marina e o continentíssimo perdido

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marina e o continentíssimo perdido Romance de Rodrigo Barata Ilustraçoes de João Augusto Rodrigues

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Romance infanto-juvenil apocalíptico. Um grupo de amigos, uma porção de segredos, muitos porquês e bastante aventura! Romance: Rodrigo Barata Ilustrações: João Augusto Rodrigues Instituto de Artes do Pará - IAP

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Page 1: Marina e o Continentíssimo Perdido

marina e o continentíssimo perdido

Romance de

Rodrigo Barata

Ilustraçoes de

João Augusto Rodrigues

Page 2: Marina e o Continentíssimo Perdido

Bolsa De Criação Experimentação, Pesquisa E Divulgação Artística 2013Instituto de Artes do Pará - IAP

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Capítulo I

Camada de Coisa e tal...

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Marina estava sozinha agora. Ela morava numa garrafa térmica de quatro compartimentos: no primeiro, havia um retrato velho de família e uma carta fechada – para quê ler cartas de pessoas estranhas? O segundo, a menina, às vezes, usava para ler um imenso livro sobre o mar e, de repente, punha-se a pensar nos pais; no terceiro, guardava o sono e se cobria com seu lençol de algas e, no último, bem, o quarto compartimento estava trancado, era um lugar misterioso do qual Marina tinha medo, um medo enorme.Esta garrafa ficava debaixo do banco na beira do mar. E, de noite, Marina era embalada pelo som distante das raras ondas, umas atrás das outras, quando vinham se encontrar com a areia. Então lembrava algo e logo esquecia. O engraçado era que, por cima e ao redor do banco, atravessando a rua asfaltada, havia uma cidade com lanchonetes, farmácias, playgrounds, lan houses, cinemas, prédios de morar

e de trabalhar; havia até escola, com bandeira e tudo na entrada, também os templos, as praças, os becos, os carros, mas o estranho mesmo de tudo isto era que nada funcionava, não tinham moradores nem turistas na cidade de Marina.

Era uma cidade em que todo dia marcava feriado, porém não pense que a praia estava lotada, nada! Fincada perto da garrafa térmica, uma placa onde se lia: “Proibido nadar! Principalmente Marina!”. Esta segunda ordem, escrita à mão, já estava pra sumir.Xi! Esqueci de dizer que, segundo o último jornal de antes do feriado, Marina lera que uma onda de calor, provocada por um tal de aquecimento coisa e tal numa camada de ozônio e os lixões, as geleiras... Bem, nem um pouco coerentes estas palavras todas juntas, mas é bom guardar o jornal, aconselhou Bup. Marina levou-o pra garrafa. Só tinha medo de tudo ficar sem coerência também dentro de seu único lar.

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Capítulo II

Bolhas, glubs e Bup...

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Não era um polvo qualquer. Era o polvo-melhor-amigo de Marina. Só que polvo lá tem nome? E fala português? E manda guardar jornal? Bem, além disso, polvos sentem um amor enorme no coração e não são somente o seu braço direito, um polvo pode ser seu oito-braços-direitos. E foi assim: amizade à primeira vista. Quando Marina, naquela manhã quente de abril, abriu a tampa de sua casa, e viu aquele bicho grudado no banco.

- Olá, senhorita, você pode me soltar? Uma corrente vinda do sul me trouxe até aqui! Perdi minha família! Foram lá pra Groelândia, talvez!

Enquanto Marina ia desgrudando o polvo do banco, foram conversando sobre a vida e descobriram que ela era órfã e só no mundo, assim como ele. Então, entre bolhas e glubs, viraram os-melhores-amigos-para-sempre. Marina achou por bem batizá-lo e como ele era cheio de ventosas que grudavam e desgrudavam, fazendo um barulho engraçado, assim que nem quando a gente estoura plástico-bolha, então achou excelente o nome escolhido e pronto.

Convidou Bup logo para morar com ela na garrafa térmica.

Mas, mas... onde é que fica mesmo a Groelândia?

Bup decidiu ser o guardião-mor daquela casa de quatro cômodos e, tudo no exato instante em que dá um tilt na cabeça da gente, resolveu que ele e Marina iriam desvendar o segredo do quarto quarto, (nossa!) como são as palavras, “quarto quarto”? Bup ficava ouriçado com a língua portuguesa. Ele que era conhecedor de quase todas as línguas do mundo, escolhera esta para ser sua língua oficial. Bem, me confundi todo..., estava dizendo que Bup e Marina iriam descobrir, finalmente, o que o quarto cômodo guardava, o porquê das pessoas terem sumido, o que a menina lembrava e logo esquecia, quem escrevia ordens à mão nas placas da cidade, e toda esta história do homem acabar com o mundo e... a camada de coisa e tal... pronto, me confundi de novo! É melhor eu descansar um pouquinho...

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Capítulo III

O quarto quarto.

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Os dias eram como as ondas, já quase inexistentes, do mar, também algo que não havia mais, no entanto a amizade de Marina e Bup estava bem, obrigado!A menina fez um manjar especial e convidou Bup. Ela disse que era um jantar formal, com toda a pompa e circunstância, pois estava de passagem pela cidade o chef Ophyr, mundialmente conhecido, um grande pesquisador da culinária e da alquimia. Quem sabe o chef não teria as respostas que tanto nossos heróis precisavam?

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Bup usou gravata-borboleta; Marina, um vestido com flores de espelho, e o chef estava de chef mesmo e entrou com pressa, soltando fala:

- Marina, minha querida, vim do velho continente – a voz rouca do chef – por causa de uma promessa que fiz ao seu pai. Tudo aconteceu de noite e você precisa saber: à noite, eu não

enxergo nada. Então eu estou aqui para lhe dizer que não sei nada do que aconteceu... – e o chef começou a chorar.

Marina e Bup se entreolharam. O manjar estava ótimo, um ensopadinho que Marina fez e batizou de “Ensopadinho lençol de Marina”, o chef, depois de chorar, elogiou muito o paladar da menina.

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Daí em diante, começaram as perguntas, uma, duas, dezessete perguntas. O chef, atarantado, gritou:

- Parem! Aqui está a chave da porta do quarto quarto! Seu pai me deu na noite da qual nada sei e disse para entregá-la a você quando fizesse oito anos. Você já vai fazer doze, eu sei, mas cozinho para as sereias do norte, e elas sempre têm convidados. Moram no último iceberg do Polo Norte, num imenso aquário, e eu, moro sozinho num iglu. Somente agora pude lhe trazer a chave.

Entregou e, antes de Marina agradecer, chef Ophyr destampou a casa e foi em direção ao norte. As sereias deveriam estar famintas. Nem disse tchau nem nada.

Nesse dia mesmo, Bup, tomando bastantes precauções e com toda uma estratégia montada e arquitetada, imaginou entrar no quarto quarto...

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Capítulo IV

O quarto quarto: parte dois.

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... antes de explorar o quarto quarto, no entanto, Bup tomou precauções das quais não abria mão, ops, não abria tentáculos, já sei, Bup não deixaria, em hipótese nenhuma, sua melhor-amiga-do-resto-do-mundo-todo entrar sozinha naquele lugar secreto:

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E num piscar de olhos, antes de Bup pronunciar palavra ou mesmo tomar alguma atitude:

- Eu entro primeiro, Bup! Sou afinal uma menina de doze anos e se meu pai me mandou a chave...

Bup ficou imóvel, é, estático mesmo, primeiro de decepção, pois arrumou tamanho aparato, e Marina, só vestida de coragem, entrou antes dele; segundo, porque o quarto quarto era segredo daqueles abissais

do Pacífico.

Num deu nem tempo de contar os tentáculos, Marina já havia entrado e, atrás dela, a porta de número 4 se cerrou. Bup ficou muito sem graça. Deu vontade de ligar pros bombeiros, pro CVV, pros seres de antes de ontem, pra mãe dele... Mas, além de seu celular estar descarregado e sem créditos, ninguém nem ia atender nem nada, pobre Bup.

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Capítulo V

Gigi e Croquete: as bocas holográficas.

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... bem, eu não estou interessado em entrar no quarto quarto, mas fui me inventar assim narrador observador... Num tenho outra escolha. É, mas se eu entrar, viro personagem, e aí? Bem, a minha grande amiga dona Chica di Mirrô atirou o pau no gato, mas a curiosidade é minha!

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Quando Marina entrou, uma luz de holofote cegou seus olhos cor de noite.

- Eu por baixo! – cantou a primeira.- Não, eu por baixo! Você por cima! – respondeu a segunda.- Eu com aquela!- E eu com esta!

Eram... Eram... Eram... Não, não faz sentido algum!... Eram duas bocas. Marina agora esfregava os olhos e viu também. Elas usavam saltos altos e meias de seda...

- Senhoras, ops, senhoritas bocas, parem de brigar, não é hora. Não existe ‘aquela’ nem ‘esta’. Só estamos eu, vocês duas e ele! – disse Marina com autoridade de quem era proprietária da garrafa térmica.- Ele quem, mocinha? – perguntaram juntas.- Antes de tudo, eu sou Marina, térmica desta dona! Quem são vocês duas?

A, ahan, coff, coff, coff, dona desta térmica, com educação, porém nervosa, inquiriu as bocas e nem se lembrou de me apresentar. Foi logo querendo saber o que duas bocas faziam há anos naquele quarto fechado. E se elas sabiam o que tinha acontecido aos pais dela, do Bup, e com os meus (?), ops, de novo?! Não tenho pais (quer dizer, existem essas pessoas aí me contando, mas isso fica pra depois!)... e por que a cidade vivia agora de feriado, onde ficava a Groelândia e o que era a tal camada?...

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- Eu me chamo Gigi! Esta é Croquete! Somos cantrelos holográficas! Não adianta vir machucar a gente!

Marina nunca iria machucar algu...

- Cantrelos holográficas? Mas que coisa mais complicada de saber o que é! Isso é uma profissão?

- Sim, mocinha, somos cantoras, atrizes e modelos. Você nunca ouviu falar de neologismo, não?

- Neo o quê?

Bom, essa parte do ‘neo o quê’ até eu não sei bem o que é, todavia as bocas deram o papo... Holografia é estar e não-estar. As bocas eram só imagens, mas pra mim eram bem reais. Marina passou a acreditar nelas quando jogou a chave do quarto quarto, e esta entrou pela boca de Gigi e escorregou pelas pernas de Croquete. Ai, que medo! Essa tal de holografia era coisa de fantasma.

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Resolvi sair do quarto quarto imediantamente. Talvez não tenha vestido a mesma roupa de coragem usada por Marina. Fui me juntar à decepção de Bup, que se sentia traído – era ele quem deveria estar no quarto ao quadrado.

- Sr. Narrador, por gentileza, conte-me o que está acontecendo lá dentro?

No entanto, como poderia narrar se meu medo me tirou o poder de estar em todos os lugares ao mesmo tempo? Naquele quarto, não, de jeito nenhum! Apenas Marina ouviu o resto da falação daquelas fantasmas holográficas neo sei lá o quê...

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Capítulo VI

Dona Chica di Mirrô e a sonoterapia.

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Marina saiu do quarto ao quadrado e desmaiou, pois é, caiu durinha da silva, que nem as atrizes nas novelas. Bup ficou desesperado e quando isso ocorria, ele se embolava todo em nós. Eu tive de administrar meus conhecimentos e minhas relações interpessoais. Chamei

Dona Chica di Mirrô – que havia cumprido pena de dez anos de prisão por atirar o pau no gato – mas agora, livre, era curandeira, cartomante e craque em sonoterapia. Ah! Diz ela que agora adora gatos, principalmente os persas e os vira-latas.

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Quando Di Mirrô adentrou na garrafa térmica, espantou-se com Marina desmaiada e pegou seus cristais da Polinésia e seus óleos de corais do oceano Índico e aplicou-os na pele branca de Marina.

- Ela sairá do estado de desmaio para o de sono! E vai sonhar com o passado. Vai reviver muitas coisas, e elas podem ser boas ou não!

- Sra. Dona Chica di Mirrô, ela não é muito nova para hipnose? – perguntou Bup com o rigor de sempre.

- Não é hipnose, senhor polvo, esse tratamento chama-se Tangolomangolo! Ela vai somente sonhar!

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Eu fico me perguntando por que esses personagens falam tantas palavras desconhecidas. Esses neo sei lá o quê me deixam nervoso, então esqueço o que eu tenho de contar ................................................................................................................................................bem.................................................................................................................................................................................................hum....................................................................................... Marina voltou no tempo e sua viagem (ou sonho?) a levou até aquelas férias de verão na casa do Chef Ophyr, logo lembrou que seu pai também era Chef e enólogo, é, esse tipo de cara que saca tudo, tudinho de vinhos. E ouviu a mãe cantando música de ninar pra ela. E eu até notei uma lágrima brilhando por entre os cristais no rosto de Marina.

Senti que ela agora estava meio tremendo e começou a se debater, Dona di Mirrô pediu ajuda a Bup, que já se destentacuralizara... Ele segurou

a melhor-amiga-para-sempre e, neste exato momento, Marina declarou:

- Mamãe e Papai deixaram esta carta para mim! – o mais incrível é que ela falou dormindo e dormiu ainda por mais 4 dias inteiros com a carta presa entre seus dedinhos finos de porcelana. Nós até que tentamos furtar a carta, ou melhor, eu poderia até antecipar o conteúdo da missiva dos pais de Marina... só que...

- E por que o Sr. Narrador não faz isso por nós? Sinto uma pressão aqui nas minhas ventosas, assim posso vir a ter uma hipertentaculose aérea!

Tá bom, Bup, vamos à carta. Dona Chica di Mirrô disse que doença de polvo é terrível.

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Capítulo VII

Jonas e o mamíferocóptero.

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Se um narrador, assim como eu, desvenda um segredo ou antecipa um fato muito guardado pra depois, deixa de ser narrador e vira personagem. Pois é, como eu quebrei com alguma regras da narração em terceira pessoa, ou seja, contei com emoção, tive medo e tudo o mais, agora outro narrador vai ter de me contar também, porque eu virei personagem. A partir de hoje, passarei a falar com travessão, que nem os outros:

- Meu nome é Jonas, sei que todos estão se perguntando sobre mim, bem, conheci os pais de Marina dentro de uma baleia, mas num era uma baleia qualquer, era um mamiferocóptero, baleias dessas de verdade, que têm filhos e dão de mamar, e pulam nas águas calmas dos oceanos, não existiam mais. Dizem que viraram óleo pra perfume e um monte de outras coisas – e continuou – ... a mãe e o pai de Marina saíram da casa deles

quando a cidade começou também a não ter mais ninguém. E sabe como é que é viver numa cidade onde todo dia é feriado? Eu também estava no mamiferocóptero indo pra não sei lá embora quando ela me contou que eles construíram a garrafa térmica – onde hoje até eu vivo – pra proteger a filha. O pai dela me contou (pois, nessa hora, a mãe de Marina começou a ficar triste e chorar e foi só um abafar de voz num lenço), bem, o pai me contou que o homem acabou com as cidades e com os países e com os continentes e só havia – e isso nem o maior cientista do mundo poderia provar – um continente ainda habitável por pessoas que ainda gostavam de morar aqui na Terra.

- Sr. Narrador, ops, me desculpe, Jonas, por que você saiu da baleia, ou melhor, do mamiferocóptero? Mas também gostaria de saber por que motivo eles não levaram Marina com eles? E, se baleias não existem mais, há ainda polvos?

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- Bup, Dona Chica di Mirrô, Marina (!!!), gente, ela acordou! Ela está com um olho aberto.

De fato, foi uma farra imensa ver que Marina estava viva e, depois de quatro noites de sono, ela deveria ter muito sonho pra contar. E abriu depressa o outro olho e só disse o seguinte, seguintíssimo:

- Ô, menino estranho, dá pra responder tudinho isso que o meu-melhor-amigo-do-mundo-que-ainda-existe perguntou?

- Era o que eu fazia, senhorita, seu pai me disse que não levaram você, porque eles não tinham certeza se existia esse tal de continente e nem ninguém sabia e, aqui, na garrafa, pelo menos, você estaria protegida. E num tá mesmo?

- Jonas, e você, o que faz aqui? – Marina quis saber...

- Aconteceu um acidente, Marina, uma onda dessas maiores do que todos os prédios do mundo, um em cima do outro, apareceu na frente do mamiferocóptero, e eu só me lembro de ter acordado quando comecei a contar a sua vida...

Todo mundo se entreolhou. Ficaram assim caladíssimos. Na realidade, todos estavam cansados, cansadíssimos... então foram comer a porção de ensopadinho que tava na Tupperware do Bup.

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Capítulo VIII

Dona Chica Di mirrô-se da Iridologia!

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Todos não sabiam o que fazer. A vida deles era um “dois pontos”, mas desses que depois não tem nada, fica um vazio, não há uma porção de coisas enumeradas, algo assim mais parecido com a saudade, a solidão dentro da gente, um aperto meio...

- Bem, – Marina disse – estamos aqui juntos nessa história complicadíssima, logo, depois de pensar e de dormir por tanto tempo, vários sonhos misturados e, talvez tenham

até sido um só. Esses sonhos todos me mostraram a solução! Pronto, prontíssimo, vamos sair da garrafa e ir ao encontro de nossos pais, e eu me refiro a todos, todíssimos nós.

- Eu sou uma senhora de idade, Marina, posso ficar e tomar conta de sua casa térmica? – respondeu com uma pergunta Dona Chica Di Mirrô – Mas, antes de irem, lerei, lidíssimo, as mãos de cada um e jogarei cartas!

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Dona Chica ficou muito envergonhada, afinal não havia se lembrado de Bup, mas ela diria o quê? Não sabia ler tentáculos, embora fosse expert em polvos e moluscos e afins, como faria a boa senhora para ler o futuro de Bup? Teve ela uma lembrança por demais inteligente e eficiente: Dona Chica havia, faz é tempo, tirado um diploma de Iridologia (é, esse troço de ler a menina dos olhos), então ela iria ler

a íris de Bup, sabe como é, ler olhos sempre podem nos dizem até mais coisas.

- Fico muito grato e orgulhoso de saber que, além de tudo o mais, é também uma Iridóloga, senhora Dona Chica, sabe como é: nós, polvos, às vezes nos sentimos rejeitados, rejeitadíssimos!

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Depois de Marina ter dormido por 4 dias inteirinhos, ela estava com mania de superlativos, e essa é uma doença que passa rapidíssimo, todos de repente estavam falando também superlativamentissimamente. Ops, eu não sou que nem o Jonas, não, meu primeiro nome é, de verdade, verdadeiríssima, Narrador, é, sem sobrenome, nem erre-gê, nem cê-pê-efe. Volto apenas a me deter à história, então todos decidiram ir à cidade de Marina atrás de um mamiferocóptero, todos iriam encontrar esse tal de continente, continentíssimo.

- Mas, e se nada disso existir, Marina? Se nossos pais não

encontraram nada e se... – nessa hora, Jonas começou a ficar estranho, com os olhos brilhando, assim como que nem quem quer, mas não vai chorar – ...e se eles não chegaram em lugar algum e estão perdidos como - Jonas, alguma coisa me diz que esse continentíssimo existe, e lá a gente vai poder ser feliz...

- Isso aí, seremos felicíssimos!!! – todos responderam em coro.

Dá pra entender, agora, por que a insistência no uso desses superlativos todos?

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Capítulo IX

Jonas e o mamiferocóptero: o início de tudo.

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Estava um rapazola deitado sobre uma boia de pneu, e esta se encontrava sobre o mar azul, celeste e com direito a peixinhos encantadores, destes de aquário, a passear por debaixo de tudo, de uma boia, de uma vida, de uma história.

Jonas lia uma narrativa fantástica, o livro que narrava as vinte mil léguas submarinas, quando, de repente e tão subitamente, surgiu uma baleia enorme, e, agora é necessário usar os superlativos: Enormissimamente enorme! E abocanhou o garoto. Foi só um susto, não doeu nada. Em segundos, Jonas encontrou-se numa biblioteca dentro da barriga da baleia. Há de deixar claro: Djanira só engolia garotos que flutuavam e liam sobre as águas, principalmente os que liam em boias de pneu, este considerado um artigo fino da gastronomia baleística, do qual Djanira, a baleia, não dispensava.

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O nosso ex-narrador, agora ganhador da vantagem de viver realmente a narrativa, embora, acredito que todos prefiram só viajar lendo mesmo e não experimentando as histórias... enfim, Jonas viveu dentríssimo de uma baleia por uns bons anos, comia sushi, conversava com os outros garotos e garotas, também como ele, ávidos por um bom livro, e assim se passaram três anos. A garotada se reunia e tomava um chá

delicioso de algas e lia tudo que havia por ali: sítios do pica-paus amarelos, casas de Usher, morros dos ventos uivantes, naus que encontram Adamastor e atingem o Oceano Índico... eram papos de horas, afinal de contas, não há, realmente, nada para se fazer dentro de uma baleia. E haja Jonas em sua jornada ao lado de companheiros tão curiosos quanto ele.

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Djanira era o nome do imenso mamífero, boiava depois de um farto almoço, no qual devorara milhares de ouriços. Esses bichinhos têm espinhos e começaram a fazer cócegas intestinas e, com um pouco mais da ajudinha da garotada e suas unhas malfeitas arranhando a barriga de Djanira, a baleia soltou um arroto que Marina denominaria arrotíssimo! Por causa desse arrotão, todos foram cuspidos, o engraçado é que cada qualpara sua direção de origem, isto é, para suas cidades e casas. Essa baleia era sensacional!

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Jonas retornou, finalmente, às suas origens. Ele era filho do casal Chutney, criadores dos molhos internacioais Doctor Chutney, produto utilizado por mil dentre mil residências.

Os donos dessa fábrica intercontinental

foram os culpados pelo fim das mangas no mundo, afinal o chutney de manga era o mais fantástico, sobretudo acompanhando um pernil. Por essa “ajudazíssima” dada pelo casal Chutney para dar aquela mãozinha à destruição do planeta, as pessoas passaram a não gostar dos pais de Jonas.

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- Eu saí da baleia atordodoado ainda do arrotão de Djanira, encontrei o mundo todo seco, que nem papel velho, rosto de gente quando vai ficando assim bem, mas bem avó, me disseram até que a Terra tava parecendo um pergaminho. Daí, meus pais e eu, mais uns amigos ricos e chiques da alta sociedade e seus pais, Marina, fomos todos em busca do tal continentíssimo-onde-todos-queriam-ainda-viver. No meio da viagem, aparece a onda gigante, muito gigante mesmo e, num outro susto, estava já narrando a sua história, mas isso eu acho que já contei...não contei?

- Sim, Jonas, e você não sabe de mais nada? Se foram encontrados destroços, rastros, pistas? Jonas, estou perdendo a minha paciência, que é pacientíssima!!!

- NÂO SEI!!!!! – explodiu o pacífico Jonas! Mas tenho um dos celulares de Djanira, afinal eram tantos que ela engolia, vou ligar para ela, e nós

vamos, de baleia Djanira, atrás de todos os nossos parentes!

- Mas, Sr. Jonas, o senhor mesmo nos disse que não havia mais baleias na Terra! - retrucou Bup sempre solenemente.

- Pois é, Djanira, na realidade, para meu espanto quando descobri e creio que para o de todos aqui, é uma mamiferocóptera. Seus pais a criaram, Marina, a fim de ver se a baleia dava conta de comportar e de conduzir, dentro dela, muitas pessoas! Meus pais eram multimilionários e pagaram para seus pais, senhorita Marina, idealizarem e criarem, até construir Djanira. Assim que tudo aconteceu! Estou, realmente, exausto. Agora posso chorar um pouquinho, mas só um pouquitíssimo, senhorita Marina?

Aquele era um choro de verdade! O choro de Jonas! De cansaço, um mormaço de dá é dó...

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Capítulo X

e La Nave va?

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- Gente, não tá fora da área de serviço! Está chamando, Marina! Está chamando,o o o celular da Djanira! – alertou Jonas, já com uma saudade de viver dentro de baleias...- Alô! Com quem falo, por favor?

E num é que atenderam mesmo, um garoto chamado Omar, nome engraçadíssimo para quem vive dentro de um mamífero! Logo mantiveram contato, e Jonas perguntou a Omar para aonde iam? E o garoto respondeu que iam tentar encontrar o continentíssimo perdido e coisa e tal...

- Como assim? Nós vivemos numa garrafa térmica,

de propriedade da filha dos inventores dos Mamiferocópteros! Por favor, leve este celular até os ouvidos de Djanira! Precisamos falar com ela urgentemente.

E com uma voz de baleia, Djanira disse que nos preparássemos, pois viria nos pegar; marcou data, hora, segundo e local? De preferência em cima de boias de pneus, com livros que narrassem histórias sobre o mar. Todos deveriam estar lendo. Baleias amam comer pneus, mas ainda mais de crianças que leem livros sobre o extinto mar.

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- Desculpe-me, senhor Jonas, mas essa Senhora Dona Baleíssima Djanira pede que levemos livros sobre o Omar? O garoto que está na biblioteca dela e ao celular com o senhor? – perguntou, solene, quem? Quem? Bup, oras, era ele, para quem esta história do fim dos seres das águas machucava por demais. Mas num eram os seres das águas somente. Não havia mais água. Não havia mais costa, litoral, enseadas, onde, antes, perto da cidade de Marina, fora uma praia de verdade, com surfistas, barqueiros, pessoas nadando em cima de boias de pneu, o sol a pino, e um mar azulzíssimo... agora é apenas areia e areia e mais areia a perder de vista...

- Não, Bup, não me interrompa, por favor, estou a falar com Djanira. Pois bem, querida mamifrocóptera, a garrafa térmica está exatamente defronte de onde um dia foi a Praia da Marina. Ops, outro problema de homônimo, num é a praia de Marina, a dona da Térmica, mas o Porto da Marina das Andorinhas d’Além, porto da cidade costeira.

- Todos ficaremos lendo em boias de pneu na hora exata em que você está marcando, mas não se esqueça, minha queridíssima segunda mãe, não podemos ficar mais do que um minuto fora da garrafa! Senão, arriscaremos nossas vidas!

- Jonas, meu caro, eu engulo-os, todinhos, em segundos, segundíssimos! Ah, como estou ansiosa por devorar os pneus, não os degusto desde, ai até perdi a conta...-

retrucou Djanira.

Pneus estão cada vez mais raros depois que os homens destruíram a camada... pu, pu, pu, pu, pu... caiu a ligação! Celular fora da área de serviço!

E pronto! Foi essa a sensação mesmo: de que eles todos estavam também fora da área de serviço!

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Todavia, Marina, que ainda pensava firmemente em como conseguiriam sair para ir à cidade e arranjar: item um, pneus; item dois, livros narrativos com o mar como um dos protagonistas e, talvez, algo de interessante para uma menina de doze anos, quem sabe, uns óculos de sol, um vestidinho bacanérrimo? Ou mesmo esses protetores com cheiro de fruta que prometem milagres para a pele? No entanto o milagre agora era ter um plano. A mente de Marina começou a ferver quase que nem o planeta.

- Era, isso! Era, não, é, ézíssimo isso! Tive uma ideia holográfica. Por que não pedimos a Gigi e a Croquete que saiam até a cidade-onde-todo-dia-é-feriado e consigam os pneus e os livros em nosso lugar? Elas seriam como avatares meu e do Jonas. Marina Gigi iria à biblioteca municipal, e Jonas Croquete ao borracheiro! Num é fantástico?

Nesse momento, todos aplaudiram empolgadíssimos tamanha ideia. Parecia mesmo um plano perfeito, perfeitíssimo. Mas, quem iria entrar naquele quarto quarto de novo? E enfrentar o terror das fantasmagóricas bocas dançarinas? Foi nesse exato momento em que Bup começou a se tentacularizar todinho, mas se tentacularizou falando:

- Eu, Srta. Marina, eu entro no quarto quarto e convenço as fantasmas holográficas a irem até lá por nós! Quem sabe, holograficamente, elas não fogem conosco também até o tal continentíssimo? E tenho dito!

Marina nem respondeu nem nada, só teve um problemaço: destentacularizar Bup.

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Capítulo XI

O quarto quarto - parte três.

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Bup entrou no quarto quarto de fininho, como havia planejado antes, com quatro tentáculos. Aquele papo de cospe-sépia e escudo do Bope, de tanta precaução, já não era mais necessário, afinal Gigi e Croquete, embora fantasmas, eram holografias do bem, o polvo sentia isso dentro de seu molusco coração. Ouviam-se, de fora do quarto, duas vozes:

- Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar...

Mas como assim? Ciranda com duas pessoas?

Page 44: Marina e o Continentíssimo Perdido

- Só levo a máscara contra influenzas, pois fantasmas, mesmo bondosas, podem contaminar! Fantasmas não morreram? Deve ter sido por algum motivo, motivíssimo! – refletia Bup, com receio, falando assim metade da fala fora e a outra parte dentro já do quarto ao quadrado...

- Sr. Polvo, nós duas não morremos, somos HOLOGRAFIAS, uma imagem, um sinal de algo inteiro, somos quase-fantasmas! E hoje, por sinal, veja só, estamos em seis!

- Eu sabia, senhoritas Holográficas, vocês são

fantasmas mesmo! Meu Nosso Senhor do Santo Tentáculo, como podem ter sido triplicadas? Coff, coff, coff... desculpem-me, mas me polvorizei, no entanto estou aqui para fazer um pedido. Eu sei que pode parecer estranho um polvo ir ao auxílio de duas irmãs fantasmas holográficas neo-sei-lá-o-quê, mas eu estou aqui em nome de minha-melhor-amiga-para-sempre. Precisamos ir embora da garrafa térmica, Marina é dona dela. E vocês teriam de ir à cidade-onde-todo-dia-é-feriado a fim de encontrar coisas que nos foram pedidas por Djanira, a Srta. Mamiferocóptera, nosso único transporte e salvação!

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Em vez de responderem, elas entregaram a Bup um jornal holográfico, lógico, de exatos dois anos antes. E a manchete dizia: “Supernova: Órion, a estrela gigante vermelha, explode, e planeta Terra ganha mais um sol”, era essa a notícia. Deixa eu explicar: diziam os cientistas que ela, a estrela Betelgeuse, poderia explodir em 2012 ou em cem mil anos, mas explodiu antes de setenta anos, e a Terra não possuía mais a noite e o dia. Somente dois sóis, um imensíssimo, bem maior do que aquele de antes de tudo, aquele nosso primeiro sol lindo, e sempre na hora certa e, mesmo no inverno, aquecendo as gentes e a natureza vez ou outra. No entanto, holografias só saem de noite. Se saíssem de dia, elas, de verdade, verdadeiríssima, não enxergariam nada, nadica.

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Neste preciso momento-enquanto-todos-pensavam-numa-saída, Dona Chica Di mirrô entrou e:

- Perdoem-me por ter ouvido a conversa de vocês! Mas, além de conversas secretas terem de ser a portas fechadas – e esta do quarto quarto assim não se encontrava – tomei a ousadia de vir oferecer meus conhecimentos de Iridologia, a fim de fazer Marina Gigi e Jonas Croquete enxergarem de dia! É um pouco complicado, confesso, e nunca tentei, mas eu tiro os olhos holográficos de Gigi e de Croquete e ponho-os sobre os olhos de Marina e de Jonas, ou vice-versa. Assim, as duas,... ops, seis, sei lá, enfim, elas irão à cidade-onde-todo-dia-é-feriado

e conseguirão realizar a missão. Verão através dos olhos dos meninos.

- Na realidade, Dona Chica, nós somos míopes, não enxergamos nada sem nossas lentes de contato holográficas! Sem lentes não enxergamos um centímetro a nossa frente e...

- Está aí nossa saída então! Vocês somente precisam ficar por algumas horas sem estas lentes. Andem, entreguem para mim as tais lentes de contato holográficas. Marina e Jonas irão usá-las, eles enxergarão através do olhos de vocês e pronto! Não será preciso nenhuma intervenção cirúrgica, cirurgiquíssima.

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É, esse troço de iridologia também parece coisa de fantasma. Marina e Jonas iriam vestir as lentes das fantasmas holográficas? Enfim, Marina iria rever sua cidade, poderia ir até a sua-própria-casa-dos-seus-próprios-pais.

- Eu topo!- disse logo Marina num espanto – E você, Jonas, irá comigo?

- Sra. Doutora Chica Di Mirrô, eu posso acompanhar minha melhor-amiga-para-sempre-nessa-vida? Sinto-me preparado!

- Não, Bup, é uma pena lhe informar que a sua forma octotentacular pode confundir as holografias! Talvez elas não consigam andar direito e se tentacularizarão todinhas.

- Eu é que devo ir: não eram então Marina Gigi e Jonas Croquete? Logo, assim será! Tenho certeza de que ir à cidade me fará um bem enorme! Quero descobrir, afinal, que camada de coisa e tal é essa? Vou à Biblioteca Estadual Prof. Otávio Cucaracha! Não poderia ser outro além de mim, que morei quase a vida toda em uma Biblioteca. Fui um rato delas dentro de Djanira. Eu acharei rapidamente os livros e descobrirei o que foi realmente o que houve!

Embora todo já soubessem mais ou menos o que o homem havia feito com a Terra, eles precisavam de um sentimento de heroísmo, e esse, sim, via-se nitidamente nos olhos de Marina e de Jonas.

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Capítulo XII

A cidade-onde-todo-dia-era-feriado.

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Você já se perguntou alguma vez na vida por que mora no corpo em que é esse aí, o seu? Por que você tem essa cara de você mesmo? Essa aí a sua? E esse corpo que é seu e se move de lá para cá, às vezes, até desengonçadamente? Estranho era Marina e Jonas serem eles, todavia, vendo as coisas através das holografias, era uma experiência mais impressionante do que o 4D. Eles quase sentiam os cheiros de lá de fora e o tato do mundo e das paredes, dos objetos! Mas tomaram um baitíssimo susto quando viram os dois sóis e deram graças por não sentirem todo aquele calor de cem graus Celsius a arder as coisas na Terra, no entanto como era abafado viver como holografias na Terra, ufa!

- Jonas Croquete, não há mais uma grama na cidade. Olha,

ali tinha um parque, agora tá tudo murcho e feio e seco! Não há mais nem formigas, nem flores, nem nuvens, nem azul, nem mar, nem nada. Agora entendi, entendidíssimo: a cidade tirou feriado foi é de viver! E as pessoas se foram para sempre daqui!

- Não diga isso, Marina Gigi! Vamos ser fortes! Vá direto a uma borracharia; quando a encontrar, veja se consegue as boias, mesmo se estas estiverem vazias... eu vou à biblioteca e resgatarei os livros que puder. Meu, o homem acabou com tudo mesmo! – espantou-se o nosso heroi. Só sinto muito por meus pais terem dado uma mão-extra para essa destruição toda!

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Então, Jonas Croquete ajoelhou-se e teve vontade de pedir perdão ao planeta todo e a todas as coisas que foram destruídas. Mas pra quem pediria perdão? Se até Deus estava agora a cuidar dos outros planetas, aqueles que se preservaram e ainda existiam. Talvez, também houvesse um Deus a zelar pela Terra, esse mesmo, que é O seu, e, certamentíssimo, Ele deveria estar cuidando do continentíssimo também, isso sim.

- Aqui nos separamos! Vou atrás das boias e veja se traz livros bons, senhor Jonas Croquete – e Marina Gigi saiu quase sorrindo, Jonas ficou assim se perguntando o porquê de tudo...

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Marina se lembrou que boias de pneu também, um dia, antes até dela nascer, foram chamadas de salva-vidas, e este tipo de material poderia ser bem guardado em algum freezer de hospital, quem sabe? Se eles salvavam vidas... Ah, esqueci-me totalmente de lembrá-los das placas que a mãe de Marina havia escrito para ela:

e era justamente o que Marina Gigi havia pensado. As placas a levaram até um enorme e gelado congelador de material cirúrgico e coisas desse tipo no hospital da cidade. Como eram consideradas salvadoras de vidas na cidade, as boias de pneus estavam entre os itens ali guardados. Gigi num contou nem o tempo e pegou cinco delas – estavam murchas é certo – e fugiu mais que depressamente daquele hospital escuro e fedido.

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- Sou seus olhos, Croquete, leve-me a uma Biblioteca! Mas, antes, use uma máscara holográfica daquelas contra ácaros, pois deve estar uma zona lá dentro! – Ácaros? Como poderiam existir ácaros? Jonas Croquete estava tendo uma insolação. Só pode!

E então ele rumou, assim meio cambaleando, pois sabem todos que, com os olhos de outro, a gente acaba por se perder e se desequilibrar...ou, nossa! O menino Jonas não sabe andar de saltos altos. Era, então, por isso que Jonas Croquete andava tão desengonçadamente pela Cidade D’Além Mar. E ruas a se passar, e prédios, alguns destruídos inteiramente por culpa dos homens que neles já haviam morado. E placas! Algumas estrategicamente escritas à mão!

Lógico, eu sei que...

- Placas, placas, como assim placas? Olha que engraçado, aqui tem uma onde se lê: “Vire à esquerda! Aí está a direção da Biblioteca”. Essas palavras, que estão completando a minha busca, será que foi alguém que já sabia da necessidade de livros...e...alguma coisa está a me encucar......................................................hum............................................aff........................................................................... own.................................................................................... já sei! Só pode ser isso! Como não imaginar que os criadores de Djanira não sabiam que precisaríamos de boias e de livros?!?! Essa letra só pode ser...!

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De repente, Jonas Croquete encontrou-se diante da Biblioteca Prof. Otávio Cucaracha, imensa edificação com gárgulas no teto, colunas clássicas e escadarias sem fim, enfim! Todavia, imponente e severa como compete a qualquer boa Biblioteca. O que incomodava mesmo era saber se havia ainda algum papel que tenha resistido a tamanha temperatura.

- Eu acho que esta é, sem dúvida, a maior Biblioteca que já vi na vida! – exclamouzíssimo Jonas Croquete!!!!!!!!!!! – Mas não há livros, nenhum livro, nenhunzinho livreto, nem pocketbook, nem uma minimalista edição oriental, nem nada!

E agora? Como farei para que sejamos engolidos por Djanira e irmos em busca do continentíssimo perdido? E sentou, chorando, desta vez, com lágrimas holográficas, mas a única diferença é que, assim, a lágrima brilhava mais...

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Jonas não havia reparado, mas existiam placas penduradas por toda a Biblioteca. Centenas delas, todas direcionadas para uma porta pequena e entreaberta. Parecia uma ratoeira a porta para onde as setas indicavam, mas eram ali, só podia ser ali o esconderijo que os pais de Marina criaram para salvar alguns livros da destruição, tipo que nem quando arrumaram um jeito de ainda existir um freezer funcionando no Hospital. E eles sabiam também que deveriam ser livros sobre o mar, não sobre o Omar!

- Bem... se todas estas placas – enxugava o rosto – disserem para mim o quê eu estou pensando, ali, atrás daquela portinhola, estarão os livros sobre o mar!

E foi se esticando, se esticando, se espremendo por debaixo das mesas, ainda bem que Croquete era bailarina, e se apertando apertandinho, assim como quando a gente dorme de conchinha, até que, com a mão esquerda, abriu a portinhola...

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Capítulo XIII

A fuga mais que fugaz.

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Marina e Jonas haviam devolvido as lentes de Gigi e de Croquete. As duas ficaram brincando de Cabra-cega, ops, Cabra-míope enquanto eles foram à cidade D’Além Mar. Jonas trouxe os seguintes livros: um sobre um velho que conversava com o mar; outro sobre a saga de uma galera indo em busca de uma letal baleia branca; mais um a narrar a história de um lobo que vivia no mar; com destaque para um a contar o naufrágio de Manuel de Sepúlveda, publicado pela primeira vez em 1555, este era original (!). Primeiríssima edição. A mãe de Marina que escolheu. Ela era uma leitora e tanto, sabia muito sobre histórias marítimas,

pois os oceanos eram a grande paixão dos pais da garota. Por sinal, isso foi o que os motivou a criar Djanira, num foi o dinheiro milionário dos pais de Jonas, não.

Os pais de Marina sofreram demais quando souberam do fim das baleias no noticiário noturno. Naquele instante, resolveram construir a garrafa térmica para a filha e driar Djanira para os pais de Jonas fugirem daqueles que lhes desejavam a morte depois das fábricas Doctor Chutney terem ajudado e muito a por fim em tudo.

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Capítulo XIV

A grande decisão.

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Marina Gigi não visitou sua antiga casa. Não se poupou, no entanto, de passar pela rua da sua infância, então avistou, de longe, que o muro de sua casa, antes coberto de hera, era agora descoberto de tudo, um muro todinho assim como quando a gente vem ao mundo, pois é, peladaço; um muro triste e seco. Aconteceu uma vontade ao contrário em Marina Gigi. Não foi

até sua casa, deu meia-volta e correu direto pra garrafa térmica. Ela não suportaria a ideia de ver a casa de sua infância despida de tudo.

Bem, quando Marina Gigi e Jonas Croquete retornaram com os pneus e os livros, tinha faixa e tal, com dizeres bem assim:

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É claro que, com essa senhora Formalidade, só poderia ser Bup o autor da faixa. Mas polvos lá escrevem? Pois é, descobri que, além disso, são excelentíssimos na arte da caligrafia. Letras assim quase tão bem escritas quanto os ideogramas orientais de tão perfeitissimamente delineados. Mas houve um lapso da parte gramatical de Bup, jovens destemidos como Jonas são, com certeza, SENHORES, nunca SENHORITOS.

- Eu lá sou senhorito, Bup? Pra você, amigo, sou somente Jonas! – e dirigindo a fala a todos os presentes – Djanira virá nos capturar exatamente amanhã às 8:00 A.M.!

- Amigo, nós daqui do sul não usamos P.M. e A.M., é hora certa mesma! Então, - Marina arriscou – deixaremos para dormir na viagem, temos muito o que arrumar antes. Dona Chica, - dirigindo-se à amiga – eu, Jonas, Bup, Gigi e Croquete, e esse narrador aí novo não deixaremos a senhora aqui na garrafa térmica; decidi antes, e eles comigo; achamos que não retornaremos mais e, pra evitar a imensa saudade que vai bater em nossos corações e porque a senhora é muito formidável e nós a amamos assim como uma mãe, eu trouxe um pneu extra.

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Esconde-esconde

esconderijo é algo como dar um sustoseja num buraco no meio do matoou num casulo preso no arbusto...pode ser numa caixa preta de fato

ou num instrumento de corda robusto...é bom estar na asa de um avião a jato

ou na jaula de um animal vetusto...esconderijo é algo como estar escuroseja no vão em V da longa escada...

ou num local não pensado, prematuro!pode ser num raio de luz rajada

ou na promessa de amor no futuro...é bom se esconder numa morada

ali, acolá, alguém, algures... além, alada...

- Viva Dona Chica di Mirrô! – nesse mesmo e exato momento, todos ficaram de pé e cantaram, acompanhando Gigi e Croquete (oooooops, esqueci, elas já estavam com suas lentes de contato), a seguinte canção de Schumman Du Bidu:

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O que eu não entendo mesmo é o porquê de Marina sempre conseguir agregar as pessoas, ela é muito carismática a menina, e esse poder que ela tem de ser otimista!?! Até a mim ela acabou de citar, como pode? Sou apenas o novo narrador. Bem, eu num tenho mesmo vontade de virar pessoa-de-verdade nesse mundo tão estragado de camadas de coisa e tal.

Devo continuar a me deter somente à história do... dessa coisa chamada vida e desses heróis habitantes da garrafa térmica. Realmente, foi uma noite em que todos ficaram acordados,

ninguém pregou os olhos. Marina preparou muita Sopa Lençol de algas desidratadas, a fim de armazenar alimento para a grande viagem; Bup manufaturou minicospes sépia para todos e vestiu seu escudo do BOPE; Jonas distribuiu os livros; Dona Chica, agora convencida de não poder ficar, organizou a garrafa (caso eles tivessem de voltar, tudo estaria em ordem); Gigi e Croquete tentaram alegrar a todos, para que ninguém dormisse, elas são verdadeiras artistas. Estava cada vez mais perto do amanhecer. E esse amanhecer não seria definitivamente igual aos outros...

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Capítulo XV

Djanira, a baleia com mil compartimentos.

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Naqueles exatos 32 segundos, dentro do preciso e limítrofe tempo de 1 minuto em que todos poderiam permanecer fora da garrafa térmica, no exato dia em que Djanira combinou de engolir sua iguaria preferida, mas, junto a ela, como “tempero”, os nossos heróis, as coisas não aconteceram bem exatamente assim como esperavam: a baleia, num ímpeto mamífero e todo maternal, comum a sua

espécie, resolveu engolir: os pneus, a galerinha (tá bom, sei que Dona Chica já é uma senhora e não participa de nenhuma galerinha, no mínimo, ela faria parte de um seleto grupo de intelectuais baleias respeitadíssimas), engoliu também os livros, e, agora pasmem (!), Djanira engoliu, inteira, a garrafa térmica.

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Então, pra quê expor Marina e Cia. àqueles sóis tórridos? Afinal,todos estavam lendo sobre as boias, como recomendado por Djanira. É que, enquanto sobrevoava onde era o Atlântico sul – agora, sequinho o pobrezinho – que mais parecia uma cadeia de montanhas e não, nunca, nunquinha um oceano, Djanira teve essa brilhante ideia: e se, mesmo existindo esse Continentíssimo, o calor do planeta já tivesse chegado lá?

Bem, tendo de uma só vez aberto sua bocarra longa e arqueadíssima, vupt e glub(!), engoliu tudo junto e foi uma loucura, era pneu prum lado, Marina pra outro, livros voando, Bup agarrou-se com seus oito tentáculos na língua de Djanira e só largou quando o cetáceo se acalmou, Jonas estava perdido no emaranhado que é ser engolido por uma baleia. Gigi e Croquete nem fizeram

caso, eram holografias e, fantasmas, todos sabem, sempre se dão bem.

Agora, Dona Chica foi delicadamente deglutida direto para o centro de Djanira, onde se situava a imensíssima biblioteca do animal. Nesse instante em que estava a se por um pouco sentada numa poltrona verde escura, os livros que Jonas havia coletado caíram um por um como se fosse do céu da baleia. Bem, era do céu da boca mesmo. Di Mirrô teria um trabalhão para achar o lugar adequado para cada um dos livros, com numeração, código, sobrenome, nome do autor, tomo e essas coisas bibliográficas. Foi quando todos chegaram, desarrumados e descabelados, bem, Bup estava começando a se tentacularizar novamente...

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- Nossa, gente, Djanira engoliu até a garrafa térmica, vocês viram isso? – perguntou exclamando Marina. – Agora, a gente tem duas casas, Djanira e a térmica, essa baleia é sensacional, só poderia ser mesmo criação de...

- Shiiiiii, psiu, silêncio, silencíssimo, Marina, - interrompeu Jonas, que era um grande conhecedor de, de, de, bem, de Djaniras – Ela pensa que é uma baleia de verdade. E falou isso tão baixinho que quase usou mímica. Não machucaremos esse coração baleístico.

- Ah, ela não sabe, então... – Bup já ia repetir o irrepetível!

- Sim, é isso mesmo, essa baleia é o máximo. Nós nunca vimos uma por dentro, e ela é chic demais, toda prateada, com escamas de nácar em forma de conchas. E como ela é

enorme. Devem ter muitos compartimentos aqui dentro! – exclamaram, assim, sempre juntas, Gigi e Croquete.

- Mil! Djanira tem mil compartimentos – Jonas respondeu ainda falando bem baixinho. Mas quando eu morava aqui com meus companheiros de baleia, a gente denominava mil quartos de Mãe.

Nem sei bem o motivo, quer dizer, sei, mas isso não me é permitido assim, tenho de ser imparcial nessa narrativa, não posso me envolver. Nessa hora, o menino Jonas, corajoso, sem nenhum temor, chorou de saudade (é, eu sei que ele tá chorando demais), mas era um negócio de uma saudade apertada, que seu choro ecoou por todos os mil quartos.

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Capítulo XVI

E a Garrafa Térmica?

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...pois é, acho muitíssimo necessário esclarecer que ao lado ladíssimo da biblioteca de Djanira, foi o exato local em que se instalou a garrafa térmica de Marina; Dona Chica, mais do que de pronto, foi verificar como estavam as coisas lá nos quatro quartos e se a arrumação feita por ela havia servido para alguma coisa. E num é que lá dentro estava um brinco, pois essa baleia não brinca em serviço. Engoliu com calma e proteção a térmica. Sabia que devia fazer isso, não entendia muito o porquê, mas alguma coisa, em suas entranhas, mandavam-na proteger a menina Marina, parecia até coisa de irmã mais nova, sei lá! Afinal, meninas podem ser irmãs de baleias? A garrafa não rolou, nem se bateu

em nenhuma concha de nácar, e, melhor de tudo tudinho, não atropelou os moradores da grande mãe cetácea.

Viajar dentro de Djanira era, sim, a experiência mais fabulosa, pois ver o mundo através de seus sulcos ventrais era sensacional, como uma expedição (é, a mãe de Marina fez Djanira transparente em algumas frestas da barriga!). Dali, via-se o mundo todo, mas como o mamiferocóptero estava a voar por sobre o que um dia havia sido o oceano Atlântico, resolvemos pedir para que ela nos mostrasse o continente que desaparecera por causa das águas, olha a contradição.

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- Alô! – Jonas pegou um telefone imensíssimo e verde que ficava no meio da biblioteca – Mãe Djanira, passe, por favor, por sobre Atlântida, para meus amissíssimos verem a ilha perdida?

- Continente, amado! – respondeu em baleiês, a cetácea – é logo ali, dobrando a África.

A baleia, depois, rumou em direção ao Mediterrâneo, ops, na realidade, o que restou do Mediterrâneo, pois como a Terra era outra Terra, outro planeta! Outro era esse lugar sobre o qual Djanira sobrevoava. Tudo era uma eterna sucessão de montanhas, cadeias delas, tudo na Terra estava terracota.

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Para não queimarem os olhos, havia óculos de proteção solar na Biblioteca, daí bastava descer uma belíssima e alta escada em caracol e, de lá, bem do ventre de Djanira, por entre os tais sulcos ventrais, é que Marina e toda a galera viram as pirâmides, a Esfinge, o caminho do Rio Nilo, tudo numa dessas voltas e piruetas que a baleia dava, principalmente quando feliz, pois devorava um pneu a cada semana. Lembrando, claro, iguaria sem par para baleias de fino trato.

Djanira soube que um cientista brasileiro descobriu que os atlantes viveram na região da Indonésia e foram ancestrais de vários povos bacanérrimos do mundo: os gregos, os hindus e até os tupis. Máximo, meu! Deve ter sido um tsunamíssimo que, há milênios, afogou a Atlântida todinha. Mas, sendo ou não lá o exato local da ilha ou do continente, a terra não mudava, tudo continuava nada, assim meio amarronzada, totalmente terracota.

- O nome dele, do tal cientista, é Arysio Nunes dos Santos, li num livro grandaço, acho que era alguma coisa como O Livro de Ouro das Coisíssimas da Antiguidade – explicou Jonas...

Todos ficaram boquiabertos. Jonas era um menino muito estudioso e mostrou – afinal, crescera na biblioteca de Djanira – a todos, na região da Indonésia, é, aquela bem no oceano Índico, o menino indicou onde poderia ter sido o território dos atlantes. E ainda disse mais...

- Devemos a eles, a esse povo, a agricultura, a pecuária, a criação de equinos, e até o alfabeto!

Vejam, exatamente ali pode ter sido Atlântida! Vocês conseguem ver aqueles círculos, isso seria a cidade que foi submersa por causa de um provável tsunami! Vou usar o telefone verde de novo: “Djanira, você é a melhor mãe do mundo! E ainda voa!”

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De súbito, a baleia parou no ar, freou na realidade, todo o pessoal meio que se desequilibrou. De repente, muito subitamente, subitamentissimamente, oh, que horror!!!!!!

- Todos os vulcões da Indonésia resolveram expelir gases e magma! É uma visão apocalíptica – disse Djanira quando todos socorreram a ver através do ventre, a baleia estava meio de peito pra frente, pois havia freado bruscamente – Só pode mesmo ser o fim do mundo! É, meus passageiros, estamos quase fritos!

Como a Indonésia sempre esteve na maior região de atrito tectônico da extinta Terra, eram, pois, 150 vulcões ao todo, e, ao mesmo tempo, entrando em erupção, soltando gases e expelindo a sua fúria. A visão era realmente surreal: uma prateadíssima mamiferocóptera cetácea parada à frente de 150 vulcões em erupção simultaneamente. Só em Dali, Salvador Dali, o pintor, poderíamos ver tal cena... todos aqueles que estavam dentro de Djanira permaneciam em total silêncio, assustadíssimos, aterrorizados. O que Djanira faria? Recuava ou enfrentava o labirinto de lava?

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Capítulo XVII

A cetácea de prata e os fogos do centro da Terra.

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Ela ficou que nem uma seta prateada, brilhando aos sóis, a contrastar com o dourado de todo aquele fogaréu que explodia à frente dela. Endureceu, no entanto, seu corpo coberto de coragem – bem, lá dentro, bem dentríssimo de Djanira, ela estava mortíssima de medo – se retesou, então, a baleia, e ficou em prumo, em direção àquele caminho de fogo, de fumaça e de muito perigo. Comunicou-se com os viajantes e avisou, através de um alarme dentro dela, um megafone de...de que é aquilo mesmo? Ah, sim, um megafone de gramofone, não, era um gramofone digital, que inacreditável! Ela falou em baleiês, mas o cômico, no meio desse horror, era que todo o mundo entendeu o baleiês, é impressionante essa língua (!); enfim... Djanira resolveu dar um grande aviso. O seguinte, seguintíssimo:

- Amigos queridos, eu não sei dar a ré,

desde muito nova, tenho esse déficit. Nunca aprendi a voar para trás. O aviso é que iremos atravessar os vulcões. Tentarei desviar de todos, amarrem-se às cadeiras da biblioteca, aos pés das mesas, das camas, teremos, pela frente, muita turbulência... Bup, ao lado da estante de Poemas da Humanidade sobre o mar, há um cavalo-marinho de madeira, inverta-o, coloque-o de ponta cabeça e, de repente, vai se abrir uma porta secreta, dentro dela, há caixas de pronto-socorro e muita corda, mil metros dela, fragmentados. Pegue toda a corda que há lá dentro e distribua, com seus oito tentáculos, para todos, agora, amigo molusco! Marina e Jonas, amarrem-se diante de meus olhos, vocês serão meus copilotos. Dona Chica, vá com os meninos e leia minha íris, mas volte para se amarrar ao pé da cadeira central da biblioteca. Gigi e Croquete,

desamarradas, ajudem a atar os nós de meus viajantes. Holografias não precisam ser amarradas. Espero dez minutos para que tudo isso aconteça, ajudem-me, meus queridos. Vamos sair dessa enrascada juntos!

Ouviu-se um Viva! HIP HIP Hurrah! geral.

A travessia por entre túneis e labirintos de fogo e lava e gases começou com Djanira dando um arranque muito acelerado, a ultrapassar um corredor de fogo, porém quando a baleia começou a sentir calor na nadadeira caudal, ou seja, calor na traseira mesmo, ela diminuiu a velocidade e, com muito cuidado, com cautela, passou a atravessar as explosões do...

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- Cuidado, Djanira, aquele, oh, coitados de nós, é o vulcão Lokon, ele está furiosíssimo!

– Jonas, com seu conhecimentíssimo de vulcões Indonésios, alertou a baleia-mãe de que estavam agora em uma cilada!

Marina olhava os alertas de prováveis incêndios, ameaças alienígenas, algum objeto não identificado ou quaisquer perigos iminentes, além de ser também o terceiro olho de Djanira, ajudando a guiá-la por aquele caminho pirolouco por demais. Quando, mais forte do que se pode imaginar, Jonas gritou de terror: - Olhem, o vulcão do Monte Merapi, Djanira, ele está...está...está... bem à nossa frente!

Para quem não tem a mínima ideia, o Monte Merapi era conhecido, quando havia Terra e gente e bichos e... bem, ele era o mais perigoso e o mais ativo vulcão da Indonésia. Houve um tempo em que milhares de pessoas foram engolidas pelas lavas do Merapi na ilha de Java. Nesse instante, a baleia deu uma freada tão brusca que os nós afrouxaram, e isso representava mais trabalho para Gigi e Croquete. A cada baleiada no ar, parecia que um vulcão se enraivecia e expulsava mais lava e chamas e noritos, umas pedras magmáticas que batiam em Djanira, faziam um barulhaço e esquentavam o ambiente da biblioteca, onde todos se encontravam amarrados e assustados.

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Marina ficou extasiada com a coragem e a desenvoltura de Djanira, mas confessemos, nossa heroína, nesse momentíssimo, arregalou e esbugalou os olhos de um susto, sustíssimo. Jonas sentiu o maior-frio-que-dá-na-barriga-da-gente da vida dele. Bup se tentacularizou como nunca. Os passageiros estavam sentindo que aquela era a maior empreitada de uma cetácea voadora já praticada em toda a história da humanidade.

Quando Djanira alcançou o mais alto limite de perigo, viu-se acima do poder vulcânico e na linha limite pra não derreter por causa do enorme calor. Era, de repente, o exato ponto em que se abria, diante dos nossos acronautas, um túnel que os possibilitaria seguir ao que um dia foi o Oceano Pacífico. Lugar dos mais abissais do planeta e, talvez, numa dessa abissal profundeza da Terra, pode ser o local onde se encontraria o talvez Continentíssimo Perdido, quem sabe?

Bem, abriu-se, diante de todos, um túnel calmo, muito claro

e pacífico. E viajar por ele era como estar nas profundezas de um mar bem límpido e sereno. Atravessá-lo parecia estar em uma zona de paz e de tranquilidade, era um caminho branco de muita luz e sem nenhum obstáculo, a não ser a vontade de todos de chegar até o Oceano Pacífico. Tudo lá fora era feito de uma luz com matizes de diversas tonalidades. Como se voassem dentro de um arco-íris. Um pouco de calmaria agora para a nossa trupe aérea. Foi nesse exatíssimo túnel que Gigi e Croquete vieram dar ao povo e à Djanira a infelicíssima notícia. Gigi pegou o telefone verde e Croquete falou a todos os presentes:,- A garrafa térmica rolou até a cauda da senhora Djanira e está toda avariada, senhorita Marina e todos os presentes!

Eu quero perguntar uma coisa: Por que quando estamos em paz ou encontramos algo, uma saída, que seja, para um problemíssimo bem sério, achamos que um outro algo em algum outro local pode sempre estar fora da ordem?

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Capítulo XVIII

E a Garrafa Térmica?

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Pois é, no íntimo, era o que todos estavam se questionando. Djanira até sentiu um desconforto na cauda, parecia que estava mais pesada. De repente, ela estava muito mais do que pesada, parecia que nem quando a gente tem uma pedra bem dentro do sapato. A baleia deu uma rabanada de leve e deixou a garrafa térmica deslizar bem devagarissimamente... e...

- Ah, até que enfim, Djanira fez com que minha, coff, coff, nossa casa voltasse para onde estava antes!

- É, Marina, mas a garrafa tá bem bronqueada, olha ali aquele amassadaço... – dizia Jonas.

- As coisas não precisam ser bonitas por fora, Jonas, é dentro que tá todo o aconchego e tudo aquilo que nos interessa de verdade... afinal, foi onde eu vivi por todos esses últimos anos - respondeu Marina.

Bup, nessa hora, estava se destentacularizando pela terceira vez

e ficou assim que nem Marina, bem triste, olhando a térmica toda avariada.

- Senhores, nunca disse a vocês, mas sou especialista em consertar amassados de garrafas térmicas...

- Mas como você vai conseguir, se está todo assim em nós? Como poderá...

- Ahan, senhorita Marina, esse processo é lento, todos sabem o esforço que tenho de fazer para me destentacularizar, porém nossa térmica voltará a ser como outrora! Promessa molusca!

- Ai, ai, ai, antes de mais nada, darei um trato, uma belíssima organizada na garrafa por dentro, e minhas companheiras nessa empreitada serão Gigi e Croquete, não é mesmo, meninas? – perguntou Dona Chica di Mirrô.

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As bocas holográficas estavam já munidas de avental e espanador (também holográficos) e prontas para o serviço pesado. E nem precisou de alguma ordem superior.

Ordem? Mas que palavra engraçada, ora a desejamos, em outras a rejeitamos...

- Ei, senhor narrador, – chamou Marina – foi assim mesmíssimo ao que o senhor está fazendo agora que começou a confusão do Jonas quando virou personagem. O senhor também quer virar personagem?

Bem, decido não responder, com ou sem ordem, é melhor não refletir sobre as palavras iguais com significados diferentes, já sei que essa coisa de palavras é muito complicado... mas, ordem!

- Silêncio, Sr. Narrador! – todos aconselharam em coro.

E bem alto, fui ordenado a não refletir sobre o que conto e, sim, somente narrar! Foram surgindo, aos poucos, acronautas para se voluntariar a consertar a garrafa de Marina. O bom dos momentos em que estamos na pior, sentindo também que nada mais dará certo, que, poxa, a Terra acabou, meus pais desapareceram, meus amigos estão na mesma situação, há vulcões logo abaixo da gente e etecétera, as pessoas se unem e correm atrás de se ajudar. Os viajantes fizeram todos um mutirão e começaram a consertar a boa e velha térmica. Djanira voava tranquilamente. As coisas pareciam que, neste instante, talvez, voltassem a ser como antes de tudo, tudíssimo.

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Capítulo XIX

O Batiscafo de Djanira.

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Esse treco aí do título é um equipamento ultrassubmersível, feito de aço e em forma de esfera. O grande barato dele é atingir os lugares mais profundos do planeta, os que ficam na Fossa das Marianas mais precisamente, num local perto das ex-Filipinas, tudo ali próximo da Oceania, assim quase dobrando a esquina da Terra. Houve, um dia, um batiscafo que já chegou a quase 11 mil metros de profundidade nesse abismo aí. Bem, qual a relação entre o batiscafo e a camada de coisa e tal e com os dois sóis que não deixavam mais a gente viver na Terra?

Jonas convocou uma reunião na Biblioteca, com a presença de todos os acronautas e com Djanira ouvindo tudo através do telefoníssimo verde.

Marcou hora e tal, arrumou com Bup as cadeiras para a plateia, Bup preparou canapés de algas desidratadas, Gigi e Croquete fizeram um show antes do pronunciamento, dançaram uma coreografia com tons asiáticos e um pouco de Zouk, um estilo de dança caribenha, nossa (!), os viajantes ganharam de presente uma dança que mistura Caribe e Ásia, Gigi a intitulou de “Marina’s Paradise”. Foi um total sucesso. As dançarinas holográficas foram unânimes. Quando, através do megagramofone, Bup declarou:

- Por favor, senhores e senhoras e senhoritas e dona Baleia Baleíssima, nosso intelelectual jovem companheiro Jonas pediu que vocês, com todo o silêncio, se for possível, ouçam-no, pois ele tem algo de muito importantíssimo a declarar!

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Todos se acalmaram da dança recém-apresentada, sentaram-se e, num púlpito que tinha perto da estante dos Grandes Livros da Humanidade, subiu nosso herói e, então, pôs pra fora todo seu conhecimento adquirido na época em que era um leitor e tanto, é, quando ele morou em Djanira, antes, em sua quase total infância.

- Caros viajantes e amigos, enquanto atravessávamos o túnel de calmaria, eu passei um tempo fazendo uns cálculos matemáticos, geofísicos, eletrostáticos, mecatrônicos e cinemáticos, e cheguei a uma conclusão: o único lugar do planeta Terra que poderia

ter a possibilidade de manter seres humanos vivos é justamente na Fossa das Marianas. Um local fundíssimo, talvez o mais profundo em que o homem já tenha chegado até então. Ela fica a 11.000 mil metros e, pelos meus cálculos, somente um dos dois sóis alcança essa abissal profundeza, devido à curvatura da Terra e ao arquipélago das Marianas, que é composto por 15 ilhas em formato de um arco, uma cadeia de montanhas e também... ai, cansei. Meu comunicado, além disso que eu já falei, é o seguinte: cheguei à conclusão de que se houver vida, pode haver tão-somente lá embaixo! Muito embaixo, embaixíssimo!

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Tocou o telefone verde; óbvio que todos no mamiferocóptero se assustaram. Era Djanira, pedindo para chamarem a velha alquimista ao fone:

- Dona Chica di Mirrô, por favor, use seus conhecimentos de alquimia, procure em meu quarto de número 77; lá, encontrará uma pequena horta com ervas e raízes que eu acompanhei o replante antes de tudo ser destruído e prepare uma essência, um unguento, um bálsamo, um banho, um incenso, qualquer coisa, afinal, mas faça esses viajantes PARAREM DE FALAR SUPERLATIVOS, oh, céus!?! Não aguento mais ouvir íssimos, érrimos, ílimos...! – e pronto, prontíssimo, ops, ela desligou bem na cara de todo mundo.

Djanira estacionou no ar um pouco para comer a sua iguaria favorita, boia de pneus, pois estava faminta e precisava se acalmar; a baleia ainda possuía somente mais uma boia! Ela tinha de descansar

um pouco, flutuar depois de tantos vais-e-vens. Aquele túnel era muito calmo, tão sereno, tão assim, que, depois de comer, a baleia adormeceu pesadamente! Ficou roncando no ar, levitando.

Dona Chica trancou-se no quarto 77 e, encantada, pegou uma porção de ervas e um tanto de raízes, misturou tudo e fez um chá que travava a língua para falar superlativos, o chá se chamou chazíssimo e foi servidíssimo na Biblioteca. Eu tive meu momento de personagem. Tomei um copo das mãos de Di Mirrô e bebi, porém retornei imediatamente ao meu posto de narrador observador. Crê-se que, daqui pra diante, não falaremos mais superlativos. Espero que eles tenham, sim, uma superlativa sorte nessa busca, mas sem mais íssimos, pricipalmente periguíssimos. Pois Djanira proibiu superlativos e pronto! Quem vai discutir com uma baleia furiosa?

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Capítulo XX

O treco ultrassubmersível...

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A mãe de Marina, cientista conceituadí... ops, conceituada mundialmente, seguindo os passos de um suíço famoso chamado Piccard, o homem que construiu o primeiro batiscafo do mundo, criou um também igualzinho àquele, o Trieste, que mergulhou lá na Fossa das Marianas; e, para ter certeza de que ele estaria seguro, agasalhou-o no baixo ventre de Djanira. Ganhou o nome de Cuca, apelido de Marina, dado a ela pela mãe quando ainda era uma guriazinha de fraldas. Me digam: é coincidência isso tudo?

Marina decidiu que os-melhores-amigos-do-mundo-todo iriam descer até a Fossa das Marianas. Eram ela e Bup, Jonas estrilou, mas

num teve conversa. Marina tinha de fazer a busca ao Continentíssimo, precisava, era, afinal, o apelido dela que estava escrito no batiscafo. Ela queria ir com Bup, companheiro de antigos tempos, desde que ainda havia mar, pouco, mas havia. Aí, ela contou o encontro deles no banco da praia... e tal... tudo iso já até foi relatado pelo antigo narrador, o Jonas!!

Enquanto todos discutiam se a menina Marina poderia ou não descer no batiscafo, Dona Chica e Gigi e Croquete deram uma tremenda arrumada dentro da garrafa térmica. A casa de Marina e de Bup ficou toda organizada de novo, mas também não havia quase nada dentro da térmica!

Bem, o que importa é que, depois de desamassada por Bup e arrumada pelas nossas meninas holográficas e pela nossa querida Di Mirrô, a garrafa voltou a ser como era antes. Aconchegante e... bem,... uma térmica. Feita para guardar pessoas dos males provocados pela humanidade. É, nem todos os homens que passaram por aqui mostraram amor ao seu mundo. Tínhamos uma natureza magnífica e, de repente, glub, ela sumiu por causa dos maltratos do homem, que deixou a tal camada de ozônio (era essa a camada de coisa e tal!) ficar cada vez mais fina e mais fina e mais... ponto crucial, afinou de um jeito que os raios ultravioletas começaram a destruir tudo, era o poder do aquecimento global. Nossa, como continuam sendo, mesmo depois de explicadas, incoerentes essas informações. E bastante chatas também.

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Marina e Bup foram ao baixo ventre de Djanira e, com a ajuda de Jonas e de todos, conseguiram abrir uma espécie de alçapão bem na barriga da mamiferocóptera. Havia umas várias alavancas ali no salão ventral. O batiscafo ficou dependurado sobre um abismo, só seguro por uma corrente do aço mais puro, puríssimo!

- Uhum, proibidos superlativos, eles me dão azia! – tremeu tudo com a fala de Djanira.

- Fechem imediantamente o alçapão! O calor é imenso lá fora! Marina e Bup, vocês têm de usar esse macacão ultrassubmersível, e não se preocupem, pois o batiscafo é feito de um metal ultratudo: nem temperatura e nem pressão atingirão vocês! – explicou o minigênio da trupe aérea.

- Eu, Marina, preciso, antes de descer, agradecer do fundo de todos os meus sentimentos, a todos que nos ajudaram! – hora em que a baleia Djanira deu uma tremedinha de regozijo – Ah, e se algo acontecer a mim e a Bup, deixem claro, nunca esqueçam, contem a quem encontrarem, que a gente, pelo menos acreditou e tentou!

Nesse momento, a Terra viu, como não sentia há muito tempo, uma gota de água cair sobre ela, Djanira deixou escorrer uma gota de lágrima, ou era resto de água de oceano?

Enfim... baleias também derraman qualquer coisa que seja pelos olhos, principalmente quando são sentimentais mamiferocópteras!

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Capítulo XXI

Descida ao fundo da fossa.

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...ficaram fascinados, enfim força e futuro, francamente, fizeram a fortuna, a fim de, no final, todos, felizes, fazerem a farra. Ouvia-se o tlec-tlec-tlec-tlec da roldana a soltar o cabo que garantia ao batiscafo segurança total. Marina e Bup, vestidos ultrassubmersivelmente, estavam apreensivos, seus corações a mil. Será que valeu a pena toda essa busca, essa aventura? Ou isso é só um dos aspectos da fantasia da gente quando desejamos algo que não temos mais? Nada disso, eles precisavam ainda rever os pais, as suas famílias, fossem de qual espécie fossem, humanos ou polvos, holografias ou baleias, mas rever, ou seja, reencontrar os sobreviventes. A descida foi lenta e, a cada metro, Marina e Bup somente avistavam montanhas, formações antigas que faziam parte do arquipélago das Marianas. Tudo seco, aridez, terra e luz e calor e secura, a descida começou a dar um frio na barriga dos dois.

- Senhorita Marina, deixe-me lhe dizer algo?

- Imediatamente, copiloto! Espero sim, uma segunda opinião!

- Mas a senhorita ainda nem disse a primeira!?!? – retrucou o molusco com os olhos dilatados.

- Não tenho, na realidade, primeira opinião nenhuma! Estou com medo e receio de que nada exista lá embaixo! Nunca encontraremos esse tal Continentíssimo perdido, amigo, nossa aventura foi em vão!

E enquanto dialogavam sobre a existência ou não do Continentíssimo, foram aos poucos percebendo que estava esfriando, quer dizer, estava ficando tudo menos quente (eles não sentiam na pele, sentiam na alma) e, de repente, assim que nem nas histórias muito antigas, um pássaro pousou no batiscafo e fez um som de... pássaro.

- Você ouviu o que eu mesma ouvi e, agora, nesse exato momento? Ouviu, Bup?

- Senhorita, isso é delírio devido à descida, deve ser a pressão ou esta roupa que não esteja servindo para nos proteger efetivamente e...

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- BUP! – gritou Marina – é um pássaro, uma ave, Bup, um ser vivo, vivinho da silva lá fora, pousado no batiscafo! Bup, é uma vida que acabou de pousar no Cuca, você não está entendendo o que aconteceu agora?! Amigo, eu senti o barulho também de unhas arrastarem o metal na parte de fora da nave. Bup, eu vou abrir a porta de saída do Cuca e vou deixar o clima entrar, o vento atravessar a gente, Bup, amigo, amigão, amicíssimo, amicílimo, amicérrimo, com direito a todos os superlativos inventados do mundo, existe vida lá fora, Bup, meu melhor-amigo-de-todo-o-mundo-para-sempre!- e gritou muito alto a felicidade de poder rever seus pais, de poder sentir o cheiro do cabelo de sua mãe e de poder se dizer filha de alguém... Marina estava em estado de surto e confusão e delírio e desespero, quase em histeria.

- Senhorita Marina – Bup fez um gesto de que ia impedir Marina de abrir a porta de saída, tentou ainda impedi-la com dois tentáculos, mas a menina, forte que só ela, abriu e pôs a cabeça para fora e tomou o maior-susto-

que-uma-pessoa-pode-tomar-em-toda-a-vida-para-sempre-também.

- Bup, amigo, Bup – Marina gritava e chorava e soltava sons estranhos, mas e, sobretudo, ela chorava, Marina era só alegria e pranto, felicidade e gritos, susto e encantamento.

Enfim, os nossos amigos avistaram o Continentíssimo. A exatos 11.000 pés, estendia-se, por uma planície sem fim, uma cidade, bela, imponente, antiga, resquício de alguma civilização que, antes da Terra, já havia sucumbido ao poder da natureza. Só que essa, ao contrário da Cidade D’Além Mar, é, a cidade onde Marina nascera, essa era composta por gente, pessoas que saíam de suas casas e olhavam pra cima, a fim de nos ver, ops, de ver o batiscafo que descia lentamente. Homens largando seus trabalhos, mães com filhos ao colo, mulheres que também estavam a labutar, todos iam para fora de alguma edificação e avistavam o Cuca.

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Eles olhavam para cima sem susto, como se estivessem esperando por nossos heróis. E Marina pediu a Bup que usasse o telefone para informar Djanira e os acronautas de que, enfim e realmente para sempre, ainda havia vida nesse planeta, oh, que imensa alegria. Vida de verdade, gente, famílias, cidade, trabalho, carinho, amor, ai... – como estava radiante a menina Marina.

- Olha, Bup, são pessoas como nós, bem, eu não vejo nenhum polvo como você, é bem verdade, mas tem gente e milhares delas!

Bup, que acabara de telefonar para a Biblioteca, avisando sobre a grande descoberta e ouvindo, através do telefoninho verde que encontrara no Cuca, a gritaria de todos os viajantes, dava até para identificar a voz de Jonas e um som grandão de baleia feliz, nossa (!), começou a festa lá em cima. Disse à menina Marina que Djanira iria descer e, enquanto descia, o batiscafo seria puxado de volta, a fim de pousarem, na Terra, dentro da baleiocóptera. E, enfim, poder reencontrar e viver de novo vida de gente de verdade!

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Capítulo XXII

Toda uma vida pela frente, ainda na Terra...

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Djanira exigiu que trouxessem o batiscafo de volta ao ventre dela! Nada disso de Marina e Bup descerem sem saber o que há de verdade lá embaixo. E se forem zumbis, ou terroristas, ou náufragos refugiados de algum... A baleia, velha de guerra, queria fazer um voo de reconhecimento e deixar seus passageiros seguros dentro dela, coisa mais maternal impossível!

- Mas, como assim (?), não vamos descer, Bup? Djanira está nos puxando de volta!

- Senhorita, ela nos convoca a um voo por sobre o Continentíssimo, a fim de ver se estamos em segurança! Desculpe-me, mas acho muito prudente da parte dessa senhora mamiferocóptera!

- Eu também, Bup, mas vou ficar procurando meus pais pelas fendas do sulco ventral de Djanira! Num aguento mais de tanta saudade! – nesse meio tempo, Marina e Bup foram içados e já com a carinha jovem e curiosa pregada nas fendas dos sulcos do ventre de Djanira, a menina continuou a por fala pra fora – Será que, agora, esses seres humanos aprenderam alguma lição? A Terra perdeu quase tudo, eles não podem mais estar usando eletricidade, podem, Bup? Jonas, não devem mais ter carro, celulares, tevês, microondas, chuveiro elétrico, toda essa parafernália, e mais spray, comida enlatada, plastificada, mumificada, com sabor imitação de alguma deliciosa comida natural? Olhem lá embaixo, as casas são encravadas nas montanhas e nos morros, as pessoas sse vão a pé pelas vielas, mulheres e homens carregando, plantando, fogueirando a comida...

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- Nossa, como o clima aqui embaixo é tão agradável, posso sentir esfriar aqui dentro; segundo meus cálculos me disseram, aqui só um sol nos pode atingir. O clima é igualzinho ao da Terra de antigamente. Meus amigos, olhem ali embaixo... Nossa (!) trinta milhões de vezes nossa (!), há um mar ali adiante!!!!!!!!!

E num era mesmo? Um mar que se estendia até um horizonte e se perdia na curva ultrassubmersível da Terra. Pássaros voavam, peixes ainda existiam e saltavam livres nesse mar, somente havia, no Continentíssimo, aquilo que era necessário à vida de um ser humano.

É, aquela coisa da simplicidade em tudo e que

faz o mundo ser mundo. As pessoas deverim ter aprendido a tratar diretamente com a Terra os acordos que têm de ser mantidos ou realizados entre ela e o homem. Acho que apenas viviam ali, no Continentíssimo, este, por sinal, era maior do que uma grande capital extinta, como, como, oh, como a cidade do Cairo ou do México, ou mesmo São Paulo, por exemplo, apenas havia ali pessoas que ainda acreditavam na vida nesse planeta. Gente de bem consigo mesma e de bem com o mundo.

Marina, em estado de epifania – é, aquela felicidade suprema e espiritual que dá na gente sem nem avisar – continuava a falar e falar e falar sem cessar! Bup, Dona Chica, Gigi e Croquete, Jonas, Djanira, todos enfim... o que poderia vir agora?

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- Bem, meus caros companheiros acronautas passageiros – falou, ao telefone verde, a mamiferocóptera – Eu vou pousar e deixá-los no Continentíssimo Achado. Quanto a mim, irei atrás de outras pessoas que desejem vir pra cá e ainda acreditem que possam viver na Terra! E, também, preciso muito comer pneus e conseguir mais e mais livros para proteger em minha biblioteca, num sei como fazer, oh, meu São Baleio Baleião! Mas, bem lá no fundo de meu coraçãocóptero, confesso que ficarei triste, tristíssima, e com muita saudade!

- Eu vou continuar com você, Djanira, nessa missão que cabe a nós, que é a de ajudar a quem quer ser salvo, a vir morar no Continentíssimo. Não estudei minha vida toda à toa, amo a minha nova família, voltaremos para visitá-los, num é mesmo, Djanira? Mas sou uma velha dama que prefere agora voar e cuidar da Biblioteca do Mar. Todos compreendem

essa minha missão, num é mesmo?

Silêncio total! Duas matriarcas falando, todo o resto silencia. Todavia foi, depois de um minuto de silêncio em respeito à decisão tomada por Di Mirrô, que Marina olhou para Bup, para Jonas, para Gigi e para Croquete e disse o seguinte, seguintíssimo:

- Nós vamos, a partir desse exato pouso, juntos, como uma família, em busca de um lugar onde depositar a garrafa térmica e ficaremos a esperar, e esperar, e esperar, um dia, um ano, dez anos, quem sabe, esperar por alguém que há de chegar e, reconhecendo a nossa casa térmica, irá bater bem na tampa e dizer ao que veio de verdade, do fundo, bem do fundo, fundíssimo de seu ultrassubmersível coração! Dizer que somos uma família e que essa aventura não foi, de maneira nenhuma, nenhumíssima, em vão!

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Enfim, depois de tudo pelo que passou com sua intrépida galera... Marina, pelo menos, e disso ela não poderia sofrer, não estava mais sozinha agora!

Havia, sim, e até que enfim, um novo mundo, ainda, na Terra, a ser descoberto...

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FIM!