martins filho, joão roberto. forças armadas e política - 1945-1964

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7/22/2019 MARTINS FILHO, João Roberto. Forças Armadas e política - 1945-1964 http://slidepdf.com/reader/full/martins-filho-joao-roberto-forcas-armadas-e-politica-1945-1964 1/18 N.Cham. 981.0 5 B8 2 3 2.ed Título: O Bras il Republicano / .  8486 A 28574

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N.Cham. 981.05 B823 2.ed

Título: O Brasil Republicano / .

 8486 AC  28574

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Organizado por Jorge Ferreira e

Luci/ia de Almeida Neves Delgado

  Brasil

Republicanoo tempo da experiência democrática

da democratização de 945 ao golpe

civil militar de 964

  iv ro

2  edição

C IV IL IZA ÇÃ O BRA SILE IR A

Rio de Janeiro  8

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Forças Armadas e política 1945 1964:

a ante sala do golpe oão Roberto M artins ilho

Professor Doutor do Departamento de Sociologia da UFSCar.

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o golpe de 1964 deixou tragicamente claro que as forças políticas civis - à

direita ou à esquerda - pecaram ao subestimar a capacidade das Forças Ar-

madas de intervir de maneira autônoma nos destinos do país. Nesse sentido,

não apenas a vitória do movimento golpista, mas a forma como os chefes

militares trataram seus aliados da classe política depois da derrubada do re-

gime civil, mostram um desembaraço imprevisto das forças castrenses. Além

disso, a própria permanência do regime ditatorial ao longo de duas décadas,

num processo que incluiu sucessivos golpes dentro do golpe , escapou a

todos os vaticínios. O mesmo vale para a forma com que os militares saíram

do poder, ao final de um longo e controlado processo de abertura política,em condições institucionais que lhes permitiram manter, até hoje, um status

especial no interior do aparelho de Estado.

A nosso ver, a origem desses equívocos de previsão está na leitura do pro-

cesso político brasileiro, inaugurado em 1930,_mas cujas características mais

importantes amadureceram basicamente durante a década de 1950, sob o

signo da guerra fria. A visão mais influente desse período defende que, até

1964, os militares aceitaram voluntariamente um papel secundário na co -dução do país. Expressa em forma acadêmica na conhecida tese sobre a

dança de padrões na vida política brasileira (Stepan, 1971), a noção de e,

até o início da década de 1960, os militares se auto-restringiam a uma -

ção coadjuvante na vida brasileira já era bastante aceita antes do golpe mil 

de 1964. Em diferentes versões, e~a parte de algumas idéias simples e  

sicas. Por um lado, afirma que são as forças civis as responsáveis únicas elas

mazelas do sistema político inaugurado em 1930, consolidado em 193 e

parcialmente mantido na democracia de 1945-64. Por outro, defende que

são essas mesmas forças as grandes culpadas pelas intervenções militares na

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o BRASIL REPUBLICANO

vida política, sejam as vitoriosas, como as de 1945, 1955 e 1964, ou as fra-

cassadas, como as de 1954 e 1961.

o M IT O D O P AP EL M OD ER AD OR

Um exemplo pitoresco desse enfoque pode ser encontrado no convite à in-

tervenção mili tar fei to em forma de poema pelo jornalista baiano Raimundo

Schaun - o Chamado ao Capitão do Povo -, cujo pano de fundo era o

fracasso das tentativas de golpe mili tar de agosto de 1954 e agosto de 1961.Em meio à aguda crise vivida pelo país, o apelo aos quartéis adquire na pena

de Schaun um tom de quase lamento:

 Mas entregas, oh Soldado ...

tu entregas sem cuidado,

aos príncipes de mãos f inas e perfis raposos

a missão de abrir caminhos que julgas não ser tua.

...E sorriem de ti malandros, esses príncipes;

Do teu ingênuo ser, do teu trabalho puro.

Confundem tudo e ficam sem abrir caminhos.

...E as clareiras se fecham novamente.

o poeta pão era uma voz isolada. Não por acaso, seus versos encontraram

eco nas visões de Oliveiros Ferreira, que os reproduziu, à guisa de abertura,ças Armadas e o desafio da revolução, coletânea de artigos publica-

dos em 1963 e 1964 em O Estado de S.Paulo. No livro o jornalista e profes-

sor propunha, de forma aberta, uma aliança de civis autênticos e a média

oficial idade, a fim de desencadear o processo da verdadeira Revolução Bra-

sileira , que liquidaria o corrupto sistema vigente desde 1937, com sua

burocracia parasitária, seus sindicatos pelegos e príncipes encastelados no

poder. Escrito pouco antes do golpe de 1964, a obra de Oliveiros veio à luz

logo depois da tomada do poder pelos militares.

Em tom e estilos diversos, Alfred Stepan, Oliveiros Ferreira e Raimundo

Schaun apresentam pontos comuns justamente no que diz respeito a uma

1 o o

FORÇAS ARMADAS E POLITICA. 1945·1964

certa visão do papel das Forças Armadas nessa fase histórica - papel que se

explicaria pela insegurança e timidez militares, fundadas numa auto-imagem

de inferioridade em relação à esfera pública e aos mistérios da política. Em

sua forma mais refinada, tal pressuposto apareceria em Os mili tares na pol 

tica, livro em que Alfred Stepan propõe um novo modelo de relações civis-

militares, adicionando-o à clássica lista elaborada na década de 1950 por

Samuel Huntington. Para Stepan, quando se trata da América Latina, nem o

modelo liberal dos pequenos exércitos, nem o profissional dos exércitos for-

tes, mas sob controle civil, parecem adequados para entender a vida polí tica.

Em vez disso, seria necessário distinguir um novo padrão capaz de dar conta

da efetiva relação entre políticos e militares em países como o Brasil. Nas ,

palavras do próprio autor: Esse padrão de relações civis-mili tares, no qual

todos os atores políticos tentam rotineiramente envolver os militares na

política, se diferencia do modelo liberal onde a meta são Forças Armadas

apolíticas (Stepan, 1971, p. 62).1

Stepan deu ao novo modelo o nome de moderador , reconhecendo que

a idéia já estava presente em autores brasileiros. Com isso, procurava descre-

ver a situação específica em que os militares, apesar de constantemente cha-

mados pelos políticos a interferir na vida do país, desempenham um papel

restri to e basicamente conservador, l imitando-se a manter o sistema em fun-

cionamento. Nesse quadro, asintervenções militares geralmente se resumem

à remoção do chefe do Executivo. Realizada a tarefa, o poder é transferid

a outro grupo de políticos civis . Para Stepan, os militares aceitam esse pap I

com base em dois fundamentos: por um lado, porque crêem nas formas po-

líticas parlamentares e, por outro, porque acreditam que não se equiparam

aos civis na capacidade de governar (1971, p. 63).

Não seria isso precisamente o que dizia Mário Schaun, quando falava d

soldado ingênuo e puro que entrega a raposas ardilosas o butim retira-

do da mão dos grupos derrotados, porque julga não ser sua a missão d

abrir caminhos ? Tal comportamento o leva, afinal, de volta aos quartéis f -

chando-se as clareiras e perdendo-se a oportunidade de melhorar o par. N.

linguagem acadêmica, o que este modelo propõe é o fato de que a til

ivis legitimam ativamente a presença dos militares na política, de d

te umpram o p p t limitad que Ih foi pr vi. m n trlbuído. J

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o BRASil REPUBL ICANO

militares aparecem como agentes secundários, que aceitam passivamente a

função a eles designada, fundamentando seu papel numa postura legalista

típica do modelo profissional de Huntington. Em síntese, na linguagem de

Stepan, os militares têm alta legitimidade para intervir, mas baixa legitimida-

de para governar, si tuação que aceitam com certa resignação.

Os militares e a política constituía também um contraponto à obra já ci-

tada de Oliveiros Ferreira, publicada sete anos antes. Ao contrário do pri-

meiro esta é uma obra assumidamente militante, um libelo contra o sistema

político vigente desde o primeiro período de Vargas, visto como o arranjo

que aniquilou as forças sadias da Nação e colocou todas as classes sociais epartidos políticos - inclusive e principalmente os comunistas - sob a égide

.de um Estado que perpetua no país a corrupção, o atraso e a dependência. A

isso tudo, Oliveiros chama o  sistema . Para sair dele, dada a solidez dos

mecanismos políticos que soldaram forças tão diversas, só haveria um cami-

nho: uma aliança orgânica entre militares e civis . Dirigido aos oficiais das

Forças Armadas - os capitães do povo  - o texto-manifesto de Oliveiros

parte de uma constatação:  Não há outra força organizada no país capaz de

enfrentar o 'sistema' senão as Forças Armadas (Ferreira, 1964, p. 82-83).2

Inspirado em Gramsci, Oliveiros via a possibilidade de uma autêntica

Revolução brasileira, desde que se partisse de uma concepção correta de re-

volução nacional, consolidada numa sólida organização que atuaria como o

 príncipe moderno  e cujo motor seria a ousadia de agir. Assim, antes de ser

amadureci da em Stepan, a idéia do papel moderador brotava em Oliveiros,

que pregava abertamente a necessidade de sua superação para levar avante oprograma político que ele atribuíra ao militares: enfrentar a guerra subversi-

va e promover o desenvolvimento autônomo do país. Mas, na sua própria

expressão: Não se pense que (cumprir tal missão) seja apenas intervir no

processo político para entregar de volta aos 'príncipes' a ' 1áquina ad~inis-

trativa saneada de seus defeitos mais gritantes (Ferreira, 1964, p. 89).3 De

tal modo, embora porta-voz de um nacionalismo extremado distante da

amena linguagem acadêmica de Stepan, Oliveiros funda sua visão do papel

das Forças Armadas nos mesmos elementos-chave do padrão moderador, a

saber, timidez militar (que impede o ato decisivo) e manipulação civil (que

corrompe o país e entrava a revolução nacional).

1 O  

FORÇAS ARMADAS E pOlfTICA. 1945-1964

Dessa maneira, Oliveiros, Stepan e Schaun vêem os mili tares como uma

folha em branco à espera do script correto: a revolução nacionalista, como

apregoavam o primeiro e o último; o golpe militar que inaugura um novo

tipo de papel , como constatou, depois dos acontecimentos, o segundo. An-

tes mesmo de submeter essa visão ao escrutínio da história, vale apontar que

a idéia da folha em branco ignora alguns pontos cruciais do papel dos

militares na política brasileira naquela fase. Por um lado, as Forças Armadas

constituíam parte integrante e indissociável do poder polít ico desde 1930 e,

principalmente, depois de 1937. Por outro, a propalada timidez militar-

ou auto-imagem de inferioridade - não parece passar de um mito. Como

veremos, o fracasso das intervenções castrenses de 1954 e 1961 associa-se

não à falta de ousadia dos militares, mas às suas debilidades internas, que se

constituíram em obstáculo para a tomada do poder em condições históricas

concretas. Não é tanto no plano subjetivo - da auto-imagem militar - mas

no plano objetivo das relações de forças que se fez a história das interven-

ções militares das décadas de 1950 e 1960. Quando, finalmente, em 1964,

as Forças Armadas se viram optar a tomar o poder, o fizeram sem grandes

hesitações, arrastando consigo todos os planos civis .

o P ER íO DO P ÓS -1930 E A T RA NS FO RM AÇ ÃO D O E XÉ RC IT O

,.Com efeito, a visão dos militares como sócio menor e hesitante do condomí-

nio político não parece resistir ao mais breve exame da história política d

país depois de 1930. Conforme lembrou, com ampla comprovação empírica,

José Murilo de Carvalho (1982), o Exército foi a principal força propulsora

da revolução que derrubou a ordem oligárquica. É certo, por sua vez, qu a

consolidação da força polít ica dos mili tares no imediato pós-30 enfrentou

imensos obstáculos. Três grandes crises nacionais seriam necessárias até qu

se definisse o caminho afinal vitorioso do fortalecimento organizacional

institucional do Exército, transformado de coveiro da velha ordem a part ir

do Estado Novo.

s an posteriores à Revolução de 1930 foram uma ép ca d pr fUI 

m difi • p líti < r ani z i nnis no f r . t rr tr e.  li I pr oc  I

1  )

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o BRASIL REPUBLICANO

não foi linear, mas ocorreu em ondas sucessivas, que se seguiram à Revolu-

ção de 1932 em São Paulo, à frustrada Revolta Comunista de 1935, e ao

golpe do Estado Novo, em 1937, sem esquecer a tentativa integralista de maio

de 1938. Na verdade, em nenhum outro período de nossa história republi-

cana ocorreram mudanças tão profundas e tão concentradas no tempo, sob

a liderança individual de um grupo tão restrito de generais. Os dois líderes

incontestes desse processo foram Góes Monteiro - o tenente-coronel que,

depois de 1930, passou a general de divisão em apenas dois anos - e Eurico

Gaspar Dutra, que chefiou o Ministério da Guerra entre 1937 e 1945, dei-

xando o cargo para se candidatar a Presidente da República. Góes foi minis-tro da Guerra entre 1934 e 35 e chefe do Estado-Maior do Exército de 1937

a 1943. Com o apoio decisivo de Getúlio Vargas, os dois generais consegui-

ram tornar o Exército uma organização coesa, politicamente homogênea e

socialmente permeável às classes média e alta da população. Na expressão

muito citada de Góes Monteiro, conseguiram tornar a política no Exérci-.

to na polít ica do Exército num curto espaço de tempo (Carvalho, 1982,

p.142).

É bom ter em mente que a parcela do Exército vitoriosã em 1930 era

parte de uma organização militar profundamente dividida não apenas hori-

zontalmente, como o provam as inúmeras revoltas de praças e sargentos

ocorridas no imediato pós-30, mas também no sentido vertical, em vista das

incertezas e divergências no interior da alta oficial idade, quanto ao papel que

deveriam ter os militares no novo regime. Nesse quadro, a história da déca-

da de 1930 é a da eliminação não apenas das correntes reformistas e mesmoesquerdistas - tarefa consolidada depois da derrota da Revolta Comunista

de 1935 -, mas também dos generais da geração da Primeira República-

missão facilitada pelo afastamento destes oficiais após a derrota da Revolu-

ção de 1932, com a qual muitos deles se alinharam. Ao mesmo temp.o, no

decorrer dessa década, as sucessivas crises político-militares tornaram possí-

vel convencer Getúlio de que era necessário fortalecer as Forças Armadas

enquanto organização.

Ao final da década, antes mesmo da eclosão da Guerra Mundial, o Exér-

cito de Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra era uma organização purifi-

cada política, social e ideologicamente, modernizada m eu quipament s

1 01\

FORÇAS ARMADAS E POL TICA, 1945-1964

com lugar garantido no orçamento da Nação, ampliada de 38 para mais de

90 mil homens (Carvalho, 1982, p. 136), contando com o serviço militar

obrigatório para formação de suas reservas, em pleno controle das forças

policiais dos/estados e nitidamente mais disciplinada. Politicamente, as

Forças Armadas, sobretudo o Exército, tinham ascendido a um papel cen-

tral no aparelho de Estado. Depois do golpe de 1937, os militares passa-

vam a ser os principais fiadores tanto da ordem social como da política de

desenvolvimento nacional do regime do Estado Novo. Após a repressão

das forças da esquerda, do movimento integralista e das oligarquias regio-

nais, Estado e Forças Armadas tornavam-se difíceis de distinguir. Mais doque da defesa nacional, o Exército cuidava da ordem interna e fazia-se fia-

dor da política de industrialização nacional. Esse ator mili tar parecia dis-

tante do idealizado agente social tímido e inseguro, que precisava ser

exaltado a ocupar um lugar na política.

A S FO R ÇA S A R MA DA S E O FIM DO ESTA DO NO V O

Finda a Segunda Guerra Mundial, da qual o país participou na fase final com

a Força Expedicionária Brasileira (FEB), coube às Forças Armadas desemp '-

nhar o papel de ator principal no processo que levaria à queda de Getúli

Vargas e ao fim do Estado Novo. Conforme mostrou Edgard Carone (198 ),

os militares foram os avalistas da solução para a crise configurada a partir do

momento em que várias forças sociais - inclusive o Partido Comunista -passaram a apoiar a continuidade do poder getulista. Com a queda de Getú-

lio, a 29 de outubro - quatro dias depois da reunião de generais chefiado

por Góes Monteiro que selou sua sorte polí tica -, o presidente do Suprem

Tribunal Federal José Linhares foi chamado ao Ministério da Guerra. Ali /l

já candidatos à presidência Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes lhe (o-

zem o convite para ocupar o cargo vacante , afastando assim as corr nre

que pretendem a formação de um triunvirato militar ou a posse do atu I Mi-nistro da Guerra, general Góes Monteiro (Carone, 1985, p. 11). V ai diz r,

dois candidatos militares, um general e um brigadeiro, evitam um tri un v I\1  1

tr n um n ulad militar;« b m dr d m ra ia. A (os lo I) : ti I I,

1 o

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o BRASIL REPUBLICANO

ra indicou os chefes de Executivo que deveriam substituir os interventores

s estados.

É certo que a ascensão por via eleitoral de Eurico Dutra à presidência,

omo candidato do PSD, com 550/0 dos votos contra os 35% atribuídos a

duardo Gomes (UDN), teve que contar com a decisiva mudança de posição

e Getúlio Vargas, que apoiou a eleição de seu ex-rninistro da Guerra. No

tanto, a parcela mais influente das Forças Armadas estava definitivamente

fastada de Vargas, que passou a significar tudo o que os militares conserva-

res mais temiam. Por sua vez, nos cinco anos de seu governo, o presidente

tra aproximou-se da UDN, colocou o PCB na ilegalidade, cassou o man-

to dos parlamentares comunistas e atacou sindicatos e associações popu-

res. Nesse sentido, o tom ideológico que iria preponderar nos setores civis

militares mais conservadores durante a guerra fria foi antecipado pelas

clarações do chefe da polícia do novo governo, Pereira Lira, para quem o

entido da ação dos comunistas estava claro:

para destrui r o Estado, lançam a confusão, mentem por sistema, injuriam as

autoridades que o nosso povo elegeu, no mais livre dos pleitos e exploram

as difi culdades econômicas resultan tes da últ ima guerr a ( ... ). Daí o incita-

mento à greve, à desordem, através da fo rmação dos sindica tos e confede-

rações de sindica tos, à margem dos reconhecidos pela lei; daí os comícios

diários, com finalidade deliberada de criar agitação; daí a demagogia infrene,

com o propósito de aliciar para a sua obra de destruição certas classes que

se destacam na vida pública pelo seu idealismo e pela sua generosidade (Ci-

tado em Carone, 1985, p. 22).

o entanto, as candidaturas de Dutra e Eduardo Gomes em 1945 e a nova

ição do brigadeiro nas eleições de 1950 marcam um período em que a

icipação política das Forças Armadas ainda estava bas~ante calcada na

tuação de algumas personalidades. A partir de 1947, o advento da guerra

ia inauguraria uma fase em que o grupo militar conservador começaria a se

cupar com as perspectivas de uma intervenção mais orgânica dos milita-

es na política, em termos antes institucionais que individuais, na tradição

ncentivada nos anos 30 e 40 por G6es Monteiro. Ao mesmo temp ,a divi-

, o

FORÇAS ARMADAS E POLITICA. 1945-1964

são do mundo sob a guerra fria serviu para agravar as tendências antico-

munistas já existentes nas Forças Armadas, particularmente depois da rebe-

lião de 1935. É nesse quadro que assume particular importância a criação de

uma importante instituição militar no Rio de Janeiro.

A ESG E O PAC TO FAUSTI AN O

A Escola Superior deCa nasceu duas vezes. A primeira vez em 1948,

como continuidade da idéia original de 1942, que previa um curso de AltoComando a ser freqüentado inicialmente por generais e coronéis e, logo, por

altos oficiais das três armas. O clima mundial rapidamente cambiante daque-

la fase atropelou o projeto inicial, graças à disposição americana de enviar

ao Brasil uma missão de assessoria. Assim, a 20 de agosto de 1949 a escola

surgiu na sua feição definitiva, comandada pelo general Oswaldo Cordeiro

de Farias, e subordinada ao Estado-Maior das Forças Armadas (Arruda, 1980,

p. 1-4).4

Na visão de Alfred Stepan, a própria criação da ESG confirma a tese de

que os militares se viam como mal preparados para enfrentar os grandes

problemas da Nação. Para ele, a escola nasceu da necessidade sentida p r

alguns chefes militares de aprender com os civis os assuntos que os altos ofi-

ciais não dominavam, principalmente na área da economia (Stepan, 1971

p. 172). Contudo, um exame mais atento da formação da ideologia militar n

partir dessa época revela também a capacidade autônoma de produzir i d é i r se ideologias no âmbito da nova escola. O mais correto, nesse sentido, seria

dizer que o grupo que fundou a ESG partia da percepção da necessidade d

estreitar os laços entre elites mili tares e civis na luta contra o comunismo. A

história da escola não parece evidenciar qualquer sentimento de modéstia

militar diante da sabedoria dos polí ticos civis. Para isso contribuíram dccisi-

vamente vários fatores, entre os q uais ressaltam a experiência do Estado N vo,

a participação vitoriosa na Segunda Guerra e os estrei tos laços que o c rru n-

do da FEB consolidou, a partir de então, com os militares norte-am -r i < no .

Di nte de se quadro, a fundação da ESG marcou o prim ir I  1 11 o I\11 11 l le militar pl 110m nt ns i nt d qu a atua   dr s   r 1/1 AI IIII

1 ) 7

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o BRASIL REPUBLICANO

das enquanto insti tuição exigia antes de tudo a superação das divisões inter-

nas, das lutas de personalidades e da atuação de grupos localizados que mar-

cavam o campo militar até então. Nesse caso, a consolidação de uma ideologia

hegemônica tinha como alvo principal cimentar a unidade institucional. Mais

do que uma vontade de aprender, parecia revelar um desejo de potência.

Desde o início, ficava claro que a ESG surgia mais como uma escola de altos

estudos sociais , polít icos e econômicos do que uma escola de guerra.

o . próprio conceito-chave de segurança nacional procurava diferen-

ciar-se da idéia clássica de defesa nacional , cuja conotação mais estreita os

fundadores da ESG queriam evitar. A noção de segurança , mais ampla que

a de defesa, se originava da idéia norte-americana da necessidade de uma

mobilização total da sociedade como pré-condiçâo de uma vitória na guerra

moderna. No Brasil, ela foi traduzi da em termos da urgência militar de en-

frentar os problemas nacionais como um conjunto, onde os aspectos sociais

e polít icos seriam indissociáveis dos aspectos mili tares. Em termos ideais, a

 segurança nacional seria sobretudo uma condição em que a Nação se en-

contraria garantida contra quaisquer tipos de ameaças. A fim de proporcio-

nar tal segurança à Nação o Estado tinha que assegurar, antes de tudo, o seu

desenvolvimento (Arruda, 1980, p. 19-28).5

Já em 1952, o então coronel Golbery do Couto e Silva definia a situação

mundial, criada a p artir da intensificação do conflito entre EUA e URSS como

um cenário de  bipolarização rígida do poder no campo internacional e de

crescente antagonismo entre Ocidente cristão e Oriente comunista . Nessa

situação, a condição humana testemunharia o agravamento do antigo dile-

ma hobbesiano que opunha liberdade e segurança. A única garantia de segu-

rança seria o fortalecimento do poder nacional. O sistema de relações

internacionais em que dominavam duas potências tornava obrigatório para

o Brasil vencer asveleidades isolacionistas e aceitar o bipolarismo como único

solo onde nosso poder nacional tinha que ser cravado. De' tal maneira, na

teoria geopolítica que surgiu junto com a ESG, o destino do Brasil estava

indissoluvelmente ligado ao destino do Ocidente e a soberania nacional só

seria defendida numa guerra sem tréguas à sua principal ameaça: o Império

Universal da URSS. No quadro do conflito entre as duas potências, caberia

ao Brasil a defesa do estuário amazônico, do Nordeste e do A tlânt ico u l

1 O

FORÇAS ARMADAS E POLITICA. 1945-1964

(Couto e Silva, 1981, p. 7-14). Esses seriam nossos trunfos e ônus nagrand

barganha que fundamentaria nossa aliança com os Estados Unidos da Am -

rica:

 Não há para nós alternativa outra senão aceitá-Ios e aceitá-Ios consciente-

mente - pois de forma alguma poderíamos abrir mão de deveres que sãoexclusivamente nossos, como o da defesa da integridade do território nacio-

nal e não menos o dasegurança do Atlântico Sul (...). Mas, por outro lado, o

dire~to de utilizaZ:0-de~osso território, sejapara o que for, é um direito ex-

clUSIVOe nossa soberania que não devemos, de forma alguma ceder por umprato de lentilhas (Couto e Silva, 1981, p. 52)

Com base nessa constatação, a doutrina hegemônica no seio das Forças Ar-

madas vinculou num pacto faustiano os objetivos da Nação aos objetivos da

Segurança Nacional dos Estados Unidos. Como na Quinta Sinfonia de Beetho-

ven, dizia o coronel, os acordes iniciais da guerra fria marcavam o desafi

que se apresentava: cabia às elites do país aceitar ou não esse destino mani-

festo.Nesse quadro mais amp a nova doutrina acabava por destinar às For-

ças Armadas um papel bastante amplo de defesa global das instituições n••

cionais. Como lembrou em conferência na ESG o primeiro president <   I  

regime mili tar do pós-64, sua principal característ ica era a preocupação rn

a agressão interna , corporif icada na infi ltração e subversão ideológica. No

limite, tal agressão se expressaria em movimentos de guerrilha, mais pr v •veis que uma guerra externa. Tratava-se de uma guerra insidiosa e traiçoeira.

marcada pelo enrijecimento ideológico e pela infil tração (Castelo Bran

1967).

A E SG E A G UE RR A R EV OL UC IO NÁ RIA

Com efeito, a alusão à guerra revolucionária revela um asp ct o mais dl n 111·

co menos entendido da doutrina militar daquela fas . Ness s nti 1 0 , 11 1  I

upr xclusiv a do studios s m a utrina de ur anç I N, 011 li,

  o

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o BRASIL REPUBLICANO

vista como corpo já consolidado no início da década de 1950, impediu que

se percebesse outro processo, que se desenrolou na esteira da Revolução

Cubana  1959 . Trata-se das modificações ocorridas na doutrina da guerra

da ESG e das escolas de estado-maior, sobretudo na Escola de Comando e

Estado-Maior do Exército. Em seu alcance mais amplo, esse processo teve

profundas repercussões na visão de mundo dos mil it ares ant icomunistas.

Embora a ESG já se referisse à  guerra revolucionária desde o seus primei-

ros tempos (Arruda, 1980, p. 19 , a expressão ganhou sentido especial no

final da década de 1950. Como lembrou o general Octávio Costa, em depoi-

mento aos pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas:

Nesse momento, estávamos profissionalmente perplexos, sem saber que di-

reção tomar. ( ... ) Então começamos a tomar conhecimento de novas expe-

riências (... ). Nessa ocasião, a literatura militar francesa (.. .) começa a formu-

lar um novo tipo de guerra. Era a guerra infini tamente pequena , a guerra

insurrecional, a guerra revolucionária. (... ) Isso entrou pelo canal da nossa

ESG, e foi ela que lançou as idéias sobre as guerras insurrecional e revolu-

cionária e passou a nelas identif icar o quadro da nossa própria possível guer-

ra. Para nós ainda não havia guerra nuclear, a guerra convencional já estava

ultrapassada. Mas havia uma guerra que nos parec ia estar aqui dentro. (... )

Isso tudo contr ibuiu para a formulação da nossa própria dout rina da guerra

revoluc ionária, que resul tou no movimento militar de 64 (D'Araujo et alii,

1994, p. 77-78 .

Com mais precisão cronológica, um historiador da ESG localiza o momentode importação das idéias francesas no início de 1959, logo após a vitória da

Revolução Cubana. Em conferênc ias p ronunciadas naquela escola nesse ano

e em 1960, o general Augusto Fragoso mencionou pela primeira vez os teó-

ricos militares franceses Gabriel Bonnet e Claude Delmas e a definição da

Escola Superior de Guerra de Paris para a guerra revolucionária: •

Doutrina de guerra, elaborada pelos teóricos marxistas-Ienini stas e praticada

por movimentos revolucionários diversos que visam à conquista do Poder

através do controle progressivo, físico e psicológico, das populações, com a

ajuda de técnicas particulares, apoiados numa mistica e seguindo um pr  s-

1 1 O

fORÇAS ARMADAS E POLfTICA. 1945-1964

so determinado. Tal doutrina pode acomodar-se a todas as formas de guerra

(Arruda, 1980, p. 246 .

Em 1961, a mesma conceituação seria adotada oficialmente pelo Estado-

Maior das Forças Armadas no Brasil:

é a guerra interna, de concepção marxista-Ieninista e de possível adoção p r

movimentos revolucionários diversos que - apoiados em uma ideologia,

estimulados ~esmo, auxiliados do exterior - visam à conquista do pod  1 

através do controle progressivo, f ísico e espir itual, da população sobre que

desencadeada, desenvolvendo-se segundo um processo determinado, com n

ajuda de técnicas part iculares e da parcela da população assim subvertida

(Arruda, 1980, p. 248 .

No início da década de 1960, o agravamento da crise social e política contri-

buiu para consolidar no meio militar a idéia de que a guerra revolucionária

já começara no país. Apesar das perplexidades, as Forças Armadas não de-

penderam dos civis para redefinir suas doutrinas. Ao contrário, o mais brcv

exame do debate que se desenvolveu no interior da ESG parece evidenciar

uma corporação que tratava de expandir seu papel ativa e dinarnicament ,

desde o final da década de 1940. Diante de tantas idéias militares, a imag  111

antes citada da página em branco parece cada vez mais inadequada. N o

entanto, é bom lembrar que a ideologia aqui examinada era hegemônica, m

não exclusiva, no campo militar. Como veremos a seguir, o Clube Miliu r

tornou-se, nessa fase, em tempos de guerra fria, palco de intensa disputa cntr

os anticomunistas e uma corrente militar nacionalista, que criticava o alinha-

mento do Brasil com os Estados Unidos e via no imperialismo e não no o-

munismo o principal inimigo do país.

O S C ON FL IT OS N O C LU BE M IL IT AR

m maio de 1950, no clima que precedeu as eleições que mar < rum. voltu

d túli V . r a a p d r, ntã r n I Iímpi M urâ - o ~ 1 1 I II

I 1 1

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o BRASIL REPUBLICANO

que precipitou o golpe militar a 31 de março de 1964 - no momento em

que abriu a votação na distante São Leopoldo (RS), assim apresentou as duas

chapas que concorriam ao Clube Militar, em presença do tenente-coronel

Ernesto Geisel:  Meus oficiais, aqui estamos reunidos para democraticamente

eleger a nova diretoria do Clube Militar. Como os senhores já sabem, temos

aqui duas chapas: a Chapa Azul, que é a chapa democrata, encabeçada pelo

Gal. Cordeiro de Farias, e a Chapa Amarela, que é a chapa comunista. Vocês

tenham a bondade de se aproximar e votar (Barreto, 1988, p. 32).7

O coronel tinha razão pelo menos num ponto, a situação militar.do pós-

45, democratizara o debate do Clube Militar, transformando-o numa vál-vula de escape para o debate de grandes temas nacionais, fora do controle da

hierarquia. Como apontou um estudioso, entre 1944 e 1950, o número de

seus sócios triplicara, passando de 3.000 para 9.000 .Quanto à participação

nas eleições: em 1944, quando da eleição do general Pessoa, somente 1.000

oficiais haviam votado. Em 1950, quase 80% da totalidade dos sócios do

Clube (6.805 oficiais aproximadamente) votaram (Peixoto, 1980, p. 92).

Segundo Nelson Werneck Sodré, o crescimento da importância do Clube

Mili tar sedeveu muito ao papel desempenhado por esta agremiação no debate

sobre a legislação relativa à exploração do petróleo, iniciado em 1947:  com

o caso do petróleo e a amplitude nacional da defesa dos interesses brasileiros

nesse caso, a questão do Clube Militar ganhou o primeiro plano (Sodré,

1965, p. 305). Assim, na década de cinqüenta, os problemas que inquieta-

vam o país encontraram eco na polarização das chapas concorrentes à dire-

ção daquela entidade.Voltando aos dois grupos que disputavam as eleições do Clube, caracte-

rizados pelo coronel Mourão como democratas e comunistas , é preciso

reconhecer, de início, que essa denominação consti tuía um erro interessado.

Nem eram democratas os membros da Chapa Azul, nem comunistas todos

os partidários da Chapa Amarela. Na verdade, na eleição de 195{) e nos

pleitos bianuais subseqüentes defrontaram-se as correntes que chamaremos

aqui de  nacionalistas  e antinacionalistas . A primeira, agrupada na Cha-

pa Amarela, tinha como marca registrada a defesa da industrialização do país

com características autônomas, posicionando-se de forma abertamente críti-

ca contra o papel dos trustes internacionais e contra uma política ext rnn

 l

FORÇAS ARMADAS E POLfTICA, 1945·1964

de alinhamento com os Estados Unidos. O segundo grupo, abrigado na Cha-

pa Azul, defendia uma postura favorável tanto em relação à participação do

capital estrangeiro na industrialização do país, quanto à aliança com os EUA

nos quadros da guerra fria.

A partir de 1950, com a perspectiva da volta de Vargas ao poder, o ver-

dadeiro pomo da discórdia passou a ser a política de mobilização popular

inerente à política trabalhista.  Nesse sentido, o processo de divisões milita-

res dos anos 50 de/continuidade às divisões civis-militares presentes no

.cenário nacional desde os últimos tempos do Estado Novo. O bloco antivar-

guista incluía não apenas os militares da Chapa Azul, mas os conservadoresde variada plumagem, sobretudo os liberais da União Democrática Nacio-

nal , com fortes vínculos com as oligarquias rurais. O cimento dessa aliança

era o ódio à mobilização popular. Como disse Antônio Carlos Peixoto,

 o que não acei tavam nessa polí ti ca era sobre tudo a mobil ização e a par tici-

pação crescente da classe operária, além de uma polít ica externa que se afas-

tava da aliança privilegiada com os Estados Unidos. Para esses grupos , indus-

trializar significava atrair o capital est range iro , re forçar os laços com os Esta-

dos Unidos, enquanto se mantinha a classe operária afastada do processo

político (Peixoto, 1980, p. 80).

Ao se depararem com a eficaz militância dos membros da Chapa Amar I.

entre a baixa oficialidade, que lhe garantiu a vitória nas eleições de maio d

1950 por 3.883 votos contra 2.721 da Chapa Azul, os antinacionalistas, qupreferiam se denominar de nacionalistas sadios , batizaram a organizaçõ

criada para coordenar sua participação política com o nome de Cruzado

Democrática. Fundada em fins de 1951 (Vargas voltara à presidência a 31 d

janeiro desse ano), como corrente de oposição à diretoria eleita em 1950 '

esse grupo passou a defender, como era de se esperar, a despolitizaçâo do

Clube Militar e o respeito à hierarquia  .10 Assim, no programa para as   j.

çõ es de 1952, a CD propugnava a ação das autoridades militares co rnp •

tentes sempre que a defesa dos interesses da comunidade mili~ar ntr

m conflito com os interesses gerais da nação (Bar reto, 1988, p. 6 • }4). (

pan de fundo para essas posições era o debate que se instal 11 nn P H 1\ ,

1 1 I

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o BRASIL REPUBLICANO

da Revista do Clube Militar, a partir de julho de 1950, sobre temas polêmi-

cos como a participação brasileira na Guerra da Coréia, a criação de um

exército interamericano, a assinatura dos acordos militares Brasil-Estados

Unidos, o projeto da Hiléia Amazônica e a questão dos minerais atômicos.

O forte respaldo de que gozavam os membros da Cruzada nas estruturas

de comando, responsáveis por toda sorte de pressões no meio militar - de

transferências a prisões, de inquéritos militares a torturas - garantiram a

vitória da Chapa Azul nas eleições de maio de 1952 (Sodré, 1965, p. 330-

345). Estillac Leal, que se demitiria em março de 1952 do Ministério da

Guerra, encabeçou a chapa derrotada. Nas eleições seguintes, o agravamen-to da crise polít ica que resultaria no suicídio de Vargas e a eficácia das pres-

sões nos quartéis garantiriam vitória ainda mais esmagadora da chapa

antinacionalista. Após o suicídio, as eleições de 1956 no Clube Militar já

refletem uma nova configuração, resultante da aliança dos nacionalistas com

uma corrente legalista da hierarquia (Barreto, 1988, p. 86; Peixoto, 1980, p.

104). Realizado sob a fiscalização atenta do próprio ministro da Guerra,

marechal Lott, o plei to desse ano expressou o refluxo temporário das forças

conservadoras, resultando na vitória da Chapa Amarela por estrei ta margem.

IV - RESULTADOS DASELEIÇÕES PARA OCLUBE MILITAR (1950-1958)

1950 1952 1954 1956 1958

Chapa Amarela 3.883 4.489 2.050 6.725 8.000

Chapa Azul 2.721 8.288 7.145 6.665 7.000

Fonte: Peixoto (1980); Barreto (1988).

No entanto, mais do que uma descrição da dinâmica das eleições do Clu-

be Militar nos anos 50, o ponto que interessa aqui examinar com mais cui-

dado é a questão das relações entre a corrente militar antinacionalista -

aquela que aparecia no Clube Militar como Chapa Azul - e o grupo da Es-

cola Superior de Guerra. Tal exame pode parecer desnecessário, uma vez que,

grosso modo, os dois grupos quase se confundiam não só no que diz respeito

aos seus membros como também em relação às posições defendidas no clima

1 1 <1

FORÇAS ARMADAS E POLíTICA. 1945-1964

de polarização estabelecido na década de 195 11 Com efeito, na literatura

sobre o período, é comum encontrar a ESG e os antinacionalistas do Club

Militar como duas faces da mesma moeda. Mas cremos que essa caracteriza-

ção é imprecisa e gera confusões na avaliação das relações de força no cam~

po militar, não apenas na fase que estudamos, mas também no período do

pós-golpe.De início, é fácil constatar que os partidários da Chapa Azul e da Cruza-

da Democrática eram os mesmos oficiais que apoiaram ativamente o golpe

de 1964. Mais especificamente, um exame dos nomes que compuseram aque-

las chapas mostra um verdadeiro  quem é quem  dos governos ditatoriaisdo pós-64: o próprio general Castelo Branco foi candidato a presidente da

Chapa Azul em 1958. Contudo, é preciso compreender que a Escola Supe-

rior de Guerra não se confundia com a corrente antinacionalista atuante no

Clube Militar. Sua ação se dava em âmbito diverso. Como explicou Eliezer

Rizzo de Oliveira (1976), a ESG faz parte da estrutura das Forças Armadas e

sua atuação visa sobretudo o aparelho de Estado. Nesse sentido, os oficiais

vinculados à ESG participavam das lutas no Clube Militar , mas nunca perde-

ram a noção de que seu principal objetivo, a longo prazo, era definir uma

doutrina e uma linha de ação para as Forças Armadas.

Os oficiais da ESG atuavam, em grande medida, nos bastidores e nos

gabinetes. Conscientes, porém, de que os grupos antinacionalistas militant s

consti tuir iam a base de apoio indispensável a qualquer projeto militar n-

servador, procuravam preservar com eles as melhores relações. Confundir

os dois grupos, no entanto, nos impede de compreender que o golpe de 1 ,4foi tramado e executado por duas correntes diversas: de um lado, uma mas-

sa de oficiais militantes (que encontrou seu líder, no final do processo, 11

general Costa e Silva); de outro, uma elite restrita de altos-oficiais, cuja atua < o

direta só aparece à luz do dia em momentos muito específicos.  A fim d

entender melhor esse ponto, que reforça nossa tese da capacidade de atua Io

política autônoma das Forças Armadas, examinemos brevemente os a 0111 -

cimentos da década final do período em questão.

11  

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o BRASIL REPUBLICANO

A ASCENSÃO DO GOlPISMO

Do Memorial dos Coronéis (fevereiro de 1954) ao golpe de 1964, mais de

duas dezenas de manifestações militares agitaram a vida política do país.

Manifestos à nação, memoriais, discursos, mensagens-circulares, notas ofi-

ciais, documentos de chapas ou de diretorias de clubes militares e entrevistas

de altos oficiais (ver quadro) constituíram a forma usual de interferência

mili tar na polít ica. Assim, em contraste com o período do Estado Novo e

com os governos militares do pós-64, em que oficiais das três forças rara-

mente expressavam em público suas divergências, entre 1945 e 1964 sóhouverelat iva calma nos quartéis nos governos Dutra e jânio Quadros. Não por

acaso, um almirante e protagonista importante do regime mili tar chamou

essa fase de uma década polít ica (Bierrenbach, 1996). Getúlio Vargas go-

vernou sob constante pressão castrense e preferiu suicidar-se a sofrer outro

golpe militar, Carlos Luz foi derrubado por um golpe preventivo, Juscelino

enfrentou rebeldia e revoltas militares e João Goulart viu seu governo nas-

cer, viver e morrer à sombra das armas.

Contudo, a análise da dinâmica das lutas militares nessa fase deve evitar

a excessiva simplificação. Nesse sentido, já apontamos a especificidade da

ação da ESG. Há que reconhecer também que certas personalidades indivi-

duais são difíceis de enquadrar nas correntes que polarizavam o campo

castrense. O caso mais t ípico é o do general Lott. Além disso, é preciso ter

em mente as diferenças dentro das Forças Armadas. Desde 1954, a Aeronáu-

tica era terreno praticamente exclusivo dos anticomunistas. Na Marinha,conhecida por seu elitismo, também havia pouco espaço para dissidências, e

o quadro se agravou sobremaneira com a eclosão das revoltas de marinhei-

ros, no início dos anos 60. Assim, quando se fala de polarização militar, pen-

sa-se principalmente no Exército.

Em outros capítulos desta coletânea, o leitor poderá encontrar análises

mais detalhadas das crises políticas do período em 'questão. Aqui, o objetivo

será sobretudo reforçar nossa idéia da autonomia da atuação militar. O pon-

to inicial da análise será o Memorial dos coronéis , documento assinado

por quase uma centena de coronéis e tenentes-coronéis e divulgado em feve-

reiro de 1954.13 Visto em geral como expressão de frustrações de uma ofi-

, ,

FORÇAS ARMADAS E POLITICA. 1945-1964

cialidade de classe média ameaçada pela ascensão da classe trabalhador

(Sodré, 1965, p. 352), o manifesto parece revelar também um acentuado

esforço de unificação do Exército. Desse modo, a escolha da forma memorial

não é inocente. Enquanto instrumento de unificação institucional, o docu-

mento ganhava legitimidade na medida em que se apresentava como mani-

festação de oficiais no nível do pré-generalato, em favor da unidade da força,

tendo como público alvo os escalões inferiores. Conforme apontou Nelson

Werneck Sodré, o memorial refletia as posições do alto comando do Exérci-

to e da corrente antinacionalista. Sua eficácia maior estava na percepção geral

de que por trás dos coronéis estavam os generais. Não por acaso, o explosi-vo documento derrubou dois ministros de Vargas - do Trabalho e da Guer-

ra - e abriu a crise cujo desfecho final foi o suicídio do presidente.

Na visão aí exposta, o país vivia grave crise de .autoridade. Diante das

agitações divisionistas dos eternos promotores da desordem e  com o co-

munismo solerte sempre à espreita , abria-se o risco de subversão violenta

das próprias instituições . A solução apresentada era uma campanha de

recuperação e saneamento no seio das classes armadas , a ser realizada pelo

chefes militares, com o apoio da oficialidade. Seguia-se uma enumeração d

.carências corporativas, enfatizando-se a comparação com as cond iç õ

vigentes nas outras forças. Nesse quadro, mencionavam-se os motivos de in-

satisfação tanto da média oficialidade (desigualdade salarial com os altos fun-

cionários civis, dificuldades de ascensão profissional, dado o ingresso d

critérios políticos nas promoções), quanto da oficialidade mais baixa (aurncnt

do custo de vida, aproximação com os níveis salariais da classe trabalhadorn,em virtude da política de Vargas e Goulart). Mas, a nosso ver, o tema central

era a necessidade de reforçar a coesão militar, em vista da ameaça sempr

presente da infiltração de perniciosas ideologias antidemocráticas ou do es -

pírito de part idarismo polít ico , aguçada principalmente em períodos pr -

eleitorais. Redigido por coronéis, o memorial expressava bem a posição d

grupo de generais que atuava nos bastidores, a partir dos postos mais ai o

de comando (Ferreira, 1964, p. 122-129).

Nesse quadro já tenso, o episódio da morte do major aviad r Rub n

Vaz, a 5 d agosto de 1954, no atentado que visava Carlos La rda, Ir \ ()

1 • r itu a m ilita r num n v pr tom r. ubitam nt unifi r m

1 1  

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o BRASil REPUBLICANO

alas conservadoras nas três forças armadas, ao mesmo tempo em que se

mostravam capazes de apresentar o afastamento de Vargas - considerado o

principal responsável pela desenvoltura da corrente mili tar nacionalista -

como objetivo geral e premente do conjunto das Forças Armadas. Tal am-

pliação se expressou no manifesto de dezenove generais precedido pelo de

trinta brigadeiros da FAB que, com base nas violentíssimas investigações

efetuadas pela Aeronáutica - apontando para elementos da segurança

palaciana -, exigiam a renúncia do presidente. Não fosse o suicídio de Vargas,

e a comoção nacional que se seguiu, o golpe pareceria inevitável.

A ASCENSÃO DO LEGALlSMO

A verdade é que Getúlio desapareceu da cena, mas seu fantasma continuaria

a assombrar os militares antinacionalistas nos anos seguintes. A crise do sui-

cídio, como já apontamos, modificou completamente o quadro político,

colocando os golpistas na defensiva - diante da inesperada reação popular

- e passando a fornecer aos militares um lema capaz de ampliar suas bases

de apoio: a defesa do regime ou, em outras palavras, o legalismo. A nova

fase abriu-se logo depois do suicídio, com o discurso de despedida do gene-

ral Estillac Leal, que deixava o Comando Militar do Rio de Janeiro. No con-

texto das tentativas de cancelamento das eleições para os governos estaduais

de outubro de 1954, o ex-presidente do Clube Mili tar afirmaria: Quais-

quer que sejam os resultados das urnas, é dever dos soldados dignos destenome aceitá-Ias como expressão dessa opinião e dessa vontade, pois que só

assim - e unicamente assim - eles darão conteúdo moral e legal ao poder

instituído  (Carone, 1985, p. 88). A resposta veio a seguir na forma de um

 Manifesto à Nação dos novos ministros militares, cujo propósito era isen-

tar-se da culpa pelo suicídio de Vargas (Carone, 1985, p. 91). .

Mas o bloco golpista demorou um pouco para perceber a alteração pro-

funda no panorama político e militar. Em fins de 1954, o general Alcides

Etchegoyen, um dos expoentes da corrente anticomunista, levou ao presi-

dente Café Filho as preocupações desse setor com a orientação dada ao

Ministério da Guerra pelo general Teixeira Lott . Logo dep is, no início de

'111

FORÇAS ARMADAS E POl TICA, 1945-1964

1955, vem à luz novo memorial, desta vez assinado por toda a cúpula mili-

tar, onde se pedia ao presidente da República providências no sentido de

evitar a radicalização da campanha presidencial que se avizinhava. O mani-

festo foi l ido pelo rádio por Café Filho, em 27 de janeiro de 1955 (Carone,

1985, p. 93). No entanto, esse momento de união dos chefes mili tares dura-

ria muito pouco, Embora os signatários do manifesto prometessem que não

haveria candidaturas militares, logo em seguida dois de seus signatários, os

generais Canrobert, chefe do EMFA, eJuarez Távora, chefe da Casa Militar,

passam a disputar a indicação de seus nomes pela UDN. Távora foi o vito-

rioso e, em agosto de 1955, Canrobert atacou, em discurso público, o egoís-

mo dos políticos, a demagogia eleitoral , voltando a colocar a ameaça de golpe

militar em defesa das instituições.

É nessa altura que o papel do general Lott passa a ser fundamental. Como

lembrou Nelson Werneck Sodré (1965, p. 364), a função do general

Henrique Teixeira Lott , respeitado e obedecido pelo Exército, seria de suma

importância. Ao opor-se frontalmente à quebra do regime, Lott estava pres-

tando ao país o serviço de que ele mais necessitava. E passava a ser encarado,

do outro lado, como um traidor . Com efeito, a 16 de setembro, o ministro

da Guerra lançou circular de grande repercussão proibindo novos pronun-

ciamentos militares. No início de outubro, após a divulgação dos resultados

das eleições e da vitória de Juscelino Kubistchek e João Goulart para os car-

gos de presidente e vice, o general Zenóbio Costa - então na chefia da Ins-

petoria Geral do Exército -lança um Boletim onde procura se apresentar

como porta-voz do antigolpismo e da legalidade democrática: O E xérc it

não está inerme nem ficará inerte diante de nenhuma ameaça àsinstituiçõ s

(Carone, 1985, p. 103). Em resposta, o ministro da Guerra exonera de seu

postos, ao mesmo tempo, os generais Zenóbio e Etchegoyen.

Na crise que se abre, Café Filho afasta-se da presidência por motivos d

saúde e, na linha de sucessão, assume Carlos Luz. A morte do gen rol

Canrobert propiciaria o canto de cisne do golpismo nessa fase, A prim ir

d novembro, no discurso que fez à beira do túmulo, o coronel jurt n lir

Marn de, Iíd er da Cruzada Democrática, não apenas defendeu o pap I dr

. r < S Armadas m ag sto de 1954, com pr g li abertarnent um n v 0 1 ,

I   jnn . L te stavn d t r r n in r I n pun ir .or 11 I pO l

I I

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o BRASil REPUBLICANO FORÇAS ARMADAS E pOlITICA. 1945-1964

indisciplina, mas o novo presidente, Carlos Luz, adianta-se aos acontecimentos

e força seu ministro da Guerra a renunciar. No seu lugar, nomeia um mem-

bro da corrente antinacionalista, o general Fiúza de Castro.  Como conse-

qüência, surgem as condições para o golpe preventivo de 11 de novembro.

Pressionado por diversos generais, Lott , mesmo exonerado, comanda a ocu-

pação da capital do país por tropas do Exército, derrotando assim a tentati-

va de derrubá-lo. Com isso, garante-se a posse dos eleitos, depois de sessenta

dias de Estado de Sítio e a substituição de Carlos Luz pelo presidente da

Câmara dos Deputados, Nereu Ramos (Carone, 1985, p. 105-111).

Como se vê por esse breve relato, os militares não tomaram o poder emmeados da década de 50 não por falta de vontade ou confiança, mas porque

tanto o campo político civil como o militar estavam profundamente divididos.

Em contraste com o período que o precedeu, o governo Juscelino foi capaz de

manter o campo militar em relativa tranqüilidade. Contudo, as tensões perma-

neciam em estado latente. No novo quadro, a indignação dos militares

antinacionalistas voltou-se contra o general Lott, principalmente depois da for-

mação da chamada Frente de Novembro - composta por representantes do

movimento popular nacionalista. Quando seaproximou o primeiro aniversário

do golpe preventivo de 1955, esse movimento preparou-se para entregar ao

ministro da Guerra uma espada de ouro , como homenagem pelos serviços

prestados à democracia brasileira.  Em meados de 1959, a oposição a Lott no

seio da hierarquia militar seaguçou com o lançamento da candidatura do gene-

ral à presidência da República na chapa apoiada pelo PSDe pelo PTB.16

A vitória de Jânio Quadros contribuiria para aliviar temporariamente essaspreocupações. No curto período em que permaneceu no poder, o novo pre-

sidente possibilitou um verdadeiro ensaio de aglutinação do grupo mili tar

que assumiria o poder com o golpe de 1964. Como se sabe, o último choque

entre asduas principais correntes das Forças Armadas antes do golpe de 1964

veio, em agosto de 1961, com a inesperada renúncia de jânio e a tentativa

de golpe desfechada pelos três ministros mili tares para impedir a posse do

vice-presidente Goulart. Para nossos fins, parece desnecessário historiar os

acontecimentos a partir daqui. Basta lembrar a seguinte afirmação de Nel-

son Werneck Sodré:  No golpe de agosto de 1961, a confiança da cúpula

conspirativa (... ) era de tal ordem - e s6 isso denuncia a ausência d sensi-

bilidade política que a caracterizava - que não tomou medidas preventivas

naturais; a censura à imprensa e ao rádio veio depois, quando se pronuncia-

vam as primeiras resistências  (1965, p. 373). Como se vê, os ministros mi-

litares pecaram por excesso e não por ausência de autoconfiança. Mais uma

vez, o que os derrotou não foi a timidez, mas a relação de forças desfavorá-

vel. De resto, desta vez, os conspiradores parecem ter aprendido essa lição.

A partir daí, a preparação do próximo golpe partiria da constatação da ne-

cessidade de conquistar apoio em forças sociais mais amplas, antes de desfe-

char o movimento contra o regime. No nosso entender, os episódios seguintes

já fazem parte da história do golpe de 1964.

CONSIDERAÇÕES FI NA IS

Nas páginas precedentes, mais do que historiar os principais episódios da crise

político-militar do período democrático de 1945-64, procuramos oferecer uma

visão alternativa capaz de explicar a dinâmica da participação castrense no

processo político da época. De início, tentamos mostrar que as Forças Arma-

das constituíam parte integrante e indissociável do poder político desde 19 O

e, principalmente, depois de 1937. No período pós-45, elas não dependeram

dos civis para definir seus inimigos, suas doutrinas e seus objetivos de unidad

institucional e influência direta nos rumos do país. A idéia de que na décn d I

de 1950 os militares se autolimitavam a um papel secundário - dada sua auto-

imagem de inferioridade diante dos políticos civis - não parece resistir, a -sim, nem à análise da evolução de s uas idéias, nem ade sua participação po líti a.

Como vimos, o campo militar conservador divide-se em um setor mais mili-

tante e ativo na oficialidade e um grupo cuja principal área de ação eram O

bastidores da política, justamente aquele que a literatura identificaria com a

Escola Superior de Guerra e com o próprio golpe de 1964. Apesar de sua

diferenças, esses dois subgrupos unificavam-se nos momentos crítico, grn

ao seu anticomunismo e antinacionalismo. Seus líderes não foram capoz I

tornar vitoriosas as tentativas de golpe de 1954 e 1961, não porqu os n t l l h , -

res t m ssem a intervenção autônoma na política, mas porqu n n I .

bj e iv s imp diram uma maior união efi á c i r d a r n p final v i l   do () 1 1 1

o

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o BRASIL REPUBLICANO

1964. Por tudo isso, não parece possível apresentar as Forças Armadas brasi-

leiras no período em questão como uma página em branco, à espera de um

grupo que escrevesse em suas linhas um programa político.

PRINCIPAIS PRONUNCIAMENTOS MILITARES, 1954-1964

Data Documento Conteúdo Signatários

Fevereiro de Memoria l dos coronéi s Dizque a decadência moral Oficiais

1954 do país ameaça degradar internacionalistas

as Forças Armadas

22-8-54 Manifesto dos Exige a renúncia de 30 brigadeiros da FAB

brigadeiros Getúlio Vargas

22-8-54 Manifesto dos generais Idem 19 generais doExército

1-9-1954 Manifes to dos minis tros Isenta as Forças Armadas 3 ministros militaresmilitares de responsabilidade pelo

suicídio de Vargas

27-1-1955 Memorial dos chefes Exige o f im da violência Minis tros militares;

militares e da demagogia na chefes dos estados-campanha eleitoral; maiores, Juarez Távoragarante que não e Mascarenhas de

haverá candidatos Moraismilitares à presidência

5-8-55 Discurso do general Prega a união das Forças Chefe do Estado-Canrobert Armadas contra o Maior das Forças

egoísmo dos políticos; Armadas

ameaça com golpe

16 -9-1955 Mensagem circular do Af irma anecessidade deos Ministro da Guerr amarechal Lott militares não interferirem

na política

15-10-1955 Boletim do general Diz que os militares são Ex-ministro da GuerraZenóbio da Costa fiadores da legalidade de Getúlio; Inspetor

Ger;l do Exército •

1-11-1955 Discurso do coronel Defende o papel das Líder da Cruzada

J urandir Mamede Forças Armadas na crise Democrática; diretorde agosto do Clube Militar

11-11-1955 Nota dos chefes Explica golpe preventivo Comandante do Ido Exército em defesa da disciplina e Exército, Odylio Dcnys

da Constituição c ere d ] O g n r is

F o R ç A S A R M AO A S E P O LIT I C A. 1 9 4 5 - 1 9 6 4

8-11-1956 Carta aberta do general Alerta para os riscos de Comandante da Escola

Castelo Branco desagregação das Forças Superior de Guerra

Armadas; ataca

indiretamente o

marechal Lott

Novembro Entrevista-depoimento Cr iti ca o golpe Candidato presidencial

de 1956 do general preventivo de da UDN em 1955

Juarez Távora novembro de 1955

Abril de 1958 Despedida do almirante Defende a Marinha, Líder da Marinha nos

Pena Boto reserva moral contra episódios de novembro

o comunismo de 1955

4-11-1958 Car ta aberta dos oficiais Critica a decisão de Lottde Tenente-coronel JoãodaAeronáutica acumular interinamente Paulo Moreira Burnier

a Pasta da Aeronáutica e grande número de

oficiais da FAB

27-8-61 Manifesto do Conclama à resistência Ministro da Guerra de

marecha l Lott contra o golpe que Juscelino Kubitschek

pertence impedir a

posse de João Goulart

30-8-61 Manifesto dos ministros Afirma que as Forças Sílvio Heck (Marinha),

militares Armadas não aceitarão a Odylio Denys

posse de João Goulart (Exérci to) e GrumMoss (Aeronáutica)

30-9-1963 Nota dos ministros Repudia entrevista do Jair Dantas Ribeiro

militares governador Carlos (Exército); Sílvio Motn

Lacerda (Marinha) e AnísioBotelho (Aeronáutica)

20-3-1964 Circular reservada Afirma que asForças Chef e do estado-

do general Castello Armadas não devem maior do ExércitoBranco apoiar governo ilegal

28-3-1964 Manifesto dos almirantes Denuncia a cumplicidade 4 almirantes e 23

do governo com a comandantes e o ficinis

indisciplina na Mar inha da Marinha

29-3-1964 Manifesto do Clube Afirma que a Marinha foi Diretoria do Clube

Naval completamente abalada

em suas estruturas

fontes: arone (1985); Dulles (1970); Rocha (1961); Ferreira (1964); Denys (1980); Labaki (1 8 ).

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o BRASIL REPUBLICANO

NOTAS

1. Todas as citações serão traduzidas do original inglês.2. E mais adiante : Não se pode, hoje, no Brasil , pre tender aplicar não importa qual

política sem contar com o apoio das Forças Armadas (Ferreira, 1964, p. 93).3. Para Oliveiros, enquanto vigorasse o  sistema do pós-1930 o aparelho militar con-

tinuaria a ser uma força armada sem função, alienadora no sem-sentido de sua missãoproposta, pequena demais para astarefas históricas que a Nação delas reclama, grandepesada, burocratizada em demasia para as realidades da guerra subversiva (Ferreira,1964, p. 91) .

4. Na época, Estado-Maior Geral das Forças Armadas.

5. Na expressão do general Juarez Távora, em conferência na ESG em 1953, a segu-rança nacional seria o maior ou menor grau de garantia que, por meio de açõespolíticas, econômicas, psicossociais e mili tares, um Estado proporciona à coletivi-dade nacional, para a consecução e salvaguarda de seus Objetivos Nacionais contraa ação adversa de fatores internos e externos (Arruda, 1980, p. 20). '

6. O livro de Joaquim Xavier da Silveira, A FEBpor um soldado (1989, p. 264), tam-bém chama a atenção para a importação das idéias sobre a guerra revolucionária: os centros de estudos militares brasileiros passaram a atentar para esse novo fenô-meno social-mil it ar, o que talvez venha a explicar o movimento anti-insurrecionalde março de 1964. A tão decantada inf luência americana, nesse movimento políti-co-militar, foi praticamente nula. O historiador do futuro, no exame sereno desseepisódio, irá cer tamente encontrar uma certa inf luência francesa, pelo menos nocampo doutrinário . Agradeço à minha aluna Amanda Mancuso a menção a essafonte.

7. A his tória foi contada pe lo coronel Adalber to Vieira de Souza a Kátia Marly Men-donça Barreto, em entrevista incluída em sua dissertação de Mestrado (1988).

8. ~ão por acaso, Mourão viu-se em maus lençóis na discussão que se seguiu naquele

dia, quando um.oficial s impático à Chapa Amarela quis saber se ele achava que ocandidato a presidente por essa legenda era comunista. Obviamente, isso não ocor-ria. Tratava-se do general Estillac Leal, logo nomeado ministro da Guerra de Vargase naquela altura chefe do III Exército, ao qual estava subordinado o 19° Regimento,comandado pelo coronel Mourão.

9. Em .palestra.no ~lube Militar , em 1948, o general Juarez Távora, expoente do gru-po internacionalis ta, atacou a legis lação trabalhis ta por seu caráter fracionário(beneficiava apenas o trabalhador urbano) e unilateral , uma vez que fi;mandodireitos e regalias dos trabalhadores, esqueceu a necessária contrapartida dos deve-res econômico-sociais e sanções correspondentes às suas infrações (Sodré 1965 p.307-308). ' ,

10. No seu manifes to decr iação, a Cruzada Democrática pregava a proscrição no ClubeMili tar das a tividades que afetem a Ordem e a Segurança interna e os compromis-sos internacionais da Nação Brasileira; as a tividades que possam ser exploradas num

4

FORÇAS ARMADAS E pOLITICA. 1945-1964

sentido político-partidário, visando gerar dissensões de qualquer natureza entre ()sócios; asiniciativas que possam ser interpretadas como pressões indébitas, quer sobrea opinião pública, quer sobre os poderes constituídos (Sodré, 1965, p. 327-328).

11. Um exemplo típico: emresposta ao famoso art igo  Considerações sobre a guerra 110

Coréia , publicado pela corrente nacionalista na Revista do Clube Militar, em julhode 1950, um abaixo-ass inado de 600 sócios, amplamente divulgado pela imprens Iacusava a revista e a diretoria do Clube de desenvolver uma propaganda de quinto-coluna e de colaboracionismo (citado em Peixoto, 1980, p. 94).

12. A principa l evidênc ia de que essesg rupos atuavam no mesmo campo mas não seconfundiam foram as divergências surgidas nas primeiras horas depois do golpe d1964, quando o general Costa e Silva se opôs ao grupo da ESG, iniciando uma cam-panha que o levaria, pouco depois, a se f irmar como sucessor de Castelo Branco no

presidência.13. Para Oliveiros Ferreira, o memorial é talvez a primeira manifestação coletiva d

militares na república que se inaugurou em 1945; o primei ro sintoma evidente dque os militares haviam começado a tomar consciência dos problemas políticos qu .se estavam introduzindo nas Armas e da desfunção [sic] das Forças Armadas à reali-dade nacional (Ferreira, 1964, p. 122). Na realidade, havia setores do alto coman-

do em que tal consciência chegara há mais tempo.14. Nessa altura, chega ao máximo o desrespeito à f igura do ministro da Guerra, obri-

gado a esperar por horas na ante-sala do presidente inter ino.15. Isso levou o geralmente silencioso general Humberto de Alencar Castelo Branco

caracteriza r - em Carta Aberta - como poli ti camen te suspe ita e antes de tudo,subversiva aquilo que definiu como arregimentação de mili tares, como classforça, ao lado de outras classes (Carone, 1985, p. 123-124).

16. É preciso registrar, aqui, a crescente radicalização da Marinha e da Força Aérea. Doiexemplos, ambos de 1958: emabril , o discurso dedespedida do almirante Pena 1 \0 1 < 1 ,

protagonis ta central dos acontecimentos de novembro de 1955 e em novembro, Icar ta aberta dos oficiais de Aeronáutica contra a acumulação interina da pasto t i ,

Aeronáutica pelo ministro da Guerra. Na FAB, há que lembrar também as revolt ,de Jacareacanga e Aragarças.

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