marina silva e a astúcia ambientalista de um velho colonialismo

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“À guerra, cavaleiros esforçados! Pois os anjos sagrados em socorro estão em terra. À guerra!” (Gil Vicente) EDIÇÃO ESPECIAL | quinzena de agosto de 2014 Vol.XXI, nº6 MARINA SILVA e a astúcia ambientalista de um velho colonialismo

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Descubra Quem é Marina Silva?Marina Silva e a astúcia ambientalista de um velho colonialismo.

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  • guerra, cavaleiros esforados! Pois os anjos sagrados em

    socorro esto em terra. guerra!

    (Gil Vicente)

    Edio EsPEcial | 2 quinzena de agosto de 2014 Vol.XXi, n6

    Marina Silva e a astcia ambientalista de um velho colonialismo

  • 2 solidariedade ibero-americana

    Publicado pelo

    MSIA Movimento de Solidariedade Ibero-americana

    Diretora: Silvia Palacios

    Conselho editorial: Angel Palacios Zea, Geraldo Lus Lino e Lorenzo Carrasco

    Projeto Grfico: Maurcio Santos

    Rua Mxico, 31 s.202 CEP 20.031-144 Rio de Janeiro-RJ

    Telefax: + (21) 2532-4086 E-mail: [email protected] Stio: www.msia.org.br

    Foto da capa: Marina Silva recebendo a Medalha Duque de Edimburgo, das mos do prncipe Philip, presidente de honra do WWF (foto Theodore Wood)

    A ascenso de Marina Silva nas pesquisas eleitorais, com reais possibilidades de chegar Presi-dncia da Repblica, aps a tr-

    gica morte de Eduardo Campos, reflete o desencanto com o putrefato sistema poltico-partidrio atual, implicando em uma cega manifestao de repdio sem propostas polticas alternativas viveis. Na Europa das dcadas de 1920-1930, condies anlogas ensejaram o para muitos inimaginvel surgimento do nazifascismo. No Brasil de hoje, o vcuo de perspectivas positivas gera o risco de um processo de convulses desagrega-doras, com consequncias imprevisveis. Neste contexto, so preocupantes as pro-postas de democracia direta ou plebis-citria feitas pela candidata do PSB, que implicam na substituio das institui-es legtimas do Estado nacional sobe-rano incluindo a o sistema sindical , hoje, profundamente fragilizadas, por uma rede de organizaes no-governa-mentais (ONGs) e movimentos sociais, insuflados por interesses internacionais.

    Marina Silva e a astcia ambientalista de um velho colonialismo

    Nesse cenrio, o Pas se v diante da possibilidade de vir a ser governado por uma personagem com uma viso arcaica e buclica sobre o desenvolvimento socioeconmico e que, apresentando--se como opositora da poltica tradi-cional e seus defeitos, tem uma face menos conhecida. De fato, toda a traje-tria poltica de Marina foi feita som-bra de um insidioso aparato oligrquico internacional, integrado por entidades privadas e governamentais de certos pases do Hemisfrio Norte, que, nas l-timas dcadas, tem manipulado os pro-blemas ambientais e indgenas do Bra-sil, utilizando-os como instrumentos de presso para enquadrar as polticas p-blicas nacionais na sua agenda hege-mnica. Este aparato supranacional funciona como uma estrutura de gover-no mundial, com grande capacidade de impor parcial ou integralmente a sua agenda aos governos nacionais.

    A influncia desse aparato de poder, at agora, tem se dado por meio de pres-ses diretas de governos estrangeiros,

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    dotaes de verbas oficiais e privadas direcionadas para a implementao de certas polticas ambientais (muito apre-ciadas por governos s voltas com restri-es oramentrias), aes diretas de uma bem financiada rede de ONGs e a cooptao de lideranas polticas, acad-micos, profissionais de reas diversas, jornalistas e outras personalidades capa-zes de influenciar a opinio pblica em favor da agenda ambientalista-indige-nista. Em condies de crise mais aguda, abre-se a possibilidade da manipulao de multides, como as que se manifesta-ram em junho de 2013, para a imposio de reformas radicais.

    Com a sua viso anticientfica e pr--crist dos problemas ambientais e ind-genas e uma imagem pblica de poltica tica e contrria a tudo isso que est a, Marina tem sido uma importante agente de influncia daquela rede oligr-quica, que, desde a dcada de 1980, tem conseguido obstaculizar projetos de in-fraestrutura fundamentais para a plena integrao fsica do territrio nacional, alm do desenvolvimento de certas tecno-logias avanadas, como a energia nuclear, a biotecnologia e outras.

    O seu status global pode ser avaliado pelas numerosas premiaes recebidas de instituies estrangeiras, desde a dcada de 1990, a sua vinculao a um impor-tante grupo internacional de discusses, o Dilogo Interamericano, e, no menos, a sua emblemtica e polmica participa-o na abertura dos Jogos Olmpicos de 2012, em Londres, quando, sem conheci-mento do governo brasileiro, ela foi uma das oito personalidades de todo o mundo convidadas para entrar com o pavilho olmpico no Estdio Olmpico.

    Na ocasio, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, justificou com ironia a

    surpresa do governo: Marina sempre teve boa relao com as casas reais da Europa e com a aristocracia europeia. No podemos determinar quem a Casa Real vai convidar, fazer o que? (Agn-cia Estado, 27/07/2012).

    Comentando o episdio, o veterano jornalista Mauro Santayana observou: Marina Silva transita vontade pelos sales da aristocracia europeia e norte--americana. homenageada, com fre-quncia, pelas grandes ONGs, como o WWF [Fundo Mundial para a Natureza], que contava, at h pouco, com o caa-dor de ursos e de elefantes, o rei Juan Carlos, da Espanha, como uma de suas principais personalidades. Na melhor das hipteses, a senhora Marina Silva ingnua, inocente til, o que comum nas manobras polticas internacionais. Na outra hiptese, ela sabe que est sen-do usada para enfraquecer a posio da nao quanto defesa de sua prerrogati-va de exercer plenamente a soberania sobre o nosso territrio (Jornal do Brasil Online, 30/07/2012).

    Meses depois, aps o anncio da cria-o da Rede Sustentabilidade, Santaya-na sintetizou assim o seu papel: A Sra. Silva, como alguns outros brasileiros que se pretendem na esquerda, uma inter-nacionalista. O meio ambiente, que que-rem preservar tais verdes e assimilados, no o do Brasil para os brasileiros, mas

    Marina sempre teve boa relao com as casas reais da Europa e com a

    aristocracia europeia. No podemos determinar quem a Casa Real vai

    convidar, fazer o que? (Ministro dos Esportes aldo Rebelo)

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    o do Brasil para o mundo. Quando a Famlia Real Inglesa e os crculos oficiais e financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de home-nagens, usam de uma astcia velha dos colonialistas, e fazem lembrar os france-ses na aliana com a Confederao dos Tamoios, e os holandeses em suas rela-es com Calabar (Jornal do Brasil On-line, 22/02/2013).

    No Ministrio do Meio Ambiente (2003-2008), Marina empenhou-se em consolidar a imposio de estritos limi-tes ambientais s polticas e iniciativas de desenvolvimento. Com ela, a pasta passou a ser chamada o Ministrio das ONGs, devido aos muitos represen-tantes do movimento ambientalista no-meados para cargos de direo. Com o MMA convertido em um autntico en-clave neocolonial de interesses interna-cionais, o processo de licenciamento am-biental se tornou um dos maiores entra-ves a todo tipo de empreendimentos, tanto pelo retardamento (com frequn-cia, deliberado) das anlises dos estudos de impactos ambientais pelos rgos

    competentes, como pelas excessivas com-pensaes socioambientais exigidas dos empreendimentos maiores, em uma trans-ferncia de atribuies e custos que deve-riam caber aos poderes pblicos.

    Os resultados foram equivalentes aos de uma guerra econmica contra o Pas, com grandes atrasos na ampliao da infraestrutura necessria s ativida-des produtivas. Um estudo do Banco Mundial, divulgado em 2008, demons-trou que o processo de licenciamento de projetos hidreltricos chegava a durar trs vezes mais que os prazos estabeleci-dos pela prpria legislao ambiental. Outros estudos apontaram que o custo das condicionantes socioambientais os-cilava entre 15% e 30%, em alguns ca-sos, chegando perto de 50% provocan-do um desnecessrio encarecimento dos empreendimentos, com os devidos im-pactos socioeconmicos. Embora tais tendncias j se manifestassem antes, elas ganharam mpeto com Marina.

    Igualmente, Marina contribuiu para um dos mais desastrosos resultados da campanha ambientalista, a limitao do tamanho dos reservatrios das usinas hidreltricas, que restringe drastica-mente a sua capacidade de armazena-mento de gua nos perodos secos como o que afetou a Regio Sudeste este ano, aumentando o risco de um novo racionamento de energia.

    A viso radical de Marina sobre o meio ambiente, que coloca os benefcios socioeconmicos dos empreendimentos de infraestrutura em um plano bem in-ferior ao dos impactos ambientais dos mesmos, motivou numerosos atritos com os seus colegas do governo e, em l-tima anlise, foi a responsvel pela sua sada do MMA, em maio de 2008, em protesto pela entrega da coordenao

    A Sra. Silva, como alguns outros brasileiros que se pretendem na

    esquerda, uma internacionalista. O meio ambiente, que querem preservar tais

    verdes e assimilados, no o do Brasil para os brasileiros, mas o do Brasil para o mundo. Quando a Famlia Real Inglesa e os crculos oficiais e financeiros norte-americanos cercam a menina pobre dos seringais de homenagens, usam de uma

    astcia velha dos colonialistas. (Mauro santayana)

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    do Programa Amaznia Sustentvel ao ministro da Secretaria de Assuntos Es-tratgicos, Roberto Mangabeira Unger.

    O seu questionvel conceito de hu-manismo lembra o da personagem dos Irmos Karamazov de Dostoivski, que admitia: Quanto mais amo a humani-dade em geral, menos amo as pessoas em particular, como indivduos.

    Talvez, a percepo desse fato expli-que por que, na eleio de 2010, os elei-tores do Acre, que a conhecem de perto, a tenham deixado em terceiro lugar, a mesma posio geral no quadro nacio-nal, sendo que as suas maiores votaes proporcionais foram obtidas nos estados mais distantes da Regio Amaznica.

    Alm da questo ambiental, outra rea em que Marina demonstra posies convergentes com a agenda oligrquica a da financeirizao da economia, em detrimento das atividades produtivas. Aqui, as suas propostas soam como msi-ca aos ouvidos dos mercados financeiros:

    Marina Silva na cerimnia de abertura dos Jogos Olmpicos de Londres (foto Getty Images)

    a autonomia formal do Banco Central e a preservao da trindade monetria, com um frreo compromisso com a ob-teno de supervits fiscais, o controle da inflao com a taxa de juros (altos) e a manuteno das taxas de cmbio flu-tuantes. No por acaso, entre os seus as-sessores, destacam-se a cientista social Maria Alice Setbal, herdeira da famlia controladora do Banco Ita, e os econo-mistas Andr Lara Resende, ex-presi-dente do BNDES no governo Fernando Henrique, e Eduardo Giannetti da Fon-seca, ambos ligados aos processos espe-culativos dos mercados financeiros.

    Em suma, Marina Silva bem pode ser definida como um moderno derivativo da velha astcia colonialista.

    Nas pginas seguintes, detalharemos a intimidade da candidata herdada pelo PSB com a oligarquia internacional, para que os leitores avaliem que interesses sero mais bem servidos, caso ela e a sua rede cheguem ao Palcio do Planalto.

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    A militncia de Marina Silva como campe da causa ambiental re-monta ao incio da investida do aparato ambientalista interna-cional contra o Brasil.

    Ao contrrio do que se pensa geral-mente, o surgimento dos movimentos ambientalista e indigenista no cenrio mundial, como influentes foras polti-cas, nas ltimas dcadas, no decorreu de um processo espontneo de conscien-tizao de amplos setores das sociedades de todo o planeta sobre as necessidades reais de cuidados com o meio ambiente e de ateno com as comunidades ind-genas. Em vez disto, ambos foram arti-ficialmente criados por altos crculos oligrquicos anglo-americanos, desde as dcadas de 1950-1960, com o propsito bem definido de empreg-los como ins-trumentos polticos contra o impulso de progresso que se espalhava pelos pases em desenvolvimento, baseado em vigo-rosos programas de industrializao e expanso da infraestrutura fsica.

    Como define Lorenzo Carrasco, no livro Mfia Verde: o ambientalismo a servio do Governo Mundial (2001), tal estratgia visava, basicamente: 1) trans-ferir o controle dos processos de desen-volvimento, dos Estados nacionais para

    Marina Silva nas redes da Mfia verde

    entidades supranacionais e no-gover-namentais, consolidando estruturas de governo mundial (ou governana global); 2) erradicar o vrus do pro-gresso entre os estratos educados das sociedades de todo o mundo, com a difu-so do irracionalismo e da descrena nas conquistas cientfico-tecnolgicas como motores do desenvolvimento; 3) reduzir o crescimento da populao mundial; e 4) controlar uma grande proporo dos recursos naturais do planeta.

    Da mesma forma, o Dr. Donald Gi-bson, professor de Sociologia da Uni-versidade de Pittsburgh, escreve, em Environmentalism: Ideology and Power (Ambientalismo: ideologia e poder 2002): De uma maneira geral, o am-bientalismo e seus antecessores [refe-rncia eugenia e aos movimentos de controle de populao n.e.] expressam um receio da classe superior, de que a as-censo de outros grupos diminua ou ameace o seu poder e status. O ambien-talismo uma expresso poltica dos receios da classe superior sobre o pro-gresso. O neocolonialismo e o darwinis-mo social so outras expresses desse medo. Quando uma classe superior age motivada por esses medos, ela se torna uma ameaa ao progresso.

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    Desde o incio, o propsito principal do ambientalismo tem sido o de impor a falaciosa ideia da impossibilidade fsica de que todos os pases do mundo possam desfrutar de elevados nveis de desenvol-vimento e justia social, como os experi-mentados pelos pases industrializados, sob o pretexto da escassez de recursos naturais e dos impactos ambientais ale-gadamente inaceitveis. Como esta ideia aberrante contrria ao senso comum da grande maioria das pessoas, para que estas passassem a aceit-la e integr-la na sua viso do mundo, seria preciso apresent-la sob uma forma disfarada e mais palatvel. Da surgiu o conceito de que as expectativas de desenvolvi-mento dos pases que ainda no moder-nizaram as suas economias teriam que ser cuidadosamente restringidas, para no prejudicar o meio ambiente e as pos-sibilidades das futuras geraes. Temos, assim, um colonialismo de um novo tipo, que, reconhea-se, bem mais eficiente que a modalidade direta tradicional, pois fora os indivduos subjugados a organizarem-se contra os interesses da sua prpria sociedade, acreditando que esto contribuindo para uma causa nobre e universal.

    No currculo desse radicalismo, ali-nham-se, entre outras faanhas: o ba-nimento do DDT, ainda hoje o mais efi-ciente inseticida j produzido, respon-svel pela preservao de literalmente centenas de milhes de vidas em todo o mundo, evitando que fossem vitimadas por doenas transmitidas por insetos; o banimento dos clorofluorcarbonos (CFCs), versteis produtos qumicos que possibilitaram a popularizao da refri-gerao e seus incontveis benefcios; um atraso de dcadas nos usos pacficos da energia nuclear; a obstaculizao de incontveis projetos de infraestrutura; a campanha de descarbonizao da ma-triz energtica da economia mundial,

    sem que haja alternativas tecnolgica e economicamente viveis aos combust-veis fsseis, baseada na promoo de uma inexistente influncia humana no clima em escala global. Enfim, quase in-variavelmente, os alvos principais das suas ruidosas campanhas tm sido ele-mentos que so sinnimos de bem-estar e progresso, dos quais pretendem afastar os pases em desenvolvimento.

    O Brasil entrou na ala de mira desse aparato intervencionista a partir da d-cada de 1980, tendo como alvos prin-cipais os projetos de desenvolvimento na Amaznia, como o Polonoroeste, um programa de assentamento de popula-es rurais em Rondnia, e os projetos de infraestrutura planejados para a re-gio, como usinas hidreltricas, rodovias e outros. As pontas-de-lana da inves-tida foram as ONGs estadunidenses Natural Resources Defense Council (NRDC), Environmental Defense Fund (EDF) e National Wildlife Federation (NWF), das mais influentes do pas, apoiadas pela britnica Oxfam e as brasileiras Centro Econmico de Documentao e Informao (CEDI) e Instituto de Estudos Scio-Econmi-cos (INESC). Em paralelo, a Gaia Foun-dation britnica se aproximou do agr-nomo gacho Jos Lutzenberger, que viria a tornar-se um dos cones do am-bientalismo brasileiro.

    Por sua vez, o CEDI era vinculado diretamente ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), entidade criada em 1948, por um seleto grupo de oligarcas do Establishment anglo-americano, com o propsito de utilizar a causa do ecume-nismo religioso para diversas operaes de desestabilizao em pases como o Brasil, onde os seus representantes ope-ram desde a dcada de 1950 (sobre o CMI, ver Quem manipula os povos ind-genas contra o desenvolvimento do Brasil: um olhar nos pores do Conselho

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    Mundial de Igrejas, de Lorenzo Carrasco e Silvia Palacios, 2013).

    Como resultado direto das aes des-ses grupos, o Banco Mundial comeou a suspender os emprstimos ao Brasil para vrios projetos, alegando os impactos ambientais dos mesmos, comeando, em 1985, pela pavimentao da j existente rodovia BR-364 (que, diga-se de passa-gem, at hoje no foi concluda). Igual-mente, em lugar de priorizar obras de infraestrutura, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) passou a pro-ver recursos para a implantao de reser-vas extrativistas, para promover uma das atividades econmicas mais primi-tivas conhecidas pelo homem, que se converteu no paradigma do desenvolvi-mento sustentado para a Amaznia.

    Uma parte importante dessas opera-es foi a converso do lder seringueiro acriano Chico Mendes em um campeo internacional da defesa da Floresta Ama-znica. Para tanto, a NWF, EDF e NRDC patrocinaram uma srie de visitas de Mendes a Washington, para fazer lobby junto ao Congresso dos EUA, ao Banco Mundial e ao BID, alm de assegurar-lhe visibilidade internacional, com a con-cesso de dois importantes prmios am-bientais, o Global 500 do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Medalha de Proteo do Meio Ambiente da Better World Society, do magnata das telecomunicaes Ted Turner. Em 1988, Lutzenberger tambm seria agraciado com o Right Livelihood Award, considerado o Prmio Nobel Al-ternativo do Meio Ambiente (em 1990, por indicao direta do prncipe Charles, herdeiro do trono britnico, ele seria no-meado secretrio de Meio Ambiente do governo de Fernando Collor de Mello).

    Os mentores do projeto Chico Men-des foram quatro personagens que vi-riam a desempenhar papeis cruciais na decolagem do ambientalismo brasileiro:

    os estadunidenses Stephan Schwartzman (EDF) e Barbara Bramble (NWF); o in-gls Tony Gross (Oxfam); e a brasileira Mary Allegretti (Instituto de Estudos Amaznicos). Marina Silva, ento pro-fessora secundria, fazia parte do grupo poltico de Mendes, com quem fundou a filial acreana da Central nica dos Tra-balhadores (CUT), antes de conquistar o seu primeiro cargo eletivo, como verea-dora em Rio Branco, em 1988.

    O assassinato de Mendes, em dezem-bro de 1988, em Xapuri (AC), motivado por uma antiga rixa com um fazendeiro local, serviu como pretexto para uma impressionante campanha de ataques ao Brasil, que passou a ser apontado como vilo ambiental nmero um do planeta. Embora ele fosse virtualmente desconhe-cido fora do estado, a sua morte gerou manchetes na imprensa de trs continen-tes, apresentando-o como um campeo da causa ambiental planetria. O New York Times o considerou um mrtir do holocausto amaznico. O Libration de Paris afirmou que os europeus e os estadunidenses no podem assistir im-passivelmente destruio da Amaz-nia, achando que no tm nada com o assunto. O Asahi Shimbum, maior jor-nal japons, publicou um editorial afir-mando que o crime preocupava a todos os que desejam um ar limpo.

    Alm disso, missas em sua memria foram celebradas em Londres e Wa-shington. Na capital estadunidense, foi

    as carreiras internacionais de chico Mendes e Marina silva como paladinos da causa ambiental foram promovidas pelas

    oNGs Environmental defense Fundo, National Wildlife Federation e oxfam. chico Mendes no se considerava um

    ambientalista.

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    celebrado um culto ecumnico, com a presena de vrios membros do Con-gresso. Na oportunidade, o presidente da NWF, Jay Hare, chegou a comparar Mendes a Martin Luther King.

    A construo do mito Chico Mendes foi reforada pela publicao de nu-merosas biografias, inclusive, de auto-res estrangeiros, e pelo filme cinema-togrfico Amaznia em chamas (The Burning Season), de 1994, em que Mendes foi interpretado pelo ator por-torriquenho Raul Julia, ento, uma das estrelas de Hollywood.

    interessante observar que o prprio Mendes no se considerava um ambien-talista, como admitiu um dos seus bigrafos, o correspondente ambiental do New York Times, Andrew Revkin, autor de Tempo de queimada, tempo de morte: o assassinato de Chico Mendes e a luta em prol da Floresta Amaznica (1990). No livro, ele registra um comen-trio de Mendes, depois de ser retratado na televiso como um lutador em favor dos pulmes do mundo (um dos mitos recorrentes sobre a Floresta Amaznica): No estou protegendo a floresta por estar preocupado com o fato de que o mundo ser afetado dentro de 20 anos. Estou preocupado com ela porque h milhares de pessoas vivendo aqui, gente que depende da floresta, e suas vidas esto correndo risco diariamente.

    Em fevereiro de 1989, o CEDI, a NWF e o NRDC, com recursos de r-gos oficiais do governo do Canad, or-ganizaram o chamado Encontro de Alta-mira, na cidade paraense, para contestar os projetos de desenvolvimento previstos para a Amaznia brasileira. O alvo prin-cipal era o complexo de usinas hidrel-tricas previsto para o rio Xingu. O even-to, que reuniu cerca de 3 mil pessoas, entre representantes de ONGs de vrios pases, indgenas, jornalistas e autorida-des convidadas, contribuiu decisivamente

    para dar visibilidade internacional s campanhas mobilizadas em torno dos indgenas brasileiros. O grande destaque propagandstico do encontro foi a foto-grafia da ndia caiap Tura esfregando um faco no rosto do ento diretor da Eletronorte, Antnio Muniz Lopes, re-produzida em todo o mundo.

    Em 1994, a partir de uma subdiviso do CEDI, foi fundado o Instituto Socio-ambiental (ISA), que viria a tornar-se uma das principais integrantes do apa-rato ambientalista-indigenista no Brasil. Entre os seus fundadores, estavam Schwartzman, Bramble e Gross (que ain-da integra o conselho diretor da ONG). Entre as suas campanhas, destaca-se a movida contra a construo da usina de Belo Monte, a nica que acabou sendo construda no rio Xingu, embora com o projeto bastante modificado, por conta das presses ambientalistas e indigenistas.

    Outros fundadores do ISA foram Carlos Frederico Mars, Mrcio Santilli e Joo Paulo Capobianco. Os dois pri-meiros viriam a ser nomeados presi-dentes da Fundao Nacional do ndio (Funai); Capobianco, o brao direito de Marina Silva, tendo acompanha-do-a ao Ministrio do Meio Ambiente e em suas campanhas presidenciais, em 2010 e 2014.

    Aps a morte de Chico Mendes, Alle-gretti e Schwartzman se encarregaram de transferir para Marina o basto de cam-pe das causas dos seringueiros e da de-fesa da Floresta Amaznica. A partir da, seria construda a sua imagem de pala-dina do meio ambiente e, assim como j havia ocorrido com Mendes, ela foi agraciada com vrios prmios interna-cionais. Entre eles: Prmio Ambiental Goldman, do Fundo Richard & Rhoda Goldman (1996); Prmio Campees da Terra, do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (2007) (entre os outros seis premiados, estavam o ex-

  • 10 solidariedade ibero-americana

    -vice-presidente dos EUA, Al Gore, e o presidente do Comit Olmpico Interna-cional, Jacques Rogge); Medalha Duque de Edimburgo, do WWF (2008); Prmio Sophie, da Fundao Sophie da Noruega (2009); Prmio de Mudanas Climticas da Fundao Prncipe Albert II de M-naco (2009). Alm disto, em 2008, o jor-nal ingls The Guardian a listou entre as 50 pessoas que poderiam salvar o pla-neta, juntamente com Al Gore, o ator Le-onardo DiCaprio, o ento presidente do Greenpeace International, Gerd Leipold, e outros luminares das causas verdes.

    No entanto, apesar de a imagem de Marina como paladina ambiental estar invariavelmente vinculada de Mendes, como ela prpria sempre se empenhou em ressaltar, os seus antigos companhei-ros acrianos parecem discordar. Em 27 de agosto ltimo, aps o debate dos can-didatos presidenciais promovido pela Rede Bandeirantes, o Sindicato dos Tra-balhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri divulgou uma nota, refutando um comentrio feito por Marina sobre Mendes, considerando-o como parte da elite nacional. Igualmente, a nota, as-sinada pelo presidente do sindicato, Jos Alves, e o assessor jurdico Waldemir So-ares, aponta os patrocinadores ocultos da trajetria poltica de Marina:

    Primeiramente, o companheiro Chico foi um sindicalista e no ambien-talista... Essa viso distorcida do Chico Mendes ambientalista foi levada para o Brasil e a outros pases como forma de desqualificar e descaracterizar a classe trabalhadora do campo e fortalecer a te-mtica capitalista ambiental que surgia.

    Em segundo, os trabalhadores ru-rais da base territorial do Sindicato de Xapuri (Acre), no concordam com a atual poltica ambiental em curso no Brasil idealizada pela candidata Marina Silva enquanto Ministra do Meio Am-biente, refm de um modelo santuarista e de grandes ONGs internacionais [gri-fos nossos]. (...)

    Os eleitores do Centro-Sul do Brasil fariam bem em prestar ateno ao que dizem os antigos companheiros de Ma-rina no Acre.

    Em 2012, a Unio Internacional para a Conservao da Natureza (UICN), uma das ONGs que integra o Estado--Maior do aparato ambientalista inter-nacional, junto com o WWF, nomeou Marina como membro honorrio, por sua contribuio inspiradora para a conservao da natureza.

    O ministro Aldo Rebelo no exagera-va, quando se referiu s simpatias da aristocracia internacional com Marina.

    Curiosamente, as duas biografias publicadas de Marina (Marina: a vida por uma causa, de Marlia de Camargo Csar, 2010; e Marina Silva: Defending Rainforest Communities in Brazil, de Ziporah Hildebrandt, 2001, indita no Brasil) no fazem qualquer meno a tais contatos entre a sucessora de Chico Mendes e as redes ambientalis-tas internacionais.

    Em 2002, com a eleio de Luiz In-cio Lula da Silva para a Presidncia da Repblica, o ISA articulou uma carta aberta de centenas de ONGs, sugerindo a indicao de Marina Silva para o Mi-nistrio do Meio Ambiente.

    Os trabalhadores rurais da base territorial do Sindicato de Xapuri no

    concordam com a atual poltica ambiental em curso no Brasil, idealizada

    pela candidata Marina Silva enquanto Ministra do Meio Ambiente, refm de

    um modelo santuarista e de grandes ONGs internacionais.

    (sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri)

  • Edio EsPEcial | 2 quinzena de agosto de 2014 11

    Em uma entrevista coletiva na capi-tal dos EUA, Washington, em 10 de dezembro de 2002, o presidente eleito Luiz Incio Lula da Silva anunciou os dois primeiros nomes que comporiam o seu ministrio: Antonio Palocci, seu coordenador de campanha, para o Ministrio da Fazenda, e a ento senadora Marina Silva para o Ministrio do Meio Ambiente (MMA). Tanto o local do anncio, como o fato de as reas econmica e ambiental terem sido as duas primeiras a ter os titulares anun-ciados, denotam o simbolismo e a im-portncia atribudos a ambas as pastas pelos poderes internacionais aos quais os presidentes eleitos brasileiros costumam prestar tributo, com viagens a certas ca-pitais do Hemisfrio Norte.

    O prprio Lula destacou este as-pecto, ao comentar a escolha de Marina: O primeiro sinal que eu dei a todo o mundo de que a Amaznia ser tratada diferentemente no meu governo foi que escolhi uma companheira que a impren-sa brasileira j cansou de citar o nome. Mas certamente a companheira Marina, com quem vou conversar nesses dias, vai tomar conta da poltica ambiental no meu governo (ISA, 10/12/2002).

    O Instituto Socioambiental (ISA), uma das mais poderosas ONGs que atuam no Pas, saudou efusivamente a nomeao: A indicao da acriana Marina Silva , sem dvida, uma excelente notcia para o movimento ambientalista brasileiro.

    O Ministrio das OnGs

    (...) Reeleita este ano para mais um man-dato, sua atuao concentra-se nas reas de Direitos Humanos, Cidadania, Meio Ambiente e Desenvolvimento Susten-tvel. Entre seus projetos de lei mais im-portantes destacam-se o PL n 306/1995 de Acesso a Recursos Genticos e o PL n 116/1999 de Moratria de 5 anos para os transgnicos.

    Em seu entusiasmo, o ISA se esquivou de mencionar o PL 136/2001 da sena-dora, que previa a extino do imposto sindical, que acabo arquivado.

    No ms anterior, o ISA havia encabe-ado o envio de uma carta a Lula, assi-nada por 140 ONGs ambientalistas e personalidades diversas, defendendo a nomeao de Marina. O organizador da carta foi o bilogo Joo Paulo Capo-bianco, um dos fundadores e dirigentes da ONG e ntimo amigo da senadora, que seria depois nomeado secretrio de Biodiversidade e Florestas do MMA. Em 2008, Capobianco deixou o ministrio junto com Marina e, desde ento, tem sido um dos seus principais assessores, tanto na campanha presidencial de 2010, pelo Partido Verde (PV), como na atual.

    Alm de Capobianco, Marina levou para o MMA vrios representantes do mo-vimento ambientalista, o que levou muitos a se referirem pasta como o Ministrio das ONGs. Entre outros, nomeou: Bruno Pagnoccheschi (Instituto Socie-

    dade, Populao e Natureza), chefe de gabinete;

  • 12 solidariedade ibero-americana

    Flvio Montiel da Rocha (Greenpea-ce e WWF), diretor de Proteo Am-biental do Ibama;.

    Marcelo Marquesini (Greenpeace), coordenador de Fiscalizao Ambien-tal do Ibama;

    Marijane Vieira Lisboa (Greenpeace), secretria de Qualidade Ambiental do MMA;

    Tasso Rezende de Azevedo (Imaflo-ra), diretor de Programa da Secre-taria de Biodiversidade e Florestas do MMA;

    Muriel Saragoussi (Fundao Vitria Amaznica), diretora do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Cona-ma); em agosto de 2004, passou a se-cretria de Coordenao da Amaz-nia do MMA.

    Uma das primeiras demonstraes de que Marina comandava, de fato, um Ministrio das ONGs um enclave contra o desenvolvimento nacional ocorreu com o licenciamento ambiental do asfaltamento do trecho paraense da rodovia BR-163 Cuiab-Santarm, alvo

    de uma intensa mobilizao contrria organizada por um grupo de ONGs en-cabeado pelo WWF e o ISA. Em no-vembro de 2003, cedendo s presses, o governo encarregou um grupo de tra-balho interministerial de elaborar um plano de desenvolvimento sustentvel ao longo do eixo da rodovia. Na oca-sio, Marina justificou: A BR-163 deve preservar e no depredar (Gazeta Mer-cantil, 5/11/2003).

    Este foi o primeiro de uma longa srie de adiamentos de uma obra fundamental para toda a regio ainda hoje no con-cluda, uma dcada depois.

    No final de 2004, a contrariedade com o radicalismo dos comandados de Marina j atingia nveis de exasperao. O diretor de Gs e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, reclamou da dificuldade do licenciamento para a construo de ga-sodutos: Evidentemente, necessrio analisar os projetos com muita ateno, mas tambm com rapidez. No d para ficar trs anos esperando por uma licen-a (Gazeta Mercantil, 30/11/2004).

    O pior a demora e a imprevisibili-dade. At receber a licena, ningum tem

    Concepo artstica da usina hidreltrica de Belo Monte, projeto ao qual Marina Silva moveu uma feroz oposio

  • Edio EsPEcial | 2 quinzena de agosto de 2014 13

    ideia das exigncias que sero feitas. Alm disso, a interferncia dos movi-mentos organizados e o nvel de deman-da deles maior do que seria atribuvel aos donos das usinas, disse o presidente do consrcio construtor da usina hidre-ltrica Foz do Chapec, Enio Schneider (Valor Econmico, 30/11/2003).

    O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, se queixou dos excessos da legislao ambiental, que exigia licencia-mento at mesmo para obras de manu-teno, como recapeamento de estradas e dragagens: O rio Madeira, por onde passa muita carga, um exemplo. Por conta do prprio regime do rio, acontece muito deslocamento de terra no leito. comum, inclusive, aparecerem ilhas no meio do rio, o que provoca muitos acidentes. A dragagem uma necessi-dade enorme por l, mas licenciar uma operao dessas no rio Madeira uma questo de anos. Por ora, a soluo tem sido fazer o licenciamento de trechos do rio (Jornal do Brasil, 30/05/2005).

    Em abril de 2005, um relatrio da Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL) apontou que 24 projetos de usinas hidreltricas que haviam recebido concesso entre 1998 e 2005, perfa-zendo uma potncia instalada superior a 4.000 MW, sequer haviam tido sua cons-truo iniciada, por falta de aprovao dos estudos de impacto ambiental.

    Um exemplo didtico da submisso da poltica ambiental s presses do aparato ambientalista foi a resposta do governo ao assassinato da missionria estadunidense-brasileira Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, em Anapu (PA), por encomenda de um fazendeiro local. Antes de qualquer investigao policial, Marina insinuou que o crime havia sido encomendado por madeireiros, dispa-rando contra toda a categoria: Os ma-deireiros no so pessoas de bem, so

    escrias que vm de vrias partes do pas. Digo isso porque no justo dizer que so mineiros ou paulistas. So pes-soas muito barra pesada, que usam a lei do gatilho e afrontam o Estado (Folha de S. Paulo, 14/02/2005).

    Receando uma repetio das reper-cusses internacionais do assassinato de Chico Mendes, o governo reagiu de ime-diato, com um pacote verde que colo-cou 12 milhes de hectares de terras no estado, dos quais 8,2 milhes de hec-tares na margem oeste da BR-163, sob o regime de limitao administrativa pro-visria, proibindo at mesmo ativida-des de agricultura de subsistncia e ex-plorao extrativista.

    Na gesto de Marina, mais que nunca, as palavras madeireiro e ruralista e em geral todo o setor rural produtivo foi cri-minalizado para justificar a dissemina-o do radicalismo ambientalista.

    Em 2007, a contrariedade com o radicalismo ambientalista dentro do governo atingiu o auge. At mesmo o presidente Lula, at ento, apoiador in-condicional da companheira Marina, se irritou com as queixas sobre a intran-signcia dos funcionrios do Ibama, que rejeitaram os estudos de impacto am-biental das usinas hidreltricas de Jirau e Santo Antnio, no rio Madeira, afirman-do que os projetos no tinham viabili-dade ambiental. As usinas, com uma potncia instalada conjunta de 6.500

    Concepo artstica da usina hidreltrica de Belo Monte, projeto ao qual Marina Silva moveu uma feroz oposio

    Os madeireiros no so pessoas de bem, so escrias que vm de vrias partes do pas. Digo isso porque no justo dizer

    que so mineiros ou paulistas. So pessoas muito barra pesada, que usam a

    lei do gatilho e afrontam o Estado. (Ministra Marina silva)

  • 14 solidariedade ibero-americana

    megawatts, eram consideradas peas fundamentais do Plano de Acelerao do Crescimento (PAC). Entre os argu-mentos dos tcnicos, estava a incerteza sobre os impactos das barragens sobre as mais de 400 espcies de peixes do rio. Em uma reunio com o seu Conselho Poltico, Lula explodiu: Agora no pode por causa do bagre, jogaram o ba-gre no colo do presidente. O que eu te-nho com isso? Tem que ter uma soluo (O Estado de S. Paulo, 20/04/2007).

    Nos primeiros meses de 2008, as pres-ses aumentaram. No incio de maio, Marina soube que o ministro da Secre-taria de Assuntos Estratgicos, Roberto Mangabeira Unger, e no ela, seria o en-carregado de tocar o Plano Amaznia Sustentvel (PAS), cuja finalidade era a definio de uma srie de diretrizes para o desenvolvimento sustentvel na regio. Em 13 de maio, Marina encarregou o ento presidente do Ibama, Bazileu Mar-garido (atualmente, um de seus assesso-res de campanha) de entregar a sua carta de demisso, a qual foi divulgada na in-ternet antes que Lula a recebesse.

    Em outra demonstrao do seu pres-tgio internacional, a notcia da demis-so fez manchetes nos principais pases do Hemisfrio Norte. O New York Ti-mes lamentou a falta de apoio poltico

    A soberania do Brasil sobre a Amaznia algo relativo, pois at a lei brasileira prev que os pais

    percam a guarda dos filhos, no caso de no os tratarem condignamente.

    (Joo Paulo capobianco, brao direito de Marina silva)

    ex-ministra, para que as conquistas na rea ambiental fossem mantidas. O lon-drino The Independent lhe dedicou um editorial intitulado Salvem os pulmes do nosso planeta, lamentando a demis-so do anjo da guarda da Amaznia. O Guardian manifestou o temor pelo fu-turo da maior floresta equatorial do pla-neta, aps a sua sada. O espanhol El Pas reclamou que Lula dava as costas maior defensora da Floresta Amaznica.

    Para deixar claro o seu ressentimento, Marina no compareceu cerimnia de transmisso de posse ao seu sucessor, Carlos Minc. Em seu lugar, enviou o fiel escudeiro Capobianco, que, em seu discur-so, incluiu a seguinte prola: A sobera-nia do Brasil sobre a Amaznia algo relativo, pois at a lei brasileira prev que os pais percam a guarda dos filhos, no caso de no os tratarem condigna-mente (Hora do Povo, 4/06/2008).

    Pedidos Capax Dei eDitOra ltDa.R. Mxico, 31 s. 202 centro Rio de Janeiro (RJ) cEP 20.031-144

    www.capaxdei.com.br [email protected]

    Mfia verde: o ambientalismo a servio do Governo Mundiallorenzo carrasco (coordenador)

    eM breve: 12 Edio dE

  • Edio EsPEcial | 2 quinzena de agosto de 2014 15

    Uma reportagem do jornal O Es-tado de S. Paulo (14/05/20008), comentando a sada de Marina, apresentou uma sugestiva sntese da sua atuao no ministrio:

    Em termos de reas protegidas, Marina deixa uma Amaznia muito mais blindada pelo menos no papel do que a anterior. Em cinco anos e meio, o governo Lula criou cerca de 230 mil km2 de unidades de conservao (UCs). Eram 351 mil km2 em 2003; hoje so 583 mil km2, um aumento de 66% se-gundo os dados do ministrio. Muitas unidades foram criadas em reas de con-flito, diretamente na rota de expanso da fronteira agrcola e nas zonas de influn-cia de grandes rodovias, como a BR-163 (Cuiab-Santarm). Diferentemente das UCs anteriores, criadas quase sempre em regies isoladas da floresta.

    Faltou implementar muitos desses parques, que carecem de infraestrutu-ra bsica e regulamentao adequada. Mesmo assim, os resultados mostram que as reas protegidas cobem a der-rubada da floresta, ainda que existam apenas no papel.

    Segundo o secretrio-geral do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), associao que gerencia os re-cursos do Programa de reas Protegidas da Amaznia (ARPA), o Brasil foi res-ponsvel por 40% das unidades de con-servao criadas no mundo nos ltimos 5 anos [grifos nossos].

    Foi uma grande contribuio, disse Pedro Leito. O ARPA foi criado em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, mas, de acordo com ele, foi

    O legado de Marinaexecutado em sua maior parte j no governo Lula.

    Em poucas palavras, a est uma boa sntese parcial da orientao bsica das polticas ambientais que vm sendo im-postas ao Pas. Quase literalmente, pro-teo ambiental para ingls ver: um grande nmero de unidades de conserva-o, desprovidas da infraestrutura e das condies necessrias para que possam desempenhar, efetivamente, as funes que tais reas exercem nos pases que levam a srio a proteo ambiental, como pesquisa cientfica, recreao etc., mas cujo nmero e distribuio pelo ter-ritrio nacional, estabelecidos por crit-rios mais polticos do que cientficos, funciona como um srio obstculo para os projetos de desenvolvimento. Tendn-cia que se refora quando, s unidades de conservao, se somam as terras ind-genas e quilombolas, objetos de grupos de presso que atuam paralelamente com o movimento ambientalista. De fato, decretou-se sobre uma enorme rea do territrio nacional uma zona de exclu-so econmica, na qual o Estado no exerce a sua soberania plena.

    Em um trabalho recentemente publi-cado, o engenheiro agrnomo e doutor em Ecologia Eduardo Evaristo de Mi-randa, coordenador do Grupo de Inteli-gncia Territorial Estratgica (GITE) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-curia (Embrapa), mostra duas dimen-ses de tais exageros. Segundo ele, en-tre os pases do mundo com territrio superior a 2 milhes de quilmetros quadrados, o Brasil de longe o que tem a maior proporo de reas protegidas,

  • 16 solidariedade ibero-americana

    Fig. 1: Repartio espacial do conjunto das reas atribudas legalmente para unidades de conservao, terras indgenas, assentamentos de reforma agrria e quilombolas no Brasil (seg. Eduardo E. Miranda, 2014)

    equivalente a 34% do territrio nacio-nal, quase o dobro do segundo colocado, a China (Fig. 1).

    Em suas palavras:Esse quadro complexo de ocupao

    e uso territorial representa um enorme desafio de governana fundiria e envol-ve conflitos graves, processos judiciais, impactos sociais e implicaes econmi-cas significativas.

    Alm das demandas adicionais des-ses grupos, minorias e movimentos so-ciais, todos com sua lgica e legitimi-dade, h ainda a necessidade de compa-tibilizar essa realidade territorial com crescimento das cidades, com a destina-o de locais para gerao de energia, para implantao, passagem e amplia-o da logstica, dos meios de transpor-tes, dos sistemas de abastecimento, arma-zenagem e minerao.

    O pas campeo da preservao ter-ritorial exige que os agricultores assu-mam o nus de preservar pores signifi-cativas no interior de seus imveis rurais, como reserva legal ou reas de preser-vao permanente, num crescendo que pode comear com 20% e chegar a 80% da rea da propriedade na Amaznia. A repercusso do crescimento do preo

    da terra no custo dos alimentos apenas um dos reflexos dessa situao.

    Trata-se de um desafio de grandes propores, cujo enfrentamento efetivo exigir que o radicalismo ambientalista--indigenista seja excludo de vez da for-mulao das polticas pblicas. Por sua trajetria, convices e temperamento, dificilmente, poder-se- esperar que uma presidente Marina siga este caminho.

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