn novo exemplar da mesma mercado­ria, sob condit;oes de produt;ao gerais dadas.

As condit;oes do trabalho que poe valor de troca, tais como resultam da amili­se do valor de troca, sao deterrninaqoes sociais do trabalho, ou cleterminat;oes de trabalho social, mas nao pura e simplesmente social, mas de urn modo particular: e urn tipo especifico de socialidade. A simplicidade indiferenciada do trabalho e, em primeiro Iugar, igualdade dos trabalhos de diferentes indivfduos, relacionamen­to recfproco de seus trabalhos como iguais, e isso mediante uma redut;ao de fato de todos os trabalhos a urn trabalho de igual tipo. 0 trabalho de qualquer indivf­duo, enquanto se apresente em valores de troca, possui esse can~ter social de igual­dade, e s6 se apresenta no valor de troca enquanto se relacione como igual com o trabalho de todos os outros indivfduos.

Alem disso, no valor de troca o tempo de trabalho de urn s6 indivfduo apare­ce diretamente como tempo de trabalho geral e esse carater geral do trabalho indi­vidualizado aparece como carater social dele. 0 tempo de trabalho apresentado no valor de troca e tempo de trabalho do indivfduo, mas de urn indivfduo que nao se distingue de outro nem de todos os demais indivfduos enquanto realizem trabalho igual; daf ser o tempo de trabalho requerido por urn deles para a produt;ao de uma determinada mercadoria 9 tempo de trabalho ~ecessario que qualquer outro empregaria para a produt;ao da mesma mercadoria. E o tempo de trabalho do indi­vfduo, e seu tempo de trabalho, mas somente como tempo de trabalho comum a todos, que, por isso mesmo, e indiferente de qual indivfduo seja tempo de traba­lho .. Como tempo de trabalho geral, ele se apresenta em urn produto geral, urn equwalente geral, uma determinada quantia de tempo de trabalho objetivada que e indiferente a forma determinada do valor de uso, na qual aparece como produto imediato de urn indivfduo, e e traduzfvel a vontade em qualquer outra forma de va­lor de usa, na qual se apresenta como o produto de qualquer outro. 56 enquanto grandeza geral e que ele e grandeza social. Para que o trabalho do indivfduo possa resultar em valor de troca, deve resultar em urn equiualente geral, isto e, na apre­sentat;ao d~ tempo de trabalho do indivfduo como tempo de trabalho geral, ou n9 apresentac;ao do tempo de trabalho geral como tempo de trabalho do indivfduo. E como se indivfduos diversos tivessem juntado seu tempo de trabalho e tivessem apresentado as quantias diversas do tempo de trabalho de que dispoem coletiva­mente em valores de uso diversos. 0 tempo de trabalho do indivfduo e, de fato, o

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tempo de trabalho de que a sociedade necessita para a apresentat;ao de urn valor de usa determinado, ou seja, para a satisfac;ao de uma necessidade determinada. Trata-se porem, aqui, apenas da forma especifica pela qual o trabalho recebe urn carater social. T omemos o seguinte exemplo: urn determinado tempo de trabalho do fiandeiro se objetiva em 100 Iibras de fio de linho, e apresenta igual quantia de tempo de trabalho que 100 varas de tecido de linho, o produto do tecelao. En­quanta ambos os produtos apresentem quantias iguais de tempo de trabalho geral, e sejam portanto equivalentes para qualquer valor de uso que contenha o mesmo tanto de trabalho, sao equivalentes urn para o outro. Somente a partir do fato de que o tempo de trabalho do fiandeiro assim como o tempo de trabalho do tecelao se apresentam como tempo de trabalho geral, e seus produtos par essa mesma ra­zao se apresentam como equivalentes gerais, e que o trabalho do tecelao vern a ser trabalho do fiandeiro, e o do fiandeiro trabalho do tecelao, o trabalho de urn se toma o trabalho do outro, ou seja, os respectivos trabalhos de ambos se tomam urn modo de ser social. Ao contrario, na industria rural-patriarcal, onde fiandeiro e tecelao viviam sob o mesmo teto, a parte feminina da familia fiava enquanto a par­te masculina tecia, digamos que fosse para as pr6prias necessidades da famflia , fio e tecido de linho eram produtos sociais, fiar e tecer trabalhos sociais dentro dos li­mites da famflia. Seu can~ter social nao consistia em que o fio, como equivalente geral, se trocasse par tecido, tambem como equivalente geral, ou em que ambos se intercambiassem entre si como expressoes igualmente validas e equivalentes do mesmo tempo de trabalho geral. Mas, ao contrario, era a organizat;ao familiar que, com sua divisao natural do trabalho, imprimia ao produto do trabalho seu carater social proprio. T omemos outro exemplo: os servit;os in natura e os fomecimentos em especie da !dade Media. Os trabalhos determinados dos indivfduos em sua for­ma natural, a particularidade, e nao a generalidade do trabalho, isso e que consti­tui nesse caso o vinculo social. Tomemos finalmente o trabalho coletivo em sua for­ma natural, espontanea, tal como aparece no limiar da hist6ria de todos os povos civilizados. 5 Aqui e evidente que o trabalho nao reveste o carater social, pelo fa to de que o trabalho do indivfduo assumia a fqrma abstrata da generalidade, ou seu produto, a forma de urn equivalente geral. E a comunidade que, baseando-se na produt;ao, impede que o trabalho do indivfduo seja trabalho privado e que seu pro­duto seja produto privado e, ao contrario, faz o trabalho individual aparecer direta­mente como funt;ao de urn 6rgao .dentro de um organismo social. 0 trabalho que se apresenta no valor de troca e pressuposto como trabalho do indivfduo particula­rizado e se toma social assumindo a forma do seu oposto direto: a forma da gene­ralidade abstrata.

Finalmente, o trabalho que poe valor de troca se caracteriza pela apresenta­c;ao, por assim dizer, as avessas, da relat;ao social das pessoas, ou seja, como uma relac;ao social entre coisas. Somente na medida em que urn valor de uso se relacio­na com urn outro como valor de troca e que o trabalho das diferentes pessoas se relaciona entre si como igual e geral. Por isso, se e correto dizer que o valor de tro­ca e uma relat;ao entre pessoas, 6 e preciso contudo acrescentar: relac;ao encoberta por coisas. Assim como uma libra de ferro e uma libra de ouro possuem o mesmo

5 £ urn processo ridiculo. muito divulgado ultimamente, conceber a propriedade comunal primitiva como urna lorma especilicamente eslava, ou exclusiv8mente ru~. Es5a ~ a lorma primitiva que encontramos entre os romanos. germa· nos e celtas, e da qual encontramos ainda na India todo um mostruario, com modelos variados, ainda que em p8rte no estado decadente. Um estudo rigoroso das lormas de propriedade comunal asi6ticas, especialmente na india, mos­traria que de dilerentes lormas da propriedade comunal primitiva resultam dilerentes lormas da sua dissolu~l!lo. E: as­sim que se podem deduzlr os dllerentes tipos originais de propriedade privada, dos romanos e dos germanos, por exemplo, das dilerentes lormas de propriedade comunal da India. 6 La ricchezzo e uno ragione Ira due persone. GALIANI. Della Moneta. p. 221. (A riqueza e uma rela¢o entre duas pessoas.) No tomo Ill da compila¢o de CUSTODI. Scrittorl Classici /tolioni di Economio Politico. Milao, 1803. Parte Modem a.

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peso, apesar da diferen<;a de suas propriedades ffsicas e qufmicas, do mesmo mo­do dois valores de uso de mercadorias que contenham o mesmo tempo de traba­lho possuem o mesmo valor de troca. 0 valor de troca aparece assim como deter­minidade social natural dos valores de uso, determinidade que lhes corresponde como coisas, e em razao do que se substituem entre si, em determinadas relac;oes quantitativas; no processo de troca, formam equivalentes, da mesma maneira que substancias qufmicas simples se combinam em determinadas proporc;oes quantitati­vas formando equivalentes qufmicos. Nao e outra coisa senao a rotina da vida coti­diana o que faz parecer trivial e 6bvio o fato de uma relac;ao social de produc;ao as­sumir a forma de urn objeto; de tal maneira que a relac;ao das pessoas em seu tra­balho se apresenta como sendo urn relacionamento de coisas consigo mesmas e de coisas com pessoas. Contudo, no que diz respeito a mercadoria, essa mistifica­c;ao e ainda muito simples. Pois geralmente se tern uma maior ou menor impres­sao de que a relac;ao das mercadorias como valores de troca e mais uma relac;ao de pessoas com sua atividade produtiva reciproca. Em relac;oes de produc;ao mais elevadas desaparece essa aparencia de simplicidade. T odas as ilusoes do sistema monetario decorrem do fato de que nao se nota que o dinheiro7 apresenta uma re­lac;ao social de produc;ao mas e visto apenas na forma de uma coisa natural com propriedades determinadas. Entre os economistas modernos, por exemplo, que sorriem superiores das ilusoes do sistema monetario, essa ilusao se trai, tao logo es­tes operam com categorias econ6micas mais complexas como "capital" . Ela vern a tona em confissoes de espanto ingenuo tao logo aparece como relac;ao social o que eles antes acreditavam apreender como coisa e, depois, o que .eles mal tinham fixado como relac;ao social volta a provoca-los como coisa.

Nao sendo, com efeito, o valor de troca das mercadorias nada mais que a rela­c;ao dos trabalhos dos indivfduos entre si como iguais e gerais, nada mais que a ex­pressao em objeto de uma forma especificamente social do trabalho, e tautologia afirmar que o trabalho seja a Cmica fonte do valor de troca e, por isso, da riqueza enquanto esta se constitua de valores de troca. Na mesma tautologia se incorre quando se afirma que a materia da natureza como tal nao contem valor de troca8

porque nao contem trabalho, e que o valor de troca como tal nao contem materia da natureza. Contudo, quando William Petty denomina "o trabalho, o pai, e a ter­ra, a mae da riqueza"; ou quando 0 bispo Berkeley pergunta "se nao seriam OS

quatro elementos e o trabalho humano a verdadeira fonte da riqueza";9 ou entao, quando o americana Th. Cooper explica em linguagem popular que, se "tirar do pao o trabalho empregado em sua produc;ao, isto e, o trabalho do padeiro, do mo­leiro, do arrendatario {da terra) etc., o que e que sobra? Algumas sementes de rna­to, crescendo a toa, imprestavel para qualquer uso humano."10 Em todas essas con­cepc;oes trata-se nao do trabalho abstrato, que e a fonte do valor de troca, mas sim do trabalho concreto como uma fonte da riqueza material, em resumo, do trabalho enquanto produtor de valores de uso. Pressupondo-se o valor de uso de uma mer­cadoria, tem-se como pressuposta sua utilidade particular, a finalidade do trabalho investido nela, com o que se esgota, do ponto de vista da mercadoria, toda consi­derac;ao possfvel do trabalho como trabalho uti!. 0 que nos interessa no pao como

7 Na primeira edi~ao consta ouro. Corrigido por Marx em seu exemplar. (N. da Ed. Alema.) 8 "Em seu estado natural, a materia esta sempre destitufda de valor." MACCULLOCH. Discours sur I'Origine de /'Eco­nomie Polltique etc. Trad. de Prevost Genebra, 1825. p. 57. Ve-se como ate um MacCulloch se eleva acima do feiti­cismo de "pensadores" alemaes que declaram a materia e meia dUzia de disparates como elementos do valor. Compa­re, por exemplo, Op. cit., v. I, p. 170 [195]. 9 BERKELEY. The Querist. Londres, 1750. "Wheter the four elements, and man's labour therein, be not the true sour­ce of wealth?" 10 COOPER, Th.-Lectures on the Elements of Politlca/ Economy. Londres, 1831 (Columbia 1826). p. 99.

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valor de uso sao as suas propriedades como alimento, e nao os trabalhos do arren­datario, do moleiro, do padeiro etc., se, por uma invenc;ao qualquer, se reduzisse o trabalho em 19/20, o pao continuaria servindo para a mesma finalidade de antes. E se por acaso cafsse pronto do ceu, o pao nao perderia nenhum atomo de seu va­lor de uso. Enquanto o trabalho que poe valor de troca se efetiva na igualdade das mercadorias como equivalentes gerais, o trabalho como atividade produtiva dirigi­da a urn fim se efetiva na infinita multiplicidade de seus valores de uso. Enquanto o trabalho que poe valor de troca e urn trabalho abstratamente geral e igual, o tra­balho que poe valor de uso e trabalho concreto e particular, que se subdivide em infinitos modos de trabalhos diferentes, segundo a sua forma e sua materia.

E falso afirmar que o trabalho, enquanto produtor de valores de uso, seja a Cmica fonte da riqueza produzida por ele, isto e, da riqueza material. Ja que o traba­lho e uma atividade que consiste em apropriar-se do que e material com esta ou aquela finalidade, necessita da materia como pressuposic;ao. A proporc;ao entre tra­balho e materia natural varia muito nos diferentes valores de uso, mas o valor de uso contem sempre urn substrata natural. Como atividade que visa, de uma forma ou de outra, a apropriac;ao do que e natural, o trabalho e condi¢o natural da exis­tencia humana, uma condic;ao do metabolismo entre homem e natureza, indepen­dentemente de qualquer forma social. Ao contrario, trabalho que poe valor de tro­ca e uma forma especificamente social do trabalho. Trabalho de alfaiate, por exem­plo, em sua determinidade material como atividade produtiva particular, produz a roupa, mas nao o seu valor de troca. Este e produzido pelo trabalho, nao como tra­balho de alfaiate, mas sim como trabalho abstratamente geral, que esta inserido em urn conjunto social, e cuja textura nao saiu das maos do alfaiate. Do mesmo modo, na industria caseira da Antiguidade, as mulheres cosiam a roupa sem produ­zir o seu valor de troca. Trabalho como fonte de riqueza material foi tanto do co­nhecimento do legislador Moises quanto do fiscal aduaneiro Adam Smith. 11

Consideremos agora algumas determinac;oes mais precisas que resultaram da reduc;ao do valor de troca ao tempo de trabalho.

Como valor de uso, a mercadoria tern uma atuac;ao causal. Trigo, por exem­plo, atua como alimento. Uma maquina substitui trabalho em determinadas propor­c;oes. Esse efeito da mercadoria que provem dela unicamente enquanto valor de uso, objeto de consumo, pode ser denominado servic;o que ela presta como valor de uso. Contudo, como valor de troca, a mercadoria e sempre considerada sob o ponto de vista do resultado. Trata-se aqui nao do servic;o que ela presta, mas sim do servic;o12 que foi dedicado a ela na sua produc;ao. De modo que o valor de tro­ca de uma maquina nao e determinado pela quantia de tempo de trabalho que ela substitui, mas sim pela quantia de tempo de trabalho que foi empregado para a sua propria produc;ao e, por conseguinte, o tempo de trabalho que se requer para a produc;ao de uma nova maquina do mesmo tipo.

Portanto, se permanecesse constante a quantia de trabalho requerida para a produc;ao das mercadorias, o seu valor de troca seria inalteravel. Entretanto, a facili­dade e a dificuldade da produc;ao variam constantemente. Se aumenta sua forc;a produtiva, o trabalho produz o mesmo valor de uso em menos tempo. Pelo contra­rio, se diminui sua forc;a produtiva, requerer-se-a mais tempo para a produc;ao do

11 F. List, que nunc.a pOde compreender a diferen~a entre o trabalho que ajuda a criar uma utilidade, urn valor de uso, e o trabalho que cna uma forma determinada de rique2a, o valor de troca, como alias sua intelig~ncla pratica interessei­ra fica Ionge de compreender coisa, viu nos economistas ingleses modemos meros plagiadores de Moises do Egito. 12 Compreende-se que "servi~o" deve prestar a categoria "servi~o" (service) a economistas da classe de J.-B. Say e F. Bastiat, cujo astuto raciodnio, como bem o dissera Malthus, em tudo faz abstra~ao das determina~oes formals especifi­cas das rela~oes economicas.

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mesmo valor de uso. A grandeza do tempo de trabalho contido em uma mercado­ri~, i~to e, de seu valor. de troca, que e portanto variavel, aumenta ou diminui na ra­zao mversa em que aumenta ou diminui a forc;a produtiva do trabalho. Esta e em­pre~ad~ n~ indus~a ma~ufatureira em grau pre-determinado, mas na agricultura e na mdustria extrativa esta ao mesmo tempo condicionada por circunstancias natu­rals incontro_laveis. 0 mesmo trabalho resulta em maior ou menor extrac;ao de dife­rentes meta1s dependendo da relativa escassez ou abundancia desses metais na cr~sta terr~stre. 0 r:nesmo trabalho pode se objetivar, com a ajuda do tempo, em d01s alque1res de trigo, mas em condic;oes desfavoraveis talvez apenas na metade. Nesse caso as circunstancias naturais de escassez ou abundancia parecem determi­nar o valor de tr?ca das mercadorias, porque determinam a forc;a produtiva de urn trabalho real particular dependente das condic;oes da natureza.

Valores de uso diferentes contem, em volumes desiguais, o mesmo tempo de trabalho, ou seja, o mesmo valor de troca. Quanto menor for o volume do valor de uso no qual uma mercadoria contenha uma deterrninada quantia de tempo de trabalho, comparado com outros valores de uso, tanto maior sera seu ualor de tro­ca especfjico. E quando constatamos que, em epocas culturais diferentes e remotas umas das outras, certos valores de uso constituem entre si uma serie de valores de tr~ca especfficos, que se nao preservam exatamente as mesmas proporc;oes quanti­tativas, mantem contudo a relac;ao geral que os ordena para cima ou para baixo re~pectivamente, ~om~, por exemplo, ouro, prata, cobre, ferro, ou entao trigo, cen~ te1o, cevada, . ave1a; ~o. podemos concluir que o desenvolvimento progressive das forc;a_:; produtivas soc1rus atua numa mesma proporc;ao, ou quase na mesma pro­porc;ao s<:>bre o tempo de trabalho exigido para a produ<;ao daquelas diferentes mercadonas.

0 valor d~ ~roc~ de uma mercadoria nao e visfvel em seu pr6prio valor de uso. Co~o ob)etivac;ao do tempo de trabalho social geral, o valor de uso de uma mercadona esta relacionado, todavia, com outros valores de uso de outras merca­dorias. Dessa maneira, o valor de troca de uma mercadoria se manifesta nos vale­res de uso das demais mercadorias. Equivalente, de fato, e o valor de troca de uma mercadoria expressa em valor de uso de uma outra mercadoria. Se digo, por ex~mplo, que uma vara de linho vale duas Iibras de cafe, o valor de troca do linho esta expresso no valor de uso cafe, ou seja, em uma deterrninada quantia desse va­lor de uso. ~asfa essa proporc;ao, posso expressar o valor de qualquer quantia de li­nho e':l cafe. E claro que o valor de troca de uma mercadoria, do linho, por exem­plo, nao se es?ota na pro~orc;ao em que outra mercadoria particular, cafe, por exemplo, :_onstitua seu equ1v~lente. _A quantia de tempo de trabalho geral, cuja apr~sentac;ao e uma vara de !mho, e realizada ao mesmo tempo em uma infinita vane~ade de volumes de valores de uso de todas as outras mercadorias. Na pro­porc;ao em que apresente uma igual grandeza de tempo de trabalho, o valor de uso de q~alquer outra mercadoria constitui urn equivalente para uma vara de Ji­nho. Por 1~so.' _o valor d:_ troca dessa unica mercadoria s6 se expressa exaustiva­mente em mfimtas equac;oes nas quais o valor de uso de todas as outras mercado­rias . constitui se~ equivalente. Somente na soma de todas estas equac;oes, ou no conJunto das d1f~rentes proporc;oes, nas quais uma mercadoria e cambiavel por qualquer outra, e que se expressa exaustivamente como equivalente geral. Por exemplo, a serie de equac;oes:

pode ser apresentada:

1 vara de linho = 112 libra de cha 1 vara de linho = 2 Iibras de cafe 1 vara de linho = 8 Iibras de pao 1 vara de linho = 6 varas de chita,

A MERCADORIA 39

1 vara de linho = 1/18 libras de cha + 112 libra de cafe + 2 Iibras de pao + 1 1/2 vara de chita.

Se tivessemos a vista a soma total de equac;oes em que o valor de uma vara de li­nho se expressa exaustivamente, poderfamos apresentar, n~ !orm? ~e. uma serie, o valor de troca de uma vara de linho. Na realidade, essa sene e mfimta, tendo em vista que o ambito das mercadorias nunca se fecha definitivamente, ma_s, ~o.contra­rio se expande constantemente. Mas se, por urn !ado, essa mercadona umca me­de ' seu valor de troca com os valores de uso de todas as outras mercadorias, por outro !ado, os valores de troca de todas as demais medem-se com o valor de uso dessa mercadoria unica, que por sua vez se mede por elas. 13 Se o valor de troca de 1 vara de linho se expressa em 112 libra de cha, ou em 2 Iibras de cafe, ou em 6 varas de chita ou em 8 Iibras de pao etc. , conclui-se que cha, cafe, chita, pao etc., sao iguais na medida em que sao iguais a urn terceiro, _ao linho que serve como medida comum a seus valores de troca. Toda mercadona, como tempo de traba­lho geral objetivado, isto e, como deterrninada quantia de tempo de_ trabalho geral, expressa seu valor de troca sucessivamente em deterrninadas quantidades de vale­res de uso de todas as demais mercadorias; e os valores de troca destas medem-se inversamente com o valor de uso daquela exclusiva mercadoria. Mas como valor de troca qualquer mercadoria e, ao mesmo tempo, tanto aquela mercado~a exclu­siva que serve de medida comum para o valor de tr?ca de todas _as dema1s, ~omo tambem, ademais, apenas uma das muitas mercadonas que constituem o conJunto no qual qualquer outra apresenta imediatamente seu valor de troca.

Para a grandeza de ualor de uma mercadoria e indiferente se existem alem de­Ja poucas ou muitas de outro· tipo. Mas se a serie de equac;~es, nas quais seu _va_l~r de troca se realiza, e maior ou menor, isso depende da mator ou menor multiphcl­dade de outras mercadorias. Por exemplo, a serie de equac;oes em que se apresen­ta o valor do cafe exprime a esfera da sua capacidade de troca, os li?lites em q~e ele funciona como valor de troca. Ao valor de troca de uma mercadona como ob)e­tivac;ao do tempo de trabalho social geral corresponde a expressao da sua equiva­lencia em valores de uso infinitamente diferentes.

Vimos que o valor de troca de uma mercadoria varia conforme a q~antida~e do tempo de trabalho imediatamente contido nela. Seu valor de troca reahzado, IS­

to e, expresso no valor de uso de outras mercadorias, deve igualmente dep:nder da proporc;ao em que varia o tempo de trabalho empregado para a produc;ao _d~ todas as outras mercadorias. Se perrnanecesse constante o tempo de trabalho eXlgt­do para a prod1;1<;30 de uma fanga de trigo, por e~emplo, en~uanto dobrasse o tempo de trabalho necessaria a produc;ao das ~ema1s mercado_nas, _o ':'alor de tro­ca de uma fanga de trigo, expresso em seus eqUJvalentes, reduz1r-se-1a ~ m~tade. 0 resultado seria praticamente o mesmo, se o tempo de trabalho requen~~ a produ­c;ao da fanga de trigo diminufsse pela metade e o tempo de trabalho eXIgtdo para a produc;ao de todas as outras mercadorias permanecesse invariavel. 0 valor das mercadorias e deterrninado pela proporc;ao em que elas, em urn mesmo tempo de trabalho, possam ser produzidas. Para ver a que possfveis varia~oe~ esta sujeita es­sa propor<;ao, tomemos duas supostas mercadorias A e B. Pnme1ro: o tempo de trabalho para produzir B perrnanece invariavel. Nesse caso, o valor de troca de A,

13 "E tam~m uma pecullarldade das medidas estar em uma tal rela~o com a coisa medida que, de ce_rto mooo, a col­sa medida se transforma em medida da coisa que mede." MONTANARL Delio Moneta. p. 41. Comp1la~o de Custer di. v. Ill. Parte Antiga.

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expresso em B, aumenta ou diminui diretamente com o aumento ou diminui~ao do tempo de trabalho requerido para a produ~o de A. Segundo: o tempo de tra­balho exigido para a produ~o da mercadoria A permanece invariavel. 0 valor de troca de A, expresso em B, aumenta ou diminui em rela~o inversa ao aumento ou diminui~ao do tempo de trabalho requerido para a produ~o de B. Terceiro: o tempo de trabalho requerido para a produc;ao de A e B diminui ou aumenta na mesma propor~o. Nesse caso, a expressao de equivalencia de A ern B permanece invariavel. Se, atraves de uma circunstancia qualquer, a for~a produtiva de todos os trabalhos diminufsse na mesma medida, de tal maneira que todas as mercado­rias exigissem, numa mesma propor~ao mais tempo de trabalho para a sua produ­~o, o valor de todas as mercadorias aumentaria, a expressao real de seu valor de troca permaneceria invariavel e diminuiria a riqueza efetiva da sociedade, ja que es­ta precisaria de mais tempo de trabalho para criar a mesma quantidade de valores de usa. Quarto: quer o tempo de trabalho exigido para a produ~ao de A e de B au­mente ou diminua, mas em graus diferentes, quer o tempo de trabalho exigido pa­ra A aumente, enquanto para B diminua, ou vice-versa. T ados esses casas podem ser reduzidos simplesmente a uma proporc;ao em que o tempo de trabalho para a produ~ao de uma das mercaaorias permane~a invariavel, enquanto aumenta ou di­minui para a produ~ao das demais mercadorias.

0 valor de troca de qualquer mercadoria se expressa no valor de uso de qual­quer outra, seja em inteiros ou em fra~oes desse valor de uso. Como valor de tro­ca, toda mercadoria pode ser dividida tanto quanta o proprio tempo de trabalho nela objetivado. A equivalencia das mercadorias tanto independe de sua divisibili­dade ffsica com os valores de usa, quanta e indiferente, para a adi~o dos valores de troca das mercadorias, quais altera~oes reais de forma sofram os valores de usa dessas mercadorias na.sua refundi~ao em uma nova mercadoria.

Ate aqui a mercadoria tern sido considerada sob dais pontos de vista: o de va­lor de usa e o de valor de troca, mas em ambos os casas de modo unilateral. Con­tude, a mercadoria como tal e unidade imediata de valor de uso e valor de troca· ao mesmo tempo ela e mercadoria somente relacionada com outras mercadorias: 0 relacionamento efetivo das mercadorias entre si e seu processo de troca. E nesse processo social que entram os indivfduos independentes entre si, mas eles atuam af apenas como possuidores de mercadorias; o modo multilateral de ser de urn pa­ra o outro e o modo de ser de suas mercadorias, e assim eles aparecem de fato so­mente como portadores conscientes do processo de troca.

A mercadoria e valor de usa: trigo, linho, diamante, maquina etc., mas como mercadoria ela nao e, ao mesmo tempo, valor de usa. Fosse ela valor de usa para seu possuidor, isto e, fosse ela imediatamente meio para a satisfa~ao de suas pr6-prias necessidades, nao seria mercadoria. Para ele (seu possuidor), ela e, pelo con­trario, urn nao-valor de uso, a saber, mero portador material do valor de troca ou simples meio de troca; como portador ativo do valor de troca, o valor de usa' tor­na-se meio de troca. Ela continua sendo valor de usa para ele, mas apenas como valor de troca. 14 Par isso, como valor de usa, ela precisa ainda vir a ser, e isso s6 para outros. Nao sendo ela valor de usa para seu proprio possuidor, e valor de usa para possuidores de outras mercadorias. Quando isso nao acontece, seu trabalho foi trabalho em vao, nao resultou portanto em mercadoria. Ademais, ela precisa vir a ser valor de usa para ele proprio, porque fora deJa, nos valores de usa das merca­dorias alheias, e que estao seus meios de subsistencia. Para vir a ser valor de uso,

14 E sob essa detennina~o formal que Arist6teles concebe o valor de troca. (Veja a passagem citadll no infcio do capl· tulo.)

A MERCADORIA 41

a mercadoria precisa confrontar-se com a necessidade particular para a qual e obje­to de satisfa~ao. Os valores de usa das mercadorias vem a ser, portanto, valores de usa, mudando de Iugar por toda a parte, saindo da maos que a_ utilizaram como meio de troca para as maos que a utilizam como objeto de usa. E apenas atraves dessa alienat;iio multilateral das mercadorias que o trabalho contido nelas se toma trabalho Citil. Nesse relacionamento em processo das mercadorias entre si como va­lores de usa, elas nao adquirem nova determinidade economica. Pelo contrario, desaparece a determinidade formal que as caracterizava como mercadoria. 0 pao, par exemplo, quando passa das maos do padeiro para as maos do consumi­dor, nao se altera em seu modo de ser como pao. Mas, em contrapartida, e ape­nas o consumidor que se relaciona com o pao como valor de uso, ou seja, a esse alimento determinado, ao passo que, nas maos do padeiro, era de uma rela~ao economica, uma coisa natural sobrenatural. A Cinica mudan~a de forma que so­frem as mercadorias em seu vir a ser valor de uso e, portanto, a supressao do seu modo de ser formal, em que eram nao-valores de uso para seus possuidores e va­lores de usa para seus nao-possuidores. Vir a ser valor de usa pressupoe a aliena­~ao multilateral das mercadorias, isto e, sua entrada no processo de troca. Mas o modo de ser das mercadorias para a troca e seu modo de ser como valores de tro­ca. Par isso, para se efetivarem como valores de usa, as mercadorias devem se efeti­var como valores de troca.

Se, sob o ponto de vista do valor de usa, a mercadoria isolada aparecia origi­nalmente como uma coisa autonoma, como valor de troca foi considerada, ao con­trario, desde o primeiro momenta, no relacionamento com todas as qemais merca­dorias. Contudo, esse relacionamento era apenas te6rico, pensado. E somente no processo de troca que ele ~e exerce. E certo que, par outro !ado, a mercadoria e valor de troca, porquanto uma determinada quantia de tempo de trabalho foi reali­zada nela, e par isso ela e tempo de trabalho objetivado. Mas, tal como se apresen­ta imediatamente, a mercadoria e apenas tempo de trabalho individual objetivado, com urn conteudo particular, e nao tempo de trabalho geral. Por isso ela nilo e imediatamente valor de troca, mas precisa primeiro vir a se-lo. Primeiramente ela s6 pode ser objetiva~o do tempo de trabalho geral na medida em que apresenta tempo de trabalho empregado em urn determinado fim uti!, isto e, em urn valor de usa. Era esta a unica condi~ao material sob a qual estava pressuposto o tempo de trabalho contido nas mercadorias como geral e social. Se, por urn !ado, a mercado­ria s6 pode vir a ser valor de uso efetivando-se como valor de troca, par outro !a­do, ela s6 pode efetivar-se como valor de troca confirmando-se como valor de uso em sua aliena~ao. Como valor de usa, uma mercadoria nao pode ser alienada se­nao em beneffcio daquele para quem ela constitui urn valor de usa, isto e, objeto de uma necessidade particular. Mas, par outro !ado, s6 e alienada par uma outra mercadoria, isto e, se nos colocamos na situa~o do possuidor da outra mercado­ria, verificamos que este multo menos pode aliena-la, ou seja, efetiva-la, senao pondo-a em cantata com a necessidade especial, da qual ela e objeto de satisfa­~ao. Na aliena~ao multilateral das mercadorias como valores de uso, as mercado­rias sao pastas em relacionamento umas com as outras segundo sua diferen~a ma­terial como coisas particulares que, par suas propriedades especfficas, satisfazem as necessidades particulares. Mas, na sua mera condi~ao de valores de usa, sao exis­tencias indiferentes umas as outras, ou melhor, desvinculadas entre si; e como vale­res de usa s6 podem ser trocadas no relacionamento com as necessidades particu­lares a que se destinam. Contudo, s6 sao intercambiaveis como equivalentes, e s6 sao equivalentes como quantias iguais de tempo de trabalho objetivado, de tal for­ma que desaparece toda considera~ao sabre suas propriedades naturals de valor de usa, e daf toda considera~o sabre a rela~o das mercadorias com as necessida-

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des particulares. Ao contrario, uma mercadoria atua como valor de troca substituin­do, na fun~o de equivalente, uma determinada quantia de qualquer outra merca­doria, nao importando que ela seja ou nao valor de uso para o possuidor da outra mercadoria. Mas para este ela so se torna mercadoria enquanto for valor de uso pa­ra ele, e para seu possuidor anterior ela so se torna valor de troca na medida em que for mercadoria para outrem. Esse mesmo relacionamento deve ser, portanto, relacionamento das mercadorias como grandezas essencialmente iguais, diferentes apenas quantitativamente; deve ser sua equiparac;ao como encama~o do tempo de trabalho geral e, ao mesmo tempo, relacionamento de coisas qualitativamente diferentes como valores de uso particulares para necessidades particulares, em re­sumo, relacionamento que as distingue como valores de uso reais. Mas essa equi­parac;ao e· desequipara~o se excluem mutuamente. Assim se apresenta nao so­mente urn cfrculo vicioso de problemas, no qual a soluc;ao de urn problema pressu­poe a soluc;ao do outro, como tambem todo urn conjunto de exigencias contradito­rias, em que a satisfac;ao de uma condic;ao esta imediatamente ligada a satisfa~o da condi~o oposta.

0 processo de troca das mercadorias precisa ser tanto o desdobramento co­mo a soluc;ao dessas contradic;oes, que contudo nao podem apresentar-se nesse processo desse modo simples. Vimos apenas que as mercadorias sao relacionadas entre si como valores de uso, isto e, que as mercadorias aparec~m como valores de uso dentro do processo de troca. 0 valor de troca, ao contrario, conforme ha­vfamos considerado, nao existiu senao em nossa abstrac;ao, ou se se quiser, na abs­trac;ao do indivfduo possuidor de mercadorias que tern a mercadoria sob a forma de valor de uso no deposito e sob a forma de valor de troca na consciencia. 15 Mas dentro do processo de troca as mercadorias devem. estar presentes nao apenas co­mo valores de uso, mas tambem como valores de troca umas para as outras, e es­se seu modo de ser deve aparecer como seu proprio relacionamento mutua. A difi­culdade que nos deteve inicialmente consistia em que a mercadoria, para se apre­sentar como valor de troca como trabalho objetivado, teve que ser alienada antes como valor de uso, isto e, encontrar comprador, enquanto que sua alienac;ao co­mo valor de uso pressupunha inversamente seu modo de ser como valor de troca. Mas suponhamos que essa dificuldade ja tenha sido resolvida, e a mercadoria te­nha se despido de seu valor de uso particular e, pela alienac;ao deste, satisfeita a condic;ao material de ser trabalho socialmente uti!, em vez de ser trabalho particu­lar do indivfduo para si mes:no. Desse modo, no processo de troca e como valor de troca, ela precisa tomar-se equivalente geral, tempo de trabalho geral objetiva­do para as outras mercadorias, e assim ja nao e preciso que tenha o efeito limitado de urn valor de uso particular, mas sim a capacidade imediata de apresentar-se em todos os valores de uso como seus equivalentes. Mas toda mercadoria e aque/a mercadoria que, atraves da alienac;ao de seu valor de uso particular, deve aparecer como encarnac;ao direta do tempo de trabalho geral. Mas, por outro !ado, defron­tam-se no processo de troca apenas mercadorias particulares, trabalhos de indivf­duos privados encarnados em valores de uso particulares. 0 proprio tempo de tra­balho geral e uma abstrac;ao que, como tal, nao existe para as mercadorias.

Se considerarmos a soma de equac;oes nas quais o valor de troca de uma mer­cadoria encontra sua expressao real, por exemplo:

15 Gewissen, no original. (N. doT.)

1 vara de linho = 2 Iibras de cafe 1 vara de linho = 112 libra de cha 1 vara de linho = 8libras de pao etc., l

A MERCADORIA 43

teremos que essas equac;oes apenas indicam que urn tempo de trabalho geral so­cial de igual grandeza se objetiva em 1 vara de linho, 2 Iibras de cafe e 1/2 libra de cha etc. Mas, de fato, os trabalhos individuals que se apresentam nesses valores de uso particulares somente se tornam trabalho geral, e dessa forma trabalho social, trocando-se efetivamente entre si proporcionalmente ao tempo de durac;ao do tra­balho contido neles. 0 tempo de trabalho social existe, por assim dizer, apenas de forma latente nessas mercadorias, e se manifesta somente em seu processo de tro­ca. Nao se toma como ponto de partida o trabalho dos indivfduos, na condi~o de trabalho coletivo, mas inversamente os trabalhos particulares de indivfduos priva­dos, trabalhos estes que apenas no processo de troca se confirmam como trabalho social geral por eliminac;ao de seu carater original. Por isso, o trabalho social geral nao e uma pressuposic;ao acabada, mas sim um resultado vindo a ser. E assim re­sultada a nova dificuldade, pais, por urn !ado, as mercadorias devem entrar no pro­cesso de troca como tempo de trabalho geral objetivado, mas por outro !ado a ob­jetivac;ao do tempo de trabalho dos indivfduos como geral e, ela propria, urn pro­duto do processo de troca.

Toda mercadoria deve obter sua existencia16 como valor de troca atraves de alienac;ao de seu valor de uso, isto e, de sua existencia originaria. Oaf ter a merca­doria que duplicar sua existencia no processo de troca. Mas, por sua vez, sua se­gunda existencia como valor de troca so pode ser uma outra mercadoria, pais, no processo de troca, mercadorias so se defrontam com mercadorias. Como se pode apresentar diretamente uma mercadoria particular como tempo de trabalho gera/ objetiuado, ou entao, o que e o mesmo, como se pode dar diretamente ao tempo de trabalho individual objetivado em uma mercadoria particular o carater da gene­ralidade? A expressao real do valor de troca de uma mercadoria, ou seja, de qual­quer mercadoria, como equivalente geral, se apresenta numa serie infinita de equa­c;oes, como:

1 vara de linho = 2 Iibras de cafe 1 vara de linho = 1/2 libra de cha 1 vara de linho = 8 Iibras de pao 1 vara de linho = 6 varas de chita 1 vara de linho = etc.

Essa apresentac;ao era teorica na medida em que a mercadoria, como quantia de­terminada de tempo de trabalho geral objetivado, era apenas pensada. 0 modo de ser de uma mercadoria particular como equivalente geral de mera abstrac;ao se tor­na resultado social do proprio processo de troca pela simples inversao da serie de equac;oes acima apresentada. Assim, por exemplo:

2 Iibras de cafe = 1 vara de linho 112 libra de cha = 1 vara de linho 8 Iibras de pao = 1 vara de linho 6 varas de chita = 1 vara de linho.

Ao expressarem cafe, cha, pao, chita, em resumo, todas as mercadorias, o tempo de trabalho contido nelas, em linho, o valor de troca do linho se desdobra inversa­mente em todas as outras mercadorias como seus equivalentes, e o tempo de tra-

16 Exfstenz, no origin~ nesse Iugar e em todo o texto traduzldo por existencia, enquanto que Dasein foi traduzldo sem­pre por modo de ser. (N. doT.)

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balho objetivado nele mesmo se toma diretamente tempo de trabalho geral, que se apresenta proporcionalmente em volumes de todas as outras mercadorias. 0 li­nho se toma aqui equiualente geral pela aqao multilateral de todas as outras merca­dorias sobre ele. Como valor de troca toda mercadoria tomou-se medida dos vale­res de todas as outras mercadorias. Aqui se da o contrario: ao medirem todas as mercadorias seu valor de troca com uma mercadoria particular, a mercadoria ex­clufda toma-se o modo de ser adequado do valor de troca, seu modo de ser como equivalente geral. A serie infinita ou o m1mero infinite de equa~oes, nas quais se apresentou o valor de troca de todas as mercadorias, se reduzem a uma (mica equac;ao de apenas dois elementos. 2 Iibras de cafe = 1 vara de linho e agora a ex­pressao exaustiva do valor de troca de cafe, ja que nesta expressao aparece imedia­tamente como equivalente de uma determinada quantia de qualquer outra merca­doria. Portanto, dentro do processo de troca, as mercadorias estao agora umas pa­ra as outras, ou seja, aparecem reciprocamente como valores de troca na forma de linho. 0 fato de todas as mercadorias estarem relacionadas entre si como valores de troca apenas como quantias diferentes do tempo de trabalho geral objetivado aparece agora de tal modo que as mercadorias como valores de troca apresentam o mesmo objeto, o linho, somente que em quantias diferentes. Por isso o tempo de trabalho geral se apresenta por sua vez como uma coisa particular, uma merca­doria ao lado e fora do conjunto de todas as outras. Mas ao mesmo tempo a equa­~ao, na qual uma mercadoria apresenta outra mercadoria como valor de troca, por exemplo 2 Iibras de cafe = 1 vara de linho, constitui uma equa~ao ainda por reali­zar. Somente atraves de sua aliena~ao como valor de uso, a qua), tpor sua vez, de­pende de comprovar sua utilidade como objeto de satisfa~ao de uma necessidade no processo de troca, e que se transforma efetivamente o seu modo de ser como cafe em seu modo de ser como linho, assumindo assim a forma do equivalente ge­ral, e tomando-se efetivamente valor de troca para todas as outras mercadorias. ln­versamente toma-se o linho o modo de ser transformado de todas as outras merca­dorias, pelo fato de todas as mercadorias se transformarem em linho atraves de sua aliena<;ao como valores de uso; e e somente como resultado dessa transforma­c;ao de todas as outras mercadorias em linho que este passa a ser imediatamente objetiuaqao do tempo de trabalho geral, isto e, produto da aliena~ao multilateral, suspensao dos trabalhos individuals. Se as mercadorias duplicam dessa maneira sua existencia, a fim de aparecerem reciprocamente como valores de troca, a mer­cadoria exclufda como equivalente geral duplica tambem seu valor de uso. Alem de seu valor de uso particular, como mercadoria particular, eta adquire um valor de uso geral. Esse seu valor de uso e, ele proprio, determinidade formal, isto e, pro­vern do papel especifico que essa mercadoria desempenha no processo de troca atraves da a~ao multilateral das outras mercadorias sobre ela. 0 valor de uso de qualquer mercadoria como objeto de uma necessidade particular tern valor diferen­te em maos diferentes; seu valor difere conforme se encontre nas maos de quem a aliena ou de quem se apropria dela. A mercadoria exclufda como equivalente geral e agora objeto de uma necessidade geral que nasce do proprio processo de troca, e tern para qualquer urn o mesmo valor de uso que e ser portador de valor de tro­ca, ou seja, meio de troca geral. Assim nessa unica mercadoria se resolve a contra­di~ao que reside nas mercadorias como tais, e que consiste em ser, ao mesmo tem­po, valor de uso particular e equivalente geral, e por isso valor de uso para qual­quer um, valor de uso geral. Ao passo que todas as outras mercadorias apresen­tam inicialmente seu valor de troca como ideal, como uma equa~ao que ainda esta por se realizar com a mercadoria exclusiva, o valor de uso dessa mercadoria exclu­siva, apesar de ser real, aparece no proprio processo como mero modo de ser for­mal a ser realizado somente atraves da sua transforma<;ao em valores de uso efeti­vos. Originalmente a mercadoria se apresentava como mercadoria em geral, tern-

\1

II

A MERCADORIA 45

po de trabalho geral objetivado em um valor de uso particular. No processo de tro­ca todas as mercadorias se rela:cionam com a mercadoria exclusiva como mercado­ria em geral, a mercadoria, modo de ser do tempo de trabalho geral em um valor de uso particular. Por isso, como mercadorias particulares, comportam-se opositiva­mente a uma mercadoria particular que funciona como mercadoria geral. 17 Portan­to, o fato de que os possuidores de mercadorias se refiram a seus trabalhos como trabalho social geral se apresenta da seguinte maneira: estes se referem a suas mer­cadorias como valores de troca, e o relacionamento reciproco das mercadorias co­mo tais no processo de troca como seu relacionamento multilateral com uma mer­cadoria particular, expressao adequada do seu valor de troca; o que, novamente de forma invertida, aparece como relacionamento especffico dessa mercadoria par­ticular com todas as outras mercadorias, e, por isso, como carater social determina­do, supostamente natural, de uma coisa. A mercadoria particular que apresenta, dessa maneira, o modo de ser adequado do valor de troca de todas as mercado­rias, ou seja, o valor de troca das mercadorias como mercadoria exclusiva e particu­lar, e o dinheiro. Ele e uma cristaliza~ao do valor de troca das mercadorias, que es­tas formam no proprio processo de troca. Em virtude disso, ao tomarem-se ualores de uso umas para as outras dentro do processo de troca, despindo-se de toda de­terminidade formal e relacionando-se entre si em sua figura material e imediata, precisam assumir nova determinidade formal e passar a forma~ao do dinheiro para aparecerem como ualores de troca umas para as outras. 0 dinheiro nao e sfmbolo, assim como o modo de existencia de um valor de uso tambem nao e sfmbolo. Que uma rela~ao social de prodw;ao se apresente como um objeto existente fora dos indivfduos; que seus relacionamentos determinados, contrafdos no processo de produ~ao de sua vida social, se apresentem como propriedades especificas de uma coisa; essa inversao e mistifica~ao, que nao sao inventadas mas prosaicamen­te reais, caracterizam todas as formas socials do trabalho que poe valor de troca. So que no dinheiro elas aparecem de forma mais evidente do que na mercadoria.

As propriedades ffsicas necessarias da mercadoria particular, na qual o ser di­nheiro de todas as mercadorias deve se cristalizar, na medida em que se depreen­dem diretamente da natureza do valor de troca, sao as seguintes: livre divisibilida­de, uniformidade das partes e indiferencia<;ao de todos os exemplares dessa merca­doria. Como encamac;ao do tempo de trabalho geral, eta precisa ser encamac;ao homogenea e capaz de apresentar as diferencsas unicamente quantitativas. A outra propriedade necessaria e a durabilidade do seu valor de uso, pols precisa durar ate o final do processo de troca. Os metals preciosos possuem essas propriedades em grau superior. Tendo em vista que o dinheiro surgiu instintivamente no interior do processo de troca, nao sendo portanto um produto da reflexao ou da conven~ao, mercadorias mais ou menos inadequadas e multo diferentes entre si desempenha­ram alternadamente a fun~ao de dinheiro. A necessidade, manifestada num deter­minado estagio do processo de troca, de distribuir as mercadorias de uma maneira polar - as determinaqoes de valor de troca e de valor de uso, de tal forma que uma mercadoria figure como meio de troca, enquanto que a outra e alienada co­mo valor de uso -, fez com que· por toda parte a mercadoria, quando nao varias mercadorias, do mais amplo valor de uso, desempenhasse o papel de dinheiro, pri­meiramente de forma casual. Se essas mercadorias nao sao objeto de uma necessi­dade imediata presente, seu modo de ser como parte materialmente mais significa­tiva da riqueza assegura-lhes um carater mais geral que os demais valores de uso.

0 comercio a base de troca direta, forma natural do processo de troca, apre­senta multo mais a transformac;ao incipiente dos valores de uso em mercadorias do

17 A mesma expressao se encontra em Genovesi. (N. do A. , anotada a mao em seu exemplar.)

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que a das mercadorias em dinheiro. Aqui o valor de troca nao reveste uma figura li­vre mas esta ainda vinculado imediatamente ao valor de uso. lsso se revela de du~s maneiras. A pr6pria produ~ao, em toda a sua estrutura, esta dirigida a valores de uso e nao a valores de troca, e por isso somente atraves da forma~ao de urn ex­cedente sobre a quantidade de valores de uso necessaria ao consumo e que os va­lores de uso deixam de ser valores de uso para serem meios de troca, isto e, merca­doria. Por outro !ado, tomam-se propriamente mercadorias apenas dentro dos limi­tes do valor de uso imediato, se bern que distribufdos polarmente de tal maneira que as mercadorias, que devem ser intercambiadas pelos seus possuidores, preci­sam ser valor de uso para ambos, mas cada· qual para aquele que nao a possui. De fato, o processo de troca de mercadorias aparece originalmente nao no seio da co­munidade natural, 18 mas sim on de ela acaba, ou seja, em seus limites, nos poucos pontos em que ela entra em contato com outras comunidades. Aqui se da o infcio do comercio a base de trocas e repercute no interior da comunidade atuando so­bre esta como urn elemento dissolvente. Os valores de uso particulares que se tor­nam mercadorias, no comercio de trocas entre diferentes comunidades, como es­cravo, gado, metals, constituem na maioria das veies tambem o primeiro dinheiro dentro da pr6pria comunidade. Vimos que o valor de troca de uma mercadoria se caracteriza tanto mais como valor de troca quanto maior e a serie de seus equiva­lentes, ou quanto mais amp/a e a esfera da troca da mercadoria. A expansao paula­tina do comercio de trocas, com a intensifica~ao do intercambio e a multiplicac;ao das mercadorias que concorrem nesse comercio, faz desenvolver <: mercadoria co­mo valor de troca, impele a forma~o do dinheiro, atuando assim como urn fator de dissolu~ao do comercio de trocas diretas. Os economistas costumam derivar o dinheiro das dificuldades exteriores com as quais se defronta o comercio de troca, mas af se esquecem de que essas dificuldades surgem do desenvolvimento do va­lor de troca, e, por isso, do trabalho social como trabalho geral. Por exemplo, as mercadorias como valores de uso nao sao divisfveis livremente, o que elas devem ser como valores de troca. Ou entao, pode acontecer que a mercadoria de A seja valor de uso para B, mas a mercadoria de B nao seja valor de uso para A; ou que os possuidores de mercadorias necessitem mutuamente de proporc;oes desiguais de valor de suas mercadorias indivisfveis a serem trocadas mutuamente. Em outras palavras, com o pretexto de tratar do comercio de trocas diretas, os economistas fa­zem uma ideia de alguns aspectos da contradi~ao, que o modo de ser da mercado­ria envolve como unidade imediata de valor de uso e valor de troca. Por outro !a­do, prendem-se conseqUentemente ao comercio a base de troca como a forma adequada do processo de troca das mercadorias que, segundo eles, estaria vincula­do apenas a certos inc6modos de carater tecnico, para cuja soluc;ao o dinheiro se­ria urn expediente habilmente inventado. Partindo desse ponto de vista rasteiro, urn engenhoso economista ingles afirma corretamente que o dinheiro e urn instru­mento meramente material, como o navio ou a maquina a vapor, e nao a apresen­ta~ao de uma rela~ao de produ~ao social, nao sendo portanto uma categoria eco­nomica. Por isso o dinheiro e tratado apenas abusivamente na economia politica, que, de fato, nada tern a ver com a tecnologia. 19

No mundo das mercadorias, e pressuposta uma divisao desenvolvida do traba-

ts Arist6teles faz a mesma observa¢o considerando a familia privada como comunidade original. Mas a pr6pria forma original da famflia e a familia trtbal, e e apenas de sua analise hist6rica que se des~nvolve a famma priv~da. " Pots, na comunidade original (e lsso e a familia), nao exlstia evidentemente nenhuma necesstdade para esta (ou seJa, para a tro­ca)." (Ibid.) 19 "Dinheiro e, em realldade, apenas o instrumento de realiza,ao de compra e venda (~as, P?~ favor, o que o se~hor enfende por compra e venda?) e o seu estudo n!o constltui parte da ci~ncla econ6mtco-pohtica tanto quanto nao_ o constitui 0 estudo de navies e maquinas a vapor, ou qualquer outro instrumento empregado para facllltar a produ,ao e a distrtbui¢o da nqueza". (HODGSKIN, Th. Popular Political Economy etc. Londres, 1827. p. 178, 179.)

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lho, ou melhor, ela se apresenta imediatamente na multiplicidade dos valores de uso que se defrontam como mercadorias particulares, nas quais estao contidos igualmente modos de trabalho variados. A diuisao do traba/ho, como totalidade de todos os modos de ocupa~ao produtivos particulares, e a figura global do trabalho social considerado do ponto de vista material, como trabalho produtor de valores de uso. T odavia, do ponto de vista das mercadorias e dentro do processo de troca, existe como tal apenas em seu resultado, na particulariza~o das pr6prias mercadorias.

A troca das mercadorias e o processo no qual o metabolismo social, isto e, a troca dos produtos particulares dos individuos privados, e, ao mesmo tempo, a ge­ra~ao de relac;oes de produ~ao socials determinadas, que os indivfduos contraem nesse metabolismo. As rela~oes recfprocas das mercadorias em processo se cristali­zam como determinac;oes diferenciadas do equivalente geral, e assim o processo de troca e simultaneamente processo de formac;ao do dinheiro. A totalidade desse processo, que se apresenta com o decorrer de processos distintos, e a circu/aqao.

A) Apontamentos hist6ricos para a analise da mercadoria

A analise da mercadoria atraves da redu~ao desta a urn trabalho de dupla for­ma (de urn !ado, a reduc;ao) do valor de uso a trabalho real, isto e, a atividade pro­dutiva aplicada a urn fim, de outro, do valor de troca a tempo de trabalho, ou seja, a trabalho social igual, e o resultado crftico final de mais de seculo e meio de pes­quisas da Economia Polftica classica. Ela, que come~a na Inglaterra, com William Petty, e na Franc;a, com Boisguillebert, 20 term ina com Ricardo na lnglaterra e Sis­mondi na Franc;a.

Petty 21 resolve o valor de uso em trabalho sem. se enganar sobre o condiciona-

20 Um estudo comparative sobre os trabalhos e o carater de Petty e de Boisguillebert, lndependentemente de que !~· lizaria a oposi¢o social entre a Jnglaterra e a Fran~ dos fins do seculo XVII e come,os do seculo XVIII, conduztna A exposl~o da g~nese do contraste nacional entre a economla polftica inglesa e a lrancesa. 0 mesmo contraste se repe· te no final com Ricardo e Slsmondl. 21 Petty desenvolveu a dlvisilo do trabalho tambem como for,a produtiva, e lsso em uma dtsposi,ao mais grandlosa que Adam Smith; ver An Essay Concerning the Multiplication of Mankind etc. 3.• ed., 1686. p. 35-36. Ele demonstra aqul as vantagens da divisao do trabalho para a produ¢o n!o somente na fabrica,ao de um rel6gio de bolso, como o fez posteriormente Adam Smith na fabrica¢o de uma agulha, mas ao mesmo tempo atraves da constdera¢o de uma cldade e de um pais inteiro sob o ponto de vista de grandes estabelec\mentos fabris. 0 Spectator de 26 de novembro de 1711 refere-se a essa ilustratlon of the admirable Sir William Petty. Portanto, MacCulloch supae erroneamente que o Spectator confunde Petty com um outro escritor quarenta anos mais jovem (ver MACCULLOCH. The Literature of Political Economy, a Classified Catalogue. Londres, 1845. p. 102). Petty se sentia fundador de uma nova d~ncla. Ele diz que seu metodo "nao e o tradic\onal", e que, ao inves de entremear uma serie de express3es comparativas e su­perlativas e argumentos especulativos, ele se prop6s a falar In theiT'Ils of number, weight or measure (em termos de nu­mero, peso ou medida), a se servir unicamente de argumentos derivados da experi~ncla senslvel e a conslderar ape­nas aquelas causas as have visible foundations in nature (que t~m fundamentos visfveis na natureza), e que deixa para outros a considera,ao das causas que dependem de mutable minds, opinions, appetites and passions of particular men (concep<;ees, pareceres, inclina,aes e paixCies de indivlduos). (Political Arithmetic. etc. Londres, 1~9~. Preface) . Sua ousadia genial se manifesta, por exemplo, na proposla de transportar todos os habtfantes e bens movets da lrlan­da e da Alta Esc6cia para o resto da Gra-Bretanha. Com isso poupar-se-ia tempo de trabalho, aumentaria a for~ pro­dul!va do trabalho, e "o rei e seus suditos tomar-se-iam mats ricos e fortes" . (Ibid., cap. IV, p. 225). Outro exemplo de sua ousadia genial encontra-se no capitulo de sua aritrnetica polftlca, onde ele demonstra a voca¢o da lnglaterra para a conquista do mercado mundial em uma epoca em que a Holanda continuava ainda a desempenhar o papel predo­minante de na¢o comercial e a Fran~ parecia tender para tomar-lhe o Iugar. That the King of England's sub)ects ha· ve stock competent and convenient to drive trode of the whole commercial world (Ibid., cap. X, p. 272). ("Os suditos do rei da lnglaterra possuem capital suficiente e adequado para encarregar-se dos neg6cios de todo o mundo comer· cial." ) That the impediments of England's greatness are but contingent and removable (p. 247 et seqs. ). ("Os obs~cu­los A grandeza da lnglaterra sao apenas casuals e elimin6veis.") Um humor ori~nal impregna todos o~ seus trabalhos. Ele prova, por exemplo, que nada foi mais natural do que a Holanda ter conqutstado o mercado mundial, pals que na­quela epoca servia de modelo para economistas ingleses, tanto quanto a lnglaterra o e hoje para economlSfas .~onl!ne~­tals Without such angelical wits and judgments, as some attribute to the Hollanders (Ibid., p. 175 e 176). ( Sem fats espirlto e jufzo sobrenaturais, que alguns atrtbuem aos holandeses.") Ele defende a tiberdade de consclenda como

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menta natural de sua for<;a criadora. Capta logo o trabalho efetivo no conjunto de sua figura social, como diuisoo do trabalho. Essa concep<;ao da fonte da riqueza material nao permanece, como, por exemplo, para seu contemporaneo Hobbes, mais ou menos infrutffera, mas o leva a aritmetica polftica, primeira forma assumi­da pela Economia Polftica que se separa como ciencia autonoma. Contudo, toma o valor de troca tal como este aparece no processo de troca das mercadorias, isto e, como dinheiro, e o proprio dinheiro como mercadoria existente, como ouro e prata. Preso as concep<;oes do sistema monetario, apresenta o tipo particular de tra­balho real atraves do qual sao obtidos o ouro e a prata com o trabalho que poe va­lor de troca. E pensa efetivamente que o trabalho burgues nao precisa produzir di­retamente valor de uso, mas sim mercadoria, urn valor de uso que atraves de· sua aliena<;ao, no processo de troca, e capaz de se apresentar como ouro e prata, ou seja, como dinheiro, ou seja, como valor de troca, ou seja, como trabalho geral ob­jetivado. No entanto, seu exemplo mostra de forma contundente que o reconheci­mento do trabalho como fonte da riqueza material nao exclui, em absoluto, uma compreensao erronea da forma social determinada, na qual 0 trabalho e fonte do valor de troca.

Por sua vez, Boisguillebert reduz, se nao conscientemente ao menos de fato, o valor de troca da mercadoria a tempo de trabalho, determinando o "verdadeiro valor" (Ia juste valeur) pela correta propon;ao em que o tempo de trabalho se dis­tribui entre os diversos ramos industriais, e apresentando a livre-concorrencia co­mo processo social que criaria essa correta propor<;ao. Mas ao mesmo tempo, e ao contrario de Petty, !uta fanaticamente contra o dinheiro, cuja intrbmissao perturba­ria o equilibria natural ou a harmonia da troca de mercadorias e que, como urn fan­tastico Moloch, exigiria o sacriffcio de toda a riqueza natural. Se, por urn !ado, essa polemica contra o dinheiro esta ligada a circunstancias hist6ricas determinadas -Boisguillebert combatendo a cega e destruidora ganfmcia de ouro da corte de urn Lufs XIV, de seus "arrendatarios gerais"22 e de sua nobreza, 23 enquanto Petty exal­ta a ganancia pelo ouro como o impulso energico que estimula urn povo ao desen­volvimento industrial e a conquista do mercado mundial -, por outro lado, desta­ca-se aqui a profunda oposi<;ao de princfpios, que se repete como urn contraste permanente, entre a economia caracteristicamente inglesa e a caracteristicamente francesa. 24 Boisguillebert olha, de fa to, somente para o conteudo material da rique-

condi~ao do com~rcio, porque "os pobres sao mals eslor~ados e consideram o trabalho e a ativ!dade indusbial como dever para com Deus, desde que lhes seja permitido pensar que os que possuem menos riqueza sao melhor dotados de espirito e ju!zo para as coisas divinas, que conslderam propriedade especial dos pobres". Dar estar o comercio liga­do "nao a um lipo qualquer de reUgiao, mas sim permanentemente a parte heterodoxa do todo" (Ibid., p. 183-186). Petty recomenda conbibui~ publicas especlais para ladr5es, porque ser1a melhor para o pubUco onerar-se a sl mes­mo do que deixar-se onerar por eles (Ibid., p. 199). Por outro !ado, recha~ os impostos que transferem riqueza das maos indusbiosas paRI os que nada fazem sen!o comer, beber, cantar, jogar, dan~r e fozer metaffslca (Ibid., p. 198). Os trabalhos de Petty sao quase raridades nas livrarias, encontraveis apenas em mas ecli~5es antigas e dispersas, fato que e tanto mais estranho quanto WiUiam Petty nllo s6 e o pai da economia polttica inglesa, como tambem o antepas­sado de Henry Petty, ali~s Marques de Lansdowne, pabiarca dos Whig ingleses. Contudo, a lamOia Lansdowne pede­ria dilicilmente publicar uma edi~ao completa das obras de Petty sem incluir uma introdu~o biogr61ica, sobre a qual se pode dizer o mesmo das origens da malaria das grandes famflias Whig: The less said of them, the better (quanta me­nos dito sabre elas, tanto melhor). Esse cirurgi!lo militar, pensador ousado, mas ao mesmo tempo tlpo extremamente inescrupuloso, lnclinado tanto a cometer depreda¢es na Irlanda sob a egide de Cromwell como a bajular Carlos II pa­ra conseguir dele o necessitado tftulo de baronete, paRI cobrir a pUhagem, possui, com efeito, um retrato pouco conve­nlente para a exposl~o publica na galena dos antepa;sados. Alem disso, Petty procura provar na maloria dos seus tra­balhos pubUcados em vida que o auge da lnglatem coincide com o reinado de Carlos II, o que e uma opinlao hetero­doxa para exploradores heredi~os da glorious reuolution. 22 Marx se relere aos fermlers genera we, os cobradores de impostos de luis XIV. (N. da Ed. Alema.) 23 Em oposi~ao ll "arte negra das finan~s" daquela epoca, diz Boisguillebert: "A arte das finan~ n!lo e senao o co­nhecimento aprolundado dos interesses da agr1cultura e do comercio". (Le Detail de Ia France. 1967. Edi~!lo de Eu­gen Daire dos Economlstes Financiers du XVIII Sl~cle. Paris, 1843. v. I, p. 241.) 24 E nao a economia romanica, pois os italianos, em ambas as escolas, na napolitana e na milanesa, repetem a oposi­~o entre a economia inglesa e a lrancesa, ao passo que os espanh6is da epoca anterior ou sao meros mercantilistas (ou mercantilistas modificados, como UsMriz), ou mant~m o "meio·lermo" como Jovellanos (ver suas Obras. Barcelo­na, 1839/40), seguindo Adam Smith.

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~· o valor de uso, o desfrute, 25 e considera a forma burguesa do trabalho, a produ­<;ao de valores de uso como mercadorias e o processo de troca das mercadorias co­mo a forma social natural, onde o trabalho individual atingiria aquele fim. Por isso, cada vez que se defronta com o carater especffico da riqueza burguesa como no dinheiro, acredita na intromissao de elementos usurpadores estranhos lrritando-se com o trabalho burgues sob uma de suas formas, ao passo que o glorifica sob ou­tra forma. 26 Boisguillebert nos fomece a prova de que o tempo de trabalho pode ser tratado como medida da grandeza de valor das mercadorias embora o traba­lho, objetivado no valor de troca das mercadorias e medido peio do tempo seja confundido com a atividade imediata natural dos indivfduos. '

A primeira analise consciente, de uma clareza quase banal do valor de troca reduzido a tempo de trabalho, e a de urn homem do Novo M~ndo onde as rela~ <;6es burguesas de produ<;ao, importadas simultaneamente com s~us portadores brotaram rapidamente em uma terra que compensava sua falta de tradi<;ao hist6ri~ ca pela a?undancia de humus. Esse homem e Benjamin Franklin que, em seu tra­balho de JUventude, escrito em 1729 e mandado imprimir em 1731, formulou a lei fundamental d~ economia polftica modema. 27 Declara como necessaria procurar uma outra medida dos valores que nao seja os metais preciosos. Essa medida seria o trabalho.

"Pelo trabalho, o valor da prata pode ser medido da mesma maneira que o de to­das as. outras coisas. Suponhamos, por exemplo, que urn homem esteja ocupado em prodUZir cereal, enquanto que urn outro extrai e refina prata. No fim do ano ou de­P_?iS de qualquer ou~o periodo detenninado, os produtos totais de cereal e de prata sao os pre~os naturals, urn para o outro; e se urn consiste em 20 sacas e o outro em 20 onc;as, entao 1 on~a de prata vale o trabalho empregado em 1 alqueire de cereal. Porem, se a descoberta de' minas mais pr6xlmas, de acesso mais facil e mais rendosas faz com que se possam produzir dai por diante 40 onc;as de prata com tanta facilidad~ co~o antes se produziam 20 onc;as, e se o trabalho necessario a produ~ao de 20 al­quetres de cereal permanece o mesmo que antes, 2 onc;as de prata nao valerao mais do que o mesmo trabalho empregado para a produ<;ao de 1 alqueire de cereal e este que antes valia 1 onc;a de prata, dai por diante valera 2, caeteris paribus. 28 Assi~ se de~ ve avaliar a riqueza de urn pais atraves da quantidade de trabalho que seus habitantes estao capacitados a comprar." 29

0 tempo de trabalho, para Franklin, apresenta-se logo dentro de urn economi­cismo unilateral como medida dos valores. A transforma<;ao dos produtos reais em valores de troca explica-se por si mesma, e se trata, portanto, apenas de encontrar uma medida para a sua grandeza de valor.

"Nao sendo o comercio em geral", diz Franklin, "nada mais do que a troca de trabalho por trabalho, o valor de toctas as coisas e estimado de fonna mais corre­ta por trabalho. "30

2S "A verdadeira liqueza ... e o deslrute completo, nao somente na satisla~o das necessidades vitals, como tambem da abund!ncia e de tudo o que pode dar prazer aos sentidos" (BOISGUILLEBERT. Dissertation sur Ia Nature de Ia Ri­chesse etc. Ibid., P- ~~- Enquanto Petty era um aventureiro lrivolo, dado a pilhagens e sem carnter, Boisguillebert, mesm? sendo urn dos mtendentes de luis XN, se empenhava pelas classes oprimidas com tanta inteU~nda quanto ousadia. ~ 0 socialismo frances na sua forma pro~dhonlana padece do mesmo mal national heredi~rio.

FRANKLIN, B. The Works of etc. Edit por J. Sparks., Boston, 1836. v. II: A Modest Inquiry into the Nature and Ne­cessity of a Paper Currency. 28 "Em iguais circunstancias." (N. doT.) 29 Ibid., p. 265. Thus the riches of a country are to be valued by the quantity of labour Its Inhabitants are able to purcha­se. 30 Trade in general being nothing else but the exchange of labour for labour, the value of all things is, as I haue sold befo­re, most justly measured by labour (/bid., p. 267).

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Se aqui se colocar "trabalho efetivo" no Iugar da palavra "trabalho", des­cobre-se imediatamente que confunde trabalho de uma forma com trabalho de outra forma. Ja que o comercio, por exemplo, consiste na troca de traba­lho de sapateiro, mineiro, fiandeiro, pintor etc., sera o valo~ .de botin~s expres­so de modo mais correto em trabalho de pintor? Ao contrano, Frankhn era da opiniao de que o valor de botinas, minerios, fios, quadros etc., e determi~ado por trabalho abstrato que nao possui qualidade particular, e, por consegumte, pode ser medido por mera quantidade.31 Mas como ele nao desenvolve o tra­balho contido no valor de troca como trabalho social, abstratamente geral, de­corrente da aliena¢o multilateral dos trabalhos individuals, e-lhe necessaria­mente impossfvel reconhecer o dinheiro como a forma de exist~ncia imediata desse trabalho alienado. Por isso, dinheiro e trabalho que poe valor de troca nao estao, para ele, em conexao intema, mas, ao contrario, o dinh~iro e ~m instrumento introduzido de fora, no processo de troca para a comodtdade tec­nica. 32 A analise de Fr~nklin do valor de troca permaneceu sem influ~ncia dire­ta no andamento geral da ci~ncia, porque ele tratou apenas de questoes isola­das da economia polftica, por motivos praticos e em ocasioes determinadas.

A oposi«;ao entre trabalho uti! efetivo e trabalho que poe valor . de troc~ moveu a Europa durante o seculo XVIII na forma do problema: que tipo parti­cular de trabalho efetivo seria a fonte da riqueza burguesa? Assim se pressupu­nha que nem todo trabalho, que se realiza em valores de uso. ~u fomece pro­dutos, apenas por isso criaria diretamente riqueza. Para os fistocratas! con~­do, como para os seus adversarios, a questao litigiosa _candente constste n~o apenas em saber qual trabalho cria ualor, mas tambem qual trabalho cna mais-ualia. Portanto, tratam do problema de forma complicada antes de o te­rem resolvido em sua forma elementar; da mesma maneira que o caminho hist6rico de todas as ciencias s6 leva a seus pontos de partida efetivos depois de numerosos desvios e rodeios. Ao contrario de outros arquitetos, a ci~ncia nao apenas projeta castelos no ar como tambem constr6i diversos andares ha­bitaveis do edifkio antes de lan«;ar os seus alicerces. Sem nos demorarmos mais aqui junto aos fisiocratas, deixando de Jado toda uma serie de econo~is­tas italianos, que com opinioes mais ou menos acertadas resvalam na analtse correta da mercadoria,33 dirigimo-nos logo ao primeiro britanico que elaborou o sistema da economia burguesa em seu conjunto: Sir James Steuart. 34 Assim como as categorias abstratas da economia polftica lhe aparecem ainda no ~ro­cesso de separa«;ao de seu conteudo material e, por isso, nebulosas e osctlan­tes, do mesmo modo aparece a categoria do valor de troca. Numa certa passa­gem determina o ualor real pelo tempo de trabalho (what a workman can per­form in a day) (o que urn trabalhador pode produzir em urn dia), n:as ao lado figuram confusamente salario e materia-prima. 35 Numa outra, sahenta-se de modo ainda mais contundente a luta com o conteudo material. Chama o ma­terial natural contido em uma mercadoria, por exemplo, a prata contida em urn objeto de prata, seu ualor intrinseco (intrinsic worth), ao passo que desig­na o tempo de trabalho contido nela como seu ualor de uso (useful ualue).

llfbid. Remarks and Facts Relative to the American Paper Money. 1764. ~Ver Papers on American Politics; Remarks and Facts Relative to the American Paper Money. Ibid. 1764. 33 Ver porexemplo, GALlANt. Della Moneta. v. Ill. In: Scrlttori Classici ltolioni di Economio Politico. Editado por Custo­di, Miillo, 1803. Parte Medema. "0 eslo~" (fotico}, diz ele, "e a (mica coisa que dA valor ao objeto" (p. 74). £ carac­terlstico dos palses meridionals designar o trabalho pela palavra fotico. 34 A obra de Steuart., An Inquiry into the Principles of Politico/ Economy, Being on Essay on the Science of Domestic Policy in Free Notions, surgiu em Londres pela primeira vez em 1767, em dois volumes In 4.•, dez anos antes da Wealth of Notions de Adam Smith. Nas cita~Oes. sigo a edic;ao de Dublin de 1770. 3SSTEUART. /bid., l l, p. 181-183.

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"0 primeiro", diz ele, "~ algo de real em si mesmo ... o valor de uso, ao contrario, deve ser estimado segundo o trabalho gasto para a sua produ~o. 0 trabalho emprega­do na modificac;ao da mat~ria representa w:na porc;ao do tempo de urn homem etc."36

0 que distingue Steuart de seus precursores, como tambem dos seus sucesso­res, e a nitida diferencia«;ao entre o trabalho especificamente social, que se apresen­ta no valor de troca, e o trabalho real, que obtem valores de uso.

"0 trabalho", diz ele, "que atraves da sua aliena~o (alienation) cria urn equivalen­te geral (universal equivalent), chamo-o de industria."

0 trabalho como industria, que distingue nao apenas do trabalho real, mas de outras formas sociais do trabalho, e, para ele, a forma burguesa do trabalho pela oposi«;ao a suas formas antigas e medievais. Ele se interessa especial mente pela opo­si~ao do trabalho burgu~s frente ao feudal, tendo observado este ultimo em sua fa­se de declfnio tanto na Esc6cia como em suas longas viagens pelo continente. Na­turalmente, Steuart sabia multo bern que o produto tambem em epocas pre-bur­guesas assume a forma de mercadoria, e esta a forma do dinheiro, mas demonstra detalhadamente que a mercadoria, como forma basica elementar da riqueza, e a aliena«;ao, como forma predominante da apropria«;ao, pertencem apenas ao perfo­do burgu~s de produ«;ao, e que o carater do trabalho que poe valor de troca e, por conseguinte, especificamente burgues. 37

Depois de terem sido declaradas, como as verdadeiras fontes da riqueza, as formas particulares do trabalho real, agricultura, manufatura, navega«;ao, comercio etc., sucessivamente, Adam Smith afirmou que o trabalho em geral, a saber, no conjunto de sua figura social; como divisao do trabalho, e a unica fonte da riqueza material ou dos valores de uso. Embora aqui lhe escape completamente o elemen­to natural, este o persegue na esfera da riqueza puramente social do valor de tro­ca. Adam determina, com efeito, o valor da mercadoria atraves do tempo de traba­lho contido nela, mas depois leva novamente a efetividade dessa deterrnina«;ao de valor aos tempos pre-adamicos. Em outras palavras, o que lhe parece verdadeiro do ponto de vista da simples mercadoria toma-se-lhe obscuro logo que, no seu Iu­gar, surgem as formas superiores e mais complicadas, como capital, trabalho assala­riado, renda da terra etc. Isso ele exprime da seguinte forma: o valor das mercado­rias era medido pelo de trabalho contido nelas, no paradise lost (paraiso perdido) da burguesia, onde os homens nao se defrontavam ainda como capitalistas, assala­riados, proprietarios fundiarios, arrendatarios, usurarios etc., mas apenas como pes­soas dedicadas simplesmente a produ¢o e ao intercambio de mercadorias. Con­funde constantemente a determina«;ao do valor das mercadorias pelo tempo de tra­balho nelas contido com a determina~ao de seus valores pelo valor do trabalho, he­sita permanentemente na elabora«;ao dos detalhes e troca a equa«;ao objetiva, que o processo da sociedade realiza for«;adamente com os trabalhos desiguais pela igualdade subjetiva de direitos dos trabalhos individuais.38 Tenta atraves da diuisao

36 STEUART. Ibid., l I. p. 361-362: represents a portion of a man's time. 37 Por conseqU~ncia, ele declara como um "abuso" a forma patriarcal da agricultura diretamente orlentada a crla~o de valores de uso para consumo do possuldor da terra, e se relere nao a Esparta ou Roma, ou mesmo a Atenas, mas certamente aos parses Industrials do s~culo XVIII. Essa "agricultura abusiva" nao e nenhum trade (neg6cio), mas um "mero meio de subslst~nda". Do mesmo modo que a agricultura burguesa desembara~a o campo de bocas super­Ouas, tambem a manufatura burguesa desembara~ria a l6brica de bra~os imiteis. 38 Adam Smith diz, por exemplo, que "quantidades lguais de trabalho devem ter necessariamente, em todas as ~pocas e em todos os lugares, um valor lgual para aquele que trabalha. Em condi~Oes normals de saude, for~ e alivtdade, e com o grau m~dio de habilldade que deve possulr, tem sempre que dar a mesma parte de seu repouso, da sua Uberda­de e da sua lellcidade. Esse p~o pode comprar uma quantidade varevel de mercadorias, mas essa varla~o prov~m apenas do fato de que o valor das mercadorias varia, e nao o valor do trabalho que as compra. Portanto, apenas o Ira· balho nao varia nunca o seu pr6prio valor. £, com eleito, o pr~ real das mercadorias etc." (Wealth of Notions. Uvro Primeiro. Cap. V.)

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do traba/ho levar a cabo a transi<;ao do trabalho efetivo ao trabqlho que poe valor de troca, isto e, ao trabalho burgues na sua forma fundamental. E tao correto a tro­ca privada pressupor a divisao do trabalho quanto e falso a divisao do trabalho pressupor a troca privada. Entre os peruanos, por exemplo, o trabalho era extraor­dinariamente dividido, embora nao se realizasse nenhuma troca privada, nenhuma troca de produtos como mercadorias.

Em oposi<;ao a Adam Smith, David Ricardo salienta a determina<;ao do valor da mercadoria pelo tempo de trabalho, e mostra que essa lei domina tambem as rela<;oes burguesas de produ<;ao, que aparentemente mais a· contradizem. As inves­tiga<;oes de Ricardo limitam-se exclusivamente a grandeza de valor, com rela<;ao a qual ele ao menos suspeita que a realiza<;ao da lei depende de pressupostos histori­cos determinados. Diz que a determina<;ao da grandeza de valor, atraves do tempo de trabalho, vale somente para as mercadorias,

"que podem ser multiplicadas a vontade pela indusbia e cuja produ~ao e regida por uma concorrencia ilimitada".39

De fato isso quer dizer apenas que a lei do valor para seu pleno desenvolvi­mento pressupoe a sociedade da grande produ<;ao industrial e da livre concorren­cia, isto e, a sociedade burguesa moderna. De resto, considera Ricardo a forma burguesa do trabalho como a eterna forma natural do trabalho social. 0 pes­cador e ca~dor primitivos surgem-lhe como possuidores de mercadorias, realizan­do a troca de peixe e ca<;a na propor<;ao do tempo de trabalho objetivado nesses valores de troca. Af cai no anacronismo de afirmar que o pescador e ca<;ador primi­tivos, para contabilizarem seus instrumentos de trabalho, calculavam a taxa nas ta­belas de anuidade, que em 1817 estavam em curso na bolsa de Londres. Os "Pa­ralelogramas do Sr. Owen"40 parecem ter sido a unica forma de sociedade, alem da burguesa, que conheceu. Embora envolvido por esse horizonte burgues, Ricar­do disseca a economia burguesa, que em suas profundezas aparece muito diferen­te da superffcie, com tal agudeza que Lord Brougham pode afirmar sobre ele:

Mr. Ricardo seemed as if he had dropped from an other planet (0 Sr. Ricardo pare­ce como se livesse cafdo de outro planeta).

Em polemica direta com Ricardo, Sismondi acentua tanto o carater especifica­mente social do trabalho que poe valor de troca41 como aponta como a "caracterfs­tica de nosso progresso econ6mico" reduzir a grandeza de valor a tempo de traba­lho necessaria, a

"relac;ao entre a necessidade da sociedade em seu conjunto e a quantidade de traba­lho suficiente para salisfazer a essa necessidade". 42

Sismondi nao esta mais fechado na concep<;ao de Boisguillebert de que o tra­balho que poe valor de troca seja falsificado pelo dinheiro, mas assim como Bois­guillebert denuncia o dinheiro, denuncia ele o grande capital industrial. Se, em Ri-

39 RICARDO, David. On the Principles of Political Economy and T oxotion. 3. • ed., Londres, 1821, p. 3. 40 0 "Paralelograma do senhor Owen" e mencionado por Ricardo em seu escrtto On Protection to Agriculture, p. 21. Em seus pianos utOpicos de relormas socials, Owen procurava demonstrar que, tanto do ponto de vista econOmico co­mo do ponto de vista da vida familiar, a forma adequada de disposi~ao das moradias e a de urn paralelograma ou de urn quadrado. (~. da Ed. Alema.) . 41 SISMONDI. Etudes sur I'Economie Politique. Bruxelas, 1838. t II. "E t. oposl~o entre o valor de uso e o valor de troca que o comercio reduzlu todas as coisas" (p. 162). 41SISMONDL Ibid., p. 162-166 et seqs.

A MERCADORIA 53

cardo, a economia polftica chega a suas ultimas conseqGencias, e com isso se per­faz, Sismondi completa esse acabamento representando ele proprio a duvida que a Economia Polftica tern de si mesma.

Uma vez que Ricardo, na qualidade de' finalizador da Economia Polftica classi­ca, foi quem formulou e desenvolveu a determina<;ao do valor de troca pelo tem­po de trabalho em sua forma mais pura, e natural que se tenha concentrado sobre ele a polemica levantada pelo !ado da economia. Em virtude dessa polemica ser marcada por uma forma bastante simploria,43 e facil sintetiza-la nos seguintes pon­tos:

Primeiro: 0 proprio f!'abalho tern valor de troca e trabalhos diferentes tern va­lores de troca diferentes. E urn cfrculo vicioso fazer o valor de troca medida do va­lor de troca, ja que o valor de troca medidor carece tambem de medida. Essa obje­<;ao se resolve no seguinte problema: dado o tempo de trabalho, enquanto medida imanente do valor de troca, como desenvolver o salario sobre essa base? A doutri­na do trabalho assalariado da resposta a essa questao.

Segundo: Se o valor de troca de urn produto e igual ao tempo de trabalho contido nele, o valor de troca de urn dia de trabalho e igual a seu produto. Ou en­tao o salario tern que ser igual ao produto do trabalho. 44 No en tanto, acontece o contrario. Ergo. Essa obje<;ao se resolve no problema: como chega a produ~ao, ba­seada na determina<;ao do valor de troca meramente pelo tempo de trabalho, ao resultado de que o valor de troca do trabalho e inferior ao valor de troca do seu produto? Esse problema nos o resolvemos na considera<;ao do capital.

Terceiro: 0 pre<;o de mercado das mercadorias aumenta ou diminui, abaixo ou acima de seu valor de troca, com a rela<;ao variavel de oferta e demanda. Por conseguinte, segue-se que o valor de troca das mercadorias e determinado pela re­la<;ao de oferta e demanda, e nao pelo tempo de trabalho contido nelas. Dessa conclusao esquisita surge, com efeito, apenas uma unica pergunta: como se desen­volve urn pre<;o de mercado diferente do valor de troca que lhe serve de base? Ou mais exatamente: como a lei do valor de troca se realiza apenas em seu pr6prio contrario? Esse problema e resolvido na teoria da concorrencia.

Quarto: A ultima contradi<;ao, e aparentemente a mais decisiva, quando nao e, como de costume, apresentada sob a forma de exemplos extravagantes, e a se­guinte: se o valor de troca nao e outra coisa que tempo de trabalho contido em uma mercadoria, como entao podem as mercadorias que nao contem trabalho pos­suir valor de troca, ou, em outras palavras, de onde vern o valor de troca de sim­ples for<;as da natureza? Esse problema se resolve na teoria da renda da terra.

43 Na forma mais inepta se encontra nas anota~5es de J .-B. Say t. tradu~o francesa de Ricardo (por ConstAnclo) e rnals pedantescamente pretensiosa na Theory of Exchanges, edltada recentemente em Londres (1858), do senhor Ma­cleod. 44 Essa obj~ao levantada contra Ricardo por economlstas burgueses foi retomada mais tarde por socialistas_ Suposta a corre~lio teOrica da fOrmula, censurou·se a pretica de contradlzer a teoria e se convtdou a sociedade burguesa a tirar a pretendlda conseqiiencia de seu princtpio te6rico_ Pelo menos dessa lonna os socialistas lngleses tergiversaram a fOr­mula do valor de troca contra a Economia Polftica. Estava reservado a Proudhon nao somente proclamar o prtnctplo da velha sociedade, como princtplo da nova sociedade, como tambem anunclar-se como o inventor da fOrmula na qual Ricardo resumiu o resultado total da economia clAsstca lnglesa. Ja estA provado que ate a interpreta~l!o utoplsta da fOrmula de Ricardo ca!ra no esquecimento quando Proudhon, do outro !ado do canal da Mancha, a "descobriu". (Compare meu trabalho: Mls~re de Ia Philosophie etc_ Parts, 1847_ 0 paragrafo sobre o "valeur constituee".)

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CAPiTULO II

0 Dinheiro ou a Circula~iio Simples

Num debate parlamentar sobre os Bank-acts de Sir Robert Peel de 1844 e 1845, I Gladstone observava que nem mesmo 0 amor levou tantas pessoas a loucu­ra como o cismar sobre a essencia do dinheiro. Ele falava de britanicos para britani­cos. Os holandeses, ao contrario, que apesar da duvida de Petty possufam desde tempos imemoriais uma "malfcia angelical" para a especulac;ao com o dinheiro, nunca perderam sua malfcia na especulac;ao sobre o dinheiro.

A principal dificuldade da analise do dinheiro e vencida quando se compreen­de que o dinheiro tern a sua origem na propria mercadoria. Desse pressuposto, apenas resta conceber nitidamente as idades que lhe sao pr6prias; o que e dificulta­do em certa medida pelo fato de que todas as relac;oes burguesas aparecem trans­formadas em ouro ou prata, aparecendo como relac;oes monetarias. E a forma di­nheiro parece possuir, por conseguinte, urn conteudo infinitamente variado que lhe e estranho.

Na analise que se segue, convem nao esquecer que se trata somente das for­mas do dinheiro como resultado imediato de trocas de mercadorias, e nao das que se integram numa fase superior do processo de produt;ao, como . por exemplo a moeda creditfcia. Para simplificar admitiremos, no decorrer dessa analise, o ouro como a mercadoria-dinheiro.

1- MEDIDA DOS VALORES

0 primeiro processo de circulac;ao e, por assim dizer, urn processo te6rico, pre­parador da circulac;ao efetiva. As mercadorias, que existem como valores de uso, criam para si, primeiro, a forma na qual aparecem idealmente como valores de tro­ca, como quantias determinadas de tempo de trabalho gera/ objetivado. 0 primei-

t "Bank-acts" de Sir Robert Peel - Para superar as diftculdades da troca das notas bancarias em ouro, o govemo ln­gl~ deddiu em 1844, por lnlclatlva de Robert Peel, promover uma reforma do Banco da lnglaterra. Essa lei previa a divislio do banco em dols departamentos completamente lndependentes com fundos especials: o "Banklng·de­partment", para as opera~Oes puramente bancarias, e o "Issue-department", que se encarregaria da emlss!o de notas bancanas. Essas notas dev!am estar soUdamente cobertas por urn !undo de ouro, que deveria estar sempre A disposf­~o. A emlss!o de notas sem cobertura de ouro foi Umitada a 14 milh6es de tibras estertinas. Durante as crises econO­micas, quando aumentou conslderavelmente a necessldade de dinheiro, o govemo ingl~ suspendeu prov!soriamente os "acts" de 1844 e aumentou a soma das notas de banco sem cobertura em ouro. (N. da Ed. Aleml!.)

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56 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITICA

ro ato necessaria desse processo consiste, como vimos, em que as mercadorias ex­cluam uma mercadoria especffica, digamos o ouro, como encama<;ao imediata do tempo de trabalho geral, ou seja, como equivalente geral. Voltemos por urn instan­te para a forma na qual as mercadorias transformam ouro em dinheiro.

1 tonelada de ferro = 2 on<;as de ouro 1 fanga de trigo = 1 on<;a de ouro 1 quintal de cafe Moca = 1/4 de on<;a de ouro 1 quintal de potassa = 1/2 on<;a de ouro 1 tonelada de pau-brasil = 1 112 on<;a de ouro y de mercadoria = x on<;a de ouro

Nessa serie de equa<;oes, o ferro, o trigo, o cafe, a potassa etc., aparecem uns aos outros como encarna<;§.o de trabalho uniforme, a saber, trabalho materializado em ouro, no qual toda particularidade dos trabalhos efetivos, representados nos seus diferentes valores de uso, esta completamente apagada. Como valores sao identicos, sao a encamac;ao do mesmo trabalho ou a mesma encama<;ao do traba­lho, o ouro. Como encamac;ao uniforme do mesmo trabalho, apresentam apenas uma diferen<;a - quantitativa -, ou seja, aparecem como diferentes grandezas de valor porque seus valores de uso contem tempo de trabalho desigua/. Relacionan­do-se com o proprio tempo de trabalho geral, na forma de uma mercadoria excluf­da - o ouro - , essas mercadorias isoladas estabelecem simultaneamente o rela­cionamento entre si como objetiva<;ao do tempo de trabalho geral. 0 mesmo rela­cionamento evolutivo, pelo qual as mercadorias se apresentam reciprocamente co­mo valores de troca, apresenta o tempo de trabalho contido no ouro como o tem­po de trabalho geral, do qual uma quantia dada se expressa em diferentes quan­tias de ferro, trigo, cafe etc., em resumo, nos valores de uso de todas as mercado­rias, ou seja, desdobra-se imediatamente na serie inumeravel dos equivalentes-mer­cadorias. Par expressarem as mercadorias multilateralmente seus valores de troca em ouro, este expressa diretamente seu valor de troca em todas as mercadorias; e ao darem as mercadorias a si mesmas a forma do valor de troca, elas dao ao ouro a forma do equivalente geral, ou seja, do dinheiro.

Porque todas as mercadorias medem seus valores de troca pelo ouro, na pro­porc;ao em que determinada quantidade de ouro e determinada quantidade de mercadoria contem a mesma quantia de tempo de trabalho, o ouro se toma medi­da de valor, e so se toma equivalente geral, ou dinheiro, unicamente atraves dessa determina<;§.o como medida de valores, medida que como tal mede seu proprio va­lor de imediato por todo o conjunto de equivalentes-mercadorias. Por outro lado, o valor de troca de todas as mercadorias expressa-se agora em ouro. Deve-se dis­tinguir nessa expressao: urn momenta qualitative e outro quantitativa. Primeiro, o valor de troca da mercadoria existe como encarnac;ao do mesmo tempo de traba­lho uniforme; segundo, a grandeza de valor da mercadoria se apresenta exaustiva­mente, pois, na mesma propor<;ao em que as mercadorias sao igualadas ao ouro, sao tambem igualadas entre si. De urn lado, aparece o carater gera/ do tempo de trabalho contido nelas; de outro, sua quantidade expressa em seu equivalente ou­ro. 0 valor de troca das mercadorias assim expresso como equivalencia geral e ao mesmo tempo como grau dessa equivalencia em rela<;ao a uma mercadoria especf­fica, ou expresso ainda numa so equa<;ao ligando as mercadorias a uma mercado­ria especffica, e 0 preqo. 0 pre<;o e a forma transformada sob a qual aparece 0 va­lor de troca das mercadorias no interior do processo de circulac;ao.

Portanto, atraves do mesmo processo pelo qual as mercadorias apresentam seus valores em pre<;os-ouro, apresentam tambem o ouro como medida dos valo-

0 DINHEIRO OU A C!RCULA<;fi.O SIMPLES 57

res e, daf, como dinheiro. Se medissem por toda parte seus valores por prata, tri­go, ou cobre, e fossem, por isso, apresentados em pre<;os-prata, prec;os-trigo, ou prec;os-cobre, a prata, o trigo e o cobre seriam medida dos valores e, com isso, e.9uivalente geral. Para que as mercadorias aparec;am na circulac;ao como pre<;os, sao pressupostas como valor de troca. 0 ouro so se toma medida dos valores par­que e par ele que todas as mercadorias avaliam seu valor de troca. Mas a multilate­ralidade dessa rela<;§.o evolutiva, a unica que da ao ouro seu carc~ter de medida, su­poe que cada mercadoria isolada se avalie em ouro proporcionalmente ao tempo de trabalho contido em si e no ouro, supoe, pois, que a medida efetiva entre a mer­cadoria e o ouro seja o proprio trabalho, em outras palavras, que a mercadoria e o ouro sejam admitidos na troca direta como iguais entre si enquanto valores de tro­ca. Nao e possfvel tratar, na esfera d9 circula<;ao simples, o modo como se estabele­ce praticamente essa equiparac;ao. E todavia evidente que nos parses produtores de ouro e prata urn determinado tempo de trabalho e imediatamente incorporado numa determinada quantidade de ouro e prata, ao passo que nos pafses que nao produzem ouro ou prata se chega indiretamente ao mesmo resultado, atraves da troca, direta ou nao, de mercadorias nacionais, isto e, de uma certa quantidade do trabalho media nacional, par uma quantidade determinada de tempo de trabalho dos parses, que possuem minas, materializado no ouro e na prata. Para servir co­mo medida dos valores, o ouro precisa ser virtualmente urn valor variavel, porque e somente como encama<;ao do tempo de trabalho que pode se tamar equivalente de outras mercadorias, e porque o proprio tempo de trabalho, com a varia<;ao das for<;as produtivas do trabalho real, se realiza em volumes desiguais dos mesmos va­lores de usa. Tan to para a avalia<;ao das mercadorias em ouro como tam bern para a apresentac;ao do valor de troca de qualquer mercadoria em valor de u~o de uma outra, e pressuposto que o .ouro apresente, em urn momenta dado, uma certa quantia de tempo de trabalho. Sua varia<;ao de valor e regida pela lei dos valores de troca, desenvolvida anteriormente. Permanecendo invariado o valor de troca das mercadorias, uma eleva<;ao geral de seus prec;os-ouro so sera possfvel se cair o valor de troca do ouro. Permanecendo invariado o valor de troca do ouro, so sera possfvel uma eleva<;§.o geral dos pre<;os-ouro se aumentar o valor de troca de to­das as mercadorias. 0 inverso se daria no caso da queda geral do pre<;o das merca­dorias. Aumentando ou diminuindo o valor de uma on<;a de ouro em conseqtien­cia de uma variac;ao do tempo de trabalho necessaria a sua produc;ao, aumenta ou diminui eqilitativamente para todas as outras mercadorias, e apresentada portanto, agora como antes, face a todas as mercadorias, tempo de trabalho de grandeza da­da. Os valores de troca avaliam-se entao em uma menor ou maior quantia de ouro que antes, mas avaliam-se em propor<;ao as suas grandezas de valor, conservando, portanto, a mesma rela<;ao de valor entre si. A propor<;ao 2 : 4 : 8 permanece a mesma em 1 : 2: 4 ou em 4: 8: 16. A quantidade modificada de ouro, na qual os valores de troca se avaliam seguindo a varia<;ao do valor do ouro, tanto nao impe­de que este desempenhe sua fun<;ao como medida dos valores quanta tambem o valor da prata, quinze vezes menor que do ouro, a impede de desaloja-lo dessa fun<;ao. Nao e senao pura aparencia do processo de circula<;ao a impressao de que o dinheiro faz as mercadorias comensuraveis, pois a medida entre ouro e mercado­ria e o tempo de trabalho, e o ouro so se toma medida dos valores pelo fato de que as mercadorias se me<;am com ele. 2 Ao contrario, nao e senao a comensurabili-

2 Atist6teles vi!, e certo, que o valor de troca das mercadotias es~ suposto em seus pre~os: "que ... houve troca antes de haver dlnheiro, e evidente; pois dar cinco camas por uma casa e o mesmo que dar pela casa o clinheiro que as cin· co camas valem". Mas como, por outro !ado, s6 pelo pre~ as mercadorias possuem a fonna do va.Jor de troca, este as

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58 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLiTICA

dade das mercadorias como tempo de trabalho objetivado que permite ao ouro transformar-se em dinheiro.

Ao entrar para o processo de troca, as mercadorias assumem a figura real de seus valores de uso. Somente atraves da sua aliena<;ao e que se tornam efetiva­mente equivalente geral. A determina~ao de seu pre<;o e sua transforma~ao pura­mente ideal em equivalente geral, e uma equa~ao com o ouro que ainda esta por se realizar. Mas como as mercadorias estao transformadas em ouro apenas ideal­mente, ou apenas em ouro representado, seu ser dinheiro nao esta ainda efetiva­mente separado de seu ser real, o ouro; por enquanto, esta transformado apenas em dinheiro ideal, em medida dos valores, e, de fato, determinadas quantias de ou­ro funcionam por enquanto apenas como nomes para determinadas quantias de tempo de trabalho. A determinidade formal em que o ouro se cristaliza como di­nheiro depende em cada case do modo determinado em que as mercadorias apre­sentam, umas para as outras, seu proprio valor de troca.

As mercadorias se defrontam agora com uma dupla existencia, efetivamente como valores de uso e, idealmente, como valores de troca. Agora apresentam mu­tuamente a dupla forma do trabalho contido nelas: af o trabalho real e particular se encontra efetivamente no seu valor de uso, enquanto o trabalho abstrato e geral as­sume urn modo de ser representado em seu pre~o. em que elas sao encarna~ao uniforme da mesma substancia de valor, e diferem entre si apenas do ponte de vis­ta da quantidade. Por urn lade, a diferen<;a entre o valor de troca e pre~o aparece como mera diferen<;a nominal. Como diz Adam Smith, o trabalho como pre~o real, o dinheiro como pre<;o nominal da mercadoria. Em vez de avaliar uma fanga de trigo em trinta dias de trabalho, avalia-se em uma on<;a de ouro, se uma on~a de ouro for o produto de trinta dias de trabalho. Por outre !ado, esta e tampouco uma simples diferen~a de nomes, porquanto, ao contrario, nela se concentram to­das as tempestades que amea<;am a mercadoria no processo de circula~ao efetiva. Trinta dias de trabalho estao contidos em uma fanga de trigo e, por isso, nao se ne­cessita apresenta-lo, de infcio, em tempo de trabalho. Mas o ouro e uma mercado­ria distinta de trigo, e e somente na circula~ao que este pode se confirmar, isto e, s6 na circula<;ao e que se pede verificar .se uma fanga de trigo se transforma efetiva­mente em uma on<;a de ouro, como se antecipa em seu pre~o. Isso depende se o trigo se confirma ou nao como valor de uso, se a quantia de tempo de trabalho, ne­le contida, se confirma ou nao como quantia de tempo de trabalho necessariamen­te requerida pela sociedade para a produ<;ao de uma fanga de trigo. Como tal, a mercadoria e valor de troca, tern urn pre~o. Nessa diferen~a entre valor de troca e pre~o, observa-se o seguinte: o trabalho individual particular contido na mercado­ria precisa primeiro ser apresentado, pelo processo de aliena~ao, em seu contrario, em trabalho sem individualidade, abstratamente geral e, somente dessa forma, em trabalho social, ou seja, em dinheiro. Se e ou nao capaz dessa apresenta~ao, isso parece casual. Embora o valor de troca da mercadoria assuma, no pre<;o, apenas idealmente uma existencia diferente dela e o duplo modo de ser do trabalho nela contido exista por enquanto somente como maneira diferente de expressao, e que por isso a encarna<;ao do tempo de trabalho geral, o ouro, se defronte, por en-

toma comensuraveis pelo dinheiro. "E necessario que tudo tenha urn pre~o; assim havera sempre intercamblo e, por conseguinte, sociedade. 0 dinheiro, como se fora uma medida, toma as coisas comensuravels (summetro), para as igualar em seguida. Pols niio ha sociedade sem intercllmbio, nem intercllmbio sem lgualdade, nem tampouco igualda­de sem comensurabilidade." Nao lhe passa despercebido que essas colsas dlstintas, medidas pelo dinheiro, constituem grandezas totalmente incomensuraveis. 0 que ele procura ~ a unidade das mercadorias como valor de troca, o que, como grego da Antiguldade, niio tinha possibilidade de encontrar. Entretanto, contoma a dificuldade permitindo ao di­nheiro o papel de medida daquilo que, em si, e incomensuravel, uma vez que isso se lorna necessario na pratica. "Na verdade, e impossivel que coisas tao diferentes sejam comensuraveis, mas isso e necessario na pratica." (ARIST6TE­LES. Ethica Nicomachea. Edit Bekkeri Oxonii, 1837. Uvro Quinto. Cap. VIII.)

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 59

quanto apenas como medida de valor representada, com a mercadoria-efetiva; es­ta contido no modo de ser do valor de troca como pre~o, ou do ouro como medi­da de valor, tanto a necessidade da aliena~ao da mercadoria por ouro sonante quanto a possibilidade da sua nao-aliena~ao, em sfntese, af esta contida toda a con­tradi~ao latente, que provem do fate de o produto ser mercadoria, isto e, de que o trabalho particular do indivfduo privado, para ter efeito social, precisa apresentar­se como o seu contrario imediato, como trabalho abstratamente geral. Os utopistas que querem a mercadoria mas repudiam o dinheiro, admitindo a produ~ao basea­da na troca privada sem admitir as condi~oes necessarias dessa produ~ao, sao con­seqtientes ao "aniquilarem" o dinheiro, nao logo de infcio, em sua forma palpavel, mas ja na fonte eterea e fantasiada de medida de valor. 0 mal dinheiro poe-se de emboscada na invisfvel capa da medida de valor.

Pressuposto o processo pelo qual o ouro se torna medida de valor e o valor de troca se torna pre~o, todas as mercadorias em seus pre~os sao por enquanto apenas quantias de ouro representadas, de diversas grandezas. Como tais quantias diferentes da mesma coisa, do ouro, etas se igualam, se comparam e se medem en­tre si, e assim se desenvolve tecnicamente a necessidade de se relacionarem com uma determinada quantia de ouro como unidade de medida, uma unidade de me­dida que se eleva desse modo a urn padrao, do qual as mercadorias constituem partes alfquotas, e estas por sua vez se subdividem em partes alfquotas.3 Ora, as quantias de ouro como tais medem-se pelo peso. 0 padrao ja se encontra pronto nas medidas gerais de peso dos metais, que se usam em todas as circula~oes meta­licas, e por isso foram usadas, originalmente, tambem como padrao dos pre~os. Ao relacionarem-se as mercadorias umas com as outras, nao mais como valor de troca que deve ser medido pelo tempo de trabalho, mas como grandezas nominal­mente iguais, medidas pelo 0uro, este se transforma de medida dos valores em pa­drao de prec;os. A compara~ao dos pre~os das mercadorias entre si como quantias diferentes de ouro cristaliza-se assim em figura~oes que sao registradas em uma quantia pensada de ouro e a apresentam como padrao de partes alfquotas. 0 ou­ro, como medida dos valores e como padrao de pre<;os, possui determinidades for­mais muito diferentes, e a confusao de uma com a outra provoca as mais absurdas teorias. 0 ouro e medida de valor como tempo de trabalho objetivado. Padrao de pre~os ele o e como determinado peso de metal. Torna-se medida de valor ao rela­cionar-se como valor de troca com as mercadorias enquanto valores de troca; uma determinada quantia de ouro, como padrao de pre~os, serve a outras quantias de ouro como unidade. 0 ouro e medida de valor porque seu valor e variavel, e e pa­drao de pre<;os porque e fixado como unidade de peso invariavel. Aqui, como em todas as determina~oes de grandezas nominalmente iguais, solidez e determinida­de das rela<;oes de medidas sao decisivas. A necessidade de se fixar uma quantia de ouro como unidade de medida e partes alfquotas como subdivisoes dessa unida­de produziu a representa<;ao de que uma determinada quantia de ouro, que natu­ralmente tern urn valor variavel, se colocasse numa rela~ao de valor fixa com os va­lores de troca das mercadorias, no que se perdeu de vista que os valores de troca das mercadorias estao transformados em pre~os, em quantias de ouro antes mes­mo que o ouro se desenvolva como padrao de pre~os. Assim como o valor do ou­ro varia, diferentes quantias de ouro apresentam entre si permanente a mesma pro-

3 0 fa to singular de que a unidade de medida da moeda inglesa, a on~ de ouro, niio esteja subdividida em partes all­quotas, explica-se pelo seguinte: "Em sua origem, nossa moeda estava adaptada exclusivamente a prata; por isso, uma on~a de prata sempre p6de ser dlvidida em urn numero de partes aliquotas; mas, ao ser introduzido o ouro, mul­to posteriormente, num sistema de moeda exclusivamente adaptado a prata, a on~a de ouro niio pOde ser cunhada em urn numero de moedas allquotas" (MACLAREN. History of the Currency. Londres, 1858. p. 16).

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60 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLiTICA

porc;ao de valor. Se o valor do ouro cai em 1 000%, 12 onctas de ouro manterao sempre o valor 12 vezes superior a 1 onc;a, e nos prec;os trata-se sempre da propor­<;ao de diferentes quantias de ouro entre si. Do mesmo modo, uma on~a de ouro, cuja eleva<;ao ou queda do valor nao altera de forma alguma seu peso, lgualmente nao altera o peso de suas partes aifquotas. E isso acontece com o ouro enquanto padrao fixo dos pre~os, que presta sempre o mesmo servic;o, mesmo que seu valor esteja sempre variando. 4

Urn processo hist6rico, a ser explicado posteriormente a partir da natureza da circulac;ao metalica, fez com que fosse conservada a mesma denominac;ao de peso para uma massa de metal precioso, que variava e decafa constantemente de peso, em sua func;ao de padrao de prec;os. Assim uma libra inglesa significa menos de 113 de seu peso original, a libra escocesa, antes da Uniao,5 apenas 1/36, a francesa 1174, o marevedi espanhol menos de 111000, oreal portugues uma propor~ao ain­da menor dos seus correspondentes originais. Foi assim que as denomina~oes mo­netarias de peso de metal se separaram historicamente de suas denominac;oes ge­rais de peso. 6 Uma vez que a determina<;ao da unidade de medida, de suas partes alfquotas e de seus nomes e, por urn Jado, puramente convencional e, por outro Ja­de, deve possuir o carater da generalidade e da necessidade dentro da circula~ao, ela preclsou tomar-se legal. 0 aspecto puramente formal desta opera~ao caiu par­tanto na alc;ada dos governos. 7 0 metal determinado que serviu como material de dinheiro e dado socialmente. Em pafses diferentes o padrao legal dos pre~os e na­turalmente diferente. Na lnglaterra, por exemplo, uma onc;a como peso de metal se divide em pennyweights, grains e carats troy, mas a onc;a de otero como unida­de de medida da moeda em soberanos, o soberano em 20 xelins, o xelim em 12 pence, de tal maneira que 100 Iibras de 22 quilates (1200 onc;as) e igual a 4 672 soberanos e 10 xelins. Contudo, no mercado mundial, em que os limites nacionais desaparecem, esses caracteres nacionais das medidas monetarias desaparecem no­vamente para dar Iugar as medidas gerais dos pesos dos metais.

4 "0 dlnhelro pode mudar contlnuamente de valor e mesmo assim ser medida de valor, como se nl!o mudasse nunca. Adtnitamos, por exemplo, que perdeu valor ... Antes dessa queda de valor um guin~u comprarla tr~ alqueires de trigo ou o trabalho de sels dias, depols s6 compram dols alqueires ou o trabalho de quatro dias. Dadas em ambos os casos as rela¢es do trigo e do trabalho com o dlnheiro, podemos inferir a sua rela~o recrproca; em outras palavras, pode­mos estabelecer que um alqueire de trigo vale dois dlas de trabalho. Medlr o valor nada mals implica, e tl!o facilmente se chega a essa conclusl!o antes como depols da perda de valor. 0 fato de uma coisa se dlstlnguir como medlda de va­lor i! completamente independente da variabilidade do seu proprio valor" (BAfLEY. Money and Its vicissitudes. Lon­dres, 1837. p. 9, 10). 5 A Union entre a lnglaterra e Esc6cla, que se d6 em 1707, une definitivamente os dols parses em um Onlco. 0 Parla­mento escoc~s fol dissolvido e todas as barreiras econOmicas entre os dols parses foram eliminadas. (N. da Ed. Aleml!.) 6 "As moedas, cujo nome tern hoje apenas um carater ideal, sao as mais antigas em todos os povos e foram todas elas, em certo tempo, moedas reais (essa Oltima afirrna~o nao e correta na generalila~!io), e ~ exatamente porque foram moedas reals que servlram para calcular'' (GALIANI. Della Moneta. Ibid., p. 153). 7 0 roml!ntlco A. Muller dlz: "Segundo as nossas concep~aes, qualquer soberano independente tern o direlto de fixar o nome a moeda me!AIIca, de lhe confertr um valor nominal social, uma ordem, uma posi~l!o, uma lei" (MOLLER, A. H. Die Elemente der Staatskunst. Berlim, 1809. I. II, p. 288). Quanto a lei da moeda, o senhor conselhelro aullco tem razao: esquece apenas o conteudo. 0 paragrafo seguinte ~ uma amostra de quao confusas eram as suas "concep­~oes": "Qualquer um compreende a importancia que tem a deterrnina~ao verdadelra do pre~o monetA rio, sobretudo em um pals como a lnglaterra, onde o governo, com uma liberolidade grandlosa, cunha gratultamente a moeda (MiJI­Ier parece acredltar que os funclonarios do govemo Ingles pagam do pr6prto bolso as despesas de cunhagem), e nl!o cobra direito de senhorio etc., e, portanto, se estabelecesse o pre~o moneta rio do ouro multo acima de seu pre~o de mercado, se em Iugar de pagar agora uma on~ de ouro com 3 Iibras esterllnas, 17 xelins e 10 112 pence, flxasse o pre~o monetarto de uma on~ de ouro em 3 Iibras esterlinas e 19 xelins, todo o ouro fluiria a Casa da Moeda, e a pra­ta que salsse seria trocada no mercado pelo ouro mais barato, que de novo voltaria a Casa da Moeda, e o sistema mo­netarto cah1a na desordem" (p. 280, 281, foe. cit). Para manter em ordem a moeda inglesa, o senhor Muller cal na "desordem". Enquanto xellns e pence nada mals sl!o que partes deterrninadas de uma on~ de ouro, representadas por fichas de prata e de cobre, ele se imagina que a on~ de ouro estA avaUada em ouro, prata e cobre, presenteando desse modo os lngleses com um trlplice standard of value (padrao de valor). 0 emprego da prata como medida mone­!Aria ao !ado do ouro fol aboUdo forrnalmente em 1816 pela 68.• lei do 56.• ano do reinado de Jorge Ill. Legalmente o fora ja em 1734 pela 42. • lei do 14. • ano do reinado de Jorge II, e praticamente, muito antes ainda. Duas drcunstan­cias influfram espedalmente em MUller para que chegasse a uma tal conce~o superior da Economla Polftica: de um lado, sua grande lgnor!nda em questlles econOmicas, e, de outro, sua atitude meramente diletante face a filosofia.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;AO SIMPLES 61

0 pre~o de uma mercadoria ou a quantia de ouro, na qual ela se transforma idealmente, se expressa agora, portanto, nos names monetarios do padrao-ouro. Em vez de dizer, portanto, que uma saca de trigo e igual a uma onc;a de ouro, dir­se-ia na lnglaterra que e igual a 3 Iibras esterlinas, 17 xelins e 10 1/2 pence. As mesmas denomina~oes servem assim para exprimir todos os pr~os. A forma pr6-pria com que as mercadorias dao os seus valores de troca esta transformada em names monetarios, pelos quais expressam mutuamente o que elas valem. 0 dinhei­ro, por sua vez, toma-se moeda de ca/culo.8

A transformac;ao da mercadoria ~m moeda de calculo na cabec;a, no papel e na linguagem se efetua cada vez que qualquer tipo de riqueza e fixado sob o pon­to de vista do valor de troca. 9 Para essa transformac;ao se necessita do material ou­ro, mas apenas representado. Para estimar o valor de mil fardos de algodao em de­terminado m1mero de onc;as de ouro, para expressar depois esse numero de onc;as nos names de calculo da onc;a, em Iibras, xelins, pence, nao se usa nenhum atomo de ouro efetivo. Antes dos Bank-acts de Sir Robert Peel de 1845, nao circulava na Esc6cia nenhuma on~a de ouro, embora .esta, expressa como padrao contabil In­gles em 3 Iibras, 17 xelins e 10 112 pence, servisse como medida legal dos prec;os. Assim tambem a prata serve como medida de prec;os na troca de mercadorias en­tre a Siberia e a China, embora o comercio nesse caso nao passe, de fato, de mera troca direta. Por isso, para que o ouro funcione como moeda de calculo, e indife­rente que sua unidade de medida ou frac;oes desta estejam cunhadas. Na epoca de Guilherme, o Conquistador, existia na Inglaterra uma libra esterlina, entao uma li­bra de prata pura, e o xelim, 1120 de uma libra, somente como moeda de calculo, enquanto o penny, 1/240 de libra de prata, era a moeda mais forte em circula~ao. Hoje, ao contrario, nao existem na Ing/aterra xelim ou pence, embora sejam estes os names de calculo oficiais· para determinadas frac;oes de uma onc;a de ouro. 0 di­nheiro, como moeda de calculo, pode existir apenas idealmente, enquanto o di­nheiro que circula efetivamente e cunhado em urn outro padrao totalmente diferen­te. Em muitas col6nias inglesas da America do Norte, a moeda circulante, ate boa parte do seculo XVIII, consistia em moedas portuguesas e espanholas, enquanto, por toda parte, a moeda de calculo era a mesma da lnglaterra. 10

Porque o ouro, como padrao de prec;os, aparece com os mesmos names de calculo que os prec;os das mercadorias - por exemplo, uma onc;a de ouro da roes­rna maneira que uma tonelada de ferro se expressa em 3 Iibras esterlinas, 17 xelin~ e 10 112 pence -, chamou-se a esses nomes de calculo seu pre~o em moeda. E daf que se forma essa representa<;ao estranha, como se o ouro fosse avaliado por seu pr6prio material e, diferentemente de todas as outras mercadorias, recebesse, por forc;a do Estado, urn prec;o fixo. Confunde-se af a fixac;ao dos nomes de calcu­lo de determinados pesos do ouro com a fixac;ao do valor desses pesos. 11 On de o ouro serve como elemento de determinac;ao do prec;o e, por isso, como moeda de calculo, nao somente nao tern prec;o fixo como nao tem prec;o de forma alguma.

s "Quando perguntaram a Anarchasls para que flm se serviam os gregos do dinheiro, ele respondeu: 'para calcu­lar' "(ATHENAEUS. Delpnosophlstal. Ed. Schwighliuser, 1802. Livro Quarto. 49. v. II, p. 120). 9 G. Gamier, um dos primelros tradutores de Adam Smith, teve a estranha ideia de estabelecer uma propor~o entre o uso da moeda de calculo e o da moeda real-efetiva. A propor~o e de 10 para 1 (GUARNIER, G. Hfstolre de Ia Mon­naie Depuis /es Temps de Ia plus Haute AntlquiM etc. t. I. p. 78). to 0 ad de Maryland de 1723, pelo qual o tabaco se toma moeda legal, mas com valor redutrvel a moeda de ouro In· glesa, isto e, um penny por uma libra de tabaco, faz lembrar as leges barbarorum, em que, ao contrario, somas deter­minadas de dinhelro eram lgualadas aos bois, vacas etc. Nesse caso, nao era o ouro e a prata, mas o bol e a vaca que constitufam o material real-efetivo da moeda de calculo. n Assim Iemos, por exemplo, nos Familiar Words do Sr. DaVid lrquhart "0 valor do ouro deve ser medldo pelo pr6-prio ouro: mas como pode uma mat.Ma qualquer ser a medlda do seu pr6prio valor em outras colsas? 0 valor do ou­ro deve ser fixado pelo seu prOprio peso sob uma denomina~o falsa desse peso - e uma on~ valerA tantas Iibras e Ira~ da libra. lsso ~a fals!flca~o de uma medlda e nao a determina~o de um padrao" (p. 104-105).

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62 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLlTICA

Para ter pre<;o, isto e , para expressar-se como equiualente geral em uma mercado­ria especifica seria preciso que essa outra mercadoria desempenhasse, no proces­so de circula~ao, o mesmo papel exclusivo do ouro. Mas duas ~ercadorias que ex­cluem todas as outras tambem se excluem mutuamente. Por 1sso, onde paralela­mente ouro e prata vigoram oficialmente como dinheiro, isto e, como medida de valor tenta-se permanentemente, em vao, tratar ambos como uma Cinica e mesma materia. Se se sup6e que o mesmo tempo de trabalho se objetiva invariavelmente na mesma proporc,tao de ouro e prata, supoe-se de fato que o ouro e a prata sao a mesma materia e que a prata - o metal menos valioso - e uma fra<;ao invariavel do ouro. Desd~ o govemo de Eduardo III ate a epoca de Gorge II, a hist6ria das fi­nan<;as inglesas se desenrola em uma serie permanente de perturba<;6es provoca­das pela colisao entre a fixa<;ao legal da propor<;ao de valor entre ouro e prata e suas oscila<;6es efetivas de valor. Ora o ouro estava avaliado muito alto, ora a pra­ta. 0 metal cuja avalia<;ao estava demasiado baixa era retirado de circula<;ao, refun­dido e exportado. A propor<;ao de valor desses dois metais era entao modificada le­galmente, mas logo o novo valor nominal entrava em conflito com a propor<;ao efe­tiva de valor, da mesma forma que anteriormente. Mesmo em nossa epoca, a leve e passageira queda de valor do ouro em rela~ao a prata, por causa da d~manda chinesa e indiana de prata, provocou na Fran~a o mesmo fenomeno, porem, nu­ma escala muito maior, que resultou na exportac,tao da prata, cujo Iugar na circula­<;ao foi ocupado pelo ouro. Nos anos de 1855, 1856 e 1857, o excedente da in:­porta<;ao do ouro sobre a exportac,tao perfazia na Fran~a o total de 41 580 000 h­bras esterlinas, enquanto o excedente de exporta~ao de .prata sobre a importac,tao montava a 14 704 000 libras esterlinas. De fato, nos pafses como a Franc,ta, em que esses dois metais sao medidas legais do valor e ambos devem ser aceitos co­mo pagamento, embora toda pessoa possa pagar livremente com este ou com o outro o metal cujo valor tende a aumentar traz urn agio e mede, como qualquer outra' mercadoria, o seu prec,to no metal estimado acima de seu valor efetivo, ser­vindo este ultimo, e a pen as ele, como medida de valor. T oda experiencia hist6rica nesse terreno se resume simplesmente a que, onde duas mercadorias exercem ofi­cialmente a fun<;ao de medida de valor, de fato sempre e uma delas que domina tal posic,tao. 12

B) Teorias sobre a unidade de medida do dinheiro

A circunstancia de que as mercadorias apenas idealmente se convertem em ouro, de que o ouro apenas idealmente se converte em dinheiro, favorece a teoria da unidade ideal de medida do dinheiro. Porque, na determina~ao de pre<;o, fun­cionam apenas ouro ou prata representados, ouro e prata como moeda de calculo, afirmou-se que as denomina~6es libra, xelim, pence, taler, francos etc., em vez de designar fra<;6es de peso de ouro ou de prata, ou trabalho objetivado de alguma forma, designam, ao contrario, atomos ideais de valor. Se aumentasse, portanto, o valor de uma on<;a de prata, ela conteria maior quantidade desses atomos e deve­ria por isso ser calculada e cunhada em urn numero maior de xelins. Data do final do seculo XVII essa doutrina, que foi ressuscitada na lnglaterra durante a ultima cri­se comercial, comparecendo inclusive no Parlamento, grac,tas a dois informes espe­ciais, anexados ao relat6rio do Comite do Banco de 1858. No infcio do governo

12 " 0 dinheiro como medida do com~rcio, a semelhan~ de qualquer outra medida, deveria ser mantido t3o est6vel quanto possfvel. lsso 4! lmpratlc6vel enquanto a vossa moeda for constltuida por dois metals cuja rela~o de valor varia continuamente." (LOCKE, John. Some Considerations on the Lowering of Interest etc. 1961. Em suas Obros. 7.• ed, Londres, 1768. v. II, p. 65).

0 DINHEIRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 63

de Guilherme Ill, o pre<;o ingles em moeda de uma onc,ta de prata era de 5 xelins e 2 pence, ou seja, 1162 de on<;a de prata foram chamadas penny, e 12 desses pen­ce foram chamados xelim. Conforme esse padrao foram cunhadas, por exemplo, seis onc,tas de prata em 31 pe~as com o nome de xelim. Entretanto, o pret;o de mercado da onc,ta de prata ultrapassou seu pret;o em moeda, passou de 5 xelins e 2 pence para 6 xelins e ·3 pence, ou seja, para se comprar uma onc,ta de prata bru­ta precisava-se compensar com 6 xelins e 3 pence. Mas como poderia o prec,to de mercado de uma on<;a de prata ultrapassar seu pre<;o em moeda, se este nada mais e do que o nome de calculo para partes alfquotas de uma on<;a de prata? 0 enigma se resolve facilmente. Das 5,6 milh6es de Iibras que circulavam na epoca, 4 milhoes estavam desgastadas, usadas e desusadas. Isso foi posto a prova quando 57 200 Iibras esterlinas de prata, que deveriam pesar 220 mil onc,tas, pesaram ape­nas 141 mil on<;as. A moeda imprimia sempre o mesmo padrao, mas os xelins !e­ves que circulavam efetivamente apresentavam partes alfquotas menores de on<;a do que seu nome apregoava. Uma maior quantidade desses xelins emagrecidos tornou-se necessaria para pagar no mercado uma on<;a de prata bruta. Quando se decidiu uma altera<;ao na cunhagem da moeda, devido a perturba~ao que daf se originou, Lowndes, o Secretary to the Treasury, afirmou que o valor da on~a de prata havia subido e deveria por isso, daf por diante, ser cunhada em 6 xelins e 3 pence, e nao mais nos 5 xelins e 2 pence de antes. Portanto, o que afirmava efeti­vamente era que, por causa do aumento do valor da on~a. o valor de suas partes alfquotas havia diminufdo. Entretanto, sua falsa teoria nao passava de dissimula~ao de urn objetivo pratico correto: dever-se-ia pagar em xelins fortes as dfvidas do Es­tado que foram contrafdas em xelins leves? Ao inves de dizer: restituam-se 4 on~as de prata onde se obtiveram nominalmente 5 on~as, que em realidade correspon­diam apenas a 4 on<;as, ele afirmava, ao contrario, que se devolvam nominalmen­te 5 onc,tas, mas que se reduza seu conteudo metalico a 4 onc,tas e chame de xelins o que ate entao correspondia a 4/5 de xelins. Lowndes se atem, pois, na pratica ao conteudo metalico, enquanto na teoria se apega ao nome de calculo. Seus adversa­ries, que se apegavam apenas ao nome de calculo, e por isso identificam 1 xelim desgastado, em 25% a 50% de seu peso normal, com urn xelim de peso integral, afirmam, ao contrario, apegar-se meramente ao conteudo metalico. John Locke, que defendia a nova burguesia em todas as suas formas, os industriais contra as classes operarias e os paupers (pobres), os comerciantes contra os usurarios arcai­cos, os aristocratas financeiros contra os devedores do Estado, e que em uma de suas obras chega a apontar o entendimento burgues como o entendimento huma­no normal aceitou tambem o desafio de Lowndes. John Locke venceu, e o dinhei­ro emprestado a 10 ou 14 xelins por guineu foi reembolsado em guineus dP. 20 xe­lins. 13 Sir James Steuart resume ironicamente a transa~ao nos seguintes termos:

13 Locke dlz, entre outras colsas: "Chama! agora corea ao que antes era a metade de uma coroa. ~ .valor permanece determinado pelo teor metAiico. Se ~ posslvel tirar 1/20 do seu peso de prata a uma moeda sem d1mmulr o seu valor, seria tambem posslvel tirar·lhe 19/20. Segundo essa teoria, se se der a urn farthing o nome de corea, o farthing ter6 que comprar necessariamente tantas especlarias, seda ou outra mercadoria quanto se c~mpra com uma corea, que no entanto contem sessenta vezes mais prata. Tudo o que podeis lazer e dar, a uma quantidade menor de p~ala, a flgura e o nome de uma quantldade malor. Mas ~ prata, e n3o nomes, que pagam dividas e compram mercadorias. Se ele· var o valor da moeda conslste unlcamente em batizar ~ vontade as partes a!rquotas de uma pe~ de prata, chamar, por exemplo, penny A oltava parte de uma on~ de prata, podeis elevar eletivamente a moeda A altura que vos ~gra­dar". Locke respondia ainda a Lowndes que a subida do pre.;o de mercado aoma do pre~o monetArio repousa nSo na subida do valor da prata, mas slm na diminui~o de peso da moeda de prata". Setenta e se1e xehns desgastados nao pesavam nem urn gr!o a mais que 62 com peso normal, dizia ele. Sublinhava ainda, e com J'Wo, que na lnglater­ra, independentemente da perda de peso da moeda de prata, em circula~o, o p~~o de mercado da moeda bruta po­dia subir, ate certo ponto, acima do pre.;o monet6rio, porque enquanto ~ perm1tido q~e se exporte a prata bruta, o mesmo nao acontece com a moeda de prata. (Ver Ibid., p. 54-116, pass1m). Locke evtlava cu1dadosamente tocar na

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64 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITICA

"0 governo ganhou consideravelmente em impostos, os credores em capital e ju­ros, e a Nac;ao, a (mica lograda, sentia-se multo satisfeita porque seu standort (o pa­drao de seu pr6prio valor) nao foi rebaixado". 14

Steuart pensava que, com o desenvolvimento comercial, a na~ao se. mostraria futuramente mais esperta. Mas equivocou-se, pois cerca de 120 anos ma1s tarde se repetia o mesmo quid pro quo. . . • .

Era natural que o bispo Berkeley, o representante de urn 1deahsmo m1stico na filosofia inglesa, tenha dado urn rumo teorico a terra da unidade ideal de medida da moeda, oportunidade desperdi~da pelo pratico secretary to the treasury. Berke-ley pergunta:

"Nao devem os nomes libra, libra esterlina, coroa etc., ser conside~dc:s cc:mo me­ros nomes de rela~ao?" (A saber, relac;ao de valor abstrato como tal.J Nao sao o ou­ro, a prata ou o papel nada mais do que simples,~otas ou fichas destinadas. ao_ cal.culo, registro ou transmissao?" (Da relac;ao de valor.) 0 poder de ~omand~r a .mdustria de outros" (o trabalho social) "nao e, por acaso, riqueza? Constste o dmhetro, de fato, em algo diferente ae fichas ou sinais destinados a transmissao e registro de tal poder, e deve-se dar tao grande importancia ao material de que sao feitas estas fichas?" 15

Berkeley confunde aqui, por urn !ado, medida de valores com padrao dos pre­c;os, e, por outro !ado, ouro e prata enquanto medida com ouro e ~rata enquanto meios de circula<;ao. Porque os metais preciosos podem ser substitUldos no ato da circula<;ao por cedulas, conclui que essas cedulas, por sua vez, nao .representam na-da, isto e, representam o conceito abstrato de valor. _ .

Tao completo e o desenvolvimento dado por Sir James Ste~art a ~outrin~ da unidade ideal de medida do dinheiro que seus seguidores - segUidores mconsc•en­tes, porquanto nao o conhecem - nao descobriram nem uma nova expressao lin­gtifstica ou mesmo urn novo exemplo.

"Moeda de calculo", diz ele, "nao e nada mais do que urn padrao arbitrario de par­tes iguais, inventado para medir o valor relative das coisas vendaveis. Moeda de calcu­lo e inteiramente diferente de dinheiro cunhado (money coin), que e 0 prec;o, 16 e pede­ria existir, ainda que no mundo nao existisse substancia que fosse urn equiv~lente pro­porcional para todas as mercadorias. Moeda de calculo presta o mesmo servtc;o para o valor das coisas como os graus, minutos e segundos para os angulos, ou as escalas pa­ra os mapas etc. Em todas essas invenc;oes sempre a mesma denomina~o ~ tom~da como unidade. Assim como a utilidade de todos esses desempenhos esta hm1tada stm­plesmente a indica~ao da propor~ao, a utilidade da unidade de dinheiro tambem o es­ta. Esta nao pode ter uma relac;!o invariavelmente determinada, a uma parte qualquer do valor, isto e, ela nao pode ser fixada numa quantia determinada de ouro, ~e prata ou de qualquer outra mercadoria. Uma vez dada a unidade, pode-~e chegar ate o ma­ximo pela multiplical(aO. Tendo em vista que o valor das mercadonas depende de urn concurso geral de circunstancias que atuam sobre ela e dos caprichos dos homens, o seu valor deveria ser considerado apenas como variavel em seu relacionamento mu-

questao ardente das dlvidas publicas, como evitava prudentemente entrar na questao econOmlca delicada. Esta ques­tao era a segulnte: tanto a cota~o do GAmbia como a rela¢o entr':_ a prata bruta e moeda de prata provavam que a moeda em circula~ao nllo estava a tal ponto depreciada em propor~o com a sua perda real-eleti~a de metal. No capi­tulo sabre o meio de circula~o. voltaremos a essa questiio em sua forma geral. Nicholas Barbonm (A Discourse Con­cerning Coining the New Money Lighter, in Answer to Mr. Lock's Considerations etc. Londres, 1696) tentou em vao atrair Locke a esse terreno dillcil. 14 STEUART. Op. cit., l ll. p. 156. 0 _

15 The Querist. /oc. cit. Quanta ao capitulo "Queries on Money", demonstra aMs talento. Entre outras colsas, .,.,rkeley observa com razao que predsamente o desenvolvimento das co!Onias norte-americanas "toma clara como o ella que o ouro e a prata nllo slio tao nec~rlos a riqueza de uma na¢o como se pensa geralmente" . 16 Pre,o aqul signlftca equivalente real, como nos economistas ingleses do seculo XVll.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 65

tuo. 0 que quer que venha perturbar ou confundir a certeza da troca proporcional me­diante urn padrao geral, determinado e invariavel, s6 pode ser prejudicial ao comercio. Oinheiro e apenas urn padrao ideal de partes iguais. Quando se pergunta qual deveria ser a unidade de medida do valor de uma parte, responde por uma outra pergunta: qual ~ a grandeza normal de urn grau, de urn minuto ou de urn segundo? Estes nao possuem grandeza normal, mas, desde que se determina uma parte, todo o resto tern que seguir segundo a natureza do padrao. Exemplos desse dinheiro ideal sao: a moe­da bancaria de Amsterdam e a moeda angolana da costa africana. " 17

Steuart se atem simplesmente a aparencia do dinheiro na circula<;ao, como pa­drao dos preqos e como moeda de calcu/o. Se diferentes mercadorias estao cota­das respectivamente a pre~os correntes de 15 xelins, 20 xelins e 36 xelins, o que de fato me interessa, quando comparo sua grandeza de valor, nao e seu conteudo de prata, nem o nome de xelim. A rela~ao dos numeros 15, 20, 36 ja diz tudo e o numero 1 tomou-se a unica unidade de medida. A expressao puramente abstrata da proporc;ao nao e mais nem menos que a propria propor~ao abstrata dos nume­ros. Para ser conseqi.lente, Steuart teve de passar por cima, nao apenas do ouro e da prata, como tambem de seus nomes de batismo legais. Uma vez que nao com­preenda a transforma~ao da medida dos valores em padrao dos prec;os, e natural que acredite que determinada quantia de ouro, que serve de unidade de medida, seja relacionada como medida nao a uma outra quantia de ouro, mas sim a valo­res como tais. Como as mercadorias, pela transformac;ao de seus valores de troca em prec;os, aparecem como grandezas de mesmo nome, ele nega a qualidade da medida que as reduz a urn mesmo nome; e como, nessa compara<;ao de diferentes quantias de ouro, a grandeza da quantia de ouro que serve como unidade de medi­da e convencional, nega que essa grandeza precisa ser fixada. Ao inves de chamar de grau uma fra~ao de 11360 do drculo, suponhamos que se queira chamar de grau uma fra<;ao de 11180; o angulo reto mediria entao 45 graus em vez de 90 graus, os angulos agudos e obtusos seriam medidos de forma correspondente. Nao obstante, a medida de angulo permaneceria, agora como antes, primeiro, utna figura matematica qualitativamente determinada do drculo, e segundo, a se­c;ao do drculo quantitativamente determinado. No que toea aos exemplos econo­micos de Steuart, com urn ele se martiriza, e com outro nada consegue provar. A moeda bancaria de Amsterdam consistia, de fato, apenas em denomina~oes para o calculo dos dub/ones espanhois, que, atraves de sua pregui~osa estadia nos po­roes do Banco, nada perderam da sua preciosa gordura, enquanto a ativa moeda corrente tinha emagrecido pelo duro atrito com o mundo exterior. Quanto aos idealistas africanos, temos de abandona-los a seu proprio destino ate que viajantes crfticos nos aportem informa~oes mais precisas sobre eles. 18

. Como moeda aproxi­madamente ideal, no sentido de Steuart, poderia ser d~signado o "assignat" fran­ces: "Propriedade Nacional. Assignat de 100 Francos". E certo que o valor de uso, que o assignat deveria representar, ou seja, as terras confiscadas, esta af especifica­do, mas a determina~ao quantitativa da unidade de medida fora esquecida, e fran­co era, por isso, uma palavra vazia de sentido. Quanto de terra urn franco-assignat representava dependia, de fato, dos leil6es publicos. Na pratica, entretanto, o fran­co-assignat circulava como sinal de valor para a moeda de prata, e era com esse padrao-prata que media sua depreciac;ao.

17STEUART. Op. cit.,lll, p. 102-107. 18 Par ocasiao da ultima crise comerdal, certos meios ingleses louvavam com l!nlase a moeda ideal africana, translerlda agora da costa para o interior do pals berbere. Deduz-se o lata de que o berbere viva sem crises comerclais e indus­biais da unidade de medlda Ideal de seu dlnheiro em especie. Nao teria sido mais simples dlzer que o com~rcio e a in­dustria sao a condl¢o sine qua non das crises comerciais e industriais?

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66 PARA A CR(TICA DA ECONOMIA POLITICA

A epoca em que o Banco da lnglaterra suspendeu os pagamentos a vista foi mais frutffera em teorias monetarias do que em comunicados de guerra. A depre­ciac;ao das notas bancarias e a subida de prec;o de mercado do ouro, acima de seu prec;o monetario, reanimaram uma vez mais a doutrina da medida monetaria ideal, por parte de alguns defensores do Banco. Para uma opiniao ja confusa, por si mes­ma, Lord Castlereagh encontrou a expressao classicamente confusa, ao designar a unidade de medida monetaria como a sense of ualue in reference to currency as. compared with commodities (urn sentido de valor em referencia ao meio de circula­c;ao, comparado com as mercadorias). Quando, alguns anos depois da Paz de Pa­ris, 19 as circunstancias permitiram retomar os pagamentos a vista, a mesma questao levantada por Lowndes sob Guilherme Ill surgiu novamente de forma pouco altera­da. Uma dfvida publica elevadfssima e uma quantida~e enorme de dfvidas priva­das e obrigac;oes fixas, acumuladas durante mais de vinte anos, tinham sido contraf­das na base de notas bancarias depreciadas. Deveriam ser reembolsadas em notas bancarias, das quais 4 672 Iibras esterlinas e 10 xelins representavam, nao nominal­mente, mas efetivamente, 100 Iibras de ouro de 22 quilates? Thomas Attwood, urn banqueiro de Birmingham, entrou em cena como uma reencamac;ao de Lowndes. Nominalmente deveriam os credores obter de volta tantos xelins quantos foram contrafdos, mas se 1/78 de onc;a de ouro, segundo a antiga lei da moeda, era cha­mado de xelim, agora dever-se-ia batizar, digamos, 1190 de onc;a .com o nome de xelim. Os seguidores de Attwood sao conhecidos como a escola de Birmingham dos little shillingmen (homens do pequeno xelim). A querela sobre a medida mone­taria ideal, comec;ada em 1819, prolongou-se ainda ate 1845, entre Sir Robert Peel e Attwood, cuja sabedoria, pelo menos no que se refere a func;ao do dinheiro como medida, deixa-se resumir exaustivamente na seguinte citac;ao:

"Sir Robert Peel, em sua polemica com a Camara de Comercio de Birmingham per­gunta: o que representara vossa nota de 1 libra? 0 que e 1 libra? ... Ou entao, ao con­trario, o que se pode entender sob a presente unidade de medida do valor? ... 3 Iibras esterlinas, 17 xelins e 10 112 pence significam 1 on~a de ouro ou o seu ualor? Se signi­ficam a pr6pria on~a de ouro, por que entao nao chamar as coisas pelo seu nome, e em vez de Iibras esterlinas, xelim, pence, por que nao dizer, ao contrario, on~a, pennyweight e gran? Entao retrocedemos ao sistema de troca direta ... ou e que signifi­cam ualor? Se 1 on~a = 3 Iibras esterlinas, 17 xelins e 10 112 pence, por que entao em epocas diferentes valia 5 Iibras esterlinas 4 xelins para logo valer 3 Iibras esterlinas, 17 xelins e 9 pence? ... A expressao libra (£) tern rela~ao com o valor, mas nao com o valor fixado em uma fra~ao invariavel de peso do ouro. A libra e uma unldade Ideal ... trabalho e a substancia na qual os custos da produ~ao se dissolvem e que conferem seu valor relative tanto ao ouro como ao ferro. Qualquer que seja portanto o nome de calculo empregado para deslgnar o trabalho diario ou semanal de um homem, tal no­me expressara sempre o valor da mercadoria produzida". 20

Nessas ultimas palavras dissipa-se a nebulosa representac;ao da medida mone­taria ideal, e surge o pensamento que propriamente estava contido nela. Os nomes contabeis do ouro: libra esterlina, xelim etc., devem ser nomes para determinadas quantias de tempo de trabalho. Uma vez que o tempo de trabalho e substancia e medida imanente dos valores, aqueles nomes representariam de fato propriamente proporc;oes de valor. Em outras palavras, o tempo de trabalho e proclamado como a verdadeira unidade de medida do dinheiro. Com isso deixamos a escola de Bir-

t9 Paz de Paris - Tratado de paz que foi assinado em Paris em 30 de mar~o de 1856 pela Fran~a. lnglaterra, Austria, Sardenha, Prussia e Turquia, de urn lado, e a Rllssla, do outro, e que marcou o fim da guerra da Crim~ia de 1853/56. (N. da Ed. Alem!.) 20 The Currency Question, the Gemini Letters. Londres, 1844. p. 266·272 passim.

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mingham, mas observamos de passagem que a doutrina da medida monetaria ideal adquirira uma importancia nova na questao da conversibilidade ou da nao­conversibilidade das notas bancarias. Se sao o ouro e a prata que conferem ao pa­pel sua denominac;ao, a conversibilidade da nota, isto e, sua permutabilidade com o ouro ou com a prata, continua sendo uma lei economica, independentemente daquilo que a lei jurfdica diga. Assim, uma nota de 1 taler prussiano, ainda que nao seja oficialmente conversfvel, seria imediatamente depreciada se nao obtivesse no trafico corrente 1 taler de prata, em resumo, se nao fosse conversfvel na prati­ca. Na lnglaterra, os defensores conseqtientes da moeda-papel inconversfvel refu­giaram-se por isso na medida monetaria ideal. Se os nomes contabeis do dinheiro libra esterlina, xelim etc., sao nomes de uma determinada soma, atomos de valor: os quais sao absorvidos ou liberados por uma mercadoria, uma vez em maior, nou­tra em menor quantidade, uma nota inglesa de 5 Iibras e tanto independente de sua relar;ao com o ouro quanto de sua relac;ao com o ferro ou algodao. Uma vez que seu nome teria deixado teoricamente de iguala-la a uma determinada quantia de ouro ou a qualquer outra mercadoria, a exigencia de sua conversibilidade, isto e, sua equar;ao pratica com determinada quantia de uma coisa especffica, seria ex­clufda por seu proprio conceito.

A teoria do tempo de trabalho como unidade de medida imediata do dinheiro foi desenvolvida sistematicamente, pela primeira vez, por John Gray. 21 Urn Banco Nacional Central, por intermedio de suas filiais, certificaria o tempo de trabalho consumido na produc;ao das diferentes mercadorias. Em troca da mercadoria o produtor obteria urn certificado oficial de valor, isto e, urn recibo de urn quanto 'de tempo de trabalho contido na sua mercadoria, 22 e essas notas bancarias de uma se­mana, urn dia, uma hora etc. serviriam como indicac;ao de equivalencia a todas as outras mercadorias depositadas nos armazens do Banco. 23 Esse e o princfpio funda­mental elaborado cuidadosamente em seus detalhes, e apoiado inteiramente nas instituic;oes inglesas existentes. Sobre esse sistema diz Gray:

"Seria em todas as epocas tao facil vender por dinheiro, como hoje e facil comprar com dinheiro; a produ~ao seria entao a fonte uniforme, que jamais se esgotaria com a demanda". 24

Os metals preciosos perderiam seu "privilegio" frente a outras mercadorias e

"ocupariam seu devido Iugar ao !ado da manteiga, dos ovos, das toalhas e da percali­na, e os seus valores nao nos iriam interessar mais do que o do diamante".

"Devemos conservar nossa medida dos valores ficticia - o ouro - e com isso en­travar as for~as produtivas do pals, ou devemos recorrer a medida natural dos valores, ao trabalho, liberando assim as for~s produtivas?" 25

21 GRAY, John. The Social System. A Treatise on the Principle of Exchange. Edimburgo, 1831. Compare com Lectu· res on the Nature and Use of Money (Edimburgo, 1848) do mesmo autor. Depois da revolu~o de fevereiro, Gray en· Viou ao govemo provis6rio franc~s uma comunica~ao em que declara que a Fran~ tern necessidade niio de uma orga­n~~ao do trabalho (organisation of labour), mas sim de ume organiza~o do interc:Ambio (organisation of exchange), cUJO plano estava completamente elaborado no seu sistema monetario. 0 esfo~do John nao suspeitava que dues· seis anos ap6s o aparecimento do Social System tinha sldo registrada uma patente da mesma descoberta em nome do engenhoso Proudhon. 22 GRAY. The Social System. Op. cit., p. 63: "0 dinheiro devia ser urn simples recibo, 11 prova de que seu portador contribulu com urn determinado velor para a riqueza nacional exlstente, ou que adqulriu direitos, nesse valor, de qual· quer pessoa que tenha tamb~m entregue o seu contributo". 23 "Delxa·se o produto, que anteriormente recebe urn valor avaliado, depositado em um banco, de onde possa ser re tl· rado sempre que se necessite, estlpulando·se por conven~ao geral que aquele que deposita uma propriedade qual­quer no banco nacional proposto podera retirar um valor igual de qualquer outra mercadoria contida no banco, em ~4ez de ser obrigado a retirar a pr6pria coisa que deposltou" (GRAY. Op. cit., p. 67·68).

GRAY. Op. cit. , p. 16. 25 GRAY. Lectures on Money. Op. cit., p. 182 e 169.

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68 PARA A CRiTlCA DA ECONOMlA POLiTlCA

Ten do em vista que o tempo de trabalho e a medida imanente dos vale­res, por que fazer valer paralelamente outra medida exterior? Por que o valor de troca se desenvolve em prec;o? Por que todas as mercadorias estimam seu valor em uma mercadoria exclusiva que assim e transformada no modo de ser adequado do valor de troca, em dinheiro? Esse era o problema que Gray tinha para resolver. Ao inves de resolve-lo, imaginou que as mercadorias po­deriam relacionar-se diretamente como produtos do trabalho social. Mas elas so podem relacionar-se mutuamente como aquilo que sao. As mercadorias sao diretamente produtos de trabalhos privados, isolados e independentes, que precisam confirmar-se como trabalho social geral atraves ·de sua aliena­c;ao no processo de troca privada. Em outras palavras, o trabalho, base da produc;ao de mercadorias, so depois da aliena<;ao multilateral dos trabalhos in­dividuais e que se toma trabalho social. Mas se Gray sup6e o tempo de traba­lho contido nas mercadorias como diretamente social, supoe-no COll).O tempo de trabalho comunitario, isto e, como tempo de trabalho de indivfduos direta­mente associados. So assim seria possfvel que uma mercadoria, especffica co­mo o ouro ou a prata, se defrontasse com outras sem se transformar na encar­na<;ao do trabalho geral; o valor de troca nao se tornaria prec;o, mas nem o va­lor de uso chegaria a ser valor de troca, e o produto nao seria mais mercado­ria, eliminando com isso a propria base da produc;ao burguesa. Mas nao e es­sa, absolutamente, a opiniao de Gray. Os produtos deuem ser produzidos co­mo mercadorias, mas nao deuem ser trocados como mercadorias. A realiza­<;ao desse desejo ingenue fica a cargo de urn Banco nacional. ,Por urn !ado, a sociedade, em forma de Banco, torna os indivfduos independentes das condi­c;oes de troca privada, por outro, deixa que continuem produzindo na base da troca privada. Contudo, a seqUencia interna conduz Gray a negar as condi­c;oes burguesas de produc;ao, uma apos outra, embora, tenha ele desejado "reformar" apenas o dinheiro surgido da troca de mercadorias. Desse modo, transforma capital em capital nacional, 26 a propriedade da terra em proprieda­de nacional, 27 e se analisarmos detalhadamente o seu Banco descobrimos que nao trata apenas de receber mercadorias com uma mao, e expedir certifi­cados de fornecimento de trabalho com outra, mas sim de controlar a propria produc;ao. Procurando ansiosamente apresentar seu bonus de trabalho como uma reforma puramente burguesa, Gray se envolve, em seu ultimo escrito Lectures on Money, em urn contra-senso mais gritante ainda.

T oda mercadoria e diretamente dinheiro. Essa era a teoria de Gray deri­vada de sua analise da mercadoria incompleta e, por isso, falsa. A construc;ao "org€mica" de "bonus de trabalho", "Banco nacional" e "armazens de mer­cadorias" nao e nada mais que a imagem onfrica, onde o dogma e simulado como a lei dominadora do mundo. Naturalmente que o dogma de que a mer­cadoria e diretamente dinheiro, ou de que o trabalho especial do indivfduo particular, contido na mercadoria, e trabalho social, nao se torna verdadeiro pelo simples fato de urn Banco acreditar nele e operar conforme a ele. Ao contrario, em tal caso seria a propria bancarrota que se encarregaria de fazer a crftica pratica. 0 que se esconde na obra de Gray, e que nem ele proprio consegue perceber - a saber, que a expressao "bonus de trabalho", que soa parecida com as de vocabulario economico, e a expressao do desejo piedoso de desembarac;ar-se do dinheiro, e com o dinheiro, do valor de troca, com o valor de troca, da mercadoria, e com a mercadoria, da forma burguesa de pro-

26 "Os neg6cios de todos os pafses deveriam ser conduzidos por um capital nacional" (GRAY. The Social System. p. 171). 27 "E necessaria que o solo seja transformado em propriedade nacional" (Ibid., p. 298).

0 DINHElRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 69

duc;ao -, foi abertamente proclamado por alguns socialistas ingleses, uns es­crevendo antes, outros depois de Gray. 28 Mas estava reservado ao Sr. Proud­han e a sua escola o "sermao" mais serio sobre a degradac;.ao do dinheiro e a apoteose da mercadoria, como sendo o nucleo do socialismo, reduzindo as­sim o socialismo a urn desconhecimento da necessaria conexao entre a merca­doria e o dinheiro. 29

II - MEIO DE CIRCULA9AO

Depois de a mercadoria obter, no processo de fixac;ao de prec;os, a forma que a torna apta para a circulac;ao, e o ouro adquirir seu carater monetario, a circulac;ao apresentara e ao mesmo tempo resolvera as contradic;oes, circuns­critas ao processo de troca. A troca efetiva de mercadorias, isto e, o metabolis­mo social, se realiza numa alterac;ao de forma, na qual se desdobra a natureza dupla da mercadoria como valor de uso e valor de troca, mas sua propria alte­rac;ao de forma se cristaliza simultaneamente em formas determinadas de dinheiro.

A apresentac;ao dessa alterac;ao de forma nao e outra coisa senao a apre­sentac;ao da circulac;ao. Como ja vimos, a mercadoria nada mais e que valor de troca desenvolvido, se · se pressupoe urn mundo . de . mercadorias e, com is­so, uma divisao de trabalho efetivamente desenvolvida, assim tambem a circu­Iac;ao pressupoe atos de troca generalizados e urn fluxo constante de sua reno­vac;ao. A segunda pressuposic;ao e que as mercadorias entrem para o proces­so de troca como mercadorias com preqos determinados ou que apare~am re­ciprocamente dentro do mesmo processo como existencias duplas, realmente como valores de usos, idealmente, no prec;o, como valores de troca.

Nas ruas mais movimentadas de Londres, as lojas se espremem, uma ao lado da outra, e atras sle seus cegos olhos de vidro30 brilham todas as riquezas do mundo: xales da India, revolveres americanos, porcelana chinesa, esparti­lhos parisienses, peles da Russia e especiarias tropicais, porem todas essas coi­sas mundanas trazem bern visfveis os fatais rotulos esbranquic;ados, em que estao gravados algarismos arabicos com caracteres lac6nicos £, s., d. Tal e a imagem que a mercadoria oferece ao aparecer na circulac;ao.

a) A Metamorfose das Mercadorias

Considerado mais de perto, o processo de circulac;ao apresenta duas formas distintas de circuitos. Se chamamos M a mercadoria, e D ao dinheiro, podemos en­tao expressar am bas as formas como:

M-0-M

0-M-D

Nesta sec;ao nos ocuparemos exclusivamente da primeira dessas formas, isto e, da forma imediata da circulac;ao de mercadorias.

0 circuito M-0-M decompoe-se em: movimento M-D, troca de mercadoria por dinheiro, ou uenda, movimento contrario 0-M, troca de dinheiro por mercado-

28 Ver, por exemplo, THOMPSON, W. An Inquiry into the Distribution of Wealth etc. Londres, 1824. BRAY. Labour's Wrongs and Labour's Remedy. Leeds, 1839. 29 Como compendia dessa melodramAtica teoria moneffiria pode-se considerar: DARlMON, Alfred. De Ia Rejorme des Banques. Paris, 1856. 30 Refere-se as vitrinas antiga~, pequenas e de vidro fundido. Dai a expressao "cegos olhos de vidro". (N. doT.)

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ria, ou compra, e na unidade de ambos os movimentos M-D-M troca de mercado­ria por dinheiro, para trocar dinheiro por mercadoria, ou ue~der para comprar. Contudo, o resultado desse processo e M-M, troca de mercadoria por mercadoria ou o metabolismo efetivo. '

. Se partirm~s do primeiro extrema, M-D-M apresenta a transformasao da pri­metra mercadona em ouro, e sua reconversao de ouro em mercadoria. E urn movi­mento em que a mercadori~ exis~e primeiramente como valor de uso particular, e que logo apaga essa sua eXJstenc~a para receber uma nova existencia como valor de troca ou ~quivalente geral, existencia esta desprovida de qualquer conexao com seu ant~nor modo de ser natural; mas perde essa existencia novamente para vol~r a ser finalmente valor de uso efetivo, destinado a satisfazer a necessidades particulares. Nessa sua Ultima forma, sai da circula~ao para o consume. Por isso 0 conjunto da circula~ao M-D-M constitui, em primeiro Iugar, a serie total das m~ta­morfoses percorridas por cada mercadoria particular para ser imediatamente valor d.e uso para o seu dono. A primeira metamorfose se realiza na primeira metade da Clrcul~c;~o M-D •. e a seg~nda, na outra metade D-M; a circulac;ao em seu conjunto constltut o cumculum urtae da mercadoria. Todavia, a circula~ao M-D-M e apenas a meta.morfose total de uma (mica mercadoria, ao mesmo tempo que e soma de determm.ada.s metamorfoses parciais de outras mercadorias, pois toda metamorfo­s~ da pnmetra mercadoria consiste em sua transformac;ao em uma outra mercado­n~, e .tambem transformac;ao da outra mercadoria na primeira, isto e, transforma­c;ao btlateral, que se realiza em uma mesma fase da circulac;ao. Primeiramente te­mos de considerar cada urn dos dois processes de troca em que se decompoe a cir­cula~ao M-D-M.

M-D ou uenda: M, a mercadoria, entra no processo de circula<;ao nao somen­te como valor de uso particular, por exemplo, tonelada de ferro, mas como valor de uso de prec;o determinado, digamos, 3 Iibras esterlinas, 17 xelins e 10 112 pen­~e, ou 1 onc;a de ouro. Enquanto, por urn !ado, esse pre~o e o expoente da quan­tia de tempo de tra~alho contida no ferro, ou seja, sua grandeza de valor, por ou­tro la?o, expressa stmultaneamente o desejo piedoso do ferro de tomar-se ouro, ou _seJa, de dar ao tempo de trabalho contido nele a figura do tempo de trabalho so~tal g~ral. Se nao conseguir realizar essa transubstancia~ao, a tonelada de ferro ~etxa na:> somente de ser mercadoria como tambem produto, pois s6 e mercado­na por nao ser valor de uso para seu possuidor; ou seu trabalho s6 e trabalho efeti­vo enquanto trabalho uti! para outre, e para si s6 e uti! como trabalho abstratamen­te geral. Por isso,_ e tarefa do ferro, ou de seu possuidor, descobrir o Iugar no mun­do das ~ercadonas, onde o ferro atraia ouro. Essa dificuldade, o sa/to mortale da me_r~adona , .e sup:_rad~ se a venda se realiza efetivamente, como se supos aqui, na anahse da ctrculac;ao stmples. Uma tonelada de ferro, ao se realizar como valor de uso por sua alienac;ao, isto e, por sua passagem das maos em que era urn nao-va­lor de uso para as maos em que e valor de uso, realiza ao mesmo tempo o seu pre­c;o, e de ouro mer?mente re~resentado torna-se ouro efetivo. 0 Iugar do nome on­~a de ouro, ou 3 hbras esterhnas, 17 xelins e 10 112 pence e agora ocupado por 1 o~c;a ~e ouro efeti~o, mas a tonelada de ferro desocupou o Iugar. Pela venda M-D nao so a mercadona, que no seu pre~o estava idealmente transformada em ouro se transforma agora realme.nte em ouro, como tambem, atraves do mesmo proces~ so, o. ouro, que como medtda de ~alores era apenas ouro ideal, e que de fato ape­nas fi~ura~a com? n~me ~onetano das mesmas mercadorias, agora se transforma em dmhetro efetivo. Asstm como este se tamara idealmente equivalente geral,

31 "A moecia i! de duas modalldades, Ideal e real; e i! usacia de dois modos distintos, para avaliar as coisas e ra as c?mprar. A moeda Ideal i! ~o apro~riacia para avaliar quanto a real, ou talvez mais aincia. 0 outro uso cia rnoeS: con· SlSte e~ comprar as co~ que avalia ... Os pr~os e os contratos sao avaliados em moeda ideal e reallzados em moe­cia real (GALIANI. Op. crt. , p. 112 et seqs.J.

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0 DINHEIRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 71

porque todas as mercadorias mediam seu valor por ele, o ouro se converte agora em produto da alienac;ao multilateral das mercadorias (a venda M-D e o processo dessa alienac;ao geral), em mercadoria absolutamente alienavel, em dinheiro real. No entanto, o ouro s6 se toma dinheiro real na venda, porque os valores de troca das mercadorias ja eram, nos prec;os, ouro ideal.

Na venda M-D, como tambem na compra D-M, duas mercadorias se defron­tam como unidades de valor de troca e valor de uso; mas na mercadoria seu valor de troca existe apenas idealmente como prec;o, enquanto no ouro, apesar de ser ele pr6prio urn valor de uso efetivo, seu valor de uso ~xiste apenas c<:mo portador de valor de troca, isto e , apenas como valor de uso formal, sem relac;ao com qual­quer necessidade individual efetiva. A oposic;ao entre valor de uso e valor de tr?ca reparte-se na forma de uma polarizac;ao, nos dois extremes de M-D, da segum~e maneira: face ao ouro (D) a mercadoria (M) e unicamente urn valor de uso, CUJO valor de troca ideal tern ainda que realizar, ou seja, tern ainda que realizar seu pre­c;o em ouro; do outro !ado esta o ouro face a merc_?d~ria, neste momen!o. apenas como valor de troca cujo valor de uso formal esta amda por se matenahzar em mercadoria. Soment~ pelo desdobramento da mercadoria em mercadoria e ouro, e pela relac;ao, igualmente dupla e inversa, na qual cada termo extrema e ideal­mente o que seu contrario e realmente e vice-versa, em suma, somente pela apre­sentac;ao das mercadorias como oposic;oes polarizadas bilaterais e que se resolvem as contradic;oes contidas em seu processo de troca.

Consideramos ate agora M-D como venda,_ transformac;ao de mercadoria em dinheiro. Mas se nos colocarmos do ponte de vista do outre extrema, o mesmo processo nos parecera, ao contrario, D-M, ou seja, compra, transformac;ao de di­nheiro em mercadoria. A venda e, necessariamente e ao mesmo tempo, seu con­trario, a compra: e uma ou a .outra, conforme se considere o proce:s~ deste ou de outre ponte de vista. Ou melhor, na efetividade o pro~esso se .dtstingue apenas porque em M-D a iniciativa parte do extrema mercadona, ou se)a, do vendedor, enquanto em D-M parte do extrema dinheiro, ou seja, do comprad<:r. Porta~to, ~o apresentar a primeira metamorfose da mercado.ri~, . sua transfor:mac;ao_ em dmhetro como resultante do fato de haver percorrido a pnmetra fase da ctrculac;ao M-D, esta­mos supondo com isso que a outra mercadoria ja tenha si~o tran:formada em C:U­nheiro, e que, portanto, ja se encontra na se~nda fase _ da_ c1r~ulac;a~ D:M. Co~ IS­

so cafmos num cfrculo vicioso das pressupostc;5es. A propna ctrculac;ao e esse ctrcu­lo vicioso. Se nao consideramos D em M-D como metamorfose de outra mercado­ria, que se deu anteriormente, o que fazemos e retirar o ato de troca para fora do processo de circulac;ao. Contudo, retirada de:te processo, a forma ~-D desap_are: ce, pois defronta-se com duas M diferentes, dtgamos ferro e ouro, CU]a troca na~ e urn ato particular da circulac;ao, mas de troca direta. No process? de sua produc;ao,

0 ouro e uma mercadoria como qualquer outra. Seu valor relativo, como o do fer­ro ou de qualquer outra mercadoria, manifesta-se aqui nas quantidades em que se trocam mutuamente. Mas no processo de circulac;ao tem-se essa operac;ao como pressuposta, pois nos prec;os das mercadorias ·j[. esta d~do o_ pr6prio valo~ do 0 ouro. Por isso, nao pode haver nada mais erroneo do que tmagtnar que _no mtenor d? processo de circulayao o ouro e a mercadoria estabelecem _uma relac;ao de troca dt­reta, e que em func;ao disso seu valor relative e estab:Jectdo pela tr~ca de ambos como simples mercadorias. Se no processo de circ~lac;ao parece ter. stdo trocad~ o ouro como mera mercadoria, por outras mercadonas, essa aparencta provem stm­p\es~ente de que, nos prec;os, determinada quantidade de mercadoria ja es~ ig~a­Jada a determinada de ouro, isto e, ja esta relacionada com o ouro como dmhetr?, como equivalente geral, e que e , por isso, diretamente permutavel com o pr6pno ouro. Na medida em que o prec;o de uma mercadoria se realiza em ouro, troca-se por ouro como mercadoria, como encama<;ao particular do tempo de trabalho;

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con_tudo, na medida em que o ouro seja o seu prego, que nele se realiza, a merca­dona se troca por ouro como dinheiro e nao como mercadoria isto e troca-se por ouro como encamac;ao geral do tempo de trabalho. Mas err: ambo's os casas a quantia de ouro, com que a mercadoria se troca dentro do processo de troca e de­t~rminad~ nao pela troca, mas sim a troca e determinada pelo prec;o da m~rcado­na, ou se]a, por seu valor de troca avaliado em ouro. 32

Esteja nas maos em que estiver, dentro do processo de circulac;ao, 0 ouro apa­rece como resultado de M-D, a venda. Mas como M-D, venda, e ao mesmo tempo D-M, compra, con_stat~-se que, enquanto M, a mercadoria iniciadora do processo, empreend~ sua pnme1ra. metamorfose, a outra mercadoria, que, como extrema D, aparece d1ante dele,. realiZC: sua segunda metamorfose, e por isso percorre ja a se­gunda metade da c1rculac;ao, enquanto a primeira mercadoria ainda se encontra na primeira metade do seu curso.

0 ponto de p~rtid~ do segundo processo de circula<;ao, o dinheiro, surge co- · mo. resultado d~ pnme1ro processo, da venda. 0 Iugar da mercadoria, em sua pri­~e1ra forma, fo1 ocupado por seu equivalente em ouro. Esse resultado pode ini­CI~Ime.nte, ~ar luga! a uma pausa, ja que a mercadoria nessa segunda forma 'pas­SUI eXJstencla pr6pna e duradoura. A mercadoria, que nas maos do seu dono nao era valor de uso, existe agora numa forma permanentemente utilizavel, porque e uma forma permamentemente permutavel, e sao as circuns~ncias que decidirao o mo~ento ~ o ponto da superficie do mundo das mercadorias em que ela reentrara na c1~cula<;ao. Seu estado de crisalida de ouro constitui urn periodo autonomo de s~a v1da, no qual pode demorar-se urn tempo maior ou menor. Enquanto na troca d1reta a troca de urn valor de uso particular esta diretamente lig~da a troca de urn outr<;> valor de uso particular, o carater geral do trabalho, que poe valor de troca mamfesta-se na separa<;ao e na disjun<;ao indiferente dos atos de compra e venda. '

D-M,_ a. compra, e o movimento inverso de M-D, e e, ao mesmo tempo, a se­gunda e ultima metamorfose da mercadoria. Como ouro, ou em seu modo de ser como equivalente geral, a mercadoria pode apresentar-se imediatamente nos valo­res de uso de todas as outras mercadorias, cujos prec;os ja visam ao ouro como se tratasse de sua vida de alem-tumulo. Mas ao mesmo tempo indicam a nota na qual deve ressoar o ouro, qu~ se deve dar para que seus corpos, os valores de uso, passer:n para o Iugar do dmheiro, embora sua alma, o valor de troca, passe pa­ra o pr6pno ouro. 0 produto geral da aliena<;ao das mercadorias e a mercadoria a~solutamente alienavel. Ja nao existe mais barreira qualitativa para a transforma­<;a? do ou~o em mercadoria, mas apenas uma limita<;ao quantitativa, a da sua pr6-pna quantidade_ ou grandeza de valor. "Com dinheiro vivo compra-se tudo!" En­quanta. no mov1me~to M-D, gra<;as a sua alienac;ao como valor de uso, a mercado­na reahza seu pr6pn~ pre'!_O e o valor de uso do dinheiro alheio, ja no movimento D-M, grac;as a sua ahenac;ao como valor de troca, realiza seu pr6prio valor de uso e o pre<;o da ou~ra ~ercad~ria. Se, ao realizar o seu prec;o, a mercadoria transfor­m~ o ouro em dmhe1r~ ef~tivo, pela_ sua reconversao, ela confere ao ouro seu pr6-pno mo~o de ser. ~a~s1t6no como dmheiro. Visto que a circulac;ao das mercadorias pressupoe uma d1v1sao do trabalho desenvolvida, o que implica a pluralidade das necess1dades de cada urn em proporc;ao inversa a singularidade de seu produto, a ~ompra D-~ se apresentara ora em uma equa<;ao com urn equivalente-mercado­na, ora se d1spersara em uma serie de equivalentes-mercadorias circunscrita agora p~lo am?ito das necessidades do comprador e pela soma de di~heiro de que dis­poe. Ass1m como a venda e simultaneamente compra, por sua vez a compra e tam-

32 lsso nao impede, naturalmente, que o pre~ de mercado das mercadorias esteja acima ou abaixo de seu valor Con· tudo, essa consldera~o ~ estranha 3 circula~o simples e pertence a uma outra esfera, totalmente dJierente, que· consi· deraremos mais adlanle ao estudar a rela¢<> do valor e do pr~o de mercado.

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bern venda, D-M e ao mesmo tempo M-D, apenas que nesse caso a iniciativa e to­mada pelo ouro, ou seja, pelo comprador.

Se voltamos agora para o conjunto da circula<;ao M-D-M, veremos que eviden­cia o percurso total das metamorfoses de uma mercadoria. Entretanto, ao mesmo tempo que uma primeira mercadoria inicia a primeira metade da circula<;ao e reali­za sua pr6pria metamorfose, uma segunda mercadoria entra na segunda metade de sua circulac;ao, realiza sua segunda metamorfose saindo da circula<;ao; e entao a primeira mercadoria entra para a segunda metade de sua circulac;ao, realiza sua segunda metamorfose e sai fora da circulac;ao, enquanto uma terceira mercadoria entra em circula<;ao, perfaz a primeira metade de seu curso e efetua sua primeira metamorfose. Portanto, a circulac;ao total M-D-M, como totalidade de metamorfo­ses de uma certa mercadoria, e sempre o final da totalidade de metamorfoses de uma segunda mercadoria, ao mesmo tempo que e inicio do conjunto de metamor­foses de uma terceira mercadoria, ou seja, e uma serie sem comec;o nem fim. Para maior clareza e distlnc;ao das mercadorias envolvidas em M-D-M, designemos M de forma diferente em cada urn dos extremos, assim: M'-D-M". De fato, o primei­ro membra M' -D supoe D como resultado de urn outro M-D, isto e, ele pr6prio e apenas o ultimo membro de M-D-M', enquanto o segundo membro D-M" e M" -D em seu resultado; portanto, ele pr6prio se apresenta como primeiro membra de M" ,D-M' ", e assim por diante. Alem disso, e possivel que o ultimo membra, ain­da que D seja resultado de uma unica venda, se apresente como D-M' + D-M" + D-M"' + etc., que se fragmente, portanto, numa grande quantidade de atos de compra, isto e, numa grande quantidade de atos de venda, isto e, numa grande quantidade de primeiros membros de novas totalidades de metamorfoses de mer­cadorias. E se, como vimos, a totalidade de metamorfoses de uma unica mercado­ria se apresenta nao apenas· como elo de uma cadeia de metamorfoses sem princi­pia nem fim, como tambem constitui muitas dessas cadeias, o processo de circula­<;ao do mundo das mercadorias se apresenta como urn intrincadissimo emaranha­do de cadeias desse tipo que esta sempre terminando e sempre se reiniciando em infinitos pontos diferentes, tendo em vista que cada mercadoria individual percorre a circula<;ao M-D-M. Entretanto, toda venda ou compra individual consiste em urn ato isolado e indiferente, cujo ato de complementa<;ao pode se distanciar no tem­po e no espa<;o, sem que este necessite estar ligado diretamente aquele. Qualquer processo de circulac;ao particular M-D ou D-M, como transforma<;ao de uma merca­doria em valor de uso, e de uma outra em dinheiro, primeiro e segundo estagios da circula<;ao, constitui urn ponto de parada autonomo nos dois sentidos; e, alem do mais, todas as mercadorias iniciam sua segunda metamorfose na figura do equi­valente geral que lhes e comum - do ouro - e se colocam no ponto de partida da segunda metade de sua circulac;ao. Em func;ao disso, na circulac;ao efetiva, urn D-M qualquer se alinha ao lado de urn M-D qualquer, ligando o segundo capitulo da biografia de uma mercadoria ao primeiro capitulo de uma outra. A, por exem­plo, vende ferro por 2 Iibras esterlinas, efetua-se M-D ou a primeira metamorfose da mercadoria ferro, mas prorroga a compra para outra ocasUio. Ao mesmo tem­po, B compra, em Moises & Filho, urn terno pelas mesma~ 6 Iibras esterlinas que havia obtido na venda de uma fanga de trigo, duas semanas antes. B realiza, par­tanto, D-M ou a segunda metamorfose da mercadoria trigo. Ambos os atos, M-D e D-M, sur~em aqui apenas como elos de uma cadeia porque em D, no ouro, as mercadonas se parecem umas com as outras, pois no ouro nao se pode reconhe­cer se se trata de metamorfose de ferro ou de trigo. No processo de circula<;ao efeti­vo M-D-M se apresenta, com efeito, como uma justaposi<;ao e uma sucessao infini­ta e casual de membros entrela<;ados de diferentes totalidades de metamorfoses. Enfim, o processo de circula<;ao efetivo aparece nao como totalidade de metamor­foses de uma mercadoria, nao como o seu movimento atraves de fases opostas,

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mas sim como mero agregado de numerosas compras e vendas, processando-se casualmente uma ao !ado, ou depois, da outra. Assim, a determinidade formal des­se processo esta completamente apagada tanto mais quanto todo ato individual de circulac;ao, por exemplo, a venda, e simultaneamente o seu contrario, a compra, e vice-versa. Por outro !ado, o processo de circulac;ao e o pr6prio movimento das metamorfoses do mundo das mercadorias e deve, por isso, refleti-lo, reproduzi-lo na totalidade de seu movimento. Como se da essa reprodu<;ao, veremos na pr6xi­ma se<;ao. Aqui cabe apenas observar que em M-D-M os dois extremos M nao es­tao na mesma rela<;ao formal com D. 0 primeiro M e uma mercadoria particular e relaciona-se com o dinheiro, como mercadoria geral, enquanto o dinheiro e a mer­cadoria geral e se relaciona com o segundo M que e uma mercadoria individual. Oaf ser possfvel traduzir M-D-M para o plano da l6gica abstrata na forma silogfstica P-G-1 em que a particularidade constitui o primeiro extrema, a generalidade o ter­mo medio, e a individualidade o ultimo extremo.

Os possuidores de mercadorias entraram no processo como simples ~~rdUies das mercadorias. Dentro desse processo eles se defrontam na forma oposttiva de comprador e vendedor, um personificando o ac;ucar, por exemplo, o outro personi­ficando o ouro. Assim como o ac;ucar se torna ouro, o vendedor se torna compra­dor. Esses caracteres socials determinados nao surgem absolutamente da individua­lidade humana mas sim das relac;oes de troca dos homens que produzem os seus produtos na forma determinada de mercadoria. As relac;oes, que se exprimem na relac;ao entre o comprador e vendedor, sao tao pouco puramente individuals que ambos entram nesse relacionamento somente e na medida em que negam seu tra­balho individual, isto e, s6 na medida em que nao e trabalho de um indiufduo e que [esse trabalho] se torna dinheiro. Conceber esses caracteres economicamente burgueses de comprador e vendedor como formas socials eternas da individualida­de humana e tao ridfculo quanto e absurdo deplor<1-las como aniquiladoras da indi­vidualidade. 33 Constituem a manifestac;ao necessaria da individualidade em uma determinada etapa do processo de produ<;ao social. Alias, na oposic;ao comprador­vendedor, a natureza antagonica da produ<;ao burguesa se exprime de uma forma ainda tao superficial e formal que tal oposi<;ao pode ser encontrada em outras for­mas de sociedade pre-burguesas, pois ela exige apenas que os indivfduos se rela­cionem entre si como donos de mercadorias.

Se consideramos agora o resultado de M-0-M, teremos apenas o metabolis­mo M-M. A mercadoria foi trocada por mercadoria, valor de uso por valor de uso, e a transformac;ao da mercadoria em dinheiro, ou seja, a tnercadoria sob a forma de dinheiro, serve apenas como mediac;ao desse metabolismo. 0 dinheiro aparece assim como mero meio de troca das mercadorias, mas nao como meio de troca em geral: aparece como meio de troca caracterizado pelo processo de circulac;ao, isto e, como meio de circulaqiio. 34

33 0 seguinte extrato das Le,ons sur /'lndustrie et les Finances (Paris, 1832), de Isaac P<!reire, mostra at<! que ponto !e­re as boas almas Inclusive a forma mals superficial do antagonismo que se manilesta na compra e venda. 0 Into de que esse mesmo Isaac, como Inventor e ditador do "Cr~dlt mobilier", leve a lama de ter sido o terror da Bolsa de Pa­ris, mostra tamb~m o que se deve pensar da sua crltica sentimental da economia. P<!reire, que na ocasU!o se apresenta­va como urn ap6stolo de Saint-Simon, diz: " Porque os indlvlduos se acham isolados e separados uns dos outros, seja em seus trabalhos, seja no consume, hc1 entre eles intertambio dos produtos de sua respectiva indGstria. Da necesslda­de da troca derivou a de determinar o valor relative dos objetos. As id~las de valor e de troca acham-se, pols, dlreta­mente entrela~das e ambas, em sua forma atual, expressam o indlvidualismo e o antagonlsmo ... Pode-se lixar o valor dos produtos apenas porque h~ venda e compra, ~m outras palavras, porque hc1 antagonlsmo entre os dlversos mem­bros da sociedade. POde•se tratar do pre~o e do valor porque existiram venda e compra, isto ~. porque cada lndlvfduo vi u-se obr1gado a lutor para consegulr os objetos neces5Mos a conserva~o da sua vida" (Op. cit., p. 2, 3 passim). 34 "0 dlnhelro <! apenas o melo e a lo~ em movimento, ao passo que as mercadorias ateis A vida s!o o objetivo e o lim" (BOISGUILLEBERT. Le D~toi/ de Ia France. 1697. In: DAIRE, Eugene. Economistes FlnandeiS du XVJ/1 Sl~c/e. Paris, 1843. v. I, p. 210).

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Pretender concluir que entre a compra e a venda existe apenas a unidade e nao a separac;ao - pelo fato de que o processo de circulac;ao das mercadorias se reduz a M-M, e que parece ser, por isso, troca direta, apenas mediada pelo dinhei­ro, ou entao porque M-D-M nao s6 se fragmenta em dois processos isolados como ao mesmo tempo apresenta sua unidade m6vel - e uma maneira de pensar cuja crftica deve ser feita a partir da L6gica e nao a partir da Economia. Assim como a separa<;ao entre compra e venda no processo de troca destroc;a,as barreiras do me­tabolismo social, barreiras estas marcadas de um primitivismo local, de um tradicio­nalismo piedoso e de uma parvofce aconchegante, essa separa<;ao constitui igual­mente a forma geral de ruptura e oposi<;ao de seus momentos integrantes, em su­ma, e a possibilidade geral das crises comerciais, mas somente porque a oposic;ao entre a mercadoria e o dinheiro e a forma geral e abstrata de todas as oposic;oes contidas no trabalho burgues. A circulac;ao monetaria pode se dar sem crises; mas sem circulac;ao monetaria nao existem crises. Contudo, isso significa apenas que, onde o trabalho, baseado na troca privada, ainda nem progrediu ate a formac;ao do dinheiro, por certo nao pode produzir fenomenos que pressupoem um comple­to desenvolvimento do processo burgues de produ<;ao. Assim podemos avaliar ate que ponto e profunda uma crftica que pretende remover os "inconvenientes" da produc;ao burguesa por meio da abolic;ao do "privilegio" dos metals preciosos (substitufdo) por um pretenso "sistema monetario racional". Como amostra de apologetica economicista, bastara trazer aqui uma citac;ao cuja extraordinaria pers­pic<kia deu muito o que falar. Eis o que diz JAMES MILL, o pai do conhecido eco­nomista ingles John Stuart Mill:

"Nao pode haver nunca deficiencia em compradores para todas as mercadorias. Quem quer que ponha .a venda uma mercadoria exige sempre uma outra em troca, sendo por isso comprador pelo simples fato de ser vendedor. Compradores e vendedo­res, tornados em conjunto, devem manter o equilibria por uma necessidade metaffsi­ca. Desse modo, se houver mais vendedores que compradores para uma certa merca­doria, deve haver for~osamente mais compradores que vendedores de uma outra mer­cadoria".35

Mill cria o equilfbrio, primeiro, transformando o processo de circula<;ao em co­mercio de trocas diretas, e depois contrabandeando, para o comercio de trocas di­retas, as figuras de comprador e vendedor tomadas do processo de circula<;ao. Usando sua linguagem confusa, nos momentos em que todas as mercadorias sao invendaveis, como aconteceu, por exemplo, em Londres e Hamburgo durante a crise comercial de 1857/58, havia de fato mais compradores que vendedores de uma mercadoria, o dinheiro, e mais vendedores que compradores de todos os ou­tros dinheiros, as mercadorias. 0 equilfbrio metaffsico das compras e vendas limita­se ao fato de que toda compra seja uma venda, e toda venda uma compra, o que nao e nenhum consolo especial para os guardiaes das mercadorias que nao conse­guem conduzi-las A venda, e, por conseguinte, tampouco a compra. 36

3S Em novembro de 1807 apareceu na lnglaterra um trabalho de William Spence intitulado Britain Independent of Commerce cujo pr1ndpio fol retomado por William Cobbett em seu Political Register e desenvolvido de forma alnda mais radical: Perish Commerce (Aba!xo o com~rcio). Como resposta, James Mill publicou em 1808 a Defence of Com­merce onde j6 se encontra o argumento citado no texto a sua obra Elements of Political Economy. Na pol~mlca com Sismondl e Malthus sobre as crises comerclais, J.-B. Say apropriou-se dessa interessante descoberta, e como <! real­mente impossfvel dizer com que nova ld~ia este r1dfculo prince de Ia science contribulu para o enr1queclmento da Eco­nornla Politica - o seu m~r1to consistiu na lmparcialldade com que deturpou os contemporaneos Malthus, Sismondl e Ricardo -, os seus admlradores no Cont!nente celebraram·no como o homem que desenterrou esse lamoso tesouro do equilrbrio metafrslco das compras e vendas. 36 Os exemplos que seguem perrnltirao ver a forma como os economis1as apresentam as dlferentes deterrnlna¢es for­mals constitutivas da mercadoria.

"De posse do dinheiro, basta-nos fazer uma troca para obter o objeto de nossos desejos, ao passo que com outros

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76 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLITICA

A separa<;ao entre venda e compra possibilita, ao Jado do comewo propria­mente dito, uma serie de aparentes transac;oes, antes que se realize a troca definiti­va entre produtores e consumidores de mercadorias. lsso possibilita a uma massa de parasitas invadir o processo de produc;ao e explorar essa separac;ao. Mas isto tambem nada mais significa que, com o dinheiro como forma geral do trabalho burgu~s. esta dada a possibilidade do desenvolvimento de suas contradic;oes.

b) A Circula~ao do Dinheiro

A circulac;ao efetiva se apresenta primeiro como uma massa de compras e ven­das casuais e paralelas. Na compra, como na venda, defrontam-se mercadoria e di­nheiro sempre no mesmo relacionamento, o vendedor ao lado da mercadoria, e o comprador ao lado do dinheiro. Dinheiro como meio de circulac;ao aparece por is­so sempre como meio de compra, com o qual suas diferentes determinac;6es toma­ram-se irreconhecfveis nas fases opositivas em que se da a metamorfose das merca­dorias.

No mesmo ato em que a mercadoria passa para as maos do comprador, o di­nheiro vai para as maos do vendedor. Mercadoria e dinheiro andam, portanto, em direc;oes opostas, e essa troca de Iugar, que consiste na passagem da mercadoria para urn )ado e do dinheiro para o outro, se realiza a urn mesmo tempo em urn nu­mero indefinido de pontos de toda a superffcie da sociedade burguesa._ Contudo, o primeiro passo da mercadoria na circulac;ao e tam bern seu ultimo. 37 E indiferente se ela muda de Iugar porque o ouro foi atrafdo por ela (M-D), ou porque o ouro a atraiu (D-M), o fato e que com urn (mico empurrao, com uma (mica mudanc;a de Iugar, cai da circulac;ao para o consumo. A circulac;ao e urn movimento continuo de mercadorias, mas sempre de outras mercadorias, pois nenhuma mercadoria se movimenta mais de uma vez. Toda mercadoria inicia a segunda metade de sua cir­culac;ao nao como a mesma mercadoria, mas como outra mercadoria, como ouro. 0 movimento da mercadoria que sofreu a primeira parte da sua metamorfose e, portanto, o movimento do ouro. A mesma moeda, ou a mesma pec;a de ouro, que uma vez trocou de Iugar com uma mercadoria, num ato M-D, aparece agora, ao contrario, como ponto de partida de D-M e muda de Iugar uma segunda vez com outra mercadoria. Assim como a pec;a de ouro passou das maos do comprador B para as maos do vendedor A, passa agora das maos de A, convertido em compra­dor, para as maos de C. 0 movimento da forma de uma mercadoria, sua transfor­ma<;ao em dinheiro, e sua retransformac;ao de dinheiro em mercadoria, ou o movi­mento da metamorfose total de uma mercadoria se apresenta, portanto, como o movimento exterior da mesma pec;a de moeda, que troca duas vezes de Iugar com duas mercadorias diferentes. Por mais fragmentaria e ocasionalmente que as com­pras e vendas se justaponham, na circulac;ao efetiva urn vendedor sempre se depa­ra com urn comprador, e o dinheiro que toma o Iugar da mercadoria vendida deve ja ter trocado de Iugar uma vez com outra mercadoria antes de ter vindo para as

produtos excedentes e necessario razer duas operac;Oes, sendo a primeira (a obtenc;ao do dinheiro) infinitamente mais dille\! do que a segunda." (OPDYKE, G. A Treatise on Politico/ Economy. Nova York. p. 287-288).

"Se o dinheiro pode vender-se mais /acilmente, e precisamente como e/eito ou conseqUenda natural de as merca­dor1as serem mais dificilmente vend6veis." (CORBERT, Th. An Inquiry into the Causes and Modes of the Weolth of fn­diuidua/s etc. Londres, 1841, p. 117). "0 dinheiro tem a peculiaridade de ser sempre permu!Avel com aquilo que ele mede." (BOSANQUET. Metallic, Paper and Credit Currency etc. Londres, 1842. p. 100.) "0 dinheiro pode comprar sempre outras mercadorias, ao passo que as outras mercadorias nem sempre podem comprar dinheiro." (TOOKE, Th. An Inquiry into Currency Principle. 2,. ed., Londres, 1844, p. 100.) 37 A mesma mercadoria pode ser comprada e vendida vArias vezes. Ela jA nao circula a trtulo de simples mercadoria, mas tem uma determma~o constitutiva que nl!o exlste ainda, do ponto de vista da clrculac;iio simples, na simples opo­si~l!o entre mercadorias e dinheiro.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;AO SIMPLES 77

maos do comprador. Por outro )ado, cedo ou tarde, sai novamente das maos do vendedor, convertido em comprador, para as de urn novo vendedor, e nestes seus deslocamentos, que se repetem frequentemente, exprime-se o encadeamento das metamorfoses das mercadorias. As mesmas pec;as de moeda mudam, portanto, de urn Iugar da circulac;ao para outro, sempre em direc;ao oposta a mercadoria movi­da, umas mais, outras menos freqtientemente, descrevendo em seu movimento urn trajeto de circulac;ao maior ou menor. A sequencia dos distintos movimentos da mesma pec;a de moeda s6 e possfvel no tempo, ao contrario da multiplicidade e da fragmentac;ao das compras e vendas que se manifestam nas trocas de Iugar en­tre as mercadorias e o dinheiro, que sao simultaneas, individuals e contrguas.

Em sua forma simples, a circulac;ao de mercadorias M-D-M se realiza na trans­Iac;ao do dinheiro das maos do comprador para as do vendedor, e das maos deste, convertido em comprador, para as de urn novo vendedor. Com isso termina a me­tamorfose da mercadoria e, em consequ~ncia, o movimento do dinheiro, enquan­to seja este a expressao daquela. Mas como sao constantemente produzidos novos valores de uso sob a forma de mercadorias, que devem por isso permanentemente ser lanc;ados de novo na circulac;ao, M-D-M se repete e se renova entre os mesmos possuidores de mercadorias. 0 dinheiro que despenderam como compradores vol­ta-lhes as maos tao logo se apresentem de novo como vendedores de mercado­rias. A renovac;ao permanente da circulac;ao de mercadorias se reflete de tal modo no movimento do dinheiro que este nao apenas rola constantemente de mao em mao em toda a superffcie da sociedade burguesa mas, ao mesmo tempo descreve uma soma de pequenos circuitos distintos que partem de pontos infinitamente di­versos e voltam aos mesmos pontos a fim de repetir novamente o mesmo movi­mento.

Se a troca de forma das mercadorias aparece como mera troca de Iugar do di­nheiro e se a continuidade do movimento de circulac;ao fica inteiramente a cargo do dinheiro, pois a mercadoria nao da nunca mais de urn passo em direc;ao oposta ao dinheiro, enquanto este empreende constantemente o segundo passo pela mer­cadoria, e diz B onde a mercadoria disse A, todo movimento parece partir do di­nheiro, embora seja a mercadoria que, na venda, puxe o dinheiro de seu Iugar e que faz, portanto, o dinheiro circular do mesmo modo que, na compra, ela circula por ac;ao do dinheiro. AJem disso, como o dinheiro sempre se defronta com ela no mesmo relacionamento como meio de compra, mas como tal s6 movimenta as mercadorias atraves da realiza<;ao de seus prec;os, o movimento total da circula<;ao aparece de tal forma que o dinheiro troca de Iugar com as mercadorias, realizando os seus prec;os simultaneamente, seja em atos de circulac;ao particulares que se pro­cessam urn ao )ado do outro, seja sucessivamente, quando a mesma pec;a de moe­da realiza diferentes prec;os = mercadorias, urn ap6s ao outro. Se considerarmos por exemplo, M-D-M'-D-M"-D-M'" - etc., sem Jevar em conta os movimento~ qualitativos que se tomaram irreconhecfveis no processo de circulac;ao efetivo, s6 constataremos a mesma operac;ao mon6tona. D, depois de ter realizado o prec;o de M, realiza sucessivamente os de M'-M" - etc. , e as mercadorias M, M', M" etc., colocam-se sempre no Iugar abandonado pelo dinhein;>. Parece, portanto, que o dinheiro faz circular as mercadorias ao re.alizar seus prec;os. Nessa func;ao de realizar os prec;os, o proprio dinheiro circula continuamente, ora trocando simples­mente de Iugar, ora percorrendo urn trajeto da circulac;ao, ora descrevendo urn pe­queno cfrculo, onde coincide o ponto de partida com o ponto de chegada. Como meio de circula<;ao, o dinheiro tern sua propria circula<;ao. Por isso, o movimento de forma das mercadorias em processo aparece como o pr6prio movimento do di­nheiro, movimento mediador da troca das mercadorias im6veis por si mesmas. 0 movimento do processo de circulac;ao das mercadorias se apresenta, portanto, no

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movimento do dinheiro como meio de circula~o - no curso do dinheiro. Como os possuidores de mercadorias apresentaram os produtos de seus traba­

lhos privados como produtos do trabalho social ao transformarem_ uma cois~, o ?u­ro, no modo de ser imediato do tempo de trabalho geral e, por tsso, em dinhetro, o pr6prio movimento generalizado de seus trabalhos pri_vados, pelo <:JUal estes op~­ram seu metabolismo, surge agora para eles como moV!mento pr6pno de uma cot­sa, como circula<;ao do ouro. Para os possuidores de mercadorias, o pr6prio movi­mento social e, por urn !ado, uma necessid~de exterior e, por outro, urn processo mediador puramente formal que permite a cada indivfduo retirar, em troca do valor de uso que lan<;a na circula<;ao, outros valores de uso da mesma dimensao de va­lor. 0 valor de uso da mercadoria come<;a com sua safda da circula~o, enquanto o valor de uso do dinheiro, como meio de circula~o, consiste em que circule. 0 movimento da mercadoria na circula<;ao e apenas urn momenta fugidio, enquanto o incessante deslocar-se em tomo dela converte-se na fun~o do dinheiro. Essa sua fun<;ao especffica dentro do processo de circula~o da ao dinheiro, como meio de circula<;ao, nova determinidade formal, que teremos que desenvolver agora mais minuciosamente.

Em primeiro Iugar, esta clara que a circula<;ao do dinheiro e urn movimento in­finitamente fragmentado, pols nela reflete a infinita fragmenta<;ao do processo de circula<;ao em compras e vendas, assim como a indiferente disjun<;ao das partes complementares da metamorfose das mercadorias. Nos pequenos circuitos do di­nheiro onde o ponto de partida coincide com o de chegada, constata-se certamen­te urn' movimento de retorno, urn movimento circular efetivo; todavia, existe urn numero igual de pontos de partida ao de mercadorias, e alem disso, gra<;as a ~ulti­plicidade indeterminada, esses circuitos escapam a todo controle, a toda medtda e a todo calculo que se queira fazer. Tambem nao se pode determinar o tempo que separa a partida do regresso ao ponto inicial. Mas, por outro lado, e indiferente_ se num caso tal circuito seja descrito ou nao. Nao ha fato economico mais conhectdo do que este: qualquer urn pode gastar dinheiro sem ter necessariamente o que re­ceber de volta. 0 dinheiro parte de pontos infinitamente diferentes e retoma a pon­tos infinitamente diferentes, mas a coincidencia do ponto de partida com o ponto de regresso e casual, pols o movimento M-D-M nao implica necessariamente a re­conversao do comprador erh vendedor. Tampouco a circula<;ao do dinheiro apre­senta urn movimento que se difunde de urn centro a todos os pontos da periferia, refluindo depois de todos os pontos perifericos para o mesmo centro. 0 chamado movimento circular do dinheiro, tal como se imagina, se reduz ao fato de que em todos os pontos se comprova seu aparecer e desaparecer, sua incansavel troca de Iugar. Em uma forma superior de media<;ao da circula<;ao do dinheiro, por exem­plo, na circula<;ao do papel-moeda, veremos que as condi<;oes de emissao do di­nheiro implicam as condi<;oes de seu refluxo. Na cifcula<;ao simples, ao contrario, e casual que o mesmo comprador venha a tomar-se novamente vendedor. Quando movimentos circulares efetivos aparecem af de modo constante, trata-se de meros reflexos de processos de produ<;ao mais profundos. Por exemplo, urn fabricante, que toma dinheiro de seu banqueiro na sexta-feira, paga seus operarios no saba­do, e estes gastarn imediatamente nos armazens a maior parte do dinheiro, que ja na segunda-feira e levado de volta ao Banco pelos negociantes.

Vimos que, nas compras e vendas que se dao contiguamente, o dinheiro reali­za a urn mesmo tempo uma massa dada de pre<;os, e s6 numa unica vez troca de Iugar com as mercadorias. Mas, por outro !ado, na medida em que aparece em seu movimento, o movimento das metamorfoses totals das mercadorias, bern co­mo o encadeamento dessas metamorfoses, a mesma pe<;a de moeda realiza os pre­<;os de mercadorias diferentes, . e da assim urn numero maior ou menor de cursos.

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Se tomarmos portanto o processo de circula~o de urn pafs em urn perfodo dado de tempo, de urn dia, por exemplo, a massa de ouro necessaria para a realiza~o dos pre<;os e, portanto, para a circula<;ao das mercadorias, sera determinada por urn duplo fator: de um·lado, pela soma total de seus pre<;os, de outro, pelo nume­ro media dos cursos da mesma pe<;a de moeda. 0 numero desses cursos ou veloci­dade dos cursos do dinheiro e, por sua vez, igualmente determinado ou exprime apenas a velocidade media em que as mercadorias percorrem as distintas fases das suas respectivas metamorfoses, metamorfoses estas que se sucedem em cadeia, e as mercadorias, que ja percorreram suas metamorfoses, sao substitufdas por novas mercadorias no processo de circula<;ao. Enquanto o valor de troca de todas as mer­cadorias se transforma idealmente em uma quantia de ouro da mesma grandeza de valor, e enquanto em ambos os atos de circula~o isolados, D-M e M-D, existia duplamente a mesma soma de valor, de urn !ado em mercadoria, de outro, em di­nheiro, o modo de ser do ouro como meio de circula~o e determinado nao por seu relacionamento isolado com as mercadorias individuals em repouso, mas por seu modo de ser m6vel no mundo em movimento das mercadorias, por sua fun­<;ao de representar, em sua mudan<;a de Iugar, a altera<;ao de formas das mercado­rias; em suma, por sua fun<;ao de apresentar, na velocidade de sua mudan<;a de Iu­gar, a velocidade da troca de forma das mercadorias. A disponibilidade efetiva do ouro no processo de circula<;ao, ou seja, sua massa efetiva que circula, e, agora, de­terminada por seu modo de ser em funcionamento na pr6pria totalidade do proces-so.

0 pressuposto da circula<;ao do dinheiro e a circula<;ao de mercadorias, pols o dinheiro faz circular mercadorias que ja tern pre<;os, isto e, que ja estao igualadas idealmente a deterrninadas quantidades de ouro. Mesmo na determina<;ao dos pre­<;os das mercadorias, a grandeza de valor da quantia de ouro, que serve de unida­de de medida, ou valor do ouro, e dada como pressuposto. Portanto, sob essa pressuposi<;ao, a quantia de ouro necessaria para a circula<;ao e determinada, em primeiro Iugar, pela soma total dos pre<;os-mercadorias a realizar. Mas essa soma total e ela pr6pria determinada: 1) pelo nfvel relativamente alto ou baixo dos pre­<;os dos valores de troca das mercadorias avaliados em ouro, e 2) pela massa das mercadorias em circula<;ao a determinados pre<;os, portanto pela mas~a das com­pras e vendas a pre<;os dados. 38 Se 5 sacas de trigo custam 60 xelins e necessaria mais outro tanto de ouro para faze-lo circular ou para realizar seu pre<;o do que se­ria necessaria se custasse apenas 30 xelins. Para a circula~o de 500 fangas a 60 xelins e necessano o dobra em ouro do que se necessita para a circula<;ao de 250 fangas a urn mesmo pre<;o. Finalmente, para a circula~o de 10 fangas a 100 xe­lins e apenas necessa.ria a metade do ouro que se necessita para a circula<;ao de 40 fangas a 50 xelins. Segue-se daf que a quantidade de ouro necessaria para a circu­la<;ao das mercadorias pode diminuir, apesar da subida dos pre<;os, se a massa cir­culante das mercadorias sofre uma diminui<;ao em maior propor<;ao que a soma to­tal dos pre<;os. E o inverso pode-se dar, isto e, a massa do meio de circula<;ao po­de aumentar ainda que diminua a massa das mercadorias que estao circulando, no caso de que a soma de seus pre<;os aumente em uma propor<;ao maior. Assim se demonstrou, por exemplo, em excelentes pesquisas minuciosas, que, na Inglaterra, nos primeiros estadios de urn encarecimento· dos cereals, a massa do dinheiro em

38 A ma.ssa de moeda e indiferente, "contanto que haja bastante para manter os pre,.os dados das mercadorias" (BOIS­GUILLEBERT. Op. cit., p. 210). "Se a clrcula~o de mercadorias no valor de 400 mUh6es de Iibras esterlinas exige uma ma.ssa de ouro de 40 milhaes, e supondo que essa propor¢o de 1 para 10 seja o nlvel adequado, no caso de que o valor das mercadorias circulantes sublsse por 111ZIIes naturais a 450 mllhCies, a massa de ouro, para ficar no nl­vel, deveria subir a 45 milhlles". (BLAKE, W. Observations on the Effects Produced by the Expenditure of Go­uemment etc. Londres, 1823, p. 80, 81).

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circula~ao aumenta porque a soma dos pre~os da massa de cereals diminufda e su­perior a soma dos pre~os da massa anterior de cereals, ao passe que persistia sem perturba~ao por algum tempo a circula~o das demais mercadorias com seus pre­~os antigos. Ao contrano, em urn estadio posterior do encarecimento dos cereals cai a massa do dinheiro circulante, seja porque, juntamente com os cereals, sao vendidas menos mercadorias aos pre~os antigos, seja porque se vende o mesmo tanto de mercadorias, porem a pre~os mais baixos.

Entretanto, a quantidade do dinheiro circulante nao e, como vimos, determi­nada so pela soma total dos pre~os das mercadorias a realizar, mas tambem pela velocidade em que o dinheiro circule ou em que, num dado perfodo de tempo, conclua a tarefa dessa realiza($ao. Se 1 mesmo soberano faz dez compras num mes­mo dia, e em cada uma paga-se o pre($o de 1 soberano por mercadoria, trocando dez vezes de mao, 1 soberano cumpre exatamente a mesma tarefa de 10 sobera­nos que circulam independentemente apenas uma vez ao dia.39 A velocidade no curse do ouro pede, portanto, substituir sua quantidade, ou o modo de ser do ou­ro, no processo de circula~ao, nao e so determinado por seu modo de ser como equivalente ao lade da mercadoria mas tambem por seu modo de ser dentro do movimento da metamorfose das mercadorias. Contudo, .a velocidade do curse do dinheiro substitui sua quantidade somente ate urn certo grau, pois, a qualquer me­mento dado, esta sendo efetuado paralelamente urn sem-numero de compras e vendas fragmentadas.

Se os pre($OS das mercadorias em circula($aO aumentam em sua totalidade, mas em menor propor($ao ao aumento da velocidade do curse do dinheiro, caira a massa dos meios de circula($aO. Se, ao contrario, a velocidade na circula($ao dimi­nui em maier propor($ao a queda de pre($OS, da massa das mercadorias em circula­~ao, aumentara a massa dos meios de circula~o. Quantidade crescente dos meios de circula($ao com pre($OS que geralmente baixam, quantidade decrescente dos meios de circula~¥ao com pre($OS que geralmente sobem, e urn dos fenomenos mals bern comprovados na historia dos pre($OS das mercadorias. T odavia, a analise das causas que provocam uma eleva~ao do nfvel dos pre($OS e simultaneamente uma acelera($aO ainda maier da velocidade do curse do dinheiro, bern como das causas que provocam o movimento inverse, esta fora do estudo da circula($ao simples. A tftulo de exemplo, podemos assinalar que, particu/armente nos perfodos em que predomina o credito, a velocidade do curse do dinheiro cresce mais depressa do que os pre($OS das mercadorias, enquanto uma diminw~o do credito provoca uma diminui($aO mais lenta dos pre($OS das mercadorias do que da velocidade da circula­($aO. 0 carater superficial e formal da circula~o simples de dinheiro manifesta-se precisamente em que todos os fatores que determinam o numero dos meios de cir­cula($ao, como a massa das mercadorias em circula($ao, os pre($OS e sua varia($ao, o volume das compras e vendas a urn dado memento, a velocidade do curse do di­nheiro, dependem do processo de metamorfose do mundo das mercadorias, que por sua vez depende do carater global do modo de prodw;ao, do montante da po­pula($ao, da rela($ao entre a cidade e o campo, do nfvel de desenvolvimento dos meios de transporte, do grau da divisao do trabalho, do credito etc., em resume, depende das circunstancias que estao todas elas fora da circula($ao simples do di­nheiro e nela apenas se refletem.

Pressuposta a velocidade da circula($ao, determina-se a massa dos meios de circula($ao simplesmente pelos pre($OS das mercadorias. Nao sao os pre($oS que sao

39 "£ a rapldez de circula~o do dinhelro e nao a quantidade dos metals (em circula¢o) que faz parecer pouco ou mui­to dinheiro" (GAL!ANI. Op. cit., p. 99).

0 D!NHEIRO OU A C!RCULA<;:AO SIMPLES 81

altos ou baixos porque circula mais ou menos dinheiro, mas, ao contrario, circula mais ou menos dinheiro porque os pre($OS sao altos ou baixos. Esta e uma das leis economicas mais importantes, cuja demonstra($ao minuciosa a partir da historia dos pre($OS das mercadorias seja talvez o (mice merito da economia inglesa pos-ri­cardiana. No entanto, a experiencia mostra que, em urn pafs determinado, o nfvel da circula($ao de metals ou a massa do ouro e da prata que se encontra em circula­($aO esta exposto, e verdade, a fluxes e refluxos temporaries, as vezes muito violen­tos,40 mas no conjunto permanece o mesmo em perfodos de tempos mais longos; desvios do nfvel media conduzem apenas a oscila($6es fracas. Jsso se explica sim­plesmente pela natureza opositiva das circunstancias que determinam a massa do dinheiro circulante. A modifica($ao simultanea dessas circunstancias anula seu efei­to e deixa tude como antes.

T endo-se a velocidade de curse do dinheiro e a soma dos pre($OS das merca­dorias como dados, determina-se a quantidade do meio" circulante. Essa lei pede tambem ser expressa do seguinte modo: a quantidade de ouro circulante depende de seu proprio valor, clades os valores de troca das mercadorias e a velocidade me­dia de suas metamorfoses. Portanto, se aumentasse ou diminufsse o valor do ouro, ou seja, o tempo de trabalho necessaria para sua produ($ao, os pre($OS das merca­dorias cairiam ou subiriam, e essa queda ou esse aumento geral dos pre($OS, perma­necendo constante a velocidade do curse, corresponderia a uma massa maier ou menor de ouro, que seria necessaria para a circula($ao da mesma massa de merca­dorias. Dar-se-ia a mesma altera($aO se a antiga medida de valor fosse suplantada por urn metal mais valioso, ou por outre de menor valor. Foi o que aconteceu na Holanda quando, em virtude de uma tema considera~o aos credores do Estado e por temor das conseqtiencias dos descobrimentos na California e na Australia, se substituiu a moeda de ouro pela de prata. A Holanda teve que dispor entao de uma quantidade de prata 14 a 15 vezes maier do que a quantidade de que dispu­nha antes em ouro para fazer circular a mesma massa de mercadorias.

A quantia de ouro circulante depende das altera($6es da soma dos pre($OS das mercadorias e das altera($6es da velocidade de circula($ao. Dessa dependencia resul­ta que a massa dos meios metalicos de circula($ao deve ser suscetfvel de contra($ao e expansao, em suma, o ouro ora tern que entrar no processo como meio de circu­la($aO, ora tern que se retirar daf novamente conforme as necessidades do processo de circula($aO. Mais adiante veremos como o proprio processo de circula($ao realiza estas condi($6es.

c) A Moeda. 0 Sinal de Valor

Na sua fun($ao como meio de circula~o o ouro adquire forma propria, toma­se moeda. Para que seu curse nao sofra paralisa($ao por dificuldades tecnicas, o ou­ro e cunhado conforme o padra:> da moeda de calculo. Pe($aS de ouro, cuja inscri­($aO e figura indicam que contem esse metal nas fra($6es de peso representadas nas denomina($6es de calculo do dinheiro - Iibras esterlinas, xelins etc. -, sao moe­das. Do mesmo modo que a fixa($aO do pre($o da moeda, cabe ao Estado o traba-

40 Em 1858 a lnglaterra deu urn exemplo de queda extraordin.Sria da circula~o metalica abalxo de seu nivel medio, co­mo se podera verificar pelo seguinte excerto do London Economist: "Em virtude da pr6pria natureza do fenc'imeno (a saber, o carater fragmentario da circula~o simples). nllo podemos conseguir dados realmente precisos sobre a quanti­dade de dinheiro sonante em Outua~o no mercado e em posse de classes que nao t~m neg6dos com bancos. Mas tal· vez a atividade e inatividade das Casas da Moeda das grandes na~Oe5 comerciais seja urn dos indicios mais seguros das variac;;Oes dessa quantidade. Fabrica·se multa moeda quando se utiliza muita, e pouca quando se utiliza pouca. Na Casa da Moeda da lnglaterra a cunhagem em 1855 fol de 9 245 000 Iibras esterlinas, em 1856 de 6 476 000 e em 1857 de 5 293 858. Em 1858 a Casada Moeda nllo teve quase o que fazer" (Economist de 10 de julho de 1858). En­tretanto, ao mesmo tempo havia nos porOes do banco cerca de 18 milhoes de Iibras esterlinas de ouro.

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lho tecnico da cunhagem. 0 dinheiro como moeda - tal como a moeda de calcu­lo - adquire carater local e polftico, fala idiomas nacionais diferentes e veste uni­formes nacionais distintos. A esfera dentro da qual circula o dinheiro como moeda distingue-se par isso da circulaqao geral do mundo das mercadorias par ser uma circula<;ao interior, circunscrita pelos limites de uma comunidade.

Contudo, entre o ouro em barra e o ouro em moeda nao ha mais nenhuma outra diferenc;a do que sua denominac;ao de moeda e sua denomlnac;ao de peso. Aquila que no ultimo caso aparecia como uma diferenc;a de denominac;ao surge agora como mera diferen<;a de figura. Basta a moeda de ouro ser atirada no cadi­nho para ser transformada de novo em ouro sans phrases (sem rodeios), como in­versamente basta as barras de ouro serem enviadas a Casa da Maeda para que ad­quiram a forma de moeda. A transforma<;ao e retransformac;ao do ouro de uma fi­gura em outra aparece como uma operac;ao puramente tecnica.

Na Casa da Maeda inglesa obtem-se par 100 Iibras, ou seja, 1 200 onc;as troy de 22 quilates, o total de 4 672 112 Iibras esterlinas, ou soberanos de ouro. Coloca­dos esses soberanos num dos pratos de uma balan<;a, e no outro 100 Iibras de ou­ro em barra, o peso sera igual, com o que se tern a prova de que o soberano nao e outra coisa do que frac;ao de peso do ouro, indlcado par esse nome, em prec;o monetario ingles, com figura e inscri<;ao proprias. Os 4 672 112 soberanos, de au­ra, sao lanc;ados na circula<;ao em pontos diversos e, uma vez nela, desempenham urn determinado numero de cursos par dia, uns mais, outros menos. Se fosse 10 o numero media dos cursos diarios d~ cada on<;a, 1 200 onc;as de ouro realizariam uma soma total de pre<;os-mercadorias no montante de 12 mil on<;as ou 46 725 so­beranos. Par mais que se vire e revire 1 onc;a de ouro ela nao pesara jamais 10 on­c;as de ouro. Mas aqui, no processo de circulac;ao, 1 onc;a pesa de fato 10 onc;as. 0 modo de ser da moeda no processo de circula<;ao e igual a quantia de ouro conti­da nela, multiplicada pelo numero de seus cursos. Alem de seu modo de ser efeti­vo como pec;a de ouro individual de peso determinado, a moeda assume, portan­to, urn modo de ser ideal proveniente de sua fun<;ao. Contudo o soberano, gire 1 ou 1_0 vezes, atua sempre somente como unico soberano em cada compra ou ven­da. E como urn general que, grac;as a sua chegada no momenta oportuno a dez di­ferentes pontos no mesmo dia de batalha substitui a dez generais, mas apesar dis­so em todos os pontos continua sendo o mesmo e identico general. A idealizac;ao do meio de circulac;ao, proveniente da substituic;ao da quantidade pela velocidade do curso do dinheiro, refere-se apenas ao modo de ser funcional da moeda dentro do processo de circula<;ao, mas nao afeta o modo de ser da pec;a de moeda indivi­dual.

No entanto, o curso do dinheiro e urn movimento externo e o soberano, em­bora non olet (nao tenha cheiro), freqtienta uma sociedade mista. Na fric<;ao com todos os tipos de maos, porta-nfqueis, balsas, algibeiras, balsas, caixas, areas e co­fres, a moeda se desgasta, deixando urn atomo aqui, outro ali, perdendo assim, pe­lo desgaste em seu giro pelo mundo, cada vez mais de seu conteudo intrfnseco. Gastando-a, ela se gasta. Fixemo-nos no soberano, em urn momenta em que seu carater naturalmente puro parece ainda apenas ligeiramente atingido.

"Urn padeiro, que recebe hoje, diretamente do banco, reluzente de tao novo, para pagar ao moleiro no dia seguinte, nao paga com o mesmo verdadeiro (veritable) sobe­ranq,: este e agora mais !eve do que no momenta em que foi recebido. " 41

"E claro que a moeda, pela pr6pria natureza das coisas, precisa sempre depreciar-se pet;a por pet;a, em conseqtiencia do sim.ples efeito desse desgaste habitual e inevita-

41 DODD. Curiosities of Industry etc. Londres, 1854. p. 16.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 83

vel. E materialmente imposslvel em urn tempo qualquer, mesmo que seja por urn s6 dia, excluir totalmente da circula~o moedas leve$."42

Jacob estima em 1829 que, dos 380 milhoes de Iibras esterlinas que havia na Europa em 1809, 19 milhoes tinham desaparecido completamente devido ao des­gaste, portanto, num espac;o de vinte anos. 43 Se a mercadoria com seu primeiro passo pelo qual adentra a circulac;ao ja cai fora dela, a moeda, ao contrario, repre­senta, depois de alguns passos dentro da circulac;ao, uma quantidade maior de me­tal do que contem. Quanta mais tempo a moeda gira a uma velocidade estavel, ou quanta mais movimentada e sua circula<;ao num mesmo perfodo de tempo, maior e a separac;ao que se produz entre seu modo de ser como moeda e seu modo de ser metalico, de ouro ou de prata. 0 que sabra e magninominis umbra (a sombra de urn grande nome). 0 corpo da moeda nao e nada mais do que uma sombra. Sendo mais pesada quando da sua origem no processo, este torna-a mais !eve ago­ra, mas em toda a compra ou venda isolada continua valendo a mesma quantia de ouro original. 0 soberano continua agora como soberano aparente, como ouro aparente, a desempenhar a func;ao da pec;a de ouro legftima. Se outros entes per­dem seu idealismo com o choque com o mundo exterior, a moeda, ao contrario, e idealizada pela praxis, e transformada em mero modo aparente de ser de seu cor­po aureo ou argenteo. Essa segunda idealizac;ao, a do dinheiro metalico efetuada atraves do proprio processo de circulac;ao, ou seja, a separac;ao que se produz en­tre seu conteudo nominal e seu conteudo real, e explorada em parte par governos, em parte par aventureiros particulares, que falsificam as moedas de dlversas manei­ras. T ada a historia da cunhagem de moedas desde o infcio da I dade Media ate bern adentro do seculo XVIII se resume na historia dessas falsificac;oes bilaterais e antagonicas, e a volumosa cple<;ao de Custodi sabre os economistas italianos gira em grande parte em torno desse ponto.

No entanto, o modo aparente de ser do ouro, sua func;ao, entra em conflito com seu modo efetivo de ser. Ao circular, uma moeda de ouro perde mais, outra menos, de seu conteudo metalico, daf valer urn soberano, de fato, mais do que ou­tro. Mas em seu modo de ser funcional, como moeda, valem o mesmo tanto, isto e, o soberano que contem 114 de onc;a nao vale mais do que o soberano que pare­ce canter 1/4 de on<;a. Em vista disso, os soberanos de peso integral sao submeti­dos a opera<;oes cirurgicas, em parte nas maos de possuidores pouco escrupulo­sos, impondo artificialmente a eles o que a propria circula<;ao realizou naturalmen­te com seus irmaos mais !eves. Sao manipulados de tal forma que sua excessiva ba­nha de ouro fique no cadinho. Se 4 672 1/2 soberanos, de ouro, nao pesam em media mais de 800 onc;as, em vez de 1 200, comprarao no mercado do ouro ape­nas 800 onc;as desse metal, ou seja, o prec;o de mercado do ouro subiria acima de seu prec;o em moeda. Qualquer pec;a de moeda, ainda que fosse de peso integral, valeria em sua forma monetaria menos do que em forma de barra. Os soberanos de peso integral seriam retransformados em barras de ouro, forma em que mais au­ra tern mais valor. Assim que essa perda de conteudo metalico houvesse alcan<;a­do urn numero suficiente para poder ocasionar uma alta persistente do prec;o de mercado do ouro acima do seu pre<;o em moeda, as denominac;oes de calculo da moeda, embora permanecessem as mesmas, passariam a indicar daf em dlante

42 The Currency Reviewed etc. by a Banker etc. Edimburgo, 1845. p. 69 etc. "Se urn escudo urn pouco usado fosse considerado como valendo qualquer coisa menos que urn escudo novo, a circula~ao selia continuamente interrompi­da, e nem urn s6 pagamento realizar-se-ia sem contendas" (GARNIER, G. Hlstorie de Ia Monnaie. Op. cit., l I, p. 24). 43 JACOB, W. An historical Inquiry into the Production and Consumption of the Precious Metals. Londres, 1831. v. ll. cap. XXVI, p. 322.

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uma quantia inferior de ouro. Em outras palavras, o padrao da moeda ter-se-ia alte­rado e o ouro sera futuramente cunhado conforme esse novo padrao. Em virtude de sua idealiza~o como meio de circulac;ao, o ouro teria alterado retroativamente as relac;oes estabelecidas legalmente, nas quais figurava como padrao dos prec;os. Depois de urn certo espac;o de tempo, repetir-se-ia a mesma revoluc;ao, e o ouro seria submetido assim, tanto em sua fun~o de padrao dos prec;os como em sua fun~o como meio de circulac;ao, a uma continua mudan<;a, de tal modo que a mudan<;a em uma das formas traria como conseqilencia a da outra, e vice-versa. Is­so explica o fenomeno mencionado anteriormente, de que, na hist6ria de todos os povos modemos, o mesmo nome monetario permanece servindo a urn conteudo metalico em constante declfnio. A contradic;ao do ouro como moeda, com o ouro, como padrao dos prec;os, toma-~e igualmente contradic;ao do ouro como moeda frente ao ouro equivalente geral. E sob esta ultima forma que o ouro circula nao so­mente dentro dos limites nacionais como tambem no mercado mundial. Na sua func;ao de medida de valores, o ouro conserva sempre seu peso fntegro pela sim­ples razao de que servia apenas como ouro ideal. Como equivalente, no ato isola­do M-D, sai de seu modo de ser em movimento para o de repouso, mas como moeda sua substSncia natural esta em conflito continuo com sua func;ao. E certo que nao se pode evitar completamente a transformac;ao do soberano em ouro fictf­cio, mas a legislac;ao procura impedir que se perpetue como moeda, estabelecen­do sua aposentadoria a partir de urn determinado grau de falta de sua substancia. Segundo as leis inglesas, por exemplo, urn soberano que tenha perdido peso supe­rior a 0,747 de grao nao e mais urn soberano legal. Entre 1844 e 1848 s6 o Banco da lnglaterra pesou 48 milhoes de soberanos de ouro. Esse banco possui uma rna­quina adaptada a balanc;a de Mr. Cotton, que nao s6 detecta uma diferenc;a de 1/100 de grao em dois soberanos, mas ainda, como se fosse urn ser dotado de en­tendimento, projeta o soberano de peso insuficiente sobre uma plancha onde e co­lhido por uma outra maquina, que o estra<;alha com uma crueldade oriental.

Sob essas condic;oes em geral, a moeda de ouro nao poderia circular de ma­neira alguma caso seu curso nao fosse circunscrito a determinadas areas de circula­c;ao, dentro de cujos limites se gasta menos rapidamente. Uma moeda de ouro, que na circulac;ao vale 1/4 de onc;a, quando na realidade s6 pesa 1/5, tomou-se de fato mero sinal ou sfmbolo para 1/20 de onc;a de ouro, e desse modo, pelo pr6prio processo de circulac;ao, todas as moedas de ouro · ficam mais ou menos transfor­madas em mero sinal ou sfmbolo de sua substancia. Mas uma coisa nao pode ser seu pr6prio sfmbolo. Uvas desenhadas nao sao o sfmbolo de uvas efetivas, mas sao uvas aparentes. Menos ainda urn soberano !eve pode servir de sfmbolo de urn soberano de peso completo, tanto quanto urn cavalo magro nao pode ser sfmbolo de urn gordo. Mas ja que o ouro se transforma em sfmbolo de si mesmo, e, por ou­tro !ado, nao pode ser sfmbolo de si mesmo, nas areas da circulac;ao em que se gasta mais rapidamente, isto e, nas areas onde compras e vendas em pequenas proporc;oes sao constantemente renovadas, adquire urn modo de ser simb6lico, de cobre ou de prata, separado de seu modo de ser de ouro. Ainda que nao fossem as mesmas pec;as de ouro haveria sempre uma certa proporc;ao do total de dinhei­ro-ouro em ac;ao nessas areas como moeda. Nessas proporc;oes o ouro e substituf­do por fichas de prata ou de cobre. Se, como medida de valores, e por isso, como dinheiro, s6 uma mercadoria especffica pode funcionar dentro dos limites nacio­nais, diferentes mercadorias podem todavia servir de moeda paralelamente ao ou·­ro. Esses meios de circulac;ao subsidiarios, fichas de prata ou de· cobre, por exem­plo, representam dentro da circulac;ao determinadas frac;oes da moeda de ouro. Seu pr6prio conteudo em prata ou em cobre nao e, por conseguinte, determinado pela relac;ao de valor da prata e do cobre com o ouro, mas e fixado arbitrariamen-

0 DINHEIRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 85

te pela lei. S6 podem ser emitidas nas quantidades em que as diminutivas frac;oes da ~o~da de ouro, representadas ~or elas, circulariam constantemente, seja para o ca~bto de moedas de ouro de mator valor, seja para a realizac;ao de prec;os-mer­cadonas menores correspondentes. No interior da circulac;ao a varejo as fichas de prata e c~bre pertenc~rao, por sua vez, a cfrculos particulares. Pela pr6pria nature­za ~as cotsas, a veloctdade de seu curso esta na propor~o inversa do prec;o que reahzam em cada compra e venda particular, ou seja, na propor~o inversa da grandeza da frac;ao da moeda de ouro que representa. Se se toma em considera­~o o enorme_ volume do pequeno comercio cotidiano em urn pafs como a Inglater­ra, a propor<;ao relativamente insignificante da quantidade total das moedas subsi­diarias circulantes mostra quanto seu curso e rapido e continuo. De urn informe parlamentar publ~cado recentemente depreende-se que, por exemplo, em 1857 a Casa da Moeda mglesa cunhou ouro no montante de 4 859 mil Iibras esterlinas prata no valor nominal de 733 mil Iibras esterlinas e valor metalico de 363 mil li~ bras esterlinas. A soma total do ouro cunhado em urn prazo de dez anos, que pre­cederam a 31 de dezembro de 1857, foi de 55 239 mil Iibras esterlinas, enquanto a prata cunhada se elevava apenas a 2 434 mil Iibras esterlinas. A moeda de cobre montava, em 1857, a apenas 6 720 Iibras esterlinas em valor nominal com valor metalico de 3 492 Iibras esterlinas, das quais 3 136 Iibras esterlinas 'em pence 2 ~ ~m 1/2 penny e 1 120 em farthings. 0 valor total da moeda de cobre cunhad~ nos ultimos anos era de 141 477 Iibras esterlinas em valor nominal com urn valor metalico de 73 503 ~bras esterlinas. Assim como a moeda de ouro e impedida de fixar-se em .sua fu~c;ao de moeda, pela determina~o legal da perda de metal que a desmon~tiza, c:s fichas de prata e de cobre estao impedidas de passar de suas es­feras de ct~culac;ao ~ara a esf~ra de circulac;ao da moeda de ouro e fixar-se af, por ser deterrrunado o mvel de prec;o que realizam legalmente. Na lnglaterra, por exem­plo, cobre precisa ser aceito s6 ate o montante de 6 pence. Prata ate o montante de ~ xe~ins. ?e as. fichas de prata e de cobre fossem emitidas em quantidades su­penores as eXtgen~tas de suas esf~ras de circulac;ao nem por isso subiriam os pre­c;os d~s mercadonas, mas essas fichas acumular-se-iam nos vendedores varejistas que, finalmente, se veriam obrigados a vende-las como metal. Foi o que se deu e~ 1798, e~ que moedas de cobre, emitidas por particulares, acumularam-se nas maos dos _lojtstas em totais de 20, 30, 50 Iibras esterlinas .. Estes, depois de tenta­rem em vao coloca-las novamente em curso, acabaram por Ianc;a-las como merca­doria no mercado do cobre. 44

As fichas de prata e de cobre, que representam as moedas de ouro em deter­minad~s esferas da circulac;ao intema, possuem urn conteudo de prata ou de cobre determmado legalmente, mas u~a ~ez agarradas pela circulac;ao se desgastam tan­t<? quanto a moeda de ouro tdeahzando-se, transformando-se mais rapidamente amda, em meros corpos-sombras, em virtude da velocidade e continuidade de seu curso. Se se tivesse que trac;ar novamente uma linha limite para a perda maxima de conteudo metalico, a partir da qual perderiam seu carater monetario as fichas de prata e cobre deveriam, dentr9 de determinadas areas de suas pr6prlas esferas de circulac;ao, ser substitufdas de novo por outro dinheiro simb6lico, digamos de f~rro ~ <?u chumb?, e a apresentac;.ao de urn dinheiro simb6lico por outro dinheiro stmb~hco passana .a ser urn pr~cesso sem fim. Por isso, em todos os pafses de cir­culac;ao desenvol~da, a ~ecesstdade do pr6prio curso do dinheiro obriga a tornar o can~ter monetano das fichas de prata e de cobre independente de qualquer grau

44 BUCHANAN, David. Obseroatlons on the Sub}ed Treated of in Doctor Smith's Inquiry on the Wealth of Notions etc.

Edimburgo, 1814. p. 31.

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de perda de seus conteudos metalicos. Com isso, manifesta-se o que se encontra­va na natureza da coisa, isto e, que as moedas de prata ou cobre sao ja sfmbolos da moeda de ouro, nao porque sejam sfmbolos feitos de prata ou de cobre, isto e, nao porque tenham urn valor, mas exatamente ao contrario, por nao terem valor algum.

Coisa relativamente sem valor como o pope/ pode tambem servir como sfmbo­lo da moeda de ouro. A existencia de fichas de metal de prata, de cobre etc., co­mo moeda subsiciiaria, se explica em grande parte pelo fato de que circulavam co­mo dinheiro metais de menor valor, como a prata na lnglaterra, o cobre na Repu­blica da antiga Roma, na Suecia, na Esc6cia etc., antes de que o processo de circu­lac;ao as tivesse degradado a ~ituac;ao de moeda divisionaria e colocado em seu lu" gar urn metal mais precioso. E natural, portanto, que tenha sido de infcio urn metal o sfmbolo monetario nascido diretamente da circulac;ao monetaria. Assim como a por¢o de ouro, cuja func;ao era circular continuamente como moeda divisiona­ria, foi substitufda por fichas de metal, a por¢o de ouro que e absorvida pela esfe­ra da circulac;ao intema como moeda e que tern portanto que girar constantemen­te, pode igualmente ser substitufda por fichas sem valor. 0 nfvel mfnimo da massa da moeda circulante e, em todo pafs, determinavel empiricamente. A diferenc;a, in­significante em sua origem, entre o conteudo nominal e o conteudo metalico das moedas de metal pode, pols, evoluir ate a cisao absoluta. 0 nome monetario do di­nheiro se desprende de sua substancia e passa a existir fora deJa, impresso em pe­dac;os de papel sem valor. Da mesma maneira pela qual o valor de troca das mer­cadorias, grac;as a seu processo de troca, se cristaliza em dinheiro-ouro, este se su­blima durante seu curso em seu proprio sfmbolo, primeiro na forma de ouro des­gastado, depois na forma de moedas metalicas subsidiarias e, finalmente, na forma de fichas de papel sem valor, isto e, na forma de simples sinal de valor.

Contudo a moeda de ouro criou seus representantes, primeiro de metal e de­pols de papel, s6 porque continuou desempenhando sua fun¢o de moeda, apesar de sua perda de metal. Nao e que ela deixa de circular por se desgastar, mas ao contrario, ela se desgasta ate chegar a sfmbolo, porque continua a circular. Apenas na medida em que o proprio dinheiro-ouro se toma mero sinal de seu pr6prio va­lor dentro do processo, e que pode ser substitufdo por meros sinais de valor.

Na medida em que o movimento M-D-M consiste na unidade em marcha dos momentos M-D e D-M, que se convertem urn no outro, ou na medida em que a mercadoria percorre o processo de sua metamorfose total, ela desenvolve seu va­lor de troca em prec;o e em dinheiro, para logo em seguida suprimir essa forma, pa­ra se tomar novamente mercadoria, ou antes, valor de uso .. Seu valor de troca pas­sa portanto por uma autonomia meramente aparente. Alem disso, vimos que o ou­ro, na medida em que se restringe a fun<;ao de moeda ou que se encontra conti­nuamente em curso, apresenta de fato apenas o encadeamento das metamorfoses das mercadorias e seu ser-dinheiro toto/mente fugidio, realiza o prec;o de uma mer­cadoria apenas para realizar o prec;o de outra, mas nao surge nunca como modo de ser do valor de troca em repouso ou mesmo mercadoria em repouso. A realida­de adquirida pelo valor de troca das mercadorias nesse processo, valor de troca que o ouro apresenta no seu curso, e apenas a realidade da fafsca eletrica. Ainda que seja portanto ouro efeti~o, funciona somente como ouro aparente, e pode por isso ser substitufdo nessa fun¢o por sinais de si mesmo.

0 slnal de valor, digamos o papel, que funciona como moeda, e sinal da quan­tia de ouro expressa em seu nome monetario, e portanto sinal do ouro. Mas assim como uma determinada quantia de ouro em si nao expressa qualquer relac;ao de valor, o sinal que toma o seu Iugar tambem nao o exprime. 56 a medida que uma certa quantia de ouro, enquanto tempo de trabalho objetivo, possuir uma certa grandeza de valor, o sinal do ouro significa valor. A grandeza de valor representa-

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:fi.O SIMPLES 87

da por esse sinal depende em cada caso do valor da quantia de ouro representada por ele. Face as mercadorias o sinal de valor representa a realidade de seu pre~o, e signum pretii (signo do prec;o) e sinal de seu valor apenas porque seu valor se exprime em seu prec;o. Na medida em que o processo M-D-M se apresenta como unidade evolutiva ou em conversao mutua de ambas as metamorfoses - e e as­sim que se apresenta na esfera de circula<;ao onde funciona o sinal de valor -, o valor de troca das mercadorias adquire, dentro desse processo, no prec;o, uma exis­tencia meramente ideal, e no dinheiro, uma existencia apenas representada, simb6-lica. 0 valor de troca aparece assim somente como valor pensado ou concretamen­te representado, mas nao possui efetividade a nao ser nas pr6prias mercadorias, porquanto e nelas que se encontra objetivada uma determinada quantia do tempo de trabalho. Parece pois que o sinal de valor. representa imediatamente o valor das mercadorias ao apresentar-se nao como sinal do ouro, mas como sinal do valor de troca, que no prec;o encontra apenas sua expressao, enquanto na mercadoria - e somente nela - encontra sua existencia. T odavia essa aparencia e falsa. Imediata­mente o sinal de valor e apenas sinal de pre~o, portanto sinal de ouro; e e apenas por urn efeito indireto que chega a ser sinal do valor da mercadoria. 0 ouro nao vendeu sua sombra, como Peter Schlemihl, mas compra com ela. 0 sinal de valor atua portanto s6 na medida em que, dentro do processo, representa o prec;o de uma mercadoria frente a outra ou representa ouro face a qualquer possuidor de mercadoria. De infcio uma coisa relativamente sem valor, urn pedac;o de couro, de papel etc., converte-se pela rotina em sinal da materia monetaria; contudo, s6 se afirma como tal quando seu modo de ser como sfmbolo e assegurado pela vonta­de geral dos possuidores de mercadorias, isto e, quando adquire legalmente urn modo de ser convencional tomando com isso urn curso forc;ado. Papel-moeda na­cional de curso forc;ado e a forma acabada do sinal de valor, e a unica forma de moeda-papel que nasce diretamente da tircula<;ao metalica ou da propria circula­c;ao simples de mercadorias. A moeda creditfcia pertence a uma esfera superior do processo social de produc;ao e e regulada por leis completamente diferentes. De fa­to, a moeda-papel simb6lica nao e em nada diferente da moeda de metal subsidia­ria, apenas que atua em uma esfera de circula<;ao mais ampla. Se ja o mero desen­volvimento tecnico do padrao dos prec;os ou dos prec;os monetarios, aliado a trans­formac;ao exterior do ouro bruto em moeda de ouro, bastou para suscitar a inter­venc;ao do Estado, com o que se toma clara a separac;ao entre circulac;ao intema e circulac;ao universal de mercadorias, essa cisao e consumada agora pela evoluc;ao da moeda para sinal de valor. Corrio simples meio de circula<;ao, o dinheiro em ge­ral s6 pode aceder a autonomia no interior da esfera de circula¢o intema.

Nossa apresenta¢o mostrou que o modo de ser da moeda de ouro como si­nal de valor, desligado da propria substancia do ouro, tern sua origem no pr6prio processo de circulac;ao, e nao na conven<;ao ou na intervenc;ao do Estado. A Rus­sia nos proporciona urn exemplo surpreendente da formac;ao natural do sinal de

· valor. Na epoca em que couros e peles serviam de dinheiro neste pafs, a contradi­c;ao desse material perecfvel e pouco manejavel com sua func;ao de meio de circula­c;ao criou o habito de substituf-lo por pedacinhos d~ couro timbrados, que confor­me as indicac;oes eram pagaveis em couro ou peles. Mais tarde tomaram-se, sob o nome de copeques, meros sinais para as frac;oes do rublo de prata, uso que se manteve regionalmente ate 1700, quando Pedro, o Grande, ordenou sua substitui­c;ao por pequenas moedas de cobre emitidas pelo Estado. 45 Autores da Antiguida-

45 STORCH, Henry. Cours d'Economie Politique etc. Com notas de J.-B. Say, Paris, 1823. t IV, p. 179. Storch publi­cou a sua obra em Petersburgo, em franc~. J.-B. Say promoveu logo em segulda uma relmpressao da mesma em Pa­ris, completando-a com pretensas notas que, em realidade, n&o cont~m mais que lugares-comuns. Storch (vejam-se suas Considerations sur Ia Nature du Reuenu National. Paris, 1824) nao gostou de forma alguma dessa anexa~o em sua obra pelo "principe da d~ncia".

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88 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLfTICA

de, que nao puderam observar senao os fen6menos da circula~o metalica, enca­ram ja a moeda de ouro como o sfmbolo ou sinal de valor. Platao46 e Aristoteles47

foram alguns desses autores. Em pafses sem qualquer desenvolvimento do credito, como a China, o papel-moeda com curso fon;ado aparece ja muito cedo. 48 Os pri­meiros que preconizaram a moeda-papel chamam ja a atenc;ao especificamente so­bre a transforma<;ao da moeda metalica em sinal de valor, que se processa no pro­prio interior do processo de circulac;ao. Assim procederam Benjamin Franklin49 e o bispo Berkeley.50

Quantas resmas de papel picadas em notas podem circular como dinheiro? Posta dessa maneira a pergunta seria absurda. As fichas sem valor so sao sinais de valor na medida em que representam o ouro dentro do processo de circulac;ao, e o representam so nas quantidades em que o proprio ouro entraria no processo de cir­culac;ao como moeda, em uma quantidade determinada por seu proprio valor, se tomamos como dados os valores de troca das mercadorias e a velocidade de suas metamorfoses. Notas com a denominac;ao de 5-libras-esterlinas poderiam circular apenas em urn numero cinco vezes menor do que notas com a denomina<;ao de 1-libra-esterlina; e se todos os pagamentos fo~sem efetuados com notas de xelins teriam que circular vinte vezes mais notas de xelins do que de Iibras esterlinas. Se as moedas de ouro fossem reprEisentadas por notas de denomina<;oes diversas, por exemplo, de 5-libras-esterlinas, de 1-libra-esterlina, de 10-xelins, a quantidade des­ses diferentes sinais de valor seria determinada nao somente pela quantia de ouro necessaria a circula<;ao total, mas tambem pela quantia de ouro necessitad? pela area de circula<;ao de cada urn desses sinais de valor. Se o nfvel mais baixo a que a circula<;ao de urn pals pudesse cair fosse de 14 milhoes de Iibras esterlinas (esta e a cifra adotada pela legisla~o inglesa, mas nao para a moeda circulante e sim para

% PLATAO. De Republica. Uvro Segundo. "A moeda e um sfmbolo da troca" (Opero Omnia etc. Ed. G. Stallbau­mlus, Londres, 1850. p. 304). Platao desenvolveu a moeda apenas em s~as. detennina~lles como medida ?e _valor e si· nal de valor, mas exige, alem do sinal de valor que serve para a circula~o mtema, um outro para o comercto da Gre­cla com a exterior. {Ver tambem o Uvro V de suas Leis.) 47 ARISTOTELES. Ethico Nlcomocheo. (Op. eft. L!vro Quinto. Cap. Vlll, p. 98). "0 dlnhelro tomou-se por conven~ao o unlco melo de troca capaz de satlsfazer As necessidades recfprocas. Assim tem o nome de n6mlsmo porque nao tem origem na natureza mas na lei e depende de nOs altere-lo e toma-lo in uti!." Arlst6teles tinha um conceito do d!nheiro incomparavelmente mais amplo e profundo que Plati!o. Na seguinte passagem ele nos apresenta o desenvolVImento da troca entre diferentes comunidades, de onde surge a necessidade de dar o careter de dlnhelro a uma mercadorla es­peclflca, a uma substancia valiosa. "Pols quando os serv!~s reciprocos prestados ao lmportar o que _faltava, e ao ~x­portar o excedente, se estenderam a maJores dist!ncias, a necessidode deu origem ao uso do dlnhe~ro ... Convencto­nou-se dar e receber nas trocas redprocas uma coisa que, tendo um uolor em si mesmo, tivesse a vantagem de ser ma­nej.Svel.. como o ferro e a prata ou outra subst!ncla an.Sioga" (loc. cit., p. 14). Essa passagem e citada por Michel Che­valier, que nao leu Arist6teles ou nao o compreendeu, para provar que, segundo a oplnllio de Arist6tel~, o '!'eio de drcula~o e necessariamente constitufdo por uma subst!nda dotada de valor em si mesma. Pelo contr6rio, Arist6te~es dlz expressamente que o d!nheiro, como simples melo de drcula¢o, parece ter urn ser concreto puramente convenao­nal ou legal, como o seu pr6prio nome n6mismo jA indica, e porque, de ~~.to, ~dq~re um valor de uso c?mo _moeda de sua pr6pria fun~o e nao de urn valor de uso lntrlnseco a ele mesmo. 0 d!nhe•ro parece ser uma co1sa va, total­mente detennlnada ~Ia lei, e em nodo pe/o natureza, de tal forma que, se for colocodo foro do clrcu/o~ao, ~ provido de qualquer valor e inutil para qualquer necessidade" (foe. cit., p. 15). 48 MANDEVILLE (Sir John). Voyages and Trouels. Londres, ed. 1705. p. 105: "Este lmperador {de Catai ou China) po­de gastar quanto queira sem llmlta~oes. Pols ll lndependente e s6 faz moeda com couro ou papel l~presso. E quando essa moeda clrculou o bastante que ja come~a a decompor-se, levam-na de volta ao Tesouro lmpenal, onde a moeda velha e substitulda por uma nova. E essa moeda clrcula em todo o pals e em todas as provfncias ... nao se faz moeda de ouro nem de prata", e com isso pensa Mandeville, "e que ele (o imperador) pode emltlr sempre, repetidas vezes e com exagero". . . " 49 FRANKLIN, Benjamin. Remarks and Facts Relotlue to the Amencon Paper Money. 1764. p. 348. loc. ctl.: Nos tem­pos atuals, na lnglaterra, a pr6pria moeda de prata foi transformada pelo curso for~do, se~do uma parte do seu v~or meio de pagamento legal; essa parte ~ a dlferen~ entre o seu peso real e o seu valor nommal Uma grande quantida­de de ~ de 1 xelim e 6 pence atualmente em drcula~o perdeu, com o uso, 5, 10, 20 e, no caso de algumas pe· ~ de 6 pence, ate 50% do seu peso. Para cobrir essa d!feren~ entre o valor real e o nominal, nao se tern nenhum valor lntrfnseco, nem sequer papel, nada. E o curso legal, juntamente com a certeza de as poder facilmente p6r de no­vo em clrcula~o pelo mesmo valor, que faz com que uma pe~ de prata no valor de 3 pence passe por uma pe~ de 6pence". 50 BERKELEY. foe. cit, p. 3. "Se se mantivesse a denomina~o da moeda mesmo depois de a sua substancia ter deixa­do de existir, nao subsistirla da mesma maneira a clrcula~o do comercio?"

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;AO SIMPLES 89

a moeda creditfcia) poderiam entao circular 14 milhoes de notas de papel; cada qual seria o sinal de valor para 1 libra esterlina. Se o valor do ouro cai ou sobe, em conseqtiencia da queda ou do aumento do tempo de trabalho exigido para sua produc;ao, permanecendo identico o valor de troca da mesma massa de mercado­rias o numero das notas de 1 libra esterlina aumentaria ou diminuiria na razao in­ver~a da varia<;ao de valor de ouro. Se o ouro como medida de valores fosse subs­titufdo pela prata, supondo-se que a relac;ao de valor entre o ouro e a prata seja de 1 : 15, e representando cada nota daf para frente quantia de prata igual a que an­tes representava do ouro, devem circular agora, em vez de 14 milhoes, 210 mi­lhoes de notas de 1 libra esterlina. A quantidade de notas de papel deixa-se, par­tanto, determinar pela quantidade de dinheiro-ouro que etas representam na circu­la<;ao: e uma vez que so sao sinais de valqr na medida em que representam o ou­ro, o valor delas e determinado simplesmente por sua propria quantidade. Enquan­to a quantidade do ouro circulante depende dos pre<;os-mercadorias, o valor das notas de papel em circula~o depende, ao contrario, exclusivamente da sua pro­pria quantidade.

A interven<;ao do Estado ao emitir a moeda-papel com curso obrigatorio - es­tamos tratando apenas desse tipo de moeda-papel - parece abolir a lei econ6mi­ca. 0 Estado que, ao estabelecer o pre<;o da moeda, simplesmente clava a urn de­terminado peso em ouro urn nome de batismo, e cunhando-o, imprimia simples­mente no ouro o seu selo, parece agora, pela magia de seu carimbo, poder trans­formar papel em ouro. Uma vez que as notas de papel tern curso obrigatorio nin­guem pode impedir ao Estado que lance a circula<;ao 0 numero de notas que quei­ra e que imprima nelas os nomes das moedas que desejar: 1, 5, ou 20 libras esterli­nas. Uma vez lanc;ada a circula<;ao, toma-se impossivel retira-las, pois, os postos fronteiric;os nacionais detem o seu curso e fora da circula~o perdem todo o valor, tanto o valor de uso como o' valor de troca. Separadas de seu modo de ser funcio­nal transformam-se em indignos farrapos de papel. No entanto, esse poder do Esta­do e pura aparencia. E. certo que pode lan<;ar para a circula<;ao a quantidade de no­tas que quiser, com os nomes monetarios que the aprouver, mas todo seu controle termina nesse ato meramente mec§nico. Uma vez absorvido pela circula<;ao, o si­nal de valor ou a moeda-papel cai sob o domfnio das suas leis imanentes.

Se a soma do ouro necessaria para a circula<;ao das mercadorias fosse de 14 milhoes de Iibras esterlinas e o Estado lan<;asse a circula<;ao 210 milhoes de notas com o nome de 1-libra-esterlina, esses 210 milhoes seriam transformados em re­presentantes de ouro num montante de 14 milhoes de Iibras esterlinas. 0 mesmo sucederia se o Estado transformasse as notas de 1-libra-esterlina em representantes de urn metal quinze vezes mais baixo, ou de urn peso de ouro quinze vezes menor do que antes. Nada se teria alterado alem da denomina~o do padrao · dos prec;os, que e naturalmente convencional, nao importando se e ocasionada diretamente pe­la alterac;ao da lei da moeda ou indiretamente pela multiplica<;ao da nota de papel a urn numero exigido por urn novo padrao mais baixo. Como o nome libra-esterli­na indicaria agora uma quantia de ouro quinze vezes menor, os pre<;os de todas as mercadorias passariam a ser quinze vezes mais elevados, e entao os 210 milhoes de notas de 1-libra-esterlina seriam, de fato, tao necessaries como os 14 milhoes o eram anteriormente. Do mesmo modo que, multiplicando-se a soma total dos si­nais de valores, diminuiria a quantia de ouro que cada urn representa. 0 aumento dos pre<;os seria apenas uma rea<;ao do processo de circulac;ao, que obriga os si­nais de valor a igualarem-se a quantia de ouro, cujo Iugar na circula~o pretendem ocupar.

Na historia das falsifica<;oes do dinheiro, empreendidas pelos govemos frances e ingles, encontramos repetidamente que os prec;os nao sobem na proporc;ao em

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que a moeda de prata e falsificada. Simplesmente porque a propor~o em que a moeda foi aumentada nao correspondia a propor~o em que era falsificada, isto e, porque nao foi emitida uma massa de moedas com liga mais pobre, suficiente para obrigar os valores de troca das mercadorias a avaliarem-se futuramente por ela, co­mo medida dos valores, e realizarem-se por moedas correspondentes a essa unida­de de medida inferior.

Isso soluciona a dificuldade que o duelo entre Locke e Lowndes nao conse­guiu resolver. A propor~ao em que o sinal de valor - quer seja papel, quer ouro e prata falsificados - representa pesos de ouro e prata calculados segundo o pre<;o monetario, nao depende de sua pr6pria materia, mas da quantidade de sinais de valor posta em circula~o. A dificuldade em compreender essa propor~o provem do fato de que o dinheiro, em ambas as suas fun<;6es, como medida de valores e como meio de circula<;ao, esta submetido nao s6 a leis contrarias como sobretudo a leis aparentemente contradit6rias a oposi~o de ambas as fun<;6es. Em sua fun­~o de medida de valores, onde o dinheiro desempenha apenas o papel de moeda de calculo e o ouro apenas o papel de ouro ideal, tudo depende do material natu­ral. Avaliados em prata ou em pre<;os prata, os valores de troca se apresentam na­turalmente muito diferentes do que se fossem avaliados em ouro ou em pre~os-ou­ro. 0 contrario se da em sua fun<;ao como meio de circula<;ao, em que o dinheiro nao existe apenas representado, mas tern que estar a mao como uma coisa efetiva ao lado de outras mercadorias. Nessa fun~ao de meio de circulac;ao, seu material e indiferente, pois tudo dependera de sua quantidade. Para a sua fun~o como uni­.dade de medida e decisivo se se trata de uma libra de ouro, de prata ou de cobre; enquanto em sua fun~o de moedas e a mera quantidade que permite a reallza~o adequada de cada uma dessas unidades de medida, seja qual for seu pr6prio mate­rial. Mas parece contradizer o senso comum corrente o fato de que, no que respei­ta ao dinheiro meramente pensado, tudo depende de sua substancia material, e no que respeita a moeda palpavel e corrente, tudo depende de uma proporc;ao nume­rica ideal.

A alta ou a baixa de prec;os das mercadorias, em virtude do aumento ou da di­minui~ao da massa de notas de papel - neste ultimo caso quando o meio de circu­lac;ao e constitufdo exclusivamente por notas de papel - nada mais e do que a ac;ao violenta do processo de circulac;ao, fazendo valer a lei burlada mecanicamen­te de fora; lei que se expressa da seguinte forma: a quantidade de ouro em circula­c;ao e determinada pelos prec;os das mercadorias, e a quantidade dos sinais de va­lor e deterrninada pela quantidade das moedas de ouro, que se fazem representar na circulac;ao por sinais de valor. Alem do mais, uma massa qualquer de notas de papel e absorvida e, em certo sentido, digerida pelo processo de circulac;ao, por­que o sinal de valor, qualquer que seja a designac;ao de ouro que represente ao en­trar em circulac;ao, dentro dessa fica reduzido a condi<;ao de sinal da quantia de ou­ro, que poderia circular em seu Iugar.

Na circulac;ao dos sinais de valor, aparecem invertidas todas as leis da circula­c;ao monetaria efetiva, isto e, postas de ponta-cabec;a. Enquanto o ouro circula por­que tern valor, o papel tern valor porque circula. Dado o valor de troca da totalida­de das mercadorias em circulac;ao, a quantidade do ouro circulante depende de seu pr6prio valor, ja o valor do papel depende da sua quantidade posta em circula­~o. Enquanto aumenta ou diminui a quantidade do ouro em circula~o com a al­ta ou baixa dos prec;os das mercadorias, estes parecem subir ou baixar com a alte­ra~o na quantidade do papel circulante. Enquanto a circula~o de mercadorias po­de absorver apenas determinada quantidade de moedas de ouro e que, por isso, a sucessao altemada de contra<;ao e expansao do dinheiro circulante se apresenta co­mo lei necessaria, a moeda-papel parece poder entrar em circulac;ao em proporc;6es ilimitadas. Enquanto o Estado, ao falsificar a moeda de ouro ou de prata, pertur-

0 DINHEIRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 91

ba sua func;ao de meio de circula~o, mesmo que se trate de moedas ernitidas com uma deficiencia de apenas 1/100 de grao em rela~o ao seu conteudo nominal, ao emitir notas de papel sem valor, que nada possuem do metal alem do seu nome monetario, esta realizando uma operac;ao inteiramente correta. Enquanto a moeda de ouro s6 representa o valor das mercadorias, na medida em que este se avalla, visivelmente, pelo ouro, isto e, na medida em que e apresentada como prec;o; o si­nal de valor parece representar diretamente o valor da mercadoria. Isso esclarece porque os observadores que estudaram os fenomenos da circulac;ao monetaria, li­mitando-se a circulac;ao do papel-moeda de curso forc;ado, nao perceberam todas as leis imanentes da circulac;ao monetana. Mas, de fato, essas leis aparecem na cir­culac;ao dos sinais de valor, nao apenas invertidas, mas apagadas, uma vez que o papel-moeda, se emitido na propor~o correta, reallza movimentos que nao lhes sao pr6prios como sinal de valor. Porquanto seu movimento propriamente dito, em vez de derivar-se diretamente da metamorfose das mercadorias, provem da vio­la~o de sua correta propon;ao em relac;ao ao ouro.

III - DINHEIRO

0 dinheiro, diferente de moeda, e o resultado do processo de circulac;ao na forma M-D-M e constitui o ponto de partida do processo na forma D-M-D, isto e, a troca de dinheiro por mercadoria, para trocar mercadoria por dinheiro. Na primei­ra forma, e a mercadoria e na segunda, e o dinheiro que constitui o ponto de parti­da e o ponto final desse movimento. Na primeira forma, o dinheiro atua como me­diador da troca de mercadorias, na segunda, e a mercadoria que serve ao dinheiro como mediador de seu pr6prio processo de vir-a-ser dinheiro. 0 dinheiro que apa­rece na primeira forma como. simples meio, aparece na segunda como meta final da circula<;ao, enquanto a mercadoria, que na primeira aparece como meta final, na segunda forma aparece como simples meio. Se o pr6prio dinheiro ja e o resulta­do da circulac;ao M-D-M, na forma de D-M-D, o resultado aparece ao mesmo tem­po como seu ponto de partida. Enquanto e em M-D-M que se da o metabolismo das mercadorias, e o modo de ser formal da pr6pria mercadoria resultante desse primeiro processo que constitui o conteudo efetivo do segundo processo D-M-D.

Na forma M-D-M ambos os extremos sao mercadorias de identica grandeza de valor, mas ao mesmo tempo sao valores de uso qualitativamente diferentes. A troca M-M e o metabolismo efetivo. Na forma D-M-D, ao contrario, ambos os ex­tremos sao igualmente ouro de mesma grandeza de valor. Trocar ouro por merca­doria, para trocar mercadoria por ouro, ou, se consideramos o resultado D-D, tro­car ouro por ouro parece urn absurdo. Mas se traduzimos D-M-D na f6rmula: com­prar para vender, o que nao significa outra coisa do que trocar ouro por ouro, va­lendo-se de urn movimento mediador, reconhece-se logo a forma dominante da produc;ao burguesa. Todavia, na pratica nao se compra para vender: compra-se ba­rato, para vender mais caro. Troca-se dinheiro por mercadoria para trocar em se­guida a mesma mercadoria por uma quantidade maior de dinheiro, de tal forma que os extremos D-D, se nao sao diferentes qualltativamente, ao menos o sao quantitativamente. Uma tal diferenc;a quantitativa pressupoe a troca de nao-equiva­Ientes. Alem do mais, mercadoria e dinheiro em si nada mais sao que formas oposi­tivas da pr6pria mercadoria; sao portanto, modalldades distintas da mesma grande­za de valor. 0 circuito D-M-D oculta, portanto, sob as formas de dinheiro e merca­doria, relac;oes de produc;ao mais desenvolvidas, e constitui dentro da circula~o simples nada mais do que urn reflexo de urn movimento superior.

T emos, pois, que desenvolver o dinheiro, distinguirido-o do meio de circula­c;ao, a partir da forma imediata da circulac;ao de mercadorias M-D-M.

0 ouro, isto e, a mercadoria especifica que serve como medida de valores e

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92 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLiTICA

como meio de circulac;ao, converte-se em dinheiro sem outra intervent;ao da socie­dade. Na lnglaterra, onde a prata nao e, nem medida de valores, nem meio de cir­culac;ao dominante, nao se transforma em dinheiro; o mesmo acontece com o ou­ro na Holanda: desde que foi destronado como medida de valor deixou de ser di­nheiro. Uma mercadoria converte-se em dinheiro enquanto e uma unidade de me­dida de valor e meio de circulac;ao, ou, dito de outro modo, o dinheiro e a unidade de medida de valor e meio de circulat;ao. Mas como tal unidade, o ouro possui ain­da uma existencia autonoma que se distingue de seu modo de ser em ambas as func;oes. Como medida dos valores o ouro nao e nada mais do que dinheiro ideal, ou ouro ideal; como simples meio de circulac;ao e dinheiro simb6lico e ouro simb6-lico; mas em sua simples corporificac;ao simb6lica o ouro e dinheiro, ou seja, o di­nheiro e ouro efetivo.

Consideremos agora a mercadoria ouro em repouso, que desempenha o pa­pel de dinheiro nas relac;oes com outras mercadorias. T odas as mercadorias repre­sentam, em seus prec;os, uma determinada soma de ouro; sao, portanto, apenas ouro representado ou dinheiro representado, representontes do ouro, do mesmo modo que no sinal de valor, o dinheiro aparecia inversamente como mero repre­sentante dos prec;os das mercadorias. 51 Como as mercadorias nao sao nada mais que dinheiro representado, o dinheiro e a (mica mercadoria efetiva. Contrariamen­te as mercadorias, que nao fazem mais do que representar o modo de ser autono­mo do valor de troca, do trabalho social geral e da riqueza abstrata, o ouro e o mo­do de ser material do riqueza abstrata. Sob o ponto de vista do valor de uso, cada mercadoria exprime em sua relat;ao com uma necessidade particular, apenas urn momenta isolado da riqueza material. Mas o dinheiro satisfaz toda necessidade, tendo-se em conta que e imediatamente conversfvel em objeto de satisfac;ao de qualquer necessidade. 0 seu pr6prio valor de uso e realizado na interminavel serie de valores de uso, que constituem os seus equivalentes. Em sua subst~ncia metali­ca pura contem toda a riqueza material em germe, que se desenvolve no mundo das mercadorias. Se, por urn !ado, as mercadorias representam em seus prec;os o equivalente geral ou a riqueza abstrata - o ouro -, este representa em seu valor de uso, os valores de uso de todas as mercadorias. 0 quro e, por isso, o represen­tante material (materiel/) do riqueza material (stofflich). E o precis de toutes les cha­ses (Boisguillebert), e o compendia da riqueza social. Por sua forma e a encarnac;ao imediata do trabalho geral, ao mesmo tempo que e, por seu conteudo, o agregado de todos os trabalhos reais. 0 dinheiro e a riqueza universal em seu aspecto indivi­dual. 52 Em sua figura de mediador da circulac;ao sofreu toda a sorte de ultrajes: foi corrofdo e esmagado ate chegar a ser urn mero papel simb6lico. Mas, como dinhei­ro, e-lhe restitufdo seu resplendor aureo. De servo passa a senhor.53 De simples ser­vidor das mercadorias passa a ser o seu deus. 54

51 " Nao s6 os metals preciosos sao sinais das colsas ... mas as coisas sao, lnversamente ... sinais do ouro e da prata" (GENOVESI, A. Lezioni di Economia Civile. 1765, p. 281. In: CUSTODI, Op. cit. t. VIII. Parte Modema. 52 Petty: 0 ouro e a prala s!o uniuer.sa/ wealth (rique2a universal). Politico/ Arithmethic. /oc. cit., p. 242. 53 MISSELDEN, E. Free Trade of the Means to Make Trade Florish etc. ' Londres, 1622. "A mat~ria natural do comer­cia ~ a merchandise (mercadoria do comerciante), que os comerdantes, por motivos de ordem comercial, chamam de commodities (mercadorias uteis). A mat~ria artificial do comercio e o dinheiro, que foi qualificado como sinewes of worre and of state (neNO da guena e do Eslado). Ainda que por ordem natural e cronol6g!ca o dinheiro venha depois da merchandise, tomou-se entrelanlo, lal como es~ atualmenle em uso, o essendal" (p. 7). Ele compara a mercado­ria e o dinheiro com "os dois filhos do velho Jac6, que colocava a mao dirella sabre o mais jovem e a esquerda sabre o mais velho" (loc. cit.). BOISGUILLEBERT. Dissertation sur Ia Nature des Richesses. Op. cit. "E!s o escravo do co­mercia transformado em seu tirana ... A miseria dos povos provem do lato de que fizeram urn senhor, ou melhor, urn tirana, daquele que era urn escravo" (foe. cit., p. 395, 399). 54 BOISGUILLEBERT. /oc. cit. "Transformaram-se esses melais (o ouro e a prala) em idolos e esqueceu-se o objetivo e a inten¢o com que tinham sido convocados para o comerdo: para servir como garantia na troca e na transmissao reciproca. Por isso foram praticamente dispensados desse servi90 e transformados em divindades a que se sacrificou e a que se sacrificam ainda mais bens e necessldades essendais, e at~ seres humanos, do que toda a cega Antiguidade imolou aos seus falsos deuses etc." (/oc. cit., p. 395).

0 DINHEIRO OU A CIRCULAc;AO SIMPLES 93

a) Entesouramento

Como dinheiro, o ouro se distingue primeiramente do meio de circulac;ao, pe­lo fato de que a mercadoria interrompe o processo de sua metamorfose e permane­ce no estado de crisalida de ouro. lsso ocorre toda vez que a venda nao evolui pa­ra a compra. A autonomia que o ouro adquire em sua func;ao de dinheiro e, sobre­tudo, a expressao sensfvel da cisao do processo de circulat;ao, ou da metamorfose da mercadoria em dois atos separados, que subsistem indiferentemente !ado a !a­do. lnterrompido seu curso, a propria moeda se torna dinheiro. Nas maos do ven­dedor, que a recebe em troca da sua mercadoria, e dinheiro e nao moeda; mas tao logo abandone essas maos volta a ser moeda. Cada urn e vendedor da merca­doria especial que produz, mas e comprador de todas as demais mercadorias, das quais necessita para a sua existenCia social. Enquanto a entrada em cena do vende­dor depende do tempo de trabalho necessaria a produc;ao de sua mercadoria, sua aparic;ao como comprador e condicionada pela constante renova~ao das necessida­des da vida. Para poder comprar sem vender, e preciso que tenha vendido sem ter comprado. De fato, a circulac;ao M-0-M e apenas a unidade progressiva da venda e da compra, na medida em que e, ao mesmo tempo, o processo constante da sua cisao. Para que o dinheiro gire constantemente como moeda e preciso que a moe­da se coagule, sem cessar, em dinheiro. 0 curso continuo da moeda esta condicio­nado por sua continua acumulac;ao, em maiores ou menores quantidades, em fun­dos de reservas da moeda, que tanto provem de todas as esferas da circulat;ao quanto tambem e condicionada por todas elas, fundos de reserva da moeda cuja formac;ao, repartic;ao, dissoluc;ao e reconstituic;ao varia constantemente; o modo de ser da moeda esta, pols, continuamente em processo de desaparecimento, proces­so este que subsiste continuamente. Adam Smith expressou essa transformac;ao in­cessante da moeda em dinheiro e do dinheiro em moeda, da seguinte maneira: ca­da possuidor de mercadoria deve ter sempre de reserva, ao !ado da mercadoria particular que vende, uma certa quantidade da mercadoria geral com a qual com­pra. Vimos que, na circulat;ao M-D-M o segundo membra D-M se fragmenta em uma serie de compras que nao se efetuam de uma s6 vez, mas sucessivamente no tempo, de tal forma que uma parte de D circula como moeda, enquanto outra re­pousa como dinheiro. 0 dinheiro aqui e de fato moeda em suspenso, e os diferen­tes componentes da massa de moedas circulantes variam sempre, entre uma for­ma e outra. Essa primeira transformac;ao do meio de circulac;ao em dinheiro repre­senta, portanto, urn momenta puramente tecnico do curso do dinheiro. 55

A forma primitiva e natural da riqueza e a forma do superfluo ou do exceden­te, a parte dos produtos que nao e requerida imediatamente como valor de uso, ou tambem, a posse de tais produtos cujo valor de uso esta fora do ambito das ne­cessidades imediatas. Ao considerar a transic;ao da mercadoria ao dinheiro vimos que esse superfluo ou esse excedente de produtos constituem, em grau ainda nao desenvolvido de produc;ao, a esfera da troca de mercadorias propriamente ditas. Os produtos superfluos convertem-se em produtos permutaveis ou mercadorias. A forma adequada de existencia dessa abund~ncia e o ouro e a prata, que e a primei­ra forma em que essa riqueza e fixada como riqueza abstratamente social. As mer-

55 Bolsguillebert pressente na primeira imobiliza¢o do perpetuum mobile, isto e, na nega~l!o de seu ser-concreto fun­clonal como meio de circula¢o sua lndependiza~ao !rente as mercadorias. 0 dinheiro, diz ele, deve estar "em conti­nuo movlmento, o que somente pode ocorrer sendo m6vel, pols assim que deixa de s~-lo tudo ~ perdido" (Le D~­toll de Ia France. p. 213). 0 que nl!o v~ e que essa parada I'! a condi¢o de seu movlmento. 0 que pretende, de fato, e que o valor de troca das mercadorias apare9e1 como forma puramente fugaz de sua melamorfose, sem nunca se llxar como ftnalidade em si mesma. • • Marx observa em nola escrila a mlio em seu exemplar pessoal que, em ve2 de valor de troca das mercadorias, deve­ria conslar aqui: lonna de valor das mercadorias. (N. da Ed Alema.)

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94 PARA A CRITICADA ECONOMIA POLITICA

cadorias nao so podem ser conseiVadas sob a forma de ouro ou de prata, ou seja, na materia do dinheiro, como tambem como ouro e prata ja constituem a forma conseiVada da riqueza. T odo valor de uso seiVe como tal na medida em que e con­sumido, isto e, na medida em que e destrufdo. T odavia o valor de uso do ouro, que seiVe de dinheiro, consiste em ser portador do valor de troca, e como materia­prima amorfa, em ser a encarnac;ao do tempo de trabalho geral. No metal amorfo, o valor de troca possui uma forma imperecfvel. 0 ouro ou a prata, imobilizados sob a forma de dinheiro, constituem o tesouro. Entre os povos onde domina a cir­culac;ao puramente metalica, como nos povos antigos, o entesouramento se apre­senta como urn processo geral, que inclufa desde indivfduos ate o Estado, guar­diao que era de seu proprio tesouro. Na Asia e no Egito, em tempos mais remotes, esses tesouros aparecem sob a guarda de reis e de sacerdotes, mais como testemu­nhos de seu poderio do que outra coisa. Na Grecia e em Roma se desenvolve a polftica de forma<;ao de tesouros publicos como a forma de manter a abund§ncia em permanente seguranc;a e disponibilidade. 0 translado repentino de tais tesou­ros de urn pafs para o outro, pela ac;ao de conquistadores, bern como sua difusao parcial e subita na circulac;ao constituem uma particularidade da economia da Anti­guidade.

Como tempo de trabalho objetiuado o ouro e fiador da sua propria grandeza de valor, e como encarna<;ao do tempo de trabalho gera/ e o processo de circula­c;ao que e seu fiador, que assegura sua ac;ao continua como valor de troca. Pelo simples fato de o possuidor de mercadorias poder fixar a mercadoria sob sua figura de valor de troca, ou ficar o proprio valor de troca sob a forma de mercadoria, a troca de mercadorias, com o intuito de recupera-las sob sua figura transformada de ouro, toma-se o proprio motor da circula<;ao. A metamorfose da mercadoria M-D realiza-se gra~s a seu proprio desejo de metamorfosear-se, isto e, de transformar­se de riqueza particular e natural em riqueza social geral. Em vez de alterac;ao de materia (metabolismo) e a alterac;ao de forma que se converte no proprio fim da circulac;ao. De simples forma que era, o valor de troca converte-se em conteudo do movlmento. A mercadoria se mantem como riqueza, como mercadoria, somen­te na medida em que se mantem na esfera da circulac;ao, e se mantem nesse esta­do fluido apenas na medida em que se petrifica em ouro ou em prata. Permanece no fluxo como crista! do processo de circulac;ao. Contudo, o ouro e a Rrata so se fi­xam sob a forma de dinheiro quando nao sao meios de circulac;ao. E como nao­meios de circular;ao que se conuertem em dinheiro. Assim, portanto, o unico meio de manter a mercadoria permanentemente dentro da circulac;ao e retira-la desta sob a forma de ouro.

0 possuidor de mercadorias so pode retirar da circula<;ao em dinheiro aquilo que traz a circulac;ao em mercadoria. Vender sem cessar, lanc;ar continuamente as mercadorias na circulac;ao, e por isso a primeira condi<;ao do entesouramento, do ponto de vista da circulac;ao de mercadorias. Alem do mais, o dinheiro desaparece continuamente como meio de circulac;ao no proprio processo de circulac;ao, ao rea­lizar-se permanentemente em valores de uso e ao dissolver-se em efemeras satisfa­c;oes. Deve-se, pols, arranca-lo da corrente devoradora da circulac;ao, ou seja, de­ve-se deter a mercadoria em sua primeira metamorfose e impedir que o dinheiro cumpra sua fun<;ao de meio de compra. 0 possuidor de mercadorias, que se tor­nou agora urn entesourador, deve vender o maximo e comprar o mfnimo possfvel, como ja ensinava o velho Catao: patrem familias uendacem, non emacem esse (o pai de familia deve ter a paixao da venda e nao o gosto da compra) .. Se a aplica­c;ao no trabalho e a condic;ao positiva, a poupanc;a e a condic;ao negativa do ente­souramento. Quanta menos equivalentes de mercadoria sao subtrafdos a circula­c;ao, em mercadorias particulares ou valores de uso, mais se retira sob a forma de

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dinheiro ou de valor de troca.56 A apropria<;ao da riqueza em sua forma geral impli­ca, portanto, renuncia a riqueza em sua efetividade material. 0 m6vel impulsiona­dor do entesouramento e a auareza, que nao ambiciona a mercadoria como valor de uso, mas sim o valor de troca com mercadoria. Para apoderar-se do superfluo em sua forma geral, as necessidades particulares devem ser tratadas como urn luxo superfluo. Foi assim que, em 1593, as Cortes apresentaram a Filipe II uma petic;ao, em que se le, entre outras coisas, o seguinte:

· "As Cortes de Valladolid no ano de 1586 rogam a V. M. que nao se permita mais a entrada no reino de velas, vidrarias, bijuterias, cutelaria e outros objetos semelhantes, pols esses artigos im:iteis para a vida humana v~m do estrangeiro para serem trocados por ouro, como se os espanh6is fossem Indios. " 57

0 entesourador desdenha os prazeres terrestres, temporals e transit6rios para correr atras do tesouro etemo, que nao se deixa devorar nem pelas trac;as, nem pe­la ferrugem, e que e tao celeste quanto terrene.

"A razao profunda e geral da nossa penuria de ouro - diz Misselden, na obra ja ci­tada - e o grande excesso com que este pais consome mercadorias estrangeiras, que, em vez de ser commodities (mercadorias uteis) revelam-se em discommodities (merca­dorias inuteis), que alem disso nos privam dos muitos tesouros que, doutro modo, se­riam importados no Iugar desses brinquedos (toys). Consumimos exageradamente vi­nhos da Espanha, da Fran~a. da Renania, do Levante; passas da Espanha, uvas do Le­vante, de Corinto, Laws (especie d~ linho fino) e carr]brics (cambraia) de.Hainam, se­das da ltalia, a~ucar e tabaco das lndias Ocidentais e as especiarias das lndias Orien­tals; tudo isso nao constitui necessidade absoluta para nos e, no entanto, compramos essas coisas com ouro maci~o. "58

Sob a forma de ouro e de prata a riqueza e imperecfvel, tanto porque o valor de troca existe no metal indestrutfvel, quanta principalmente porque se impede ao ouro e a prata de assumir, como meio de circulac;ao, a forma monetaria puramen­te fugidia da mercadoria. 0 conteudo perecfvel e, assim, sacrificado a forma impe­recfvel.

"Se o dinheiro for, atraves dos impostos, retirado das maos de quem o emprega pa­ra comer e beber, e entregue a quem o emprega para o melhoramento do pais, na pesca, na minera~o. na industria manufatureira, ou mesmo em roupas, disso resulta sempre urn beneffcio para a comunidade, pois mesmo roupas nao sao tao perecfveis como os alimentos e as bebidas. Se o dinheiro for empregado em m6veis o beneffcio e maior, se for empregado na constru~o de casas e maior ainda, e assim por diante. 0 maior de todos os beneffcios e a introdu~ao de ouro e prata no pais, pois.sao as uni­cas coisas imperecfveis, e estimadas como riqueza em todos os tempos e lugares; todo o mais s6 e riqueza pro hie et nunc (para aqui e agora). "59

0 ato de arrancar o dinhelro da corrente da circulac;ao e de salva-lo do meta-1-,olismo social se evidencia no ato de enterrar, de tal forma que a riqueza social -agora sob a forma de urn tesouro subterr§neo imperecfvel - estabelece com o possuidor de mercadorias as mais secretas relac;oes privadas. 0 doutor Bernier,

56 "Quanto mals aumentam as reservas de mercadorias, mals diminuem as que exlstem sob a forma de tesouro (in trea­sure)". M!SSELDEN, E. Op. cit., P- 23. s7 SEMPER£.. Consldtrotions sur les Causes de Ia Grandeur et de Ia D&adence de Ia Monarchle Espognole. t I, P-275-276. (N. da Ed. Alema.) 58 MISSELDEN. Op. cit., p. 11-13 passim. 59PETIY. Pollt!caiArlthmetic.loc. cit., p. 196.

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que viveu durante certo tempo em Delhi, na Corte de Auranzebs, conta como os comerciantes enterram seu dinheiro profundamente e em segredo, principalmente os pagaos nao maometanos que manejam todo o comercio e detem todo o dinhei­ro,

"presos como estao em sua crenc;a de que o ouro e a prata, que escondem durante a sua vida, lhes servirao no outro mundo depois da morte". 60

Alias o entesourador, na medida em que seu ascetismo se coaduna com uma ativa aplica~o no trabalho, e, em geral, de religiao protestante e ainda mais punta­no.

"Ningu~m pode negar a necessidade de comprar e vender, atos sem os quais nao podemos passar, mas de que podemos fazer uso como bons cristaos, principalmente das coisas que servem para as necessidades e a honra, pois foi assim que procederam os patriarcas, vendendo e comprando gado, Ia, cereals e manteiga, Ieite e outros bens. Sao dons que Deus extrai da terra e partilha entre os homens. Mas o comercio com os estrangeiros, que traz de Calicut, das Indias e de outras paragens mercadorias como es­sa tal seda preciosa, j6ias de ouro, e especiarias, que apenas servem para a ostenta­~o e nao t~m nenhuma utilidade, sugando com isso o dinheiro do pars e das pessoas, esse com~rcio nao seria permitido se tivessemos urn regimento e prfncipes. Mas nao quero descrever agora sobre esse assunto porque penso que, finalmente, quando nao tenhamos mais dinheiro, isso devera acabar por si, tal como o Juxo em adomos e co­mezainas: de nada nos valera os escritos e os ensinamentos at~ que a necessidade e a pobreza nos obriguem a tanto. "61

Enterrar dinheiro sob a forma de tesouros, nas epocas em que o metabolismo social entra em elise, e uma pratica que se da ate mesmo na sociedade burguesa desenvolvida. 0 lac;o social em sua forma compacta - para o possuidor de merca­dorias esse lac;o consiste na mercadoria, e o modo de ser adequado da mercadoria e o dinheiro - fica a salvo do movimento social. 0 nerous rerum (nervo das coi­sas) e enterrado ao !ado do corpo de que e nervo.

0 tesouro seria urn simples metal inutil, sua alma - o dinheiro - te-lo-ia abandonado, e restaria agora apenas o seu caput mortuum (o seu resfduo qufmi­co), a cinza arrefecida da circulac;ao, se esta nao estivesse em constante tensao com ele. 0 dinheiro, ou o valor de troca autonomizado, e segundo sua qualidade

60 BERNIER, Fran~ols. Voyages Contenant Ia Description des Etats du Grand Mongol. Edi~ao l)llrisiense de 1830. t I. cf. p. 312-314. 61 LUTHER, Doktor Martin. BUcher vom Kaufhandel und Wucher. 1524. Lutero diz na mesma passagem: "Deus nos obrigou a n6s alemaes a lan~ar o nosso ouro e prata aos paises estrangeiros, enriquecendo desse modo o mundo Intel· ro e ficando n6s mesmos mendigos. Certamente a lnglaterra teria menos ouro se a Alemanha deixasse a ela os seus panos, e o rei de Portugal tamb~m teria menos se lhe deixassemos as suas especiarias. Calculai quanto ouro uma lelra de Frankfurt laz salr dos pafses alem5es sem necessidade nem motive, e ftcareis admirado se alnda exlsHr urn tostao em terras alemlls. Frankfurt ~ a brecha por onde escoa o ouro e a prata para lora da Alemanha, e com lsso tudo o que brota e cresce, tudo o que ~ cunhado entre n6s; se a brecha losse tapada, nao se ouviriam mals queixlls de que por to­do !ado s6 ha dlvidas e nenhum dinheiro, e que os campos e as cidades estao arruinados pela usura. Mas deiXlll que tudo va marchando asslm: n6s, alemiies, devemos continuar a ser alemiles! 0 que ~ predso ~ nao deslstlr" (p. 4-5). Misselden, no trllbalho cltado, quer manter o ouro e a prata, pelo menos no cfrculo da cristandade: "0 dlnhelro ~ diml­nurdo pelo com~rclo com povos n5o pertencentes a cristandade, com a Turquia, com a P~rsia e as fndllls Orientals. Na malor pllrte desse com~rcio emprega-se o dinheiro s6Hdo, mas no interior da cristandade o com~rclo ~ completa­mente diferente. Pols, ainda que no interior da crislandade o comercio se fa~ com o dinheiro s61ido, este fica contido dentro de suas frontelras. De fato, hci uma corrente e uma contracorrente, urn afluxo e urn refiuxo de dinhelro no co· m~rclo que se processa no Interior da cristandade, porque as vezes ele e mais abundante em uma parte e lalla em ou­tra, conlorrne haja escassez num l)llfs e superabundancia em outro: vai, vern, gira no c!rculo da crlstandade, mas fica sempre lechado nos limltes da sua esfera. 0 dinheiro, com o qual se comerda com o exterior da crlstandade, com os l)llfses aclma referidos, ~ constantemente gaslo e nunca mais regressa" (Op. cit., p. 19 e 20).

0 DINHEIRO OU A CIRCULAc;:AO SIMPLES 97

o modo de ser da riqueza abstrata, mas, ademais, qualquer soma de dinheiro e uma grandeza de valor quantitativamente Umitada. 0 limite quantitativa do valor de troca contradiz sua generalidade qualitativa, e o entesourador ressente-se desse limite, que de fato se transforma em barreira qualitativa e converte o tesouro em re­presentante limitado da riqueza material. 0 dinheiro, como equivalente geral, apre­senta-se imediatamente, como ja vimos, numa equa~o. na qual constitui urn lado, mas o outre sendo constitufdo pela serie infinita das mercadorias. Depende da grandeza de seu valor de troca em que medida pode se aproximar dessa serie sem fim, para realiza-la, isto e, em que medida corresponde a seu conceito como valor de troca. 0 movimento do valor de troca como tal, como urn automata, nao pode visar a outra coisa que nao seja ultrapassar seus limites. Mas a superac;ao de urn li­mite quantitativa do tesouro da Iugar a nova barreira, que por sua vez precisa ser superada. Nao e urn determinado limite do tesouro, mas sim qualquer limite deste que surge como barreira. 0 entesouramento nao tern, portanto, nem lei imanente, nem medida em si, pois e urn processo sem fim que, em cada de urn de seus resul­tados, encontra urn motivo para recomec;ar. Se o tesouro so aumenta na medida em que se preserva, igualmente so se preserva na medida em que aumenta.

0 dinheiro nao e apenas um dos objetos da paixao de enriquecer, mas e 0

proprio objeto deJa. Essa paixao e essencialmente auri sacra faT)1es (a maldita ga­nancia de ouro). A paixao de enriquecer, ao contn3rio da paixao pelas riquezas na­turals particulares ou pelos valores de usa tais como o vestuario, as j6ias, os reba­nhos etc., s6 e possfvel no momenta em que a riqueza geral se individualiza numa coisa particular e pode, assim, ser retida sob a forma· de uma mercadoria isolada. 0 dinheiro surge, portanto, como o objeto e a fonte da paixao de enriquecer. 62 No fundo, e o valor de troca como tal e seu crescimento que se convertem em fim em si mesmos. A avareza manterri o tesouro preso, nao permitindo ao dinheiro tomar­se meio de circulac;ao, mas a ganancia de ouro faz preservar a alma monetaria do tesouro em constante tensao com a circula~o.

A atividade, que da origem ao tesouro, consiste, de urn !ado, em retirar o di­nheiro da circula\taO por meio de vendas sucessivas e, de outro, em armazenar sim­plesmente, em acumular. Com efeito, e s6 na esfera da circulac;ao simples e sob a forma de entesouramento que se da a acumulac;ao da riqueza, ao passo que, co­mo veremos mais adiante, as outras formas, tambem chamadas de acumulac;ao, s6 por abuso podem ser consideradas como tais na medida em que se pensa sempre na acumulac;ao simples do dinheiro. As mercadorias podem ser acumuladas tam­bern como valores de uso, mas nesse caso a forma da acumulac;ao e determinada pelo carater particular do seu valor de uso. A acumulac;ao de cereals, por exemplo, exige instalac;oes especiais. Quem cria ovelhas e forma rebanhos toma-se pastor. Acumular escravos e terra torna necessaria relac;oes de servidao e assim ·por dian­te. A formac;ao de riquezas particulares exige processes igualmente particulares, di­ferentes do simples ato de acumular, e desenvolve aspectos particulares da indivi­dualidade. Ou entao, a riqueza e acurriulada sob a forma de mercadorias, como va­lores de troca, e nesse caso a acumulac;ao surge como uma operac;ao comercial ou especificamente economica. Os autores desse tipo de acumulac;ao sao os negocian­tes de trigo, de gado etc. 0 ouro e a prata constituem dinheiro, nao pela atividade do indivfduo que os acumula, mas porque sao cristais do processo de circulac;ao que se depositam nas maos do indivfduo, sem que este tenha de intervir de algu­ma outra maneira. Todo seu trabalho consiste em po-los de !ado, amontoa-los pe-

6Z "A origem da avareza es~ no dinheiro ... liOS poucos converte-se em uma es~de de loucura que ;a nl!o ~ mais ava· reza, mas gananda de ouro" (PLINIUS. Historfa Natura/is. Uvro Tri~mo Terceiro. cap. VII, 14).

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~ por pe~. atividade esta desprovida de qualquer conteudo, que, se fosse aplica­da as demais mercadorias, as depreciaria. 63

0 nosso entesourador surge como martir do valor de troca, urn santo asceta no apice da sua coluna de metal. 56 se preocupa com a riqueza sob sua forma so­cial, e por isso a enterra, escondendo-a da sociedade. Exige a mercadoria sob a for­ma em que e sempre apta a circula<;ao, e por isso a tira de circula<;ao. Entusiasma­se pelo valor de troca e, no entanto, nao faz trocas. A forma fluida de riquezas e sua petrifica<;ao, elixir da vida e pedra filosofal, misturam-se numa louca alquimia. Na sua sede de prazer sem limites, que cria mentalmente para si mesmo, renuncia a qualquer prazer. Por querer satisfazer todas as necessidades socials quase nao sa­tisfaz as suas necessidades de primeira ordem. Ao reter a riqueza em sua corporifi­ca<;ao metalica, volatiza-se na condi<;ao de puro fantasma em seu cerebro. Mas, de fato, a acumula<;ao do dinheiro pelo dinheiro e reflexo da forma barbara da produ­<;ao pela produ<;ao, isto e, do desenvolvimento das for~s produtivas do trabalho social alem dos limites das necessidades tradicionais. Quanto menos desenvolvida estiver a produ<;ao de mercadorias, maior e a import§ncia dessa primeira autonomi­~a<;ao do valor de troca como dinheiro, ou entesouramento. Nos povos antigos, na Asia ate o presente momento, e entre os povos camponeses modemos, onde o va­lor de troca ainda nao se apropriou de todas as rela<;oes de produ<;ao, o entesoura­mento desempenha urn grande papel. Examinaremos logo a seguir a fun<;ao espe­cificamente economica do entesouramento no ambito da circula<;ao metalica, mas antes mencionaremos ainda outra forma de entesouramento.

Abstraindo-se inteiramente suas propriedades esteticas, e na medida em. que o material do dinheiro seja urn desses metais, as mercadorias de ouro e de prata podem ser convertidas em dinheiro, assim como as moedas e os lingotes de ouro podem ser transformados nessas mercadorias. Uma vez que o material da riqueza abstrata consiste em ouro e prata, a suprema ostenta<;ao de riqueza esta em utilizar esses metals em valores de uso concretos, e se o possuidor de mercadorias escon­de seu tesouro, a urn determinado nfvel da prodw;ao, ostenta-o por toda a parte onde pode faze-lo com seguran<;a, pols e levado a aparecer aos olhos dos outros possuidores de mercadorias como urn rico hombre. Cobre a si e sua casa com ou­ro. 64 Na Asia, ou mais exatamente na India, onde o entesouramento nao tern, co­mo na economla burguesa, uma fun<;ao secundaria no mecanismo do conjunto da produ<;ao, mas onde a riqueza sob a forma de tesouros e tida como a finalidade ul­tima, as mercadorias de ouro ou de prata constituem propriamente apenas a forma estetica dos tesouros. Na Inglaterra medieval, as mercadorias de ouro e prata, cujo valor era pouco acrescido pelo trabalho rudimentar que se lhes incorporava, eram legalmente consideradas como simples forma de tesouro. Estavam destinadas a ser novamente lan<;adas na circula<;ao, e sua finura estava, por isso, sob prescri<;oes,

63 Hor6clo nao entende nada da ftlosolia do entesouramento quando diz (Satlras. Uvro Segundo. S6t Ill): "Urn homem sem disposl~o para a muslca, sem afel~iio As musas, compre cftaras e as armazene, ou se rodele de

cutelos e formas sem ser sapatelro, ou, enftm, de velas de navio e cordoalhas, sem entender do comercio maritime, se­re chamado por toda parte de louco e Insensate, e nl!o sere sem raziio. E nl!o !he parecere assim o avaro que enterra os seus escudos e seu ouro e que, sem saber servir-se dos tesouros que acumula, acredlta sacrllego toc6-los?"

Sr. Senior compreende melhor o assunto: "0 dlnheiro parece ser a unica colsa que se deseja universalmente, e isso porque o dinhelro e urna riqueza abstrata, e os homens, ao possui-Jo, podem satisfazer todas as suas necessidades, de qualquer classe que sejam" (Prindpes Fondomentawc de I'Economie Po/itique. Trad do Conde Jean Arrivabene. Pa­rts, 1836. p. 221). Ou entao Storch: "J6 que o dinheiro representa todas as riquezas, basta acumula-lo para se obter qualquer especie de riqueza existente no mundo" (Op. dL, t U, p. 135). 64 Para mostrar ate que ponto se mant~m o mesmo homem intimo (the Inner man} que exlste no possuldor de merca­dorias [Worenindiuiduum), ainda que seja civtllzado e convertido em capltalista, basta cltar o exemplo de urn represen­tante londrino de uma casa banc6ria cosmopollta, que fez p6r nurn quadro, como apropriado brasiio familiar, uma no­ta de 100 mil Iibras esterlinas. 0 engra~do aqul ~ o olhar altivo e zombetelro que o papel-moeda lan~a sobre a drcula­~o.

0 DINHEIRO OU A CIRCUL.A<;AO SIMPLES 99

do mesmo modo que a finura da moeda. 0 emprego crescente do ouro e da prata como objetos de luxo, acompanhado do crescimento da riqueza, e uma coisa tao simples que os antigos a compreenderam perfeitamente,65 ao passo que os econo­mistas modemos afirmam falsamente que o uso das mercadorias de ouro e prpta nao aumenta em propor<;ao ao crescimento da riqueza, mas sim proporcionalmen­te a deprecia<;ao dos metals preciosos. Por isso as provas que apresentam, sob o emprego do ouro califomiano e australiano, apesar de serem exatas, deixam sem­pre uma lacuna porque em sua imagina<;ao nao encontram justifica<;ao para o au­m~nto do consumo do ouro como materia-prima em fun<;ao da · baixa correspon­dente de seu valor. No transcurso de 1810 ,a 11830, como conseqtiencia da !uta das colonias americanas contra a Espanha66 e da interrup<;§o do trabalho nas mi­nas causadas por varias revolu<;oes, a produ<;ao media anual dos metais preciosos havia diminufdo mais da metade. A moeda circulante na Europa sofreu entao uma queda de quase 1/6, se compararmos os anos de 1829 e 1809. No entanto, ainda que o volume da produ<;ao houvesse diminufdo e seus custos aumentado, se e que variaram de alguma forma, nem por isso o consumo dos metals preciosos dei­xou de crescer extraordinariamente; na Inglaterra ate durante a Guerra, e no Conti­nente, depois da paz de Paris. Esse aumento do consumo se deu paralelamente ao aumento da riqueza geral. 67 Pode-se estabelecer como lei geral de que a conversao da moeda de ouro e prata em objetos de luxo predomina em epocas de paz, ao passo que sua reconversao em lingotes ou moedas e caracterfstica especffica das epocas de grande agita<;ao. 68 Ate que ponto se considera a propor<;ao do tesouro de ouro e prata, ~xistente sobre a forma de artigos de luxo, em rela<;ao a quantida­de de metal precioso, que serve de dinheiro, se evidencia nos seguintes dados, re­colhidos por Jacob: em 1829 a propor<;ao era, na Inglaterra, de 2 : 1, enquanto em toda a Europa e America existia 114 a mais de metal precioso em objetos de lu­xo do que em dinheiro.

Vimos que o curso do dinheiro e apenas a manifesta<;ao da metamorfose das mercadorias ou da altera<;ao de forma, mediante a qual se realiza o metabolismo social. Em virtude das flutua<;oes da soma total de pre<;os das mercadorias em cir­cula<;ao ou do volume das metamorfoses que se dao a urn mesmo tempo, por urn !ado; em virtude da velocidade variavel de suas altera<;oes de forma, por outro, a quantidade total do ouro em circula<;ao tern que variar continuamente, ora expan­dindo-se, ora contraindo-se, o que s6 e possfvel sob a condi<;ao de variar sem ces­sar a rela<;ao entre a quantidade total do dinheiro que se encontra em urn pafs e a quantidade do dinheiro circulante. Essa condi<;ao e preenchida pelo entesouramen­to. Se caem os pre<;os ou se aumenta a velocidade de circula<;ao, os tesouros-reser­vas absorvem a parte do dinheiro liberada pela circula<;ao. Se os pre<;os sobem ou se diminui a velocidade de circula<;ao os tesouros se abrem e refluem em parte pa­ra a circula<;ao. A solidifica<;ao do dinheiro circulante em tesouros e o escoamento dos tesouros na circula<;ao constitui urn movimento oscilat6rio em permanente mu­ta<;ao, no qual o predomfnio de uma ou de outra tendencia e determinado exclusi­vamente pelas flutua<;oes da circula<;ao de mercadorias. Os tesouros aparecem ao mesmo tempo como fontes de abastecimento e canals de escoamento do dinheiro circulante, de tal forma que a quantia de dinheiro que circula como moeda esta

6li Ver adiante a dta~o de Xenofonte (nota 69). 66 As guerras de lndepend~ncia das colOnlas espanholas da America duraram de 1810 a 1826 e llbertaram a maioria dos parses latlno-americanos da dornina~o da Espanha. (N. da Ed Alemii.) 67 JACOB. Op. dt., t U, cap. XXV e XXVI. 68 "Em ~pocas de grande agita~o e inseguran~ e espedalmente durante as revoltas lntemas e as lnvasaes, os objetos de ouro e prata sl!o rapidamente convertidos em moeda, enquanto que em epocas de tranqWI!dade e prosperidade a moeda e convertida em prataria e joalherla" (Ibid. , t II, p. 357).

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100 PARA A CR(TICA DA ECONOMIA POL!TICA

sempre condicionada exclusivamente pelas necessidades imediatas d~ circula~ao. Se 0 volume do conjunto da circulac;ao cresce bruscamente e predomma a umd~­de fluida da compra e venda, mas de tal forma que a soma total d_os P.rec;os a reali­zar cresce ainda mais depressa do que a velocidade do curso do dmhe1ro, os tesou­ros se esgotam rapidamente. Mas assim que o movimento total se detenh~ de m_o­do desusado ou se consolida a separac;ao entre a compra e a venda, o me1o de ar­culac;ao fixa-~e em dinheiro em proporc;oes manifestas e as. reserv~s dos tesouros sobem alem de seus nfveis medics. Nos pafses em que a mculac;ao e I?uramente metalica, ou que a produc;ao se encontra em uma fa~e po~co desenvoiVJda, os t:­souros se encontram infinitamente fragmentados e d1ssemmados por todo o pais, ao passo que nos pafses burgueses desenvo.lvidos se encontram concentrados nos depositos dos bancos. Nao se deve confund1r o tesour~ co~ a moeda de res~rva, pois esta e a parte constitutiva da quantidade total de dmhe1~0 que ~empr': esta e!fl circulac;ao, enquanto a relac;ao ativa entre o tesour_o e o me1o de m~ulac;ao supoe a alta ou a baixa dessa quantidade total. Como VJmos, as mercadonas de ouro e prata constituem, tanto urn canal de :scoamento d_os metais ?re~iosos, quanto :_ua fonte de abastecimento latente. Em epocas norma1s, so a pnme1ra destas func;oes tern importancia na economia da circulac;ao metalica. 69

b) Meio de Pagamento

Ate agora o dinheiro distingue-se do meio de c~rculac;a~ g~ac;as as duas form~s de moeda em suspenso e tesouro. Na transformac;ao trans1tona da moeda em di­nheiro a moeda em suspenso resultava do fato de que o segundo men:bro de M­O-M, ~ compra D-M, tern que se fragmentar, no in~erior de uma_ determmada esfe­ra da circula<;ao, em uma serie de compras sucesstvas. Como Vlm_os, o ent~oura­mento repousava simplesmente no isolamento do ato M-D, que ~ao envolVIa .a ~­M, isto e, nao era senao o dinheiro, como resultado do desenvolvt~ento da pnt?et­ra metamorfose da mercadoria e transformado no modo de ser alienado ( entaus­sert) de todas as mercadorias, em oposic;ao ao meio de circul~c;ao, que e .. o modo de ser da mercadoria em sua forma sempre pronta para ser .ahe~ada (veraussen~). Moeda de reserva e tesouro eram dinheiro, mas apenas dmhe1ro como negac;ao do meio-de-circulac;ao; eram negac;ao do meio-de-circulac;ao simplesmente po:que nao circulavam. 0 dinheiro, em sua determinac;ao, que consideramos a~ora, c~rcu­la ou entra em circulac;ao mas nao como meio-de-circulac;ao. Como me•o-de::_ctrcu­lac;ao 0 dinheiro era sempre meio-de-compra, agora atua como uma negac;ao do meio-de-compra.

No momento em que o dinheiro se desenvolve pelo entesou~mento no ~o­do de ser da riqueza social abstrata e representante material da nqueza matenal, tern com esse carater determinado de dinheiro, func;oes especfficas d~ntro d? pro­ces;o de circula<;ao. Se o dinheiro circula na condic;ao de simples me1o-de-mcula-

~ Na passagem seguinte Xenofonte desenvolve o dinheiro sob as fonnas especlficas de dinheiro e de tesouro: ''Nessa lndustrla, a unica de tod~s as que conhe~o. nada desperta a inveja das outras pessoas qu~ nela se ocupam. · · Porque, quanto mais ricas parecem ser as minas de prata, mais prata se extra!, e mals pessoas sao. atr~ldas para o trabalho: Quando se adqulriram os utensffios necessarios para a casa, pouco maJS se co":lpra, mas o dinhe1ro, mngu~m o possu1 em quantidade bastante para que nlio deseje ter mais, e se algu~m tern o suficiente, guarda o su~rfluo, e nlio encon· tra nisso menos prazer do que se o utilizasse. £ principalmente quando as c1dades prosperam que as pessoas t~m espe· cial necessidade de prata. Porque os homens querem comprar nao s6 belas armas, como tamb~m bons cavalos, casas e m6vets luxuosos, e as mulheres desejam toda espede de teddos e j61as de ouro. Mas quando as ~dades sofrem. prl· va~. como conseqtiendas de m6 colheita ou da guerra, p~~sa-se de dinhelro para ~o":lprar mantimentos, em VJrlu· de de lnfertitidade do solo, ou para recrutar tropas auxillares (~NOFONTE. De V~digailbus. cap. IV). Anst6teles, no cap. IX do Livro Primeiro da Republlca, desenvolve os dols moVJmentos da clrcula~o M-D-~ .e D·M-~ em sua oposl· r;ao sob 0 nome de "econOmica" e "cremat!slica". Os tn1gicos gregos, nomeadamente Eunp1des, opoem essas duas forrnas da circula¢o com os nomes "dike" (o direlto) e "kerdos" (o proveito).

0 DINHEIRO OU A C!RCUL.A<;:AO SIMPLES 101

c;ao e, por isso, como meio-de-compra, subentende-se que mercadoria e dinheiro se encontram frente a frente, que a mesma grandeza de valor esta presente de ma­neira dupla: num dos polos, sob a forma de mercadorias, esta nas maos do vende­dor, enquanto no outro polo, sob a forma de dinheiro, esta nas maos do compra­dor. Essa existencia simultanea de ambos os equivalentes em p6los opostos e sua alterac;ao simultanea de Iugar ou alienac;ao recfproca supoem que vendedor e com­prador so se relacionam reciprocamente porque sao possuidores das mercadorias presentes. Entretanto, o processo de metamorfose das mercadorias, que cria as di­ferentes determinidades formais do dinheiro, provoca tambem a metamorfose dos possuidores de mercadorias, ou seja, transforma os caracteres sociais nos quais eles se apresentam uns para os outros. No processo da metamorfose da mercado­ria, o possuidor das mercadorias muda de pele cada vez, a mercadoria se desloca ou o dinheiro se reveste de formas novas. E assim que inicialmente os possuidores de mercadorias s6 se defrontam como possuidores de mercadorias; logo se trans­formaram urn em vendedor, e o outro em comprador; em seguida, cada urn de­sempenhou altemadamente as func;oes de comprador e vendedor, para mais tarde se transformarem em entesouradores e finalmente em pessoas ricas. Portanto, os possuidores de mercadorias nao saem do processo de circula<;ao tal como nele en­traram. As distintas determinidades formais, que o dinheiro adquire no processo de circulac;ao, nao sao nada mais do que a cristalizac;ao das alterac;oes de forma (Formwechsel) das pr6prias mercadorias, altera<;Oes de forma estas que, por sua vez, nao sao outra coisa do que a expressao objetiva das relac;oes sociais em movi­mento, pelas quais os possuidores de mercadorias realizam seu metabolismo (Stollwechsel). No processo de circulac;ao criam-se novas relac;oes comerciais e os possuidores de mercadorias, como portadores dessas relac;oes modificadas, adqui­rem novas caracterfsticas. Dentro da circulac;ao intema, o dinheiro se idealiza e o simples papel, como representante do ouro, desempenha a func;ao do dinheiro; o mesmo processo se da com o comprador e o vendedor, surgindo estes como me­res representantes do dinheiro ou da mercadoria, isto e, representantes futures do dinheiro ou da mercadoria, a efetivac;ao do vendedor ou comprador efetivo.

T odas as determinidades formais pelas quais o ouro se desenvolve em dinhei­ro sao apenas o desdobramento das determinac;oes que ja existem implicitamente na metamorfose das mercadorias. T odavia essas determinac;oes nao aparecem se­paradas como figuras autonomas, tanto na circulac;ao monetaria simples, quanto na apari<;ao do dinheiro como moeda, ou ainda no movimento M-0-M, considera­do como unidade evolutiva, onde tambem a interrupc;ao da metamorfose da mer­cadoria, por exemplo, aparece como mera possibilidade. Vimos que no processo M-D, a mercadoria, na condic;ao de valor de uso efetivo e valor de troca ideal, se relacionava com o dinheiro, este na condic;ao de valor de troca efetivo e valor de uso ideal. Ao alienar a mercadoria como valor de uso, o vendedor realizava o va­lor de troca desta, assim como o valor de uso do dinheiro. lnversamente, ao alie­nar o dinheiro como valor de troca, o comprador realizava o valor de uso deste,. as­sim como o prec;o da mercadoria. Com isso se clava a troca de Iugar corresponden­te entre mercadoria e dinheiro. Em sua realiza<;ao, o processo vivo dessa oposic;ao bipolar sofrera agora outro tipo de separac;ao. 0 vendedor aliena efetivamente a mercadoria, mas, de inicio, s6 vai realizar seu prec;o de uma forma ideal. Vendeu-a por seu prec;o, mas este s6 sera realizado num momento ulterior. 0 comprador compra na condic;ao de representante de dinheiro futuro, enquanto o vendedor vende na condic;ao de possuidor de mercadorias presentes. Do ponto de vista do vendedor, a mercadoria e efetivamente alienada como valor de uso sem ter sido efetivamente realizada como prec;o. Do ponto de vista do comprador, o dinheiro e efetivamente realizado no valor de uso da mercadoria sem ter sido alienado efetiva-

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102 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLiTICA

mente como valor de troca. Em vez de ser, como anteriormente, o sinal de valor, e agora o proprio comprador que representa simbolicamente o dinheiro. Mas, tal co­mo antes a func;ao geral do sfmbolo do sinal de valor exigia a garantia e o curso for­c;ado impasto pelo Estado, a func;ao simbolica pessoal do comprador suscita agora a constituic;ao de contratos privados, obrigac;oes vigiadas pelas leis, entre os possui­dores de mercadorias.

No processo D-M, ao contrario, o dinheiro pode ser alienado como meio de compra efetivo e o prec;o da mercadoria pode assim ser realizado aptes que seja o valor de usa do dinheiro, ou antes que a mercadoria seja alienada. _E o que ocorre, par exemplo, sob a forma costumeira de pagamento antes;ipado. E tambem a for­ma em que o govemo ingles compra o opio dos ryots na India, ou em que comer­ciantes estrangeiros estabelecidos na Russia compram grande parte dos produtos do pals. Contudo, o dinheiro atua nesses casas apenas sob a forma conhecida de meio de compra e por isso nao reveste uma nova determinidade formal. 70 Assim nao nos deteremos neste ultimo caso, mas chamaremos simplesmente a atenc;ao a proposito da figura transformada em que se manifestam aqui os dais processes D­M e M-D; para o fato de a diferenc;a puramente fictfcia entre a compra e a venda, tal como aparece imediatamente na circutac;ao, tornar-se agora uma diferenc;a efeti­va, vista que sob uma das formas apenas a mercadoria esta presente, e, sob a ou­tra, apenas o dinheiro, mas em ambas as formas esta presente apenas o extrema de que parte a iniciativa. Alem disso, as duas formas tern em comum o fato de que, em uma e em outra, urn dos equivalentes nao existe senao na vontade co­mum do comprador, vontade que une os dois e adquire formas legais determina­das.

Vendedor e comprador tornam-se credor e devedor. Se o possuidor de merca­dorias, em seu papel de guardiao do tesouro era uma figura comica, torna-se ago­ra urn personagem terrfvel, p6is ja nao e a si mesmo mas ao seu proximo que apreende como o modo de ser de uma soma determinada de dinheiro, fazendo de­le, e nao mais de si proprio, o martir do valor de troca. De crente converte-se em credor, e sai da religiao para cair na jurisprudencia.

I stay here on my bond! Na forma modificada M-D, em que a mercadoria se encontra presente e o di­

nheiro esta somente representado, o dinheiro funciona, em primeiro Iugar, como medida de valor. 0 valor de troca da mercadoria e avaliado em dinheiro considera­do como medida; mas sendo valor de troca medido contratualmente o prec;o nao existe apenas na cabec;a do vendedor, mas tambem como medida da obrigac;ao do comprador. Em segundo Iugar, o dinheiro funciona aqui como meio de com­pra, embora apenas projete diante de si a sombra de seu futuro modo de ser. Com efeito, ele desloca a mercadoria, que passa da mao do vendedor para a do compra­dor. No vencimento do prazo fixado para execuc;ao do contrato, o dinheiro entra na circulac;ao porque muda de Iugar, e passa das maos do antigo comprador para as do antigo vendedor; mas nao entra na circulac;ao como meio de circulac;ao ou como meio de compra. Funcionava como tal antes de estar presente, mas surge so­mente depois de ter cessado de cumprir essa func;ao. Entra na circulac;ao como o unico equivalente adequado da mercadoria, o modo de ser absolute do valor · de troca, a ultima palavra do processo de troca, em resume, como dinheiro, e como dinheiro tambem na func;ao determinada de meio de pagamento geral. Nessa fun­c;ao de meio de pagamento, o dinheiro surge como a mercadoria absoluta no inte-

70 Capital e naturalmente antecipado tambem sob a lonna de dinheiro, e o dinheiro antecipado pode ser capital anteci· pado, mas esse ponto de vista nao entra no horizonte da circwa~o simples.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 103

rior da propria circulac;ao, e nao fora dela, como o tesouro. A diferenc;a entre meio de compra e meio de pagamento faz-se sentir muito desagradavelmente nas epa­cas de crises comerciais. 7 1

Originalmente, transformar o produto em dinheiro nao parece ser, na circula­c;ao, mais do que uma necessidade individual para o possuidor de mercadorias, pais seu produto nao constitui para ele urn valor de usa, mas somente o sera quan­do o tenha alienado. Mas para pagar no prazo contratado e indispensavel que an­tes tenha vendido mercadoria. Abstraindo de qualquer considerac;ao acerca de suas necessidades individuais, a venda transformou-se para ele, pelo movimento · do processo de circulac;ao, numa necessidade social. De antigo comprador de uma mercadoria, torna-se fon;osamente vendedor de outra mercadoria, a fim de adqui­rir dinheiro, nao como meio de compra, mas como meio de pagamento, como for­ma absoluta do valor de troca. A transformac;ao da mercadoria em dinheiro como ato final , ou ainda, a primeira metamorfose da mercadoria como fim em si, que no entesouramento parecia ser urn capricho do proprietario de mercadorias, tern ago­ra uma func;ao economica. 0 motivo e o conteudo da venda, com vista ao paga­mento, e urn conteudo que resulta da forma do proprio processo de circulac;ao.

Nessa forma de venda a mercadoria efetua sua mudanc;a de Iugar, circula adiando sua primeira metamorfose, sua transformac;ao em dinheiro. Para o vende­dor, ao contrario, o que se realiza e a segunda metamorfose, a saber, o dinheiro volta a transformar-se em mercadoria antes que a primeira metamorfose seja reali­zada, isto e , antes que a [primeira] mercadoria se tenha convertido em dinheiro. Portanto, a primeira metamorfose aparece aqui cronologicamente depois da segun­da e, com isso, o dinheiro, que e a figura da mercadoria em sua primeira metamor­fose, adquire uma nova determinidade formal. 0 dinheiro, ou seja, a forma autono­ma desenvolvida do valor de troca, ja nao e mais a forma mediadora da circulac;ao das mercadorias, mas seu resultado final.

Que essas uendas a prazo, em que os dais p6los da venda se encontram sepa­rados no tempo, sejam urn produto natural da circulac;ao de mercadorias, e urn fa­to de que nao e necessaria dar provas pormenorizadas. Em primeiro Iugar, o de­senvolvimento da circulac;ao implica em continua aparic;ao dos mesmos possuido­res, em seu relacionamento reciproco de vendedor e comprador. Mas esse fenome­no repetido nao e puramente fortuito, pais a mercadoria e encomendada para urn certo prazo, no vencimento do qual deve ser entregue e paga. Nesse caso a venda se realiza idealmente, isto e , juridicamente, sem a presenc;a fisica da mercadoria ou do dinheiro. Aqui ainda coincidem ambas essas formas do dinheiro, como meio de circulac;ao e como meio de pagamento, pais, de urn !ado, a mercadoria troca de Iu­gar com o dinheiro e, de outro, o dinheiro nao compra mercadoria, mas simples­mente realiza o prec;o da mercadoria vendida anteriormente. Alem disso, a nature­za de uma serie de valores de uso implica em que sejam alienados efetivamente, nao pela entrega definitiva da mercadoria, mas sim pela cessao dela por urn tempo determinado. Por exemplo, quando o usa de uma casa e vendido por mes, o valor de usa da casa so e entregue depois de decorrido esse mes, ainda que tenha transi­tado para outras maos no principia do mes. Como a cessao efetiva do valor de usa e a sua alienac;ao efetiva estao aqui separadas no tempo, a realizac;ao do seu prec;o e igualmente posterior a sua mudanc;a de Iugar. Finalmente, como as mercadorias sao produzidas em epocas distintas e exigem para a sua produc;ao tempo de dura­c;ao diferente, e precise que urn individuo entre em cena como vendedor quando

71 Diferenc;a entre meio de compra e meio de pagamento e acentuada por Lutero (nota no exemplar pessoal de Marx). (N. da Ed. Alema.}

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o outro nao pode ainda apresentar-se como comprador, e, como o ato de compra e venda se renova frequentemente entre os mesmos possuidores de mercadorias, os dais momentos de venda cindem-se, de acordo com as condi~oes de produ~ao de suas mercadorias. Assim nasce entre os possuidores de mercadorias uma rela­~ao de credor e devedor, que pode desenvolver-se completamente antes mesmo da existencia do ~istema de credito, cuja base natural e, sem duvida, constitufda por essa rela~ao. E clara, contudo, que, com o aperfei~oamento do sistema de cre­dito, e, portanto, da produ~ao burguesa em geral, a fun~ao do dinheiro como meio de pagamento se desenvolve em detrimento da sua fun~ao de meio de com­pra, e mais ainda como fato de entesouramento. Na Inglaterra, por exemplo, o di­nheiro sob a forma de moeda esta exclusivamente confinado a esfera do comercio varejista e do pequeno comercio entre produtores e consumidores, enql!anto domi­na as grandes transa~oes comerciais sob a forma de meio de pagamento. 72

Como meio geral de pagamento, o dinheiro torna-se a mercadoria geral dos contratos, de infcio apenas no interior da esfera de circula~ao de mercadorias. 73

Contudo, na medida em que se desenvolve nessa fun~ao, todas as outras formas de pagamento se convertem pouco a pouco em pagamento em dinheiro. 0 grau em que o dinheiro se tornou meio de pagamento exclusive indica em que medida o valor de troca se apoderou da produ~ao em extensao e profundidade. 74

A quantidade de dinheiro que circula como meio de pagamento e determina­da, em primeiro Iugar, pelo montante dos pagamentos, pela soma dos pre~os das mercadorias ali.enadas, e nao das mercadorias ainda por alienar, como acontece na circula~ao simples do dinheiro. T odavia essa soma assim Cieterminada esta sujei­ta a dois tipos de modifica~oes.

Em primeiro Iugar, essa soma e modificada pela velocidade em que a mesma pe~a de dinheiro repete a mesma fun¢o, ou seja, a velocidade da massa dos paga­mentos, como urn movimento concatenado de pagamentos. A paga B, com o que B paga C, e assim sucessivamente. A velocidade com que a mesma pe~a de dinhei­ro repete sua fun~ao de meio de pagamento depende, de urn !ado, do encadea­mento das rela<;6es de credor e devedor, entre os possuidores de mercadorias, de modo que o mesmo possuidor de mercadorias e credor relativamente a urn, e de­vedor relativamente a outro etc.; de outre lado, do espa~o de tempo que separa os diferentes prazos de pagamentos. Essa cadeia de pagamentos, ou de complementa­<;6es da primeira metamorfose da mercadoria, difere qualitativamente da cadeia de

72 Macleod, apesar de toda a presun~iio doubinclria de que as suas defini¢es dao prova, compreende tao pouco as re­la~Oes econ6micas mais elementares que considera o dinheiro em geraJ como tendo origem na sua forma mais desen­volvida, a de meio de pagamento. Oiz entre outras coisas: como as pessoas nl!o t~m sempre, a urn mesmo tempo, ne­cessidade de uma reciprocidade de servi~os. nem de servi~os em igual grandeza de valor, "existiria uma certa di!eren­~a ou uma certa quantidade de servi~o pagiivel pelo primeiro ao segundo - a dfvida". 0 credor dessa divida tern ne­cessidade dos servi~os de urn terceiro que, por seu lado, nao tern imediatamente necessidade dos seus e, com isso "trans!ere para o terceiro a divida que o primeiro tern para consigo. A ap61ice da dfvida passa, assim, de mao em mlio (e, com lsso, e meio de circula~iio) ... Quando se recebe uma obriga~ao em moeda met61ica, dispoe-se nao s6 dos ser­vl~os do primitive devedor, mas dos de toda a comunidade trabalhadora" . MACLEOD. Theory and Practice of Ban­king etc. Londres, 1855. v. 1, cap. I, p. 23 et seq., 29. 73 BAYLEY. Op. cit., p. 3: "0 dinhelro e a mercadoria geral dos contratos ou aquela em base a qual se eletua a maio­ria dos contratos relatives a prosperidade, que devem ser executados posteriormente". 74 Senior (/oc. cit, p. 221) diz: "Como o valor de qualquer coisa varia em urn perlodo de tempo dado, os individuos to­mam como meio de pagamento a coisa cujo valor vane o menos possivel e que conserve o maior tempo possivel uma capacidade media dada para comprar coisas. E assim que o dinheiro se converte em expressao ou representante dos valores". E completamente o contr6rio. Asslm que o ouro, a prata etc. tenham-se convertido em dinheiro, isto e. ser­concreto do valor de troca independente, trans!orrnam-se em' meios de pagamento universals. Precisamente no mo­mento em que a considera¢o sobre a dura~ao do valor do dinheiro, mencionado por Senior, entra em jogo, isto e. nos perfodos em que sob a lor~ das clrcunst6ncias se imp6e o dinheiro como melo de pagamento, e quando se des­cobre a flutua~ao no valor do dinheiro. Tal epoca era a de Elizabeth, na lnglaterra, quando Lord Burleigh e Sir Tho­mas Smith, em vista da deprecia~ao manilesta dos metals preciosos, fizeram aprovar uma lei parlamentar que obriga­va as universidades de Oxford e Cambridge a reservar 1/3 de suas rendas lundliirias em trigo e maite.

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0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;AO SIMPLES 105

metamorfoses que se manifesta no curso do dinheiro, na medida em que esse e meio de circula~ao. Esta ultima cadeia nao se limita apenas a manifestar-se numa sucessao cronol6gica, como tambem s6 uem a ser nela. A mercadoria converte-se em dinheiro, depois volta a ser mercadoria, permitindo com isso que a outra mer­cadoria se transforme em dinheiro etc., ou seja, o vendedor torna-se comprador, com o que urn outro possuidor de mercadorias torna-se vendedor. Esse encadea­mento nasce fortuitamente no processo de troca das mercadorias. Mas quando o dinheiro com que A pagou B e sucessivamente transferido de B para C, de C para D etc., com bruscos intervalos seguidos, esse encadeamento exterior nada mais faz que p6r em evidencia urn encadeamento social ja existente. Nao e porque entra em cena como meio de pagamento que o mesmo dinheiro passa de mao em mao, mas circula como meio de pagamento porque maos diferentes ja assinaram o con­Irate de aliena~ao das mercadorias. A rapidez com que o dinheiro circula como meio de pagamento indica portanto uma penetra~ao muito mais profunda dos indi­vfduos no processo de circula¢o, do que a rapidez do dinheiro como pe~a de moeda ou como meio de pagamento.

A soma de prec;os das compras e vendas, que se dao a urn mesmo tempo em pontes distintos da sociedade, constitui o limite de substitui~ao da quantidade de moeda pela rapidez de circular;ao. Essa barreira deixa de existir para o dinheiro em sua fun~ao de meio de pagamento. Se pagamentos a efetuar simultaneamente se concentram no mesmo Iugar, o que s6 acontece espontaneamente nos grandes centres de circula~ao das mercadorias, esses pagam~ntos, representando grande­zas positivas e negativas, compensam-se, pois A deve pagar a B, mas tern algoa re­ceber de C. A soma do dinheiro requerida como meio de pagamento sera determi­nada, nao pela soma dos pre~os dos pagamentos que devem ser efetuados simulta­neamente, mas pela sua mai0r ou menor concentra¢o, e pela grandeza do balan­~o, que resta depois da neutraliza¢o recfproca das grandezas positivas e negativas. Dispositivos pr6prios para essa compensa~ao surgem antes mesmo de qualquer de­senvolvimento do sistema de credito, como sucedeu na Roma antiga. Contudo a considera~ao desses dispositivos nao se enquadra aqui, tanto quanto a considera­~ao dos prazos gerais de pagamento, que sao fixados por toda a parte em cfrculos sociais determinados. Aqui observaremos apenas que a influencia especffica, que esses vencimentos exercem nas flutua~oes peri6dicas da quantidade de dinheiro em circula~ao, s6 muito recentemente foi cientificamente estudada.

Na medida em que as grandezas positivas se compensam com as grandezas negativas dos pagamentos, nao se verifica a menor interven~ao do dinheiro efeti­vo. Este se desenvolve aqui apenas em sua forma de medida de valores, tanto no pre<;o das mercadorias, como na grandeza das obrigac;oes recfprocas. Alem de seu modo de ser ideal, o valor de troca nao adquire aqui urn modo de ser aut6nomo, nem sequer como sinal de valor; em resume, o dinheiro se torna exclusivamente moeda ideal de calculo. A func;ao do dinheiro como meio de pagamento encerra, portanto, uma contradi<;ao. De urn lado, se os pagamentos se compensa_m, o. di­nheiro atua apenas idealmente, como medida; de outro !ado, quando se da efettva­mente o pagamento, nao se da como meio de circula<;ao fugidio, mas como modo de ser estavel do equivalente geral, como a_mercadoria absoluta; em uma palavra, como dinheiro que penetra na circula~ao. E par isso que, onde o encadeamento dos pagamentos e o sistema artificial de sua compensa<;ao ja se encontram desen­volvidos, o dinheiro sofre uma transforma~ao brusca, de sua figura fluida e gasosa como medida de valor converte-se em dinheiro vivo ou meio de pagamento, nos mementos em que o curso dos pagamentos se interrompe de forma violenta e so­fre perturba~6es no mecanisme da sua compensa~ao. Em uma fase desenvolvida da produ~ao burguesa, em que o possuidor de mercadorias ha muito se tornou

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urn capitalista, que conhece seu Adam Smith e que zomba da superstic;ao segundo a qual so ouro e prata seriam dinheiro, ou a mercadoria absoluta, ou o dinheiro em geral, em oposic;ao a todas as outras mercadorias, nessa situac;ao o dinheiro reaparece de repente nao como mediador da circulac;ao, mas unicamente como a forma adequada do valor de troca, como a (mica riqueza, exatamente como o con­cebe o entesourador. 0 dinheiro se manifesta nesse modo de ser exclusive da ri­queza, nao como acontece no sistema monetario, por depreciac;oes e perda de va­lor imaginarias, mas por uma depreciac;ao e perda efetiva de valor de toda a rique­za material. Este e o momento particular das crises do mercado mundial que se chama crise monetaria. 0 summum bonum {bern supremo) que se suplica em tais momentos e o dinheiro, dinheiro vivo; e ao seu lado todas as mercadorias, precisa­mente porque sao valores de uso, parecem inuteis, futilidades e bugigangas, ou co­mo diz o nosso Dr. Martinho Lutero, puro adorno e comezaina. Essa subita trans­formac;ao do sistema de credito em sistema monetario adiciona o susto teorico ao panico pratico, e os agentes da circulac;ao estremecem diante do impenetravel se­gredo de suas proprias relac;oes. 75

Por sua vez os pagamentos tornam necessario urn fundo de reserva, uma acu­mulac;ao de dinheiro a tftulo de meio de pagamento. A formac;ao desse fundo de reserva ja nao tern o aspecto de uma atividade exterior a propria circulac;ao, como na reserva de moeda, pois o dinheiro deve ser acumulado gradualmente para que se possa dispor dele em determinados prazos futuros. Se o entesouramento, em sua forma abstrata, que significa enriquecimento, diminui com o desenvolvimento da prodw;ao burguesa, o entesouramento diretamente exigido pelo processo de troca aumenta, ou melhor, uma parte dos tesouros que se constituem na esfera da circulac;ao das mercadorias e absorvida como fundo de reserva de meios de paga­mento. Quanto mais desenvolvida se encontra a produc;ao burguesa, mais se limi­tam ao mfnimo necessaria esses fundos de reserva. Locke, em seu trabalho sobre a baixa da taxa de juros, 76 fornece-nos interessantes informac;oes sobre a grandeza desse fundo de reserva em sua epoca. Pode-se ver quanto era significativa a parte do dinheiro to'tal em circulac;ao absorvida pelos depositos de meio de' pagamento da lnglaterra, precisamente numa epoca em que o sistema bancario havia comec;a­do a se desenvolver.

A lei da quantidade do dinheiro circulante, que resulta da considerac;ao da cir­culac;ao monetaria simples, e essencialmente modificada pela circulac;ao do meio de pagamento. Dada a velocidade de giro do dinheiro, quer como meio de circula­c;ao, quer como meio de pagamento, a soma total do dinheiro em circulac;ao, em urn perfodo de tempo dado, sera determinada pela soma total dos prec;os das mer­cadorias a realizar, mais a soma total dos pagamentos vencidos nesse mesmo espa­c;o de tempo, menos os pagamentos que se anulem reciprocamente por compensa­c;ao. A lei geral, segundo a qual a massa do dinheiro em circulac;ao depende dos prec;os das mercadorias, em nada e afetada, porquanto o montante dos pagamen­tos e, ele proprio, determinado pelos prec;os fixados por contrato. Mas e evidente que, mesmo que se pressuponha como constantes a velocidade de giro e a econo­mia dos pagamentos, a soma dos prec;os da quantidade de mercadorias em circula-

75 Boisguillebert, que gostaria de impedir que as rela~oes burguesas de produ~ao se tevantassem contra os pr6prios bur­gueses, trata com predile~ao daquelas forrnas nas quais este e apenas ideal, ou se apresenta de uma forma fugidia. As­sim tratou anteriormente do meio de circula~ao e do meio de pagamento. 0 que ele novamente nao ve e que o dinhei­ro se converte, imediatamente, de sua forma ideal em sua realidade exterior; que na medida imagimi ria do valor jli exisle o dinheiro s61ido em estado Jatente. Que o dinheiro, diz ele, nao e mais que uma simples forma das pr6prias mercadorias, se ve no grande comercio, no qual a troca se efetua sem a interven~ao do dinheiro, depois de " terem si­de as mercadorias apreciadas" . Le Detail de Ia France. Op. cit., p. 210. 76 LOCKE. Op. cit. , p. 17 e 18.

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c;ao num determinado perfodo de tempo, num dia, por exemplo, e a quantidade de dinheiro em circulac;ao nesse mesmo dia nao coincidem de forma alguma, por­que circula uma massa de mercadorias cujo prec;o so futuramente sera realizado em dinheiro, e circula uma massa de dinheiro correspondente a mercadorias ha muito safdas da drculac;ao. Esta ultima massa de dinheiro dependera, por sua vez, da grandeza da soma de valor dos pagamentos com vencimento nesse mesmo dia, ainda que os respectivos contratos tenham sido firmados em epocas completamen­te diferentes.

Vimos que a alterac;ao do valor do ouro e da prata nao afeta sua func;ao de medida de valor ou de moeda de calculo. Contudo, essa alterac;ao se reveste de importancia dedsiva para o dinheiro enquanto tesouro, pois com a alta ou a baixa do valor do ouro ou da prata, aumenta ou diminui a grandeza de valor do tesouro de ouro oude prata. Essa importancia e ainda maior para o dinheiro enquanto meio de pagamento, pois o pagamento se efetua apenas depois da venda da mercado­ria, o que equivale a dizer que o dinheiro desempenha, em tempos diferentes, duas func;oes distintas; primeiro, como medida de valores, depois, como meio de pagamento correspondente a essa medida. Se nesse espac;o de tempo houver uma alterac;ao dos metais preciosos, ou seja, do tempo de trabalho requerido para sua produc;ao, a mesma quantia de ouro ou de prata, que serve de meio de pagamen­to, valera mais ou menos o que valia na epoca em que serviu de medida dos valo­res e na qual foi conclufdo o contrato. A func;ao de dinheiro, ou de valor de troca aut6nomo, de uma mercadoria especial, como o ouro ou a prata, entra aqui em conflito com a sua natureza de mercadoria particular, cuja grandeza de valor de­pende da variac;ao dos custos de sua produc;ao. A grande revoluc;ao social, que a queda do valor dos metais preciosos provocou na Europa, e urn fato tao conheci­do como a revoluc;ao inversa ·que, nos primeiros tempos da antiga Republica roma­na, teve sua origem na alta do valor do cobre, metal em que tinham sido contraf­das as dfvidas dos plebeus. Sem levar mais Ionge o estudo das flutuac;oes do valor dos metais preciosos, influindo sobre o sistema econ6mico burgues, pode-se cons­tatar desde ja que a baixa do valor dos metais preciOSOS favorece OS devedores a custa dos credores, e que uma alta de seu valor favorece, ao contrario, os credores as expensas dos devedores.

c) 0 Dinheiro Universal

0 ouro converte-se em dinheiro distinguindo-se da moeda, primeiramente ao retirar-se da drculac;ao sob a forma de tesouro, depois, entrando nela como nega­c;ao do meio-de-circulac;ao, e finalmente, franqueando as barreiras da circulac;ao in­terna para desempenhar no mundo mercantil a func;ao de equivalente geral. Tor­na-se assim dinheiro universal.

Do mesmo modo pelo qual as medidas gerais de peso dos metais preciosos serviram originalmente como medida de valor, os nomes de calculo do dinheiro voltam a ter no mercado mundial os nomes de peso correspondentes a esses me­tais. Assim como o metal bruto, amorfo (aes rude) , era a forma primitiva do meio de circulac;ao, e a propria moeda cunhada apenas urn sinal oficial do peso contido na pec;a metalica, igualmente o metal precioso, convertido em moeda universal, se despoja de sua figura e inscric;ao para retomar a forma indlferente de lingote; e quando moedas nacionais, como "imperiais" russos, os "escudos" mexicanos, e os "soberanos" ingleses circulam no estrangeiro, seu titulo torna-se indiferente va­lendo apenas seu conteudo. Finalmente, como dinheiro internadonal, os metais predosos desempenham de novo sua func;ao primitiva de meio de troca, que, co­mo a propria troca de mercadorias, nao tern sua origem no seio das comunidades

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primitivas, mas nos pontos de contato de diferentes comunidades. Sob essa forma de moeda universal, o dinheiro volta, pois, a tamar sua forma primitiva. Ao aban­donar a circulac;ao interna, o dinheiro despoja-se novamente das formas particula­res, desenvolvidas no interior de cada esfera particular do processo de troca, ou se­ja, das formas locais de que se revestiu como padrao dos prec;os, pec;a de moeda, moeda divisionaria e sinal de valor.

Vimos que, na circula¢o interna de urn pafs, uma s6 mercadoria serve de me­dida de valor. No entanto, dado que num pafs e o ouro, e em outro e a prata que desempenha essa func;ao, no mercado mundial e valida uma dupla medida de va­lor, e o dinheiro duplica assim sua existencia em todas as demais func;oes. A con­versao dos valores das mercadorias de prec;os-ouro em prec;os-prata e vice-versa e determinada, em cada momenta, pelo valor relative desses dois metais, que varia continuamente e cuja fixac;ao aparece assim como urn processo contfnuo. Os do­nos de mercadorias em qualquer esfera interna da circulac;ao se veem obrigados a empregar alternadamente o ouro e a prata na circulac;ao externa, a trocar assim o metal que serve de moeda no interior pelo metal que necessita empregar em suas relac;oes com o estrangeiro. Dar utilizarem todas as nac;oes os dois metais, o ouro e a prata, como dinheiro universal.

Na circulac;ao internacional de mercadorias, o ouro e a prata nao aparecem co­mo meios de circulac;ao, mas como meios de troca uniuersais. Mas o meio de troca universal s6 funciona sob as duas formas desenvolvidas de meio de compra e meio de pagarY)ento, cuja relac;ao e, todavia, invertida no mercado mundial. Na es­fera da circulac;ao interna o dinheiro, enquanto moeda, atua exclusivamente como meio de compra, seja representando o mediador da unidade em processo M-D-M, ou sob a forma puramente transit6ria de valor de troca na incessante troca de Iu­gar das mercadorias. No mercado mundial ocorre o inverso. Aqui o ouro e a prata s6 aparecem como meios de compra quando o metabolismo e unilateral, havendo par isso separac;ao entre a compra e a venda. 0 comercio fronteiric;o em Kiachta, 77

por exemplo, e de fato, par contrato, urn comercio de troca direta, em que a prata intervem apenas como medida de valor. A guerra de 1857/5878 determinou que os chineses passassem a vender sem comprar. A prata apareceu entao, subitamente, como meio de compra. Em considera¢o aos termos do contrato, os russos trans­formaram as pec;as francesas de 5 francos em mercadorias de prata nao trabalha­da, que serviram como meio de troca. A prata funciona coptinuamente como meio de compra entre a Europa e a America, de urn lado, e a Asia de outro, onde esse metal se deposita sob a forma de tesouro. Alem disso, os metais preciosos servem como meio de compra intemacional, assim que o equilibria tradicional do metabo­lismo entre duas nac;oes se rompe subitamente: uma rna colheita, por exemplo, que obrigue uma das duas a comprar em proporc;oes excepcionais. Os metais pre­ciosos sao, finalmente, meios de compra internacionais dos pafses produtores de ouro ou prata, onde sao diretamente produto, mercadoria, e nao forma transforma­da desta. Quanta mais se desenvolve a troca de mercadorias entre as diversas esfe­ras nacionais de circulac;ao, mais se desenvolve a func;ao do dinheiro universal co­mo meio de pagamento, destinado a compensar as balanc;as de pagamento inter­nacionais.

Da mesma forma que a circulac;ao interna, a circulac;ao internacional exige

n 0 com~rclo fronteirl~ em Kiachta, entre a Russia e a China, expandiu-se consideravelmente ap6s o acordo de 21 de outubro de 1727, man tendo contudo a forma de comerdo de trocas. (N. da Ed. Alem!.) 78 A segunda Guerra do 6pio, de 1857/58 foi conduzida por lnglaterra e Fran~a contra a China, com vistas a obter no­vos privil~gios. A guerra terrnlnou com a derrota da China e com a assinatura do tratado de Tientsin, lmpondo condi­t;Oes depredat6rias a esse pals. (N. da Ed. Alema.)

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0 DINHEIRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 109

uma quantidade sempre variavel de ouro e prata. Uma parte dos tesouros acumu­lados serve, pois, para cada povo, de fundo de reserva de dinheiro universal, que ora se enche, ora se esvazia, acompanhando as oscilac;oes da troca de mercado­rias. 79 Independentemente dos movimentos particulares que executa em suas osci­lac;oes entre as esferas nacionais de circulac;ao, o dinheiro universal possui tambem urn movimento geral, cujos pontos de partida se encontram nas fontes de produ­c;ao, de onde as correntes de ouro e de prata se difundem em diferentes direc;oes do mercado mundial. 0 ouro e a prata entram na circulac;ao mundial sob a forma de mercadorias e sao trocados como equivalentes em propor¢o ao tempo de tra­balho que contem par equivalentes-mercadorias, antes mesmo de cair nas esferas internas de circulac;ao. Af surgem, portanto, como uma grandeza de valor dada. To­da alta ou baixa em seus custos de produc;ao afeta, portanto, uniformemente, seu valor relativo no mercado mundial, o qual independe completamente da propor­c;ao de ouro ou de prata que as diferentes esferas nacionais de circulac;ao absor­vem. A porc;ao do fluxo do metal que e captada par cada uma das esferas particu­lares do mundo das mercadorias, em parte entra diretamente na circulac;ao intema em substituic;ao as moedas metalicas gastas, em parte e retida nos diferentes tesou­ros-reservas de moeda circulante, meio de pagamento e dinheiro universal, e em parte e transformada em artigos de luxo, enquanto 0 resto e simplesmente transfor­mado em tesouros. Numa etapa desenvolvida da produc;ao burguesa, a constitui­c;ao desses tesouros e limitada ao mfnimo necessaria para 0 funcionamento do me­canisme dos diversos processes de circulac;ao. T esouro como tal e a pen as a parte da riqueza que permanece improdutiva, quando nao e a forma momentanea de urn excedente na balanc;a de pagamentos, ou seja, o resultado de urn metabolismo interrompido e, portanto, o congelamento da mercadoria na sua primeira metamor-fose. ·

Como o ouro e a prata, enquanto dinheiro e segundo o seu conceito, sao a mercadoria geral (allgemeine), no dinheiro mundial (Weltgeld) esses metais assu­mem a forma de existencia correspondente a mercadoria universal (uniuersell). Na medida em que todos os produtos se alienam par ouro e prata, esses metais se convertem na figura transformada de todas as mercadorias, e, par conseguinte, na mercadoria multilateralmente alienavel (allseitig ueriiusserlich). Realizam-se como encarnac;ao do tempo de trabalho geral, na medida em que o metabolismo dos tra­balhos gerais abarca a superficie terrestre. T ornam-se equivalente geral, na medida em que se desenvolve a serie de equivalentes particulares que constituem sua esfe­ra de troca. Dado que, na circulac;ao mundial, as mercadorias desenvolvem univer­salmente seu pr6prio valor de troca, sua figura transformada, de ouro ou de prata, aparece como dinheiro universal. Enquanto as nac;oes de possuidores de mercado­rias, por sua industria generalizada e comercio universal, convertem o ouro no di­nheiro adequado, a industria e o comercio aparecem para elas apenas como urn meio para subtrair o dinheiro, na forma de ouro e prata, do mercado mundial. Ou­ro e prata, como dinheiro universal, sao por isso tanto produto da circulac;ao uni­versal de mercadorias, como tambem, o meio de ampliac;ao de seus circulos. Do mesmo modo que os alquimistas, ao tentarem fabricar o ouro, propiciaram involun­tariamente o nascimento da quimica, tambem os possuidores de mercadorias, lan­c;ados na perseguic;ao da mercadoria em sua figura encantada, propiciam, sem que o saibam o desabrochar das fontes da industria e do comercio mundiais. 0 ouro e a prata c~ntribuem para a criac;ao do mercado mundial, uma vez que seu modo de

79 "0 dinheiro acumulado vern juntar-se A soma que, para estar efetivamente em drcula~ao e para satlsfazer As even­tualidades do comercio, se afasta e obondono a esfero do propria drculot;iio." (CARLE, G. R. Nota a VERRI. Medito­zioni sui/a Economio Politico. In: CUSTODI. Op. cit., t. XV. p. 192.

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ser e antecipado no conceito monetario desses metais. 0 seu efeito magico nao se limita de forma alguma a infancia da sociedade burguesa, ·mas resulta necessaria­mente da inversao em que aparece, para agentes do mundo da mercadoria, seu proprio trabalho social; isso se comprova pela influencia extraordim'iria que o des­cobrimento de novos pafses aurfferos, na metade do seculo XIX, exerceu sobre o comercio mundial.

Assim como o dinheiro se transforma em dinheiro mundial, o possuidor de mercadorias torna-se cosmopolita. Na sua origem, as rela<;6es cosmopolitas entre os homens nao sao mais do que suas rela<;6es como possuidores de mercadorias. A mercadoria em si e para si e superior a qualquer barreira religiosa, polftica, nacio­nal e lingi.ifstica. Sua lfngua universal e o pre<;o e sua comunidade e o dinheiro. Mas com o desenvolvimento do dinheiro universal em oposi<;ao a moeda nacional, o cosmopolitismo do possuidor de mercadorias transforma-se em credo da razao pratica em oposi<;ao aos preconceitos tradicionais, religiosos e nacionais e outros que entravam o metabolismo da humanidade. Como o mesmo ouro, que chega na lnglaterra sob a forma de eagles americanas, e af se converte em soberano, tres dias depois circula em Paris como napole6es, e ao cabo de algumas semanas en­contra-se sob a forma de ducados em Veneza, porem conservando sempre o mes­mo valor, fica claro ao possuidor de mercadorias que a nacionalidade is but the gui­nea's stamp (nao e nada mais que a inscri<;ao do guineu). A ideia sublime que o possuidor de mercadorias tern do mundo inteiro e a ideia de urn mercado - do mercado mundial. 80

IV- OS METAlS PRECIOSOS

0 processo burgues de produ<;ao apodera-se, em primeiro Iugar, da circula­<;ao metalica como urn orgao transmitido ja pronto, o qual, embora se transforme pouco a pouco, preserva sempre sua construc;ao fundamental.81 A questao de sa­ber por que sao exclusivamente o ouro e a prata que servem como material do di­nheiro, em vez de outras mercadorias. coloca-se alem dos limites do sistema bur­gues. Limitar-nos-emos, portanto, a sintetizar sumariamente os pontos de vista es­senciais.

Uma vez que o tempo de trabalho geral so admite diferen<;as quantitativas, e preciso que o objeto, que deve valer como sua encarna<;ao especffica, seja capaz de apresentar diferen<;as puramente quantitativas, tendo como pressuposto a identi­dade e a uniformidade da sua qualidade. Esta e a primeira condi<;ao para que uma mercadoria cumpra a fun<;ao de medida de valor. Se, por exemplo, avalio todas as mercadorias em bois, peles ou cereais, tenho que medi-las, na pratica, como boi­medio ideal, pele-media ideal etc., visto que ha diferen<;as qualitativas de boi para hoi, de pele para pele, de cereal para cereal. 0 ouro e a prata, ao contrario, sendo corpos simples, sao sempre identicos a si proprios, e quantias identicas desses me­tais apresentam portanto valores de igual grandeza. A outra condi<;ao da mercado­ria, que deve servir de equivalente geral, resultante diretamente da fun<;ao de apre­sentar diferen<;as puramente quantitativas, e que possa ser dividida em tantas par­tes quanto se queira e ser reunida novamente, de tal forma que a moeda de calcu-

80 MONTANARI. Della Moneta (1683). /oc. cit. p. 40: "A liga~ao dos povos entre si se estende a tal ponto sobre 0 glo­b? terrestre que quase se pode dizer que o mundo inteiro se tomou uma unica cidade onde se celebra uma perpetua fe.ra de todas as mercadonas e em que qualquer pessoa, mediante dinheiro em sua casa, pode se suptir e desfrutar de tudo o que produzem a terra, os animals e o esfor<;o humano. Uma inven~o maravilhosa". 81 "Os metals possuem a proptiedade 'e a particulatidade de que, unicamente neles, tudo se reduz a quantidade pelo fa­to de que nao receberam da natureza diversidade de qualidade, nem em sua constitui~ao intema nem em sua forma e feitio". (GALIANI. /oc. cit., p. 126-127). '

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0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;AO SIMPLES 111

lo possa ser apresentada tambem de urn modo sensfvel. 0 ouro e a prata possuem essas propriedades em grau otimo.

Na fun<;ao de meio de circula<;ao, o ouro e a prata levam vantagem sobre as demais mercadorias, pelo fato de que seu peso especffico elevado, apresentando relativamente muito peso em pouco espa<;o, esta em consonancia com seu peso econ6mico especffico, que encerra relativamente muito tempo de trabalho, isto e, elevado valor de troca em pequenos volumes. Com isso esta assegurada a facilida­de do transporte, a passagem de uma mao para outra e de urn pals para outro, a faculdade de aparecer e desaparecer com igual rapidez - em sfntese, a mobilida­de material, a condi<;ao sine qua non da mercadoria, que deve servir como perpe­tuum mobile no processo de circula<;ao.

0 alto valor especffico dos metais preciosos, sua durabilidade, sua relativa in­destrutibilidade, sua propriedade de nao oxidar-se no ar, e especialmente a insolu­bilidade do ouro em acidos, com exce<;ao da agua regia, todas essas propriedades naturais fazem dos metais preciosos a materia natural do entesouramento. Peter Martyr, que parece ter sido urn grande apreciador de chocolate, observa, a respei­to dos sacos de cacau, uma das especies de moeda utilizada no Mexico:

"6 ditosa moeda, que oferece ao genero humano uma bebida doce e nutritiva e preserva seus inocentes possuidores da peste infernal da avareza, pois nao pode ser enterrada nem preservada por muito tempo". (De Orbe Nouo.)82

A grande importancia dos metais em geral, no processo imediato de produ­<;ao, esta ligada a sua fun<;ao como instrumento de produ<;ao. Sem falar da sua ran­dade, a maleabilidade do ouro e da prata em compara<;ao com o ferro, e ate com o cobre (no estado solido, em que era empregado pelos antigos) torna-os impro­prios para essa utiliza<;ao e priva-os assim, em larga medida, da qualidade sobre a qual repousa o valor de uso dos metais em geral. Sao tao inuteis no processo ime­diato de produ<;ao, quanto sao dispensaveis como meios de subsistencia, como ob­jeto do consumo. Em qualquer quantidade em que entrem no processo de circula­<;ao social nao prejudicam os processos de produ<;ao e de consumo imediatos. Seu valor de uso individual nao entra em conflito com sua fun<;ao econ6mica. Por ou­tro !ado, o ouro e a prata nao tern apenas o carater negativo de objetos superfluos, dispensaveis, mas suas qualidades esteticas fazem deles a materia natural do luxo, do adorno, da suntuosidade, das necessidades festivas, em resumo, a forma positi­va do superfluo e da riqueza. Aparecem de uma certa maneira como luz solidifica­da, extrafda do mundo subterraneo - a prata refletindo todos os raios luminosos em sua mistura primitiva, o ouro refletindo apenas a mais elevada potencia da cor, o vermelho. Ora, o sentido da cor e a forma mais popular do sentido estetico em geral. A conexao etimologica dos nomes dos metais preciosos com os nomes das cores, nas diferentes lfnguas indo-germanicas, foi demonstrada por Jacob Grimm. (Vera sua Historia da Ungua Alemii. ).

Finalmente, a capacidade do ouro e da prata de passar da forma de moeda a de lingote, desta a de artigo de luxo, e vice-versa; enfim, sua primazia sobre as de­mais mercadorias, de nao permanecerem cativos sob formas de uso determinadas que eventualmente tenham assumido, faz deles a materia natural do dinheiro, que continuamente deve passar de uma determinidade formal para outra.

A natureza nao produz dinheiro, nem tampouco banqueiros ou cota<;ao da moeda. Mas como a produ<;ao burguesa necessita cristalizar a riqueza como feti-

82 A cita~ao do De Orbe Nouo de Pedro Martyr Anghiera, dec. 5, cap. 4, Marx retirou da obra History of the Conquest of Mexico ... , de William Hickling Prescott t I, p. 123. (N. da Ed. Alema.)

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che, na forma de uma Cmica coisa, o ouro e a prata tornam-se essa encarna~ao cor­respondente. 0 ouro e a prata nao sao por natureza dinheiro, mas o dinheiro e, por natureza, ouro e prata. Por um lado o crista! de dinheiro, em ouro ou em pra­ta, nao e apenas um produto do processo de circula~ao, mas e, de fato, seu unico produto em repouso. Por outro lado, sao produtos naturals prontos, e o sao tanto produtos imediatos da circula~ao como da natureza, sem que uma diferen~a for­mal os distinga. 0 produto geral do processo social, ou o proprio processo social enquanto produto, e um produto natural especial, um metal escondido nas entra­nhas da terra, de onde pode ser extraldo.83

Havfamos visto que o ouro e a prata nao podem satisfazer a reivindica~ao que foi imposta a eles como dinheiro, de ser uma grandeza de valor sem varia~oes. Contudo possuem, como observou Arist6teles, uma grandeza de valor mais esta­vel que a media das demais mercadorias. Sem falar no efeito geral de uma alta ou uma baixa nos pre~os dos metals preciosos, as flutua~oes da propor~ao de valor entre o ouro e a prata sao de especial importancia, porque ambos servem no mer­cado mundial, lado a lado, como materia do dinheiro. As razoes puramente econo­micas dessa varia~ao de valor - as conquistas e outras transforma~oes pollticas bruscas, que exerciam grande influencia sobre o valor dos metals no mundo anti­go, tern apenas um efeito local e passageiro - sao redutlveis a varia~ao do tempo de trabalho requerida pela produ~ao desses metals. Esse tempo de trabalho, por sua vez, dependera de sua raridade natural relativa, assim como das dificuldades maiores ou menores em obte-los em estado puramente metalico. 0 ouro, com efei­to, foi o primeiro metal a ser descoberto pelo homem. Por um lado, a propria natu­reza o apresenta em forma cristalina, s6lida, individualizada, sem combina~ao qui­mica com outros corpos, ou seja, como diziam os alquimistas, em estado virgem; por outro lado, a propria natureza se encarrega, nos grandes lavados de ouro dos rios, da obra da tecnologia. 0 trabalho exigido ao homem, tanto para extrair o ou­ro dos rios, como dos terrenos de aluviao, e um dos mais rudimentares, enquanto a produ~ao da prata implica um trabalho de minerac;ao e geralmente um desenvol­vimento relativamente grande da tecnica. Apesar da sua maior raridade absoluta, o valor original da prata era por isso relativamente maior que o do ouro. A afirma~ao de Estrabao, de que em uma tribo arabe davam 10 Iibras de ~uro por uma de fer­ro, e 2 Iibras de ouro por uma de prata, nao parece ser falsa. A medida que se de­senvolvem as for~s produtivas do trabalho social e que, por conseguinte, encare­ce o produto do trabalho simples em rela~ao ao do trabalho complexo, e a medida que se escava a crosta terrestre por todo lado e se estancam as fontes primitivas da superflcie proporcionadoras do ouro, o valor da prata decresce em relac;ao ao do ouro. Em uma determinada etapa do desenvolvimento da tecnologia e dos meios de comunica~ao, a descoberta de _novas regioes aurlferas e argentfferas fara a ba­lanc;a pender definitivamente. Na Asia antiga, a relac;ao entre o ouro e a prata era de 6 para 1, ou de 8 para 1, esta ultima relac;ao prevalecia tambem ainda na Chi­na e no Japao no principia do seculo XIX; 10 para 1, que era a relac;ao na epoca de Xenofonte, pode ser considerada como a relac;ao media no perfodo medio da Antiguidade. A explora~ao das minas de prata da Espanha por Cartage, e mais tar­de por Roma, teve na Antiguidade quase o mesmo efeito que a descoberta das mi­nas americanas na Europa moderna. Na epoca do Imperio Romano P~?demos con-

83 Em 760, uma multidllo de pobres emigrou para lavar as areias auriferas do sui de Praga, onde tr~ homens podiam extrair ao dia urn marco de ouro. Foi tal a aOuencia aos cf1Q9ings (jazidas d~ ouro) e a quantidade de bra<;os roubados A agricultura, que no ano segulnte a regiao loi assolada pela lome. (Ver KORNER. M. G. Abhond/ung oon dem Alter­tum desbOhmischen Bergwerks. Schneeberg, 1758. p. 37 et seqs.)

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siderar como relac;ao media a de 15 ou de 16 para 1, embora se tenha verificado freqi.ientemente em Roma maior deprecia~ao da prata. 0 mesmo movimento, que come~a pela deprecia~ao relativa do ouro e termina com a queda do valor da pra­ta repete-se na epoca seguinte, que se estende da !dade Media ate os tempos mais recentes. Como no tempo de Xenofonte, a relac;ao media na !dade Media e de 10 para 1, e volta a ser de 15 ou 16 para 1 em consequencia do descobrimento das minas americanas. 0 descobrimento de jazidas de ouro na Australia, California e Colombia toma provavel uma nova queda do valor do ouro.84

C) Teorias sobre o meio de circulaqiio eo dinheiro

Enquanto nos seculos XVI e XVII - a infancia da sociedade burguesa moder­na - a ganancia universal pelo ouro arrastava povos e prlncipes a cruzadas transo­ceanicas em busca do Santo Graal de ouro,85 os primeiros interpretes do mundo moderno, os promotores do sistema monetario - do qual o sistema mercantil e apenas uma variante - proclamavam como unica riqueza o ouro e a prata, isto e, o dinheiro. Expressavam, corretamente, a vocac;ao da sociedade burguesa para fa­zer dinheiro, isto e, formar, do ponto de vista da circulac;ao simples de mercado­rias, o eterno tesouro, o qual nao roem nem a tra~a nem a ferrugem. Dizer que uma tonelada de ferro ao prec;o de 3 Iibras esterlinas e uma grandeza de valor igual a 3 Iibras esterlinas de ouro nao constitui uma resposta ao sistema monetario. Trata-se aqui, nao da grandeza do valor de troca, mas de sua forma adequada. Se o sistema monetario e mercantil distingue o comercio mundial e os ramos particula­res do trabalho nacional, que desembocam diretamente no comeroio mundial, co­mo as unicas fontes autenticas da riqueza ou do dinheiro, e necessaria ter em con­ta que nessa epoca a maior parte da produc;ao nacional se movia sob formas feu­dais e constitufa para os proprios produtores a fonte imediata de subsistencia. Os produtos, em grande parte, nao se transformavam em mercadoria, nem, portanto, em dinheiro; nao entravam no metabolismo social geral; nao apareciam, portanto,

84 Ate agora as descobertas da AustrAlia e outras nl!o afetaram ainda a rela¢o entre o ouro e a prata. As afirma<;Oes em contrArio de Michel Chj!valier t~m exatamente o mesmo valor que o socialismo deste ex-saint-simonlano. A cota­ctiio da prata no mercado de Londres prova aliAs que de 1850 a 1858 o precto-ouro da prata j! pouco mais de_3% su­perior ao que era no perlodo de 1830/50. Mas essa subida explica-se simplesmente pela procura de prata na Asia. De 1852 a 1858, o precto da prata nos vArios anos e meses varia uniromente em fun~ao dessa procuro, e nl!o em fun<;l!o da entrada de ouro provenlente das fontes de produ~l!o recj!m-descobertas. Eis urn apanhado dos pre~os-ouro da pra­ta no mercado de Londres.

[Pre<;o da Prata por Ont;a]

A no Mar~o Julho Novembro

1852 ... 60 118 pence ... 60 1/4 pence ... 61 718 pence 1853 ... 613/8 .. 61 112 .. 61 718 .. 1854 ... 61 7/8 .. 613/4 .. 61 112 .. 1855 ... 60 7/8 .. 61 112 .. 60 718 .. 1856 ... 60 .. 61 114 .. 62118 .. 1857 ... 613/4 .. 61 518 .. 61 112 .. 1858 ... ?1 518 ..

~ "0 ouro e uma coisa maravilhosa! Quem o possui e dono de tudo o que desejar. Gra~ ao ouro pode-se conseguir o acesso das almas ao paralso." Colombo. em uma carla de Jamaica, de 1503. (Anota<;ao de Marx, em seu exem­plar.)

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114 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLITICA

como objetiva~ao do trabalho geral abstrato, e, de fato, nao criavam riqueza bur­guesa. 0 dinheiro, como finalidade da circulaqao, e 0 ualor de troca ou riqueza abs­trata, e nao urn elemento material qualquer da riqueza que constitui o Jim determi­nante e motiuo animador da produc:;.ao. Como era de se esperar, no limiar da pro­duc;ao burguesa, aqueles profetas desconhecidos estavam agarrados a forma s6li­da, palpavel e brilhante do valor de troca, a sua forma de mercadoria geral, em oposic;ao a todas as mercadorias particulares. Naquela altura a esfera da economia burguesa propriamente dita era a esfera da circulac;ao de mercadorias. Assim, era do ponto de vista dessa esfera elementar que julgavam todo o complicado proces­so da produc;ao burguesa e confundiam dinheiro com capital. A luta incessante dos economistas modernos contra o sistema monetario e mercantil provem de que es­se sistema propaga de urn modo bastante ingenuo o segredo da produc;ao burgue­sa, ou seja, o fato de que esta se encontra sob o domfnio do valor de troca. Ricar­do observa algures, ainda que seja para fazer disso uma aplica<;ao falsa, que mes­mo nas epocas de tome se importam cereais, nao porque a nac;ao passa fame, mas porque o negociante de trigo ganha dinheiro. Na crftica que faz ao sistema mo­netario e mercantil, a economia polftica moderna erra ao combater esse sistema co­mo se fosse uma simples ilusao, uma teoria falsa, nao reconhecendo nele a forma barbara do seu princfpio fundamental. Alem disso, esse sistema nao s6 preserva seu direito hist6rico como tambem seu pleno direito de cidadania em determina­das esferas da economia moderna. Em todas as etapas do processo burgues de produ~,;ao, nas quais a riqueza reveste a forma elementar da mercadoria o valor de troca assume a forma elementar do dinheiro, e em todas as fases do processo de produc;ao a riqueza volta a revestir continuamente, ainda que seja por urn momen­ta, a forma elementar geral da mercadoria. Mesmo na mais desenvolvida econo­mia burguesa as func;oes especfficas do ouro e da prata como dinheiro, diferente­mente de sua func;ao como meio de circulac:;ao, e em oposic;ao as demais mercado­rias, nao sao anuladas, mas apenas restringidas; por isso o sistema monetario e mercantil preserva o seu direito. 0 fato eat61ico do ouro e da prata, como encarna­c;ao imediata do trabalho social, e por isso, como modo de ser da riqueza abstrata, c?nfrontarem-se com as demais mercadorias profanas, fere naturalmente o point d honneur (pudor) protestante da economia burguesa que, por temor aos precon­ceitos do sistema monetario, perde, por muito tempo, a faculdade de julgar os fe­n6menos da circulac;ao monetaria, como mostraremos a seguir.

Em oposic;ao ao sistema monetario e mercantil, que s6 conhece o dinheiro sob sua determinidade formal de produto cristalizado na circula~,;ao, era natural que a economia classica o concebesse, primeiro, sob a sua forma fluida de valor de troca, forma esta que surge e desaparece dentro do processo da pr6pria meta­morfose das mercadorias. Mas como a economia classica concebe a circulac;ao de mercadorias exclusivamente na forma M-D-M, e esta, por sua vez, como a unidade evolutiva da unidade de venda e compra, o dinheiro foi afirmado em sua determi­nidade formal de meio de circulac:;ao contra sua determinidade formal de dinheiro. Se se isola o pr6prio meio de circulac;ao em sua func;ao de moeda, ele se transfor­ma, como vimos, em sinal de valor. Mas como a economia classica se confrontou de infcio com a circulac;ao metalica como forma dominante da circulac;ao, toma o dinheiro metalico par moeda, e a moeda metalica por simples sinal de valor. Con­forme a lei da circulac;ao dos sinais de valor, estabelece-se a tese de que os pre~,;os das mercadorias dependerao da massa do dinheiro circulante e nao o inverso isto e, que a massa do dinheiro em circulac;ao depende dos pr~~os das mercad~rias. Os economistas italianos do seculo XVII formulam essa tese de urn modo mais ou menos clara, ora aprovada, ora negada par Locke, mas desenvolvida em sua for­ma pura no Spectator (no numero de 19 de outubro de 1711) por Montesquieu e

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0 DINHEIRO OU .4. CIRCULA<;:AO SIMPLES 115

Hume. Sendo este ultimo, indiscutivelmente, o representante mais importante des­sa teoria do seculo XVII, come~,;aremos par ele nosso apanhado geral.

Sob determinados pressupostos, urn aumento ou uma diminuic:;ao na quanti­dade, seja do dinheiro metalico circulante, seja dos sinais de valor em circulac;ao, parece atuar uniformemente sabre os prec;os das mercadorias. Se ha uma queda ou alta no ualor do ouro ou da prata, os quais servem para avaliar os valores de troca das mercadorias sob a forma de prec;os, os preqos sobem ou descem por ter variado sua medida de valor, circulando uma quantidade maior ou menor de ouro e prata como moeda, em conseqliencia da alta ou baixa dos prec;os. 0 fen6meno visfvel e a altera~,;ao dos prec;os - permanecendo constante o valor de troca das mercadorias - com o aumento ou diminuic;ao da quantidade de meios de circula­c;ao. Se, p0r outro lado, a quantidade dos sinais de valor em circulac;ao cai abaixo ou se eleva acima do nfvel necessaria, e, em seguida, forc;ada violentamente pela baixa ou alta dos prec;os das mercadorias a voltar a esse nfvel. Em ambos os casos, o mesmo efeito parece ter sido provocado pela mesma causa. A essa aparencia se prende Hume.

Qualquer pesquisa cientffica sabre a relac;ao entre a quantidade dos meios de circula~,;ao e o movimento de pre~,;os das mercadorias deve ter como dado o valor do material que constitui o dinheiro. Ao contrario, Hume estuda exclusivamente as epocas de revoluc;oes no valor dos pr6prios metais preciosos, isto e, revoluc;oes da medida de valores. A elevac;ao dos prec;os das mercadorias simultaneamente com o aumento do dinheiro metalico, desde a descoberta ,das minas americanas, consti­tui o fundo hist6rico da sua teoria, ao mesmo tempo que a polemica contra o siste­ma monetario e mercantil !he propicia o motivo pratico. A entrada dos metais pre­ciosos pode aumentar naturalmente, mantendo-se constantes seus custos de produ­c;ao. Por outro !ado, a diminui~,;ao de seu valor, isto e, do tempo de trabalho neces­saria a sua produ~,;ao, mostrar-se-a primeiramente apenas no aumento de sua ofer­ta. Assim, pois, diziam mais tarde os disclpulos de Hume que o valor mais baixo dos metais preciosos manifesta-se no crescimento da massa dos meios de circula­c;ao e o crescimento da massa dos meios de circulac;ao manifesta-se na eleva~,;ao dos pre~,;os das mercadorias. Mas, de fato, s6 aumenta o prec;o das mercadorias ex­portadas, que sao trocadas por ouro e prata na qualidade de mercadorias e nao na qualidade de meios de circula~,;ao. Assim os pre~,;os dessas mercadorias, que sao avaliadas em ouro e prata de valor diminufdo, se elevam em relac;ao a todas as de­mais r.nercadorias, cujo valor de troca continua sendo avaliado em ouro e prata se­gundo o padrao de seus antigos custos de produc;ao. Essa dupla avaliac;ao dos va­lores de troca das mercadorias num mesmo pars s6 pode ter, por certo, urn carater temporario e os prec;os-ouro ou prec:;os-prata devem necessariamente equilibrar-se nas proporc;oes determinadas pelos pr6prios valores de troca, de tal modo que os valores de troca de todas as mercadorias sejam finalmente avaliados segundo o no­vo valor do material que constitui o dinheiro. Este nao e o momenta adequado de expor o desenvolvimento desse processo, como nao e o Iugar de examinar o mo­do pelo qual o valor de troca das mercadorias se impoe em meio as flutuac:;oes dos prec;os de mercado. Mas que essa equalizac;ao se realiza bern vagarosamente nas epocas menos desenvolvidas da produ<;ao burguesa, estendendo-se por longos pe­rfodos, e que de qualquer maneira nao se processa no mesmo ritmo em que au­menta o dinheiro corrente, foi provado de forma clarfssima por novas estudos crfti­cos sabre o movimento dos prec;os das mercadorias no seculo XVI. 86

86 Hume admlte alias que essa compensacao se da gradualmente. por menos que corresponda ao seu princ!pio. Ver HUME, David. Essays and Treatises on Seuera/ Subjects. Londres, 1777. v. I, p. 300.

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116 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLiTICA

Sao de todo impertinentes as referencias que os discfpulos de Hume tao praze­rosamente intentam fazer com a alta dos prec;9s na antiga Roma, em conseqi.iencia da conquista da Macedonia, do Egito e da Asia Menor. A transferencia brusca e brutal de urn pafs para outre de tesouros mone!Zirios acumulados, fato comum no mundo antigo, e a reduc;ao temporaria dos custos de prodw;ao dos metals precio­sos, grac;as a mera pilhagem, afetam tao pouco as leis imanentes da circulac;ao mo­netaria como a distribuic;ao gratuita em Roma dos cereals do Egito e da Sicflia, por exemplo, afeta a lei geral que regula o prec;o dos cereals. Hume, como alias todos os escritores do seculo XVIII, nao p6de dispor do material necessario para a obser­vac;ao detalhada da circulac;ao do dinheiro, pois tal material - por urn lado, uma historia classificada dos prer;os das mercadorias, e por outre, estatfsticas oficiais e contfnuas sobre a expansao e contrac;ao do meio circulante, afluxo e escoamento dos metais preciosos etc. - apenas comec;a a existir com o pleno desenvolvimento do sistema bancario. A teoria da circulac;ao de Hume pode ser resumida nos se­guintes pontes: 1) Os prer;os das mercadorias num pafs sao determinados pela massa de dinheiro nele existente (dinheiro real ou simbolico). 2) 0 dinheiro circu­lante num pafs representa todas as mercadorias que af se encontram. Na propor­r;ao em que aumenta o numero dos representantes, a quantidade do dinheiro cor­responde a uma parte maier ou menor da coisa representada a cada representante individual. 3) Se aumenta a quantidade das mercadorias, seu prer;o baixa, ou ova­lor do dinheiro sobe. Se aumenta a quantidade do dinheiro, sobe inversamente o prer;o das mercadorias e diminui o valor do dinheiro. 87

"0 encarecimento de tudo - diz Hume - em conseqi.iencia de uma supera­bundancia de dinheiro, e uma desvantagem para qualquer comercio estabelecido, pois permite aos pafses mais pobres suplantar os mais ricos em todos os mercados estrangeiros. 88 Considerando-se uma nac;ao em si mesma, a escassez ou abundan­cia da moeda usada para calcular, ou para representar as mercadorias, nao pode exercer nenhuma influencia, nem boa nem rna, da mesm·a forma que nao se altera­ria o balanr;o de urn comerciante, se este, em vez dos algarismos arabicos, que exi­gem P?Ucos caracteres, empregasse na sua contabilidade os algarismos romanos, que eXJgem maior quantidade de caracteres. Pois a quantidade maior de dinheiro assim como os algarismos romanos de calculo, e muito mais inc6moda e reque~ mais trabalho tanto para a conservac;ao como para o transporte. " 89

Para provar qualquer coisa, Hume deveria ter demonstrado que, num dado sistema de caracteres de calculo, a massa das cifras empregadas nao depende da grandeza do valor dos numeros, mas inversamente, que a grandeza do valor dos numeros depende da massa dos caracteres empregados. E correto, sem duvida, que nao ha vantagem em avaliar ou "contar" os valores das mercadorias em ouro ou prata depreciada, e e por isso que os povos, que se encontravam em urn pro­cesso de crescimento da soma de valor de suas mercadorias em circular;ao, acha­vam sempre mais ~6modo usar a prata para contar em vez do cobre, e logo o ouro em vez da prata. A medida que se tornavam mais ricos, convertiam os metais me­nos valiosos em moeda subsidiaria, e os mais valiosos em dinheiro. Por outro lado Hume esquece que, para o calculo dos valores em ouro ou prata, nao e necessaria que esses metais estejam "a mao". Para ele, a moeda de calculo e o meio de circu­lar;ao sao a mesma coisa, pais ambos sao moeda (coin). Baseando-se em que uma alterac;ao de valor, na medida de valores ou dos metals preciosos que servem de

87 Cf. STEUART. Op. cit., p. 394-400. 88 HUME, David. toe. cit.. p. 300. 89fbfd., p. 303.

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0 DINHEIRO OU A CIRCUl.Ac;AO SIMPLES 117

moeda de calculo, faz subir ou baixar os prec;os das mercadorias, e, portanto, a massa do dinheiro em circulac;ao, se permanecer constante a velocidade de giro, Hume conclui que a alta ou a baixa dos prec;os das mercadorias depende da quan­tidade de dinheiro que circula. Que nos seculos XVI e XVII nao. so aumentava a qt~antidade de ouro e de prata, como diminufam simultaneamente os custos de sua produc;ao, esse fato p6de ser percebido por Hume, em virtude do fechamento das minas europeias. Durante esses seculos os prec;os das mercadorias subiram na Europa a medida que aumentava a massa de ouro e prata importada da America; .logo, os prec;os das mercadorias de cada pafs sao determinados pela massa de ou­ro e de prata que nele se encontra. Essa e a primeira "conseqi.iencia necessaria" de Hume.90 Tambem nesses seculos, os prec;os nao subiram na mesma proporc;ao em que aumentavam os metais preciosos; decorreu mais de meio seculo antes que se verificasse qua/quer alterac;ao nos prec;os das mercadorias, e mesmo entao pas­sou ainda muito tempo antes que os valores de troca das mercadorias fossem ava­liados de urn modo geral em func;ao do valor diminufdo do ouro e da prata, isto e, antes que a revoluc;ao atingisse os prec;os gerais das mercadorias. Hume transfer­rna, sem submeter a crftica, fatos observados parcialmente em proposic;oes gerais, procedendo assim em perfeita contradic;ao com os princfpios da sua filosofia, e con­clui que os prec;os das mercadorias, ou o valor do dinheiro, e determinado, nao pe­la sua massa absoluta existente em urn pafs, mas antes pela quantidade de ouro e de prata que entra efetivamente na circulac;ao; finalmente , todo ouro e toda prata que se encontram num pafs devem ser absorvidos como moeda.91 Esta clare que se o ouro e a prata possuem urn valor proprio, abstraindo-se de todas as demais leis da circulac;ao, apenas pode circular uma quantidade determinada de ouro e de prata, como equivalente de uma soma dada de mercadorias. Assim, se toda a quantidade de ouro e de prata que se encontra eventualmente em urn pafs, deve entrar como meio de circula<;ao no processo de trocas das mercadorias, sem ter em conta a soma dos valores das mercadorias, o ouro e a prata nao possuem valor imanente e nao sao, de fato, mercadorias efetivas. Essa e a terceira "conseqi.iencia necessaria" de Hume. Mercadorias sem prec;o, e ouro e prata sem valor, entrando no processo de circulac;ao - e o que pretende ver Hume. Assim ele nao menciona nunca o valor das mercadorias, nem o valor do ouro, mas apenas as suas quantida­des recfprocas. Locke ja havia dito que o ouro e a prata tern apenas urn valor me­ramente imaginario ou convencional; foi essa a primeira forma brutal de contradi­c;ao a afirmac;ao do sistema monetario de que somente o ouro e a prata tern valor verdadeiro. 0 fato de que o modo de ser do ouro e da prata provem simplesmen­te da sua fun<;ao no processo social de interdimbio, implica que seu proprio valor, isto e, sua grandeza de valor, provem de uma func;ao social.92 0 ouro e a prata sao, pois, coisas sem valor, todavia adquirem no interior do processo de circulac;ao uma grandeza de valor fictfda como representantes das mercadorias. 0 processo os transforma nao em dinheiro, mas em valor. Este seu valor e determinado pela proporc;ao entre sua propria massa e a massa das mercadorias, devendo sobrepor-

90 HUME, David. /bid., p. 303. 91 "E ev!dente que os pre.;os dependem menos da quantldade absoluta de mercadorias e da do dlnheiro, que se en­contram em urn pals, que da quantidade de mercadorias que podem ser trazidas ao mercado e do dinheiro circ:ulante. Se o dinheiro cunhado esta encerrado em areas, o efeito ~ o mesmo, no que diz respeito ao pre.;o, que se fosse des­truldo; se as mercadorias se ac:ham amontoadas nos armaz~ns e celeiros, o efeito e igual. Como nesses casos nunca se enc:ontram o dinhelro e as mercadorias, uns nlio podem atuar sobre os outros. 0 conjunto (~,OS pre.;?Sl alcan.;a, final­mente, uma justo propor¢o d nouo quontidode de moedo metolico que se encontro no pols (foe. Cit., p. 303, 307 e 308). 92 Ver Law e Franklin, relativamente ao excedente do valor, que se considera que adquirem o ouro e a prata em sua fun(iao de dinhelro. Ver tambem Forbonnais. (Anota~ao de Marx no exemplar pessoal.)

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118 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLiTICA

se as duas massas. Hume, par outro !ado, introduz o ouro e a prata no mundo das mercadorias, tomando-os como nao-mercadorias, e transforma-os inversamente, tao logo aparec;am sob a determinidade formal de moeda, em simples mercadorias que se permutam pelo processo simples da troca direta com as outras mercadorias. Nesse caso, se o mundo das mercadorias consistisse numa (mica mercadoria, 1 mi­lhao de toneladas de trigo, par exemplo, seria facil imaginar que 1 tonelada seria trocada par 2 onc;as de ouro, no caso de existirem 2 milh6es de onc;as de ouro, e par 20 onc;as de ouro no caso de existirem 20 milh6es, e que, consequentemente, o prec;o da mercadoria e o valor do dinheiro subiriam ou baixariam na razao inver­sa da quantidade de dinheiro existente. 93 Mas o mundo do mercado comp6e-se de uma variedade infinita de valores de usa, cujo valor relativo nao e, de modo al­gum, determinado pela quantidade relativa. Como e que Hume concebe, pais, es­se intercambio entre a massa das mercadorias e a massa do ouro? Contenta-se com a vaga e confusa concepc;ao segundo a qual cada mercadoria se troca como parte alfquota da totalidade das mercadorias, por uma parte alfquota corresponden­te da totalidade de ouro. 0 movimento evolutivo das mercadorias, que nasce da oposic;ao contida nele, entre valor de troca e valor de usa, e que aparece no curso do dinheiro, cristaliza-se nas diferentes determinidades formais deste ultimo, e, par isso, se apaga, seu Iugar sendo preenchido por uma igualizac;ao mecanica imagina­ria entre o peso total da massa dos metais preciosos e a massa de mercadorias que existem ao mesmo tempo em urn dado pafs.

Sir James Steuart abre seu estudo sabre a moeda e o dinheiro com uma crfti­ca detalhada de Hume e Montesquieu. 94 E ele, de fa to, o primeiro a colocar a ques­tao: a quantidade de ouro circulante e determinada pelos prec;os das mercadorias, ou os prec;os das mercadorias sao determinados pela quantidade de dinheiro circu­lante? Embora sua exposic;ao se ache obscurecida por uma fantastica concepc;ao das medidas de valor, par uma representac;ao oscilante do proprio valor de troca e par reminiscencias do sistema mercantil, descobre as determinidades formais essen­dais do dinheiro, assim como as leis gerais de sua circulac;ao, porque nao coloca mecanicamente as mercadorias de urn !ado, e o dinheiro do outro, mas desenvol­ve efetivamente as diferentes func;oes dos diferentes momentos da troca de merca­dorias.

"0 emprego do dinheiro na circula<;ao interna de urn pais pode ser resumido em dois pontos principais: o pagamento do que se deve, e a compra daquilo de que se ne­cessita; o conjunto desses dois atos constitui a demanda do ponto de vista do dinheiro (ready money demands) ... 0 estado do comercio e das manufaturas, o modo de existencia e os gastos habituais dos habitantes, tornados em conjunto, regulam e de­terminam a massa da demanda para o dinheiro sonante, isto e, a massa das aliena­<;:5es. Para efetuar esses multiplos pagamentos, torna-se indispensavel uma certa pro­por<;ao de dinheiro. Essa propor<;ao pode aumentar e diminuir segundo as circunstan­cias, embora a quantidade das aliena<;oes permane<;:a a mesma ... Em todo caso, a cir­cula<;ao em urn pars s6 pode absorver uma determinada quantidade de dinheiro.95 0 pre<;o de mercado da mercadoria e determinado pela complicada opera<;ao da deman­da e concorrencia (demand and competition), que sao completamente independentes da massa de ouro e prata existente em urn pais. 0 que acontece entao ao ouro e a pra­ta que nao sao necessitados como moeda? Sao amontoados sob a forma de tesouro ou servem como material na fabrica<;ao de artigos de luxo. Se a quantidade de ouro e prata cai a baixo do nivel necessaria para a · Circula<;ao e compensada pela moeda sim-

93 Essa fic~o se encontra textualmente em Montesquieu. (Anota~o de Marx no exemplar pessoal.) 94 STEUART. Op. cit., t. I, p. 394 et seqs. 95STEUART. Op. cit., t. II, p. 377-379 passim.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 119

b61ica ou por outros expedientes. Quando urn cambio favoravel introduz uma abun­dancia de dinhei!o no p~is e detem a demanda para a sua exporta<;ao ao estrangeiro, ela se acumulara em catxa, onde se torna tao inutil como se tivesse ficado nas mi­nas. "96

A segunda lei descoberta par Steuart e o refluxo ao seu ponto de partida da circulac;ao baseada no credito. Finalmente, mostra os efeitos que a diversidade de taxas de jura provoca nos diversos pafses sabre a exportac;ao e importac;ao interna­cionais dos metais preciosos. Apenas nos referimos aqui a estas ultimas determina­<;6es para sermos completos, vista que se desviam do nosso tema isto e da circula~ c;?o simples. 97 A moeda simb6lica ou a moeda creditfcia - Ste~art nio distingue amda essas duas formas do dinheiro - podem substituir os metais preciosos na cir­culac;ao interna como meio de compra ou como meio de pagamento, mas nao no mercado mundial. As notas de papel sao par isso o dinheiro da sociedade (money of the society), enquanto o ouro e a prata constituem o dinheiro mundial (money of the world). 98

Uma particularidade das nac;6es que tern urn desenvolvimento hist6rico no sentido da Escola Hist6rica do Direito, 99 e esquecer constantemente sua propria' his­t?ria. Embora_ a questao controversa sobre a relac;ao entre os prec;os das mercado­nas e a quantidade dos meios de circulac;ao tenha agitado permanentemente o Par­lamento durante este meio seculo, e tenha feito surgir na lnglaterra milhares de panfletos Iongos e breves, Steuart permaneceu relegado ao esquecimento como urn "cao morto", mais que Espinosa o fora por Moses Mendelssohn ao tempo de Lessing. Mesmo o historiador mais recente da currency (meio de circulac;ao legal), Maclaren, converte Adam Smith em inventor da teoria de Steuart, e Ricardo no criador da teoria de Hum e. 100 Enquanto Ricardo aperfeic;oava a teo ria de · Hume,

96 Jbid., p. 379-380 passim. 97 "As moedas adicionais serao guardadas no cofre ou transformadas em prataria ... Quanto ao papel-moeda, quando li­ver preenchido a sua primeira finalidade, que e satisfazer as necessidades daquele que o pediu emprestado, regressara ao devedor e sera reahzado ... Por isso deixe que aumente ou diminua a moeda metalica de urn pais em qualquer pro­por~ao, as mercadorias nao subirao nem baixarao a nao ser segundo os princlpios da procura e da concorrencia, e es­tas dependerao sempre das disposi~oes dos que tern qualquer propriedade ou qualquer especie de equivalente a ce­der, e nunca da quantidade de moedas que possuam... Deixe que ela se torne (a quantidade de moeda metalica de urn pais) tao pequena quanto se queira, enquanto houver no pais propriedade real de qualquer natureza, e concorren­coa no consumo entre os que a possuem, os pre~os serao elevados devido il troca, ao uso da moeda simb61ica, aos pa­gamentos rec!procos e mil outras inven~oes... Se este pais tern neg6cios com outras na~oes, e necessario que exisla uma propor~o entre os. ~re~os de muitas mercadorias, no pais e no estrangeiro, e uma brusca subida ou diminui~ao da moeda metahca, admotindo que pudesse por so provocar a alta ou a baixa dos pre~os, seria /imitada nos seus efeitos pela concorrenda estrangei~." STEUART. /oc. cit., l I. p. 400-401. "A circula~o de cada pais deve ser adaptada a ativodade ondustrial dos habotantes que produzem as mercadorias que vern para o mercado .. . Se o dinheiro sonante de urn pais cai abaixo da propor~ao correspondente ao pre~o da atividade industrial a venda, recorre-se a inven~oes co­~o a moeda simb61ica para estabelecer urn equivalente. Mas se acontece que a moeda metalica ultrapassa a propor­~ao correspondente il atividade industrial, nem por isso provocara a subida dos pre~os ou entrara na circula~ao: sero guardado sob a forma de tesouros ... Qualquer que possa ser a massa de dinheiro num pais em rela~ao ao resto do mundo, nunca pode estar em circula~oo mais que uma quantidade proporcional ao consumo dos habitantes ricos e ao trabalho ou a atividade industrial dos pobres", e essa propor~ao nao e determinada " pela quantidade de dinheiro que se encontra efetivamente no pais" (Ibid., p. 407-408 passim}. " Todos os paises se esfor~arao por lan,.ar seu dinheiro ~onante, q~e nao e necessario ~. sua P_r6pria circula,.ao, no pais em que o juro do dinheiro seja elevado em rela~o ao JUro local. (/bod. , t II. p. 5.) 0 paos mais nco da Europa pode ser o mais pobre em moeda metalica circulante" (Ibid., t. II. p. 6) - Cf. a poll! mica contra Steuart em Arthur Young.' • Esta ultima !rase foi anotada por Marx em seu exemplar. (N. da Ed. Alema.) 98 STEUART. Op. cit., t. II. p. 370. Louis Blanc transforma o money of society, que nada mais significa que moeda in­lerna, ~a~oonal, em moeda soctalista, o que nao significa absolutamente nada, e faz conseqUentemente de John Law urn socoalosta. (Ver o seu tomo I da Hist6ria da Reuoluc;oo Francesa.} 99 A Escola Hist6rica do Direito foi uma corrente reacionaria no campo da Hist6ria e do Direito, que surgiu na Alema­n~a no final do seculo XVIII. Seus representantes se levantaram contra as ideias burguesas-democraticas da Revolu­~o Francesa. Marx trata dessa corrente em seus escritos: 0 Manifesto Filos6flco da Escola Hlst6rica do Direito e Para a Crltico da Filosofia do Direito de Hegel. lntrodu~ao. (N. da Ed. Alema.) 000 MACLAREN. Op. cit., p. 43 et seqs. 0 patriotismo levou urn escritor alemao morto prematuramente (Gustav Julius) a elevar o velho BUsch a grau de autoridade, que opoe a escola ricardiana. 0 respeitavel BUsch traduziu ao baixo-ale­mao hamburgues o Ingles genial de Steuart, deturpando o original sempre que possivel.

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Adam Smith anotava os resultados das pesquisas de Steuart como coisas de que se havia esquecido. Adam Smith aplicou a riqueza espiritual seu adagio escoces, se­gundo o qual "quando se ganha urn pouco, toma-se geralmente facil faze-lo au­mentar, a dificuldade porem esta em ganhar este pouco inicial", e e por isto que to­rna urn cuidado mesquinho em esconder as fontes de onde retirou o pouco do qual fez efetivamente muito. Mais de uma vez prefere dissimular uma questao, pois uma formulaCiaO mais aguda obriga-lo-ia a acertar contas com seus predecessores. Assim sucede no que diz respeito a teoria do dinheiro. Sem fazer menCiao a teoria de Steuart, Smith a retoma explicando, o ouro e a prata que se encontram em urn pafs servem em parte de mo!2da, em parte sao acumulados corpo fundos de reser­va dos comerciantes em parses onde nao existem bancos, e cqmo reservas de ban­co nos pafses onde existe uma circulaCiaO ba:;eada no credito; em parte servem de tesouro para equilibrar os pagamentos internacionais, em parte sao convertidos em artigos de luxo. Deixa de !ado, disfan;adamente, a questao sobre a quantidade da moeda circulante ao tratar do dinheiro de forma totalmente incorreta, como sim­ples mercadoria. 101 Seu vulgarizador, o insfpido J.-B. Say, a quem os franceses pro­clamaram como prince de fa science, do mesmo modo que Johann Christoph Gottsched elevou seu Schonaich a categoria de Homero, e Pietro Aretino procla­mou-se a si proprio terror principum e lux mundi (terror dos prfncipes e luz do mundo), erigiu em dogma essa distra~ao de Adam Smith, que alias nao foi tao ino­cente quanto parecia. 1~'2 Alem disso, a tensao polemica com que se insurgia contra as ilus6es do si~tema mercantil impediu Adam Smith de compreender objetivamen-. te os fen6menos da circulaCiaO metalica, enquanto suas opini6es sobre a moeda creditfcia sao originals e profundas. Assim como, no seculo XVIII, pode-se encon­trar sempre por detras de todas as teorias sobre a petrificac;ao, uma corrente de ideias que tern a sua origem nas considerac;6es crfticas ou apologeticas da tradiCiaO bfblica do diluvio, tambem esconde-se, por tras de todas as teorias monetarias do seculo XVIII, uma !uta implacavel contra o sistema monetario, esse fantasma que ti­nha assombrado o berCiO da economia burguesa e continuava a projetar sua som­bra sobre a legislac;ao.

Nao foram os fen6menos da circula<;ao metalica, mas sim os da circulac;ao das notas bancarias que, durante o seculo XIX, deram impulso as pesquisas sobre o di­nheiro. Atentou-se para a primeira a fim de se descobrir as leis da segunda. A sus­pensao dos pagamentos em especie do Banco da lnglaterra, a partir de 1797, a ele­vac;ao dos prec;os de numerosas mercadorias que se verificou a seguir, a queda do preCio monetario do ouro abaixo de seu prec;o de mercado, a depreciac;ao das no­tas bancarias, particularmente desde 1809, fomeceram os motivos praticos e ime­diatos para uma !uta partidaria no Parlamento, e urn torneio teorico fora dele, tao apaixonado este quanto aquela. A historia do papel-moeda no seculo XVIII serviu de fundo historico do debate: o fiasco do Banco de Law, 103 a depreciaCiao das no­tas-de-banco provincials das col6nias inglesas da America do Norte, que, paralela-

101 lsso nao ~ exato. Pelo contr6!1o, formula correlamente a lei em varias passagens. (Anota~l!o de Marx ao seu exem­plar.) 102 Por isso, a dileren~a entre currency e money, isto e, entre o meio de circula~ao e o dinheiro, nl!o se encontra em Wealth of Nations. Enganado pela aparente lmparclalidade de Adam Smith, que conhecla multo bern seu Hume e seu Steuart, o sincero Maclaren dlz: "A teoria da dependl!ncia dos pre~os da quantidade dos meios de clrcula~l!o nl!o ha· via atra!do a aten¢o alnda: e o Dr. Smith, como Locke (Locke varia em sua maneira de ver), considera a moeda me­tA!ica nada mais que uma mercadona" (MACLAREN. Op. cit., p. 44). 100 Fiasco do Banco de Low: 0 banqueiro e economista ingll!s John Law tentou realizar na prntica sua ideia totalmente absurda, de que o Estado podena aumentar a riqueza do pals pela emissao de notas sem cobertura. Ele lundou em 1716 urn banco privado em Paris, que loi translormado em banco oficial. 0 banco de Law emiUa limitadamente pa· pel-moeda, ao mesmo tempo que recebia dep6sitos de moeda metallca, com o que propiciou urn vertigtnoso movi· menlo da bolsa e uma especula¢o jamals conhecida ate entao, ate que finalmente em 1720 o " Banco Oficial" assim como o "sistema" de Law entraram em uma bancarrota total. Law lugiu para o estrangeiro. (N. da Ed. Alem!.)

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 121

mente ao crescimento dos sinais de valor, durou do comec;o a meados do seculo XVIII; depois, mais tarde, o curso forc;ado do papel-moeda (continental bills) impos­to por lei do governo central americana durante a guerra da lndependencia, e final­mente a experiencia feita em maior escala ainda dos assignats franceses. A maior parte dos escritores ingleses da epoca confunde a circulac;ao das notas bancarias, regulamentadas por leis totalmente diferentes, com a circulac;ao dos sinais de valor, ou do papel oficial de curso forc;ado, e pretende explicar os fen6menos dessa circu­lac;ao de curso forCiado pelas leis da circulac;ao metalica; sao, pelo contrario, as leis desta ultima que de fato se deduzem dos fen6menos da primeira. Passaremos por alto os numerosos escritores do perfodo que vai de 1800 a 1809 para considerar imediatamente Ricardo, quer porque sua obra resume a de seus predecessores, de quem formula as ideias de uma forma mais rigorosa, quer porque a forma que deu a teoria do dinheiro domina ate agora toda a legisla~ao bancaria inglesa. Ricardo, como seus predecessores, confunde a circulac;ao das notas bancarias, ou da moe­da creditfcia, com a circula<;ao dos simples sinais de valor. 0 fato que !he prende a atenCiao e a depreciac;ao de papel-moeda e o aumento simultaneo dos prec;os das mercadorias. 0 que as minas americanas siginificaram para Hume, as prensas de notas de papel de Threadneedle Streetl04 significaram para Ricardo; ele proprio, em certa passagem, identifica expressamente os dois fatores. Seus primeiros escri­tos, que tratam somente da questao do dinheiro, aparecem no momento em que reinava a mais violenta polemica entre o Banco da lnglaterra, ao !ado do qual se colocavam os Ministros e o Partido da Guerra, e seus adversaries, que contavam entre a oposiCiaO parlamentar, os Whigs e o Partido da Paz. Seus escritos surgem como precursores diretos do celebre relatorio do Bullion committee (comite do Te­souro) de 1810, em que sao aceitas as teses de Ricardo. '05 0 fato singular de Ricar­do e seus discfpulos, que declaram ser o dinheiro apenas urn simples sinal de va­lor, serem conhecidos por bu//ionists (homens dos lingotes de ouro), nao se deve apenas ao nome desse comite, mas ao conteudo da sua propria doutrina. Em suas obras sobre a Economia Politica, Ricardo repetiu e desenvolveu as mesmas teses, mas nao estudou em parte nenhuma a natureza do dinheiro em si mesmo, como o fez com o valor de troca, com o lucro, com a renda da terra etc.

Ricardo determina primeiramente o valor do ouro e da prata assim como o de todas as demais mercadorias, pela quantia do tempo de trabalho objetivado ne­las. 106 Neles, como mercadorias de valor, sao medidos os valores de todas as de­mais mercadorias. 107 A quantidade dos meios de circula<;ao de urn pafs e en tao de­terminada, por urn !ado, pelo valor da unidade de medida do dinheiro e, por outro !ado, pela soma dos valores de troca das mercadorias. Essa quantidade e modifica­da pela economia de modo de pagamento. 108 Como se encontra assim determina­da a quantidade de dinheiro de urn dado valor que pode circular e, como seu va­lor na circulac;ao nao depende senao de sua quantidade, os simples sinais de valor,

104 "Threadneedle Street''- rua de Londres onde se localiza o Banco da lnglaterra. (N. da Ed. Alema.) t05 RICARDO, David. The High Price of Bullion, a Proof of the Depreciation of Banknotes. 4.• ed. Londres. 1811. (A 1." edi~ao apareceu em 1809.) E ainda: Reply to Mr. Bosanquet's Practical Observations on the Report of the Bullion Committee. Londres, 1811. t06 RICARDO. David. On the Principles of Political Economy. Op. cit., p. 77. "0 valor dos metals preciosos. assim co­mo o de lodas as demais mercadonas, depende da quantidade de trabalho necessaria para os obter e para os lrazer para o mercado." to71bid .. p. 77, 180 e 181. 108 lbid., p. 421. "A quantldade de dinheiro empregada em um pais depende de seu valor. se s6 circulasse o ouro. lana 15 vezes menos !alta que se se emprege~sse unicamente a prata." Ver tambem RICARDO. Proposals for on Economl· col and Secure Currency. Londres, 1816. p. 8. AI ele a6rma: "0 montante das notas em circula~o depende da quanti· dade requerida para a circuta~ao do pals; a qual e regulada pelo valor da unidade de medida do dlnhelro, pelo mon· tante dos pagamentos e pela economia da sua realiza~o".

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122 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POUTICA

se sao emitidos na propon;ao determinada pelo valor do dinheiro, podem substitui­lo na circula~ao e

"o dinheiro circulante achar-se-a em seu estado acabado, se consiste exclusivamente em papel de valor igual ao ouro que pretende representar". 109

Ate esse momento, tendo o valor do dinheiro como dado, Ricardo determina a quantidade dos meios de circula~o pelos pre~os das mercadorias, e o dinheiro, enquanto sinal de valor, e para ele o sinal de uma determinada quantia de ouro, e nao, como para Hume, o representante sem valor das mercadorias.

Quando Ricardo interrompe bruscamente o curso regular da sua exposi~ao pa­ra adotar a tese contn1ria, volta imediatamente sua aten~ao para a circula~ao inter­nacional dos metais preciosos e confunde assim o problema com a introdu~ao de pontos de vista que lhe sao estranhos. Analisando a expressao Intima de seu pen­samento, come~aremos por deixar de lado todos os problemas secundarios e artifi­ciais e situaremos as minas de ouro e prata nos pafses em que esses metals precio­sos circulam como moeda. A unica frase, que resulta do desenvolvlmento feito por Ricardo ate entao, e que, tendo o valor do ouro como dado, a quantidade de dlnheiro circulante e determlnada pelos pre~os das mercadorias. Assim pols, em urn dado momento, a massa de ouro que circula em urn pafs e determinada sim­plesmente pelo valor de troca das mercadorias que circulam. Suponha-se entao que a soma desses valores de troca diminua, ou porque se produzem menos mer-. cadorias segundo o anterior valor de troca, ou porque, em conseqi.iencia de urn au­mento da for~a produtiva do trabalho, a mesma massa de mercadorias assume urn valor de troca menor. Ou suponha-se, inversamente, que a soma dos valores de troca aumente porque aumenta a massa das mercadorias, mantendo-se os custos de produ~ao, ou porque o valor dessa mesma massa de mercadorias, ou de uma massa menor, cresce em conseqi.iencia de uma diminui~ao da for~a produtiva do trabalho. 0 que ocorre em ambos os casos com a quantidade dada do metal circu­lante? Se o ouro s6 e dinheiro porque circula como meio de circula~ao, se e obriga­do a manter-se na circula~ao como papel-moeda emitido pelo Estado, com curso for~do (e e isso que Ricardo tinha em mente), entao, no primeiro caso, havera su­perabundancia da quantidade de dinheiro em circula~o em rela~ao com o valor de troca do metal, e, no segundo caso, achar-se-ia abaixo do nivel normal. Embo­ra possuindo urn valor pr6prio, o ouro, no primeiro caso, se converteria em sinal de urn metal de valor de troca inferior ao seu; no ultimo caso, em sinal de urn me­tal de valor superior. No primeiro caso, o ouro estaria, como sinal de valor, abaixo de seu valor efetivo; no segundo caso, acima de dito valor (uma abstra~ao a mais do papel-moeda de curso for~ado). No primeiro caso seria como seas mercadorias fossem avaliadas num metal de valor inferior, e no segundo caso como se fossem num metal de valor superior ao ouro. No primeiro caso, os pre~os das mercadorias subiriam; no segundo, baixariam. Em ambos os casos, o movimento dos pre~os das mercadorias, sua alta ou sua baixa, seria efeito da expansao ou da contra~ao relativa da massa de ouro circulante acima ou abaixo do nfvel correspondente a seu pr6prio valor, ou seja, a quantidade normal que se determina pela rela~ao en­tre seu pr6prio valor e o valor das mercadorias que tern que circular.

0 mesmo processo ocorreria se a soma dos pre~os das mercadorias em circu­la~ao permanecesse identica, mas a massa de ouro circulante viesse a se encontrar abaixo ou acima do nivel normal; abaixo, se as moedas de ouro desgastadas na cir­cula~ao nao fossem substituidas por uma nova produ~o correspondente das mi-

t09 RICARDO. Principles of Political Economy. Op. cit., p . 432 e 433.

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nas; acima, se a nova oferta das minas excedesse as necessidades da circula~ao. . Nos dois casos supoe-se que os custos de produ~ao do ouro, ou seja, o seu valor, se mantem inalteraveis.

Resumindo, o dinheiro em circula~ao esta no seu nfvel normal quando, dado o valor de troca das mercadorias, a sua quantidade e determinada por seu pr6prio valor metalico. 0 dinheiro sobe, o ouro desce abaixo de seu valor metalico e os pre~os das mercadorias aumentam, porque a soma dos valores de troca da massa das mercadorias diminui ou porque aumenta a oferta proveniente das minas de ou­ro. 0 dinheiro se contra! e desce abaixo de seu nfvel normal, o ouro eleva-se aci­ma de seu pr6prio valor metalico e os pre~os das mercadorias baixam porque a so­ma dos valores de troca da massa das mercadorias aumenta ou porque o rendi­mento das minas de ouro nao compensa a massa de ouro gasta pelo uso. Em am­bos os casos, o ouro circulante e sinal de valor de urn valor superior ou inferior ao que contem efetivamente. Pode, portanto, chegar a ser urn sinal depreciado ou su­perestimado de si pr6prio. Tao logo fossem as mercadorias avaliadas nesse novo valor do dinheiro e os pre~os das mercadorias em geral baixassem ou subissem. proporcionalmente, a quantidade de ouro circulante corresponderia de novo as ne­cessidades da circula~ao (conseqi.iencia que Ricardo ressalta com especial satisfa­~ao), mas estaria em contradi~ao com os custos da produ~ao dos metals preciosos e, portanto, com sua rela~ao como mercadorias, com as demais mercadorias. De acordo com a teoria ricardiana dos valores de troca em geral, a alta do ouro acima do seu valor de troca, ou seja, do valor determinado pelo tempo de trabalho que contem, provocaria urn aumento de produc;ao do ouro ate que esse aumento da oferta o fizesse novamente descer ate atingir a devida grandeza de valor. Inversa­mente, uma queda do ouro abaixo de seu valor provocaria uma diminui~ao de sua produ~ao ate que atingisse de novo a devida grandeza de valor. Esses movimentos inversos permitiriam resolver a contradi~ao entre o valor metalico do ouro e seu va­lor como meio de circula~ao; estabelecer-se-ia urn nfvel correto da massa de ouro em circula~ao e o nfvel dos prec;os das mercadorias corresponderia de novo a me­dida de valores. Essas flutuac;oes do valor do ouro em circula~o atingiriam igual­mente o ouro em lingotes, visto que, como se pressup6s, todo ouro que nao e utili­zado nos artigos de luxo esta em circulac;ao. Uma vez que o pr6prio ouro, tanto sob a forma de moeda como sob a forma de lingotes, pode chegar a ser sinal de valor de urn valor metalico maior ou menor que o seu pr6prio, e evidente que as notas do banco conversfveis compartilham da mesma sorte. Ainda que as notas se­jam conversfveis, que seu valor real corresponda, portanto, ao seu valor nominal, a massa total de dinheiro em circulac;ao, ouro e notas (the aggregate currency con­sisting of metal and of convertible notes), pode ser sobreavaliada ou depreciada consoante a sua quantidade total, pelos motivos acima expostos, quer se eleve aci­ma quer desc;a abalxo do nfvel determinado pelo valor de troca das mercadorias em circula~ao e pelo valor metalico do ouro. Desse ponto de vista, a moeda-papel nao conversfvel s6 tern sobre a moeda-papel conversfvel a vantagem de poder des­valorizar-se duplamente. Pode descer abaixo do valor do metal do qual se reputa porque e emitido em numero multo grande; ou tambem pode cair porque o metal que representa desce abaixo do seu pr6prio valor. Essa depreciac;ao, nao do papel em rela~ao ao ouro, mas do ouro e do papel em conjunto, ou da massa total dos meios de circula~ao de urn pafs, e uma das principals descobertas de Ricardo, de que Lord Overstone e Cia. se apossaram para uso pr6prio e fizeram urn princfpio fundamental da legislac;ao bancaria de Sir Robert Peel, de 1844 e 1845.

0 que se deveria demonstrar era que os prec;os das mercadorias ou o valor do ouro depende da massa de ouro que circula. A demonstra~ao consiste em admi­tir antecipadamente aquilo que se esta por demonstrar, a saber, que toda a quanti-

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dade de metal precioso que serve como dinheiro, seja qual for a rela~ao com seu valor intrfnseco, se torna necessariamente meio de circula~ao, moeda, logo, sinal de valor para as mercadorias em circula~ao, seja qual for a soma total do seu va­lor. Em outras palavras, a demonstra~ao consiste em fazer abstra~ao de todas as outras fun~oes que o dinheiro desempenha alem da sua fun~ao de meio de circula­~ao. no Quando se acha em serias dificuldades, como em sua polemica com Bosan­quet, Ricardo se refugia nas afirma~oes dogmaticas inteiramente dominado pelo fe­n6meno da deprecia<;ao do sinal de valor por sua quantidade. 1n

Se Ricardo tivesse apresentado abstratamente essa teoria, como nos o fize­mos, sem recorrer a fatos concretes e sem dedicar-se a questoes incidentais que o afastam do proprio problema, surpreender-nos-ia sua superficialidade. Mas ela da a todo o desenvolvimento urn verniz intemacional. No entanto, sera facil provar que a grandeza aparente da escala nao afeta em nada a limita~ao das ideias funda­mentais.

A primeira proposi~ao era: a quantidade de dinheiro metalico em circula<;ao e normal quando e determinada pela forma dos valores das mercadorias em circula­<;ao, calculada em seu valor metalico. Do ponto de vista internacional, isso se for­mula assim: no estado normal da circula~ao cada pafs possui uma massa de dinhei­ro que corresponde a sua riqueza e industria. 0 dinheiro circula de acordo com urn valor correspondente ao seu valor efetivo ou ao seu custo de produ~ao, isto e, tern o mesmo valor em todos os pafses. 112 Assim, nunca haveria exporta<;ao de di­nheiro para urn pafs, nem importa~ao para outro.113 Estabelecer-se-ia, pais, urn equilfbrio entre as currencies (as massas totais de dinheiro em circula~ao) dos diver­sos pafses. 0 nfvel correto da currency nacional e entao expresso sob a forma do equilfbrio internacional das currencies, o que, de fato, apenas significa que a nacio­nalidade nao afeta a lei econ6mica geral. Estamos aqui novamente no mesmo ·pan­to fatal. Como se da a altera~ao do nfvel correto? Pergunta que agora se formula deste modo: como se perturbou o equilfbrio internacional das currencies, ou como o dinheiro deixa de ter· o mesmo valor em todos os pafses, ou, finalmente, como deixa de ter o seu proprio valor em cada pafs? Antes o nfvel normal era alterado porque a massa de ouro em circula~ao aumentava ou diminufa, mantendo estavel a soma de valor das mercadorias, ou porque a quantidade de dinheiro circulante permanecia a mesma enquanto os valores de troca das mercadorias subiam ou des­dam; agora o nfvel internacional determinado pelo valor do metal e perturbado porque a massa de ouro que urn pafs possui aumenta em conseqtiencia do desco­brimento de novas minas de ouro, 114 ou porque a soma dos valores de troca das mercadorias que circulam em urn determinado pafs aumentou ou diminuiu. Do mesmo modo que anteriormente a produ<;ao de metais preciosos diminufa ou au­mentava conforme a necessidade de provocar a contra~ao ou expansao da cur­rency e a baixa ou a alta dos pre~os das mercadorias na medida correspondente; sao, no caso presente, a exporta~ao e a importa~ao de urn pafs para o outro que provocam esse efeito. No pafs em que os pre<;os tivessem subido e o valor do ouro

no Traduzido conforme as corre~oes feitas por Marx no seu exemplar da 1.• edi~ao. No texto de 1859 consta: "de to­das as outras determina~oes formais que o dinheiro possui, alem da sua forma como meio de circula~ao". (N. doT.) Il l RICARDO, David. Reply to Mr. Bosanquet's Practical Obseroations. Op. cit. , p. 49. " Que o pre~o das mercadorias subiria ou baixaria proporcionalmente ao crescimento ou diminui~o da moeda, eu pressuponho como um Jato indis­cutfuel " . ll2 RICARDO. The High Price of Bullion. Op. cit. "0 dinheiro teria em todos os parses o mesmo ualot" (p. 4). Ricardo modificou essa frase em sua Economia Polftica, mas nao suficientemente para tomar-se significativa. ll3 Ibid. , p. 3-4. ll4 Ibid., p. 4.

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tivesse cafdo abaixo do seu valor metalico, em consequencia de uma dilata<;ao da circula<;ao, o ouro seria depreciado em rela<;ao aos outros pafses e haveria conse­qtientemente uma alta de pre~os das mercadorias em rela<;ao com os outros paf­ses. Exportar-se-ia entao ouro e importar-se-iam mercadorias. E vice-versa, em ca­so contrario. Assim como antes, a produ<;ao de ouro era a que continuava ate o restabelecimento da propon;ao de valor correta entre o metal e a mercadoria; ago­ra o que continuaria ate que o equilfbrio se restabelecesse entre as currencies inter­nacio[lais seria a importa~ao do ouro, e, com elas, a alta ou a baixa das mercado­rias. A semelhan<;a com o primeiro caso, em que a prodw;ao do ouro aumentava ou diminufa porque o ouro estava acima ou abaixo do seu valor, seria esta a unica razao que provocaria as migra<;oes internacionais do .ouro. Assim como, no primei­ro caso, qualquer varia<;ao na sua produ~ao afetaria a quantidade de metal em cir­cula~ao e com ela os pre<;os, do mesmo modo, afetaria agora a importa~ao e a ex­porta<;ao internacionais. Tao logo fosse restabelecido o valor relativo entre o ouro e a mercadoria ou a quantidade normal dos meios de circula~ao, no primeiro caso nao haveria mais produ<;ao, e no segundo cessaria a exporta<;ao ou a importa~ao, exceto aquele mfnimo necessaria para substituir as moedas desgastadas e satisfazer o consume da industria de artigos de luxo.

Segue-se daf que:

"a tenta<;ao de exportar ouro em troca de mercadorias, ou seja, uma balan<;a comer­cia! desfavoravel, nao se produz senao em conseqtiencia de uma superabundancia dos meios de circula<;ao". 115

0 ouro so seria exportado ou importado em fun~ao de sua superavalia~ao ou de sua desvaloriza<;ao segundo a expansao ou contra~ao da massa dos meios de circula<;ao acima ou abaixo de seu nfvel normal. 116 Alem disso, uma outra conse­qtiencia seria esta: como no primeiro caso a produ<;ao do ouro aumenta ou dimi­nui, e no segundo caso o ouro e importado ou exportado, apenas porque a sua quantidade esta acima ou abaixo do seu nfvel correto, apenas por ser calculado aci­ma ou abaixo do seu valor metalico e os pre<;os das mercadorias serem demasiado elevados ou demasiados baixos, cada urn destes movimentos atua como correti­vo117 ao restituir os pre~os ao seu verdadeiro nfvel, atraves da expansao ou contra­<;ao do dinheiro circulante, no primeiro caso restabelecendo o nfvel entre o valor do ouro e o valor da mercadoria, no segundo caso o nfvel internacional das curren­cies. Em outras palavras: o dinheiro circula nos diferentes pafses apenas na medida em que circula como moeda em cada pafs. 0 dinheiro nao e mais que moeda, por isso, a quantidade de ouro que existe em urn pafs deve entrar na circula~ao, e po­de, portanto, sendo seu proprio sinal de valor, subir ou descer acima ou abaixo de seu valor. Assim nos voltamos, finalmente, atraves do caminho complicado dessas rela~oes internacionais, ao simples dogma de que havfamos partido.

Alguns exemplos mostrarao como Ricardo elabora118 for~adamente os fen6me­nos efetivos, tornando-os afins a sua teoria abstrata. Afirma, por exemplo, que em epocas de rna colheita, freqtientes na Inglaterra durante o perfodo de 1800 a

li S "Uma balan~a comercial desfavoravel s6 pode originar-se de uma superabundancia de meios de circula~ao" (RI­CARDO. Ibid. , p. 11 e 12). 116 "A exporta~ao do dinheiro sonante e causada pelo seu baixo pre~o. e nao e o efeito, mas a causa de uma balan~ desfavoravel" (Ibid., p. 14). 117 /bid., p. 17. ll8 Corrigido no exemplar de Marx. E na 1.' edi~ao constava "constata devidamente". (N. da Ed. Alema.)

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126 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLJT!CA

1820, o ouro e exportado nao porque se necessite de trigo e o ouro seja dinheiro e, portanto, urn meio de compra e de pagamento sempre eficaz119 no mercado mundial, mas porque o ouro se acha depreciado no seu valor em rela<;ao com as demais mercadorias, e, por conseguinte, a currency do pafs em que se produz a rna colheita se encontraria depreciada em rela<;ao as demais currencies nacionais. Assim, pois, a quantidade dada do dinheiro circulante ultrapassaria seu nfvel corre­to e se produziria uma alta nos pre<;os de todas as mercadorias, porque a rna co­lheita faria diminuir a massa das mercadorias em circula<;ao. 12° Contrariamente a es­sa paradoxa! interpreta<;ao demonstrou-se por meio das estatfsticas que, de 1793 ate a epoca atual, a quantidade de meios de circula<;ao, no case de mas colheitas, nao existia em excesso, mas estes se tomavam insuficientes e, conseqlientemente, circulou, e devia circular necessariamente mais dinheiro que antes. 121

Ricardo afirmava tambem, na epoca do bloqueio continental de Napoleao122 e dos decretos de bloqueio123 ingleses, que os ingleses exportavam para o continente ouro em vez de mercadorias, porque seu dinheiro tinha side depreciado em rela­<;ao com o dinheiro dos pafses continentais, as suas mercadorias tinham, por conse­guinte, urn pre<;o mais elevado e que era, portanto, uma especula<;ao comercial mais vantajosa exportar ouro em vez de mercadorias. Segundo ele, a Jnglaterra era o mercado em que as mercadorias eram caras e o dinheiro barato, enquanto no continente acontecia o contrario.

"0 fato, diz urn escritor ingll!s, consistia nos baixos prec;os ruinosos impostos aos nossos objetos fabricados e produtos coloniais pelo bloqueio continental nos seis ulti­mos anos da guerra. Os prec;os do ac;ucar e do cafe, por exemplo, avaliados em ouro, eram no continente quatro ou cinco vezes mais elevados que os prec;os avaliados na Inglaterra em notas do Banco. Esta era a epoca em que os qufmicos franceses desco­briram o ac;ucar de beterraba e substituiam o cafe pela chic6ria enquanto os arrendata­rios ingleses, para engordar os bois, experimentavam o xarope e o melac;o, epoca em que a Jnglaterra tomava posse de Helgoland a fim de estabelecer urn dep6sito de mer­cadorias que favorecesse o contrabando com o norte da Europa, e em que os artigos li­geiros de fabricac;ao britanica procuravam entrar na Alemanha dando a volta pela Tur­quia... Quase todas as mercadorias do mundo eram acumuladas em nossos entrepos­tos onde eram deixadas de !ado ate que uma licenc;a francesa, pela qual os comercian­tes de Hamburgo e Amsterdam pagavam a Napoleao a soma de 40 mil a 50 mil Iibras

ll9Corrigido no exemplar de Marx. Na 1.• edi~o constava ''atuante". (N. da Ed. Alema.) 120 RICARDO. Ibid., p. 74 e 75. "Em conseqU~nda de uma rna colheita, a lnglaterra encontrar-se-ia no caso de urn pals que tivesse side prlvado de uma parte de suas mercadorias e, portanto, tivesse necessidade de uma quantidade menor do melo circulante. 0 melo de circula~ao, que antes era proporcional aos pagamentos, tornar-se-ia excessive e re!ativamente barato em propor~o A sua produ~o diminufda. A exporta~o dessa soma, portanto, equillbraria o va­lor do melo de circula~!o com o valor dos meios de circula~ao dos demais parses." A confusao que faz entre o dinhei­ro e a mercadorla, e dinhelro e moeda, toma um aspecto ridicule na seguinte frase: "Se podemos super que, ap6s uma rna colhelta, quando a lnglaterra necesslta efetuar uma importa~ao extraordinaria de trlgo, se encontra um exces­so desse artigo em outra na~llo que nao tenha necessidade de outra mercadoria, deve-se deduzlr lndubitavelmente que esta na~ao nllo exportarA o seu trlgo em troca de mercadorias, mas tampouco o exportar6 em troca de dinhelro, pols este Oltimo e uma mercadorla de que uma na~ao jamais necessita de modo absolute, porem relative" (Ibid., p. 75). Puchkin, em seu poema her61co, apresenta o pal de seu her6i como urn homem incapaz de compreender que a mercadoria e dlnheiro. Que dinheiro e mercadoria sempre foi o conhecimento dos russos, como o demonstram nl!io so­mente as importa<;oes lnglesas de trtgo, de 1838/42, como tambem toda a sua hist6ria comercial. 121 Cf. TOOKE, Thomas. History of Prices. WILSON, James. Capital, Currency and Bunking. (Este ultimo livre e uma reimpressl!io de uma serie de artigos publicados em 1844, 1845 e 1847 no London Economist.) 122 Bloqueio continental- Depois que a lrota lrancesa foi destrulda pelos navies ingleses, na batalha naval de Trafal­gar, Napoleao 1 tentou impor um bloqueio econ6mico a lnglaterra. No decreta, que ele promulgou em 21 de novem­bro de 1806 em SerUm, 1~-se: "As ilhas bntanicas se encontram em situa~o de bloqueio ... o com~rcio com as ilhas briffinicas bem como todo tipo de relacionamento com elas ficam proibidos". Esse decreto foi seguido por todos os Es­tados vassalos da Fran~a. assim como os seus aliados. A suspensao do bloqueio se d~ com a derrota de Napole!o na Russia. (N. da Ed. Aleml!.) 123 Decretos do bloquelo - Foram os diferentes decretos reais (orders in council) promulgados em 1807 como respos­ta ao bloquelo napoleOnlco. lgue~lmente esses decretos proibiam aos pafses neutros o com~rclo com a Fran~ e seus aliados. (N. da Ed. Aleml!.)

0 DINHE!RO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 127

esterlinas, libertava uma pequena quantidade. Estranhos comerciantes estes, que paga­vam a tal prec;o a liberdade de transportar de mercado caro para mercado barato urn carregamento de mercadorias. Em que altemativa real se encontrava o comerciante? Ou comprar o cafe a 6 pence em notas do Banco e expedi-lo para uma prac;a onde po­dia vendl!-lo imediatamente a 3 ou 4 xelins-ouro a libra, ou entao, comprar ouro com notas do Banco a 5 Iibras esterlinas a onc;a e expedi-!o para uma prac;a onde era avalia­do em 3 Iibras esterlinas, 17 xelins e 10 1/2 pence. E portanto absurdo dizer que se re­metia ouro em vez de cafe, vendo nisso uma operac;ao comercial mais vantajosa ... Nao havia entao no mundo pafs onde se conseguisse uma tao grande quantidade de mercadorias cobic;adas como na lnglaterra. Bonaparte examinava sempre cuidadosa­mente os prec;os correntes ingleses. Enquanto constatou que na lnglaterra o ouro esta­va caro e o cafe barato, mostrou-se satisfeito com os efeitos de seu bloqueio continen­tal." 124

Precisamente na epoca em que Ricardo expunha pela primeira vez sua teoria do dinheiro e em que o Comite do Tesouro a inclufa em seu relat6rio parlamentar em 1810, produziu-se uma ruinosa derrocada de todos os pre<;os das mercadorias inglesas em rela<;ao a 1808 e 1809, verificando-se em contrapartida uma eleva<;ao relativa no valor do ouro. Os produtos agrfcolas constitufram exce<;ao, porque a sua importa<;ao do estrangeiro encontrava obstaculos e a quantidade disponfvel in­ternamente era muito reduzida devido as mas colheitas. 125 Ricardo enganava-se to­talmente acerca do papel dos metais preciosos como meio de pagamento interna­cional, de tal forma que no seu relat6rio para o Comite da O~mara dos Lordes (1819), pede declarar:

"que as perdas de ouro devidas a exportaf$aO cessariam completamente logo que fos­sem retomados os pagamentos em especies e a circulac;ao monetaria reconduzida ao seu nivel metalico". ·

Ricardo morreu exatamente antes de estourar a crise de 1825 que desmentiu sua profecia. Alias, o perfodo em que Ricardo se entregou a sua atividade de escri­tor nao era nada propfcio a observa<;ao da fun<;ao dos metais preciosos como di­nheiro universal. Antes do bloqueio continental, a balan<;a comercial estava quase sempre a favor da Jnglaterra, e durante o mesmo as transa<;6es com o continente europeu foram muito pouco importantes para que pudessem afetar a cota<;ao do cambio ingles. 126 As remessas de dinheiro eram de natureza principalmente polftica e Ricardo parece ter se enganado totalmente a respeito do papel que os subsfdios em dinheiro desempenharam na exporta<;ao do ouro ingles. 126

Entre os contemporSneos de Ricardo, que formaram a escola que defendia os princfpios da sua Economia Polftica, James Mill e o mais eminente. T entou expor a teoria ricardiana' do dinheiro na base da circula<;ao me'talica simples, sem recorrer as complica<;6es internacionais injusti~cadas, atras das quais Ricardo esconde a po­breza de suas teses, e sem meter-se em polemicas em favor das opera<;6es do Ban­co da Jnglaterra. Suas proposi<;6es principais sao as seguintes: 127

"0 valor do dinheiro e igual a proporc;ao segundo a qual o trocamos por outros arti­gos, ou a quantidade de dinheiro que damos em troca de uma certa quantidade de ou-

124 HUME, James Deacon. Letters on the Comlaws. Londres, 1834. p. 29-31. IZSTOOKE, Thomas. History of Prices. Op. dt., Londres, 1848, p. 110. 126 Compare BLAKE, W. Observations, etc., acima citadas. 121 MILL, James. Elements of Political Economy. No texto, traduzido da tradu~ao lrancesa de J. T. Parisot, ·Paris, 1823. · T raduzimos a cita~ao segundo o texto de Marx. Contudo, forrnula~Oes que se prestavam a diferentes tradu~ees sao indicadas em colchetes. Utllizamos e1 tradu<;lio lrancesa de Maurice Husson de Zur Kritik ... (f:ditions Sociales) para cote­jar o texto traduzido de Marx. (N. doT.)

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128 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLiTICA

tras coisas. [Essa relac;ao e determinada pela) quantidade total de dinheiro existente num pais. ( .. . ) Supondo que todas as mercadorias de urn pais estao reunidas de urn !a­do, e todo o dinheiro de outre, e que trocamos essas duas massas uma pela outra, e evidente que 1/10, 1/100, ou qualquer outra frac;ao do total de mercadorias se permu­tara por uma frac;ao igual do total do dinheiro, e que essa frac;ao sera uma quantidade grande ou pequena, consoante o total de dinheiro existente no pais seja grande ou pe­queno. ( ... ) Veremos que o case e precisamente o mesmo no estado real das coisas. A massa total de mercadorias de urn pais nao e trocada de uma s6 vez pela massa total de dinheiro, mas cambia-se em porc;oes, por vezes muito pequenas, e em diferentes epocas durante o ano. A' mesma moeda que serviu hoje para uma troca pede servir amanha para outra troca. Uma parte do dinheiro sera empregada para urn grande nu­mero de trocas, uma outra parte para urn numero muito reduzido e finalmente uma outra, que sera acumulada, nao intervira em nenhuma outra. Havera nessas variac;oes uma (taxa) media baseada no numero de trqcas em que teria sido usada cada pec;a, se todas tivessem operado uma quantidade igual de trocas. Fizemos, por hip6tese, essa taxa num numero qualquer, 10, por exemplo. Se cada moeda que se encontra no pais serviu para 10 compras, e como se o numero total de moedas tivesse sido multipli­cado por 10, servindo cada uma para uma s6 compra. 0 valor de todas as mercado­rias do pais e, nesse caso, igual a 10 vezes o valor de todo o dinheiro etc. ( ... ) Se [in­versamente], em vez de cada moeda servir para 10 compras no ano, a massa total de dinheiro fosse multiplicada por dez e servisse para uma unica troca, e evidente que qualquer aumento dessa massa provocaria uma diminuic;ao proporcional de valor em cada uma das suas partes em dinheiro tomadas isoladamente. Como se supoe que a massa das mercadorias, a qual se pede trocar com todo o dinheiro, permanece a mes­ma, o valor· da massa total de dinheiro nao e maier que depois de se ter aumentado sua quantidade anterior. Supondo que se aumentou 1110 o valor de cada uma das suas partes, de uma onc;a, por exemplo, e reduzida de 1110. ( ... ) Logo, qualquer que seja o grau de aumento ou diminuic;ao que sofre a massa total de dinheiro, mantendo­se a quantidade das outras coisas, o valor dessa massa total e de cada urn~ das suas partes sofre reciprocamente uma diminuic;ao ou aumento proporcionais. E evidente que essa afirmac;ao e absolutar11ente verdadeira. Sempre que o valor do dinheiro te­nha sofrido uma alta ou baixa, mantendo-se inalteravel a quantidade de mercadorias pela qual poderiamos troca-lo e o movimento da circulac;ao, essa variac;ao deve ter si­de causada por uma diminuic;ao, ou por urn aumento proporcionais na quantidade de dinheiro, e nao pede ser atribuida a nenhuma outra causa. Se a massa das mercado­rias diminui enquanto o total do dinheiro se mantem, e como se a soma total de di­nheiro tivesse aumentado, e reciprocamente. Mudanc;as desse tipo sao o resultado de qualquer mudanc;a no movimento da circulac;ao. ( .. . ) Qualquer aumento do numero desses giros (compras) produz de imediato urn efeito igual a urn aumento do total do dinheiro; urn a diminuic;ao desse numero produz o efeito contrario... Se houver urn a porc;ao do produto anual que nao tenha side trocada com a que os produtores conso­mem, ( .. . ) essa porc;ao nao deve ser tida em linha de conta, visto que aquilo que nao se troca por dinheiro esta para o dinheiro como se nao existisse... Desse modo, sem­pre que o aumento ou diminuic;ao (de quantidade) de dinheiro pede exercer-se livre­mente, essa quantidade [total do dinheiro que se encontra no pais] e regulada pelo va­lor dos metais (preciosos). ( ... ) 0 ouro e a prata sao mercadorias ( ... ) cujo valor, como o de todas as demais mercadorias, e determinado pela quantia de tempo de trabalho nelas contido. " 128

T oda a perspicacia de Mill se reduz a uma serie de suposi<;6es tao arbitrarias como absurdas. Quer demonstrar que o pre9o das mercadorias ou o valor do di­nheiro e determinado pela "quantidade total de dinheiro que existe em urn pals". Se se supoe que a massa e o valor de troca das mercadorias em circula<;ao perma­necem constantes, assim como a velocidade de circula<;ao e o valor dos metais pre-

'"" Ibid., p. 128-136 passim.

0 DINHEIRO OU A CIRCULA<;:AO SIMPLES 129

ciosos determinados pelos custos de prodw;ao, e se se supoe, ao mesmo tempo, que com tudo isso a quantidade da moeda met<'ilica circulante se eleva ou desce proporcionalmente a massa de dinheiro existente num pafs, parece, com efeito, "evidente" , que se sup6s o que se pretendia demonstrar. Alias, Mill comete o mes­mo erro de Hume, ao p6r em circula<;ao valores de uso e nao mercadorias de de­terminado valor de troca, e e por isso que a sua afirma<;ao e falsa, mesmo admitin­do todas as suas "suposi<;6es" . A velocidade de circula<;ao pode perfeitamente manter-se, tal como o valor dos metais preciosos, tal como a quantidade de merca­dorias em circula<;ao, e no entanto e possfvel que, com a varia<;ao do seu valor de troca, a sua circula<;ao exija ora uma massa de dinheiro superior, ora uma massa in­ferior. Mill ve o fato de que uma parte do dinheiro que existe no pafs circula, en­quanta outra permanece estagnada. Recorrendo a urn calculo de medias de gran­de efeito c6mico, supoe que de fato , embora a realidade pare<;a diferente, todo di­nheiro que se ehcontra no pafs circula. Suponha que num pafs 10 milh6es de escu­dos de prata descrevem durante o ano dois circuitos; poderiam circular nesse caso 20 milhoes se cada escudo realizasse uma s6 compra. E a se a soma total de di­nheiro existente no pals em todas as suas formas se elevasse a 100 milh6es de es­cudos, podemos super que os 100 milhoes podem circular, se cada pe9a de moe­da efetuar uma compra em cinco anos. Poder-se-ia tambem super que todo dinhei­ro do mundo circula em Hampstead, mas que cada uma de suas partes alfquotas em vez de fazer tres rota<;6es num ano, por exemplo, faz uma em tres mil anos. A primeira suposi<;ao e tao importante como a segunda para determinar a rela9ao en­tre a soma dos pre9os das mercadorias e a quantidade de meios de circula9ao. Mill percebe que e para ele de uma importancia decisiva colocar as mercadorias em re­la<;6es imediatas, nao com a quantidade de moeda que se encontra em circula<;ao, mas com a quantidade total.de dinheiro de que em cada caso disp6e urn pafs. Re­conhece que a massa total das mercadorias de urn pafs nao se permuta "de uma s6 vez" pela massa total de dinheiro, e que diferentes por<;6es dessa massa de mer­cadorias se trocam, em epocas diferentes do ano, por diferentes por<;6es da massa de dinheiro. Para eliminar essa despropor<;ao, Mill supoe que ela nao existe. Alias, toda essa concep<;ao da confronta<;ao imediata das mercadorias com o dinheiro e da sua troca sem intermediario e abstrafda do movimento das compras e vendas simples ou da fun<;ao que o dinheiro tern como meio de compra. No movimento do dinheiro, quando desempenha o papel de meio de pagamento, ja desaparece esse fen6meno simultaneo da mercadoria e do dinheiro.

As crises comerciais durante o seculo XIX, especialmente as grandes crises de 1825 a 1836, nao suscitaram urn novo desenvolvimento, mas antes novas utiliza­<;6es da teoria ricardiana do dinheiro. Ja nao eram fenomenos econ6micos isola­des tais como, em Hume, a deprecia<;ao dos metais preciosos nos seculos XVI e XVII ou, em Ricardo, a deprecia9ao do papel-moeda no seculo XVIII e come<;o do XIX, mas tratava-se das grandes tormentas do mercado mundial, nas quais se des­carregam todos os elementos em !uta do processo burgues de produ<;ao, cuja ori­gem e remedio se procurava na mais superficial e mais abstrata desse processo, a esfera da circula<;ao monetaria. 0 pressuposto propriamente te6rico de que parte a escola desses artistas da meteorologia econ6mica resume-se ao dogma, segundo o qual Ricardo descobriu as leis da circula9ao puramente metalica. A Cmica coisa que lhes competia fazer era submeter a essas leis a circula9ao creditfcia ou circula<rao das notas de banco.

0 fen6meno mais geral, mais palpavel das crises comerciais e a queda subita, geral, dos pre<;os das mercadorias, sucedendo a uma alta geral bastante prolonga­da desses pre<;os. Pode-se expressar a queda geral dos pre<;os das mercadorias co­mo uma alta do valor relative do dinheiro em rela9ao a todas as mercadorias e, in-

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130 PARA A CR(TICA DA ECONOMIA POLlTICA

versamente, a alta geral dos prec;os como uma queda do valor relativo do dinhei­ro. Em ambos os modos de expressar o fen6meno, este e apenas enunciado, mas nao e explicado. Se formular o problema desta maneira: explicar o aumento peri6-dico dos prec;os, altemado com a queda geral destes, ou se formula o mesmo pro­blema desta outra forma: explicar a queda ou alta peri6dicas do valor relativo do dinheiro em relac;ao as mercadorias, a fraseologia distinta nos dois casas nao modi­fica o problema, assim como sua tradu<;ao do alemao para o Ingles. A teoria do di­nheiro de Ricardo era, assim, singularmente oportuna, pois dava a aparencia de uma relac;ao causal a uma tautologia. De onde provem a queda geral peri6dica dos prec;os das mercadorias? Da alta peri6dica do valor relativo do dinheiro. De on­de vern, inversamente, a alta geral peri6dica dos prec;os das mercadorias? De uma queda peri6dica do valor relativo do dinheiro. Com a mesma exatidao poder-se-ia dizer que a alta e a queda peri6dicas dos prec;os procedem de sua alta e de sua queda peri6dicas. 0 pr6prio problema esta formulado, tendo como pressuposto que o valor imanente do dinheiro, ou seja, seu valor determinado pelos custos de produc;ao dos metals preciosos se mantem inalterado. Se essa tautologia pretende ser mais que tautologia, repousa sabre o desconhecimento dos conceitos mais ele­mentares. Quando o valor de troca de A medido em B baixa, sabemos que isso tanto pode ter origem numa baixa do valor de A, como numa alta de valor de B. 0 mesmo acontece quando, inversamente, o valor de troca de A, medido em B, sobe. Uma vez admitida a tautologia como se fosse uma relac;ao causal, todo o res­to se segue facilmente. A alta dos prec;os das mercadorias resulta da baixa de valor. do dinheiro, mas a baixa do valor do dinheiro, como nos ensinou Ricardo, resulta de UI:na superabundancia na circulac;ao, isto e, de a massa de dinheiro em circula­c;ao ultrapassar o nivel determinado pelo seu pr6prio valor imanente e pelos valo­res imanentes das mercadorias. De igual modo, inversamente, a queda geral dos prec;os das mercadorias resulta de uma alta do valor do dinheiro acima do seu va­lor imanente, em conseqi.iencia de uma circulac;ao deficiente. Portanto, os prec;os sobem ou baixam periodicamente, porque periodicamente circula demasiado ou muito pouco dinheiro. Se demonstrarmos agora que a subida dos prec;os coincidiu com uma diminuic;ao, e a descida dos prec;os com urn aumento da circulac;ao mo­netaria, podemos nao obstante afirmar que, em conseqi.iencia de uma diminuic;ao ou de urn aumento qualquer da massa das mercadorias em circulac;ao, embora se­ja completamente impassive) prova-lo por meio de estatfstica, a quantidade de di­nheiro em circulac;ao aumenta ou diminui de forma se nao absoluta, pelo menos relativa. Vimos que, segundo Ricardo, essas flutuac;oes gerais dos prec;os se produ­zem tambem necessariamente numa circulac;ao puramente metalica, mas que se compensam pela sua alternancia: uma circulac;ao insuficiente, por exemplo, provo­ca uma queda dos prec;os das mercadorias, essa queda, uma exportac;ao de merca­dorias para o estrangeiro, a exportac;ao, pelo contrario, urn afluxo de dinheiro para o interior, e esse afluxo do dinheiro, por seu lado, uma nova alta dos prec;os. 0 processo e inverso, no caso de uma circulac;ao superabundante, em que as merca­dorias sao importadas e o dinheiro exportado. T odavia, dado que, apesar de essas flutuac;oes gerais dos prec;os resultarem da natureza da pr6pria circulac;ao metalica ricardiana, sua forma violenta e aguda, a sua forma de crise, pertence as epocas do sistema de credito desenvolvido, fica bern claro que a emissao de notas de ban­co nao e exatamente regulada pelas leis da circula<;ao metalica. A circulac;ao metali­ca possui o seu remedio na importac;ao e exportac;ao dos metais preciosos, que sao imediatamente incorporados a circulac;ao como moeda, e fazem descer ou su­bir os prec;os das mercadorias. Mediante uma imitac;ao das leis da circulac;ao metali­ca, os bancos tern, agora, que produzir artificialmente o mesmo efeito sabre os pre­c;os das mercadorias. Se o ouro aflui do exterior, e uma prova de que a circulac;ao

0 DINHEIRO OU A CIRCULACAO SIMPLES 131

e insuficiente, de que 0 valor do dinheiro e muito e)evado e de que OS prec;os das mercadorias sao muito baixos, e de que, portanto, se deve lanc;ar na circulac;ao no­tas de banco proporcionalmente ao ouro importado. Caso contrario, deverao ser retiradas da circula<;ao proporcionalmente ao ouro que sai do pafs. Em outras pala­vras, a emissao de notas do banco deve ser regulada pela importac;ao e exporta­c;ao dos metais preciosos, ou pela cotac;ao do cambia. A falsa pressuposic;ao de Ri­cardo, segundo a qual o ouro nao e mais que moeda, todo ouro importado aumen­ta o dinheiro circulante e, em conseqi.iencia, faz subir os prec;os e segundo a qual, tambem, todo ouro exportado diminui a moeda e faz descer os prec;os, essa pressu­posic;ao te6rica se converte aqui na experiencia priitica de fazer circular tanto moe­do quanta exista de ouro em cada coso. Lord Overstone (o banqueiro Jones Loyd), o coronel Torrens, Norman, Clay, Arbuthnot e urn sem-numero de outros autores conhecidos em Jnglaterra com o nome de a Escola do currency principle, nao s6 pregaram essa doutrina, como fizeram dela a base de toda a legislac;ao ban­carla inglesa e escocesa ainda em vigor, grac;as aos Bank-Acts de 1844 a 1845 de Sir Robert Peel. 0 seu ignominioso fiasco, tanto te6rico como pratico, que marcou as experiencias feitas em maior escala nacional, s6 podera ser relatado na teoria do credito. 129 Mas desde ja se percebe que a teoria de Ricardo, que isola o dinheiro em sua forma fluida de meio de circulac;ao, acabou por atribuir ao aumento e a di­minuic;ao dos metais preciosos uma influencia absoluta sobre a economia burgue­sa, influencia nunca sonhada pela superstic;ao do sistema monetario. Assim Ricar­do, que qualifica a moeda-papel como a forma mais bern acabada do dinheiro, tor­nou-se o profeta dos "bullionistas".

Depois que a teoria de Hume, ou a antitese abstrata do sistema monetario, fo­ra assim desenvolvida ate as suas ultimas conseqi.iencias, Thomas Tooke restabele­ceu finalmente em todos os seus direitos a concepc;ao concreta do dinheiro de Steuart. 130 Tooke nao deduziu seus princfpios de qualquer teoria, mas da conscien­ciosa analise da hist6ria dos prec;os das mercadorias, desde 1793 ate 1856. Na pri­meira edic;ao da sua hist6ria dos prec;os, publicada em 1823, Tooke esta ainda completamente influenciado pela teoria ricardiana, esforc;ando-se em vao por con­ciliar os fatos com essa teoria. Seu panfleto "On the Currency", que apareceu ap6s a crise de 1825, poderia mesmo ser considerado como a primeira exposic;ao conseqi.iente das teses que Overstone fez prevalecer mais tarde. T odavia, pesqui­sas contfnuas sabre a hist6ria dos prec;os obrigaram-no a perceber que essa cone­xao direta entre os prec;os e a quantidade dos meios de circulac;ao, tal como a teo­ria a supoe, e pura construc;ao do espirito, que a expansao e a contrac;ao dos meios de circulac;ao, mantendo-se inalterado o valor dos metais preciosos, sao sem­pre o efeito e nunca a causa das flutuac;oes dos prec;os, que a circulac;ao monetaria em geral nao passa de urn movimento secundario e que o dinheiro reveste, ainda no processo de produc;ao efetivo, determinidades formals totalmente diversas das

129 Alguns meses antes da explosl!o da crise comercial de 185 7, formou-se uma comissao da Camara dos Comuns pa­ra promover um lnqu~rito sabre as efeltos dos Bank-acts de 1844/45. Em seu informe, Lord Overstone, pal te6rico das citadas leis, se permitiu a seguin!" fanfarronada: "Gra~as a estrita e pronta obediencia aos princfplos da lei de 1844, tudo sucedeu com regulandade e facilidade; o sistema monetario esta firrne e equilibrado, a prosperidade do pals esta fora de contesta~l!o, a conlian~ publica na sensatez da lei de 1844 aumenta dia a dla. Se a Comissao dese­jar outras provas praticas da seguran~ dos princlpios sobre as quais repousa, au dos benefices resultados que assegu­rou, a verdadeira e suliciente resposta A comissao e: olhai a vosso redor: vede o estado atual do comercio do pals, ve­de o contentamento do povo, vede a rique2a e a prosperidade que reinam em todas as classes da sociedade; e, depols de ver tudo, a oomissl!o poder6 ser oonvidada lealmente a deddir se deve interlerir contra a manuten~o de uma lei sob a qual esses resultados puderllm ser desenvolvidos". Assim se expressou Overstone a 14 de julho de 1857, e a 15 de novembro do mesmo ~~no o Ministerio teve que suspender, sob sua propria responsabilidade, a milagrosa lei de 1844. 130 Tooke ignorava completamente a obra de Steaurt, como se inlere da sua History of Prices from 1839 to 1847 (lon­dres, 1848) em que resume a hist6rill das teorias do dinheiro.

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132 PARA A CR[TICA DA ECONOMIA POLITICA

de meio de circulac;ao. As suas pesquisas pormenorizadas pertencem a uma esfera que nao e a da circulac;ao metalica simples, e a sua discussao nao se enquadra aqui, do mesmo modo que os estudos de Wilson e Fullarton, cuja orientac;ao e igual. 131 T odos esses autores nao concebem o dinheiro de forma unilateral, mas nos seus diferentes momentos, baseando-se todavia no conteudo material, sem es­tabelecer qualquer conexao viva, seja destes momentos entre si, seja com o siste­ma global das categorias economicas. ldentificam erroneamente dinheiro - distin­to de meio de circula~ao - com capital, e ate com mercadoria, embora sejam obri­gados, par outro !ado, a fazer valer par vezes a diferenc;a entre urn e outro. 132 Se, par exemplo, se envia ouro para o estrangeiro, e efetivamente o capital que e en­viado, mas trata-se da mesma coisa quando se exportam ferro, algodao, cereais, em resumo, qualquer mercadoria. Ambos sao capital, logo, nao se distinguem en­quanta capital, mas sim enquanto dinheiro e mercadoria. 0 papel do ouro como meio de troca internacional nao resulta da sua determinidade formal de capital, mas de sua func;ao especffica de dinheiro. Do mesmo modo, o ouro, ou em seu Iu­gar as notas do banco, funcionando como meio de pagamento no mercado inter­no, sao igualmente capital. Mas o capital na forma de mercadoria nao poderia subs­tituf-los como provam com toda a evidencia as crises, por exemplo. Portanto, e no­vamente a diferenc;a do ouro, enquanto dinheiro, e a mercadoria, e nao seu modo de ser como capital, que faz dele meio de pagament9. Mesmo quando o capital e exportado diretamente como capital com a finalidade, por exemplo, de emprestar a juros uma determinada soma de valor para urn pafs estrangeiro, depende da con­juntura se sera exportado sob a forma de mercadorias ou sob a forma de ouro; se for exportado sob esta ultima forma, e em virtude da determinidade formal especffi­ca dos metais preciosos como dinheiro face a mercadoria. Em geral, esses autores nao consideram inicialmente o dinheiro em sua figura abstrata, tal como se desen­volve no quadro da circulac;ao simples das mercadorias e nasce do relacionamento das mesmas mercadorias em processo. Tambem hesitam continuamente entre as determinidades formais abstratas que o dinheiro adquire em oposic;ao a mercado­ria, e as determinidades dele que escondem relac;oes mais concretas tais como ca­pital, renda etc. 133

131 Al~m da History of Prices, o mais importante escrito de Tooke. que seu colaborador Newmarch editou em seis to­mes, e An Inquiry into the Currency Principle, the Connection of Currency with Prices, etc. 2.• ed. Londres, 1844. Ja cllamos a obra de Wilson. Falta-nos mencionar FULLARTON, John. On the Regulation of Currencies. 2.• ed., Lon­dres, 1845. 132 "Convem diferenciar o ouro como mercadoria, lsto e, capital, do ouro como meio de circula~ilo" (TOOKE. An In­quiry into the Currency Principle. Op. cit., p. 10). "Pode-se estar certo de que o ouro e a prata, em SUll entrl!da, reaU­zam quase a exata soma necessitada. 0 ouro e a prlltll possuem uma vantagem enorme sobre todas as demais merca· dorias, porque silo universalmente utiUzadas como dinheiro ... 0 pagamento das drvidas, no estrangeiro e no interior, nao e contratado, em geral, em cha, cafe, a~ucar ou anU, mas em moedas, e o pag<~mento, seja na prOpria moedll de­signada, seja em lingotes que podem converter-se rapidamente em ditas moedas nas casas de moeda, ou nos merca­dos do pals, para onde tenham sido expedidos, tern sempre que oferecer ao expedidor o meio mais seguro, mais dire­to, mais exato, para cumprir aquele fim sem o risco de um fracasso causado pela queda da procura ou pelas flutua­~Oes des pre~os'_'. (FULLARTON. foe. cit., p. 132 e 133.) "Qualquer outro artigo (ora o ouro e a prata) poderia ultra­passar pela quantidade ou pela qualidade a procura usual do pais a que e despachado" (TOOKE. An Inquiry. Op. cit., p. 10). 133 No capitulo Ill, que trata do capital e encerra esta primeira se~ao, estudaremos a transforma~o do dinheiro em capi­tal.

Salario, Pre~o e Lucro*

Traduc;ao de Leandro Konder

· lnfo~me pronunciado per Marx nos dias 20 a 27 de junho de 1865 nas sessoes do Conselho Geral da Associa~ao In· temac1onal des Trabalhadores. Publicado pela primeira vez em lolheto a parte, em Londres, 1898, como trtulo Value, Price and Profit. (N. doT.)

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Observa~oes preliminares

Cidadaos!

Antes de entrar no assunto, perrniti que fa<;a algumas observa<;oes prelimina-res.

Reina atualmente no Continente uma verdadeira epidemia de greves e se le­vanta urn clamor geral por aumentos de salaries. 0 problema ha de ser levantado no nosso Congresso. V6s, como dirigentes da Associa<;ao lnternacional, deveis manter urn criterio firme perante esse problema fundamental. De minha parte, jul­guei-me, por isso, no dever de entrar a fundo na materia, embora com risco de submeter vossa paciencia a uma dura prova.

Outra observa<;ao previa tenho a fazer com respeito ao cidadao Weston. Aten­to ao que julga ser do interesse da classe operaria, ele nao somente expos perante v6s, como tambem defendeu, publicamente, opinioes que ele sabe serem profun­damente impopulares no seio da classe operaria. 1 Essa demonstra.;ao de coragem moral deve calar fundo em todos n6s. Confio em que, apesar do estilo desatavia­do de minha conferencia, o cidadao Weston me vera afinal de acordo com a acer­tada ideia que, no meu entender, serve de base as suas teses, as quais, contudo, na sua forma atual, nao posso deixar de considerar teoricamente falsas e perigosas na pratica.

Com isso, passo diretamente ao merito da questao.

• 0 operario ingl~ John Weston defendia no Conselho Geral da Associac;ao lntemacional dos T rabalhadores a tese de que a eleva~ao dos sal6rios nao pode melhorar a situa~ao dos operMos e que deve ser considerada prejudicial a ativi· dade das trodeunions. (N. doT.)

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[Produt;iio e Salarios]

0 argumento do cidadao Weston baseia-se, na realidade, em duas premis-sas:

1} que o volume da produgoo naciona/ e a/go de fixo, uma quantidade ou grandeza constante, como diriam os matematicos;

2} que o montante dos sa/arias reais, isto e, dos salarios medidos pelo volume de mercadorias que permitem adquirir, e tambem uma soma fixa, uma grandeza constante.

Pois bern, a sua primeira assen;ao e manifestamente falsa. Podeis ver que o valor e o volume da prodw:;ao aumentam de ano para ano, que as for<;as produti­vas do trabalho nacional crescem e que a quantidade de dinheiro necessaria para por em circula<;ao essa crescente produ<;ao varia sem cessar. 0 que e exato no fim de cada ano e para diferentes anos comparados entre si tambem o e com respeito a cada dia medio do ano. 0 volume ou grandeza da produ<;ao nacional varia conti­nuamente. Nao e uma grandeza constante, mas variavel, e assim tern que ser, mes­mo sem levar em conta as flutua<;6es da popula<;ao, devido as contfnuas mudan­<sas que se operam na acumular;ao de capital e nas forgas produtivas do trabalho. E inteiramente certo que, se hoje houvesse urn aumento da taxa geral de sa/arias, esse aumento por si s6, quaisquer que fossem os seus resultados ulteriores, nao al­teraria imediatamente o volume da produ<;ao. Em primeiro Iugar, teria que brotar do estado de coisas existente. E, se a produ<;ao nacional, antes da eleva<;ao dos sa­larios, era variavel, e nao fixa, ela continuaria a se-lo, tambem, depois da alta.

Admitamos, porem, que o volume da produ<;ao nacional fosse constante em vez de variave/. Ainda nesse caso, aquilo que o nosso amigo Weston considera uma conclusao l6gica permaneceria como uma afirma<;ao gratuita. Se tomo urn de­terminado numero, digamos 8, OS JimiteS abso/utos desse aJgarismo nao impedem que variem os limites relativos de seus componentes. Por exemplo: se o lucro fosse igual a 6 e os salarios a 2, estes poderiam aumentar ate 6 e o lucro baixar a 2, que o numero resultante nao deixaria por isso de ser 8. Dessa maneira, o volume fixo da produ<;ao jamais conseguira provar que seja fixo o montante dos salarios. Co­mo, entao, nosso amigo Weston demonstra essa fixidez? Simplesmente, afirman­do-a.

Mas mesmo dando como boa a sua afirmativa, ela teria efeito em dois senti­dos, ao passo que ele quer faze-la vigorar apenas em urn. Se o volume dos sala-

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rios representa uma quantidade constante, nao poderc~ aumentar, nem diminuir. Portanto, se os operarios agem como tolos ao arrancarem urn aumento temporario de salarios, nao menos tolamente estariam agindo os capitalistas ao impor uma bai­xa temporaria dos salarios. Nosso amigo Weston nao nega que, em certas circuns­tancias, os operarios podem arrancar aumentos de salarios; mas, segundo ele, co­mo por lei natural a soma dos salarios e fixa, este aumento provocara, necessaria­mente, uma rea~ao. Por outro !ado, ele sabe tambem que os capitalistas podem, do mesmo modo, impor uma baixa de salarios, e tanto assim que o estao tentando continuamente. De acordo com o princfpio do nivel constante dos salarios, neste caso deveria ter Iugar uma rea~ao, exatamente como no anterior. Por conseguinte, os operarios agiriam com acerto reagindo contra as baixas de salarios ou contra as tentativas em tal sentido. Procederiam, portanto, acertadamente, ao arrancar au­mentos de sa/arias, pois toda rear;ao contra uma baixa de salarios e uma ar;ao a fa­vor do seu aumento. Logo, mesmo que aceitassemos o princfpio do nivel constan­te de sa/arias, como sustenta o cidadao Weston, vemos que os operarios devem, em certas circunstancias, unir-se e lutar pelo aumento de salarios.

Para negar essa conclusao ele teria que renunciar a premissa em que se ba­seia. Nao deveria dizer que o volume dos salarios e uma grandeza constante, mas sim que, embora nao possa nem deva aumentar, pode e deve baixar todas as ve­zes que o capital sinta vontade de diminui-lo. Se o capitalista quer vos alimentar com batatas, em vez de carne, ou com aveia, em vez de trigo, deveis acatar a sua vontade como uma lei . da economia politica e vos submeter a ela. Se num pais, por exemplo, nos Estados Unidos, as taxas de salarios sao mais altas do que em outro, por exemplo, na Inglaterra, deveis explicar essa diferenc;a no nivel dos sah~­rios como uma diferenc;a entre a vontade do capitalista norte-americana e a do ca­pitalista ingles; metoda este que, sem duvida, simplificaria imenso nao ja apenas o estudo dos fen6menos econ6micos, como tambem o de todos os demais fen6me­nos.

·Ainda assim caberia perguntar: Por que a vontade do capitalista norte-america­no difere da. do capitalista ingles? E para responder a essa questao, nao teriam ou­tro remedio senao ir alem dos dominios da uontade. E possivel que venha um pa­dre dizer-me que Deus quer na Franc;a uma coisa e na Inglaterra outra. E se o con­vido a explicar essa dualidade de vontade, ele podera ter a imprudencia de respon­der que esta nos designios de Deus ter uma vontade na Franc;a e outra na lnglater­ra. Mas nosso amigo Weston sera, com certeza, a ultima pessoa a converter em ar­gumento essa negac;ao completa de todo raciocfnio.

Sem sombra de duvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bol­sos, o mais que possa. E o que temos a fazer nao e divagar acerca da sua uontade, mas investigar o seu poder, os /imites desse poder e o carater desses /imites.

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[Produ~ao, Salarios e Lucros]

A conferencia proferida pelo cidadao Weston poderia ser condensada a pan­to de caber numa casca de noz.

Toda a sua argumentac;ao reduz-se ao seguinte: se a classe operaria obriga a classe capitalista a pagar-lhe, sob a forma de salario em dinheiro, 5 xelins em vez de 4, o capitalista devolver-lhe-a, sob a forma de mercadorias, o valor de 4 xelins em vez do valor de 5. Entao a classe operaria tera que pagar 5 xelins pelo que an­tes da alta de salarios !he custava apenas 4. E por que ocorre isso? Por que o capi­talista s6 entrega o valor de 4 xelins por 5? Porque o montante dos salarios e fixo. Mas por que fixo precisamente no valor de 4 xelins em mercadorias? Por que nao em 3, em 2, ou outra qualquer quantia? Se o limite do montante dos salarios esta fixado por uma lei econ6mica, independente tanto da vontade do capitalista como da do operario, a primeira coisa que deveria ter feito o cidadao Weston era expor e demonstrar essa lei. Deveria provar, alem disso, que a soma de salarios efetiva­mente pagos em cada momenta dado corresponde sempre, exatamente, a soma necessaria dos salarios, e nunca se desvia dela. Em compensac;ao, se o limite dado da soma de salarios depende da simples uontade do capitalista, ou das proporc;oes da sua avareza, trata-se de um limite arbitrario, que nada tern em si de necessaria. Tanto pode ser modificado pe/a uontade do capitalista, como tambem se pode fa­ze-lo variar contra a sua vontade.

0 cidadao Weston ilustrou a sua teoria dizendo-nos que se uma terrina con­tern determinada quantidade de sopa, destinada a determinado numero de pes­soas, a quantidade de sopa nao aumentara se se aumentar o tamanho das colhe­res. Seja-me perrnitido considerar esse exemplo pouco substancioso. Ele me faz lembrar um pouco aquele ap6logo de que se valeu Menenio Agripa. 2 Quando a plebe romana entrou em !uta contra os patricios, o patricio Agripa disse-lhes que a panc;a patricia e que alimentava os membros plebeus do organismo polftico. Mas Agripa nao conseguiu demonstrar como se alimentam os membros de urn homem quando se enche a barriga de outro. 0 cidadao Weston, por sua vez, se esquece de que a terrina da qual comem os operarios contem todo o produto do trabalho nacional, e o que os impede de tirar dela uma rac;ao maior nao e nem o tamanho

2 Menenio Agripa, consul romano em 502 a. C., que, ao intervir numa revolta da plebe, fez urn apelo a concordia ba­seada no ardiloso ap6logo de "Os Membros eo Estomago". (N. do E.)

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reduzido da terrina, nem a escassez do seu conteudo, mas unicamente a pequena dimensao de suas colheres.

Gra~as a que artiffcio consegue o capitalista devolver urn valor de 4 xelins par aquila que vale 5? A alta dos pre~os das mercadotias que vende. Mas, entao, a al­ta dos prec;os, ou, falando em termos mais gerais, as vatiac;oes .nos pre~os das mer­cadotias, os pr6ptios pre~os destas, porventura dependem da simples vontade do capitalista? Ou, ao contn:itio, sao necessatias determinadas circunstancias para que prevalec;a essa vontade? Se nao fosse assim, as altas e baixas, as incessantes oscila­~oes dos prec;os no mercado setiam urn enigma indecifravel.

Se admitimos que nao se operou em absolute altera~ao alguma, nem nas for­c;as produtivas do trabalho, nem no volume do capital e do trabalho empregados, ou no valor do dinheiro em que se expressam os valores dos produtos, mas que se alteraram tiio-somente as trucas de salarios, de que maneira podetia essa alta de sa­l6rios influir nos prec;os das mereadorias? Somente influindo na proporc;ao real en­tre a oferta e a procura dessas mercadorias.

E inteiramente certo que a classe operatia, considerada em conjunto, gasta e sera for~osamente obrigada a gastar a sua receita em artigos de primeira neeessida­de. Uma alta geral na taxa de salaries provocatia, portanto, urn aumento da procu­ra de artigos de primeira neeessidade e, conseqlientemente, urn aumento de seus preqos no mereado. Os capitalistas que produzem esses artigos de ptimeira necessi­dade compensatiam o aumento de salaries par meio dos prec;os dessas mercado­tias. Mas que sucedetia com os demais capitalistas que niio produzem artigos de ptimeira necessidade? E podeis estar certos que o seu numero nao e pequeno. Se levardes em conta que duas ter~as partes da produ~ao nacional sao consumidas par urn quinto da populac;ao - urn deputado da Camara dos Comuns declarou, recentemente, que tais consumidores constituem apenas a setima parte da popula­c;ao -. podereis imaginar que enorme parcela da prodw;ao nacional se destina a objetos de luxo, ou a ser troeada par objetos de luxo, e que imensa quantidade de artigos de ptimeira necessidade se desperdi~a em ctiadagem, cavalos, gatos etc .. es­banjamento este que, como nos ensina a expetiencia, diminui cada vez mais, com a eleva~ao dos pre~os dos artigos de ptimeira necessidade.

Pois bern, qual setia a situac;ao desses capitalistas que niio produzem artigos de ptimeira necessidade? Nao poderiam compensar a queda na taxa de Iuera, ap6s uma alta geral de salatios, eleuando os preqos de suas mereadorias, vista que a procura destas nao tetia aumentado. A sua renda diminuitia; e com essa renda di­minufda tetiam de pagar mais pela mesma quantidade de artigos de primeira neces­sidade, que subitiam de prec;o. Mas a coisa nao pararia ai. Diminufda a sua renda, menos tetiam para gastar em artigos de luxo, com o que tambem se reduzitia a procura de suas respectivas mercadorias. E. como conseqtiencia dessa diminui~ao da procura, caitiam os prec;os das suas mercadotias. Portanto, nestes ramos da in­dustria, a taxa de Iueras eairia, nao s6 em proporc;ao simplesmente ao aumento ge­ral da taxa de salatios, como, tambem, essa queda seria proporcional a a~ao con­junta da alta geral de salatios, do aumento de pre~os dos artigos de primeira neces­sidade e da baixa de pre~os dos artigos de luxo.

Qual setia a conseqliencia dessa diferenr;a entre as taxas de Iuera dos capitals colocados nos diversos ramos da industria? Ora, a mesma que se produz sempre que, seja qual for a causa, se verificam diferenc;as nas taxas medias de Iuera dos di­versos ramos da produc;ao. 0 capital e o trabalho deslocar-se-iam dos ramos me­nos remunerativos para os que fossem mais; e esse proeesso de deslocamento iria durar ate que a oferta em um ramo industrial aumentasse a ponto de se nivelar com a maior procura e nos demais ramos industrials diminufsse proporcionalmente a menor procura. Uma vez operada essa mudanc;a, a taxa geral de Iuera voltatia a igualar-se nos diferentes ramos da industria. Como todo esse desarranjo obedecia

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otiginariamente a uma simples mudan~a na rela~ao entre a oferta e a procura de diversas mercadorias, cessando a causa, cessariam tambem os efeitos, e os pret;os voltatiam ao seu antigo nfvel e ao antigo equilfbrio. A redut;iio da taxa de Iuera, por efeito dos aumentos de salatios, em vez de limitar-se a uns quantos ramos da industria, tomar-se-ia geral. Segundo a suposi~ao de que partimos, nenhuma alte­ra~ao ocorreria nas for~as produtivas do trabalho, nem no volume global da produ­c;ao, sendo que aquele volume dado de produt;iio apenas teria mudado de forma. Uma maior parte do volume de produc;ao estatia representada por artigos de pti­meira necessidade, ao passo que diminuiria a parte dos artigos de luxo, ou, o que vern a ser o mesmo, diminuitia a parte destinada a troca por artigos de luxo impor­tados do estrangeiro e consumida dessa forma; ou, o que ainda e o mesmo, em ou­tros termos, uma parte maior da produ~ao nacional setia trocada por artigos impor­tados de primeira necessidade, em Iugar de ser trocada por artigos de luxo. Isso quer dizer que, depois de transtomar temporariamente os prec;os do mereado, a al­ta geral da taxa de salaries s6 conduziria a uma baixa geral da taxa de Iuera, sem introduzir nenhuma altera<;ao permanente nos prec;os das mercadorias.

Se me disserem que, na anterior argumentac;ao, dou por estabelecido que to­do o aumento de salaries se gasta em artigos de primeira necessidade, replicarei que fiz a suposic;ao mais favoravel ao ponto de vista do cidadao Weston. Se o au­menta dos salaries fosse aplieado em objetos que antes nao entravam no consumo dos trabalhadores, setia inutil que nos detivessemos a demonstrar que seu poder aquisitivo havia experimentado urn aumento real. Sendo, porem, mera conseqlien­cia da elevac;ao de salatios, esse aumento do poder aquisitivo dos operarios tera de corresponder, exatamente, a diminui~ao do' poder aquisitivo dos capitalistas. Va­le dizer, portanto, que a praeura global de mercadorias nao aumentaria, e apenas mudariam os elementos integrantes dessa procura. 0 incremento da procura de um !ado setia contrabalan~ado pela diminuic;ao da procura do outro !ado. Desse modo, como a procura global permaneceria invariavel, nao se operatia mudanc;a de cunho algum nos prec;os das mercadotias.

Chegamos, assim, a um dilema: ou o incremento dos salarios se gasta por igual em todos os artigos de consumo, caso em que o aumento da procura por par­te da classe operatia tern que ser compensado pela diminui~ao da procura por par­te da classe capitalista, ou o incremento dos salaries s6 se gasta em determinados artigos cujos prec;os no mercado aumentarao temporatiamente. Nesse caso, a con­seqtiente eleva~ao da taxa de Iuera em alguns ramos da industria e a conseqliente baixa da taxa de Iuera em outros provocarao uma mudanc;a na disttibuic;ao do ca­pital e do trabalho, que persiste ate que a oferta se tenha ajustado a maior procura em alguns ramos da industria e a menor procura nos outros. Na ptimeira hip6tese nao se produzira nenhuma mudan~a nos prec;os das mercadotias. Na outra, ap6s algumas oscila~oes dos prec;os do mercado, os valores de troca das mercadotias baixarao ao nivel anterior. Em ambos os casas, chegaremos a conclusao de que a alta geral da taxa de salaries conduzira, afinal de contas, a nada menos que uma baixa geral da taxa de Iuera.

Para espicac;ar o vosso poder de imaginac;ao, o cidadao Weston vos convida­va a pensar nas dificuldades que acarretaria a lnglaterra uma alta geral de 9 para 18 xelins nas jornadas dos trabalhadores agrfcolas. Meditai, exclamou ele, no enor­me acrescimo da procura de artigos de ptimeira necessidade que isso implicatia e , como conseqtiencia, na terrfvel ascensao dos prec;os a que darla Iugar! Pais bern, todos sabeis que os salaries medias dos trabalhadores agrfcolas da America do Nor­te sao mais do dobra dos salaries dos trabalhadores agrfcolas ingleses, apesar de os pre~os dos produtos da lavoura serem mais baixos nos Estados Unidos do que na Gra-Bretanha, apesar de reinarem nos Estados Unidos as mesmas rela~oes ge­rais entre o capital e o trabalho que na lnglaterra e apesar de que o volume anual

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da produc;ao norte-americana e multo mais reduzido que o da inglesa. Por que! en­tao, 0 nosso amigo toea com tanto vigor este sino? Simples:nente para desv1ar a nossa atenc;ao do verdadeiro problema. Urn aumento repentmo de 9 p_ara 18 xe­lins nos salarios representaria urn acrescimo repentino de 100%. Ora, nao estamos discutindo aqui se seria possfvel duplicar na lnglaterra, de subito, a taxa dos sala­rios. Nao nos interessa em nada a grandeza do aumento, que em cada caso concre­to depende de deterrninadas circunstancias e tern que ~~ adaptar a elas. Apenas nos interessa investigar quais os efeitos em que se traduzma uma alta geral da taxa dos salarios mesmo que nao fosse alem de 1%.

Pondo' de !ado esse aumento imaginario de 100% do amigo Weston, desejo chamar vossa atenc;ao para o aumento efetivo de salarios operado na Gra-Breta­nha de 1849 a 1859.

Todos v6s conheceis a Lei das Dez Horas,3 ou, mais precisamente, das Dez Horas e Meia promulgada em 1848. Foi uma das maiores modificac;oes econ6mi­cas que ja pr~senciamos. Representou urn aumento subito : obri~a~6rio ?e sa~arios nao em umas quantas industrias locals, porem nos ramos mdustria1s ma1_s emmen­tes, por meio dos quais a Inglaterra domina os mercado~ do mundo. Fo1 uma alta de salarios em circunstancias singularmente desfavorave1s. 0 Dr. Ure, o Prof. Se­nior e todos os demais porta-vozes oficiais da burguesia no campo da economia de­monstraram, e, devo dizer, com razoes muito mais s61idas do que as do nosso ami­go Weston, que aquilo era o dobre de finados da industria inglesa. Demonstraram que nao se tratava de urn simples aumento de salarios, mas de urn a_umento de sa­larios provocado pela reduc;ao da quantidade de trabalho :mpregado e nela ~un?a­mentado. Afirrnaram que a duodecima hora que se quena arrebatar ao cap1tahsta era justamente aquela em que este obtinha o seu Iuera. Ameac;aram con:_ o decres­cimo da acumulac;ao, a alta dos prec;os, a perda dos mercados, a reduc;ao da pro­duc;ao, a conseqi.iente reac;ao sabre os salarios e, enfi~ , a rufna. Sust~ntav~m que a lei de Maximiliano Robespierre sobre os limites max1mos4 era uma nmhana com­parada com essa outra; e, ate certo ponto, tinham razao. Mas qual foi, na realida­de 0 resultado? Os salarios em dinheiro dos operarios fabris aumentaram, apesar de' se haver reduzido a jomada de trabalho; cresceu consideravelmente o numero de operarios em atividade nas fabricas; baixaram constantemente. os prec;os dos seus produtos; desenvolveram-se as mil maravilhas as forc;as produtivas do seu tra­balho e se expandiram progressivamente, em proporc;oes nunca vistas, os merca­dos para os seus artigos. Em Manchester, na assembleia da Sociedade pelo Pro­gresso da Ci~ncia, em 1860, eu proprio ouvi o Sr. Newm~n. ~onfess~r q_ue ele, .o Dr. Ure, o Prof. Senior e todos os demais representantes oficlals da C1~nc1a econo­mica se haviam equivocado, ao passo que o instinto do povo nao falhara. Cito nes­te passo o Sr. W. Newman5 e nao o Prof. Francis Newman, por<?ue ele o~upa na ciencia econ6mica urn Iugar proeminente, como colaborador e ed1tor da H1story of Prices (Hist6ria dos Pret;os) da autoria do Sr. Thomas Tooke, esta obra magnifica, que retrata a hist6ria dos prec;os desde 1793 a 1856. Se a ideia fixa de ~os~o ami­go Weston acerca do volume fixo dos salarios, de urn volume d: produc;ao fixo, de urn grau fixo de produtividade do trabalho, de uma vontade fixa e constante dos capitalistas, e tudo o mais que ha de fixo e imutavel em Weston, fossem exatos, _o Prof. Senior teria acertado em seus sombrios pressagios e Robert Owen ter-se-1a

3 A Lei das Dez Horas, que reduziu e regulamentou a dura<;ao da jomada de trabalho, representou , na ~poca, uma vi­t6ria da classe operaria lnglesa. (N. do E.) ~ A lei sobre os llmltes m~ximos, dita Lei do M6xlmo, foi promulgada pela Conven<;ao Jacobina de 1793, durante a re­volu~ao burguesa da Fran~a. Fixava, rigidamente, os llmites dos pre~os das mercadorias e dos salarios. (N. do T.) s Marx se equivocou no nome do editor da obrn de Thomas Tooke, que foi W. Newmarch e nao W. Newman. (N. do T.)

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equivocado, ele que, ja em 1816, pedia uma limitac;ao geral da jomada de traba­lho como primeiro passo preparat6rio para a emancipac;ao da classe operaria, im­plantando-a, efetivamente, por conta e risco pr6prios, na sua fabrica textil de New Lanark, contra o preconceito generalizado. 6

Na mesmfssima epoca em que entrava em vigor a Lei das Dez Horas e se pro­duzia o subseqi.iente aumento dos salarios, ocorreu na Gra-Bretanha, por motivo que nao vem ao caso relatar, uma e/eua~i5.o gera/ dos sa/arias dos trabalhadores agrfco/as.

Conquanto isso nao seja indispensavel ao meu objetivo imediato, desejo fazer algumas observac;oes preliminares, para vos colocar melhor no assunto.

Se urn homem percebe 2 xelins de salario por semana e seu salario aumenta para 4 xellns, a taxa do sa/6rio aumentara 100%. lsso, expresso como aumento data­xa de sa/6rio, pareceria algo maravilhoso, ainda que, na realidade, a quantia efeti­ua do salario, ou seja, os 4 xelins por semana, continue a ser urn fnfimo, urn mfse­ro salario de fome. Portanto, nao vos deveis fascinar pelas altissonantes percenta­gens da taxa de salario. Deveis perguntar sempre: qual era. a quantia original? Ou­tra coisa que tambem compreendereis e que, se ha dez operarios que ganham ca­da urn 2 xelins por semana, cinco ganhando 5 xelins cada um e outros 5 que ga­nhem 11, eles, os 20, ganharao 100 xelins, ou 5 Iibras esterlinas por semana. Lo­go, se a soma global desses salarios semanais aumenta, digamos, de uns 20%, ha­vera uma melhora de 5 para 6 Iibras. Tomando a media, poderfamos dizer que a taxa gera/ de sa/arios aumentou de 20%, embora na realidade os salarios de 10 dos operarios variassem, os salarios de um d'os dois grupos de 5 operarios s6 au­mentassem de 5 para 6 xelins por cabec;a e os do outro grupo de 5 operarios se elevassem, ao todo, de 55 para 70 xelins. 7 Meta de dos operarios nao melhoraria absolutamente nada de situac;ao, a quarta parte deles teria uma melhoria insignifi­cante e somente a quarta parte restante obteria urn beneffcio sensfvel. Calculando, porem, ·a media, a soma global dos salarios desses .20 operarios aumentaria de 20% e, no que se refere ao capital global, para o qual trabalham, bem como no concer­nente aos prec;os das mercadorias que produzem, seria exatamente o mesmo co­mo se todos participassem por igual na elevac;ao media dos salarios. No caso dos trabalhadores agrfcolas, como os salarios medias pagos nos diversos condados da Inglaterra e Esc6cia diferem consideravelmente, o aumento foi muito desigual.

Enfim, durante a epoca em que se processou aquele aumento de salarios, ma­nifestaram-se, tambem, influencias que o contrabalanc;avam, tais como os novos impastos lanc;ados no cortejo da Guerra da Crimeia,8 a demolic;ao extensiva das ha­bitac;oes dos trabalhadores agrfcolas etc.

Feitas essas reservas, vou agora prosseguir, para constatar que de 1849 a 1859 a taxa media dos salarios agrfcolas na Gra-Bretanha registrou urn aumento de cerca de 40%. Poderia dar-vos amplos detalhes em apoio a minha afirmac;ao, mas para o objetivo em mira creio que bastara indicar-vos a obra de crftica, tao conscienciosa, !ida em 1860 pelo finado Sr. John C. Morton, na Sociedade de Ar-

6 Robert Owen (1771-1858) foi urn industrial britanico que se tomou "socialista ut6plco". lntroduziu em sua f~brica a jomada de dez horas de trabalho e organizou urn seguro por doen~. sociedades cooperativas de produtores etc. Ve­ja-se a obra de ENGELS. Do Sodolismo Ut6pico ao Sociollsmo Cientifico. Rio de Janeiro, Editorial Vit6ria Ltda., 1962. p. 37. CN. do E.) • 7 0 sal6rio de 25 + 55 xelins teria subido para 30 + 70, isto ~. ao todo, de 80 para 100 ou 25%. E verdade que os sa­larios de 2 xelins, que ficaram na mesma para as dez pessoas do primeiro gn~po, niio foram contados. Senao seria pre­ciso, para obter urn aumento m~dio de sal~rios de 25%, elevar os salarios do ultimo grupo de 55 a 75 xelins, ou fazer passar o salario de cinco opera nos de 11 a 15 xelins cada urn. (N. da Ed. Francesa.) 8 A Guerra da Crimeia durou de 1854 a 1856 e teve a partlclpa~ao de tropas britanicas, francesas, turcas e sardas con­tra os edrcitos do czar Nicolau l. Com essa guerra a Gra-Bretanha procurou conter as arremetidas expansionistas do czar, em dire~ao ao estreito do B6sforo, que eram tidas como uma amea~a ao imperialismo britanico no Medlterra­neo. (N. do E.)

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tes e Offcios de Londres, sobre As Forqas Empregadas na Agricultura. 0 Sr. Mor­ton expoe os dados estatrsticos colhidos nas contas e outros documentos autenti­cos de uns 100 agricultores, aproximadamente, em 12 condados da Esc6cia e 35 da lnglaterra.

Segundo o ponto de vista do nosso amigo Weston, e em harmonia com a alta simultanea operada nos salaries dos operarios de fabrica, durante o perfodo 1849/59, os pret;os dos produtos agrfcolas deveriam ter registrado urn aumento enorrne. Mas o que aconteceu realmente? Apesar da Guerra da Crimeia e das pes­simas colheitas consecutivas de 1854 a 1856, os pret;os medios do trigo, o produto agricola mais importante da lnglaterra, baixaram de cerca de 3 Iibras esterlinas por quarter,9 como eram cotados de 1838 a 1848, para cerca de 2 Iibras e 10 xelins por quarter, nas cotat;6es do periodo de 1849 a 1859. Representa isso uma baixa de mais de 16% no pret;o do trigo, em simultaneidade com urn aumento medio de 40% nos salaries agrfcolas. Durante a mesma epoca, se compararmos o seu final com o comet;o, quer dizer, o ano de 1859 com o de 1849, a cifra do pauperismo oficial desce de 934 419 a 860 470, o que supoe uma diferent;a de 73 949 po­bres; reconhet;o que e urn decrescimo muito pequeno, e que se voltou a perder nos anos seguintes, mas, em todo caso, e sempre diminuic;ao.

Pode-se objetar que, em conseqi.h~ncia de anulac;ao das leis sobre os cereais, 10

a importat;ao de trigo estrangeiro mais que duplicou, no perfodo de 1849/59, com­parada a de 1838/48. E que significa isso? Do ponto de vista do cidadao Weston, dever-se-ia supor que essa enorme procura, repentina e sem cessar ~rescente, so­bre os mercados estrangeiros tivesse feito subir a uma altura espantosa os pret;os dos produtos agrfcolas, posto que os efeitos de uma crescente procura sao os mes­mos, quer venham de fora ou de dentro do pafs. Mas o que ocorreu na realidade? Afora alguns anos de colheitas decepcionantes, durante todo esse perfodo a ruino­sa baixa no pret;o do trigo constituiu urn motivo permanente de queixas, na Fran­t;a; os norte-americanos viram-se varias vezes obrigados a queimar excedentes da produt;ao e a Russia, se acreditarmos no Sr. Urquhart, atic;ou a guerra civil nos Es­tados Unidos, porque a concorrencia ianque nos mercados da Europa paralisava a sua exportat;ao de produtos agrfcolas.

Reduzido a sua forma abstrata, o argumento do cidadao Weston traduzir-se-ia no seguinte: todo aumento da procura se opera sempre a base de urn dado volu­me de produc;ao. Portanto, noo pode fazer aumentar nunca a oferta dos artigos procurados, mas unicamente fazer subir o seu prer;o em dinheiro. Ora, a mais co­mum observat;ao demonstra que, em alguns casos, o aumento da procura deixa inalterados os prec;os das mercadorias e provoca, em outros casos, uma alta passa­geira dos pret;os do mercado, a qual se segue urn aumento da oferta, por sua vez seguido pela queda dos pre~os ate o nfvel anterior e, em muitos casos, abaixo de­le. Que o aumento da procura obedec;a a alta dos salaries, ou a outra causa qual­quer, isso em nada modifica os dados do problema. Do ponto de vista do cidadao Weston, tao diffcil e explicar o fen6meno geral como o que se revela sob as circuns­t€mcias excepcionais de urn aumento de salaries. Portanto, a sua argumentat;ao nao tern nenhum valor para o assunto de que tratamos. Apenas exprimiu a sua perplexidade entre as leis em virtude das quais urn acrescimo da procura engendra urn acrescimo da oferta, em vez de urn aumento definitive dos prec;os no mercado.

9 Quarter, medlda lnglesa de capacidade que equivale a 8 bushels, au seja, cerca de 290 litros. (N. do E.) 10 As leis sabre o com~rcio de cereals, ditas em lngl~ Com Laws, loram abolidas pelo Primeiro-Minlstro Robert Peel, em 1846. Os cereals lmportados do estrangeiro passaram a pagar uma taxa aduaneira redll2ida, em 1849, apenas a 1 xelim par quarter. A revoga~ao das Com Laws abriu. de lata, as alfandegas inglesas aos cereais importados. (N. do E.)

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III

[Sa Iarios e Dinheiro]

No segundo dia de debate, nosso amigo Weston vestiu as suas velhas afirmati­vas com novas formas. Disse ele: Ao verificar-se uma alta geral dos salaries em di­nheiro, sera necessaria maior quantidade de moeda corrente para pagar os ditos sa­laries. Sendo fixa a quantidade de moeda em circuiC!t;ao, como podeis pagar, com essa soma fixa de moeda circulante, urn montante maior de salaries em dinheiro? ~ri~eiro, a di~iculdade surgia de que, embora subisse o salario em dinheiro do ope­rano, a quantidade de mercadorias que lhe cabia era fixa; e, agora, surge do au­mento de salaries em dinheiro, a despeito do volume fixo de mercadorias. Natural­mente, se rejeitardes o seu dogma original, desaparecerao tambem as dificuldades dele resultantes.

Vou demonstrar, contudo, que esse problema da moeda nao tern absoluta­mente nada a ver com o tema em questao.

No vosso pafs, o mecanisme dos pagamentos esta muito mais aperfeic;oado ~o que em q~~lquer oun:o pafs da Eu:opa. Grac;as a extensao e a concentrac;ao do sistema banc~no, necessita-se de mUito menos moeda para p6r em circulac;ao a n:esma quanbdade de valores e realizar o mesmo, ou urn maior numero de neg6-CIOS. No que, por exemplo, conceme aos salaries, o operario fabril ingles entrega semanalmente o seu salario ao vendeiro, que semanalmente o envia ao banquei­r?, o qual _o devolv~ semanalmente ao fabricante, que volta a paga-lo a seus opera­nos, e assim por diante. Gra~s a esse processo, o sal<irio anual de urn operario, que se eleva, vamos supor, a 52 Iibras esterlinas, pode ser pago com urn unico "so-b II II t d . erano , que o as as semanas percorra o mesmo Cicio. Na pr6pria Inglaterra, es-se mecanisme de pagamento nao e tao perfeito como na Esc6cia, nem apresenta a mesma perfeic;ao em todos os lugares; por isso vemos que, por exemplo em al­guns distritos agrfcolas, comparados COf!1 os distritos fabris, muito mais moeda e ne­cessaria para fazer circular urn menor volume de valores.

Se atravessardes a Mancha, observais que no Continente os salarios em di­nheiro sao muito mais baixos do que na lnglaterra, e, apesar disso, na Alemanha, na Italia, na Sufc;a e na Franc;a, esses salaries sao postos em circulac;ao mediante uma quantidade muito maior de moeda. 0 mesmo "soberano" nao e interceptado

11 Maeda inglesa de aura, com o valor nominal de 1 libra esterlina. (N. do E.)

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146 SAI..ARIO. PRE<;O E LUCRO

com tanta rapidez pelo banqueiro, nem retoma com tanta presteza ao capitalista in­dustrial; por isso, em vez de urn "soberano" fazer circular 52 Iibras anualmente, tal­vez sejam necessaries tres "soberanos" para movimentar urn salario anual no mon­tante de 25 Iibras. Desse modo, ao comparar os pafses do Continente com a Ingla­terra, vereis, em seguida, que salaries baixos em dinheiro podem exigir, para a sua circula~ao, quantidades muito maiores de moeda do que salaries altos e que isso, na realidade, e uma questao meramente tecnica e, como tal, estranha ao nosso as­sunto.

De acordo com os rnelhores calculos que conhe~o. a renda anual da classe operaria deste pafs pode ser estimada nuns 250 milhoes de Iibras esterlinas. Essa soma imensa se poe em circula~ao com uns 3 milhoes de Iibras. Suponhamos que se verifique urn aumento de salaries de 50%. Em vez de 3 milhoes seriam precisos 4,5 milhoes de Iibras em dinheiro circulante.' Como uma parte consideravel dos gastos diaries do operario e coberta em prata e cobre, isto e, em meros signos mo­netarios, cujo valor relative ao ouro e arbitrariamente fixado por lei, tal como o pa­pel-moeda inconversfvel, resulta que essa alta de 50% nos salaries em dinheiro exi­giria, em caso extreme, a circula~ao adicional, digamos, de 1 milhao de "sobera­nos". Lan~ar-se-ia em circula~ao• 1 milhao, que esta inativo, em barras de ouro ou em metal amoedado, nos subterraneos do Banco da Inglaterra ou de bancos particula­res. Poder-se-ia inclusive poupar-se, e efetivamente poupar-se-ia, o insignificante gasto na cunhagem suplementar, ou o maior desgaste desse milhao de moedas, se a necessidade de aumentar a moeda em circula~o ocasionasse algum desgaste. T odos v6s sabeis que a moeda deste pals se divide em dois grandes grupos. Uma parte, suprida em notas de banco de diversas categorias, e usada nas transa~oes entre comerciantes, e tambem entre comerciantes e consumidores, para saldar os pagamentos mais importantes; enquanto outra parte do meio circulante, a moeda metalica, circula no comercio varejista. Conquanto distintas, essas duas classes de moeda misturam-se e combinam-se mutuamente. Assim, as moedas de ouro circu­lam em boa propon;ao, inclusive em pagamentos importantes, para cobrir as quan­tias fracionarias inferiores a 5 Iibras. Se amanha se emitissem notas de 4 Iibras, de 3 Iibras ou de 2 Iibras, o ouro que enche esses canais de circula~ao seria imediata­mente expulso deles, refluindo para os canais em que fosse necessaria a fim de atender ao aumento dos salaries em dinheiro. Com esse processo poderia ser mo­bilizado o milhao adicional exigido por urn aumento de 50% nos salaries, sem que se acrescentasse urn (mico "soberano" ao meio circulante. E o mesmo resultado seria obtido sem que fosse precise emitir uma s6 nota de banco adicional, com o simples aumento de circula~ao de tetras de cambio, conforme ocorreu no Lancashi­re, durante muito tempo.

Se uma eleva~ao geral da taxa de salaries, vamos dizer, de uns 100%, como supoe o cidadao Weston relativamente aos salaries agrfcolas, provocasse uma gran­de alta nos pre~os dos artigos de primeira necessidade e exigisse, segundo os seus conceitos, uma soma adicional de meios de pagamento, que nao se poderia conse­guir logo, uma redu~ao geral de salarios deveria provocar o mesmo resultado em identica propor~ao, se bern que em sentido contrario. Pois bern, sabeis todos que os anos de 1858 a 1860 foram os mais favoraveis para a industria algodoeira e que, sobretudo, o ano de 1860 ocupa a esse respeito urn Iugar unico nos anais do comercio; foi tambem urn ano de grande prosperidade para os outros ramos indus­trials. Em 1860, os salaries dos operarios do algodao e dos demais trabalhadores relacionados com essa industria chegaram ao seu ponto mais elevado ate entao. Veio, porem, a crise norte-americana e todos esses salaries viram-se de pronto re­duzidos aproximadamente a quarta parte do seu montante anterior. Em sentido in­verso isso teria significado urn aumento de 300%. Quando os salaries sobem de 5

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SAI..ARJO, PRE<;O E LUCRO 147

para 20 xelins dizemos que sobem 300%; se baixam de 20 para 5, dizemos que caem 75%, mas a quantia do ascenso num caso, e da baixa, no outro, e a mesma, a saber: 15 xelins. Sobreveio, assim, uma repentina mudan~a nas taxas dos sala­ries como jamais se conhecera anteriormente, e essa mudan~a afetou urn numero de operarios que - nao incluindo apenas aqueles que trabalham diretamente na industria algodoeira, mas tambem os que indiretamente dependiam dessa industria - excedia em cerca de metade o numero de trabalhadores agrfcolas. Acaso bai­xou o pre~o do trigo? Ao contrario, subiu de 47 xelins e 8 pence, 12 por quarter, pre­~o medio no trienio de 1858/60, para 55 xelins, e 10 pence o quarter, segundo a media anual referente ao trienio de 1861163. Pelo que diz respeito aos meios de pagamento, durante o ano de 1861, cunharam-se na Casa da Moeda 8 673 232 li­bras contra 3 378 102 cunhadas em _1860. Vale dizer que em 1861 cunharam-se mais 5 295 130 Iibras que em 1860. E certo que o volume da circula~ao de papel­moeda, em 1861, foi inferior em 1 319 000 Iibras ao de 1860. Mas, mesmo dedu­zindo essa soma, ainda persiste, para o anode 1861, comparado com o ano ante­rior de prosperidade, 1860, urn excesso de moeda no valor de 3 976 130 Iibras ou quase 4 milhoes; em troca, a reserva de ouro do Banco da Inglaterra nesse pe~ rfodo de tempo diminuiu nao exatamente na mesma propor~ao, mas aproximada­mente.

Comparai agora o ano de 1862 com o de 1842. Sem contar o formidavel au­mente do valor e do volume de mercadorias em circulat;ao, o capital desembolsa­do apenas para cobrir as transa~oes regula res, a~oes de emprestimo etc. , de va­lores das ferrovias, ascendeu, na lnglaterra e Gales,' em 1862, a soma de 320 mi­lhoes de Iibras esterlinas, cifra que em 1842 parecia fabulosa. E, no entanto, as so­mas globais de moeda foram aproximadamente as mesmas nos anos de 1862 e 1842; e, em termos gerais, .haveis de verificar, ante urn aumento enorme de valor nao s6 das mercadorias como em geral das operat;oes em dinheiro, uma tendencia a diminui~ao progressiva dos meios de pagamento. Do ponto de vista do nosso amigo Weston, isso e urn enigma indecifravel.

Se se aprofundasse urn pouco mais no assunto, contudo, ele teria visto que, independentemente dos salaries e supondo que estes permane~am invariaveis, o valor e o volume das mercadorias postas em circula~ao e, em geral, o montante das transat;oes concertadas em dinheiro, variam diariamente; que o montante das notas de banco emitidas varia diariamente; que o montante dos pagamentos efe­tuados sem ajuda de dinheiro, por meio de tetras de cambio, cheques, creditos es­criturais, clearing-house13 etc., varia diariamente; que, na medida .em que se neces­sita efetivamente de moeda metalica, a proport;ao entre as moedas que circulam e as moedas e lingotes guardados de reserva, ou entesourados nos subterraneos ban­carlos, varia diariamente; que a soma do ouro absorvido pela circula~ao nacional e a soma enviada ao estrangeiro para fins de circulat;ao internacional variam diana­mente. T eria percebido que o seu dogma de urn volume fixo dos meios de paga­mento e urn erro monstruoso, incompatfvel com a realidade cotidiana. Ter-se-ia in­formado das leis que permitem aos meios de pagamento adaptar-se a condit;oes que variam de maneira tao constante em Iugar de converter a sua falsa concep~ao das leis da circula~ao monetaria em argumento contra o aumento dos salaries.

12 0 penny (singular de pence) corresponde a 1/12 do xelim. (N. do E.) 13 Bancos de compensa~o por intermMio dos quais se eletuam certos pagamentos. (N. da Ed. Francesa.)

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IV

[Oferta e Procura]

Nosso amigo Weston faz seu o proverbio Iatino repetitio est mater studiorum, que significa: "a repetic;ao e a mae do estudo", razao pela qual nos repete o seu dogma inicial sob a nova forma de que a reduc;ao dos meios de pagamento, resul­tante de urn aumento dos salaries, determinaria uma diminuic;ao do capital etc. De­pais de haver tratado de sua fantasiosa teoria da moeda, considero de todo inutil deter-me a examinar as conseqi.iencias imaginarias que ele ere necessaria deduzir de sua imaginaria catastrofe dos meios de pagamento. Passe, pois, imediatamente, a reduzir a forma te6rica mais simples o seu dogma, que e sempre um e o mesmo, embora repetido sob tantas formas diversas.

Uma unica observac;ao evidenciara a ausencia de sentido crftico com que ele trata o tema. Declara-se contrario ao aumento de salaries, ou aos salaries altos, ob­tidos em conseqi.iencia desse aumento. Pais bern, pergunto eu: o que sao salaries altos e o que sao salaries baixos? Par que, par exemplo, 5 xelins semanais sao con­siderados como urn salario baixo e 20, par semana, sao reputados urn salario alto? Se urn salario de 5 e baixo, em comparac;ao com urn de 20, o de 20 sera todavia mais baixo, comparado com urn de 200. Se alguem fizesse uma conferencia sa­bre o term6metro e se pusesse a declamar sabre graus altos e graus baixos, nada nos ensinaria. A primeira coisa que teria de explicar e como se encontra o ponte de congelamerito e o ponto de ebulic;ao, e como estes dais pontos-padrao obede­cem as leis naturais e nao a fantasia dos vendedores ou dos fabricantes de term6-metros. Ora, pelo que se refere a salaries e Iueras, o cidadao Weston nao s6 se es­queceu de deduzir das leis econ6micas esses pontos-padrao, mas tambem nao sen­tiu sequer a necessidade de indaga-los. Contenta-se em admitir as expressoes vul­gares e correntes de alto e baixo, como se estes termos tivessem significado fixo, apesar de que salta a vista que os salaries s6 podem ser qualificados de altos ou baixos quando comparados a alguma norma que nos permita medir a sua grande-za.

0 cidadao Weston nao podera dizer-me par que se paga uma determinada so­ma de dinheiro par uma determinada quantidade de trabalho. Se me contestasse que isso corre par conta da lei da oferta e da procura, eu lhe pediria, antes de mais nada, que me dissesse qual a lei que, par sua vez, regula a da oferta e da procura. E essa replica p6-lo-ia imediatamente fora de combate. As relac;oes entre a oferta e a procura de trabalho acham-se sujeitas a constantes modificac;oes e com elas flu-

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tuam os pregos do trabalho no mercado. Se a procura excede a oferta, sobem os sa­larios; se a oferta supera a procura, os salarios baixam, ainda que em certas circuns­tancias possa ser necessaria comprovar o verdadeiro estado da procura e da oferta por uma greve, por exemplo, ou outro procedimento qualquer. Mas, se tomardes a oferta e a procura como lei reguladora dos salarios, seria tao pueril quanto inutil damar contra uma elevagao de salarios, visto que, de acordo com a lei suprema que invocais, as altas peri6dicas dos salarios sao tao necessarias e tao legftimas co­mo as suas baixas peri6dicas. E se noo considerais a oferta e a procura como lei re­guladora dos salarios, entao repito minha pergunta: por que se da uma determina­da soma de dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho?

Mas para focalizar as coisas com maior amplidao: equivocar-nos-eis por intei­ro, caso acrediteis que o valor do trabalho ou de qualquer outra mercadoria se de­termina, em ultima analise, pelo jogo da procura e da oferta. A oferta e a procura s6 regulam as oscila~oes temporarias dos pre<;os no mercado. Explicam por que o prego de um artigo no mercado se eleva acima ou desce abaixo do seu valor, mas nao explicam jamais esse valor em si mesmo. Vamos supor que a oferta e a procu­ra se equilibrem ou, como dizem os economistas, se cub ram· mutuamente. No pre­ciso instante em que essas duas forgas contrarias se nivelam, elas se paralisam mu­tuamente, deixam de atuar num ou noutro sentido. No mesmo instante em que a oferta e a procura se equilibram e deixam, portanto, de atuar, o pre~o de uma mer­cadoria no mercado coincide. com o seu valor real, com o prego normal em torno do qual oscilam seus pre<;os no mercado. Por conseguinte, se qu~remos investigar o carater desse valor, nao nos devemos preocupar com os efeitos transit6rios que a oferta e a procura exercem sobre os pre<;os do mercado. E outro tanto caberia di­zer dos salarios e dos pre<;os de todas as demais mercadorias.

v

[Salarios e Pre~os]

Reduzidos a sua expressao te6rica mais simples, todos os argumentos de nos­so amigo se traduzem num s6 e unico dogma: "Os pre~os das mercadorias sao de­terminados ou regulados pelos salarios".

Ante essa heresia antiquada e desacreditada, eu poderia invocar a observa<;ao pratica. Poderia dizer-vos que os operarios fabris, os mineiros, os construtores na­vais e outros trabalhadores ingleses, cujo trabalho e relativamente bem pago, ven­cem a todas as demais na<;5es pela barateza de seus produtos, enquanto, por exemplo, 0 trabalhador agricola ingles, cujo trabalho e relativamente mal pago, e batido por quase todos os demais pafses, em conseqi.iencia da carestia de seus pro­dutos. Comparando uns artigos com outros, dentro do mesmo pafs, e as mercado­rias de distintos pafses entre si, poderia demonstrar que, se abstrairmos algumas ex­cegoes mais aparentes que reais, em termo medio o trabalho que recebe alta remu­nera<;ao produz mercadorias baratas e o trabalho que recebe baixa remunera<;ao, mercadorias caras. Isso, naturalmente, nao demonstraria que o elevado prego do trabalho em certos casos e, em outros, o seu pre<;o baixo, sejam as respectivas cau­sas desses efeitos diametralmente opostos mas em todo caso serviria para provar que OS pregos das mercadorias nao sao governados pelos pregos do trabalho. T 0 -

davia, prescindiremos perfeitamente desse metodo empfrico. Poder-se-ia, talvez, negar que o cidadao Weston sustente o dogma de que

"os pret;os das mercadorias se determinam ou regulam pelos salarios" . De fato , ele jamais formulou esse dogma. Disse, ao contrario, que o lucro e a renda do solo sao tambem partes integrantes dos pregos das mercadorias, posto que destes tem de sair nao s6 os salarios dos operarios como os lucros do capitalista e as rendas do proprietario da terra. Porem, a seu modo de ver, como se formam os pregos? Formam-se, em primeiro Iugar, pelos salarios; em seguida, somam-se ao pre<;o um tanto por cento adicional em beneffcio do capitalista e outro tanto por cento adicio­nal em beneffcio do proprietario da terra. Suponhamos que os salarios do trabalho invertido na produgao de uma mercadoria ascendem a 10. Se a taxa de lucro fos­se de 100%, o capitalista acrescentaria 10 aos salarios desembolsados, e, se a taxa de renda fosse tambem de 100% sobre os salarios, ter-se-ia que ajuntar mais 10, com o que o prego total da mercadoria viria a cifrar-se em 30. Semelhante determi­nagao do prego, porem, estaria presidida simplesmente pelos salarios. Se estes, no nosso exemplo, subissem a 20, o pre<;o da mercadoria elevar-se-ia a 60 e assim su-

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152 SALARIO, PRECO E LUCRO

cessivamente. Eis por que todos os escritores antiquados de economia polftica que alvitravam a tese de que os salarios regulam os pre<;os intentavam prova-la apre­sentando o lucro e a renda do solo como simples percentagens adicionais sobre os salarios. Nenhum deles era, naturalmente, capaz de reduzir os limites dessa~ per­centagens a uma lei econ6mica. Pareciam, ao contrario, acreditar que os lucros se fixavam pela tradic;ao, costume, vontade do capitalista, ou por qualquer outro me­todo igualmente arbitrario e inexplicavel. Quando afirmavam que os lucros se de­terminam pela concorrencia entre os capitalistas, portanto, nao explicavam absolu­tamente nada. Essa concorrencia por certo nivela as diferentes taxas de lucros das diversas industrias, ou seja, as reduz a urn nfvel medio, porem jamais pode determi­nar esse nfvel, ou a taxa geral de lucro.

Que queremos dizer quando afirmamos que os pre<;os das mercadorias sao determinados pelos salarios? Como o salario nao e mais do que uma denomina­<;ao do prec;o do trabalho, queremos dizer com isso que os prec;os das mercadorias regulam-se pelo prec;o do trabalho. E como "pre<;o" e valor de troca - e quando falo de valor refiro-me sempre ao valor de troca - , a saber: valor de troca expres­so em dinheiro, aquela afirmativa equivale a esta outra: "0 valor das mercadorias e determinado pelo valor do trabalho", ou, o que vern a dar no mesmo, "0 valor do trabalho e a medida geral do valor".

Mas, por sua vez, como se determina o "valor do trabalho"? Aqui, chegamos a urn ponto morto. A urn ponto morto, sem duvida, se tentarmos raciocinar logica­mente. Porem, os proponentes dessa teoria nao tern Ia grandes escrupulos em ma­teria de l6gica. Tomemos o nosso amigo Weston, como exemplo. Primeiro, dizia­nos que os salarios regulavam os prec;os das mercadorias e que, portanto, quando os salarios subiam, estes deviam subir tambem. Depois, clava meia volta para nos demonstrar que urn aumento de salarios nao serviria para nada, visto que tambem subiriam os pre<;os das mercadorias e os salarios se mediam, na realidade, pelos prec;os das mercadorias com eles compradas. Assim, partindo da afirmativa de que o valor do trabalho determina o valor da mercadoria, viemos parar na afirmativa de que o valor da mercadoria determina o valor do trabalho. Nada mais fizemos do que nos mover num cfrculo vicioso, sem chegar a nenhuma conclusao.

No geral, e evidente que, tomando o valor de uma mercadoria, por exemplo, o trabalho, o trigo ou outra mercadoria qualquer, como medida e regulador geral do valor, apenas desviamos a dificuldade, ja que determinamos urn valor por ou­tro, que por sua vez tambem necessita ser determinado.

Expresso em sua forma mais abstrata, o dogma de que "os salarios determi­nam os prec;os das mercadorias" equivale a dizer que "o valor se determina pelo valor", e essa tautologia s6 demonstra, na realidade, que nada sabemos a respeito do valor. Se admitfssemos semelhante premissa, toda argumentac;ao acerca das leis gerais da economia polftica converter-se-ia em mera tagarelice. Por isso deve­se reconhecer a Ricardo14 o grande merito de haver destrufdo ate os fundamentos com a sua obra sobre os Princfpios da Economia Polftica, publicada em 1817, o ve~ lho erro, tao divulgado e gasto de que "os salarios determinam os pre<;os", falacia ja recha<;ada por Adam Smith15 e seus predecessores franceses na parte verdadeira­mente cientffica de suas investigac;oes, mas que, nao obstante, eles reproduziram nos seus capftulos mais superficiais e de vulgarizac;ao.

14 David Ricardo (1772-1823) foi urn dos primeiros te6ricos da Economia Polftica classica. Escreveu urn grande nume­ro de ensaios e deixou uma obra de larga proje~ao, intitulada Principles of Political Economy and T oxation, !ida em grande apre~o por Marx, que I he salientou os aspectos idealistas. (N. do E.) 15 Adam Smith (1723-1790), grande sistematizador do pensamento econOmico burgues, o primeiro a considerar, real­~ente, o trabalho co~o fonte da ri.qu~~· Em sua ~bra_ An Inqui'Y Into the Nature and Causes of the Wealth of No­lions defende, essencialmente, o pnnciplO da orgamza~o espontanea do mundo econOmico sob a a~ao do interesse pessoal. (N. do E.)

VI

[Valor e Trabalho]

C idadaos! Cheguei ao ponto em que devo necessariamente entrar no verda­deiro desenvolvimento do tema. Nao posso asseverar que o fac;a de maneira muito satisfat6ria, pois isso me obrigaria a percorrer todo o campo da economia polftica. Apenas posso, como diria o frances, effleurer Ia question, 16 tocar os aspectos funda­mentais.

A primeira pergunta que temos de fazer e esta: Que e o valor de uma merca­doria? Como se determina esse valor?

A primeira vista, parecera que o valor de uma mercadoria e algo completa­mente relativo, que nao se pode determinar sem p6r uma mercadoria em relac;ao com todas as outras. Com efeito, quando falamos do valor, do valor de troca de uma mercadoria, entendemos as quantidades proporcionais nas quais e trocada por todas as demais mercadorias. lsso, porem, conduz-nos a perguntar: como se re­gulam as proporc;oes em que umas mercadorias se trocam por outras?

Sabemos por experiencia que essas proporc;oes variam ao infinito. Tomemos uma unica mercadoria, por exemplo, o trigo, e veremos que urn quarter de trigo se permuta, numa serie quase infinita de graus de proporc;ao, por diferentes mercado­rias. E, sem embargo, como o seu valor e sempre o mesmo, quer se expresse em seda, em ouro, ou outra qualquer mercadoria, esse valor tern que ser alguma coisa de distinto e independente dessas diversas propon;oes em que se troca por outros artigos. Necessariamente ha de ser possfvel exprimir, de uma forma muito diferen­te, .essas diversas equac;oes com varias mercadorias.

De resto, quando digo que urn quarter de trigo se troca por ferro numa deter­minada proporc;ao ou que o valor de urn quarter de trigo se expressa numa deter­minada quantidade de ferro, digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro sao iguais a uma terceira coisa, que nao e trigo nem ferro, pois suponho que am­bos exprimem a mesma grandeza sob duas formas distintas. Portanto, cada urn desses dois objetos, tanto o trigo como o ferro , deve poder reduzir-se, independen­temente urn do outro, aquela terceira coisa, que e a medida comum de ambos.

Para esclarecer esse ponto, recorrerei a urn exemplo geometrico muito sim­ples. Quando comparamos a area de varios triangulos das mais diversas formas e

16 Em frances, no original: tocar de leve na questao. (N. do E. )

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154 SAl.ARIO, PRECO E LUCRO

grandezas ou quando comparamos triangulos com retangulos, ou com outra qual-' ?Rd' - d quer figura retilfnea, qual e o processo que emprega~o~. e uz1mos a are~ _ e urn

triangulo qualquer a uma expressao compietamente ?1stinta de s~a fonna V1:1~el. ~ como, pela natureza do triangulo, sabemos que a area dessa f1g~ra geometrica. e sempre igual a metade do produto de sua base pela s~a altura, 1sso nos perr:mte comparar entre si os diversos valores de toda classe de triang~los e de t~?as as figu­ras retilfneas, ja que todas elas podem reduzir-se a urn certo numero de tn~ngulos.

T emos que seguir o mesmo processo para os val ore~ ?as . ~ercadona~. T emos que poder reduzi-los todos. a uma expressao c~~un:, d1stin~umdo-os umcamente pela propon;;ao em que cont~m essa mesma e 1dentic.a. med1da. Como o__s valores de troca das mercadorias nao passam de funqi5es soc1a1s delas, e nada tern a ver com suas propriedades naturals, devemos antes de_ mais nada perguntar: Q~al e a substoncia social comum a todas as mercadorias? E o trabalho. Para prodUZJr uma mercadoria tem-se que inverter nela, ou a ela incorporar, uma dete~inada quanti­dade de trabalho. E nao simplesmente trabalho, mas trabalho socwl. Aquele que produz urn objeto para seu uso pessoal e direto, para co~sumi-l.o , cria urn produto, mas nao uma mercadoria. Como produtor que se mantem a s1 mesmo, nada tern com a sociedade. Mas, para produzir uma mercadoria, nao s6 se tern de criar urn artigo que satisfac;a a uma necessidade social qualquer, como tambem o trabalho nele incorporado devera representar uma parte integrante da soma global de traba­lho invertido pela sociedade. Tern que estar subordinado a divisao de trabalho den­tro da sociedade. Nao e nada sem os demais setores do trabalho, e, por sua vez, e chamado a integra-los. Quando consideramos as mercadorias como valores, ve­mo-las somente sob o aspecto de traba/ho social realizado, p/asmado ou, se assim quiserdes, cristalizado. Consideradas desse modo, s6 podem distinguir-se umas das outras enquanto representem quantidades maiores ou menores ?e trabal~o; as­sim, por exemplo, num len<;o de seda pode encerrar-se uma q~antidade ma1or de trabalho do que em urn tijolo. Mas como se medem as quant!dades de trabalho? Pelo tempo que dura o traba/ho, medindo este em horas, em d1as etc. Naturalmen­te, para aplicar essa medida, todas as especies de trabalho se reduzem a trabalho media, ou simples, como a sua unidade. .

Chegamos, portanto, a esta conclusao. Uma mercadona tern um valor por ser uma cristalizaqao de um trabalho social. A grandeza de seu valor, ou seu valor rela­tivo, depende da maior ou menor quantidade dessa substanci~ s~cial que ela :n­cerra, quer dizer, da quantidade relativa de trabalho n~cessano a sua produc;ao. Portanto os va/ores relativos das mercadorias se detennmam pelas corresponden­tes qua~tidades ou somas de traba/ho invertidas, realizadas, p/asmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho sao iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria esta para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho plasmada numa esta para a quantidade de trabalho plasmada na outra.

Suspeito que muitos de v6s perguntareis: existe entao uma diferenc;a tao gran­de, supondo que exista alguma, entre a determina<;~o dos valo:es das mercadorias na base dos sa/arias e sua determinac;ao pelas quantldades relatrvas de trabalho ne­cessarias a sua produc;ao? Nao deveis perder de vista que a retribuiqao do trabalho e a quantidade de trabalho sao coisas perfeitamente distintas. Suponhamos, por exemplo, que num quarter de trigo e numa on<;a de ouro se plasmam quantidades iguais de trabalho. Valho-me desse exemplo porque ja foi empregado por Benja­min Franklin17 no seu primeiro ensaio, publicado em 1729, sob o titulo de Uma

17 Benjamin Franklin (1706·1790), fil6solo e esladisla norle·americano, lomou-se conhecido desde a publica¢o do seu primeiro ensaio: A Modest Inquiry into the Nature and Necessity of a Paper Currency. (N. do E.)

SAl.ARIO, PRECO E LUCRO 155

Modesta lnvestigaqao Sabre a Natureza e a Necessidade do Papei-Moeda, que e urn dos primeiros livros em que se reconhece a verdadeira natureza do valor. Pais bern, suponhamos, como ficou dito, que urn quarter de trigo e uma on<;a de ouro sao valores iguais ou equivalentes, por serem cristalizaqi5es de quantidades iguais de trabalho media, de tantos dias, ou tantas semanas de trabalho plasmado em ca­da uma delas. Acaso, ao determinar assim os valores relativos do ouro e do trigo, fazemos qualquer referenda aos sa/arias que percebem os operarios agrfcolas e os mineiros? Em absoluto, nem par sombra. Nao dizemos, sequer remotamente, co­mo se paga o trabalho diario ou semanal desses obreiros, nem ao menos dizemos se aqui se emprega, ou nao, trabalho assalariado. Ainda supondo que se empre­gue trabalho assalariado, os salarios podem ser muito desiguais. Pode acontecer que o operario cujo trabalho se plasma no quarter de trigo s6 perceba por ele dois bushel, 18 enquanto o operario na mina pode ter percebido pelo seu trabalho meta­de da on<;a de ouro. Ou, supondo que os seus salarios sejam iguais, podem diferir nas mais diversas proporc;oes dos valores das mercadorias par ele produzidas. Po­dem representar a metade, a ter<;a, quarta ou quinta parte, ou outra frac;ao qual­quer daquele quarter de trigo, ou daquela on<;a de ouro. Naturalmente, os seus sa­/arias nao podem exceder os valores das mercadorias por eles produzidas, nao po­dem ser maiores que estas, mas podem, sim, ser inferiores em todos os graus ima­ginaveis. Seus sa/arias achar-se-ao limitados pelos valores dos produtos, mas os va­/ores de seus produtos nao se acharao limitados pelos salarios. E sobretudo aque­les valores, os valores relativos do trigo e do ouro, par exemplo, se terao fixado sem atentar em nada no valor do trabalho invertido neles, isto e, sem atender em nada aos sa/arias. A detenninac;ao dos valores das mercadorias pelas quantidades relativas de traba/ho nelas p/asmado difere, como se ve, radicalmente, do metodo tautol6gico da detenninac;ao dos valores das mercadorias pelo valor do trabalho, ou seja, pelos sa/arias. Contudo, no decurso de nossa investigac;ao, teremos opor­tunidade de esclarecer ainda mais esse ponto. Para calcular o valor de troca de uma mercadoria, temos de acrescentar a quantidade de trabalho invertida nela, em ultimo Iugar, a que antes se incorporou nas materias-primas com que se elabo­rou a mercadoria e o trabalho aplicado aos meios de trabalho - ferramentas, ma­quinaria e ediffcios - que serviram para esse trabalho. 19 Par exemplo, o valor de uma determinada quantidade de fio de algodao e a cristalizac;ao da quantidade de trabalho incorporada ao algodao durante o processo de fia<;ao e, alem disso, da quantidade de trabalho anterionnente plasmado nesse algodao, da quantidade de trabalho encerrada no carvao, no 6leo e em outras materias auxiliares emprega­das, bern como da quantidade de trabalho materializado na maquina a vapor, nos fusos, no ediffcio da fabrica etc. Os meios de trabalho propriamente ditos, tais co­mo ferramentas, maquinaria e edificios, utilizam-se constantemente, durante urn perfodo de tempo mais ou menos Iongo, em processos repetidos de produc;ao. Se se consumissem de uma vez, como acontece com as materias-primas, transferir-se­ia imediatamente todo o seu valor a mercadoria que ajudam a produzir. Mas como urn fuso, par exemplo, s6 se desgasta aos poucos, calcula-se urn termo medio to­mando par base a sua dura<;ao media, o seu aproveitamento medio ou a sua dete­riora<;ao ou desgaste durante urn detenninado tempo, digamos, urn dia. Desse mo­do calculamos qual a parte do valor dos fusos que passa ao fio fabricado durante urn dia e que parte, portanto, dentro da soma global de trabalho realizado, por exemplo, numa libra de fio, corresponde a quantidade de trabalho anterionnente

18 Medida inglesa para secos, equivalenle, nos Es!ados Unidos, a 35,238 lilros, e, na lnglalerra, a 36,367 lilros. (N. do T.) 19 Ver RICARDO, David. Prindpios de Economio Politico. Cap. 1, sec. IV. (N. doT.)

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156 SAlARIO, PRE<;:O E LUCRO

incorporado nos fusos. Para o objetivo a que visamos e necessaria insistir mais nes­se ponto.

Poderia parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quanti­dade de trabalho que se inuerte na sua prodw;ao, quanta mais pregui<;oso ou ina­bit seja urn open1rio, mais valiosa sera a mercadoria por ele produzida, pois que o tempo de trabalho necessaria para produzi-la sera proporcionalmente maior. Mas aquele que assim pensa incorre num lamentavel erro. Lembrai-vos que eu empre­gava a expressao " trabalho social" e nessa denomina~ao de " social" cabem mui­tas coisas. Ao dizer que o valor de uma mercadoria e deteminado pela quantidade de trabalho incorporado ou cristalizado nela, queremos referir-nos a quantidade de trabalho necess6rio para produzir essa mercadoria num dado estado social e sob determinadas condi~6es sociais medias de produ~ao, com uma dada intensidade social media e com uma destreza media no trabalho que se emprega. Quando, na lnglaterra, o tear a vapor come~ou a competir com o tear manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de tecido de algodao, ou pano, bastava a metade da dura~ao de trabalho que anteriormente se invertia. Agora, o pobre tecelao manual tinha que trabalhar 17 ou 18 horas diarias, em vez das 9 ou 10 de antes. Nao obstante, o produto de suas 20 horas de trabalho s6 representa­va 10 horas de trabalho social; isto e, as 10 horas de trabalho socialmente necessa­rias para converter uma determinada quantidade de fio em artigos texteis. Portan­to, seu produto de 20 horas nao tinha mais valor do que aquele que antes elabora­va em 10.

Se, entao, a quantidade de trabalho socialmente necessaria, materializado nas mercadorias, e o que determina o valor de troca destas, ao crescer a quantidade de trabalho exigfvel para .produzir uma mercadoria aumenta necessariamente o seu valor e vice-versa, diminuindo aquela, baixa este.

Se as respectivas quantidades de trabalho necessaria para produzir as respecti­vas mercadorias permanecessem constantes, seriam tambem constantes seus vale­res relatives. Porem, assim nao sucede. A quantidade de trabalho necessaria para produzir uma mercadoria varia constantemente, ao variarem as for~as produtivas do trabalho aplicado. Quanta maiores sao as for~as produtivas do trabalho, mais produtos se elaboram num tempo de trabalho dado; e quanta menores sao, me­nos se produzem na mesma unidade de tempo. Se, por exemplo, ao crescer a po­pula~ao, se fizesse necessaria cultivar terras menos ferteis, terfamos que inverter uma quantidade maior de trabalho para obter a mesma produ~ao, e isso faria su­bir, por conseguinte , o valor dos produtos agrfcolas. Por outro !ado, se um s6 fian­deiro, com os modernos meios de produ~ao, ao fim do dia converte em fio mil ve­zes mais algodao que antes fiava no mesmo espa~o de tempo com auxllio da roca, e evidente que, agora, cada libra de algodao absorvera mil vezes menos trabalho de fia~ao que dantes e, por conseqUencia, o valor que o processo de fia~ao incor­pora em cada libra de algodao sera mil vezes menor. E na mesma propor~ao baixa­ra o valor do fio.

A parte as diferen~as nas energias naturais e na destreza adquirida para o tra­balho entre OS diversos pOVOS; as for~as produtivas do trabalho aependerao, princi­palmente:

1 - Das condi~6es naturals do trabalho: fertilidade do solo, riqueza das jazi-das minerais etc. ·

2 - Do aperfei~oamento progressive das forr;as socials do trabalho por efeito da produ~ao em grande escala, da concentra~ao do capital, da combina~ao do tra­balho, da divisao do trabalho, maquinaria, melhoria dos metodos, aplica~ao dos meios qulmicos e de outras for~as naturais, redu<;ao do tempo e do espa~o gra~as aos meios de comunica~ao e de transporte, e todos os demais inventos pelos quais

SAlARlO, PRE<;:O E LUCRO 157

mais a ciencia obriga as for~as naturais a servir ao trabalho, e pelos quais desenvol­ve 0 carater social ou cooperative do trabalho. Quanta maior e a for~a produtiva do trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, par­tanto, menor e o valor desses produtos. Quanta menores sao as for~as produtivas do trabalho, mais trabalho se emprega na mesma quantidade de produt~s e, por conseqi.iencia, maior e o seu valor. Podemos, entao, estabelecer como let geral o seguinte: . .

Os ualores das mercadorias estao na razao direta do tempo de trabalho muertr-do em sua produr;ao e na razoo inuersa das forr;as produtiuas do trabalho emprega­do.

Como ate aqui s6 temos falado do ualor, acrescentarei algumas palavras acer-ca do prer;o, que e uma forma particular tomada pelo valor.

Em si mesmo, o prer;o outra coisa nao e senao a expressao em dinheiro do ua­/or. Os valores de todas as mercadorias deste pals se exprimem, por exemplo, em pre~os-ouro, enquanto no Continente se expressam quase sempre em pre<;~s-pra­ta. 0 valor do ouro, ou da prata, se determina como o de qualquer mercadona, pe­la quantidade de trabalho necessaria a sua extra<;ao. Permutais uma certa soma de vossos produtos nacionais, na qual se cristaliza uma determinada quantidade de vosso trabalho nacional, pelos produtos dos parses produtores de_ ouro e prata, nos quais se cristaliza uma determinada quantidade de seu trabalho. E por esse proces­so, na verdade pela simples troca, que aprendeis a exprimir em ouro e prata os va­lores de todas as mercadorias, isto e, as quantidades respectivas de trabalho empre­gadas na sua produ<;ao. Se vos aprofundardes mais na expressao em dinheiro do ualor, ou, o que vem a ser o mesmo, na conuersao do ualor em prer;o, vereis que se trata de urn process9 por meio do qual dais aos ualores de todas as mercadorias uma forma independente e homogenea, por meio da qual exprimis esses valores como quantidades de igual trabalho social. Na medida em que e apenas a exp~es­sao em dinheiro do valor, o pre~o foi denominado prer;o natural, por Adam Smtth, e prix necessaire, 20 pelos fisiocratas franceses.

Que rela~ao guardam, pois, o ualor e os prer;os do mercado ou os prer;os na­turals e os prer;os do mercado? Todos sabeis que o prer;o do mercado e o mesmo para todas as mercadorias da mesma especie, por muito que varie~ as condi<;6~s de produ~ao dos produtores individuals. Os pre<;os do mercado nao. ~em _m~1s que expressar a guantidade social media de trabalho, que, nas ~ondt~oes ~ed1as de produ~ao, e necessaria para abastecer o mercado com determmada quantidade de um certo artigo. Calcula-se tendo em vista a quantidade global de uma merca­doria de determinada especie.

Ate agora o prer;o de uma mercadoria no mercado coincide com o seu ualor. Por outra parte, as oscila<;6es dos pre<;os do mercado que umas vezes excedem o valor, ou pre<;o natural, e outras vezes ficam abaixo dele dependem das flutua<_;6es da oferta e da procura. Os pre<;os do mercado se desviam constantemente dos va­lores, mas, como diz Adam Smith:

"0 prec;o natural e ( ... ) o prec;o central em tomo do qual gravitam cons~anteme~te os prec;os das mercadorias. Circunstancias diversas os podem . manter ~rgUidos mUito acima desse ponto e, por vezes, precipita-los urn pouco aba1xo. Qua1squer, pore~, que sejam os obstaculos que os impec;am de se deter nesse centro de repouso e establ­lidade, eles tendem continuamente para Ia". 21

20 Em franc~. no original, "pr~o necess6rio" . (N. do E. l 21 SMITH, Adam. The Wealth of Nations. Nova York, 1931. t. I. cap. 7, p. 57. (N. doT.)

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158 SALfi.RIO, PREGO E LUCRO

Nao posse agora esmiw;ar esse assunto. Basta dizer que, se a oferta e a procu­ra se equilibram, os prec;os das mercadorias no mercado corresponderao a seus prec;os naturais, isto e, a seus valores, os quais se determinam pelas respectivas quantidades de trabalho necessaria para a sua preduc;ao. Mas a oferta e a procura devem constantemente tender para o equilfbrio, embora s6 o alcancem compen­sando uma flutuac;ao com a outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se, em vez de considerar somente as flutuac;oes diarias, analisardes o movimento des pre­c;os do mercado durante urn espac;o de tempo bastante Iongo, como o fez, per exemplo, o Sr. T coke, na sua Hist6ria dos Prec;os, descobrireis que as flutuac;oes des prec;os no mercado, seus desvios des valores, suas altas e baixas, se compen­sam umas com as outras e se neutralizam de tal maneira que, pastas a margem a influencia exercida pelos monop6lios e algumas outras restric;oes que aqui temos de passar per alto, vemos que todas as especies de mercadorias se vendem, em ter­mo medic, pelos seus respectivos valores ou prec;os naturais. Os perfodos medics de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuac;oes des prec;os no mercado, diferem segundo as distintas especies de mercadorias, porque numas e mais facil que em outras adaptar a oferta a precura.

Se, entao, falando de urn modo geral e abarcando perfodos de tempo bastan­te longos, todas as especies de mercadorias se vendem pelos seus respectivos vale­res, e absurdo super que o lucre - nao em cases isolados, mas o lucre constante e normal das diversas industrias - brota de uma majorac;iio des prec;os das merca­dorias, ou do fate de que se vendam per urn prec;o que exceda consideravelmente o seu valor. 0 absurdo dessa ideia evidencia-se desde que a generalizamos. 0 que alguem ganhasse constantemente como vendedor, haveria de perder constante­mente como comprador. De nada serve dizer que ha pessoas que compram sem vender, consumidores que nao sao produtores. 0 que estes pagassem ao produ­tor, teriam antes de recebe-lo dele gratis. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve comprando-vos as vossas mercadorias, per esse caminho nun­ca enriquecereis per mais care que vendais. Essa espEkie de neg6cios podera redu­zir uma perda, mas jamais contribuir para realizar urn lucre. Portanto, para explicar o carater geral do Iuera nao tereis outre remedio senao partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em media, pelos seus verdadeiros valores e que os Iu­eras se obtem vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto e, em proporc;ao a quantidade de trabalho nelas materializado. Se nao conseguirdes explicar o lucre sabre essa base, de nenhum outre modo conseguireis explica-lo. lsso parece urn paradoxa e contrario a observac;ao de todos os dias. Parece tambem paradoxa) que a Terra gire ao redor do Sole que a agua seja formada per dois gases altamen­te inflamaveis. As verdades cientfficas serao sempre paradoxais, se julgadas pela ex­periencia de todos os dias, a qual somente capta a aparencia enganadora das coi­sas.

Vll

For~a de Trabalho

Depois de termos analisado, na medida em que podfamos faze-Io, em urn exame tao rapido, a natureza do valor, do valor de uma mercadoria qualquer, de­vemos volver nossa atenc;ao para o valor especifico do trabalho. E aqui tenho eu, novamente, que vos surpreender com outre aparente paradoxa. Todos v6s estais completamente convencidos de que aquilo que vendeis todos os dias e vosso tra­balho: de que, portanto, o trabalho tern urn prec;o e que, embora o prec;o de uma mercadoria mais nao seja que a expressao em dinheire do seu valor, deve existir, sem duvida alguma, qualquer coisa parecida com o valor do trabalho. E, nao obs­tante, nao existe tal coisa como o valor do trabalho, no sentido corrente da pala­vra. Vimos que a quantidade de trabalho necessaria cristalizado numa mercadoria constitui o seu valor. Aplicando agora esse conceito do valor, como poderfamos de­terminar o valor de uma jomada de trabalho de 10 horas, por exemplo? Quanta trabalho esta contido nessa jomada? Dez horas de trabalho. Se dissessemos que o valor de uma jomada de trabalho de 10 horas equivale a 10 horas de trabalho, ou a quantidade de trabalho contido nela, farfamos uma afirmac;ao tautol6gica e, alem disso, sem sentido. Naturalmente, depois de haver desentranhado o sentido verda­deiro, porem oculto, da expressao valor do trabalho, estaremos em condic;oes de interpretar essa aplicac;ao irracional e aparentemente impossfvel do valor, do mes­mo modo que estamos em condic;oes de explicar os movimentos, aparentes ou so­mente perceptfveis em certas formas, dos corpos celestes, depois de termos desco­berto os seus movimentos reais.

0 que o operario vende nao e diretamente o seu trabalho, mas a sua fort;a de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela. Tanto e assim que, nao sei se as leis inglesas, mas, desde logo, algumas leis continentals fi­xam o maximo de tempo pelo qual uma pessoa pode vender a sua forc;a de traba­lho. Se lhe fosse permitido vende-la sem limitac;ao de tempo, terfamos imediata­mente restabelecida a escravatura. Semelhante venda, se o operario se vendesse por toda a vida, por exemplo, converte-lo-ia sem demora em escravo do patrao ate o final de seus dias.

Thomas Hobbes,22 urn dos economistas mais antigos e dos mais originais fil6 -

22 Thomas Hobbes (1588-1679), lil6solo lngl~. empirico e sensualista, ide61ogo da nobreza aburguesada. Delendeu o poder ilimitado do Estado em suas obras, sobretudo no Leuiotii, escrito em 1651, que loi queimado em pOblico, ap6s a restaura¢o dos Stuarts. (N. do E.)

159

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160 SALARIO, PRE<;O E LUCRO

sofas da lnglaterra, ja havia assinalado em seu Leviatii, instintivamente, esse ponto que escapou a todos os seus sucessores. Dizia ele:

"0 valor de um homem e, como para todas as outras coisas, o seu pre~o; quer di­zer, o que se pagaria pelo uso de sua forr;.a".

Partindo dessa base podemos determinar o valor do trabalho, como o de to­das as outras mercadorias.

Mas, antes de faze-to, poderfamos perguntar: de onde provem esse fenomeno singular de que no mercado n6s encontremos urn grupo de compradores, que pos­suem terras, · maquinaria, materias-primas e meios de vida, coisas essas que, exceto a terra, em seu estado bruto, sao produtos de trabalho, e, por outro !ado, urn gru­po de vendedores que nada tern a vender senao sua for~a de trabalho, os seus bra­~os laboriosos e cerebros? Como se explica que urn dos grupos compre constante­mente para realizar lucro e enriquecer-se, enquanto o outro grupo vende constan­temente para ganhar o pao de cada dia? A investiga~ao desse problema seria uma investiga~ao do que os economistas chamam "acumulaqiio -previa ou originaria" , 23

mas que deveria chamar-se expropriaqi:io originaria. E veremos que essa chamada acumula~ao originaria nao e senao uma serie de processes hist6ricos que resulta­ram na decomposiqi:io da unidade originaria existente entre o homem trabalhador e seus instrumentos de trabalho. Essa observa~ao cai, todavia, fora da 6rbita do nosso tema atual. Uma vez consumada a separaqi:io entre o trabalhador e os instru­mentos de trabalho, esse estado de coisas se mantera e se reprod1,1zira em escala sempre crescente, ate que uma nova e radical revoluc;ao do sistema de produ~ao a deite por terra e restaure a primitiva unidade sob uma forma hist6rica nova.

Que e , pois, o valor da forqa de trabalho? Como o de toda outra mercadoria, esse valor se deterrnina pela quantidade

de trabalho necessaria para produzi-la. A for~ de trabalho de urn homem consis­te, pura e simplesmente, na sua individualidade viva. Para poder crescer e manter­se, urn homem precisa consumir uma deterrninada quantidade de meios de subsis­tencia, o homem, como a maquina, se gasta e tern que ser substitufdo por outro homem. Alem da soma de artigos de primeira necessidade exigidos para o seu pr6-prio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar deter­minado m1mero de filhos, que hao de substituf-lo no mercado de trabalho e perpe­tuar a descendencia dos trabalhadores. Ademais, tern que gastar outra soma de va­lores no desenvolvimento de sua for~a de trabalho e na aquisi~ao de uma certa ha­bilidade. Para o nosso objetivo bastar-nos-a considerar o trabalho media, cujos gas­tos de educa~ao e aperfei~oamento sao grandezas insignificantes. Devo, sem em­bargo, aproveitar a ocasiao para constatar que, assim como diferem os custos de produ~ao de for~a de trabalho de diferente qualidade, assim tern que diferir, tam­bern, os valores das for~as de trabalho aplicadas nas diferentes industrias. Por con­sequencia, o grito pela igualdade de salarios assenta num erro, e urn desejo oco, que jamais se realizara. E urn rebento desse falso e superficial radicalismo que ad­mite as premissas e procura fugir as conclusoes. Dentro do sistema do salariado, o valor da for~a de trabalho se fixa como o de outra mercadoria qualquer; e, como distintas especies de for~ de trabalho possuem distintos valores ou exigem para a sua produ~ao distintas quantidades de trabalho, necessariamente tern que ter pre­~os distintos no mercado de trabalho. Pedir uma retribuiqi:io igual ou simplesmente

Z3 0 mesmo que "acumula~o primitiva", como Marx diria em 0 Capital. (N. do E. )

SAl.ARIO, PRE<;O E LUCRO 161

uma retribuiqi:io justa, na base do sistema do salariado, e o mesmo que pedir tiber­dade na base do sistema da escravatura. 0 que pudesseis considerar justa ou eqOi­tativo nao vern ao caso. 0 problema esta em saber o que vai acontecer necessaria e inevitavelmente dentro de urn dado sistema de produ~ao.

Depois do que dissemos, o valor da forqa de trabalho e deterrninado pelo va­lor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, man­ter e perpetuar a for~a de trabalho.

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VIII

A Produ~ao da Mais-Valia

Suponhamos agora que a quantidade media diaria de artigos de primeira ne­cessidade imprescindfveis a vida de urn operario exija 6 horas de trabalho medio para a sua produc;ao. Suponhamos, alem disso, que essas 6 horas de trabalho me­clio se materializem numa quantidade de ouro equivalente a 3 xelins. Nestas condi­c;oes, os 3 xelins seriam o pre~o ou a expressao em dinheiro do valor diario da for­~a de trabalho desse homem. Se trabalhasse 6 horas diarias, ele produziria diana­mente urn valor que bastaria para comprar a quantidade media de seus artigos dia­rios de primeira necessidade ou para se manter como operario.

Mas o nosso homem e urn obreiro assalariado. Portanto, precisa vender a sua forc;a de trabalho a urn capitalista. Se a vende por 3 xelins diarios, ou por 18 sema­nais, vende-a pelo seu valor. Vamos supor que se trata de urn fiandeiro. Trabalhan­do 6 horas por dia, incorporara ao algodao, diariamente, urn valor de 3 xelins. Es­se valor diariamente incorporado por ele representaria urn equivalente exato do sa­lario, ou prec;o de sua for<;a de trabalho, que recebe cada dia. Mas n~sse caso nao iria para o capitalista nenhuma mais-valia ou sobreproduto algum. E aqui, entao, que trope<;amos com a verdadeira dificuldade.

Ao comprar a for<;a de trabalho do operario e ao paga-la pelo seu valor, o ca­pitalista adquire, como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria comprada. A for<;a de trabalho de urn homem e consumida, ou usada, fazendo-o trabalhar, assim como se consome ou se usa uma maquina fazendo-a funcionar. Portanto, o capitalista, ao comprar o valor diario, ou semanal, da for<;a de trabalho do operario, adquire o direito de servir-se deJa ou de faze-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. A jornada de trabalho, ou a semana de tra­balho, tern naturalmente certos limites, mas a isso volveremos, em detalhe, mais adiante.

No momento, quero chamar-vos a aten<;ao para urn ponto decisivo. 0 valor da for<;a de trabalho se determina pela quantidade de trabalho neces­

saria para a sua conservac;ao, ou reprodu<;ao, mas o uso dessa for<;a s6 e limitado pela energia vital e a for<;a ffsica do operario. 0 valor diario ou semanal da for<;a de trabalho difere completamente do funcionamento diano ou semanal dessa roes­rna for<;a de trabalho; sao duas coisas completamente distintas, como a rac;ao con­sumida por urn cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A quanti­dade de trabalho que serve de limite ao valor da forc;a de trabalho do operario nao

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164 SAlARIO, PRECO E LUCRO

limita de modo algum a quantidade de trabalho que sua for\;a de trabalho pode executar. Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para recompor dia­riamente a sua forc;;a de trabalho, esse fiandeiro precisava reproduzir urn valor dia­rio de 3 xelins, o que realizava com urn trabalho diario de 6 horas. Isso porem, nao !he tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais, diariamente. Mas o capitalista, ao pagar o ualor diario ou semanal da for~ de trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usa-la durante todo o dia ou toda a semana. Fa-lo-a trabalhar, portanto, digamos, 12 horas diarias, quer dizer, a/em das 6 horas necessarias para recompor o seu salario, ou o valor de sua for~ de trabalho, tera de trabalhar ou­tras 6 horas, a que chamarei de horas de sobretraba/ho, e esse sobretrabalho ira traduzir-se em uma mais-ua/ia e em urn sobreproduto. Se, por exemplo, nosso fian­deiro, com o seu trabalho diario de 6 horas, acrescenta ao algodao urn valor de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exato de seu salario, em 12 horas acres­centara ao algodao urn valor de 6 xelins e produzira a correspondente quantidade adicional de fio. E, como vendeu sua for\;a de trabalho ao capitalista, todo o valor, ou todo o produto, por ele criado pertence ao capitalista, que e dono de sua for\;a de trabalho, pro tempore. Por conseguinte, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizara o valor de 6, pois com o desembolso de um valor no qual se cristalizam 6 horas de trabalho recebera em troca um valor no qual estao cristalizadas 12 horas. Se repete, diariamente, essa opera\;ao, o capitalista desembolsara 3 xelins por dia e embolsara 6, cuja metade tornara a inverter no pagamento de novos sah~rios, en­quanta a outra metade forman~ a mais-ualia, pela qual o capitalista nao paga equi­valente algum. Esse tipo de intercambio entre o capital e o trabalho e o que serve de base a produ\;aO capitalista, ou ao sistema do salariado, e tern que conduzir, sem cessar, a constante reprodu\;ao do operario como operario e do capitalista co­mo capitalista.

A taxa de mais-ualia dependera, se todas as outras circunstancias permanece­rem invariaveis, da proporc;;ao existente entre a parte da jomada que o operario tern que trabalhar para reproduzir o valor da for\;a de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista. Dependera, por isso, da propor~ao em que a jomada de trabalho se pro/ongue a/em do tempo durante o qual o operario, com o seu trabalho, se ~mita a reproduzir o valor de sua forc;;a de trabalho ou a re­por o seu salario.

IX

0 Valor do Trabalho

Devemos voltar agora a expressao "ualor ou preqo do trabalho". Vimos que, na realidade, esse valor nada mais e que o da for\;a de trabalho, medido pelos valo­res das mercadoria~ necessarias a sua manuten~ao. Mas, como o open1rio s6 rece­be o seu salario depois de realizar o seu trabalho e como, ademais, sabe que o que entrega realmente ao capitalista e o seu trabalho, ele necessariamente imagina que o valor ou pre~o de sua for\;a de trabalho e o pre~o ou ualor do seu pr6prio traba­lho. Se o pre~o de sua for~a de trabalho e 3 xelins, nos quais se materializam 6 ho­ras de trabalho, e ele trabalha 12 horas, for\tosamente o operario considerara esses 3 xelins como o valor ou pre\;O de 12 horas de trabalho, se bern que estas 12 ho­ras representem urn valor de 6 xelins. Donde se chega a um duplo resultado:

Primeiro: 0 ualor ou preqo da forqa de trabalho toma a aparencia do pre<;o ou ualor do pr6prio trabalho, ainda que a rigor as expressoes de valor e pre\;O do trabalho carec;;am de sentido.

Segundo: Ainda que s6 se pague uma parte do trabalho diario do operario, enquanto a outra parte fica sem remunera<;oo, e ainda que esse trabalho nao remu­nerado ou sobretrabalho seja precisamente o fundo de que se forma a mais-ualia ou lucro, fica parecendo que todo 0 trabalho e trabalho pago.

Essa aparencia enganadora distingue o traba/ho assalariado das outras formas hist6ricas do trabalho. Dentro do sistema do salariado, ate o trabalho noo remune­rado parece trabalho pogo. Ao contrario, no trabalho dos escrauos parece ser traba­lho nao remunerado ate a parte do trabalho que se paga. Claro esta que, para po­der trabalhar, o escravo tern que viver e uma parte de sua jomada de trabalho ser­ve para repor o valor de seu pr6prio sustento. Mas, como entre ele e seu senhor nao houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma compra e venda, todo o seu trabalho parece dado de grac;;a.

Tomemos, por outro !ado, o campones servo, tal como existia, quase dirfa­mos ainda ontem mesmo, em todo o oriente da Europa. Este campones, por exem­plo, trabalhava tres dias para si, na sua pr6pria terra, ou na que !he havia sido atri­bufda, e nos tres dias seguintes realizava urn trabalho compuls6rio e gratuito na propriedade de seu senhor. Como vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a nao paga, aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espa~o. e os nos­sos liberals podem estourar de indignac;ao moral ante a ideia disparatada de que se obrigue urn homem a trabalhar de grac;;a.

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166 SALARIO, PRECO E LUCRO

Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar tres dias na semana para si, na sua propria terra, e outros tres dias de gra<sa na gleba do senhor como trabalhar diariamente na fabrica, ou na oficina, 6 horas para si e 6 horas para o seu patrao; ainda que nesse caso a parte do trabalho pago e a do nao remunerado aparec;am inseparavelmente confundidas e o carater de toda a transa<sao se disfarce por com­plete com a interferencia de um contrato e o pagamento recebido no fim da sema­na. No primeiro caso, o trabalho nao remunerado e visivelmente arrancado pela for<sa; no segundo, parece entregue voluntariamente. Eis a (mica diferenc;a.

Sempre que eu empregue, portanto, a expressao "valor do trabalho", empre­ga-la-ei como terrno popular, sinonimo de "valor de fort;a de trabalho".

I

X

0 Lucro Obtem-se Vendendo uma Mercadoria pelo seu Valor

Suponhamos que uma hora de trabalho medic materialize um valor de 6 pen­ce24 ou 12 horas de trabalho medic, urn valor de 6 xelins. Suponhamos, ainda, que o valor do trabalho represente 3 xelins ou o produto de 6 horas de trabalho. Se nas materias-primas, maquinaria etc., consumidas para produzir uma determina­da mercadoria, se materializam 24 horas de trabalho medic, o seu valor elevar-se­a a 12 xelins. Se, alem disso, o operario empregado pelo capitalista junta a esses meios de produc;ao 12 horas de trabalho, teremos que essas 12 horas se materiali­zam num valor adicional de 6 xelins. Portanto, o valor do produto se elevara a 36 horas de trabalho materializado, equivalente a 18 xelins. Porem, como o valor do trabalho ou o salario recebido pelo operario s6 representa 3 xelins, decorre dar que o capitalista nao pagou equivalente algum pelas 6 horas de sobretrabalho reali­zado pelo operario e materializadas no valor da mercadoria. Vendendo essa merca­doria pelo valor, por 18 xelins, o capitalista obtera, portanto, um valor de 3 xelins, para o qual nao pagou equivalente. Esses 3 xelins representarao a mais-valia ou lu­cre que o capitalista embolsa. 0 capitalista obtera, por consequencia, urn lucre de 3 xelins, nao por vender a sua mercadoria a urn pre<so que exceda o seu valor, mas por vende-la pelo seu valor real.

0 valor de uma mercadoria se deterrnina pela quantidade total de trabalho que encerra. Mas uma parte dessa quantidade de trabalho representa urn valor pe­lo qual se pagou um equivalente em forma de salaries; outra parte se materializa num valor pelo qual nenhum equivalente foi pago. Uma parte do trabalho inclufdo na mercadoria e trabalho remunerado; a outra parte, trabalho nao remunerado. Logo, quando o capitalista vende a mercadoria pelo seu valor, isto e, como cristali­zac;ao da quantidade total de trabalho nela invertido, o capitalista deve forc;osamen­te vende-la com lucre. Vende nao s6 o que lhe custou urn equivalente, como tam­bern o que nao lhe custou nada, embora haja custado o trabalho do seu operario. 0 custo da mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria sao coisas in­teiramente distintas. Repito, pols, que lucros normals e medics se obtem vendendo as mercadorias nao acima do que valem e sim pelo seu verdadeiro valor.

24 Ver nota 12. (N. do E.)

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XI

As Diversas Partes em que se Divide a Mais-Valia

A mais-ua/ia, ou seja, aquela parte do valor total da mercadoria em que se in­corpora o sobretrabalho, ou trabalho nao remunerado, eu chamo lucro. Esse lucro nao o embolsa na sua totalidade o empregador capitalista. 0 monop6lio do solo permite ao proprietario da terra embolsar uma parte dessa mais-ualia, sob a deno­minac;ao de renda territorial, quer o solo seja utilizado na agricultura ou se destine a construir edlffcios, ferrovias ou a outro qualquer fim produtivo. Por outro !ado, o fato de ser a posse dos meibs de trabalho o que possibilita ao empregador capitalis­ta produzir mais-ualia, ou, o que e o mesmo, apropriar-se de uma determinada quantidade de trabalho nao remunerado, e precisamente o que permite ao proprie­tario dos meios de trabalho, que os empresta total ou parcialmente ao empregador capitalista, numa palavra, ao capitalista que empresta o dinheiro, reivindicar para si mesmo outra parte dessa mais-valia sob o nome de juro, de modo que ao capitalis­ta empregador, como tal, s6 !he sobra o chamado lucro industrial ou comercial. A questao de saber a que leis esta submetida essa divisao da importancia total da mais-valia entre as tres categorias de pessoas aqui mencionadas e inteiramente es­tranha ao nosso tema. Mas, do que deixamos exposto depreende-se, pelo menos, o seguinte:

A renda territorial, o juro e o lucro industrial nada mais sao que nomes diferen­tes para exprimir as diferentes partes da mais-ualia de uma mercadoria ou do traba­lho nao remunerado, que nela se materializa, e todos provem por igual dessa fonte e s6 dessa jonte. Nao provem do solo, como tal, nem do capital em si; mas o solo e o capital permitem a seus possuidores obter a sua parte correspondente na mais­valia que o empregador capitalista extorque ao operario. Para o operario mesmo, e uma questao de import§ncia secundaria que essa mais-valia, fruto de seu sobre­trabalho, ou trabalho nao remunerado, seja exclusivamente embolsada pelo em­pregador capitalista ou que este se veja obrigado a ceder parte a terceiros, com o nome de renda do solo, ou juro. Suponhamos que o empregador utiliza apenas ca­pital proprio e seja ele mesmo o proprietario do solo; nesse caso, toda a mais-valia ira parar em seu bolso.

E o empregador capitalista quem extrai diretamente do operario essa mais-va­lia, seja qual for a parte que, em ultima analise, possa reservar para si. Por isso, dessa relac;ao entre o empregador capitalista e o operario assalariado dependem to­do o sistema do salariado e todo o regime atual de produc;ao. Alguns dos cidadaos

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170 SALARIO, PRECO E LUCRO

que intervieram em nosso debate, ao intentarem atenuar as propon;oes das coisas e apresentar essa rela<;ao fundamental entre o empregador capitalista e o operario como uma questao secundaria, cometeram, portanto, urn erro, embora, por outro lado, tivessem razao ao afirmar que, em dadas circunstancias, urn aumento dos pre<;os pode afetar de urn modo muito desigual o empregador capitalista, o dono da terra, o capitalista que empresta dinheiro e, se quereis, o arrecadador de impas­tos.

Do exposto resulta ainda outra consequencia. A parte do valor da mercadoria que representa unicamente o valor das mate­

rias-primas e das maquinas, numa palavra, o valor dos meios de produ¢o consu­midos, noo gera nenhum rendimento, mas se limita a repor o capital. Mas, afora is­so, e falso que a outra parte do valor da mercadoria, que forma o rendimento ou pode ser gasta sob a forma de salario, lucro, renda territorial e juro, seja constitufda pelo valor dos salaries, pelo valor da renda territorial, pelo valor do lucro etc. Por ora deixaremos de lado os salaries e s6 tratare11)os do lucro industrial, do juro e da renda territorial. Acabamos de ver que a mais-valia contida na mercadoria, ou a parte do valor desta na qual esta incorporado o trabalho noo remunerado, por sua vez se decompoe em varias partes, designadas por tres nomes diferentes. Afirmar, porem, que seu valor se acha integrado ou formado pela soma total dos valores in­dependentes dessas tres partes constituintes seria afirmar o inverse da verdade.

Se 1 hora de trabalho se realiza num valor de 6 pence e se a jomada de traba­lho do operario e de 12 horas e a metade desse tempo for trabalho nao pago, esse sobretrabalho acrescentara a mercadoria uma mais-valia de 3 xelins, isto e, urn va­lor pelo qual nao se paga nenhum equivalente. Essa mais-valia de 3 xelins repre­senta todo o fundo que o empregador capitalista pode repartir, na propon;ao que for com o dono da terra e com o emprestador de dinheiro. 0 valor desses 3 xelins forma o limite do valor que eles podem repartir entre si. Mas nao e o empregador capitalista que acrescenta ao valor da mercadoria urn valor arbitrario para seu lu­cre, acrescentando em seguida outro valor para o proprietario da terra e assim por diante, de tal maneira que a soma desses valores arbitrariamente fixados constitufs­se o valor total. Vedes, portanto, o erro da ideia correntemente exposta, que con­funde a divisao de um dado valor em tres partes, com a forma<;ao desse valor me­_diante a soma de tres valores independentes, convertendo dessa maneira numa grandeza arbitraria o valor total, de onde saem a renda territorial, o lucro e o juro.

Se o lucro total obtido por urn capitalista for de 100 Iibras esterlinas, chama­mas a essa soma, considerada como grandeza abso/uta, o montante do lucro. Mas, se calculamos a propor<;ao entre essas 100 IJbras e o capital desembolsado, a essa grandeza relativa chamamos taxa de Iuera. E evidente que se pode expressar essa taxa de lucro sob duas formas.

Vamos supor seja de 100 Iibras o capital desembolsado em sa/arios. Se a mais-valia obtida for tambem de 100 Iibras- o que nos demonstraria que a meta­de da jornada do operario se compoe de trabalho noo remunerado - e se medfs­semos esse lucro pelo valor do capital desembolsado em salaries, dirfamos que a taxa de /ucro25 era de 100%. Ja que o valor desembolsado seria 100 eo valor pro­duzido 200.

Se, por outro lado, nao s6 considerassemos o capital desembolsado em sa/a­rias mas todo o capital desembolsado, digamos, por exemplo, 500 Iibras, das quais 400 representam o valor das materias-primas, maquinaria etc. , dirfamos que a taxa

25 Mais tarde, em 0 Capitol, Marx dlria "taxa de mals-valla". Nessa obra s6 se emprega a expressao "taxa de lucro" co· mo a rela<;!o entre o lucro eo capital total. (N. da Ed. Francesa.)

SALARIO, PRECO E LUCRO 171

de Iuera apenas se elevara a 20%, visto o lucro de 100 nao ser mais que a quinta parte do capital total desembolsado.

0 primeiro modo de expressar a taxa de Iuera e o unico que nos revela a pro­por<;ao real entre o trabalho pago e o nao remunerado, o grau real da exp/oita­tion26 do trabalho (permiti-me o uso dessa palavra francesa). A outra forma e a usual, e para certos fins e, com efeito, a mais indicada. Em todo caso, prova ser muito util, por ocultar o grau em que o capitalista arranca do operario trabalho gra­tuito.

Nas observa<;oes que ainda me restam por fazer, empregarei a palavra Iuera para exprimir o montante total de mais-valia extorquida pelo capitalista, sem me preocupar com a divisao dessa mais-valia entre as diversas partes interessadas, e quando usar o termo taxa de Iuera medirei sempre o lucro pelo valor do capital de­sembolsado em salario.

26 Explora~o. (N. do E.)

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XII

A Rela(:iio Geral entre Lucros, Saliirios e Pre(:OS

Se do valor de uma mercadoria descontarmos a parte que se limita a repor o das materias-primas e outros meios de produ~ao empregados, isto e, se descontar­mos o valor que representa o trabalho preterito nela encerrado, o valor restante re­duzir-se-a a quantidade de trabalho acrescentada pelo operario que por ultimo se ocupa nela. Se esse operario trabalha 12 horas diarias, e 12 horas de trabalho me­clio cristalizam-se numa soma de ouro igual a 6 xelins, esse valor adicional de 6 xe­lins sera o unico valor criado por seu trabalho. Esse valor dado, determinado por seu tempo de trabalho, e o (mico fundo do qual tanto ele como o capitalista t~m de retirar a respectiva participa~ao ou dividendo, e o unico valor a ser dividido en­tre salarios e lucros. E evidente que esse valor nao sera em si mesmo alterado pe­las propor~oes variaveis em que possa dividir-se entre ambas as partes. E tampou­co havera altera~o se, em vez de urn operario isolado, pomos toda a popula~ao trabalhadora, 12 milhoes de jomadas de trabalho, por exemplo, em vez de uma.

Como o capitalista e o operario s6 podem dividir esse valor limitado, isto e, o valor medido pelo trabalho total do operario, quanto mais perceba urn deles, me­nos obtera o outro, e reciprocamente. Partindo de uma dada quantidade, uma das partes aumentara sempre na mesma propor~ao em que a outra diminui. Se os sala­rios se modificam, modificar-se-ao em sentido oposto aos lucros. Se os saUirios bai­xam, subirao os lucros; e, se os salarios sobem, baixarao os lucros. Se o operario, na nossa suposi~ao anterior, ganha 3 xelins, equivalentes a metade do valor criado por ele, ou se a metade da sua jomada de trabalho total e trabalho pago e a outra metade trabalho nao remunerado, a taxa de lucro sera de 100%, visto que o capi­talista obtera tambem 3 xelins. Se o operario s6 recebe 2 xelins, ou s6 trabalha pa­ra ele a ter~a parte da jornada total, o capitalista obtera 4 xelins e a taxa de lucro sera, nesse caso, de 200%. Se o operano percebe 4 xelins, o capitalista s6 podera embolsar 2, e a taxa de lucro descera, portanto, a 50%. Mas todas essas varia~oes nao influem no valor da mercadoria. Logo, urn aumento geral de salarios determi­naria uma diminui~o qa taxa geral do lucro, mas nao afetaria os valores.

No entanto, embora os valores das mercadorias, que, em ultima inst§ncia, hao de regular seus pre~os no mercado, estejam determinados exclusivamente pe­la quantidade total de trabalho plasmado nelas, e nao pela divisao dessa quantida­de em trabalho pago e trabalho nao remunerado, daqui nao se deduz, de modo a)­gum, que os valores das diversas mercadorias ou lotes de mercadorias fabricadas

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em 12 horas, por exemplo, sejam sempre os mesmos. 0 numero, ou a massa das mercadorias fabricadas num determinado tempo de trabalho, ou mediante uma de­terminada quantidade de trabalho, depende da for~a produtiva do trabalho em?re­gado e nao da sua extensao ou dura~ao. Com urn dado grau das forc;as produtivas do trabalho de fiac;ao, por exemplo, poderao produzir-se numa jornada de traba­lho de 12 horas, 12 libras-peso de fio; com urn grau mais baixo de forc;a produtiva produzir-se-ao tao-somente 2. Portanto, no primeiro caso, se as 12 horas de traba­lho medio se materializam num valor de 6 xelins, as 12 libras-peso de fio custarao 6 xelins, justamente o que custariam, no segundo caso, as 2 Iibras. Quer dizer q.ue, no primeiro caso, a libra-peso de fio saira por 6 pence e, no segundo, por 3 xehns. Essa diferenc;a de prec;o seria uma conseqilencia da diferenc;a existente entre as for­c;as produtivas do trabalho empregado. Com a maior forc;a produtiva, 1 hora de trabalho materializar-se-ia em 1 libra-peso de fio, ao passo que, com a forc;a produ­tiva menor, para obter 1 libra de fio haveria necessidade de 6 horas de trabalho. No primeiro caso, o prec;o da libra de fio nao excederia 6 pence apesar de os sala­ries serem relativamente altos e a taxa de lucro, baixa; no segundo caso, elevar-se­ia a 3 xelins, mesmo com salarios baixos e com uma taxa de lucro elevada. Assim sucederia porque o prec;o da libra-peso de fio e determinado pelo total de trabalho que encerra e nao pela proporqao em que esse total se divide em trabalho pago e nao pago. 0 fato, antes apontado por mim, de que urn trabalho bern pago pode produzir mercadorias baratas, e urn mal pago, mercadorias caras, perde, com isso, a sua aparencia paradoxal. Nao e mais que a expressao da lei geral de que o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho r1ela invertido e de que essa quantidade de trabalho invertido depende exclusivamente da forc;a produ­tiva do trabalho empregado, variando, por conseguinte, ao variar a produtividade do trabalho.

"

XIII

Casos Principais de Luta pelo Aumento de Saliirios ou Contra a sua Redu~iio

Examinemos agora seriamente os casos principais em que se intenta obter urn aumento dos salarios, ou se opoe uma resistencia a sua reduc;ao.

1 - Vimos que o valor da for~a de trabalho, ou, em termos mais populares, o valor do traba/ho, e determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho necessaria a sua produc;ao. Por conseguinte, se num determinado pars o valor dos artigos de primeira necessidade, em media diaria con­sumidos por urn operario, representa 6 horas de trabalho, expressa em 3 xelins, es­se trabalhador tera de trabalhar 6 horas por dia a fim de produzir urn equivalente do seu sustento diario. Sendo de 12 horas a jomada de trabalho, o capitalista pa­gar-lhe-ia o valor de seu trabalho entregando-lhe 3 xelins. Metade da jomada de trabalho sera trabalho nao remunerado e, portanto, a taxa de lucro se elevara a 100%. Mas vamos supor agora que, em consequencia de uma diminui<;ao da pro­dutividade, se necessite de mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quanti­dade de produtos agrfcolas que dantes1 com o que o prec;o medio dos vfveres dia­riamente necessaries subira de 3 para 4 xelins. Nesse caso, o valor do trabalho au­mentaria de urn terc;o, ou seja, de 33,3%. A fim de produzir o equivalente do sus­tento diario do trabalhador, dentro do padrao de vida anterior, seriam precisas 8 horas de jomada de trabalho. Logo, o sobretrabalho diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro reduzir-se-ia de 100 para 50%. 0 trabalhador que nessas condi­c;oes pedisse urn aumento de salario limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o· valor incrementado de seu trabalho, como qualquer outro vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo de produc;ao desta, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse incremento do valor. E, se os salarios nao sobem, ou nao so bern em proporc;oes suficientes para compensar o incremento do ·valor dos artigos de primeira necessidade, o pret;o do trabalho descera ·a baixo do valor do trabalho e o padrao de vida do trabalhador piorara.

Mas tambem pode operar-se uma mudanc;a em sentido contrario. Ao elevar­se a produtividade do trabalho pode acontecer que ·a mesma quantidade de arti­gos de primeira necessidade, consumidos em media, diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de jomada de trabalho, bastem 4 para produ­zir o equivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consumidos num dia. 0 operario poderia, entao, comprar por 2 ~elins exatamente os mesmos arti­gos de primeira necessidade que antes lhe custavam 3. Na realidade teria baixado

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176 SAl.ARIO, PREc;:O E LUCRO

o valor do trabalho; mas esse valor diminufdo disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. 0 lucro subiria de 3 para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200%. Ainda que o padrao de vida absoluto do trabalhador continuasse sen­do o mesmo seu salario relativo e, portanto a sua posiqao social relativa, compara­da com a do' capitalista, teria piorado. Opondo-se a essa redu~ao de seu salario re­lativo, o trabalhador nao faria mais que lutar para obter uma parte das for~as pro­dutivas incrementadas do seu proprio trabalho e manter a sua antiga situa~ao relati­va na escala social. Assim, ap6s a aboli~o das Leis Cerealistas e violando, flagran­temente, as promessas solenfssimas que haviam feito, em sua campanha de propa­ganda contra aquelas leis, os donos das fabricas inglesas diminufram, em geral, os salarios de 10%. A princfpio, a oposi~o dos trabalhadores foi frustrada; porem, mais tarde, logrou-se a recupera~o dos 10% perdidos, em conseqi.i~ncia de cir­cunsUmcias que nao me posso deter a examinar agora.

2 - Os valores dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o va­lor do trabalho podem permanecer invariaveis, mas o prer;o deles em dinheiro po­de sofrer altera~ao, desde que se opere uma previa modificar;ao no valor do dinhei-ro.

Com a descoberta de jazidas mais abundantes etc., 2 on~as de ouro, por exemplo, nao suporiam mais trabalho do que antes exigia a prodw;ao de 1 onc;a. Nesse caso, o valor do ouro baixaria a metade, a 50%. E como, em conseqi.i~ncia disso, os valores das demais mercadorias expressar-se-iam no dobro do seu preqo em dinheiro anterior, o mesmo aconteceria com o valor do trabalho. As 12 horas de trabalho, que antes se expressavam em 6 xelins, agora expressar-se-iam em 12. Logo, se o salario do operario continuasse a ser de 3 xelins, em vez de ir a 6, resul­taria que o prer;o em dinheiro do seu trabalho s6 corresponderia a metade do va­lor do seu trabalho, e seu padrao de vida pioraria assustadoramente. 0 mesmo ocorreria, em grau maior ou menor, se seu salario subisse, mas nao proporcional­mente a baixa do valor do ouro. Em tal caso, nao se teria operado a menor mu­danc;a, nem nas for~as produtivas do trabalho, nem na oferta e procura, nem tam­pouco nos valores. 56 teria mudado o nome em dinheiro desses valores. Dizer, nesse caso, que o operario nao deve lutar pelo aumento proporcional do seu sala­rio equivale a pedir-lhe que se resigne a que se !he pague o seu trabalho com no­roes nao com coisas. T oda a hist6ria do passado prova que, sempre que se produz uma deprecia~o do dinheiro, os capitalistas se aprestam para tirar proveito da con­juntura e enganar os operarios. Uma grande escola de economistas assevera que, em conseqi.i~ncia das novas descobertas de terras aurfferas, da melhor explorac;ao das minas de prata e do barateamento do fomecimento do mercurio, voltou a se depreciar o valor dos metals preciosos. Isso explicaria as tentativas generalizad~ e simult~neas, que se fazem no Continente27 para conseguir um aumento de salarios.

3 - Ate aqui partimos da suposic;ao de que a jomada de trabalho tern limites dados. Mas, na realidade, essa jomada, em si mesma, nao tern limites constantes. 0 capital tende constantemente a dilata-la ao maximo de sua possibilidade ffsica, ja que na mesma proporc;ao aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro que de­le deriva. Quanto mais ~xito tiverem as pretensoes do capital para alongar a joma­da de trabalho, maior sera a quantidade de trabalho alheio de que se apropriara. Durante o seculo XVII, e ate mesmo durante os primeiros dois terc;os do seculo XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda a Inglaterra, era de 10 horas. Duran­te a guerra contra os jacobitas, 28 que foi, na realidade, uma guerra dos baroes ingle-

27 Refere-se Marx aos parses do continente europeu .. (N. do E.) 28 Jacobltas eram chamados os parti!Mrios de Jacques n (do Ia tim Jacobus) e da Casa dos Stuarts, afastados pela revo­lut;lio de 1688. Tentaram apoderar-se do poder em diversas ocasiaes, a Ultima das quais em 1745, mas sem o menor exito. (N. do E.l

SAl...ARJO, PREc;:O E LUCRO 177

ses contra as massas trabalhadoras inglesas, o capital viveu dias de orgia e prolon­gou a jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus,29 que nao pode precisamen­te infundir suspeitas de temo sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da na~ao estava ameac;ada em suas rafzes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da generalizac;ao dos novos inventos mecanicos, cerca de 1765, veio a luz na Inglaterra urn folheto intitulado An Essay on Trade (Um Ensaio Sobre o Comercio). 0 anonimo autor desse folheto, inimigo jurado da classe operaria, clama pela necessidade de estender os !!mites da joma­da de trabalho. Entre outras coisas, propoe criar com esse objetivo, casas de traba­/ho para pobres, que, diz ele, deveriam ser "casas de terror" . E qual e a dura~ao da jomada de trabalho proposta para estas "casas de terror" ? Doze horas, quer di­zer, precisamente a jomada que, em 1832, os capitalistas, os economistas e os mi­nistros declaravam nao s6 vigente de fato, mas tambem o tempo de trabalho neces­sario para as crian~as menores de 12 anos.

. Ao vender a sua for~a de trabalho - e o operario e obrigado a faz~-lo, no re­gime atual - , ele cede ao capitalista o direito de empregar essa forc;a, porem den­tro de certos limites racionais. Vende a sua forc;a de trabalho para conserva-la ilesa, salvo o natural desgaste, porem nao para destruf-la. E como a vende por seu valor diario, ou semanal, se subentende que num dia ou numa semana nao se ha de ar­rancar a sua forc;a de trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. T omemos uma maquina que valha 1 000 Iibras. Se ela se usa em 10 a nos acres­centara no fim de cada ano 100 Iibras ao valor das mercadorias que ajuda a' produ­zir. _Se se usa em 5 anos, o valor acrescentado por ela sera de 200 Iibras anuais, is­to e, o valor de seu desgaste anual esta em razao inversa a rapidez com que se es­gota. Mas isso distingue o operario da maquina. A maquinaria nao se esgota exata­mente na mesma proporc;ao em que se usa. Ao contrario, o homem se esgota nu­ma proporc;ao muito superior a que a mera soma numerica do trabalho acusa.

Nas tentativas para reduzir a jomada de trabalho a sua antiga durac;ao racio­nal, ou, onde nao podem arrancar uma fixac;ao legal da jomada normal de traba­lho, nas tentativas para contrabalan~ar o trabalho excessivo por meio de urn au­mento de salario, aumento que nao basta esteja em propor~o com o sobretraba­lho que os exaure, e deve, sim, estar numa propor~o maior, os operarios nao fa­zero mais que cumprir um clever para com eles mesmos e a sua descend~ncia. Li­mitam-se a refrear as usurpac;oes tiranicas do capital. 0 tempo e o campo do de­senvolvimento humano. 0 homem que nao dispoe de nenhum tempo livre, cuja vi­da, afora as interrupc;oes puramente ffsicas do sono, das refeic;oes etc. esta toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, e menos que uma besta de carga. E uma simples maquina, fisicamente destroc;ada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a hist6ria da moderna industria de­monstra que o capital, se nao se lhe poe urn freio, lutara sempre, implacavelmen­te, e sem contemplac;oes, para conduzir toda a classe operaria a esse nfvel de extr~­ma degradac;ao.

Pode acontecer que o capital, ao prolongar a jornada de trabalho, pague saki­nos mais altos e que, sem embargo, o valor do trabalho diminua, se o aumento dos salarios nao corresponde a maior quantidade de trabalho extorquido e ao mais

~Thomas Robert Malthus (1766-1834) ~ prind palmente conheddo pelo seu Essay on the Prindples of Population as 1t Affects the Future lmprouement of Society (Ensaio Sobre o Princfpio da Popula¢o na Medida em Que Afeta a Futu­ro M~lhorla da Sociedade), no qual conclui pela fOrmula pessimlsta de que a populat;lio tenderia a aumentar em pro­gressao geom_~ll1ca,_ enquanto os melas de subsist@nda crescem em progressao arltm~t!ca, devendo-se atinglr urn pan­to em que nao sena mals posslvel amnjar a llmentos para todos. Essa concept;lio, profundamente readonArla alnda hoje figura, em prlmeiro plano, no arsenal ldeol6glco do lmperialismo. IN. do E.) '

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rapido esgotamento da forc;a de trabalho que daf resultara. Isso pode ainda ocorrer de outro modo. Vossos estatfsticos burgueses vos dirao, por exemplo, que os sala­rios medias das famflias que trabalham nas fabricas do Lancashire subiram. Mas se esqueceram de que agora, em vez de ser s6 o homem, o cabec;a da famflia, sao tambem sua mulher e, talvez, tres ou quatro filhos que se veem lanc;ados sob as ro­das do carro de Jaguemaut30 do capital e que a alta dos salarios totais nao corres­ponde a do sobretrabalho total arrancado a famflia.

Mesmo com uma jomada de trabalho de limites determinados, como existe hoje em dia em todas as industrias sujeitas as leis fabris, pode-se tomar necessaria urn aumento de salarios, ainda que somente seja como fito de manter o antigo nf­vel do valor do trabalho. Mediante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer com que urn homem gaste em 1 hora tanta forc;a vital como antes, em 2. E o que se tern produzido nas industrias submetidas as leis fabris, ate certo ponto, ace­lerando a marcha das maquinas e aumentando o numero de maquinas de traba­lho a que deve atender agora urn s6 indivfduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho despendida em 1 hora se mantem abaixo da diminuic;ao da jomada de trabalho, saira entao ganhando o operario. Se se ul­trapassa esse limite, perdera por urn lado o que ganhar por outro, e 10 horas de trabalho o arruinarao tanto como antes 12. Ao contrabalanc;ar essa tendencia do capital, por meio da !uta pela alta dos salarios, na medida correspondente a cres­cente intensidade do trabalho, o operario nao faz mais que se opor a depreciac;ao do seu trabalho e a degenerac;ao da sua descendencia.

4 - Sabeis todos que, por motivos que nao me cabe aqui explicar, a produ­c;ao capitalista move-se atraves de determinados ciclos peri6dicos. Passa por fases de calma, de animac;ao crescente, de prosperidade, de superproduc;ao, de crise e de estagnac;ao. Os prec;os das mercadorias no mercado e a taxa de Iuera no merca­do seguem essas fases; ora descendo abaixo de seu nfvel media, ora ultrapassan­do-o. Se considerardes todo o ciclo, vereis que uns desvios dos prec;os do merca­do sao compensados por outros e que, tirando a media do ciclo, os prec;os das mercadorias do mercado se regulam por seus valores. Pois bern. Durante as fases de baixa dos prec;os no mercado e durante as fases de crise de estagnac;ao, o ope­rario, se e que nao o poem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salario. Para que nao o enganem, mesmo com essa baixa de prec;os no mercado, ver-se-a compelido a discutir com o capitalista em que proporc;ao se torna necessaria redu­zir os salarios. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtem .lu­cros extraordinarios, o operario nao lutar por uma alta de salarios, ao tirar a media de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer percebe o sal6rio media, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cumulo da loucura exigir que o operario, cujo salario se ve forc;osamente afetado pelas fases adversas do ciclo, renunciasse ao direito de ser compensado durante as fases pr6speras. Geralmente, os valores de todas as mercadorias s6 se realizam por meio da compensac;ao que se opera en­tre os prec;os constantemente variaveis do mercado, variac;ao proveniente das flu­tuac;oes constantes da oferta e da procura. No ambito do sistema atual, o trabalho e uma mercadoria como outra qualquer. T em, portanto, que passar pelas mesmas flutuac;oes, ate obter o prec;o media que corresponde ao seu valor. Seria urn absur­do considera-lo como mercadoria para certas coisas e, para outras, querer exce­tua-lo das leis que regem os prec;os das mercadorias. 0 escravo obtem uma quanti-

30 Jaguemaut ~ o nome de uma das imagens do deus indiano Vixnu. Nas festas em honra a essa divindade celebrava­se uma proctssao acompanhando o carro do deus, debaixo do qual se atiravam e pereciam muitos fan~ticos. (N. do T.)

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dade constante e fixa de meios de subsistencia; o operario assalariado, nao. Ele nao tern outro recurso senao tentar impor, em alguns casas, urn aumento dos sala­rios, ainda que seja apenas para compensar a baixa em outros casas. Se esponta­neamente se resignasse a acatar a vontade, os ditames do capitalista, como uma lei economica permanente, compartilharia de toda a miseria do escravo, sem compar­tilhar, em troca, da seguranc;a deste.

5- Em todos os casas que considerei, e que representam 99 em 100, vistes que a !uta pelo aumento de salarios vai sempre na pista de modificac;oes ·anteriores e e o resultado necessaria das modificac;oes previas operadas no volume de produ­c;ao, nas forc;as produtivas do trabalho, no valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensao ou intensidade do trabalho extorquido nas flutuac;oes dos prec;os do mercado, que dependem das flutuac;oes da oferta e da procura e se verificam em func;ao das diversas fases do ciclo industrial; numa palavra, e a reac;ao dos ope­rarios contra a ac;ao anterior do capital. Se focalizassemos a !uta pelo aumento de salarios fazendo caso omisso de todas essas circunstancias, apenas considerando as modificac;oes operadas nos salarios e passando por cima de modificac;oes ou­tras, das quais elas provem, partirfamos de uma falsa premissa para chegar a con­clusoes falsas.

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XIV

A Luta Entre o Capital e o Trabalho e seus Resultados

1 - Ap6s demonstrar que a resist~ncia peri6dica que os trabalhadores opoem a redw;ao dos salarios e suas tentativas peri6dicas para conseguir urn au­mento de salarios sao fen6menos inseparaveis do sistema do salariado e ditadas pe­lo proprio fato de o trabalho se achar equiparado as mercadorias, por conseguinte submetido as leis que regulam 0 movimento geral dos prec;os, tendo demonstrado, ainda, urn aumento geral de saltirios resultaria numa diminuic;iio da taxa geral de lucro, sem afetar, porem, os prec;os medios das mercadorias, nem os seus valores - surge a questao de saber ate que ponto, na luta incessante entre o capital e o trabalho, tern este possibilidade de ~xito.

Poderia responder com uma generaliza~ao, dizendo que o pre~o do trabalho no mercado, da mesma forma que o das demais mercadorias, tern que se adaptar, no decorrer do tempo, ao seu ualor; que, portanto, a despeito de todas as altas e baixas e do que possa fazer, o operario acabara recebendo sempre, em media, so­mente o valor de seu trabalho, que se reduz ao valor da sua for~a de trabalho, a qual, por sua vez, e determinada pelo valor dos meios de subsist~ncia necessarios a sua manutenc;ao e reproduc;iio, valor esse regulado, em ultima analise, pela quan­tidade de trabalho necessaria para produzi-los.

Mas ha certos trac;os peculiares que distinguem o ua/or da forr;a de trabalho, dos valores de todas as demais mercadorias. 0 valor da for~ de trabalho e forma­do por dois elementos, urn dos quais puramente ffsico, o outro de carater hist6rico e social.

Seu limite mfnimo e determinado pelo elemento jfsico, quer dizer - para po­der manter-se e se reproduzir, para perpetuar a sua exist~ncia ffsica , a dasse opera­ria precisa obter os artigos de primeira necessidade, absolutamente indispensaveis a vida e a sua multiplica~ao. 0 ua/pr desses meios de subsistencia indispensaveis constitui, pois, o limite minimo do ualor do trabalho. Por outra parte, a extensao da jornada de trabalho tambem tern seus limites maximos, se bern que sejam mui­to elasticos. Seu limite maximo e dado pela forc;a fisica do trabalhador. Se o esgota­mento diario de suas energias vitais excede urn certo grau, ele nao podera fomece­las outra vez, todos os dias. Mas, como dizia, esse limite e muito elastico. Uma su­cessao rapida de gerac;oes raquiticas e de vida curta mantera abastecido o merca­do de trabalho tao bern como uma serie de gerac;oes robustas e de vida longa.

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Alem desse mero elemento fisico, na detennina~ao do valor do trabalho entra o P,adri:io de uida tradicional em coda pafs. Nao se trata somente da vida ffsica, mas tambem da satisfa~ao de certas necessidades que emanam das condi~oes so­dais em que vivem e se criam os homens. 0 padrao de vida ingles poderia baixar ao irlandes; o padrao de vida de urn campones alemao ao de urn campones livo­nio. 31 A importancia do papel que, a esse respeito, desempenham a tradi¢o hist6ri­ca e o costume social podereis ve-la no livro do Sr. Thornton sobre a Superpopula­~i:io, onde ele mostra que, em distintas regi6es agrfcolas da lnglaterra de nossos elias os salarios medios continuam a ser hoje diferentes, confonne as condi~6es mai~ ou menos favoraveis em que essas regioes safram da servidao.

Esse elemento hist6rico ou social, que entra no valor do trabalho, pode acen­tuar-se, ou debilitar~se e, ate mesmo, extinguir-se de todo, de tal modo que 56 fi­que de pe o limite jfsico.

Durante a guerra contra os jacobitas, que, costumava dizer o incorrigfvel devo­rador de impostos e prebendas, o velho George Rose,32 foi empreendida para que esses descrentes franceses nao destrufssem os consolos da nossa santa religiao -os honestos fazendeiros ingleses, a quem tratamos com tanto carinho num capitulo anterior fizeram baixar os salarios dos trabalhadores do campo para alem daquele mfnimo' estritamente jfsico, completando a diferen~ indispensavel para assegurar a perpetua¢o ffsica da descendencia, mediante as leis dos pobres. Era urn glorioso metodo para converter o trabalhador assalariado em escravo e o orgulhoso yeo­man de Shakespeare em mendigo.

Se comparais os salarios nonnais ou valores do trabalho em diversos parses e em epocps hist6ricas distintas, dentro do mesmo pals, vereis que o ualor do traba­lho nao e por si uma grandeza constante, mas variavel mesmo supondo que os va­lores das demais mercadorias p~nnane~am fixos. Urn estudo comparative seme­lhante das taxqs de lucro no mercado provaria que nao s6 elas se modificam como tambem as suas taxas medias.

Mas, n~ que se refere ao lucro, nao existe nenhuma lei que !he fixe o mfnimo. Nao podemos dizer qual seja o limite extremo de sua baixa. E por que nao pode­mos estabelecer esse limite? Porque, embora possamos fixar o salario mfnimo, nao podemos fixar o salario maximo. 56 podemos dizer que, dados os limites da joma­da de trabalho, o mdximo de lucro corresponde ao mfnimo jfsico dos salarios e que, partindo de dados salaries, o maximo de lucro corresponde ao prolongamen­to da jomada de trabalho na medida em que seja compatfvel com as for~as ffsicas do operario. Portanto, o maximo de lucro s6 se acha limiJado pelo mfnimo ffsico dos salarios e pelo maximo ffsico da jomada de trabalho. E evidente que, entre os dois limites extremos da taxa mdxima de lucro, cabe uma escala imensa de varian­tes. A detennina~ao de seu grau efetivo s6 fica assente pela !uta incessante entre o ca­pital e o trabalho; o capitalista, tentando constantemente reduzir os salarios ao seu mfnimo ffsico e a prolongar a jomada de trabalho ao seu maximo ffsico, enquanto o operario exerce constantemente uma pressao no sentido contrario.

A questao se reduz ao problema da rela¢o de for~ dos combatentes. 2 - Pelo que conceme a limita~i:io da jomada de trabalho, tanto na Inglaterra

como em todos os outros pafses, nunca foi ela regulamentada senao por interuen­~i:io legislatiua. E, sem a constante pressao dos operarios agindo por fora, nunca es­sa interven¢o dar-se-ia. Em todo caso, esse resultado nao teria sido alcan~do por meio de convenios priv~dos entre os operarios e os capitalistas. E essa necessidade

31 Habitante de uma antiga e atrasada provfncia da RUssia czarista, hoje parte das RepObllcas Sociallstas Sovielicas da EstOnia e Let6nia. (N. do E. l 32 George Rose, estadlsta Ingles (1744-1818), agente dedicado de Pitt e, depois, de Jorge UL (N. do E.)

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mesma de uma a~i:io polftica geral e precisamente o que demonstra que, na !uta puramente economica, 0 capital e a parte mais forte.

Quanto aos limites do ualor do trabalho, sua fixa~ao efetiva depende sempre da oferta e da procura, e refiro-me a procura de trabalho por parte do capitalista e a oferta de trabalho pelos operanos. Nos pafses coloniais,33 a lei da oferta e da pro­cura favorece os operarios. Daqui resulta o nfvel relativamente elevado dos salarios nos Estados Unidos. Nesses pafses, fa!ta o que fizer o capital, ele nao pode nunca evitar que o mercado de trabalho seja constantemente desabastecido pela constan­te transfonna¢o dos trabalhadores assalariados em lavradores independentes com fontes pr6prias de subsistencia. Para grande parte da popula¢o norte-americana, a posi¢o de assalariados nao e mais do que uma esta~ao de transito, que estao se­guros de abandonar, mais tarde ou mais cedo. Para remediar esse estado colonial de coisas, o paternal govemo britanico adotou, ha tempos, a chamada teoria mo­dema da coloniza~ao, que consiste em atribuir as terras coloniais urn pre~o artificial­mente elevado para, desse modo, obstar a transfonna~ao demasiado rapida do tra­balhador assalariado em lavrador independente.

Mas passemos agora aos velhos parses civilizados onde o capital domina todo o processo de produ¢o. T omemos, por exemplo, a eleva¢o dos salarios agrfcolas ingleses, de 1849 a 1859. Qual foi a sua conseqi.iencia? Os agricultores nao pude­ram elevar o valor do trigo, como lhes teria aconselhado nosso amigo Weston, nem sequer o seu pre~o no mercado. Ao contrario, tiveram que resignar-se a ve-lo baixar. Mas durante esses onze anos introduziram maquinas de todas as classes e novos metodos cientfficos, transfonnaram uma parte das terras de lavoura em pas­tagens, aumentaram a extensao de suas fazendas e, com ela, a escala de produ­~ao; e por esses e outros processes, fazendo diminuir a procura de trabalho, gra~s ao aumento de suas for~as produtivas, tomaram a criar urn excedente relativo da popula~ao de trabalhadores rurais. Tal e o metodo geral segundo o qual opera o capital nos pafses antigos, de bases s6lidas, para reagir, mais rapida ou mais leota­mente, contra os aumentos de salarios. Ricardo observou, com exatidao, que a rna­quina esta em continua concorrencia com o trabalho e, amiude, s6 pode ser intro­duzida quando o pre~o do trabalho alcan!ta certo limite: mas a aplica~ao da maqui­naria e apenas urn dos muitos metodos empregados para aumentar a forc;a produti­va do trabalho. Esse mesmo processo, que cria uma superabundancia relativa de trabalho ordinario, simplifica muito o trabalho qualificado e, portanto, o deprecia.

A mesma lei se faz sentir em outra fonna. Com o desenvolvimento das for!taS produtivas do trabalho, acelera-se a acumulac;ao do capital, inclusive a despeito de uma taxa de salario relativamente alta. Daqui poderia inferir-se, confonne fez Adam Smith, em cujos tempos a industria modema ainda estava na sua infancia, que a acumula~ao acelerada do capital tern for~osamente que fazer pender a balan­~a a favor do operario, por garantir uma procura crescente de seu trabalho. Situan­do-se no mesmo ponto de vista, ha muitos autores contemporaneos que se assom­bram de que, apesar de nos Ultirnos vinte anos o capital ingles ter crescido mais ra­pidamente do que a popula¢o inglesa, os salarios nem por isso registram urn au­mento maior. Mas e que, simultaneamente, com a acumulac;ao progressiva, opera­se uma mudan~a progressiua na composi~i:io do capital. A parte do capital global

33 No cap. >OW do Uvro Primelro de 0 Capitol, nota 253, onde Marx se det~m a examinar mlnuclosamente esse pro· blema, encontrn-se a seguinte obsetva~o: "Aqul nos referimos as verdadeiras col6nias, As terras virgens colonlzadas por emlgrantes llvres. Os Estados Unidos, num sentido econOmlco, ainda sao uma colOnia da Europa. Quanto ao mais, isso diz respeito, tamWm, aquelas antigas planta~aes. nas quais a aboU«;ao da escravatura trnnsfonnou, comple­tamente, as condi~Cies anteriores". MARX, Karl Dos Kapital. In: Marx-Enge/s Werke. Berlim, Dietz Verlag, 1977. v. 23, p. 792. Desde entao, como em toda parte a terra se converteu em propriedade privada, oerraram-se, tamWm, as possibilidades de trnnsfonnar, nos pafses coloniais, os trnbalhadores assalariados em produtores hvres. (N. do E)

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formada por capital fixo:34 maquinaria, materias-primas, meios de produ~o de to­do genera, cresce com maior rapidez que a outra parte do capital destinada a sala­ries, ou seja, a compra de trabalho. Essa lei foi estabelecida, sob uma forma mais ou menos precisa, pelos Srs. Barton, Ricardo, Sismondi, Prof. Richard Jones, Prof. Ramsey, Cherbuliez e outros.

Se a proporc;ao entre esses dais elementos do capital era, originariamente, de 1 para 1, com o progresso da industria sera de 5 para 1, e assim sucess\vamente. Se de urn capital global de 600 sao desembolsados 300 para instrumentos, mate­rias-primas etc. , e 300 para salarios, basta dobrar o capital global para ser passive! absorver 600 operarios em vez de 300. Mas, se de urn capital de 600 se invertem 500 em maquinaria, materials etc., e somente 100 em salaries, este capital precisa aumentar de 600 a 3 600, para criar uma procura de 600 operarios em Iugar de 300. Portanto, ao se desenvolver a industria, a procura de trabalho nao avanc;a com o mesmo ritmo da acumulac;ao do capital. Aumenta, sem duvida, mas aumen­ta numa proporc;ao constantemente decrescente, quando comparada com o incre­mento do capital.

Essas breves indicac;oes bastarao para demonstrar, precisamente, que o pro­prio desenvolvimento da industria modema contribui por forc;a para inclinar cada v~z mais a balanc;a a favor do capitalista contra o operario e que, em conseqOencia dtsso, a tendencia geral da produc;ao capitalista nao e para elevar o nfvel media normal do salario, mas, ao contrario, para faze-lo baixar, empurrando o valor do trabalho mais ou menos ate seu limite mfnimo. Porem, se tal e a tendencia das coi­sas nesse sistema, quer isso dizer que a classe operaria deva renunciar a defender­se contra os abusos do capital e abandonar seus esforc;os para aproveitar todas as possibilidades que se !he oferec;am de melhorar em parte a sua situa~o? Se o fizes­se, ver-se-ia degradada a uma massa informe de homens famintos e arrasados sem probabilidade de salvac;ao. Creio haver demonstrado que as lutas da class~ operaria em tomo do padrao de salarios sao epis6dios inseparaveis de todo o siste­ma do salariado: que, em 99% dos casas, seus esforc;os para elevar as salarios nao sao mais que esforc;os destinados a manter de pe o valor dado do trabalho e que a necessidade de disputar o seu prec;o com o capitalista e inerente a situac;ao em que o operario seve colocado e que o obriga a vender-sea si mesmo como uma mer­cadoria. Se em seus conflitos diarios com o capital cedessem covardemente fica­riam os operarios, por certo, desclassificados para empreender outros movi~entos de maior envergadura.

Ao mesmo tempo, e ainda abstraindo totalmente a escravizac;ao geral que o sistema do salariado implica, a classe operaria nao deve exagerar a seus pr6prios olh_os o resultado final dessas lutas diarias. Nao deve esquecer-se de que !uta con­tra os efeitos, mas nao contra as causas desses efeitos; que logra canter o movi­mento descendente, mas nao faze-lo mudar de direc;ao; que aplica paliativos, mas nao cura a enfermidade. Nao deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitaveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuac;oes do mercado. A classe operaria deve sa­~er q!Je o sistema atual, mesmo com todas as rniserias que !he impoem, engendra stmultaneamente as condi~oes materiais e as formas sociais necessarias para uma reconstru~o econornica da sociedade. Em vez do lema conservador de: " Um sa/a­rio justa para uma jomada de trabalho justa!", devera inscrever na sua bandeira es­ta divisa revolucionaria: "Abo/i~ao do sistema de trabalho assa/ariado!"

34 Shamado mals tarde, por Marx, capital "constante" e oposto ao capital translormado em salarios, ou capital "varia­vel . (N. da Ed. Francesa.)

SAIARIO, PRECO E LUCRO 185

Depois dessa exposi«;ao longufssima e, receio eu, fatigante, que julguei indis­pensavel para esclarecer urn pouco o nosso tema principal, vou concluir, propon­do a aprovac;ao da resoluc;ao seguinte:

1 - Uma alta geral da taxa de salarios acarretaria uma balxa da taxa geral de Iuera, mas nao afetaria, em linhas gerais, os prec;os das mercadorias.

2 - A tendencia geral da produc;ao capitalista nao e para elevar o padrao me­dia de salaries, mas para reduzi-lo.

3 - Os sindicatos trabalham bern como centro de resistencia contra as usurpa­c;oes do capital. Falham em alguns casas, por usar pouco inteligentemente a sua forc;a. Mas sao deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma !uta de guerri­lhas contra os efeitos do sistema existente, em Iugar de, ao mesmo tempo, se esfor­c;arem para muda-lo, em Iugar de empregarem suas forc;as organizadas como ala­vanca para a emancipac;ao final da classe operaria, isto e, para a abolic;ao definitlva do sistema de trabalho assalariado.

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0 Rendi01ento e suas Fontes

A Economia Vulgar·

Tradul$aO de Jose Arthur Giannotti e Walter Rehfeld

• Durante os anos 1858162 o plano de Marx para o seu trabalho, encontrado no cademo XV de seus manuscritos, era o seguinte:

I. OCapital: [Introdu~ao: Mercadoria e Dinhelro]

a) 0 capital em geral.

b) A concorr~nda dos capitallstas. c) 0 credito. d) 0 capital em a~aes.

ll A Propriedade FundJ6ria Ill. 0 Trabalho Assalariado IV. OEstado V. 0 Comercio Exterior VI. 0 Mercado Mundlal

{

1) 0 processo de produ~ao do capital.

2) 0 processo de circulacti!o do capital.

3) Unidade de ambos, ou o capital e o lucro.

{

1) Transforrna~i!o do dlnhelro em capital.

2) A mais-valla absoluta. 3) A mais-valia relativa. 4) A combinactilo de ambas. 5) Teoria sobre a mais-valla.

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Os textos que hoje compOem o volume conhecido sob o nome de Teorias Sobre a Mais-ualla (Theorlen uber den Mehrwert) foram escritos basicamente de janeiro de 1862 a janeiro.de 1863. Como se v~. a parte publlcada sob o trtu· lo Para a Crltica da Economla Polrtlca (Zur Kritlk der po/itischen Okonomle) corresponde apenas a introdu¢o de um trabalho mais amplo que deveria conservar o mesmo nome. E o texto a respeito das teorias sobre a mais-valia repre­senta apenas a parte cr!tica final da an6lise do processo de produ~ao do capital. Embora estejam para Marx intima­mente imbricados o trabalho propriamente te6rico e o trabalho de crltica hist6rica, ~ pelo llltimo que geralmente prefe­re come~r a redigtr. Quando escreve esses lextos, )6 tem quase pronto o que seria o Livro Primeiro de 0 Capital, e apenas sob a forma de esbo~os provls6rlos (manuscritos de 1857/58) o que vlria a ser os Uvros Segundo e Terceiro. Com o desenvolvlmento do trabalho, a parte de cr!tica hist6rica vai sendo deslocada para o Iugar do Livro Quarto. 0 texto que publicamos, Revenue and Its Sources. Die Vulgiiri:ikonomie, aparece, como ap~ndlce do volume Ill de Teo­lias Sobre a Mals-ualla, da edi~lio Dietz Verlag, Ber!im, 1962, e corresponde a partes dos manuscrltos XV-XVIII, que restaram depols de servlrem de base para certos capltulos do Uvro Terceiro de 0 Capital. Parece-nos uma excelente exposi~o de como se clivam os elementos da mais-valia e a correspondente forrna¢o de suas expressOes ldeol6gt­cas. E de notar sua linguagem tosca; slio multo mais observa~Oes lan~das rapldamente no papel do que um texto aca­bado. Est6 recheado de expressOes estrangeiras, a come~r pelo prOprio titulo, as quais achamos convenlente tmduzir, numa edi~o como esta, destlnada a um pllblico multo largo. Conservamos, contudo, entre par~nteses, os terrnos es­tmngeiros que pudessem levantar qualquer problema de tmdu~o. os terrnos denominativos ou que pudessem indlcar uma inten~o estil!stlca. A lndlca¢o dos cademos e de suas paginas e para fadlitar a compara¢o com outras edl~Oes. (N. dosT.)

[1 . Desenvolvimento do capital a juros na base da produ~iio capitalista. Fetichiza~iio das rela~oes do modo capitalista de produ~iio. 0 capital a juros como a mais clara expressiio desse fetichismo. Os economistas vulgares e os socialistas vulgares a respeito do capital a juros]

/XVI.891/ A forma e as fontes do rendimento (revenue) exprimem as relac;oes da produc;ao capitalista sob a forma mais fetichista. Sua existencia, como surge na superffcie, isola-se de suas conexoes ocultas e dos elos intermediaries mediadores. Assim a terra se torna fonte de renda fundiaria, o capital, a fonte do lucro, e o tra­balho, do salario. A forma distorcida em que se expressa a inversao efetiva se en­contra naturalmente reproduzida na representac;ao dos agentes desse modo de pro­duc;ao. Este e um modo de ficc;ao sem fantasia, uma religiao do vulgar. Os econo­mistas vulgares - que devem ser diferenciados dos pesquisadores em economia que acabamos de criticar - traduzem, de fa to, as representac;oes, os motivos etc., dos portadores envolvidos na produc;ao capitalista, nos quais ela se reflete apenas em sua aparencia superficial. Traduzem-na numa linguagem doutrinaria, do ponto de vista da facc;ao dominante, dos capitalistas; por isso, nao de uma maneira inge­nua e objetiva, mas apologetica. 0 exprimir limitado e pedante das representac;oes vulgares, que necessariamente se produz naqueles que sustentam esse modo de produc;ao, e multo diferente do impulso de economistas como os fisiocratas, Adam Smith, Ricardo, no sentido de apreender as conexoes internas desse modo.

De todas essas formas, entretanto, o capital a juros constitui o fetiche mais complete. Encontramos aqui o primeiro ponto de partida do capital - o dinheiro - e a formula D - _M - D', reduzida aos seus dois extremes D - D'. Oinheiro que cria mais dinheiro. E a formula mais originaria e geral do capital concentrada num resumo sem sentido.

A terra ou a natureza como fonte de renda fundiaria, isto e, da propriedade agraria, e bastante fetichista. Mas, por meio de uma simpatica confusao de valor de uso e valor de troca, resta para a representac;ao usual ainda o refugio de recor­rer a forc;a produtiva da propria natureza, personificada, grac;as a um abracadabra, no proprietario (landlord).

0 trabalho como fonte de sa/ario, isto e, participac;.ao do trabalhador em seu produto, determinada pela forma especificamente social do trabalho, o trabalho co­mo fonte de onde o trabalhador, por meio de seu trabalho, adquire do produto [do capital considerado materialmente) a permissao de produzir, possuindo no tra­balho a fonte de onde !he retoma, do empregador [dador de trabalho), uma parte de seu produto como pagamento desse produto, nao e mais do que uma bela his­toria. Mas a representa<;ao usual e aqui consoante com a propria coisa, de sorte

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que, embora confunda trabalho com trabalho assalariado e, por conseguinte, o produto do trabalho assalariado - o salario - com o produto do trabalho, deixa ainda claro para o senso comum que o trabalho produz seu proprio salario.

Do capital, na medida em que e considerado no processo de produqao, sem­pre fica, em menor ou maior grau, a representa«;ao de que e urn instrumento de pescar trabalho alheio. Seja isso tratado como "justi~a" ou "injusti«;a", fundado ou infundado, fica sempre subjacente e subentendida a rela~ao do capitalista com o trabalhador.

Na medida em que o capital apare«;a no processo de circulatrao, o que de mo­do particular contraria a concep~ao corrente; desde que apare~a, no capital comer­cia/, como uma especie de capital que exclusivamente se encarrega dessa opera­~ao, o lucro se torna associado a uma surda representa«;ao de logro generalizado, de modo mais especffico, o comerciante logrando o capitalista industrial, como es­te logrando o operario. Ou ainda, o comerciante logrando o consumidor, como os produtores se logram mutuamente. Seja como for, o lucro e assim explicado a par­tir da troca (exchange), a partir de uma relagao social e nao a partir de uma coisa.

No capital a juros, ao contrario, completa-se o fetiche. Este e o capital acaba­do - portanto, unidade do processo de produ~ao e do processo de circula«;ao -que, por isso, num determinado perfodo de tempo traz urn determinado lucro. Na forma do capital a juros permanece apenas essa determina~ao constitutiva, sem a media«;ao dos processes de produ~ao e circulac;ao. No capital e no lucro existe ain­da a recorda~o de seu passado, embora a diferen~a entre lucro e mais-valia, uni­formiza~ao dos lucros de todos os capitais - (por meio) da taxa geral de lucro -, transformem o capital //892/ - de urn modo nada claro - numa coisa obscura e num misterio.

No capital a juros se completa esse fetiche automatico, de urn valor que se va­loriza a si mesmo, de urn dinheiro que faz dinheiro, de sorte que, nessa forma, nao traz mais o estigma de seu nascimento. A relac;ao social se completa como rela~ao da coisa [dinheiro, mercadoria] consigo mesma.

Nao cabe, neste Iugar, uma investiga~o mais ampla sobre o juro e sua rela­~o com o lucro; tampouco uma i!lvestiga~o sobre a propor~o em que o lucro se divide em lucro industrial e juros. E claro, ao menos, que, como capital e juro, o ca­pital_ se completa como fonte misteriosa e autoprodutiva de juros, de seu incremen­to. E sob essa forma que o capital tambem existe particularmente para a represen­tac;ao. E o capital por excelencia.

Porquanto, na base da produ~ao capitalista, o valor de uma determinada so­ma, expressa em dinheiro ou mercadoria - de modo proprio em dinheiro, que e forma alterada da mercadoria - , proporciona o poder de extrair gratuitamente urn determinado quantum de trabalho dos trabalhadores, o poder de se apropriar de uma determinada mais-valia, mais-trabalho, mais-produto (surplus value, surplus labour, surplus produce), de urn modo tao claro que o proprio dinheiro pode ser vendido como capital, mas uma mercadoria sui generis, ou, ainda, que o capital pode ser comprado sob a forma de mercadoria ou de dinheiro.

Pode ser vendido como fonte de lucro. Gra~s ao dinheiro etc., eu possibilito que o outro se aproprie de mais-valia, estando na ordem das coisas, portanto, que receba parte dessa mais-valia. Como a terra tern valor porque me possibilita captar uma parte da mais-valia, pagando eu em conseqilencia pela terra apenas essa mais-valia captada por seu intermedio, do mesmo modo, pago pelo capital a mais­valia por ele criada. Uma vez que no processo capitalista de produc;ao o valor do capital se eterniza e reproduz, nao considerando sua mais-valia, esta na ordem das coisas que, sendo o dinheiro ou a mercadoria vendidos como capital, retornem eles, depois de urn determinado perfodo, ao vendedor; este nunca aliena o dinhei-

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ro como uma mercadoria, conservando a propriedade dele. Dinheiro e mercadoria nao sao vendidos, pois, como dinheiro ou mercadoria, mas, em segunda potencia, como capital, como dinheiro que se incrementa oil valor de mercadoria. Nao ape­nas se multiplica, mas se conserva no processo global de produc;ao. Conserva-se assim como capital para o vendedor, retornando as suas maos. A venda consiste em que urn terceiro, que utiliza produtivamente o capital, ha de pagar ao dono do capital_ uma determinada parte do lucro, obtido exclusivamente por meio .desse ca­pital. E alugado como a terra, na qualidade de uma coisa criadora de valor e que se preserva nessa cria~o; constantemente retornando e, portanto, podendo voltar para o vendedor inicial. Somente pelo retorno (return) ao vendedor constitui-se co­mo capital. De outro modo, o teria vendido como mercadoria ou com ele compra­do usando-o na qualidade de dinheiro.

Em todo caso, a forma considerada para si [o dinheiro e de fato periodicamen­te alienado como meio de explorar trabalho, criar mais-valia], essa forma e tal que a coisa agora aparece como capital e o capital como mera coisa, o resultado inteiro do processo capitalista de produ~o e circula~ao como uma propriedade inerente a coisa. Depende do proprietario de dinheiro, isto e, de mercadoria em sua forma sempre conversfvel, se quer gasta-lo como dinheiro ou aluga-lo como capital.

Aqui se da a relac;ao do capital, enquanto base, consigo mesmo, enquanto fru­to {fructus), sendo o lucro medido em relac;ao a seu proprio valor que proporcio­na, sem se perder nesse processo [como corresponde a natureza do capital].

Assim se torna claro por que a critica superficial, exatamente como estima a mercadoria e combate o dinheiro, agora se volta, com sua sabedoria reformista, contra o capital a juros, sem tocar na produ~o capitalista efetiva, atacando apenas urn de seus resultados. Essa polemica contra o capital a juros, do ponto de vista da produ«;ao capitalista, que hoje em dia se alardeia como "socialismo", ja se encon­tra, alias, como momenta de desenvolvimento do proprio capital, no seculo XVII, por exemplo, quando o capitalista industrial ainda devia impor-se ao antiquado agiota que, nessa epoca, continuava enfrentando-o de modo onipotente.

//893/ A completa coisificatrao, inversao e loucura do capital como capital a ju­ros - na qual todavia apenas se reflete, de forma mais palpavel, a natureza mais Intima da produc;ao capitalista, o [seu delfrio] - e o capital que proporciona juros acumulados (compound interest); igual a urn Moloch a exigir o mundo inteiro co­mo urn tribute que lhe e devido. Por causa de urn destino misterioso, entretanto, jamais ve satisfeitas as exigencias que brotam de sua propria natureza, vendo-as sempre anuladas.

0 movimento caracterfstico do capital, tanto no processo de produc;ao quanta no de circula~o, e o retorno do dinheiro ou da mercadoria a seu ponto de parti­da, ao capitalista. lsso expressa tanto a metamorfose real - a mercadoria transfor­mando-se nas condi«;oes de sua produ«;ao e as condic;oes de produc;ao novamente em formas de mercadoria: a reprodu~ao - como tambem a metamorfose formal -, a mercadoria transformando-se em dinheiro, e o dinheiro, em mercadoria. Fi­nalmente, a multiplicac;ao do valor, D - M - D'. Mas se o valor primitivo cresce no processo, sempre permanece nas maos do mesmo capitalista. Somente mudam as formas daquilo que tern na mao, como dinheiro, mercadoria ou como forma do proprio processo de produ~o.

Esse retorno do capital a seu ponto de partida assume, no capital a juros, uma figura totalmente exterior, separada do movimento efetivo· de que constitui a for­ma. A gasta seu dinheiro, nao como dinheiro, mas como capital. Nao ocorre qual­quer altera~ao (change) com o dinheiro. Troca apenas de maos. Sua verdadeira transforma~ao em capital consuma-se somente nas maos de B. Mas, para A, tor­neu-se capital, grac;as a passagem do dinheiro das maos de A para as de B. 0 re-

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torno efetivo do capital, vindo dos processes de produc;ao e circulac;ao, ocorre pa~ ra B. Mas para A o retorno ocorre, da mesma maneira, como a alienac;ao. Volta das maos de B novamente para as de A. Empresta dinheiro em vez de gasta-lo.

Cada troca de posic;ao do dinheiro no processo efetivo de produc;ao do capital expressa urn memento de reproduc;ao, seja a transforma<;ao do dinheiro em traba­lho seja a transforma<;ao da mercadoria pronta em dinheiro (fim do ato de produ­c;a;], seja ainda retransformac;ao do dinheiro em mercado~a _[renova~ao ?o proces­so de produc;ao, reinfcio da reproduc;ao]. A troca de posic;ao do dmheiro,_ ao ser emprestado como capital, por conseguinte, ao nao se transformar em capital mas apenas entrando na circula<;ao como capital, na~a mai~ exprime do _que .a transfe­rencia mesmo do dinheiro de uma para outra mao. 0 titulo de propnedade perma­nece nas maos de quem empresta, mas a posse passa para as do capitalista indus­trial. Para quem empresta, contudo, a transformac;ao do dinheiro em capital come­c;a a partir do momento em que, ao inves de gasta-lo como dinheiro, gast~-o como capital, isto e, entrega-o ao capitalista industrial. [Para ele permanece capital, mes­mo se nao o empresta a urn industrial, emprestando a urn esbanjador qualquer ou a urn operario que nao pode pagar seu aluguel. Daf toda a historia de casa de pe­nhor.] Em verdade, e o outre que o transforma em capital, essa e todavia uma opera­c;ao que se da alem daquela que se processa entre quem empresta e quem toma emprestado. Nela se apaga a media~ao, nao e nem visfvel nem contida imediata­mente. No Iugar da efetiva transformac;ao de dinheiro em capital desponta apenas sua forma sem conteudo. Como no caso da capacidade de trabalho, o valor de uso do dinheiro se transforma no valor da capacidade de criar valor de troca, valor de troca maior do que o possufdo. E emprestado como valor que se valoriza a si mesmo, mercadoria, mas uma mercadoria que se distingue da propriedade como tal precisamente por essa propriedade, possuindo, portanto, tambem uma forma particular de a/iena~ao.

0 ponto de partida do capital e o proprietario de mercadoria, de dinheiro, em resume, o capitalista. Coincidindo nele o ponte de partida e o de retorno, e para o capitalista que (o dinheiro) volta. 0 capitalista, entretanto, existe agora duplamen­te, como proprietario de capital e como capitalista industrial, que efetivamente transforma dinheiro em capital. De fato, o capital emana //894/ dele e volta a ele. Mas somente como quem o possui. 0 capitalista existe duplamente: jurfdica e eco­nomicamente. Como propriedade ele retorna tambem, portanto, para o capitalista juridico, o "segundo esposo" (left handed Sam). Mas o retorno do capital, que en­volve a manutenc;ao de seu valor, que o poe como valor que se mantem e se eter­niza se e mediado para o capitalista n.o 2, nao e para o capitalista n.o 1. Aqui o re­torn~ nao se exprime, tampouco, como conseqilencia e resultado de uma serie de processes econ6micos, mas em virtude de uma transac;ao juridica especial entre comprador e vendedor, em virtude de o capital ser emprestado ao inves de ser vendido, isto e, a/ienado apenas temporariamente. 0 que de fato e vendido e seu valor de uso, que nesse caso consiste em p6r valor de troca, produzir lucro, produ­zir maior valor do que o possufdo por ele proprio. Como dinheiro, nao se modifica pelo· uso. Mas como dinheiro e gasto e como dinheiro reflui.

A forma em que reflui depende do modo de reprodu<;ao do capital. Se for ern­prestado como dinheiro, reflui sob a forma de capital circulante, todo o seu valor, acrescido de mais valor, aqui, a parte de mais valor ou lucre que se dissolve nos ju­ros; a soma de dinheiro emprestada mais a soma do acrescimo que nela se origina.

Se for emprestado sob forma de maquinaria, construc;oes etc. , numa palavra, sob forma material que, no processo de produc;ao, ha de funcionar como capital fi­xe, entao ha de retornar sob a forma de capital fixo; isso significa, por exemplo, co­mo anuidade, isto e, substituic;oes anuais do desgaste, parte do valor queentrou na circulac;ao, mais a parte do valor acrescido, que e calculado como lucro [aqui, par-

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to do lucro, juros] em relac;ao ao capital fixo [nao enquanto e capital fixo, mas capi­tal em geral de determinada grandeza].

No lucro como tal, o valor acrescido (surplus value) e, portanto, sua fonte efe­tiva ja se encontram obscurecidos e mistificados:

1) enquanto, formalmente considerado, o lucro e valor acrescido, calculado sobre todo o capital investido, de sorte que toda parte do capital, fixo ou circulan­te, desdobrado em materia-prima, maquinaria ou trabalho, aufere lucrq de igual grandeza;

2) enquanto, numa dada unidade de capital, 500 por exemplo, cada quinta parte aufere 10% se o valor acrescido for igual a 50; assim, cada capital de 500 ou 100 proporcionara agora, em virtude da determinac;ao da taxa geral de lucro, o mesmo lucro medio, digamos, de 10%, no mesmo perfodo como qualquer outre capital de condic;oes organicas inteiramente diferentes, seja qual for seu ramo, a proporc;ao entre capital variavel e constante, independentemente das variac;oes do perfodo de circulac;ao - etc. Enquanto, pois, o /ucro de cada capital individual, considerado em separado, e a mais-va/ia por ele mesmo criada em sua propria es­fera de produc;ao se transformem em grandezas realmente diferentes.

Em 2) apenas esta mais elaborado o que ja se encontrava contido em 1). No entanto, nessa forma exteriorizada de mais-valia - diferente de sua primei­

ra figura simples ainda ostentando o cordao umbilical de sua origem -, nessa for­ma irreconhedvel a primeira vista porque existe como /ucro, e que os juros se ba­seiam. Estes pressup6em de imediato o /ucro, de que sao apenas uma parte inseri­da numa categoria, numa rubrica especial, e nao a mais-valia. Nos juros a mais-va­lia e de novo muito menos reconhedvel do que no lucro, porque se refere direta­mente a mais-valia apenas sob a forma de lucro.

0 tempo de retorno depende do processo real de produ<;ao; no capital a ju­ros, seu retorno como capital parece depender da mera convenc;ao entre os em­prestadores e os tomadores. De maneira que o retorno do capital, no que respeita a essa transac;ao, nao parece mais resultar de determinado processo de produc;ao, mas como se em nenhum momento o capital ficasse privado de sua forma dinhei­ro. Na realidade, essas transac;oes sao determinadas pelos retornos reais. Mas isso nao aparece na propria transac;ao.

//895/ 0 juro, diferenciado do lucro, representa o valor da mera propriedade do capital, isto e, transforma a propriedade de dinheiro em si (soma de valor, mer­cadoria seja ela qual for] em propriedade do capital e, portanto, mercadoria ou di­nheiro para si, em valor que se valoriza a si mesmo. Todavia, as condic;oes de tra­balho apenas sao capital se funcionarem como nao-propriedade diante do trabalha­dor e, portanto, como propriedade alheia. Como tais, porem, funcionam somente em oposi<;ao ao trabalho. 0 modo de existencia de tais condic;oes, opositiva frente ao traba/ho, transforma seu proprietario em capitalista, e tais condic;oes, por ele possufdas, em capital. Na mao do capitalista de dinheiro A, o capital, entretanto, nao possui esse carater opositivo que o torna capital, que faz a propriedade do di­nheiro aparecer como propriedade do capital. Desaparece a determinidade (Formbestimmheit) real da forma pe/a qual dinheiro ou mercadoria se tomam capi­tal. 0 capitalista de dinheiro A nao enfrenta, de maneira alguma, o trabalhador mas unicamente outre capitalista B. Este lhe vende, de fato, o "uso" do dinheiro, os efeitos que produzira quando convertido em capital produtivo. Mas na verdade nao e o uso que diretamente vende. Se eu vender uma mercadoria, vendo urn de­terminado valor de uso. Se comprar dinheiro com mercadoria, compro o valor fun­clonal de uso que o dinheiro possui enquanto forma transformada da mercadoria. Nao vendo o valor de uso da mercadoria ao lado de seu valor de troca, nem com­pro o valor particular de uso do dinheiro ao !ado do proprio dinheiro. Como di­nheiro, porem, o dinheiro nao tern - antes de sua transformac;ao e func;ao como

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capital, que nao se da nas maos do emprestador - qualquer outro valor de uso a nao ser aquele que possui como mercadoria [ouro, prata, sua substancia material], ou como dinheiro, forma transformada de mercadoria. Com efeito, o emprestador vende ao capitalista industrial apenas isto: cede-lhe a propriedade do dinheiro por urn tempo determinado. Aliena seu titulo de propriedade por urn determinado pe­rfodo e, com isso, o capitalista industrial comprou a propriedade por urn certo tem­po. Seu dinheiro aparece, pois, como capital antes de ser alienado, a mera proprie­dade de dinheiro por mercadoria - separada do processo capitalista de prodw;ao - como capital.

Que se efetue como capital somente depois da aliena<;ao nao altera nada, as­sim como nada altera que o valor de uso do algodao se efetue somente depois de sua aliena<;ao para o fiandeiro, ou ainda que o valor de uso da came, depois de passar do a<;ougue para a mesa do consumidor. 0 dinheiro, desde que nao seja gasto para o consume, a mercadoria, desde que nao sirva novamente ao consumo do proprietario, transformam seu proprietario em capitalista e sao capital para si -isoladamente do processo capitalista de produ<;ao e antes de sua transforma<;ao em capital "produtivo". lsso significa, portanto, que se valoriza, se conserva e se in­crementa a si mesmo. Esta e sua propriedade imanente de criar valor, auferir juros, como e propriedade da pereira produzir peras. 0 emprestador vende ao capitalista industrial seu dinheiro como uma coisa extratora de juros. Sendo valor que se con­serva a si mesmo, pode 0 capitalista industrial devolve-lo depois de urn prazo livre­mente contratado. Ja que, anualmente, cria determinada mais-valia, juros, ou me­lhor, aumenta de valor em qualquer perfodo, pode tambem pagar essa mais-valia ao emprestador; cada ano ou depois de qualquer outro prazo combinado. 0 di­nheiro, como capital, diariamente aufere mais-valia, como o trabalho assalariado. Enquanto o juro e apenas uma parte do lucro, designada por um nome particular, aparece o juro aqui como [cria~ao propria] do capital, separadamente do processo de produ<;ao, [devido) apenas a mera propriedade desse capital, a propriedade do dinheiro e da mercadoria, isoladamente das rela<;6es que atribuem a essa proprie­dade o carater de propriedade capitalista, porque esta em oposi~ao ao trabalho. [0 juro aparece] como cria<;ao de mais-valia, peculiar a mera propriedade do capi­tal, e, portanto, devido ao capital quanto o lucro industrial, ao contrario, aparece como mero adicional que adquire quem toma emprestado, em virtude da aplica­<;ao produtiva do capital [ou, como tambem se diz, por seu trabalho de capitalista, a fun<;ao de capitalista sendo aqui equiparada ao trabalho e ate mesmo .identifica­da ao trabalho assalariado - o capitalista industrial, funcionando realmente no pro­cesso de produ<;ao //896/, aparece de fato como seu agente ativo, frente ao em­prestador de dinheiro, pregui~oso e inativo, que se reveste da fun<;ao de sua pro­priedade, isolada e exteriormente ao processo de produ<;ao], isto e, gra<;as a explo­ra<;ao do trabalhador que se faz por meio do capital emprestado.

0 juro e nao o lucro aparece, pois, como criat;ao de valor do capital, brotan­do do capital, portanto,_ de sua mera propriedade. Oaf o rendimento criado espe­cialmente pelo capital. E nessa forma que tambem e concebido pelos economistas vulgares. Nela desaparece toda media<;ao e se completa a figura fetichista do capi­tal, assim como a representa<;ao do fetiche-capital. · Essa figura se cria necessaria­mente porque a propriedade jurfdica do capital se separa de sua propriedade eco­nomica, porque a apropria<;ao de uma parte do lucro sob o nome "juro" aflui para urn capital em si ou proprietario do capital, inteiramente separados do processo produtivo.

Para o economista vulgar que pretende apresentar o capital como fonte auto­noma de valor, de cria<;ao de valor, essa forma naturalmente e urn achado, uma forma na qual a fonte do lucro nao e mais reconhecfvel, e o resultado do processo capitalista - isolado do processo - se reveste de urn modo de existencia autono-

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mo. Em D - M - D' a media<;ao ainda esta contida. Em D - D' temos a forma do ca­pital desprovida de conceito, a inversao e coisifica<;ao das rela<;6es de produ<;ao em Sl;!a mais alta potencia.

A taxa geral de lucro corresponde naturalmente uma taxa geral de juros ou uma razao geral de juros. Nao e nossa inten<;ao aqui nos aprofundar mais nisso, ja que a analise do capital a juros nao pertence a essa parte geral mas a parte sobre o credito. 1 No entanto, para salientar plenamente essa forma fenomenica do capital e importante observar que a taxa geral de lucro aparece incomparavelmente me~ nos como urn fato tao palpavel e fixo do que a taxa de juros ou a razao de juros. A razao de juros, contudo, sempre varia. Hoje [no mercado de dinheiro, para o capi­talista industrial - e e disso que tratamos apenas] vale 2%, ama!)ha, 3%, depois de amanha, 5%. Mas e 2%, 3%, 5% para todos os tomadores. E condi<;ao geral de toda soma de dinheiro, de 100 Iibras, auferir 2%, 3%, 5%, embora a mesma so­ma de valor em sua fun<;ao efetiva como capital renda, nas esferas particulares de produ<;ao, lucros reais muito variados, sendo que seu afastamento, em rela<;ao ao nfvel medio ideal, constantemente produz o [novo] nfvel, gra~as unicamente a cer­tos processes e rea<;6es, isto sempre considerando longos perfodos da circula<;ao do capital. Durante alguns anos a taxa de lucro sobe em areas determinadas, du­rante os anos seguintes desce. Reunidos os anos ou uma serie de tais evolu<;6es, re­sultara em media o lucro medio. Assim jamais este aparece como algo dado ime­diatamente, mas apenas como resultado medio de oscila<;6es contraditorias. E dife­rente o caso da razao de juros. Este constitui, em sua generalidade, urn fato diana­mente assinalado, urn fato que ate mesmo serve ao capitalista industrial de pressu­posto e item do calculo nas suas opera~6es. A taxa geral do lucro existe, de fato, apenas como numero medio ideal, ao servir de estimativa dos lucros reais, existe apenas como numero medio·, uma abstra<;ao, ao ser fixado como algo para si, aca­bado, determinado e dado. Na realidade, porem, somente existe no tendencia de­terminadora, no movimento de equalizat;ao das diferentes taxas reais de lucro, seja de urn mesmo capital, seja de capitais diferentes, nas varias esferas de produ<;ao.

118971 0 que o emprestador pede ao capitalista e calculado na base da taxa geral de lucro [media], nao seu afastamento individual. A media torna-se aqui a pressuposit;oo. A propria razao de juros varia, mas para todos os tomadores.

Uma razao de juros, determinada e igual, existe, nao somente na media, mas de fato [mesmo com varia<;6es entre maximo e mfnimo, conforme o interessado (Borger) first rate ou nao], enquanto os desvios se apresentam, ao contrario, como exce~6es motivadas por circunstancias especiais. Boletins meteorologicos nao indi­cam a posi<;ao do barometro com maior precisao do que os boletins da bolsa, a po­si<;ao da razao de juros, nao para este ou aquele capital, mas para o capital disponf­vel no mercado de dinheiro, isto e, o [capital] emprestavel.

Nao e aqui o Iugar para explicar de onde vern essa maior fixidez e igualdade da razao de juros para o capital emprestavel, ao contrario e diferentemente da for­ma menos palpavel da taxa geral de lucro. Tal exposi<;ao pertence a se<;ao sobre o credito. No entanto, e evidente que: as oscila<;6es da taxa de lucro, descontando to­talmente as vantagens de que gozam os capitalistas individuals dentro do mesmo

1 Por "esta parte geral" Marx entende a se~ao de 0 Capital "0 capital em geral" que, segundo o plano que se lhe ali· gurava entre 1858 e 1862, compreendia Ires partes ( "0 processo de produ¢o do capital", "0 processo de circula¢o do capital" e "A unidade de ambos ou o capital e o lucro") a que se seguiriam outras Ires partes de carater mais espe- . clfico: "A concorrencia dos capitallstas", "0 credito" e "0 capital em a~Oes" (d. nota). No decurso do trabalho sobre 0 Capital Marx inclui progressivamente nas partes "0 processo de produ¢o do capital", "0 processo de circula~ao do capital" e "A unidade de ambos ou o capital e o lucro", multo do que, no plano original, nao devia entrar no cfrcu­lo da questao, representado na parte "0 capital em geral". Particularrnente, muitos problemas a respeito do credito e do sistema de credito, que foram incluldos no Livro Terceiro de 0 Capital, cujo alcance vai multo alem da parte "0 ca­pital em geral". (As notas que nao forem indicadas como dos tradutores sao dos editores.)

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ramo de produc;ao, em cada ramo dependem cada vez da posi<;ao dos prec;os de mercado e de suas oscilac;oes em redor dos prec;os de custo. A diferenc;a das taxas de lucro nas varias esferas s6 pode ser entendida por uma comparac;ao dos prec;os de mercado nessas esferas, isto e, das diversas mercadorias, com os prec;os de cus­to das diversas mercadorias. A baixa da taxa de lucro num determinado ramo a nf­vel inferior a media ideal basta, se prolongada, para afastar o capital dessa esfera, ou para excluir dela o advento de novo capital numa escala media. Pois .e mais o advento de novo capital adicional, do que a distribui<;ao do que ja foi investido, que equilibra a repartic;ao do capital nas esferas particulares. Ao contrario, o lucro adicional, em esferas particulares, s6 pode ser conhecido pela comparac;ao dos pre­c;os de mercado com os prec;os de custo. No momenta, de uma ou outra maneira, a diferenc;a se toma patente, inicia-se uma emigrac;ao e imigra<;ao de capitais entre os varios ramos. Mesmo descartando ser isso urn ato de compensac;ao prolongado, o lucro medio em cada urn dos pr6prios ramos particulares s6 aparece na media das taxas de lucro que se realizam, por exemplo, durante urn ciclo de sete anos etc., de acordo com a natureza do capital. As meras oscilac;oes para cima e para baixo, enquanto nao passam da proporc;ao media, nao assumem feic;oes especiais, nao bastam para efetuar uma transferencia de capital, acrescidas ainda as dificulda­des que o capital fixo opoe as transferencias. Conjunturas momentSneas somente podem ter efeito de maneira restrita e mais sabre a atrac;ao ou repulsa de capital adicional do que sobre a redistribuic;ao de capital investido nas diversas esferas.

Esse todo, como se ve, e urn movimento muito complicado, entrando em con­siderac;ao, de urn !ado, prec;os de mercado de cada esfera particular, os prec;os de custo comparatives das diversas mercadorias, a posic;ao da procura e da oferta den­tro de cada ramo; de outro, a concorrencia entre os capitalistas das diversas esfe­ras. Ademais, a equalizac;ao mais rapida ou mais lenta depende da composic;ao or­ganica particular dos capitais (por exemplo, mais capital fixo ou circulante) e da na­tureza particular de suas mercadorias, conforme sua natureza como valores de uso permite uma retirada mais rapida do mercado, mais facil diminui<;ao ou aumento da oferta, de acordo com a posic;ao dos prec;os de mercado.

No capital de dinheiro, ao contrario - no mercado de dinheiro -, confron­tam-se apenas duas especies de compradores e vendedores, procura e oferta. De urn !ado, a classe de capitalistas, tomadora de emprestimo, de outro, a dos empres­tadores. A mercadoria tern a mesma forma: dinheiro. Apagam-se aqui todas as figu­ras particulares que o capital assume segundo cada esfera particular de produc;ao ou circulac;ao em que e investido. Existe na figura indiferenciada e igual a si mes- · rna de valor de troca independente, de dinheiro. Cessa a concorrencia das esferas particulares: todos se encontram na mesma situac;ao como emprestadores de di­nheiro e o capital se confronta com todos, tambem na forma em que ainda e indite­rente para as formas de sua aplicac;ao. Como capital produtivo, ele apenas aparece //898/ no movimento e na concorrencia entre as diversas esferas particulares, co­mo capital coletivo em si da classe, agora comparece efetivamente, com toda for­~a. na demanda por capital. De outro !ado, o capital dinheiro [o capital no merca­do de dinheiro] possui efetivamente a figura, na qual, como elemento comum indi­ferente a sua aplicac;ao particular, se reparte entre as varias esferas, entre a classe dos capitalistas, segundo as necessidades da produc;ao de cada ramo particular. Acresce que, com o desenvolvimento da grande industria, o capital dinheiro, na medida em que surge no mercado, paulatinamente deixa de ser representado pelo capitalista individual, pelo dono desta ou daquela parcela de capital disponfvel no mercado, para concentrar-se, organizar-se, submetendo-se, diferentemente do que acontece na produc;ao real, ao controle do banqueiro, representante do capital. De sorte que, no que respeita a forma da procura, o capital emprestavel enfrenta o fm­peto de uma classe, embora, no que respeita a oferta, se apresente como capital

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emprestavel em massa, capital emprestayel da sociedade, concentrado em poucos reservat6rios.

. Esses sao alguns dos motivos pelos quais a taxa geral de Iuera aparece como rrurage.m nebulosa evanescente comparada a rozoo fixa de juros que, nao obstan­te, osctla em grandeza, o que nao impede que essa razao oscile de modo igual pa­ra todos os !om_adores, confrontando-os, pois, como alga fixo e dado. Do mesmo modo, a osctlac;ao do valor do dinheiro nao impede de ter ele o mesmo valor face a todas as mercadorias. Assim como os prec;os das mercadorias oscilam diariamen­te, o que nao impede esses prec;os de serem cotados todos os dias· tambem a ra­zao ~e juros ~ co_tada ~om ig~al regularidade como pre~o do dinh~iro. Porquanto o propno c_aptt~ e ~qut oferectdo como mercadoria especial, dinheiro; a fixac;ao de seu prec;~ e a fixac;ao d~ pre~o de mercado, da mesma maneira que para todas as mercadonas. A ta~a ~e JUros sempre se apresenta como taxa geral de juros, como tanto por tanto dmhetro, enquanto a taxa de Iuera pode variar dentro da mesma esfera, m.a~tendo-se os prec;os de mercadorias iguais [de acordo com as respecti­va~ condtc;oes ~m que os capitalistas individuais produzem a mesma mercadoria, pots a ta~a particular de Iuera nao depende do prec;o de mercado da mercadoria, mas da dtferenc;a entre este e o prec;o de custo] e a taxa se equilibra nos diferentes ram?s, grac;as .a oscilac;ao constante do processo. Numa palavra, s6 no capital di­nhetr?, no captta! emprestavel, o capital se tornou mercadoria, cuja qualidade auto­valonzante possUI urn prer;o fixo, que e cotado pelos juros vigorando na ocasiao.

Como capital a juros, ist? e, e~ sua forma im_ediata como capital dinheiro a ju­ros [as ou~s formas de capttal a JUras de que nao nos ocupamos aqui sao nova­m~nte de~va~as dessa forma e a pressupoem], o capital assumiu a forma pura de fetiche. Pnmetro, grac;as a existencia continuada como dinheiro, forma em que se apagam todas as suas determinac;oes, e seus elementos reais se tomam invisfveis· como mera existencia do valor de troca autonomo, existindo como valor autonomi~ zado. No processo real do capital, a forma dinheiro esvanece. No mercado de di­nhei~o sempre existe sob essa forma. Segundo, a mais-valia por ele produzida [aqUI], novam~nte . sob forma de dinheiro, parece caber a ele como tal, portanto, ao ~ero propnetano do capital dinheiro, do capital isolado de seu processo. D - M - D se transforma em D - D', forma indiferenciada do dinheiro (pois dinheiro e jus­tamente a forma em que se apaga a diferenc;a entre as mercadorias como valores de ~so e, por c~msegui~te, tambem a diferenr;a entre os capitais produtivos, que sub~ts~e gra~as. as condr~oes dessas mercadorias, a forma especffica dos pr6prios capttats produtivos). De sorte que a mais-valia produzida por ele o mais-dinheiro em q~e .se transform~ ou. e, aparece como taxa determinada, rn'edida pela mass~ d~ propna so~a de dt~hetro. [Na base de] 5% de juros, 100 Iibras formam urn ca­pttal de 105 hbras. Asstm [obtemos] a forma permanente, palpavel, do valor auto­va.lorizante ou do dinheiro produtor do dinheiro. Ao mesmo tempo, a pura forma pnvada de pensamento - incompreensfvel, mistificada. Partimos, no desenvolvi­mento do capital,, de D - M. -. D', de que D - D' foi apenas o resultado. 2 Agora en­:ontramos . D - D com? s~;ert?. Da mesma maneira que o crescimento pertence a arvore, asstm o produztr dmhetro (tokos)3 pertence ao proprio capital nesta sua for­ma pura de [capital]-dinheiro. A forma incompreensfvel encontrada na superffcie e da qual, em conseqUencia, partimos na analise, a reencontramos como resultado do processo, no qual a figura do capital se torna progressivamente mais alheada e carente de relacionamento com sua essencia Intima.

2 .MID:' s:; refer~ ao cademo I de seu manusctito de 1861/62, que se inida com a se¢o "Transforma¢o do capital em dinheuo . 0 pnmelro par6grafo dessa ~o traz como titulo "D - M - D", forma geral do capital 3 Em grego, engendrar, parir. (N. dos T.)

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//899/ Partimos do dinheiro enquanto forma transmutada da mercadoria. Di­nheiro enquanto forma transmutada do capital e aquilo a que chegamos, exata­mente como reconhecemos na mercadoria a pressuposi<;ao e o resultado do pro-cesso de produ<;ao do capital. . _ .

Nesta sua figura mais estranha e ao mesmo tempo ma1s prmoma da represen-ta<;ao popular, o capital e tanto a "forma fundamental~'. dos econo:nistas v~lga_res quanto o ponto de ataque mais proximo para uma cntica superficiaL A pnme1ra, em parte, porque o nexo intemo aparece menos e o capital se apresenta sob for­ma em que parece uma fonte autonoma de valor; em parte, porque sob essa for­ma seu carater opositiuo e totalmente retocado e apagado, nao havendo qualquer oposic;ao ao trabalho. Alem do mais, o capital se expoe ao ataque por ser a f?rma na qual se apresenta de maneira mais irracional, oferecendo-se como alvo ma1s fa-cil para o socialista vulgar.

A polemica dos economistas burgueses, no seculo XVII [Child, Culpeper etc.], contra os juros como forma independente da mais-valia, nao passa da luta da bur­guesia industrial ascendente contra os usurarios antiquados, na epoca, mon?po_liza­dores do poder do dinheiro. 0 capital a juros esta ainda sob a forma antediluV1ana de capital, que ha de ser subordinada ao capital industrial e reduzida a uma posi­c;ao de dependencia, aquela que deve ocupar teorica e praticamente na base da produc;ao capitalista. A burguesia nao hesitou em se valer da ajuda do Estado, aqui e alhures, onde era preciso adequar as relac;oes vigentes e tradicionais de pro-duc;aq as suas proprias [praticas]. . .

E claro que outra distribuic;ao do lucro entre os varios tipos de cap1talistas, ou seja, uma elevac;ao do lucro industrial por meio de uma baixa ?a ~o ?e juros e vice-versa nao atinge de maneira alguma a essencia da produc;ao cap1talista. 0 so­cialismo clirigido contra o capital a juros como "forma fundamental" do capital nao esta apenas mergulhado ate a cabec;a no horizonte burgues. Na medida em que sua polemica nao e urn ataque e sim uma crltica mal compreendida e dirigida, num impulso obscuro, contra o capital - na medida, pols, em que o identifica com uma de suas formas derivadas -, nao passa da insistencia, disfarc;ada de so­cialista em favor do desenvolvimento do credito burgues, expressando portanto a falta d~ desenvolvimento, no pais onde assume tal disfarce, das relac;oes, nao sen­do mais do que urn sintoma teorico do desenvolvimento capitalista, ainda que tal empenho burgues possa assumir formas tao arrepiantes como o credit gratuit. 4 As­sim o saint-simonismo, com sua glorificac;ao do reinado do banco (Credit mobi­/ier,5 mais adiante).

[2. Capital a juros e comercial em sua relar;iio com o capital industrial. Formas mais antigas,jormas derivadas]

A forma comercial e a forma a juros sao mais antigas do que a da produc;ao capitalista, do que o capital industrial, forma bdsica da relac;ao capital enquanto do­mina a sociedade burguesa - donde todas as outras formas apenas aparecem co-

4 Refer~nda a Proudhon que, em sua pol~mica contra Bastiat, defende a "Gratuldade do cr~dito", Marx submete essa oplnll!o de Proudhon a uma critica, que se encontra nas paginas 935-937 do manusaito. . s Credit Mobilier - Sodet~ Generate du Cr~dit MobUier - urn banco ftanc~ de a¢es, fundado em 1852 pelos tr­mlios P~relre. Manteve rela~Oes estreitas com o regime de Napoleao Ill, cujos favores o levaram a neg6cios especulatl­vos. 0 banco entrou em bancarrota em 1867 e fol llquldado em 1871. Marx escreveu, e~ 1~6 e 1857, ~guns arti­gos sobre os neg6cios especulativos desse banco para o jomal londrino, de tend~nda chartista; The Peoples Paper, e para New York Doily Tribune. Cf. Karl Marx/Friedrich Engels Werke. Berlim, 1961. v. 12, p. 20-36, 202-209 e 289-292, assim como v. 13 (Berlim, 1961). p 76 e 160.

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mo derivadas ou secundarias - derivadas como o capital a juros; secundarias isto e, capital numa func;ao particular [inerente a seu processo de circula<;ao], co~o o capital comercial. Dai, no processo de sua gerac;ao, o capital industrial ter de subju­gar essas formas e transforma-las em func;oes derivadas ou particulares. Encontra essas formas mais antigas na epoca de sua constituic;ao e de sua gerac;ao, encon­tra-as co~o previas pressuposi~oes, que nao sao todavia pressuposic;oes postas por si proprias, formas de seu proprio processo de vida. Assim como inicialmente encontra a mercadoria, nao porem enquanto seu proprio produto, tambem encon­tra ~ circulac;ao do dinheiro, nao porem enquanto momento de sua propria repro­duc;ao. Uma vez desenvolvida a produc;ao capitalista na amplitude de suas formas e dominante do modo de produc;ao, o capital a juros e dominado pelo capital in­d~stri_al e o _capitai_comercial se transforma tao-somente numa figura do proprio ca­pital mdustrial, denvada do processo de circulac;ao. Mas, como formas autonomas, ambas devem //900/ ser antes quebradas e submetidas ao capital industrial. Usa-se a violencia (o Estado) diante do capital a juros, grac;as ao abaixamento forc;ado da razao de juros, de modo que nao pode mais ditar seus termos ao capital industrial. Esta, entretanto, e uma forma que pertence aos nfveis menos desenvolvidos da produc;a? c~pitalista. A verdadeira maneira de o capital industrial subjuga-lo consis­te na cnac;ao de uma forma que lhe e particular: o sistema de credito. 0 abaixa­mento forc;ado do tipo de juros e uma forma que o capital industrial ainda toma emprestada aos metodos de urn modo anterior de produc;ao, e que Ianc;a fora co­mo inUtil e sem sentido tao logo se fortalec;a e conquiste seu terrene. 0 sistema de credito e sua propria cria<;ao, e mesmo uma forma do capital industrial que come­~a com a manufatura, mas que se elabora de modo mais completo na grande in­dustria. Originalmente, 0 sistema de credito e uma forma po/emica contra OS usura­nos antiquados [ourives, na Inglaterra; judeus, lombardos etc.]. Os escritos que ex­plicam seus primeiros segredos, no seculo XVII, sao todos vazados nessa forma po­lemica.

0 capital comercial e submetido ao capital industrial de varias maneiras ou o que da no mesmo, toma-se func;ao dele, [e) capital industrial numa func;ao parti~u­lar. 0 comerciante, ao inves de comprar a mercadoria, compra trabalho assalaria­do, com o qual produz a mercadoria destinada a venda para o comercio. Com isso o proprio capital comercial perde a forma fixa que assumira frente a produc;ao. As guildas medievais foram assim combatidas pela manufatura e o artesanato circuns­crito num ambito mais restrito. Na Idade Media o comerciante [com excec;ao dos pontos esporadicos em que se desenvolve a manufatura, como na Italia, Espanha etc.] era apenas urn distribuidor (Verleger) de mercadorias produzidas quer peias guildas urbanas, quer pelos camponeses. 6 '

Essa transforma<;ao do comerciante em capitalista industrial e simultaneamen­te a transformac;ao do capital comercial em mera forma do capital industrial. De ou­tro !ado, o produtor se toma comerciante. 0 fabricante de roupas, por exemplo, em vez de receber do comerciante sua materia-prima sucessivamente e em peque­nas parcelas e trabalhar para este, compra ele proprio sua materia-prima na propor­~ao de seu capital etc. As condic;oes de produ~ao, como mercadorias compradas por ele, entram no processo [de produc;ao]. E em vez de produzir para o comer­ciante individual ou para urn fregues determinado, o fabricante de roupas produz agora para o mundo comercial.

Na primeira forma, o comerciante domina a produc;ao e o capital comercial

6 No Uvro Tercelro de 0 Capital Marx indica que a deslgna~o do comerdante medieval como mero "distribuidor" (Verleger, literalmente, edit?r) de mercadorias produzidas pelas corpora~Oes urbanas e pelos camponeses pertence ao Prof. Johann Heinrich Montz Poppe. Esta lnclu!da no volume I de seu escrito Hlst6rio do Tecnologlo (Geschichte der Techno/ogle}, p. 70, publlcado em Gottingen, em 1807.

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domina a industria do artesanato e a industria camponesa caseira, posta por ele em funcionamento. Os offcios sao seus subaltemos. Na segunda, a produc;ao se transforma em produc;ao capitalista. 0 proprio produtor e comerciante, o capital co­mercia! limita-se agora a mediar o processo de circulac;ao, desempenhando uma func;ao determinada no processo de reproduc;ao do capit~. ~s sao ~uas fo~as. 0 comerciante toma-se, como comerciante, produtor, mdustrial. 0 mdustrial, o produtor, toma-se comerciante. _ _

Originariamente, o comercio e o pressuposto da tran~formac;ao da pro~uc;ao agricola feudal, das guildas e da produc;ao camponesa-case1ra, numa produc;ao ca­pitalista. Desenvolve o produto em mercadoria, criando, de urn !ado, urn. ~ercado, de outro novos equivalentes de mercadoria, alem de trazer novos matena1s para a produc;a~ e abrir com isso novos modos de produc;ao; esses, desde o inicio, se ba­seiam no comercio, porque produzem para urn mercado ou dependem de elemen-tos da produc;ao que provem do mercado mundial. .

A manufatura ao fortalecer-se ainda mais quando converte-se em grande m­dustria, cria de su'a parte o mercado, conquista-o; abre mercados pela violencia, que conquista, sobretudo, por meio de suas proprias mercadorias. Oaf para diante, o comercio nao passa de servidor da produc;ao industrial, para a qual o mercado, sempre em ampliac;ao, se tomou condic;ao de vida. Isso porque uma produc;ao em massa sempre crescente, que nao se restringe aos limites ex.istentes do mercado [na medida em que este apenas expressa uma procura ex.istente], mas [se rege] unica e exclusivamente pela grandeza do capital disponfvel e pelo desenvolvimen­to da produtividade do trabalhador, transborda sempre o mercado dispo~fv~l, tra­balhando pols constantemente para sua extensao e afastamento de se~s ltm1tes. 0 comercio entao serve ao capital industrial, desempenhando uma func;ao que ema­na das respectivas condic;oes de produc;ao.

Grac;as ao sistema colonia/ [paralelo ao sistema de protecionismo], o capital in­dustrial, nos primeiros perfodos de seu desenvolvimento, procura. garantir mercado e mercados pela violencia. 0 capitalista industrial tern diante de s1 o mercado mun­dial· compara e deve constantemente comparar seus proprios custos nao somente co~ os prec;os de mercado de sua prac;a, mas com os de todo mercado mundial. Produz tendo isso constantemente em vista. Essa comparac;ao cabe, no perfodo an­terior exclusivamente ao estamento do comercio, assegurando assim ao capital co-

' mercia! o domfnio sobre o capital produtivo.

*

//902/ 0 juro nao e pols nada mais do que parte do lucro [que por sua vez nao e mesmo nada mais do que valor acrescido (surplus ualue), trabalho nao remu­nerado] que o capitalista industrial paga ao proprietario do capital alheio, com o qual "trabalha" em todo ou em parte. E parte do lucro - do valor acrescido -que fixada como categoria particular, sob urn nome pr6prio, se separa do lucro global; uma separac;ao que de maneira nenhuma se refere a sua origem ~as tao­somente a seu modo de pagamento ou apropria<;ao. Em vez de ser apropnada pe­lo capitalista industrial - embora em suas maos se encontre imediatam~nte to.da mais-valia - que pode ser distribufda sob o nome de renda, lucro industrial ou JU­ros, entre ele e outras pessoas - deduz essa parte do lucro de seu pr6prio rendi­mento e a paga ao proprietario de capital.

Dada a taxa de lucro, a importancia· relativa da taxa de juros depende da pro­porc;ao pela qual o lucro se divide em juros e lucro industrial; dada a proporc;ao da

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divisao, a importancia absoluta da taxa de juros [isto e, a proporc;ao dos juros em relac;ao ao capital] depende da taxa de lucro. Como essa proporc;ao da divisao se determina, nao e de se examinar aqui. Pertence a considera<;ao do movimento real do capital, a saber, dos capitals, enquanto aqui lidamos apenas com suas for­mas gerais.

A formac;ao do capital a juros, sua separac;ao do capital industrial, e produto necessaria do desenvolvimento do capital industrial, do proprio modo capitalista de produ<;ao. Dinheiro [soma de valor, sempre conversfvel em condic;oes de produ­<;ao] ou condic;oes de produ<;ao, em que [o dinheiro] sempre se pode converter e d~ que e apenas uma forma transformada, aplicada como capital, [essas condi­c;oes] comandam uma quantia determinada de trabalho alheio, o mais-trabalho que nele esta contido. Alem de preservar seu valor na troca com o trabalho, au­menta-a, poe valor acrescido. 0 valor do dinheiro ou das mercadorias como capi­tal nao e determinado pelo valor que possuem como dinheiro ou mercadorias, mas peto quanto de mais-valia que "produzem" para seu possuidor. 0 produto do capital e o lucro. Na base da produc;ao capitalista, nao passa de uma aplica~ao di­versa do dinheiro, quer dispendido como dinheiro quer como capital. Dinheiro [mercadoria), na base da produc;ao capitalista, e capital em si [da mesma forma que a capacidade de trabalho e trabalho em si], pois: 1) pode ser convertido em condic;oes de produc;ao, sendo, como e, apenas sua expressao abstrata, seu modo de ex.istencia como ua/or; 2) os elementos objetivos da riqueza possuem em si a propriedade de serem capital, proque seu oposto - o trabalho assalariado -, que os transforma em capital, esta disponfvel como base da produc;ao social.

Tambem a renda e apenas um nome para uma parte da mais-valia que o capi­talista industrial deve pagar, o mesmo acontece com o juro, outra parte da mais-va­lia que, embora recebida, c!eve ser paga a urn terceiro. Aqui esta porem a grande diferenc;a: grac;as a propriedade fundiaria 0 proprietario da terra impede que 0 capi­tal equalize o valor dos produtos agrfcolas a seus prec;os de custo. Isso lhe e possf­vel por causa do monop6lio da propriedade fundiaria. Pode assim embolsar a dife­renc;a entre o valor e o prec;o de custo. Alem do mais - na medida em que se tra­ta de renda diferencial -, esta na posi<;ao de embolsar o excedente da mais-valia em rela<;ao ao valor individual dos produtos de urn determinado solo, em vez des­sa diferenc;a cair nos bolsos do capitalista, como acontece em outros negocios na qualidade de superlucro, quando capitalistas trabalham em condic;oes mais favora­veis daquelas que satisfazem a massa da procura, determinam o grosso da produ­c;ao, e regulam, em conseqtiencia, o valor de mercado de cada esfera particular da produc;ao.

A propriedade fundiaria e apenas meio de arrebatar parte do valor acre.,scido, produzido pelo capital industrial. 0 capital emprestado, ao contrario, e meio -quando o capitalista trabalha com capital emprestado - de produzir ele pr6prio, todo //903/ o valor acrescido. Que dinheiro [mercadoria] possa ser emprestado co­mo capital significa apenas que em si e capital. A aboli<;ao da propriedade fundia­ria, no sentido de Ricardo, a saber, sua transformac;ao em propriedade estatal, de sorte que a renda, em vez de ser paga ao proprietario rural, seria paga ao Estado, constitui o ideal, o desejo que cresce no fundo do cora<;ao e na essencia mais fnti­ma do capital. Este nao pode abolir a propriedade fundiaria. Grac;as porem a sua transformac;ao em renda [pagavel ao Estado], apropria-se dela como classe, a fim de cobrir suas despesas com o Estado, apropriando-se, portanto, por vias tortas, do que nao pode segurar de modo direto. A abolic;ao do juro e do capital a juros importa, entretanto, na abolic;ao do capital e da propria produ<;ao capitalista. En­quaf1to dinheiro [mercadoria] pode servir de capital, pode ser vendido como capi­tal. E pois bern digno dos utopistas pequeno-burgueses querer a mercadoria sem

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querer o dinheiro, o capital industrial, mas nao o capital a juros, o Iuera e nao o juro. Nao sao dois capitais diferentes, o que aufere juros e o que traz lucros, mas o

mesmo capital, que funciona no processo, extrai lucre e se distribui entre dois capi­talistas diferentes: [de urn !ado], aquele que se encontra fora do processo e repre­senta, como proprietario, o capital em si [e para este condi~ao essencial se~ ~epre­sentado por urn proprietario priuado; sem isso nao se torna capital em opoSI($aO ao trabalho assalariado], [de outro], aquele que representa ·o capital em funcionamen­to que se encontra no processo.

[3. Separa~iio de viirias partes de mais-valia sob a forma de rendimentos diferentes. Rela~iio entre juros e lucro industrial. Irracionalidade das form as jetichizadas do rendimento]

A ulterior "ossifica($ao" ou autonomiza($ao da partilha do Iuera surge de ma­neira que o Jucro de qualquer capital - em conseqilencia, tambem o lucro medio baseado na compensa($ao dos capitais entre si - se divide ou se decompoe em dois componentes mutuamente independentes ou autonomos: juros e lucre indus­trial: agora as vezes tambem chamados simplesmente lucro ou batizado com o no­vo nome de salario para o trabalho de superintendencia etc. Se a taxa de Iuera [Iu­era media] for igual a 15% e a taxa de juros [que vimos sempre fixar-se numa for­mal geral] for igual a 5% [cuja taxa e sempre computada no mercado de dinheiro como "valor" ou "prec;o" do dinheiro]- mesmo quando for proprietario do capi­tal e nao precisar emprestar qualquer uma de sua partes, nao devendo pois [sett] Iuera ser repartido entre dois capitalistas -, o capitalista considera que, destes 15%, 5% representam os juros de seu capital e 10% apenas o Iuera obtido gra~as a aplica($ao produtiva do capital. Esses 5% ele deve, na qualidade de "capitalista in­dustrial", a si proprio como "proprietario" do capital, eles advem a seu capital em si e, par conseguinte, a ele enquanto proprietario desse capital em si [o que e si­multaneamente o ser do capital para si ou o ser do capital como capitalista, como propriedade excluindo os outros de si]: advem ao capital abstrafdo do processo de produc;ao; muito diferente do capital em funcionamento, em processo e do "capita­lista industrial" como representante desse capital em funcionamento, "trabalhan­do". Os "juros" constituem o fruto do capital enquanto este nao "trabalha" , nao funciona, e o Iuera, seu fruto no "trabalho" , em funcionamento. lsso e analogo ao caso do capitalista agricola (farming capitalist), ao mesmo tempo proprietario fun­diario, proprietario do solo explorado par ele de maneira capitalista - que atribui aquela parte de seu Iuera que forma a renda, aquele Iuera acrescido, nao a sua pessoa como capitalista, mas a sua pessoa como proprietario fundiario, nao ao ca­pitalista mas a propriedade fundiaria, de modo que o capitalista deve "renda" a si mesmo como proprietario fundiario. Assim o capital, numa determinidade, defron­ta o mesmo capital em sua outra determinidade da mesma maneira fixa, como pro­priedade fundiaria e capital, as quais constituem tftulos para a apropriac;ao de traba­lho alheio, tftulos que estao de fato fundados em dois meios de produ~ao essencial­mente diferentes.

Se, de urn lado, cinco socios dirigem uma fiac;ao de algodao, que representa 100 mil Iibras de capital, auferindo 10% de Iuera, isto e, 10 mil Iibras, cada urn rece­bera 1/5 desse lucre, ou seja, 2 mil Iibras. Se, de outro !ado, urn (mica capitalista empatou o mesmo capital numa fia~ao e aufere o mesmo Iuera de 10 mil Iibras, nao faz as contas de maneira a receber 2 mil Iibras de Iuera como socio e creditar as outras 8 mil Iibras como lucre da companhia para os quatro socios nao-existen-

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tes. U~a simples partilha de lucro entre diversos //904/ capitalistas que possuem tf­tulos dif~ren~es referentes ao mesmo capital, sendo, de uma ou de outra forma, co-pr.opne.tanos do mesmo capital; essa partilha nao estabelece de modo algum ca­tegonas diferentes para essas partes. Por que entao a divisao fortuita entre o em­prest~dor e o tomador de capital?

A primeira vista (prima facie), trata-se apenas de uma partilha do Iuera onde existem dois proprietaries do capital, proprietaries par for~a de trtulos difere~tes -parecen~o urn _ m?mento jur_fdico e nao urn economico. Se urn capitalista produz com capital propno ou alheio, ou em que proporc;ao produz com capital proprio ou alheio, iss? e, em ultima analise, completamente indiferente. De onde ·vern pais que essa partilha do Iuera, em Iuera [industrial] e juro, nao apare~a como fortuita, dependente do acaso de o capitalista ter ou nao efetivamente que repartir com ou­trem, operar com capital proprio ou alheio, mas que, a despeito de produzir so­~ente c?m capital proprio, em qualquer condi~ao, desdobra-se em mero proprieta­no ·e a~hcador do capital, em capital fora do processo de produc;ao e dentro dele, em capital que em sr proporciona juros e outro que proporciona Iuera no proprio processo?

Aqui existe, no fundo, urn movimento real. 0 dinheiro [como expressao geral do valor de mercadoria] - seja chamado como for e em que partes for dividido -, a r:rop~a mais-valia no processo, somente porque esta antes do processo de produ~ao, e pre~suposto como ·capital. No processo, conserva-se, produz e repro­duz-se como capital e em escala sempre mais adiantada. Mas ja antes do processo - dado o modo de produ<;ao capitalista, quando se trabalha em sua base e dentro das rela~oes sociais que lhe correspondem, nao se tratando pois o processo de con~titui~ao do ~apital - existe como capital em si, segundo seu carater, o qual, to­d~via, s6 se efetiva ~o processo, so tendo, de toda maneira, sua efetividade no pro­pno processo. Se nao entrasse nele como capital, nao sairia dele tambem como ca­pital, isto e, como dinheiro que aufere Iuera, como valor valorizante valor criando mais-valia. '

E como no caso do dinheiro. Esta moeda, por exemplo, nao passa de urn pe­d~~o de metal. Somente e dinheiro por meio de sua fun~ao no processo de circula­~c:_o. Mas. uma vez pressuposto o processo de circula~ao de mercadorias, a moeda nao funciona apenas como dinheiro, mas constitui como tal, em cada passo parti­c~lar ~ urn pressuposto para o processo de circula<;ao, antes de entrar nele. Capital nao e apenas resultado mas pressuposic;ao da produ<;ao capitalista. Dinheiro e mer­cadoria sao, portanto, em si capital latente, capital em potencia - todas as merca­dorias, na medida em que sao conversfveis em dinheiro; o dinheiro, na medida em q~e .e conversfvel nessas mercadorias, constituintes dos elementos do processo ca­pitahsta de produc;ao. Dinheiro, pais - como pura expressao de valor das merca­d_?rias e. d~s condic;oes ?e trab~lho -, ~ em si, como capital, pressuposto da produ­c;ao capitahsta. 0 que e o capital considerado como pressuposi~ao ao inves de re­sultado do processo? 0 que o torna capital antes de entrar no processo, de modo q~e este somente desen~olva seu carater imanente? A determinac;ao social em que eXIste. Que o trabalho VIvo se confronte com o trabalho passado, a atividade, com o produto, o homem, com a coisa, o trabalho, com suas pr6prias condic;oes objeti­vas enquant? personifica~oes, sujeitos alheios, autonomos, fixos em si; em breve, ~omo propne~fde alheia e, sob essa figura, como "empregadores" (employers),

comandantes (commanders) do pr6prio trabalho, os quais se apropriam dele em vez de serem apropriados por ele. Que o valor- exista como dinheiro ou mer­cadoria - desenvolvido ulteriormente em condic;oes de trabalho se confronte com o trabalhador como propriedade alheia, como proprietario de si mesmo. Tudo isso nada mais significa do que ele e suas formas se confrontam com o operario enquanto

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propriedade do nao-trabalhador, ou ao menos que ele, e~q~~nto capitalista, con­fronta-se com eles nao como trabalhador mas como propnetano do valor etc.; co­mo sujeito onde essas coisas tern sua vontade propria, pertencem a si mesmas e se personificam como poderes autonomos. 0 capital como pressuposi~ao da produ­c;ao, 0 capit~, nao como sai desse processo mas como existe antes de ~ele entra_r, e a oposi<;ao onde o trabalho esta em relac;ao a ele como trabalho ~lhe1o e o l?ro­prio capital esta como propriedade alheia em rela<;ao ao trabalho. E a det~rrmna­~ao opositiva e social que se exprime nele e que, separadamente do propno pro­cesso, se expressa na propriedade do capita/1/9051 como tal.

Esse memento singular, separado do proprio processo capitalista de produ­<;ao, de que e resultado continuo e e, como resultado continuo, sua ~ontfnu~ pres­suposic;ao, encontra sua expressao em que o dinheiro [e] a mercado~a em 51 cons­tituam /atentemente capital, em que possam ser vendidos como cap1tal e que nes­sa forma representem a mera propriedade do capital, o capitalista co~o mer~ pro­prietario, tirante sua fun~ao capitalista - os quais, considerados em s1,. constitue~ comando sobre trabalho alheio, portanto, valor autovalorizante proporc~onando dl­reito a apropria~ao de trabalho alheio.

Tambem surge aqui claramente que essa re/aqao e o tftulo e o meio de apro­pria~ao do trabalho alheio, nao qualquer trabalho ou compensa~ao provenientes da parte do capitalista. .

Os juros aparecem pois como a mais-va/ia devida ao capital como cap1tal!. a mera propriedade do capital, [mais-valia] que este extrai do processo de produ~ao, porquanto nele entra como capital, cabendo, por conseguinte, ao capital como tal, independentemente do processo de produ~ao, embora somente neste revele suas qualidades; uma mais-valia que portanto ja esta contida n.o cal?ital latentemente. <? /ucro industrial, ao contrario, [aparece] como parte da ma1s-valia que cabe ao capl­talista nao como proprietario do capital, mas como proprietario em func;ao, capital em tu'n~ao. Assim como nesse modo de produ~ao tudo se apresenta de maneira in­vertida, tambem por fim [se da] a ultima inversao na rela<;ao entre juro e lucro; a parte do lucro, destacada sob uma rubrica particular Ouro ], se apresenta com?. pro­duto pertencente especificamente ao capital, e o lucro industrial como adic1onal simplesmente implantado nele.

Ja que o capitalista de dinheiro cobra sua parte na mais-valia somente como proprietario de capital, permanecendo fora do proprio processo de . produ~ao; ja que o pre~o do capital - isto e, o mero titulo de propriedade do capttal - e cota­do no mercado de dinheiro como taxa de juros, como o pre~o de mercado de qual­quer outra mercadoria; ja que a participa~ao na mais-valia que proporciona o capi­tal em si, a mera propriedade do capital, constitui, portanto, uma dada grandeza, enquanto a taxa de lucro oscila a todo momento, sendo diferente nas diferentes es­feras e para cada capitalista da mesma esfera, porquanto eles [os capitalistas] ja produzem em condi~oes mais ou menos favoraveis, ja exploram o trabalho de ma­neira capitalista em diferentes graus de perspic;kia e energia, ja ainda logram enro­lar compradores e vendedores de mercadorias com diferentes graus de sorte e es­perteza [lucro sobre a expropria~ao, a aliena~ao (profit upon expropriation, aliena­tion)]. Assim, a eles, proprietaries ou nao do capital em processo, lhes parece natu­ral [que] os juros sejam atribufdos ao capital como tal, a propriedade do capital, ao proprietario do capital, este sendo ele proprio ou urn terceiro; enquanto o lucro in­dustrial, ao contrario [lhes seja atribufdo], como produto de seu trabalho. Eles se confrontam pois como capitalistas em fun~ao - agentes efetivos da produ~ao capi­talista - consigo proprios ou com outros, como mera existencia ociosa do capital, por isso, como traba/hadores [confrontam-se] consigo mesmos ou com outros na

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qualidade de proprietaries. E uma vez que sao trabalhadores, sao de fato assalaria­dos e, por causa de sua excelencia particular, apenas trabalhadores assalariados melhor remunerados, o que alias devem, em parte, a circunstancia de serem eles mesmos que se pagam o proprio salario.

Enquanto o juro e o capita/ que aufere juros exprimem a mera oposi~ao da ri­queza objetiva contra o trabalho e com isso seu modo de existencia como capita/, na representa<;ao isso se inverte, na medida em que o fenomeno mostra primeira­mente o capitalista de dinheiro de todo desvinculado do trabalhador assalariado relacionando-se apenas com outros capitalistas. Esse outro, em vez de estar e~ oposi~ao ao trabalho assalariado, se situa, ao contrario, como traba/hador em opo­si~ao a si mesmo ou a outros [capitalistas], como mera existencia do capital mero proprietario dele. Acresce ainda que o capitalista individual pode, quer emprestar seu dinheiro como capital, quer ele proprio o empregar como capital. Na medida em que retira juros, esta so obtendo o seu prec;o, o qual tambem obteria se nao "funcionasse" como capitalista, se nao "trabalhasse". E claro, portanto, que aqui­la que tira propriamente do processo de produc;ao apenas na qualidade de juros deve-o exclusivamente ao capital e nao ao proprio processo de produc;ao, 119061 nao a si mesmo como representante do capital em funcionamento.

Dar a bela frase que se encontra em alguns economistas vulgares: Nao tirasse o capitalista industrial nenhum lucro alem dos juros, faria seu capital render juros e viveria de rendas. De modo que todos os capitalistas cessariam de produzir e todo capital a funcionar como capital; embora sendo possfvel viver de seus juros. Ja Tur­got ~disse] de maneira semelhante: Se o capitalista nao recebesse juro algum, com­prana terras [renda capitalizada] e viveria de renda fundiaria. Aqui, porem, o juro e derivado da mais-valia, representando, entre os fisiocratas, a renda fundiaria a mais-yalia efetiva. Enquanto se da o inverso naquela concep~ao vulgar. '

E de notar outra circunstancia: para o capitalista industrial, que tomou dinhei­ro emprestado, os juros entram nos custos, estes agora entendidos como valor adiantado. Urn capital, por exemplo, de 1 000 libras, nao entra como uma merca­doria no valor de 1 000 Iibras na sua produ<;ao, mas como capital - pois urn capi­tal de 1 000 Iibras a 10% de juros anuais entra no valor de 1100 Iibras no produto anual. Aqui se toma claro que a soma de valor [e as mercadorias nas quais e repre­sentada] nao se transforma em capital somente no processo de produc;ao, mas co­mo capital, constitui uma pressuposi<;ao desse processo e, por conseguinte, ja incor­porando a mais-valia que !he e devida como capital. Para urn industrial, que traba­lha com capital emprestado, entram em seus custos os juros ou o capital como ca­pital - que o e somente enquanto produz mais-valia [de modo que 1 000 Iibras como mercadoria, por exemplo, valem 1100 Iibras como capital, isto e, 1 000 + 1000 c W = C -+- ;l. Se no produto apenas resultassem os juros, estes seriam urn

acrescimo sobre o valor ·adiantado, calculado como mera mercadoria; nao (seriam] porem [urn acrescimo] sobre o valor dessa mercadoria como calculado pelo capita­lista. Este tern de desembolsar essa mais-valia que pertence aos adiantamentos as despesas feitas para produzir a mercadoria. '

No que respeita ao industrial, que trabalha com capital proprio, este deve pa­gar a si mesmo os juros pelo capital, considerando-o como urn adiantamento. 0 que adiantou, de fato, nao e somente urn capital, por exemplo, do valor de 1 000 libras mas o valor de 1 000 Iibras como capital, valor de 1 050 libras se os juros fo­rem de 5%. Esta nao e uma reflexao futil para ele. Pois as 1 000 Iibras Ihe trariam 1 050 Iibras como capital, se as emprestasse ao inves de emprega-las produtiva-

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mente. Ao adiantar as 1 000 Iibras a si proprio, como capital, esta adiantando-se 1 050 Iibras. E precise recuperar as custas de alguem, t;nesmo 9ue. s~ja as c~stas de sua propria pessoa (II faut bien se rettraper sur quelqu un et jUsse-t-11 sur lw me-me). . .

0 valor de mercadorias de 1 000 Iibras equivale, como capital, a 1 050 Iibras. lsso significa que o capital nao e urn ·numero simples, um.a mercadoria simples, mas uma mercadoria potencializada. Nao e uma grandeza stmples, mas uma r~la­c;ao entre grandezas. E a relac;ao de uma soma principal, urn valor dado, constgo

1 mesma na qualidade de mais-valia. 0 valor de C e C(1 + x) (por 1 ano) ou

c + ~ . Como na equac;ao ax = n, 0 X nao e compreensfvel ou dedutivel pelas

opera~oes simples de calculo, do mesmo modo nao o e a mercadoria potencializa­da o dinheiro potencializado, o capital.

' Exatamente como nos juros, uma parte do lucre, da mais-valia produzida pelo capital, parece ter sido adiantada pelo capitalista; o mesmo parece acontecer •. na produc;ao agricola, com outra parte, a renda do terra. Apresenta-se com uma trra­cionalidade menos evidente, pais a renda aparece aqui como prec;o anual da terra, que desse modo penetra na produc;ao como mercadoria. Maier irracionalidade resi­de entretanto no "prec;o da terra" do que no "prec;o do capital", nao porem na propria forma. Pois a terra aparece como valor de uso de uma mercadoria e a ren­da como seu prec;o. [0 irracional esta em que aquila que nao e pro~uto .de traba­lho - a terra - passa a ter urn prec;o, ou seja, valor expresso em dmherro e, por conseguinte, a ser considerado urn valor, trabalho social objeti~ado]. Segundo a forma exterior, como qualquer mercadoria, [tern] dupla expressao, como valor de uso e valor de troca; e o valor de troca se exprime idealmente como prec;o, como alga que a mercadoria como valor de uso nao o e absolutamente. No entanto, n~ expressao 1 000 Iibras igual a 1 050, Iibras ou 50 Iibras e o prec;o anual de 1 000 It­bras, o mesmo e referido ao mesmo, o valor de troca ao valor de troca, e o valor de troca e tide como diferente de seu proprio prec;o, isto e, o proptio valor de tro-ca expresso em dinheiro.

//907/ Aqui, portanto, duas formas de mais-valia - jura e renda, resultados da produc;ao capitalista - penetram nela como suas pressuposic;oes, adiantamen­tos feitos pelo proprio capitalista. Estes, portanto, de modo nenhum se !he apresen­tam como mais-valia, excedente sabre o valor dos avanc;os feitos. Nessas formas da mais-valia, ao proprio capitalista individual parece que a produ<;ao de mais-va­lia pertence aos custos de prodw;iio da preduc;ao capitalista, que a aprepriac;ao do trabalho alheio e o acrescimo sabre o valor das mercadorias consumidas no proces­so [quer entrem no capital constante _ quer no :'ariavel] :onstitue~ u~a condic;a? predominante desse modo de produc;ao. Tudo tsso tambem se evtdencta na me?t­da em que o lucre medic constitui urn elemento do prec;o de custo da mercadona, portanto, uma condic;ao do fornecimento (condition of suply) da propria criac;ao da mercadoria. Mas, mesmo assim, com razao o capitalista industrial considera esse acrescimo, essa parte da mais-valia - que, contudo, constitui urn elemento da pro­pria produ<;ao - , como excedente sabre seus custos e nao, como no caso d~ .Jura e da renda, pertencendo a seus adiantamentos. De fato, nos mementos entices, tambem o lucre se defronta com ele, na qualidade de condi<;ao da produc;ao, na medida em que se da a contra<;ao ou a interrupc;ao da produc;ao, por causa de uma queda de prec;o que o engole ou notadamente o contrai. Oaf a asneira daque­les que consideram as varias formas de mais-valia como meras formas de distribui­c;ao. Sao igualmente formas de produc;ao.

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1193_71 Poderia parecer que na trindade terra-renda, capital-lucre Ouros), traba­lho-salano, fosse o ultimo membra o mais racional. Enuncia-se ao menos a fonte donde flui o salario. Mas a ultima iorma e antes a mais irracional e o fundamento das ou.tras duas, como trabalho assalariado e o preduto como capital. 0 trabalho e assalanado somente quando se defronta com suas condic;oes sob essa forma. No entanto, como trabalho assalariado, se expressa na forma trabalho-salario. Apare­cendo o salario aqui como o produto especffico do trabalho, como o unico produ­to do mesmo [isto e, com efeito, o unico produto do trabalho para o trabalhador assalariado]; as outras partes do valor - renda, lucro {juro} - aparecem com a mesma necessidade, fluindo de outras fontes especfficas. Da mesma form'a como se compreende como o produto especifico do trabalho aquela parte do valor do preduto que se resolve em salario, as partes do valor que se resolvem em renda e Iuera devem ser compreendidas como resultados especfficos dos agentes para os quais existem, aos quais revertem, ou seja, como rebentos da terra e do capital res­pectivamente.

[4. 0 processo de ossifica~iio dasjormas transformadas da mais-valia e o progressivo ajastamento de sua essencia intema: do mais-trabalho. 0 capital a juros como ultimo degrau desse processo. Concep~iio apologetica do lucro industrial como "salario do capitalista"]

//910/ Examinemos o caminho que o capital percorre antes de aparecer sob a forma de capital a juros.

No processo imediato de produc;ao, a coisa ainda e simples. 0 valor exceden­te ainda nao assumiu uma forma particular, alem daquela de pr6prio valor exce­dente, forma que o distingue exclusivamente do valor do produto enquanto equi­valente do valor nele repreduzido. Ja que o valor em geral se resolve em trabalho tambem o valor excedente, em trabalho excedente, em trabalho nao pago. Portan~ to, o valor excedente so e medido por essa parte do capital que realmente muda de valor - o capital variavel, parte do capital investido em salario. 0 capital cons­tan!e ~l?arece apenas como condi<;ao para deixar agir a parte variavel do capital. E mUJto stmples: se comprarmos com 100 [Iibras] trabalho de 10 [homens], o traba­lho de 20 [isto e, a mercadoria em que e contido o trabalho de 20], o valor do pro­clute equivale a 200 eo valor excedente de 100 Iibras ao trabalho nao pago de 10 [homens]. Ou ainda, se 20 homens trabalharem, cada urn trabalha para si apenas 1)1eio dia, para o capital a outra metade. Vinte metades de dia sao iguais a 10 dias. Eo mesmo como se so 10 homens fossem pages e 10 trabalhassem de grac;a para o capitalista.

Nesse estado embrionario a relac;ao ainda e muito inteligfvel, ou melhor in­confundfvel. A dificuldade reside apenas em apontar como essa apropriac;ao do' tra­balho, sem equivalente, resulta da lei de trocas das mercadorias - [do fate] de que as mercadorias se troquem em rela<;ao ao tempo de trabalho nelas contido -[em apontar] como tudo isso por ora nao contradiz essa lei.

//9111 0 processo de circulac;ao ja desmancha, turva a conexao. Uma vez que a massa da. mais-valia tambem se determina pelo tempo de circulaf$iio do capital, parece que mcorpora urn elemento estranho ao tempo de trabalho.

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Finalmente, no capital acabado, que aparece como um todo, unidade do pro­cesso de circulac;ao e de produ~ao, expressao do processo de reproduc;ao - deter­minada soma de valor que, num determinado perfodo, numa det~rminada frac;ao da circula~ao, produz determinado lucro [mais-valia] - nessa figura, o processo de produc;ao e o de circula~ao somente existem ainda como recordac;ao, momen­tos que de modo uniforme determinam a mais-valia, fato pelo qual se encobre sua natureza simples. A mais-valia aparece agora como lucro. Tal lucro e 1} referido a uma frac;ao determinada da circulac;ao do capital, diferente do tempo de trabalho; 2} a mais-valia nao e calculada e referida a parte do capital donde nasce imediata­mente, mas indiferencialmente a lodo capital. Com isso sua fonte e totalmente obs­trufda. 3) Embora nessa primeira forma do lucro, a massa do lucro ainda seja quan­titativamente identica a massa da mais-valia produzida por esse capital particular, a taxa de lucro difere de antemao da taxa de mais-valia. A taxa de mais-valia e igual

a m e a taxa de lucro igual a m+ . 7 4} Se pressupusermos dada a taxa de mais-v c v valia, a taxa de lucro pode subir ou baixar e mesmo em sentido inverso a taxa de mais-valia.

Assim a mais-valia apresenta, ja na primeira figura de lucro, uma feic;ao que alem de nao deixar reconhecer de imediato sua identidade com mais-valia, traba­lho excedente, parece nega-la de maneira direta.

Ademais, gra~as a transformac;ao do lucro em lucro medio, grac;as a constitui­c;ao da taxa geral de lucro e a transformac;ao, vinculada ou posta, dos valores em prec;os, de custo, o lucro do capital particular torna-se diferente da propria mais-va­lia que o capital particular gerou em seu ramo especffico de produc;ao; [diferente] nao apenas segundo sua expressao, como diferenc;a da taxa de lucro e da taxa de mais-valia, mas segundo sua substancia; isso significa aqui segundo a quantidade. Para o capital unitario e tambem para o capital global, considerado dentro de uma esfera particular, o lucro nao apenas parece ser mas de fato e diferente da mais-va­lia. Capitais de mesma grandeza fornecem o mesmo lucro, ou o lucro esta na pro­porc;ao da magnitude dos capitais. Em outras palavras, o lucro e determinado pelo valor do capital adiantado. Em todas essas express6es a relac;ao do lucro com a composic;ao orgimica do capital se encontra completamente apagada, irreconhecf­vel. 0 que sobretudo se manifesta de imediato e que capitais de igual grandeza, que movimentam quanta muito diferentes de trabalho, comandam pois quanta muito diferentes de trabalho excedente, gerando portanto quanta muito diferentes de valor excedente, auferem lucros de igual grandeza. Por certo pela transforma­c;ao dos valores em prec;os de custo, a propria base - a determinac;ao do valor das mercadorias pelo tempo de trabalho nelas contido - parece superada.

Nessa forma completamente alienada do lucro, e no mesmo grau em que a fi­gura do lucro esconde seu m1cleo fntimo, o capital adquire cada vez mais uma figu­ra de coisa, cada vez mais passando de relac;ao a coisa, que todavia traz em seu corpo a relac;ao social, devorada, coisa que, com vida e _autonomia fictkia, se rela­ciona consigo rhesma, [urn] ser sensfvel-supra-sensfvel. E nessa f9rma de capital e lucro que aparece na superffcie como pressuposi<;ao ja pronta. E a forma de sua efetividade ou, antes, a forma de sua existE'mcia efetiva. E a forma em que vive na consciencia de seus portadores, dos capitalistas, em que se retrata em suas repre­sentac;oes.

Essa forma fixa e ossificada [metamorfoseada] do lucro [e com isso do capital

7 m = mais valia; v = capital vanavel, isto ~. capital pago em salanos: c = capital constante, isto ~. capital que paga os meios de produ~l!o. (N. dos T.)

0 RENDIMENTO E SUAS FONTES 209 como seu produtor, pois o. capital e. o fundamento, o lucro, a decorrencia; 0 capi­tal, a causa~ o lucro, o ef~1to; o cap1tal, a substancia, o lucro, o acidente; 0 capital somente exu~te. como cap1tal produtor de lucro, como valor que cria um lucro, um valor de acresc1mo] - e com isso do capital como seu fundamento do capital que se conserva :o':lo capital e se multiplica no lucro - {essa forma] se reforc;a ainda em sua extenondade porque o mesmo proce.sso de igualac;ao do capital que da ao lucro a forma de lucro medio, separa dele uma de suas partes sob a forma de renda, como crescendo autonomamente em outro solo, a terra. Originariarnente a renda se apresenta, contudo, como parte do lucro que o lavrador paga ao senhor da t~n:a. Mas como nem o lavrador embolsa esse lucro excedente, nem o capital se d1stingue, d~ alg~ma maneira, enquanto capital, de outro capital (sendo o lucro exceden~e ~ev1do nao ao capital como capital, paga-o por certo ao senhor da ter­ral •. a p~opna terra aparece como fonte dessa parte do valor da mercadoria (de sua ma~s-~a~Ja] e o senhor da terra, representa apenas a terra //912/ como personalida­dejund!ca.

Se a renda f?r calculada sobre o capital adiantado, [permanece] ainda urn fio lembrando sua onge~ c?mo parte separada do lucro, ou seja, da mais-valia em ge­ral. (Naturalmente [e) dJferente numa situac;ao social onde a propriedade fundiaria explora ~ trabalho dtretamente. Nela nao ha dificuldade em se reconhecer a ori­gem da nqueza excedente (surplus wealth).) Mas a renda e paga por determinado quantur7! de chao, capitalizada segundo o valor da terra, o qual sobe e baixa na proporc;ao_ ~m. que_ sobe ou baixa a renda e esta sobe ou baixa em relac;ao a mes­ma supe~1c1e 1mut~vel da terra (enquanto o capital que nela trabalha (e] uma gran­deza vanavel}. A d1feren~a das especies de terra se mostra na importancia da ren­da que_ tern de ser paga por urn dado m1mero de pes quadrados. 0 rendimento global e calculado sobre a · superfkie total para determinar o rendimento medio por exen:pt~. de urn pe quadrado. A renda aparece como cada uma das figura~ que a. propna produc;ao capitalista cria, simultaneamente como pressuposi<;ao fixa, dada a mao a qualquer momento e, por conseguinte, a mao de maneira indepen­dente para qualquer pessoa. 0 lavrador ha de pagar renda, tanto por medida de terra e sempre conforme a qualidade de terra. Se esta subir ou baixar, a renda a ser paga por tan.tos acre~ sobe ou baixa, pagando pela terra sem considerar 0 capi­tal que _nela aphca, prec1samente como ha de pagar juros sem considerar o lucro que obtem.

0 calculo da renda sobre o capital industrial ainda e uma formula crftica da economia polrtica que mantem a conexao fntima da renda com o lucro este e 0 seu chao. Na realidade, porem, nao aparece essa conexao, ao contrari~. a renda se mede pelo. s~lo real. Com isso, toda a mediac;ao e cortada, complementando-se ~ fi~ur~ extenonzada e aut6noma. A renda s6 e essa figura aut6noma nessa exte­nonzac;ao e separac;ao total de sua mediac;ao. Tantos pes quadrados auferem tanto de renda. ~essa expressao em que uma parte da mais-valia - a renda - se apre­senta relac1onada com um determinado elemento da natureza, independentemen­te ?o traba/ho humano, nao somente se apaga por completo a natureza da mais­vali~, porquan!o se apaga a do proprio valor, mas o proprio lucro aparece agora ~ev1d? a<: cap1tal, elemento objetiuo especfjico do produr;iio, assim como a renda e dev1da a terra. 0 capital consiste em produtos e estes trazem lucros. Que urn va­lor de uso produzido ~aga lucros e outro nao produzido traga renda, constituem apenas du~s for~as d1ferentes de as coisas criarem ualor, uma forma sendo tao comP.reens1vel e tao incompreensfvel quanto a outra .

. E claro qu~ tao logo a mais-valia se quebre em diversas [partes] particulares, r~fenndo-s~ a d1versos elementos da produc;ao, elementos distintos so do ponto de u1sta matena/ como natureza, produtos, trabalho -; tao logo em geral adquira figu-

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ras particulares indiferentes umas em rela~o as outras, mutuamente independen­tes e reguladas por leis diferentes, sua unidade comum - a mais-valia - e portan­to a natureza dessa unidade comum se tomam cada vez mais irreconhecfveis, dei­xando-se de mostrar na aparencia mas devendo antes ser descobertas, como urn misterio oculto. Essa autonomiza~ao da figura das partes particulares - e seu con­fronto como figuras autonomas - se completa porque cada uma dessas partes e reduzida a determinado elemento como a sua medida e sua foote particular, per­que cada parte da mais-valia se apresenta como efeito de uma ~ausa particular, co­mo acidente de uma substancia particular. Assim o lucro-capital, renda-terra, sala­rio-trabalho.

E sao essas rela~oes e formas constitufdas que aparecem na produ~o real en­quanto pressuposi~oes, pois o modo capitalista de produ~o se movimenta dentro de figuras criadas por ele proprio, e estas, seu resultado no processo de reprodu­~ao, confrontam-se igualmente com ele enquanto pressuposi~oes ja constitufdas. Assim sendo, determinam praticamente a a~ao e os movimentos dos capitalistas in­dividuals etc., fomecem os motives na forma em que se espelham em sua cons­ciencia. A economia vulgar nada mais faz do que exprimir, de· forma doutrinaria, essa consciencia, enquanto confinada em seus motives e suas representa~oes, a aparencia do modo capitalista de produ~o. Quanto mais e sem profundidade sua dependencia da superffcie, repetindo-a apenas numa determinada ordem, tanto mais ela se imagina "natural" e distante de toda sutileza abstrata.

//913/ E de notar ainda, a respeito do que acima foi dito sobre o processo de circula~ao, que as determina~oes resultantes do processo de circula~ao se cristali­zam como propriedades de determinadas especies de capital - fixo, circulante etc. - e assim permanecem como dadas propriedades pertencentes materialmente a determinadas mercadorias.

Se, na figura final em que o lucro, pressuposto como dado, aparece na produ­<;ao capitalista, as muitas transforma~6es e media<;6es, que ele percorre, se apa­gam e se tomam irreconhecfveis - o mesmo acontecendo com a natureza do capi­tal -; se essa figura se fixa mais fortemente ainda em virtude de esse processo, que lhe da seu acabamento ultimo, contrapor-lhe uma parte do lucro na qualidade de renda, tomando-a uma forma particular da mais-valia, inteiramente referida ago­ra ao capital como urn instrumento material e particular de produc;ao, como exata­mente a renda se ve referida a terra - entao essa figura, separada de sua essencia fntima por uma multidao de invisfveis elos intermediaries, vai atingir uma forma ain­da mais exteriorizada, ou, antes, a forma de exterioriza~ilo absoluta no capital a ju­ros, a parti~o em lucro e juro, no capital a juros como figura simples do capital, fi­gura em que o capital e pressuposto a seu proprio processo de produ~ao. De urn !ado, isso expressa a forma absoluta do capital: D - D' . Valor autovalorizante. De outro, caiu o intermediario M que ainda no capital comercial puro continua a exis..­tir, D- M - D'. E apenas a rela~ao de D consigo mesmo e medido por si mesmo. E o capital explicitamente separado, tirado fora do processo - como suposi~o do processo, seu resultado, no qual e pelo qual e exclusivamente capital.

[Aqui] se abstrai o juro ser apenas transferencia, nao precisando exprimir mais-valia efetiva, como acontece com urn dinheiro emprestado a urn "esbanja­dor" , isto e, dinheiro emprestado para o consume. 0 mesmo contudo pode dar-se quando e emprestado para urn pagamento. Nos dois casos e emprestado como di­nheiro e nao como capital, mas se transformando em capital para quem o possui gra~as ao mero ato de emprestar. No segundo caso, num desconto ou emprestimo sobre mercadorias temporariamente invendaveis (discount, oder loan on tempora­neously not uendible commodities) pode referir-se ao processo de circula~ao de ca­pital, a necessaria transforma~ao do capital de mercadorias como capital de dinhei-

J.

0 REND I MENTO E SUAS FONTES 211

ro. ~a medida em que a acelera~ao desse processo de transforma~ao - como no credtto_, cor~forme _sua. essencia geral - acelera a reprodu~o. ou seja, a produ~ao de mats-vaha, o dmhe1ro emprestado e capital. Na medida, porem, em que apenas serve para pagar dfuidas, sem acelerar o processo de reprodu~o. impedindo-o ou talv~z o estreitando, consiste apenas em mero meio de pagamento, tao-somente di­nhe_Iro para quem toma emprestado e para quem empresta e um capital, com efei­to, mdependente do processo do capital. Nesse caso o juro, assim como o lucro so­bre a expropria~ao, consiste num fato independente da produ<;.ao capitalism como tal - da pr~du~o de mais-valia. Ess~s duas formas de dinheiro, meios de compra de me~cadonas para o consume e me1os de pagamento de dfvidas - em que o ju­ro, ass1m como o lucro sobre a expropria~ao, constitui uma forma que, embora se reproduzindo na produ~o capitalista, e independente dela - , pertencendo a mo­dos ma~s a~tigos de produ<;ao: Mas reside na natureza da produ~ao capitalista po­d~r o dt~he1ro ~ou a mercadona] ser capital fora do processo de produ~ao, ser ven­d:_do _como capital, o que tambem pode acontecer em formas mais antigas, em que nao e transformado em capital, mas serve apenas como dinheiro.

. A_ terce_ira fo~a m~i~ antiga do capital a juros se baseia no fato de a produ~ao cap1ta~1S~ amda nao ex.Istir, sendo porem o lucro embolsado sob a forma de juro e o caJ;ntalista aparec_endo como simples usurario. lsso importa em: 1) que o produ­tor amda trabalha mdependentemente, com seus pr6prios meios de produ~o es­tes ainda nao trabalham com ele (mesmo quando escravos pertencem a ~sses meios de produ~ao, esses escravos nao formam uma categoria economica particu­lar como nao o formam os animals de trabalho: no maximo ha uma diferen~a ma­terial, instrumentos mudos, sensfveis, falantes); 2) que os meios de produ~ao !he perten~am apenas nominalm~nte, isto e, que por circunstancias quaisquer seja in­capaz de reproduzi-los a partir da venda de suas mercadorias. Estas sao pois for­mas do capital a juros em todas as formas sociais em que ha circula~ao de merca­dorias ou ainda circule dinheiro, quer prevale~a nelas o trabalho escravo servil ou livre. Na ultima forma mencionada, o produtor paga seu trabalho excede~te ao ca­pitalista na forma de juro que, portanto, inclui o lucro. Aqui temos //914/ toda a produ~ao capitalista sem suas vantagens, o desenvolvimento das formas socials do trabalho e das for~as produtivas do trabalho que delas brotam. Uma forma muito freqtiente entre os povos agricultores que, entretanto, ja devem comprar parte de seus meios de subsistencia e instrumentos de produ~ao como mercadoria, ao lado da qual, portanto, existe separadamente uma industria urbana que, alem disso, de­ve pagar 1mpostos, renda em dinheiro etc.

0 capital a juros somente se afirma como tal na medida em que o dinheiro emprestado e efetivamente transformado em capital e produz urn excedente de que o juro e parte. Mas isso nao impede que, independentemente do processo o juro e a capacidade de auferi-lo tivessem nele se enraizado como uma propried~de sua. Tampouco suprime o valor de uso do algodao, como algodao, que necessita ser fiado ou usado de outra maneira para confirmar suas qualidades uteis. Assim o capital [prova] sua for<;a criadora de juros somente ao passar para o processo de p~odu~o. No entanto, a capacidade de trabalho tambem confirma sua for<;a de cnar valor somente ao ser ativada, realizada no processo como trabalho. Isso nao exclui que em si, como capacidade, seja atividade criadora de valor e nao apenas ven~a a se-lo como tal gra~as ao processo, ao contrario, lhe e pressuposto. Como tal e com~rado. Alguem pode compra-lo tambem sem faze-lo trabalhar [por exem­plo, ~m d1retor de teatro que compra urn ator, nao para faze-lo representar mas pa­ra pnvar urn teatro concorrente dessa atua~o]. Se aquele que compra a capacida­de de trabalho faz uso da propriedade (Eigenschaft) que paga, a propriedade de criar valor, isso nao diz respeito ao vendedor nem a mercadoria comprada, tam-

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pouco se quem compra capital o utiliza como capital, ativando portanto no pro~es­so a propriedade nele inerente de criar valor. 0 que paga em ambos os casas e 1) a mais-valia que em si, segundo a possibilidade e segundo a natureza da mercado­ria comprada, esta inclufda, de urn !ado, na capacidade de trabalho, de outro, no capital, 2) e a faculdade de conservar seu proprio valor. Por isso t~mb~m o c;api~­lista trabalhando com capital proprio considera uma parte da ma1s-vaha como JU­ras, isto e, como mais-valia, que resulta do processo de produ¢o, porque o capi-tal, independente do processo, a introduziu nele. . .

A renda da terra e a rela¢o terra-renda pode parecer uma forma mUlto ma1s misteriosa do que a [forma] juro, [a rela~ao] capital-jura. Mas o irracional nao se exprime ou se afigura na forma da renda da terra de maneira a expressar uma rela­~ao do proprio capital. Ja que a pr6pria terra e produtiva [de v~lor d_e uso], j~ que ela propria e uma for~ produtiva viva [de valor de uso ou servmdo a produ~ao de valores de usa] toma-se possfvel, de urn lado, confundir supersticiosamente valor de uso com valor de troca, a coisa com uma forma especificamente social do traba­lho contido no produto - a irracionalidade encontra entao sua razao em si mes­ma, enquanto a renda, como forma sui generis, nao tern nada a ver com o proces­so capitalista como tal. De outro, a economia "esclarecida", em virtude da falta de rela~ao da renda com o trabalho ou com o capital, pode negar que a renda seja de todo uma forma do valor excedente, explicando-a como mera sobrecarga sabre o pre~o (surcharge of price), para a qual o monopolio da propriedade fundiaria capa­cita o proprietario da terra. 0 que e diferente do caso do capital a juros.

Nao se trata aqui de uma rela¢o alheia ao capital, mas da propria rela¢o do capital proveniente da produ¢o capitalista e que lhe e peculiar, e exprime a essen­cia do proprio capital e da figura do capital onde ele aparece como capital. 0 lucro contem sempre ainda uma referenda ao capital em processo, ao processo em que a mais-valia e produzida. No capital a juros a figura da mais-valia nao se alienou, nao se tomou estranha como no Iuera, sem imediatamente dar a conhecer sua figu­ra simples e com isso sua substancia e o fundamento de sua forma~ao. No juro, ao contrario, essa forma alien~da esta pasta, presente e formulada explicitamente co­mo o essencial. Esta fixada, tomada autonoma de modo contrario a verdadeira na­tureza da mais-valia. No capital a juros se apaga a rela~ao do capital com o traba­lho. De fato, o juro p.fessupoe o Iuera do qual constitufa apenas uma parte, e a ma­neira ·como a mais-~alia //915/ se divide em juro e h,.1cro, entre as varias classes de capitalista, e, com E:deito, par completo indiferente ao trabalhador assalariado.

0 juro e explicitamente posto como rebento do c~pital, separado independen­te, fora do proprio processo capitalista. Cabe ao ~apital como capital. Penetra no processo de produ¢o e portanto dele tambem resulta. 0 capital esta gravida dele. Nao tira o juro do processo de produ¢o mas o introduz nele. 0 excedente do Iu­era sabre o juro, o quantum de mais-valia, que o capital deve ao processo de pro­du~ao e somente cria como capital em funcionamento, assume frente ao jura -como cria~ao do valor que cabe ao capital em si, ao capital para si, ao capital com o capital - uma figura especial, a de /ucro industrial [Iuera de empreendimento, in­dustrial ou comercial, sempre em conformidade ao relevo dado ao processo de produ~ao ou ao processo da circula~ao]. Com isso tambem a ultima forma de mais-valia, que de algum modo ainda lembra sua origem, e isolada e concebida, nao somente de modo alienado, mas de forma articulada em contraste direto com ela, daf ser inteiramente mistificada a natureza do capital e da mais-valia, assim co­mo da produ~ao capitalista em geral.

0 Iuera industrial, contrastando com os juros, representa o capital em proces­so em contraste com o capital fora dele, o capital como processo em contraste com o capital enquanto propriedade, portanto, o capitalista enquanto capitalista em fun-

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¢o, representante do capital em trabalho, em contraste com o capitalista na quail­dade de mera personifica~ao do capital, de mero proprietario do capital. Assim apa­rece como capitalista trabalhador frente a si pr6prio como capitalista; portanto ain­da como trabalhador frente a si proprio como mero proprietario. Na medida em que ainda e mantida uma rela~ao da mais-valia com o processo, [este] aparece, acontece justamente na forma em que a propria no¢o de mais-valia e negada. 0 lucro industrial se resolve em trabalho, nao porem, em trabalho alheio, noo pago, mas em traba/ho assalariado, em salario para o capitalista que, com isso, cai na mesma categoria de trabalhador, assalariado, [apresentado] apenas num tipo me­thor de trabalhador assalariado, ja que em geral o salario e muito diferente.

De fato, nao e em virtude de o dinheiro transformar-se em capital, de ser subs­tituldo pelas condi~oes materials da produ~ao da mercadoria, que tais condi~oes - materia-prima, meios de trabalho, trabalho - entram em fermenta~ao no pro­cesso de trabalho, agem uma sabre a outra, associam-se, incorrem num processo qufrriico e precipitam a mercadoria como o crista! desse processo. Assim nunca re­sultaria num capital, numa mais-valia. Essa forma abstrata do processo de trabalho e, entretanto, comum a todos os modos de produ¢o, seja qual for sua figura so­cial ou sua determina~ao historica. Tal processo toma-se processo capitalista, o di­nheiro transforma-se em capital somente se: 1) a produc;oo de mercadorias, a pro­du~ao do produto como mercadoria, for a forma geral da produ~ao; 2) se a merca­doria [dinheiro] for trocada pela capacidade de trabalho [portanto, de fato, pelo tra­balho] como mercadoria, se o trabalho for, em conseqliencia, trabalho assalariado; 3) mais isso somente acontece se as condi~oes objetivas, portanto [considerando todo o processo de produ~ao], os produtos do proprio trabalho, se defrontarem [com ele] na qualidade de poderes independentes, sua nao-propriedade, proprie­dade alheia e assim segundo a forma, capital.

0 trabalho como trabalho assalariado e as condi~6es do trabalho como capital - porquanto [essas condi~oes], propriedade do capitalista, sao proprietarias de si no capitalista em que se personificam e em que se apresentam como propriedade e como propriedade de si mesma frente ao trabalhador- [ambos] sao expressoes da mesma rela¢o, somente a partir de seus diferentes p6los. Essa condi¢o da pro­du~ao capitalista constitui seu resultado constante. Sua pressuposiqao pasta por ela mesma; e pressuposta a si mesma, portanto, pasta segundo suas condi~oes, uma vez desenvolvida e funcionando em circunstancias que lhe sao proprias. 0 proces­so de produ~ao capitalista, contudo, tampouco e urn mero processo de produ~ao; aquela determinidade social que opoe seus elementos somente se desenvolve, se realiza, no proprio processo, o qual e caracterizado completamente por ela, o que torna precisamente esse modo de produ¢o socialmente determinado, o modo ca­pitalista de prodw;iio.

//916/ Na medida em que o capital - nao urn capital determinado mas o capi­tal em geral - esta se formando, e seu processo de formaqao o processo de disso­luqao, o produto de separaqiio de urn modo de produ~ao social que lhe antece­deu._ Portanto processo historico e pertencente a urn determinado perfodo histori­co. E o perfodo de sua genese historica. [Assim e o modo de ser do homem resulta­do de urn processo anterior pelo qual passou a vida organica. Somente num deter­minado ponto se toma homem. Mas uma vez posto, o homem e pressuposto cons­tante da historia humana, do mesmo modo que seu constante produto e resultado; e pressuposiqao somente na medida em que seu proprio produto e resultado.] E apenas aqui que o trabalho tern de separar-se das condi~6es de trabalho na sua forma anterior de identidade com elas. S6 assim se torna trabalho /iure e suas con­di~oes se transformam, enfrentando-o, em capital. 0 processo de vir a ser do capi­tal em capital, ou de seu desenvolvimento antes do proprio processo capitalista de

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produc;ao e sua realizac;ao nesse processo pertencem a dois perfodos diferentes do ponto de vista historico. No ultimo e subentendido, pressuposta sua existencia co­mo exercendo-se. No primeiro, e a precipitac;ao do processo de dissolw;ao de uma forma social diferente. Produto de uma outra [forma], ao inves de ser, como mais tarde, produto de sua propria produc;ao. A produt;ao capitalista trabalha apoiada no trabalho assalariado como base disponfvel, mas ao mesmo tempo sempre repro­duzida por ele. Trabalha portanto tambem apoiada no capital, como figura das con­dic;oes de trabalho, pressuposit;ao deJa, pressuposto que todavia e, exatamente co­mo o trabalho assalariado, sua constante posit;ao, seu produto constante.

Nessa base, o dinheiro, por exemplo, e em si capital, pols as condic;oes da pro­duc;ao em si enfrentam a forma alienada do trabalho, aparecem dlante dele como propriedade alheia e o dominam como tal. 0 capital pode ser vendido entao tam­bern como mercadoria que possui esta propriedade, isto e, pode ser vendido en­quanto capital, como acontece quando se empresta capital a juros.

Ao fixar-se assim o momento da determinat;ao especificamente social do capi­tal e da produt;ao capitalista - uma determinac;ao especificamente social que se expressa juridicamente no capital como propriedade, na propriedade do capital co­mo forma peculiar da propriedade - e portanto desde que o juro aparec;a como aque/a parte da mais-ua/ia que o capital produz na determinac;ao, separada dessa determinac;ao como determinac;ao do · processo em geral, evidentemente a outra parte da mais-valia, o acrescimo do lucro sobre o juro, o lucro industrial, deve apre­sentar-se como valor que nao se origina do capital enquanto capital, mas do pro­cesso de produc;ao separado de sua determinac;ao social, que seu modo espedfico de existencia ja adquiriu na expressao capital-juros. Separadamente do capital, en­tretanto, o processo de produc;ao e processo de traba/ho em geral. [Oaf] o capitalis­ta industrial, enquanto diferente de si mesmo como capitalista, industrial na diferen­c;a de si mesmo como capitalista, proprietario do capital - urn simples funcionario, portanto, no processo de trabalho, nao urn capital em funcionamento, mas urn fun­cionario isolado do capital - urn portador especial do processo de trabalho em ge­ral, traba/hador .. Dado isso, o lucro industrial por fim se transforma felizmente em sa/ario e coincide com o salano comum, do qual so se dintingue quantitativamen­te, e pela forma peculiar de pagamento, pols o capitalista paga a si mesmo ao in­ves de receber seu pagamento.

Nesta ultima cisao do lucro, em juro e lucro industrial, nao se apaga apenas a natureza da mais-valia [e, por conseguinte, do capital), mas se apresenta de modo expresso como algo totalmente diverso.

0 juro exprime uma parte da mais-valia: mera cota do Jucro, posta de lado sob urn nome particular; a cota que cabe ao mero proprietario do capital recolhida por ele. Mas essa divisao meramente quantitativa se transforma de repente numa diuisao qualitatiua, que reveste ambas as partes de uma figura alterada, onde real­mente nenhuma arteria de sua essencia originaria parece mais pulsar. //917/ Isso se confirma, primeiramente, no fato de que o juro nao se apresenta como divisao indiferente a produc;ao, que se da apenas "ocasionalmente", quando o industrial trabalha com capital alheio. Tambem quando trabalha com capital proprio, seu lu­cro se cinde em juro e /ucro industrial, em vista do que a divisao simplesmente quantitativa [se fixa) como qualitatiua, em considerac;ao da circunstancia eventual de o industrial ser ou nao proprietario de seu capital, independentemente da fixa­c;ao da divisao qualitativa resultante da natureza do capital e da propria produt;ao capitalista. Nao constituem tao-somente duas cotas ·do lucro, distribufdas a duas pessoas diferentes, mas duas categorias particulares dele, que se relacionam dife­rentemente com o capital, em conseqilencia, com diferentes determinac;oes do ca­pital. Essa autonomizac;ao, sem levar em conta as razoes desenvolvidas anterior-

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mente, firma-se tanto mais facilmente , quando o capital a juros, como forma histori­ca, apar~ce antes do capital industrial e continua a existir a seu !ado em sua forma antiga. E so no decorrer de seu desenvolvimento que vern a ser subsumido por ele, como uma forma particular da produc;ao capitalista.

A partir da divisao meramente quantitativa se forma, pols, uma cisao qualitati­va. Cinde-se o proprio capital. Na medida em que constitui uma pressuposi~oo da produt;ao capitalista, na medida pois em que exprime a forma alienada das condi­~oes de trabalho, uma rela~i.io especificamente social, realiza-se no juro. Realiza seu carater como capital no juro. De outro !ado, na medida em que funciona no processo, este aparece separado de seu carater especificamente capitalista, de sua determinac;ao especificamente social - como mero processo de trabalho em geral. Na medida, portanto, em que o capitalista intervem nele, nao o faz como capitalis­ta, pols este seu carater e descontado no juro, mas como funcionario do processo de trabal~o em geral, como trabalhador, apresentando-se seu salario no /ucro in­dustrial. E urn modo especial de trabalho - trabalho de direc;ao - , ja que os mo­dos de trabalho sempre diferem uns dos outros.

Nessas duas formas da mais-valia, a natureza desta, a essencia do capital e o carater da produc;ao capitalista, alem de se apagarem por completo, viram-se em seu contrario. No entanto, na medida em que o carater e a figura do capital se completam, nao tern sentido apresentar e exprimir sem qualquer mediac;ao, como a subjetivac;ao das coisas, a objetivac;ao do sujeito, a inversao da causa e do efeito, o quidproquo religioso, a forma pura do capital D - D'. Do mesmo modo, a ossifi­cat;ao das relac;oes, sua apresentac;ao como relac;ao dos homens com coisas de de­terminado carater social, salientada de maneira por completo diferente do que na mistificac;ao simples da mercadoria e da [mistificac;ao] ja mais complexa do dinhei­ro. Completou-se a transubstanciac;ao, o fetichismo.

0 juro em si exprime justamente o modo de existencia das condic;oes de traba­lho enquanto capital, em sua oposic;ao social e sua metamorfose em poderes pes­soais frente ao trabalho e sobre ele. Resume o carater a/ienado das condic;oes de trabalho em relat;ao da atividade do sujeito. Apresenta a propriedade pertencente ao capital ou a simples propriedade de capital como meio de apropriar os produtos do trabalho alheio, como domfnio sobre o trabalho alheio. Mas apresenta esse ca­rater de capital na qualidade de algo que !he cabe fora do proprio processo de pro­duc;ao e que de nenhum modo resulta da determinac;ao espedfica desse proprio processo de produc;ao. Mas, em vez de apresenta-lo em oposi<;ao ao trabalho, o faz sem qualquer relac;ao com ele, mero vfnculo de urn capitalista a outro. Portanto com uma determinat;ao indiferente e extrfnseca a relat;ao do capital com o proprio trabalho. A distribuit;ao do lucro entre os capitalistas e indiferente ao trabalhador como tal. No juro, portanto, naquela figura do lucro em que o carater opositiuo do capital assume uma expressao particular, assume uma expressao onde essa oposi­c;ao e completamente apagada e explicitamente abstrafda. Na medida em que [o capital], alem da capacidade do dinheiro, da mercadoria etc. , de valorizar o pro­prio valor, apresenta em geral a mais-valia como se brotasse dele, seu fruto natu-· rat, constituindo pols mera expressao da mistificac;ao do capital em sua forma mais extrema: na medida em que em geral apresenta uma relat;ao social enquanto tal - exprime //918/ apenas uma relac;ao entre capitalistas, nunca entre capital e tra­balho.

De outro !ado, essa forma do juro da a outra parte do lucro a forma qualitati­ua de /ucro industrial, de salario para o trabalho do capitalista industrial, nao en­quanto capitalista, mas enquanto traba/hador [industrial). As func;oes particulares que o capitalista como tal deve desempenhar no processo de trabalho, e que !he cabem justamente porque se diferencia do trabalhador, sao apresentadas como

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meras func;oes do trabalho. Nao cria mais-valia porque trabalha como capitalista, mas porque ele, o capitalista, tambem trabalha. Precisamente como se urn rei, que nessa qualidade comanda nominalmente o exercito, fosse posto a comanda-lo, nao porque comanda como titular da dignidade real, representa o papel de um co­mandante-chefe, mas e rei porque comanda, desempenha a func;ao de urn coman­dante-chefe. Se na forma do jura, uma parte da mais-valia assim se separa total­mente do processo de explorac;ao, a outra parte se apresenta - no Iuera industrial - como o seu contrario direto, ao inves de apropriac;ao do trabalho alheio, cria­c;ao do valor pelo proprio trabalho. Essa parte da mais-valia, portanto, deixa de ser de fato mais-valia para se converter no seu contrario, o equivalente do trabalho realizado. Subsistindo o carater alienado do capital, sua oposi<;ao ao trabalho, alem do processo de explorac;ao, da aqao efetiua dessa alienaqao, todo carater opo­sitivo e afastado desse proprio processo. Portanto, a explorac;ao efetiua, aquila em que o carater opositivo se efetiva e so se manifesta realmente, aparece precisamen­te como o seu contrario, como um modo materialmente particular de trabalho, per­tencendo porem a mesma determinac;ao social do trabalho ao trabalho assalaria­do. A mesma categoria trabalho. 0 trabalho de explorac;ao se identifica aqui com o trabalho explorado.

Essa transformac;ao de uma parte do Iuera em Iuera industrial resulta, como vemos, da transformac;ao da outra parte em jura. Sabre uma recai a forma social do capital [o fato de] ser proprietario; sabre a outra, a fun<;ao econ6mica do capi­tal, sua fun<;ao no processo de trabalho, porem, liberada, abstrafda da forma so­cial, da forma opositiva em que exerce essa func;ao. Como isso ulteriormente se jus­tifica com sabios argumentos, se ve mais pormenorizadamente quando o Iuera se apresenta como trabalho de superintendencia (labour of superintendence). 0 capi­talista se identifica aqui com seu gerente, como ja observou Smith. 8

No entanto, entra com efeito uma frac;ao do salario [quando o gerente nao re­cebe esse salano]. 0 capital aparece no processo de produc;ao como um diretor do trabalho, seu comandante [capitao de industria], desempenhando assim um papel ativo no proprio processo de trabalho. Mas essas func;oes resultam da forma especf­fica da propria produc;ao capitalista, em conseqtiencia, do domfnio do capital sabre o trabalho, como seu trabalho e, portanto, sabre os trabalhadores como seus ins­trumentos; [resultam] da natureza do capital, que aparece como a unidade social, sujeito da forma social do trabalho que nele se personifica como poder sabre o tra­balho - e nessa medida que esse trabalho, vinculado a explorac;ao [o qual pode ser delegado a um gerente] entra de fato no valor do produto do mesmo modo que o trabalho assalariado. Assim, no trabalho escrauo devem ser remunerados tanto o trabalho do capataz do escrauo quanta o do trabalhador. Se o homem deu autonomia a sua relac;ao com sua pr6pria natureza exterior e com os outros he­mens, sob uma forma religiosa, de sorte que passa a ser dominado por tais repre­sentac;oes, entao necessita do sacerdote e de seu trabalho. Com o desaparecimen­to da forma religiosa de consciencia e de suas relac;oes, deixa tambem esse traba­lho do sacerdote de entrar no processo social de produc;ao. Junto do sacerdote ter­mina o trabalho do sacerdote, junto do capitalista o trabalho que executa qua capi­talista ou encarrega outro de o executar. (Explicitar o exemplo da escravidao com citac;oes. )9

Ademais, essa apologia de reduzir Iuera a salario, enquanto salario pelo traba­lho de superintendencia, se volta ate mesmo contra os pr6prios apologistas. Os so-

8 A respeito desse problema, cf. SMITI-1, Adam. An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Uvro Prime!ro. Cap. VI. 9 Marx cita o capataz de escravos no cap. XXIU do Uvro Terce!ro de 0 CApital, escrito dois ou tr~ anos depols.

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cialistas ingleses dao-lhe com razao a seguinte resposta: Bern, futuramente voces receberao so os salaries de urn gerente comum. Seu Iuera industrial nao sera redu­zido nominalmente mas objetivamente aos salaries de superintendencia ou direc;ao do trabalho.

//919/ < Por certo e impossfvel entrar nessas bobagens e platitudes em todas as suas contradic;oes. 0 Iuera industrial, par exemplo, aumenta ou abaixa [na] pro­por<;ao inversa quer do juro, quer da renda fundiaria. A superintendencia do traba­lho, o quantum determinado de trabalho realmente executado pelo capitalista, na­da tern a ver com isso; tampouco com a baixa de salario. Pois e propriedade dessa especie de salario subir ou abaixar na proporc;ao inversa ao salario efetivo (na me­dida em que a taxa de Iuera e condicionada pela taxa de mais-valia e, permanecen­do inalteradas todas as condit;oes de produqao, e exc/usiuamente condicionada por ela). Mas "pequeninas oposic;oes" nao desfazem o que e o mesmo na cabec;a dos apologetas vulgares. 0 trabalho executado pelo capitalista permanece absoluta­mente o mesmo, se pagar pouco ou muito salario, se os trabalhadores forem mais ou menos pagos. Exatamente como o salario pago por um dia de trabalho nao alte­ra [em nada] o quantum do proprio trabalho. E mais. 0 trabalhador, com salario maior, trabalha mais intensamente. 0 trabalho do capitalista, ao contrario, e mate­ria determinada quantitativa e qualitativamente pelo quantum de trabalho que [tern] que dirigir, nao pelo sclario desse quantum. Tampouco pode intensificar seu trabalho, assim como o trabalhador nao pode trabalhar mais algodao do que en­contra disponfvel na fabrica. >

E dizem mais: A func;ao de dire<;ao, o trabalho de superintendencia, pode ago­ra ser comprada no mercado, sendo relativamente tao c6moda de produzir e , por conseguinte, de comprar quant.o qualquer outra capacidade de trabalho. A propria produc;ao capitalista conseguiu que o trabalho de direc;ao, totalmente separado da propriedade capital, do proprio ou alheio, vagabundeie pelas ruas. Tornou-se com­pletamente inUtil esse trabalho de direc;ao exercido pelos capitalistas. Esta realmen­te disponfvel, separado do capital e nao na pretensa separac;ao entre capitalista in­dustrial e capitalista financeiro, mas na [separac;ao] dos gerentes industriais etc., de toda sorte de capitalistas. Melhor prqva: as fabricas cooperativas fundadas pelos proprios trabalhadores. Fomecem a prova de que o capitalista, como funcionario da produc;ao, tornou-se tao superfluo para o trabalhador quanta a ele proprio apa­rece superflua a func;ao de dono da terra, no que respeita a produc;ao burguesa. Em segundo Iugar: Na medida em que o trabalho do capitalista nao advem como [trabalho] capitalista, acabando portanto automaticamente com o capital; na medi­da em que nao e urn nome para a func;ao de explorar trabalho alheio; na medida em que resulta da forma social do trabalho, da cooperac;ao, da divisao do trabalho etc. -, e tao independente do capital como esta propria forma, quando se livra do involucra capitalista. Dizer que esse trabalho seja necessaria como trabalho capita­lista, func;ao do capitalista, significa apenas que o economista vulgar nao pode re­presentar-se a forc;a produtiva social e o carater social do trabalho, desenvolvidos no seio do capital, separados dessa forma capitalista, da forma da alienac;ao, do contr~ste e da contradi<;ao de seus mementos, isolados de sua perversao e quidpro­quo. E precisamente o que afirmamos.

<//XVIU.ll42/ 0 Iuera efetivo do capitalista, em grande parte Iuera sabre ex­propriac;ao {profit upon expropriation) e seu "trabalho individual" encontram cam­po de ac;ao particularmente amplo nesse terrene onde nao se trata da criac;ao de valor excedente, mas da distribuic;ao de urn Iuera agregado de toda a classe de ca­pitalistas entre seus membros individuais, no campo mercantil. Nada disso nos diz aqui respeito. Certos tipos de lucre, par exemplo, os baseados na especulac;ao, mo­vem-se exclusivamente nesse terrene. Aqui sua considera<;ao esta pais inteiramen-

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te exclufda. Mostra a estupidez animalesca da economia vulgar que - particular­mente para apresentar o lucro como "salario" - o faz coincidir com o lucro tao lo­go provenha da cria~ao de valor excedente. Veja-se, por exemplo, o digno Ros­cher. E totalmente natural que burros como estes confundam, nas diversas esferas da produ~:tao, os itens do calculo e os fundamentos de compensa~ao dos capitalis­tas - na distribui~o do lucro agregado entre toda a classe de capitalistas - com os fundamentos da explora~o dos trabalhadores pelos capitalistas, com os funda­mentos do nascimento, por assim dizer, do lucro como tai.>IXIX.l142//

[5. Diferen~a essencial entre a economia cliissica e a economia vulgar. Juro e renda como elementos constitutivos do pre~o de mercado da mercadoria. Tentativa dos economistas vulgares de atribuir uma aparencia racional iis jormas irracionais do juro e da renda]

. . //XV. 919/ No capital a juros - na cisao do lucro em juro e lucro [industrial]

- o capital adquiriu sua forma mais coisificada, pura forma de fetiche, e a nature­za da mais-valia e apresentada como inteiramente perdida. 0 capital - como col­sa - surge aqui como a fonte autonoma do valor, criador de valor, como a terra [cria valor] na renda e o trabalho, no salario [parte no salario propriamente dito, parte no lucro industrial]. No entanto, ainda e o pre<;o da mercadoria que ha de pa­gar salario, juros e renda, mas os paga porque a terra cria a renda, o capital, os ju­ros, e o trabalho, salario, todos estes integrando-se no pre~o: [porquanto] criam es­sas partes de valor que afluem a seus respectivos proprietaries ou representantes, 119201 ao proprietario fundiario, ao capitalista, e ao trabalhador (trabalhador assala­riado e industrial). Desse ponto de vista, nao constitui uma contradi<;ao para a teo­ria; ou se a constitui e porque consiste igualmente numa contradi<;ao, urn cfrculo vi­cioso, do movimento efetivo, o fato que, de urn lado, o pre<;o das mercadorias de­termina o salario, a renda e os juros, de outro, o pre<;o do juro, da renda e do sala­rio determinam o pre~o das mercadorias.

A razao de juros oscila, mas apenas como o pre<;o de mercado de qualquer outra mercadoria, conforme a rela~o da oferta e da procura. Isso tampouco supri­me o juro como imanente ao capital, quanto as varia<;6es dos pre~os das mercado­rias suprimem os pre<;os enquanto determina<;6es que lhe cabem.

Assim sendo, a terra, o capital e o salario, enquanto fontes de renda, juro e sa­lario, e estes enquanto elementos constitutivos dos pre<;os da mercadoria, de urn !a­do, aparecem como elementos criadores de valor, de outro, na medida em que tra­zem ao possuidor de cada urn desses instrumentos de ·produ~ao de valor a parte do valor do produto criada por eles [surgem] como fontes de rendimento e as for­mas de renda, juro e salario, como formas de distribuir;iio. (Nisso reside, como ve­remos mais tarde, em contraste com a economia crftica, a conseqi.iencia da estupi­dez dos economistas vulgares em conceber as formas de distribui<;ao apenas como formas de produ<;ao sub alia specie (sob outra forma), enquanto os economistas crfticos separam e desconhecem essa identidade).

· No capital a juros, o capital aparece como fonte autonoma de valor ou de mais-valia que possui como dinheiro ou mercadoria. E essa fonte para si justamen­te tern sua figura como coisa. Se contudo deve entrar no processo de produ<;ao pa­ra realizar essa propriedade, assim o devem igualmente a terra e o trabalho.

Entende-se por isso por que a economia vulgar privilegia a forma terra-renda, capital-juro, trabalho-salario, ao inves de privilegiar aquela que se enc:ontra em Smith etc., no que respeita aos elementos do pre<;o; forma onde figura [em vez da

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sua decomposita] a [rela<;ao] capital-lucro; do mesmo modo que a rela<;ao-capital como tal encontra essa expressao em todos os classicos da economia. No lucro ain­da esta contida a referenda desconcertante ao processo; a verdadeira natureza da mais-valia e da produ~ao capitalista, diferente de sua aparencia, ainda e mais ou menos reconhecfvel. Isso terrnina quando o juro se apresenta como o produto pro­prio do capital: desaparece totalmente a outra parte da mais-valia e o lucro indus­trial cai sob a categoria de salario.

A economia classica procura, por meio de analise, reportar as diferentes for­mas de riqueza, fixas e alheias entre si, a sua unidade intrfnseca, despindo-as da fi­gura em que permanecem indiferentes, uma ao lado da outra. Pretende compreen­der a conexao intema na sua diferen~, da multiplicidade das formas em que apa­recem. Reduz pols a ~enda a urn lucro excedente (surplus profit); com isso deixa de possuir uma forma particular, autonoma, separando-se de sua fonte aparente, a terra. Retira igualmente do juro sua forma autonoma · e o mostra como parte do lu­cro . . Reduz assim todas as formas de rendimento· e todas as figuras autonomas, os tftulos, pelos quais o nao-traba\hador participa no valor da mercadoria, a (mica fo!­ma de lucro. Este porem se resolve em mais-valia, pols o valor de toda mercadona se resolve em trabalho; o quantum pago de trabalho nele contido, em salario; em conseqi.iencia, o excedente sobre o salario, em trabalho nao-pago, acre~cimo gra­tuitamente apropriado, sob trtulos diferentes mas provocado pelo cap1tal. Nessa analise, a economia classica ocasionalmente incorre em contradi<;6es, muitas vezes tenta fazer a redu~ao de imediato, sem os elos intermediaries, e provar a identida­de da fonte das diferentes formas. Mas isso resulta necessariamente de seu metodo analftico //9211 com o qual ha de come~r a crftica e a compreensao. Nao esta in­teressada em desenvolver as diferentes formas de urn ponto de vista genetico, mas em reduzi-las pela analise a sua unidade, pols parte delas enquanto pressupostos dados. A analise, porem, e a pressuposi~ao necessaria da apresenta~o genetica, da compreensao do processo efetivo de figura<;ao em suas diferentes fases. A eco­nomia classica falha, por fim, e deficiente, ao conceber a forma fundamental do ca­pital, a produ~o orientada para a apropria~o de trabalho alheio,_ nao como for­ma historica, mas forma natural da produ~o social, uma concep~o. no entanto, para cuja marginaliza~o ela mesma por sua analise abre can:unho. • .

Multo diferente e o caso da economia vulgar, expandindo-se so dep01s que a economia, por suas analises, dissolveu suas pr6prias pressuposi<;6es, tomando-as vacilantes. [Desenvolve-se] depois que ja existe tambem uma oposi<;ao contra a economia sob uma forma mais ou menos econ6mica, ut6pica; crftica e revoluciona­ria. Porquanto o desenvolvimento da economia polftica e .da OP?~~o c~a?a por ela acompanham passo a passo o desenvolvimento real das oposu;o~s so:1~1s e ~u­tas de dasse contidas na produ~:tao capitalista, so quando a econom1a pohtica atin­ge uma certa amplitude de desenvolvimento - portanto -depois de_ Adam Smith _ ao se dar formas fixas, e que dela se separa, como sua representa~ao, o elemen­to existente nela que e simples reprodu<;ao da aparencia, elemento vulgar como apresenta<;ao particular da economia. Assim Say fixa a separa<;ao das repr~senta­<;6es vulgares numa cristaliza<;ao propria, a ~argem, enquanto. em Adam _Sm1th [ es­sas representa~6es] corriam paralelas. Em R1cardo; e _na ultenor. expansa_? que ele provoca, tambem o economista vulgar obtem novo al1mento (po1s este nao produz por si mesmo nada de novo); quanto mais a economia se completa e se aprofunda como urn sistema de oposi<;ao, tanto mais o proprio elemento vulgar ·a enfrenta_ d~ modo independente, enriquecendo-se com materia que prepara a seu modo ate fi­nalmente encontrar sua melhor expressao na compila¢o sem carater, doutamente sincretista e ecletica.

Na medida em que a economia se aprofunda, nao so apresenta oposi~6es pro-

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prias, mas e confrontada por oposic;ao como tal, ao mesmo tempo que se desen­volvem as oposic;oes reais da vida economica da sociedade. Na mesma medida, a economia vulgar se toma mais apo/ogetica, procurando, de urn modo forc;ado, afastar, com sua tagarelice, os pensamentos opositivos. Say ainda aparece pols co­mo crftico e imparcial - ja que encontra as oposic;oes ainda relativamente pouco desenvolvidas em Smith - em comparac;ao com Bastiat, por exemplo, o harmoni­zador e apologjsta de profissao, que contudo encontrou a oposi~o elaborada na economia de Ricardo e elaborando-se no socialismo e nas lutas da epoca. Acresce que a economia vulgar, em suas primeiras fases, nao encontra ainda sua materia perfeitamente elaborada, colaborando portanto, de urn ou outro modo, na soluc;ao dos problemas economicos do ponto de vista da economia, como Say, por exem­plo, enquanto urn Bastiat so sabe plagiar e desfazer com sutilezas o !ado desagrada­vel da economia classica.

No entanto, Bastiat nao representa a ultima fase. Ainda se distingue por uma falta de erudi~o e por urn conhecimento totalmente superficial da ci~ncia que em­beleza, no interesse da classe dominante. Nele a apologia ainda e apaixonada e constitui seu trabalho propriamente dito, ja que toma nos outros o conteudo da economia, como lhe convem em cada caso. A ultima fase e a forma professoral que procede "historicamente" e, com sabia modera($ao, recolhe por toda parte "~ n:_elhor", nao importand_o as contradi($6es mas a completude. E. a desespiritualiza­~t?o //922/ de todos os ststemas, cuja gra($a se destroi por toda parte para que coe­X!Stam em plena paz no cademo do colecionador. 0 calor da apologia se modera pela erudi~o que benevolentemente olha com desprezo os exageros dos pensado­res economicos e os deixa flutuar no seu mingau mediocre apenas como curiosida­~~s. Posto qu_e tr~bal~os desse tipo so aparecem quando o cfrculo da economia po­htica, como C1~nc1a, tiver chegado a seu fim, vern a ser ao mesmo tempo o tamulo dessa ciencia. Dispensa observar que se colocam, com a mesma superioridade aci­ma das fantasias dos socialistas. Mesmo o pensamento efetivo de urn Smith de ~m Ricardo etc. - e nao apenas seu proprio elemento vulgar -, aparece c~mo 1mpensado e se transforma em vulgaridades. Urn mestre desse genero e o Sr. Prof. Rosc~er ~ue modestame_n~e se proclama como o Tucfdides da economia polftica. Sua tdentidade com Tuc1d1des possivelmente se baseia na representa($ao que nutre desse autor, como se este constantemente confundisse causa e efeito. 10

. Na forma do capital a juros parece, entretanto, de maneira evidente, que o ca­pital sem trabalho se apropria dos frutos do trabalho alheio. Pois aparece aqui sob uma fon;ta em que se separa do processo de produc;ao como processo. Nessa for­ma, porem, o co~s:gue somente sem trabalho, porque de fato entra no processo de trabalho por s1 so, sem trabalho, como urn elemento que por si cria valor, sen­do font~ de valor. Se em trabalho se apropria de parte do valor do produto, e por­que o cnou como tal sem trabalho, ex proprio sinu {de seu proprio seio).

~nquc:nto para os economistas classicos e, por conseguinte, crfticos, a forma de ahena($ao da tr~balh_?, [aliena($ao) que tentam eliminar pela analise; a economia vulg?r, ao contrano, so se sente por completo em casa precisamente no modo alhe1o em que as diversas participa($6es no valor se defrontam. Exatamente como urn escolasti~o [so se sen~e em casal com Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Espfrito ~anto, . tambe:n o economJsta vulgar, com terra-renda, capital-juros, trabalho-sala­n~. Po1s :sta_ e a f~rma _em que as coisas parecem relacionar-se de imediato na pro­pna aparenc.a, ass1m VJvendo, pois, tambem nas representa($6es e na consciencia

10 A refer~_ncia imodesta de Rosche{ a Tucldides se encontra no prefacio de seu livro Os Fundamentos da Economia

Polrt!ca (D1e Gnmd/ogen der Notiona/okomie).

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dos agentes da produ~o capitalista nela envolvidos. A economia vulgar julga-se tanto mais simples, conforme a natureza, e de utilidade publica, tanto mais distante de toda sutileza teorica, quanto nao faz mais do que traduzir as representac;oes co­muns numa linguagem doutrinaria. De modo mais alienado, pois, concebe as for­mac;oes da produc;ao capitalista; quanto mais proxima permanece do elemento da representa~o comum, mais flutua no seu elemento natural.

Ademais, isso presta muitos bons servi($OS a apologetica. Por exemplo, [em] terra-renda, capital-juros, trabalho-salario, enfrentam-se diversas formas de mais­valia e figuras da produ~o capitalista, nao como alienadas, mas como estranhas e indiferentes, apenas diferentes sem oposi~iio. Os diversos rendimentos fluem de fontes totalmente diferentes, urn da terra, outro do capital, o outro ainda do traba­lho. Nao se encontram pois numa conexao hostil, ja que nao mantem qualquer co­nexao lntema. Se, todavia, cooperam na produ($aO, e por causa de uma ac;ao har­monica; a mesma harmonia, por exemplo, com que, na agricultura, o lavrador, o boi, o arado e a terra colaboram harmonicamente, a despeito de suas diferen~s, no processo efetivo de trabalho. Se houver uma oposi~o entre eles, esta decorre apenas da competi($aO dos agentes para se apropriarem de uma parte maior do produto, do valor que criaram em conjunto. Se ocasionalmente resulta em panca­daria, mostra-se mesmo assim como resultado final dessa competic;ao entre terra, capital e trabalho, os quais, ao disputarem entre si //923/ a repartic;ao, aumenta­ram, por seu zelo, de tal forma o valor do produto que cada urn recebe urn farrapo maior; sua propria concorrencia parecendo pois apenas a expressao incitante da propria harmonia.

0 Sr. Amd, por exemplo, diz como crftico de Rau:

"Da mesma forma o aut.or se deixa seduzir por alguns de seus predecessores, agre­gando aos tres elementos da riqueza nacional [ao salario, a renda do capital e a renda da terra] urn quarto elemento, o lucro do empresario.

Com isso fica destrufda toda a base, formada com tanta circunspec~ao por A[dam] Smith de qualquer desenvolvimento posterior de nossa ciencia (!), razao pela qual tamb€m nao se pode cogitar, na presente obra, de tal desenvolvimento" . (ARND, Karl. Die Naturgemasse Volkswirthschaft, gegenuber dem Monopoliengeiste und dem Communismus, mit einem Ruckb/icke auf die einschlagende Literatur (Economia Polfti­ca Natural Diante do Espfrito de Monop6lio e do Comunismo, com um olhar retrospec­tiuo sobre a literatura releuante). Hanau, 1845. p. 477.)

Por "renda de capital" o Sr. Amd entende o juro (op. cit., p. 123). Deverfa­mos portanto acreditar que A{dam) Smith dissolve a riqueza nacional em juros de capital, renda da terra e salario enquanto, muito ao contrario, caracteriza o lu~ro expressamente como valoriza~o do capital, observando de modo expresso vanas vezes que o juro sempre representa apenas uma forma derivada do lucro, na medi­da em que em geral e mais-valia. Assim a leitura economista vulgar introduz em suas formas exatamente o seu contrario. Onde Smith escreve "lucro", Amd le "ju­ro" (interest). 0 que imaginaria ser interest em Adam Smith?

0 mesmo "desenvolvedor circunspecto" de nossa ciencia faz a seguinte desco­berta interessante:

"No prosseguimento natural da cria¢o de bens ha somente um fenomeno que -em parses totalmente cultivados - parece destinado a regular, em termos, a razao de juros; e a proporc;ao em que os acervos de madeira das florestas europeias aumentam grac;as a sua reprodu~ao anual. Essa reprodu~ao se da com total independencia de seu valor de troca" (nao deixa de ser ce,mico as arvores disporem de sua reprodu~ao "independentemente de seu valor de troca"!) "na proporc;ao de 3 a 4 por 100. Portan­to, < ja que a reprodu~ao das arvores e independente de valor de troca" , quanto seu

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valor de troca possa depender dessa reprodu<;ao > "nao e de se esperar uma queda abaixo do que ela" (a razao de juros) "ocupa atualmente nos parses mais ricos em di­nheiro" (op. cit., p. 124-125).

Isso mereceria ser chamado de "razao silva-originaria do juro". Seu descobri­dor notabilizou-se em "nossa ci~ncia", na obra citada, tam bern como fil6sofo do "imposto sobre os cachorros". 11

{0 lucro [tambem o lucro industrial) se relaciona com a grandeza do capital adiantado; ao contrario, os salarios percebidos pelo capitalista industrial [estao) na proporc;ao inversa da grandeza do capital. [Sao) significativos em rela~ao a urn pe­queno capital [porquanto aqui o capitalista e meio-termo entre o explorador do tra­balho alheio e aquele que vive do proprio trabalho), mas extremamente pequeno em rela~ao a urn capital grande ou totalmente separado dele, como nos casos de [contrata¢o de) urn gerente. Uma parte do trabalho de dire¢o apenas provem da oposi~ao hostil entre capital e trabalho, do carater antagonico da produ~ao capita­lista, pertencente aos custos adicionais (faux frais) da produ~o, exatamente como 9/10 do "trabalho" causado pelo processo de circula~o. Urn maestro nao precisa de modo nenhum ser proprietario dos instrumentos da orquestra. Nem faz parte de suas fun~oes, como maestro, especular com os custos de subsistencia dos mem­bros da orquestra, ou qualquer coisa que venha a ter com seu "salario". E bastan­te estranho que economistas como John Stuart Mill, que conservam a forma "ju­ro" (interest), "lucro industrial' ' (industrial profit), a fim de transformar o "lucro in­dustrial" em salarios para a superintendencia do trabalho, aceitem, juntamente com Smith, Ricardo e todos os economistas dignos de men~ao, que a razao media de juros (average rate of interest) seja determinada pela taxa media de lucros (ave­rage rate of profit), a qual, segundo Mill, esta na propor~o inversa da taxa de sala­rios (rate of wages), pois nada mais e do que trabalho nao pago, trabalho exceden­te (surplus).

Que os salarios de superintend~ncia. nao entram de maneira nenhuma na taxa media de lucro (average rate of profit) se prova, da melhor forma, com dois fatos:

//924/ 1) Nas fabricas cooperativas, onde o gerente geral (general manager) e pago como em qualquer outra fabrica e prove todo o trabalho de dire~ao (labour of direction) - sen do os pr6prios supervisores ( overlookers) simples trabalhadores - a taxa de lucro nao esta abaixo mas acima da taxa media de lucro.

2) Quando, em ramos de neg6cios especiais, nao monopolizados, como pe­quenos lojistas (shopkeepers), Javradores etc., os lucros estao permanentemente muito acima da taxa media de lucro, e os economistas explicam com acerto que es­se homem se paga os pr6prios salarios. Trabalhando sozinho, seu Jucro consiste 1) dos juros de seu pequeno capital; 2) de seus salarios; 3) da parte do tempo adicio­nal que seu capital !he propicia para trabalhar para si mesmo em Iugar de trabalhar para os outros, a parte que ainda nao esta contida nos juros. Se, no entanto, manti­ver operarios, entra o trabalho excedente desses.

0 digno Senior {Nassau) tambem transforma, de modo mais natural, o lucro in­dustrial em salarios de superintend~ncia. Mas se esquece dessas quimeras quando trata, nao de frases doutrinarias, mas das Jutas concretas entre trabalhadores e fa­bricantes. Opoe-se, por exemplo, a limitaqao do tempo de trabalho, pois em 11 112 horas, suponhamos, os operarios trabalham apenas uma hora para o capitalis­ta, o produto dessa hora formando o seu lucro {fora os juros para os quais tam-

11 A respelto da fundamenta¢o da legitimidade e finalidade do imposto sobre cachorros, Amd dedicou urn paragrafo especial de seu livro A Economlo Natural (Die noturyemlisse Volkswirtschoft. § 88, p. 420-421 ).

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bern trabalham outra hora, segundo o calculo dele). De repente, o lucro industrial nao equivale pois ao valor acrescentado a mercadoria pelo trabalho do capitali~ta no processo de produ~o, mas ao valor acrescentado pelo ten;p~ de trabalho nao pago dos operanos. Se o lucro industrial fosse o prod~t? do propno trabalh? do ca­pitalista, Senior nao teria de redamar que OS operanos trabalham gratUttamente apenas uma hora, em vez de duas, menos ainda deveria dizer que, se tr~balha~em ao inves de 11 1/2 horas apenas 10 112, nao haveria Jucro a/gum. Havena de d1zer que, se trabalharem apenas 10 1/2 horas em Iugar de 11 112, o capitalista · recebe­ria o salario de superintendencia equivalente a 10 1/2 horas, em Iugar de 11 112, perdendo, portanto, o salario de superintende~ci~ de uma hora. _A: que os trabalha­dores teriam respondido que se eles estao satisfettos com os salanos comuns (com­mon wages) equivalentes a 10 112 horas, o capitalista deveria estar satisfeito com os salarios superiores (higher wages) equivalentes a 10 1/2 horas.

E incompreensfvel que economistas como J[ohn) St[uart) Mill - ricardianos e que assumem a asser¢o que o lucro e exclusivamente igual ao valor excedente, ao trabalho excedente, chegando a exprimi-la sob a forma de que a taxa de lucro e 0 salario estejam em propor~ao inversa, a taxa de salario determinando ~ taxa ?e lucro (o que nessa forma esta errado)- de repente trar:_sformam o lucro mdus~al no pr6prio trabalho do capitalista, em vez de [transforma-lo] no trab_alho acresctdo do trabalhador a nao ser que chamem de trabalho (labour) a fun~ao de explorar trabalho alheio' (exploitation of foreign labour) , pois, de fato, os salarios desse tra­balho quer se igualem extamente ao quantum de trabalho alheio expropriado, quer dependam diretamente do grau de explora<;ao e nao do gra~ do esfor~o que essa explora~ao custa ao capitalista. (Na medida em que essa fun~ao de explorar o trabalho requer, realmente, trabalho, na produ~o capitalista, isso se expr~ nos salarios dos gerentes gerais.) Oigo que e incompreensfvel que, tendo dtssOlVIdO 0

lucro em seu verdadeiro elemento [como ricardianos que sao], se deixem confun­dir pela oposi<;ao juros (interest) e lucro industrial (industrial profit), apenas a forma ve/ada do lucro e, que sendo concebida nessa independencia, funda-se no desco­nhecimento da essencia do lucro. Uma das partes do lucro se apresenta como Iu­era industrial s6 porque nasce da a<;ao no processo (propriamente no processo ati­vo, 0 que abrange ao mesmo tempo a a<;ao do capitalista em funcionar:nento) e, portanto, sendo devida ao trabalho do capitalista, ja que a outra pa~e, o J~ro, apa­rece [devida) ao capital, independentemente do processo, como cotsa, cotsa auto­diligente e autocriadora. Porquanto, o capital e a mais-~lia, que dele resu~ta , sur­gem como urn misterio. Essa concep~ao, mera decorren:t~ d~s represe~ta<;oes que a mais exterior das figuras do capital aparenta na superftcte, e o contrano exato da concep~o de Ricardo e contradiz, em toda parte, sua concep~o de valor. Na ~e­dida em que o capital e valor, seu valor e determinado pelo trabalho nele con~do antes de entrar no processo. Na medida em que entra nesse processo como. co1sa, 0 faz como valor de uso e como tal, seja qual for esse seu uso, nunca pode cnar va­lor de troca. V~-se quao bern os ricardianos entendem o proprio mestre. Oiante do capitalista de dinheiro, o capitalista industrial tern toda razao, pois natt.~ralmente ele e o capital em funcionamento, extorquindo de modo real o trabalho excedente e metendo no seu bolso uma parte dele. Oiante do capitalista de dinheiro e trabalha­dor embora trabalhador como capitalista, isto e, explorador de trabalho a/heio. //9Z5/ Diant~ do trabalhador, ao contrario, [desenvolve] o comico argumento de que a explora~o de seu trabalho custa trab!llho ao capitalista, aq~ele ainda s~ndo obrigado a pagar-lhe por essa explora<;ao. E o argumento escraVJsta (slave-dnver) diante do escravo (slave).}

T oda pressuposi<;ao do processo social de produ<;ao e simultaneamente seu re­sultado e cada urn de seus resultados aparece simultaneamente como sua pressu-

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posi<;ao. T odas essas condi.;oes da produ~ao, em que o processo se move, sao pois tanto seus produtos quanta suas condi~oes. Nesta ultima forma - quanta mais observamos sua figura em sua aparencia efetiva, [o processo] se consolida progressivamente, de modo que tais condi~oes aparecem independentes dele co­mo se o determinassem. As pr6prias rela~oes das [condi~oes] que concorrem nes­se processo aparecem para si como condi~oes e poderes objetivos, determina~oes de coisas, tanto mais quanta no processo capitalista cada elemento, ate mesmo o mais simples, a mercadoria, por exemplo, ja consiste numa inversao, fazendo com que rela~oes entre pessoas apare~am na qualidade de coisas e as rela~oes dessas pessoas como qualidades sociais dessas coisas.

< Juro - "Remunera~ao para a aplica~ao produtiva de economias; o lucro no senti­do proprio do palavra e a remunera~ao pela atividade, pela superintendencia duran­te a aplica~o produtiva". (Westminster Review. 12 janeiro de 1826. p. 107 et seqs.)

Aqui, por conseguinte, o jura, a remunera~ao em virtude de o dinheiro etc. ser aplicado como capital, nasce pois do capital, que e remunerado por sua quali~ dade qua capital. Contrariamente, o Iuera industrial, pela fun~ao do capital ou do capi~alista "durante essa aplica~ao produtiva", isto e, no pr6prio pracesso de pro­duc;ao. >

0 juro e apenas uma parte do Iuera pago ao proprietario do capital pelo capi­talista industrial em funcionamento. Ja que so pode apropriar-se do trabalho exce­dente por meio do capital [dinheira, mercadoria] etc., desembolsa uma parte para quem lhe propicia esse meio. Esse ultimo, que pretende gozar do dinheiro sem fa­zer com que funcione como capital, so o consegue quando se satisfaz com uma parte do Iuera. De fato, sao socios: urn e o proprietario juridico do capital, o outro o proprietario econ6mico durante o tempo em que o aplica. Mas, como o Iuera so~ mente nasce do processo de produ~ao, e seu resultado e tern de ser praduzido, e o juro apenas urn direito a uma parte de urn trabalho excedente que ainda deve ser prestado, titulo a traba!ho futuro, pretensao a uma parte do valor de mercado­rias ainda nao existentes. E portanto somente o resultado de urn pracesso de pro­du~ao em curso, durante urn certo tempo, no termino do qual expiara.

11926/ 0 capital e comprado [isto e, tornado emprestado a juras] antes de ser p_ago. Aqui o dinheiro funciona como meio de pagamento, como no caso da capa­ctdade de trabalho etc. 0 pre~o do capital - o jura - entra pois no adiantamento feito pelo industrial [e no adiantamento feito a si proprio, quando trabalha com ca­pi;al pr~prl_o] , da mesma forma que o pre~o do algodao, que, por exemplo, tam­bern hoJe e comprado para ser pago depois de apraximadamente seis semanas. As oscila~oes da razao de juros - o pre~o de mercado do dinheiro - mudam tao pouco quanta as oscila~oes nos pre~os de mercado de outras mercadorias. Ao con­trario. 0 pre~o de mercado do dinheiro - este e o nome do capital a juros como capital de dinheira - se determina no mercado de dinheiro como qualquer outra mercadoria, em virtude da concorrencia entre compradores e vendedores, da pro­cura e da oferta. Essa luta entre o capitalista de dinheiro e o capitalista industrial e apenas uma !uta pela distribui~ao do lucro, pela participac;ao que, na partilha, cabe a cada uma das se~oes. A propria rela<;ao [a oferta e a procura], assim como seus dois extr~~os, e prapriamente urn resultado do processo de pradu<;ao, ou, para n_os expnmtr de urn modo trivial, [determina-se] pela respectiva posi~ao dos nego­ctos em cada momenta - pela situa<;ao em que de cada vez se encontram o pro-

12 The Westminster Review- revista burguesa, de or1enta~ao Uberal, que foi publicada muitas vezes de 1824 a 1914 em Londres. ' '

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cesso de repradu~ao e seus elementos. Mas, segundo a forma e a aparencia, essa luta determina o preqo do capital [do juro] antes de entrar na reprodw;ao. Essa de­termina~ao ocorre ademais fora do processo de produ<;ao propriamente dito, deter­minada por circunstancias independentes dele, determina~ao que aparece antes co­mo uma de suas condi~oes em que ha de produzir-se. A luta, por conseguinte, nao apenas parece fixar o titulo de prapriedade de determinada parte do Iuera futuro, mas [for~ar] essa propria parte a nao [provir] do pracesso de produ~ao como seu resultado, ao contrario, [ficar] como sua pressuposi~ao, fazer que entre nele como pre~o do capital, precisamente como entram nele, enquanto pressuposi~oes, o pre­~o da mercadoria ou o salario, embora de fato - no processo de reprodu~ao -constitua de modo constante o seu resultado. Cada elemento do pre~o da merca­doria, na medida em que aparece como adiantamento - entrando no pre~o de produ<;ao como pr~o ja existente da mercadoria - , cessa de se apresentar como mais-valia, valor excedente, diante do capitalista industrial. A parte do Iuera que en­tra pois no processo como pre~o do capital e computada entre as despesas de adiantamento e, dessa forma, nao mais aparece como excedente - de produto do processo transforma-se em uma de suas pressuposi~oes dadas, condiqao da produ­~ao que, como tal, entra de forma independente no processo e determina seu re­sultado. (Se, por exemplo, cair a razao de juros e se as rela~oes de mercado exigi­rem uma redw;ao das mercadorias abaixo de seus pre~os de custo, entao o indus­trial pode abaixar o pre~o da mercadoria sem abaixar a taxa do Iuera industrial, pois, sim, pode abaixar esse pre~o e obter urn Iuera industrial mais alto. Isso, no en­tanto, se apresentaria, para quem trabalha exclusivamente com capital proprio, co­mo uma queda da taxa de Iuera, do Iuera bruto (gross profit). Tudo quanta se apresenta como uma dada condiqao de trabalho, como o pre~o das mercadorias, do salario, do capital - os . pre~os de mercado desses elementos - retroage de modo determinante sabre o respectivo preqo de mercado da mercadoria, e o pre­~o de custo efetiuo das mercadorias particulares se imp6e somente dentro das osci­la~oes dos pre~os de mercado, constitui apenas uma auto-iguala~ao desses pre~os de mercado, exatamente como na iguala~ao dos pre~os de custo de todas as dif~?­rentes mercadorias se imp6em, de modo exclusivo, os ualores das mercadorias. E, por conseguinte, o circulo vicioso do economista vulgar, seja ele te6rico da cons­ciencia capitalista, seja ele capitalista ativo: os pre~os das mercadorias determinam o salario, o juro, o Iuera e a renda, inversamente, os pre~os do salario, do juro, do Iuera e da renda determinam os pre~os da mercadoria - [sao] apenas expressao do mouimento circular em que as leis universais se realizam de forma contraditoria no movimento real e em sua aparencia. )

Uma parte da mais-valia, o juro, aparece assim como preqo de mercado capi­tal entrando no processo, nao entra porem como mais-valia mas como condi~ao da pradu~ao. Assim o fato de que duas classes de capitalistas repartem a mais-va­lia, [de urn lado] os que se [encontram] fora do pracesso, [de outro], aqueles que estao dentro dele, apresenta-se como parte da mais-valia cabendo ao capital fora do processo de produc;ao, a outra cabendo a quem esta dentro. A fi~a~ao previa da repartic;ao se apresenta como a independencia de uma parte em rela~ao a ou­tra, independencia de uma parte de seu proprio processo; finalmente, como qualida­de inerente de uma coisa, dinheiro, mercadoria, mas dessas coisas enquanto capi­tal, que de novo nao aparece exprimindo uma rela~ao, mas de tal modo que esse dinheiro e [essa] mercadoria sao destinados (bestimmt) tecnologicamente para o processo de trabalho, tomando-se capital gra~s a essa destina~ao (Bestimmung); assim destinados (bestimmt), constituem os elementos simples do proprio processo de trabalho //927/, os quais portanto sao, como tais, capital.

0 valor da mercadoria se resolve em parte no valor das mercadorias contidas

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nessa mercadoria, em parte no valor do trabalho, isto e, trabalho pago, em parte ainda em trabalho nao pago, mas nem par isso trabalho vendavel. Parte de seu va­lor que consiste em trabalho nao pago, sua mais-valia, se divide, par sua vez, em jura, Iuera industrial e renda; isto e, o imediato a~ambarcador ( accapareur) dessa mais-valia, seu "produtor", deve entregar partes deJa, uma ao senhor da terra, ou­tra ao proprietario do capital, conservando a terceira parte para si, apenas sob no­me diferente de jura, renda, outras, de mais-valia e Iuera, ou ainda de Iuera indus­trial. Tudo isso nao conslitui misterio. A analise da mais-valia, par conseguinte, de uma parte do valor das· mercadorias, sob essas rubricas, categorias particulares, e inteligfvel e nao contradiz, de maneira alguma, a propria lei do valor. Gra~as a for­ma autonoma, porem, que essas diferentes partes da mais-valia adquirem, gra~as as diferentes pessoas que as re~ebem, gra~as aos diversos elementos em que se fundam tais tftulos, finalmente, gra~as a autonomia com que diversas partes se poem diante do processo como [suas] condi~6es; o todo se torna mislificado. De partes, em que o valor pode ser analisado, se transformam em elementos autono­mos que a · constituem, em elementos constitutivos. Eles o sao para o pre~o de mer­cado. T ornam-se efetivamente seus elementos conslituintes. De que maneira essa independencia aparente se regula como condi~ao de produ~ao pela lei interna, ja que sao apenas aparentemente independentes, isso em nenhum momenta do pro­cesso de produ~ao aparece como fenomeno, nem atua como motivo determinante e consciente; justamente o contrario. A suprema firmeza que pode assumir essa aparencia do resultado enquanto condi~oes autonomas se da tao logo partes da mais-valia entram no pre~o como pre~os das condi~6es de pradu~ao.

E este e o caso do jura e da renda. Participam dos adiantamentos do capitalis­ta industrial e do arrendatario (Farmer). Deixam de aparecer como expressao do trabalho excedente nao pago para aparecer como trabalho excedente pago, em conseqiiencia, trabalho excedente pelo qual se paga urn equivalente no pracesso de pradu~ao, nao ao trabalhador a quem pertence esse trabalho excedente, mas a outrem, aos proprietaries do capital e da terra. Sao trabalho excedente do ponto de vista (quoad) do trabalhador, mas equivalentes com rela~ao (quoad) ao capita­lista e ao proprietario fundiario, aos quais devem ser pagos. Nao aparecem, portan­to, como excedente e menos ainda como trabalho excedente, mas como pre<;os das mercadorias "capital" e "terra" , porquanto sao pagos ao capitalista e ao pra­prietario da terra enquanto donas de mercadorias, praprietario e vendedor delas. A parte do valor da mercadoria que se resolve em jura aparece pais como reprodu­<;ao do pre~o pago pelo capital, e a parte que se resolve em renda, como repradu­<;ao do pre~o pago pela terra. Tais pre~os formam, par conseguinte, as partes cons­titutivas do pre~o global. lsto nao aparece apenas assim ao capitalista industrial, [ambos] conslituem para ele efetivamente parte de seus adiantamentos, sendo, de urn !ado, determinados pelo pre<;o de mercado de sua mercadoria - uma determi­na~ao da mercadoria [que aparece] como pre~o de mercado, em que urn pracesso social ou · seu resultado aparecem como determina~ao pertencente a mercadoria e as varia~oes desse pracesso, a seu movimento, oscila~ao que cabe ao pre~o da mercadoria. De outro !ado, o pre<;o de mercado se determina por eles, exatamente como o pre~o de mercado do algodao determina o pre~o de mercado do fio, este, por outro !ado, a procura do algodao, portanto, seu pre~o de mercado.

Enquanto partes da mais-valia, jura e renda entram no processo de produc;ao como pre<;os das mercadorias, terra e capital, [essas partes] existem numa forma que, alem de encobrir sua origem efetiva, a negam.

0 mais-trabalho, trabalho nao pago, entra de modo igualmente essencial co­mo trabalho pago no processo capitalista de produ~ao; aparecendo assim quer co­mo elementos produtivos diferentes do trabalho - a terra e o capital - a serem

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pagos, quer como custos diferentes do pre~o das mercadorias e do salario adianta­dos, custos que entram no pre~o. Partes da mais-valia - jura e renda·- apare­cem como custos, adiantamentos do capitalista explorador.

0 Iuera media (average profit} passa a determinar os pre~os de produ~o das mercadorias, de sorte que a mais-valia ja nao se mostra como resultado, mas co­mo condi~ao; [o Iuera media] nao como parte em que se resolve o valor da merca­doria, mas como parte conslituliva de seu pre<;o. Mas o Iuera media, como 9 pro­prio pre<;o de produ<;ao, determina-se de uma maneira mais ideal, aparecendo igualmente como excedente sabre os adiantamentos //928/ e como pre~o dislinto do pre~o de custo prapriamente dito. Se [apurar o Iuera media] ou nao, se [apurar lucro] maior ou menor do que aquele que adviria do pre<;o de mercado - portan­to, como resultado imediato do .processo - , isso ·se ·determina pela reprodu~ao , ou melhor, pela escala de repradu~ao. [0 mesmo se da], se, entre os capitais dis­ponfveis, uma parte maior for relirada ou [se deslina] a esta ou aquela esfera, em outras. palavras, em que prapor~ao tais . capitais acumulados afluem a essas .esferas particulares, em que grau finalmente tais esferas particulares se apresentam como compradores. no mercado de dinheiro. No juro e na renda, ao contrario, as partes da mais-valia se apresentam separadamente, de forma totalmente fixa, como pres­suposi~ao de cada pre~o de produ~ao, sendo antecipadas como adiantamentos.

<Pode-se chamar custos o que e adiantamento, pago portanto pelo capitalis­ta. Conseqilentemente o Iuera aparece como excedente sabre esses custos. Isso se refere a cada urn dos pre~os de pradu~o. E os pre~os determinados pelo adianta­mento podem ser chamados, desse modo, pre<;os de custo.

Os pre<;os de produ<;ao podem ser chamados pre~os determinados pelo Iuera media - isto e, pre~o do capital adiantado mais o Iuera media - sendo que tal Iu­era e condi~ao da repradu~ao; condi~ao que regula o fomecimento e a distribui­~ao dos capitais nas diversas esferas. Tais· pre~os [sao] pret;os de produ<;ao.

Finalmente, o quantum efelivo de t~abalho [objelivado e imediato], que custa a pradu~ao da mercadoria, e seu valor. E ele que configura o custo efelivo de pra­duc;ao para a propria mercadoria. 0 pre~o, que the corresponde, e somente o va­lor expresso em dinheiro.

Sob o nome "custos de produ~ao" se compreende, alternativamente, cada urn dos tres. >

Nao fosse reproduzida nenhuma mais-valia, cessaria sua parte chamada juros, como tambem a parte chamada renda; igualmente cessaria a antecipa<;ao dessa mais-valia ou o fato de entrar nos custos da pradu~ao como pret;os de mercado­rias. 0 valor disponfvel, que penetra na pradu~ao, nesse caso, jamais resultaria de-· Ia [da produ~ao] como capital, nao podendo entrar pois _no processo de repradu­~ao como capital, nem ser emprestado como capital. E portanto a repradu~ao constante das mesmas rela~6es - que faz com que apare~am nao apenas como formas sociais e resultados desse processo mas igualmente como suas constantes pressuposi<;oes. Tais sao apenas, contudo, como pressuposi~oes constantemente pastas, criadas· e produzidas pelo processo. Essa repradu~ao nao e, pois, conscien­te, aparecendo, ao contrario, na existencia constante dessas rela~6es como pressu­posi<;oes e condi<;oes que dominam o processo de pradu~ao. 0 valor da mercado­ria se resolve, por exemplo, em suas partes constitutivas, que se confrontam efltao independentemente como [partes] autonomas, contra a sua unidade, esta surgin­do antes como sua combina<;ao. 0 cidadao percebe que o produto constantemen­te se transforma em condi~ao da pradu~ao. Mas nao ve que as proprias rela~oes de produ~ao, as formas sociais sob as quais praduz e !he aparecem como rela~6es dadas e naturais, conslituem o praduto constante - e somente por isso a constan­te pressuposi~ao - desse modo especffico de produ~ao social. Nao apenas se au-

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tonomizam as diversas rela~oes, os mementos, e assumem urn modo de existencia alheado, aparentemente independente, mas se apresentam como propriedades imediatas de coisas; assumem uma figura de coisa.

Vivem assim os agentes da produ~ao capitalista num mundo exorcizado, seus proprios relacionamentos lhes aparecendo como propriedades de coisas, dos ele­mentos materials da produ~ao. No entanto, e nas Ultimas formas e mais mediadas - nas formas em que, alem de sua media~o se tamar invisfvel,. igualmente se ex­prime no seu contrario direto - que aparecem as figuras do capital como agentes efetivos e suportes imediatos da produ~o. 0 capital a juros se personifica no capi­talista de dinheiro, o capital industrial, no capitalista industrial, a· capital que propi­cia renda no senhor da terra como o seu proprietario, finalmente o trabalho, no tra­balhador assalariado. Entram na concorrencia e no processo efetivo da produ~ao sob essas figuras fixas, personificadas por personalidades aut6nomas que, ao mes­mo tempo, aparecem como simples representantes das coisas personificadas. A concorrencia pressupoe essa exterioriza~o. [Essas figuras] constituem suas formas naturals encontradas de modo natural-historico e no seu aparecimento na superff­cie //929/ [a concorrencia] nada mais e do que o movimento desse mundo lnverti­do. Na medida en'l que nesse movimento se impoe a conexao interna, esta apare­ce como uma lei misteriosa. Melhor prava e a propria economia polftica, ciencla que se ocupa de redescobrir a conexao oculta. Tudo entra na concorrencia nessa forma mais exterior, ultima. Por exemplo, o pre~o de mercado aparece aqui preva­lecendo; da mesma maneira, a razao de juros, a renda, o salario, o Iuera industrial [aparecem] como elementos constitutivos do valor, e o pre~o da terra e o prec;o do capital como itens dados com os quais se negocia.

Vimos como A[dam] Smith, primeiro, resolve o valor em salario, Iuera Uuro], renda, apresentando-os depois como elementos constitutivos aut6nomos dos pre­c;os de mercadoria. 13 Na primeira versao exprime a conexao oculta, na segunda, a aparencia (Erscheinung) .

Se caminharmos ainda mais para ·a superffcie do fen6meno (Erschetnung), en­tao podemos, alem da taxa media de Iuera, apresentar o jura e a propria renda co­mo partes constituintes dos prec;os da mercadoria (ou seja, os preqos de mercado). 0 jura, diretamente, pols entra no prec;o de custo. A renda - como prec;o da terra -, embora nao determine diretamente o prec;o do produto, determina seu modo de produc;ao, [isto e], se multo capital se concentra sabre pouca terra, se pouco ca­pital se aplica em muita terra, se esta ou aquela especie de produto e reproduzida, gada ou cereal, cujo pre~o de mercado cubra melhor o prec;o da renda, pols a ren­da ha de ser paga antes do fim do perfodo para o qual foi contratada. De sorte que, para que ela nao constitua uma dedu~ao sabre o Iuera industrial, uma pasta­gem e transformada em lavoura, uma lavoura, em pastagem etc. Assim, a renda nao determina diretamente o prec;o de mercado do produto individual, mas indire­tamente, ao distribuir a proporc;ao das especies de produto, de tal maneira que pro­cura e oferta condicionem o prec;o mais vantajoso para cada uma, a fim de que ele (o capitalista) possa pagar a renda. Assim sendo, quando a renda nao determina pols o pre~o de mercado, por exemplo, do cereal, determina diretamente o pre~o de mercado do gada etc., em suma, de esferas em que a renda nao e determinada pelo pre~o de mercado de seu proprio produto, mas o pre~o de mercado do pro­duto pela taxa de renda propiciada pela lavoura de cereals. A carne, por exemplo, nos pafses industrialmente desenvolvidos, sempre e paga muitfssimo cara, isto e nao so multo alem de seus pre~os de produ~o, mas de seu valor. Pols seu prec;~

13 Cf. MARX, Karl Theorlen Ober der Mehrwerl. v. 1, p. 59-63.

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deve pagar tanto seus custos de produc;ao quanta a renda que a terra auferiria se fosse lavrada com cereals. De outro modo, a came poderia, na pecuaria em gran­de escala - onde a composi~o organica do capital se apraxima multo mais (da composi~o do capital na industria], se nao for maior ainda a preponderancia do capital constante sabre o capital variavel - , pagar apenas uma renda multo peque­na ou nenhuma renda absoluta. A renda que paga e entra diretamente em seu pre­c;o se determina, porem, pela renda absoluta mais a renda diferencial que a terra auferiria como lavoura. Tambem essa renda diferencial nao existe na maior parte. Melhor prava de que a came paga renda pelo mesmo solo onde o cereal nao o faz.

Se o Iuera determina pols o prec;o de pradu~o, pode-se dizer que o salario, o jura e, em certo grau, a renda determinam o prec;o de mercado e, por certo, o pre­c;o de produ~ao. Naturalmente toda a seguinte brincadeira se resolve no valor de­terminado pelo tempo de trabalho: 0 movimento do jura e, em geral, determina­do pelo Iuera, de outro lado; a renda auferida pelo cereal, de novo [determina-se] em parte pelo valor de seu produto, e pela compensac;ao dos diferentes valores [provenientes] de varios solos, [resultando] no valor de mercado. A taxa de Iuera, porem, e determinada, em parte, pelo salario, em parte pela produtividade do tra­balho nas esferas da produ~ao que produzem capital constante, por conseguinte, no final das contas pela altura do salario e pela produtividade do trabalho. 0 sala­rio, por sua vez, se resolve no equivalente de uma parte da mercadoria (o que sig­nifica ser ele igual a uma determinada parte paga do trabalho, contido na mercado­ria, o Iuera igual a parte do trabalho nao pago). Finalmente a produtividade do tra­balho apenas pode influir no prec;o da mercadoria de duas maneiras, no seu valor, quando o diminui, em seu valor excedente, quando o aumenta. 0 prec;o de custo nada mais e do que valor dos capitals adiantados acrescido da mais-valia praduzi­da por eles e distribufda nas esferas particulares, de acordo com cada cota, que re­presenta a totalidade do capital. 0 pre~o de custo se resolve assim em valor, quan­do se considera a totalidade do capital em vez das esferas individuals. A concorren­cia entre os capitalistas, em cada esfera particular, procura reduzir o prec;o de mer­cado da mercadoria a seu valor de mercado. A concorrencia dos capitalistas das va­rias esferas reduz os valores de mercado a prec;os de custo comuns.

Ricardo [e] contra [a concep~o de Smith] a respeito da constitui~ao do valor por meio de suas partes, 1:1s quais sao propriamente determinadas por ele. Mas nao de uma maneira conseqtiente. De outro modo nao poderia discutir, com Smith, se o lucro, o salario e a renda, ou como ele afirma, apenas o Iuera e o salario, entram no pre~o, isto e, se entram constitutivamente. Analiticamente, entram tao logo se­jam pagos. Deveria pols dizer: 0 prec;o de cada mercadoria se resolve em lucro e salario, o prec;o de algumas mercadorias (e, de modo indireto, de muitas) se resol­ve em lucro, renda e salano. Mas o prec;o de nenhuma mercadoria e constitufda por eles, //930/ pols nao compoem o valor das mercadorias como potencias de de­terminada grandeza, potencias aut6nomas e agindo propriis fontibus (por suas pr6-prias fontes), mas, desde que o valor esteja dado, este pode ser decomposto em propor~oes multo diversas, naquelas partes [mencionadas]. Nao sao potenclas da­das - Iuera, salario e renda - cuja adic;ao ou combinac;ao determine a grandeza do valor, mas uma mesma grandeza de valor, uma dada grandeza de valor que se resolve em tres categorias, salario, Iuera e renda, conforme circunstancias e manei­ras diferentes.

Suponhamos que o processo de produ~o se repita sempre nas mesmas con­di~oes, isto e, que tanto a reprodu~ao quanto a produ~o se dessem nas mesmas condic;oes, o que pressupoe uma produtividade do trabalho constante, ou ao me­nos que as varia~oes na produtividade nao alterem as relac;oes dos agentes da pro-

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du<t3o, isto e, que, aumentando ou abaixando os valores das proprias mercado­rias, em virtude das alterac;oes da forc;a produtiva, permanecesse a mesma a distri­bui<t3o desses valores entre tais agentes. Nesse caso, embora teoricamente nao pu­desse ser afirmado com rigor que as diversas partes do valor determinam o valor e o prec;o do todo, seria, contudo, pratico e acertado dizer que o constituem, na me­dida em que se entende por constituir a forma<t3o de urn todo grac;as a adic;ao das partes. 0 valor se distribuiria, de modo uniforme e continuo, em valor [do capital adiantado) e mais-valia; e o valor [recem-criado) se resolveria uniformemente em salario e lucro, o Iuera decompondo-se uniformemente em juro, lucro industrial e renda. Seria possfvel entao afirmar: P, prec;o da mercadoria, se resolve em salario, Iuera Quros] e renda e, do outro !ado, salario, Iuera Uuros), renda constituem o va­lor, ou melhor, o prec;o.

Nao ocorre essa igualdade ou uniformidade da reproduc;ao - a repetic;ao da produ<t3o nas mesmas condic;oes. A produtividade muda e altera as condic;oes [des­sa produc;ao]. As condic;oes, por sua vez, modificam a produtividade. Mas as altera­c;oes se mostram, em parte, em oscilac;oes superficiais que se compensam a curta prazo, em parte, no acumulo gradativo de afastamentos [divergencias], que levam a uma crise, [uma] redu<t3o violenta e aparente as condic;oes antigas; ou entao sao r.econhecidas muito lentamente como alterac;oes de condic;oes que se impoem.

. Na forma do juro e da renda, em que se antecipa a mais-valia, pressupoe-se que o carater geral da reproduc;ao permane~_ta o mesmo. E isso ocorre todo o tem­po em que perdura o modo capitalista de produ~_ta.o. Em segundo Iugar, pressu­poe-se, ainda, o que ocorre aproximadamente, que, num tempo determinado, per­mane~_tam as mesmas as rela~oes determinadas desse modo de produ~_tao. Assim se fixa o resultado da produ~_tao na qualidade de sua condi~ao fixa e, por conseguin­te, pressuposta, isto e , propriedade fixa das condi~oes objetiuas da produ~ao. Sao as crises que colocam urn fim a essa falsa aparencia de autonomia dos varios ele­mentos nos quais o processo de produ~_tao continuamente se resolve e sempre se reproduz.

<0 que e o ualor para o economista efetivo e o pre~o da mercadoria para o capitalista pratico, cada vez antecedente (prius) de todo o movimento. >

0 capital a juros assume _no credito a forma que e caracterfstica da produ<;ao capitalista e lhe corresponde. E uma forma criada pelo proprio modo de produ~_tao. (A subsun<t3o do capital comercial [pelo modo capitalista de produ<t3o] nao requer de fato essa nova cria~_tao, pois mercadoria e dinheiro, a circula<t3o de mercadorias e de .dinheiro permanecem as pressuposi~_t5es elementares da produ~_tao capitalista, sencj.o apenas transformadas em absolutas. 0 capital comercial, que, de urn !ado, e a forma geral do capital, do outro, na medida em que representa capital numa fun­c;ao determinada, capital que funciona exclusivamente no processo de circula~_tao, nao e modificado em sua forma quando passa a ser determinado pelo capital pro­dutivo.}

A equaliza~_tao dos valores para formarem os pre~_tos de custo somente ocorre quando o capital individual funciona com alfquota do capital total da classe, de ou­tro !ado, quando esse capital total se distribui nas varias esferas particulares, sem­pre de acordo com as necessidades da produc;ao. Jsso se da atraves do credito. Por seu intermedio nao so se possibilita e facilita essa equaliza<t3o, mas uma parte do capital - na forma de capital de dinheiro - aparece de fato como o material cole­tivo com que opera toda a classe. Esse e urn dos sentidos do credito. 0 outro [con­siste) na constante tentativa do capital de abreviar as metamorfoses pelas quais tern de passar no processo de circula~_tao, de [antecipar] o perfodo da circula~_tao e antecipar sua transforma~_t.ao em dinheiro etc., opondo-se //931/ dessa maneira, a sua propria limita<t3o. Finalmente, a fun<t3o de acumular, na medida em que nao e

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l

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transforma~_tao [de rendimentos) em capital, mas oferta de mais-valia sob a forma de capital, em parte, se impoe a uma classe particular, em parte, todas as acumula­~oes da sociedade se transformam como acumula~_tao do capital colocadas a dispo­si<t3o dos capitalistas industriais. Daf essa opera~_tao, que se processa individualmen­te em inumeros pontes da sociedade, e concentrada e recolhida a determinados re­servat6rios. 0 dinheiro, [que] permanece improdutivo enquanto se congela em mercadoria, durante sua metamorfose, se transforma assim em capital.

*

Terra-renda, capital-juros sao expressoes irracionais, na medida em que a ren­da e fixada como pre~o da terra, o juro, como pre~o do capital. Nas formas de ca­pital a juros, de capital que propicia renda e de capital que propicia lucro ainda se reconhece a origem comum [de todos esses rendimentos diversos); na medida em que o capital em geral abrange a apropria~_tao de trabalho excedente, na medida em que essas formas diferentes exprimem tao-somente que esse trabalho exceden­te criado pelo capital se distribui, no que respeita ao capital em geral, entre duas es­pecies de capitalistas, no que respeita ao capital agricola, entre urn capitalista e urn senhor da terra.

A renda com~~o [anual] do solo eo juro como pre~<;> do capital sao tao ir­racionais como V ~-. Essa ultima forma contradiz o numero em suas formas mais simples e elementares, assim como aquelas [formas da renda e do juro] [contradi­zem o capital] em sua forma simples de mercadoria e de dinheiro. Sao irracionais de modo inverse. T erra-renda, a renda como pre~_to da terra, ex prime a terra como mercadoria, valor de uso que possui urn valor cuja expressao monetaria e como seu pre~_to. Mas valor de uso que nao e produto do trabalho nao pode ter valor, is­to e, nao pode ser expresso como objetiva~_tao de determinado quantum de traba­lho social, expressao social de urn determinado quantum de trabalho. Nao e isso. Para que o valor de uso se apresente como valor de troca - mercadoria - ha de ser produto de trabalho concreto. Somente com essa press•.tposi<;ao pode esse tra­balho concreto, por sua vez, apresentar-se como trabalho social, valor. Terra e pre-1$0 sao grandezas incomensuraveis que, nao obstante, devem ter uma relac;ao en­tre si. Aqui uma coisa tern pre~_to e nao tern valor.

De outro !ado, o juro como pre~_to do capital exprime a irracionalidade inversa. Agora a mercadoria tern urn duplo valor, uma vez urn valor, depois urn prec;o dife­rente desse valor, sem possuir ualor de uso. Pois o capital originariamente nada mais e do que uma soma de dinheiro ou quantum de mercadoria igual a determi­nada soma de dinheiro. Se a mercadoria for emprestada como capital e apenas uma forma disfar~_tada da soma de dinheiro. Pois o que se toma emprestado como capital nao e tantas Iibras de algodao, mas tanto dinheiro cujo valor existe no algo­dao. 0 pre~o do capital tambem se refere, portanto, a ele somente como modo de existencia de uma soma de dinheiro, isto e, como soma de valor apresentada co­mo dinheiro e disponfvel sob a forma de valor de troca. Como uma soma de valor pode ter urn pre~_to fora do pre~_to que se exprime em sua propria forma de dinhei­ro? Pre~_to e, com efeito, valor da mercadoria na sua diferen~a com seu valor de uso. Pre~_to na sua diferen~_ta com seu valor, pre~_to como valor de uma soma de di­nheiro (pois o pre~_to nao e mais do que mera expressao do valor em dinheiro}, e, por conseguinte, uma contradi<t3o de termos (contradictio in terminis).

Essa · irracionalidade da expressao - (a irracionalidade da propria coisa pro­vern do fato de que, (1} no juro, o capital aparece separado enquanto pressuposi-

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c;ao, separado de seu proprio processo no qual se toma capital, portanto, valor que se valoriza a si mesmo; (2) o capital que propicia renda, somente como capital agricola, que retira renda de uma esfera particular, aparece sob uma forma que de­le se transfere para o elemento que em geral o diferencia do capital industrial.) -(Essa irracionalidade] e sentida tao nitidamente pelo economista vulgar que este fal­seia as duas express6es para toma-las racionais. Faz o juro pagar pelo capital na medida em que e valor de uso, falando pois da utilidade dos produtos e meios de produc;ao para a reproduc;ao como tal, [utilidade] que o capital possui materialmen­te, como elemento do processo de trabalho.

No entanto, sua utilidade, seu valor de uso, ja esta disponlvel em sua forma de mercadoria, sem a qual nao seria mercadoria e nao teria valor algum. Como di­nheiro e a expressao do valor das mercadorias e nel9s //932/ conversfvel na propor­c;ao de seu proprio valor. Quando transformo o dinheiro numa maquina, em algo­dao etc., transformo-o em valores de uso do mesmo valor. A conversao reporta-se apenas a forma do valor. Enquanto dinheiro, este possui o valor de uso de ser con­verslvel na forma de qualquer mercadoria, mas mercadoria de igual valor. Por meio dessa conversao da forma, tao pouco se altera o valor do dinheiro como se altera o da mercadoria, quando se converte em dinheiro. 0 valor de uso das mer­cadorias, em que posso converter o dinheiro, nao !he da, alem de seu valor, qual­quer outro prec;o diferente dele. Se porem pressuponho a conversao e digo que o prec;o e pago pelo valor de uso das mercadorias, entao o valor de uso das merca­dorias em geral nao e pago de todo, ou apenas na medida em que se paga seu va­lor de troca. A maneira pela qual o valor de uso de uma mercadoria e aproveitado, se entra no consumo individual ou industrial, nao muda em nada seu valor de tro­ca. Muda somente quem a compra, quer o capitalista industrial, quer o consumi­dor imediato. A utilidade produtiva da mercadoria e responsavel por ela possuir em geral urn valor de troca, porquanto, a fim de ser pago o trabalho contido nela, deve possuir valor de uso. De outra maneira nao constituiria uma mercadoria, que so existe como unidade de valor de uso e de troca. Mas esse valor de uso nao po­de ser de modo algum responsavel pelo fato de que, como valor de troca ou pre­c;o, possua ainda urn prec;o diferente daquele prec;o.

Percebe-se como o economista vulgar pretende passar por cima da dificulda­de, procurando transformar em mera mercadoria o capital, isto e, dinheiro e merca­doria enquanto possuam uma determinidade especificamente diferente de si mes­mos como dinheiro e mercadoria, isto e, desconsiderando precisamente a diferen­c;a espedfica, a ser explicada. Nao !he convem dizer que nisso (no capital) esta con­tido esse meio de explora<;ao do mais-trabalho e, por conseguinte, do mais-valor como valor. Em vez disso afirma: Tern mais valor que seu valor, porque e uma mercadoria comum como qualquer outra, isto e, tern urn valor de uso. Aqui o capi­tal se identifica com a mercadoria, quando o que se deve explicar e como a merca­doria pode comparecer como capital.

No caso da terra, o economista vulgar procede inversamente, desde que nao papagueie os fisiocratas. Anteriormente transformava o capital em mercadoria para explicar a diferenr;a entre capital e mercadoria, a transformac;ao da mercadoria em capital. Agora, transforma a terra em capital, porque para ele a relac;ao-capital em si melhor se coaduna com suas representac;6es do que o prec;o da terra. A renda pode entao ser pensada como juro do capital. Por exemplo, se a renda for 20, e a razao de juros 5, entao e possfvel dizer que esses 20 constituem juros de urn capi­tal de 400. E de fato a terra e vendida entao por 400, o que nada mais e do que a renda da terra para os 20 anos. Esse pagamento da renda, com antecipac;ao de 20 anos, passa entao a ser o seu prec;o. Com isso a terra e transformada em capital. Os 20 anuais constituem apenas 5% de juros do capital pago por ela. E assim [are­la<;ao] terra-renda se transforma em capital-jura, o que, por sua vez, e fantasiado

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II -

0 RENDIMENTO E SUAS FONTES 233

no pagamento do valor de uso das mercadorias, por conseguinte, na relac;ao valor de uso - valor de troca.

Os mais ~n~lfticos dentre os econ~mistas vulgares percebem que o prec;o da terra na~a ma1s e do que uma expressao para a capitalizac;ao da renda, que [este] de !ato e .o prec;o d~ compra da renda por uma serie de anos, calculado segundo a razao de JUros em VIgor. Con:_preendem que e.ssa capitalizac;ao da renda pressup6e a r~n~a. ~e sorte .que esta nao pode ser exphcada, inversamente, por sua pr6pria cap1t~ac;ao. Por 1sso chegam a negar a propria renda, ao elucida-la como o juro d~ c~p1tal incorpor~do a terra, o que nao os impede de admitir que a terra, que ~ao mcorpox:._ou ~p1~l, possa propiciar renda, assim como nao os impede de admi­tir que porr;o~ rgu01s de caprtal [adiantadas] em solos de fertilidade desigual reti­rem rend~s drue~as, ou porr;oes desiguais de capital [investidas] em solos de fertili­?ade des1gual retirem rendas iguais. Da mesma maneira, que o capital incorporado a terra - ~uando ?e fato e respo~sa~el pel.a renda paga por ela (to account for t~e rent pard Uf!On rt) - talvez aufira JUros cmco vezes maiores, isto e, uma renda cmco vezes maJor do que os juros de urn mesmo capital [investido] na industria sob a forma de capital fixo. ·

Ve-se qu:. a dificuldade e sempre suprimida, abstraindq-se dela. Em vez da di­fe_;enr;a espec.ifica, que deve ser elucidada, se introduz sub-repticiamente uma rela­~o que e~pnme o contrario dessa diferenc;a, que, por conseguinte de todo modo nao a expnme. '

[6. A luta do socialismo vulgar contra os juros (Proudhon). A incompreensiio da conexiio intema entre o juro e o sistema do trabalho assalariado]

A p~lemica de Proudhon contra Bastiat a prop6sito dos juros e caracterfstica d~ man~~ra pela qual os economistas vulgares defendem as categorias da econo­mJa pohtica, do mesmo modo de como o socialismo superficial (a polemica de Proudhon mal.merece esse nome) as ataca. Voltaremos a esse assunto na sec;ao sa­bre os econorrust~s vulg?res. 14 Aqui somente alguma coisa provis6ria.

Proudhon nao dev1a s~ chocar como movimento de refluxo (do dinheiro) co­mo se fosse a~go de pecuhar, se compreendesse alguma coisa em geral do movi­mento do ~p1~l. Tampouco com o valor excedente do capital que reflui. Essa e uma caractenstica da produc;ao capitalista.

< Para ele, entre~~to, como veremos, e uma sobrecarga excedente (Surplus surcharge). E~ s~a cntica, procede como urn principiante, que se apoderou nem mesmo dos pnme1ros elementos da cier.cia que pretende criticar. Assim, por exem­plo •. nem ~esmo c?ml?reendeu o dinheiro como uma forma necessaria da merca­d~:ma. (Ve)a-:e a pnme1ra parte. )15 Ali confunde dinheiro e capital,. porquanto 0 ca­pital emprestavel como capital-dinheiro aparece sob a forma de dinheiro. >

_ 0 que P?deria constema-lo nao e o excedente para o qual nenhum equivalen­te e pago.!. po1s o valor ~xcedente - e nele se baseia a produc;ao capitalista - e va­lor que nao custou eqUivalente algum. Essa nao e uma caracterfstica do capital a ju-

14 No plano para a tercelra parte de 0 Cap1141, tra~do no verSo de 1863 o penUitimo capitulo 0 XJ traz 0 titulo "A

econ?mla vulgar" (d. Theone~. Uber der Mehrwert. v. 1, p. 387). Esse p~o (oi tra9~do um an~ e m~io ou dois a fs~~~6~.a reda~l!o das se<;Oes Rendimento e suas lontes". "A economia vulgar" , no cademo xv dos manuscritos"~! 15 Cl. MARX, Karl. Para A Cntica do Economla Politico. Cademo primeiro. Nesta edi~o.

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ros. A caracterfstica consiste apenas - enquanto considerartnos a forma do movi­mento - no primeiro momenta, precisamente o inverse daquele pensado por Proudhon, a saber, que o emprestador desfaz-se do dinheiro sem anteriormente re­ceber por isso urn equivalente, de sorte que o retorno do capital com juros, ate on­de alcan<;a a transac;iio entre o emprestador e o tomador, [nao diz respeito] as me­tamorfoses pelas quais passa o capital enquanto forem meras metamorfoses das formas economicas e se derem como uma sequencia de trocas - transforma<;ao da mercadoria em dinheiro e transforma<;ao de dinheiro em mercadoria -, mas s6 enquanto constituem metamorfoses reais ou processes de produc;ao e coincidem com o consume industrial. 0 pr6prio consume constitui aqui urn momenta do mo­vimento da forma economica.

No entanto, o que o dinheiro deixa de realizar nas maos do emprestador reali­za-o nas maos do tomador que o emprega efetivamente como capital. Seu movi­mento real como capital se processa nas maos do tomador. A ele retoma como

dinheiro + Iuera, dinheiro + ..!. dinheiro. 0 movimento entre o emprestador X

e o tomador exprime apenas o ponto inicial, o ponto de partida do capital. Como dinheiro passa da mao de A para a de B. Na mao de B torna-se capital e assim e devolvido com Iuera depois de urn certo percurso. Esse ato intermediario, o proces­so efetivo que engloba tanto o processo de circulac;ao como o de produc;iio, nao tern nada a ver com a transac;ao entre o empr~tador e o tomador. Recomec;a ape­nas depois de o dinheiro ter-se realizado como capital. Agora o dinheiro retorna as maos do emprestador com urn excedente, mas unicamente com uma parte desse excedente realizada pelo tomador. 0 equivalente recebido por este ultimo coristitui o Iuera industrial, parte do excedente que the ficou e de que se apropriou unica­mente por meio do dinheiro emprestado. Tudo isso [permanece] invisfvel na tran­sa~ao entre ele e o emprestador. Esta se limita a dois atos. Passagem das maos de A para as de B. Pausa, durante a qual o dinheiro fica nas maos de B. Retorno do dinheiro, juntamente com os juros, para as maos de A, depois da pausa.

Se considerarmos, em conseqiiencia, apenas essa forma - essa transa<;ao en­tre A e B -, obtemos a mera forma do capital sem sua mediac;ao: 0 dinheiro

despendido como soma a retorna como soma a + .!. a, dentro de urn perfodo, sem X

que tenha havido media<;ao alguma fora do lapse de tempo que existe entre o

defluxo da soma a e seu refluxo como a + .!. a. X

E essa forma privada de conceito, essa forma que, de fato, acompanha o mo­vimento efetivo do capital como movimento aut6nomo, iniciando e encerrando-o, que o Sr. Proudhon considera, tudo devendo portanto permanecer-lhe incom­preensfvel. Se essa forma de emprestar deixar de existir, em vez de comprar e de vender, desapareceria, acredita ele, o excedente. Mas apenas desapareceria a parti­lha desse excedente entre duas especies de capitalista. Essa partilha, porem, pode e deve sempre se reproduzir desde que dinheiro e mercadoria possam transfor­mar-se em capital, e isso sempre e possfvel na base do trabalho assalariado. Se a mercadoria e o dinheiro nao podem mais transformar-se em capital e, por conse­guinte, tambem nao podem ser emprestados uirtualmente (in posse) como capital, nao podem confrontar-se com o trabalho assalariado. E, se nao devem confrontar­se com ele na qualidade de mercadoria e dinheiro, de sorte que o trabalho nao mais seria uma mercadoria, isso nada mais significaria do que //936/ retroceder a urn modo de produc;iio anterior a produc;ao capitalista, onde o trabalho nao se transforma em mercadoria e a massa do trabalho ainda aparece como trabalho ser­vil ou escravo. Tendo o trabalho livre como base, isso s6 e possfvel se [ os trabalha-

I I I •

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dares] forem proprietaries de suas condic;oes de produ~ao. 0 trabalho livre se de­senvolve dentro da produc;ao capitalista como trabalho social. Serem proprietaries das condi~oes de produc;iio significa que estas pertencem aos trabalhadores sociali­zados produzindo como tais e subsumindo entre si sua pr6pria produc;ao como so­cializada. Querer o trabalho assalariado e com isso o fundamento do capital, como Proudhon, e ao mesmo tempo querer a elimina~ao de seus "males" pela nega~ao de uma forma derivada do capital e [proceder como] principiante.

Gratuidade do ~redito, discussao entre o Sr. Bastiat e o Sr. Proudhon (Gratuite du credit, discussion entre M. Bastiat et M. Proudhon). Paris, 1850.

Emprestar parece-lhe urn mal porque nao e vender. Emprestar mediante juros

"e a capacidade de uender o mesmo objeto sempre de novo e de obter por ele, sem­pre de novo, urn prec;o sem nunca ceder a propriedade do objeto que se vende" (op. cit., p. 9). (Primeiras cartas de Cheve, urn dos redatores da Voz do Pouo.)16

0 que o confunde e que o "objeto" (dinheiro ou casa, por exemplo) nao tro­ca de proprietario, como no caso da compra e venda. Mas nao ve que, ao despen­der dinheiro, nenhum equivalente e recebido de volta [que] no processo efetivo, ao contrario, sob a forma e na base de trocas (echanges), nao s6 se recebe urn equivalente mas ainda urn excedente nao pago. Na medida em que se da uma per­muta, uma "troca de objetos" (echange des objets), nao se da urn interc~mbio de valores (change of values), e o mesmo proprietario (proprietaire) do mesmo valor, depois como antes, e na medida em que houver excedente nao ha troca. Desde que recomecem as trocas de mercadoria e dinheiro, o excedente ja e absorvido na mercadoria. Proudhon nao compreende como o jura e portanto tambem o lucre resultam da lei de troca de valores. "Casa", "Dinheiro" etc. nao devem ser troca­dos, pois, como "capital", mas como "mercadorias ... pelo pre<;o de custo". (Op. cit.' p. 43-44.)

"De fato, quem confecciona chapeus, ao vend~-los ... recebe por eles seu valor, na­da mais nem menos. Mas o capitalista que empresta... nao somente recebe de volta seu capital intocado, recebe mais do que o capital, mais do que lanc;ou na troca, rece­be urn juro alem do capital." (Op. cit., p. 69.)

Os chapeleiros do Sr. Proudhon nao parecem ser capitalistas mas rapazolas, ofi­ciais de artesao.

"Sendo que no comercio o juro do capital se acrescenta ao salario do trabalhador para perfazer o prec;o da mercadoria, toma-se impossfvel o trabalhador recuperar o produto de sua propria mao. Viver do pr6prio trabalho e urn princfpio que, sob a do­minac;ao do juro, encerra uma contradic;ao." (Op. cit., p. 105.)

Na carta IX (p. 144-152), o born Proudhon confunde dinheiro como meio de circula~ao com dinheiro como capital e conclui, pois, que 9 capital existente na Franc;a manta a 160% (quer dizer, 1 600 milhoes de juros anuais em dfvida doEs­tado, hipoteca etc., para urn capital de 1 bilhao "a soma do dinheiro corrente .. . que circula ·na Fran<;a").

16 La Voix du Peup/e, jomal de orienta¢o proudhoniana que aparece em Paris, de 1.• de outubro de 1849 a 14 de malo de 1850.

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Ademais:

"Do fato de que, por meio de acumulac;ao dos juros, o capital de dinheiro de troca a troca sempre volta a sua fonte, segue-se que o reemprestimo sempre efetuado pela mesma mao sempre dA lucre a mesma pessoa". {Op. cit., p. 154.)

Ja que o capital e emprestado sob a forma de dinheiro, acredita que o capital­dinheiro, a saber, o numerario, possua essa propriedade especffica. Tudo deve ser uendido, nada emprestado. Em outras palavras: Como ele quis a mercadoria mas nao quis que se transformasse em "dinheiro" agora quer a mercadoria, dinheiro, mas sem que devam desenvolver-se em capital. Despojado de todas as formas fan­tasticas, isso nada mais significa que a estreita produc;ao pequeno-burguesa, do pe­queno lavrador ou do artesao, nao deve progredir ate a grande industria.

"Porquanto o valor nada mais e do que uma re/a~ao, todos os produtos estando de modo necessAria em rela¢o uns com os outros, segue-se dar que do ponto de vista so­cial os produtos sao sempre valores e valores seguros. Nao ha, para a sociedade, dife­renc;a entre capital e produto. Essa diferenc;a e totalmente subjetiva, existe apenas para os indivfduos". (Op. cit., p. 250.)

Que desastre quando termos teuto-filos6ficos tais como "subjetivo" se per­dem nas maos de urn Proudhon. Para ele as formas sociais burguesas sao "subjeti­vas". Uma abstrac;ao subjetiva e, com isso, falsa - pois o valor de troca de merca­dorias expressa uma propor~ao entre mercadorias, aquela propon;ao qualquer en­tre mercadorias, e nao urn terceiro a que as mercadorias sejam proporcionais -. essa abstrac;ao falsa e "subjetiva" e o ponto de vista social, a partir do qual nao sao apenas identicos mercadorias e dinheiro, mas mercadoria, dinheiro e capital. A partir desse "ponto de vista social", de fa to, todas as vacas sao pardas.

Finalmente ainda o excedente na forma da moral:

< Todo trabalho deue dar urn excedente (op. cit., p. 200) •. >

Com esse mandamento moral, obviamente, o excedente e definido de modo muito bonito.

[7 . [Observa~oes] hist6ricas concementes ao problema do juro. A superioridade de Lutero sobre Proudhon na polemica contra o juro. Altera~oes das opiniOes sobre o juro ~m conexao com o desenvolvimento das rela~oes capitalistas]

Lutero, vivendo nos tempos da dissoluc;ao da sociedade medieval-burguesa nos elementos da sociedade modema - urn processo que vieram acelerar o co­mercia mundial e as descobertas de ouro - , obviamente nao conhece o capital a nao ser em suas duas [formas] antediluvianas, de capital a juros e capital comer­cia!. Se a produc;ao capitalista, fortalecida, em sua fase infantil, procura, pela violen­cia, subjugar o capital a juros ao capital industrial - isso ocorre primeiramente na Holanda, onde a produc;ao capitalista floresce sob a forma de manufatura e de grande comercio, e na lnglaterra no seculo XVII, onde [esse jogo], em parte demo­do muito ingenuo, e proclamado como condit;ao primordial da produc;ao capitalis­ta -, entao, em contrapartida, o primeiro passo .para essa passagem e o reconheci­mento da "usura", forma antiquada do capital a juros, na qualidade de uma das

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condic;oes da produc;ao, relac;ao necessaria deJa; da mesma maneira, mais tarde, lo­go que o capital industrial subjuga o capital a juros (no seculo XVIII, Bentham, 17 o primeiro reconhece como justa o segundo, a came de sua came.

Lutero esta acima de Proadhon. Nao e a diferenc;a entre emprestar e comprar que o confunde; em ambos reconhece igualmente a usura. 0 mais impressionante em sua polemica e que o juro como excrescencia do capital serve como ponto prin­cipal de seu ataque.

I - Livros do comercio e do usura, do ano de 1524, [Do Comercio e da Usu­ra]. Parte sexta das Obras de Lutero. Wittenberg, 1589.

(Escrito na vespera da Guerra dos Camponeses.)

[Sabre] o comercio (capital comercial):

"Agora, entre os comerciantes, existe uma grande queixa contra nobres ou assaltan­tes" (v~-se por que os comerciantes estao contra os camponeses e os cavaleiros, ao !a­do dos prfncipes), "eles t~m que comerciar, sob grande pengo, sendo presos, espanca­dos, espoliados e roubados etc. Mas se tudo isso sofressem por causa da justic;a, entao os comerciantes setiam realmente pessoas santas ... No en tanto, ja que no mundo intei­ro, por obra dos comerciantes e mesmo entre eles, ocorrem tao grandes injustic;as, Ian­tos furtos e tantas roubalheiras, que nada tem de ctistaos, como se admirar que Deus fac;a bens tao grandes, adquitidos pela justic;a, serem novamente perdidos ou rouba­dos, e eles pr6ptios por isso serem golpeados na cabec;a ou presos? ... E cabe aos prfn­cipes punlr e suptimir tais transac;oes comerciais injustas com a violencia ordeira, a fim de que seus suditos nao sejam tao vergonhosamente espoliados pelos comerciantes. Ja que nao o fazem, Deus necessita dos cavaleiros e ladroes, castigando por interme­dio deles a injustic;a nos comerciantes, utilizando-os como seus demOnios; e o modo pelo qual desgrac;a as terras do Egito e o mundo inteiro com demonios ou os destr6i com inimigos. Assim fustiga um velhaco com o outro, sem deixar entender com iSSo que cavaleiros sejam menos ladroes do que os comerciantes, pois estes diana e siste­maticamente roubam o mundo inteiro, enquanto um cavaleiro rouba uma ou duas pessoas, uma ou duas vezes ao ano" (p. 296). "... Siga a palavra de Isaias: T eus prfncipes se tomaram companheiros de ladroes. En­quanta enforcam ladroes que roubaram meio ou urn florim, tratam, com muito maior seguranc;a do que os outros, com aqueles que roubam e furtam o mundo inteiro; de sorte que permanece verdadeiro o ditado: Os grandes ladroes enforcam //938/ os pe­quenos; e como falou o senador romano Catao: Maus ladroes estao trancafiados nas torres e calabouc;os enquanto os ladroes publicos andam em ouro e sl!das. 0 que por fim Deus dire disso tudo? Fare o que falou por Ezequiel: fundira prfncipes e comercian­tes, um Iadrao com outro, como o chumbo e o minetio, do mesmo modo que extermi­na pelo fogo uma cidade, de modo que nao sobrem mais prfncipes e ladroes; o que re­ceio que ja esta diante de nossas portas" {p. 297).

[Sabre] A usura e o capital a juros:

"Dizem-me que, em cada feira de Leipzig,18 tomam 10 florins, isto e, 30 [anualmen­te) sobre 100, alguns acrescentam ainda a feira de Neumburg, de modo que alcanc;am 40 por 100, se for mais, eu nao o sei. Envergonha-te, aonde, pelo diabo, isso vai pa­rar? ... Quem possuir agora em Leipzig 100 florins e toma anualmente 40, isso signiflca

17 Marx se refere ll obra de Bentham Defense of Usury, que fol publicada em Londres, em 1787 (a segunda e a tercel· ra edl~o sao, respect!vamente, de 1790 e 1816). 18 Referenda a um empr~t!mo de 100 florins, com a condl~o de pagar os juros em tres cotas, na feira de Leipzig. Af se realizavarn ant!gamente tres fell'liS comerclals anuals, no Ano Novo, na Pascoa e na festa de Sao Miguel (29 de se· tembro).

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urn campones ou urn burgues devorado num ano. Se tiver 1 000 florins, toma an~al­mente 400 isso significa urn cavaleiro ou urn fidalgo rico devorado num ano. Se tiver 10 mil, to~a anualmente 4 mil, isso significa urn conde rico devorado num ano. Se ti­ver 100 mil como deve acontecer entre os grandes comerciantes, toma anualmente 40 mil, isso' significa urn prfncipe rico devorado num ano. Se tiver 1 milha_o, to~a anualmente 400 mil, isso significa urn grande rei devorado num ano. E com tsso nao sofre nenhum perigo, nem no corpo nem nos bens, nao trabalh~ em nada, e se senta atrns do fogao fritando ma~s. Assim todo ladrao-poltrona gostana de sentar-se em ca­sa e devorar o mundo inteiro em dez anos" (p. 312-13.)19

< II. Um sennlio sobre o euangelho do homem rico e do pobre L6zaro etc." Witten ­berg, 1555.

"Nao devemos considerar o homem rico segundo seu modo exterior de viver, pols veste pele de ovelha, e sua vida brilha e parece bela, e cobre magis~almente o lobo. Pois o Evangelho nao o acusa de adulterio, assassinate, roubo ou cnme o~ de ~u~l­quer outra coisa que o mundo ou a razao censurariam. Durante toda :ua vtda fot tao respeitavel como aquele fariseu que jejuava duas vezes por semana e nao era como as ou tras pessoas." >

Lutero nos diz aqui como nasce o capital usunirio, [da] rufna dos burgueses [pequenos burgueses e camponeses), cavaleiros, nobres, prfncipes. De urn lado, fluem para ele o trabalho excedente e, junto com isso, as condic;oes de trabalho de burgueses residentes no campo (Pfahlbiirger), camponeses, corporados, em suma, dos pequenos produtores de mercadoria que precisam de dinheiro, por exemplo, para fazer algum pagamento antes de transforrnar sua mercadoria em dinheiro, comprando ja algumas de suas condic;oes de trabalho et~. De ou~o lado, dos pos­suidores de renda, da qual ele se apropria, por consegumte, da nqueza esban)ada e desfrutada. Na medida em que a usura faz duas coisas, primeiro, forma em geral bens independentes de dinheiro, segundo, apropria-se das condic;oes de trabalho, o que equivale a arruinar os possuidores das antigas condic;oes de trabalho; ela re­presenta um meio poderoso para a constituic;ao das pressuposic;oes do capital in­dustrial - urn agente poderoso que separa as condic;oes de produc;ao e os pro~u­tores. Exatamente como o comerciante. Ambos tern em comum formarem bens m­dependentes de dinheiro, isto e, acumularem em suas maos uma parte do trabalho excedente anual assim como [uma parte) das condic;oes de trabalho e [uma parte] da acumulac;ao do trabalho anual, sob forma de reivindicac;oes por dinheiro. 0 di­nheiro que efetivamente se encontra em suas maos constitui apenas U!fla pequ~na parte, seja do tesouro anual constitufdo e acumulado anualmente, seJa do capttal circulante. Formarem bens de dinheiro significa que parte importante, quer da pro­duc;ao anual quer dos rendimentos anuais, cabe a eles e sao, com efeito, pagaveis nao in natur~ (sob a forma de produtos), mas sob a forma alterada de' diriheiro. Na medida em que o dinheiro nao circula pois ativf'}mente como moeda (currency) e nao esta em movimento, acumula-se em suas maos. Em parte estao em suas maos tambem os reservat6rios do dinheiro circulante e nelas mais ainda se encontram e se acumularri os tftulos sobre a produc;ao, mas como tftulos sobre a mercadoria transformada em dinheiro, como tftulos de dinheiro.//939/ A usura [atua), de urn la­do, arruinando a riqueza e a propriedade feudal; de outro, a produc;ao de peque­nos burgueses e pequenos camponeses; arruinando, em resumo, todas as_ formas em que o produtor ainda aparece como proprietario de seus meios de produc;ao.

19 Essa dta~o n!o fol ret!rada do escrilo Do Comercio e do Usura (Von Kouffshondlung und Wucher), mas de um lnl· balho posterior de Lutero. A prop6slto de o Poster Pregor Contro o Usura (An die Pforrherrn wider den Wucher zu predlgen. 1540), que Mane abaixo alnda menciona.

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Na produc;ao capitalista, o trabalhador e nao-proprietario das condic;oes de produc;ao; [nao e] nem [proprietario] do campo que lavra, nem do instrumento com que trabalha. A essa alienac;ao das condic;oes de produc;ao corresponde aqui, entretanto, uma mudan<;a real no pr6prio modo de produc;ao. 0 instrumento se transforma em maquina; o trabalhador trabalha na oficina etc. 0 pr6prio modo de produc;ao nao mais permite essa dispersao dos instrumentos de produc;ao ligada a pequena propriedade, tampouco a dispersao dos pr6prios trabalhadores:. Na pro­duc;ao capitalista, a usura nao pode mais separar as condic;oes de produc;ao do tra­balhador e o produtor, porque estes ja se en con tram separados.

A usura apenas centraliza os bens, especialmente sob a forma de bens de di­nheiro, onde os meios de produc;ao ja se encontram disperses, onde, portanto, o trabalhador produz com maior ou menor autonomia,· como pequeno campones, corporado (pequeno comerciante) etc. Como campones ou artesao, quer esse cam­pones seja ou nao um servo, quer esse artesao esteja associado ou nao a uma guil­da. Nao apenas se apropria da parte do trabalho excedente da qual dispoe o pr6-prio servo, ou de todo o trabalho excedente, quando se trata de cam~ones livre etc., mas ainda se apropria - dos instrumentos de produc;ao que, nommalmente, permanecem como propriedade do campones, que se relaciona com eles, na pro­duc;ao, como proprietario. Essa usura se assenta sobre essa base, sobre _esse modo de produ~iio, o qual ele nao altera mas adere apenas como urn parastta, desgra­c;ando-o. Suga, desenerva-o e provoca sua reproduc;ao em condic;oes sempre mais abjetas. Dar o 6dio popular contra a usura, particularmente nas circunstancias anti­gas, em que essa determinidade da produc;ao - a propriedade que tern o produ­tor com relac;ao as condic;oes de sua produc;ao - constitui ao mesmo tempo as ba­ses das rela<;oes polfticas e da' autonomia do cidadao. Isso termina quando o traba­lhador nao mais possui as condic;oes de produc;ao. E junto termina, ao mesmo tem­po, o poder da usura. De outro lado, enquanto domina a escravidao ou [enquan­to] o trabalho excedente e consumido pelo senhor feudal ou seus servidores e cai nas garras da usura, o modo de produc;ao permanece o mesmo, tomando-se so­mente mais arduo. 0 mantenedor de escravos ou o senhor feudal endividados su­gam mais, porque estao sendo sugados. Ou finalmente cedem seu l~gar ao usura­rio que se toma proprietario da terra etc., assim como com o cavaletro ( eques) da antiga Roma. No Iugar do explorador antigo, cuja explorac;ao era urn instrumento de poder mais ou menos polftico, aparece urn arrivista rude e avido por dinheiro. Mas o proprio modo de produc;ao nao se altera.

0 usurario tern atua<;ao revolucionaria em todos os modos de produc;ao pre­capitalistas, mas apenas de urn ponto de vista polftico, ao destruir e arruinar as for­mas de propriedades em cuja base firme, a saber, a reproduc;ao constante da mes­ma forma, se assenta a articulac;ao polftica. E atua tambem de urn modo centraliza­dor mas somente na base do antigo modo de produc;ao, em vista do que a socie­dacle, com excec;ao dos escravos, dos servos etc., e dos novos senhores, se dissol­ve numa plebe. Em suas formas asiaticas, a usura pode prolongar-se por muito tempo, sem provocar outra coisa do que a degenerac;ao econo_mica e a deterioriza­c;ao polftica, sem contudo dissolver realmente. Somente num~ epoc~ e.m que se en" contram disponfveis as demais condic;oes para uma produc;ao capttahsta - traba­lho livre, mercado mundial, dissoluc;ao do vinculo social antigo, desenvolvimento do trabalho ate determinado nfvel, desenvolvimento da ciencia etc. - e que a usu­ra aparece como meio de constituic;ao de urn novo modo de produc;ao; ao mesmo tempo, como rufna dos senhores feudais, colunas do ~lemento an~bur~es, e ruf­na da pequena industria, agricultura etc., em suma, meto de centrahzac;ao das con-dic;oes de trab~lho como capital. " . . , _ . . .

Que os usurarios, comerciantes etc. , possuam bens de dmhetro , nao stgmfi-

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ca que os bens da nar;ao, enquanto aparecerem como mercadoria e dinheiro, se concentrem em suas maos.

A produr;ao capitalista tern que, inicialmente, lutar contra a usura, enquanto o usurario nao se toma ele proprio produtor. Uma vez estabelecida a produt;ao capi­tallsta, termina o domfnio da usura sabre o trabalho excedente, de que dependia a continuidade do antigo modo de produr;ao. 0 capitalista industrial embolsa o exce­dente, de imediato, como Iuera. Tambem ja se apoderou, ao menos em parte, das condir;oes de produr;ao, e uma parte da acumular;ao anual e diretamente apropria­da por ele. A partir desse instante, notadamente desde que se desenvolvam os bens industriais e comerciais, o usurario, isto e, o emprestador a juros, se transfer­rna numa mera pessoa que, grar;as a divisao do trabalho, esta separada do capita­lista industrial, mas subordinada ao capital industrial. 20

20 As Ultimas p6g!nas, correspondentes As p. 940 a 950 b do cademo XV, nl!o trazem mais do que uma coletanea de cl· ta~5es. que achamos convenlente nSo reproduzir, tendo em vista o caniter deslll edi~ao. (N. dos T.)

indice

Introduqiio de Jacob Gorender •••••••••• 0 •• 0 ••• •• 0. 0 •• 0 ••• ••••• • 0 ••••• vu

PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLITICA

Introduqiio . ... . . ... .... : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1- Produt;ao, consumo, distribuir;ao, troca (circulat;ao) .... . : : : : : : : : : : : : : : : : 3

1. Produqiio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2. A re/aqiio geral da prodw;ao com a distribuiqiio, troca e consumo . . . . . . . 6

a) Produr;ao e consumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 b) Produr;ao e distribui~,tao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 c) Finalmente troca e circular;ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3. OmetododaEconomiaPolftica 14 4. Produq~o, Meios de produqiio ~ · ;~~~~6~ ·d~ ·P;~d~~a~,· R~J~~d~ · d~

produqao e re/aqoes comerciais. Formas de Estado e de consciencia em re/aqiio com as relaqoes de produqiio e de comercio. Re/aqoes juri-dicas. Re/aqoes familiares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Prefacio •

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LIVRO PRIMEIRO: DO CAPITAL

PARTE PRIMEIRA: 0 CAPITAL EM GERAL CAP. 1-AMercadoria . . . . · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

A) Apontamentos Hist6[icos p~~~ ~·A~liii~~ d~ ·M~~~~d~rl~ . · : : : : : : : : : : : : : : : CAP. 11-0DinheiroouaCirculac;aoSimples . .. . ..... ... .. . ..... . ... .. .

I. Medida dos valores B) TeoriasSobreaUnidade·d~M~dida·d~DI~h~i~~.::: :::: : :: ::::: ::::::

II. Meio de circulat;ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. ...... .... ....... . . a) A metamorfose das mercadorias ............................... . b) A circulaqiio do dinheiro ... . ....................... . ......... . c) A moeda. 0 sinal de ualor

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29 31 47 55 55 62 69 69 76 81

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242 iNDICE

Ill. Dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 a) Entesouramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 b)Meiodepagamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 c) 0 dinheiro universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 IV. Os metais preciosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

C) Teorias Sobre o Meio de Circu/a~ao eo Dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

SAlARIO, PRE<;O E LUCRO

Obseruagoes preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 1-Produc;ao e salarios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 II-Produ<;ao, salarios e lucros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 lll-Salarios e dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 IV-Oferta e procura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 V-Salarios e prec;os . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 VI-Valore trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 VII-Forc;a de trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 VIII-A produc;ao da mais-valia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 IX-Ovalordotrabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 X-0 lucro obtem-se vendendo uma mercadoria pelo seu valor . . . . . . . . . . . . . 167 XI-As diversas partes em que se divide a mais-valia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 XII-A relac;ao geral entre lucros, salarios e prec;os . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 XIII - Casos principais de )uta pelo aumento de salarios ou contra sua redu-

<;ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 XIV-A I uta entre o capital eo trabalho e seus resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

0 RENDIMENTO E SUAS FONTES

1. Desenvolvimento do capital a juros na base da prodw;ao capitalista. Feti­chizac;ao das relac;oes do modo capitalista de produc;ao. 0 capital a juros como a mais clara expressao desse fetichismo. Os economistas vulgares e os socialistas vulgares a respeito do capital a juros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

2. Capital a juros e comercial em suas relac;oes com o capital industrial. For-mas mais antigas, formas derivadas .. . ... ·. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198

3. Separac;ao de varias partes da mais-valia sob a forma de rendimentos dife­rentes. Relac;ao entre juros e lucro industrial. lrracionalidade das formas fetichizadas do rendimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

4. 0 processo de ossificac;ao das formas transformadas da mais-valia e o pro­gressivo afastamento de sua ess~ncia intema: do mais-trabalho. 0 capital a juros como ultimo degrau desse processo. Concepc;ao apologetica do lu-cro industrial como "salario do capitalista" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ·207

5. Diferenc;a essencial entre a economia classica e a economia vulgar. Juro e renda como elementos constitutivos do prec;o de mercado da mercadoria. T entativa dos economistas vulgares de atribuir uma apar~ncia racional as formasjrracionais do juro e da renda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218

6. A !uta do socialismo vulgar contra os juros (Proudhon). A incompreensao da conexao intema entre o juro eo sistema do trabalho assalariado . . . . . . . . 233

7. Observac;oes hist6ricas concementes ao problema do juro. A superiorida­de de Lutero sobre Proudhon na pol~mica contra o juro. Alterac;oes das opinioes sobre o juro em conexao com o desenvolvimento das relac;oes capitalistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236