marina colasanti no zoologico em companhia

16
“No zoológico em companhia”

Upload: amadeu-wolff

Post on 30-Jul-2015

849 views

Category:

Technology


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Marina colasanti   no zoologico em companhia

“No zoológicoem companhia”

Page 2: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Fui trazida pela cegonha.

Vi a luz do império do Leão de Judá.

Fui transplantada em seguida para amamentar-me com o leite da Loba Capitolina.

Page 3: Marina colasanti   no zoologico em companhia

O coelhinho levou meu primeiro dente.

O Bicho-Papão estabeleceu meu primeiro medo.

A Gata Borralheira foi minha primeira história.

O Gato-De-Botas a segunda.

Aos poucos, comecei a formar minha cultura estudando os feitos

das Águias Imperiais.

Page 4: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Estourada a guerra, agigantava-se o Urso alemão.

E ao mesmo tempo em que me debruçava sobre os

versos de Virgílio, Cisne de Mantua,

acompanhava pelo rádio os feitos de Rommel, Raposa do deserto.

Page 5: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Mas chegou a hora de a onça beber água, a guerra

acabou, e lá vim eu para o Brasil, terra de Zé

Carioca, que eu já conhecia através do símbolo

A Cobra Está Fumando.

Page 6: Marina colasanti   no zoologico em companhia

No colégio soube da argúcia de Rui Barbosa, Águia de Haia.

Ainda demoraria um pouco para descobrir

o encanto de Rubem Braga, doce Sabiá da Crônica.

E só bem mais tarde mergulharia nas profundezas de Herman Hesse, Lobo da Estepe.

Page 7: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Criava aos poucos minha sabedoria. Na primavera descobri que uma andorinha não faz verão.

E no verão me dei conta de que mais vale um pássaro na mão que dois voando.

Page 8: Marina colasanti   no zoologico em companhia

O primeiro susto me ensinou que cão que ladra não morde.

E com a primeira mordida aprendi que não se deve cutucar a onça com vara curta.

Page 9: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Sem ter exatamente sete vidas como um gato, ia levando minha vidinha.

Houve momentos em que tive fome de lobo, e outros em

que me vi com sede de camelo.

Page 10: Marina colasanti   no zoologico em companhia

E ao longo do tempo me esforcei sempre para ser

como Cristo pediu aos Apóstolos: “prudente como

a cobra e simples como a pomba.”

Não posso dizer que seja astuta como a raposa, mas

garanto que não sou estúpida como uma anta,

nem burra como o próprio.

Page 11: Marina colasanti   no zoologico em companhia

O mundo porém não é para pombas, e logo tive que reconhecer que o homem é o lobo do homem, embora

o seja mais da mulher, sobretudo quando é também porco chauvinista.

Page 12: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Apelei então para o cão, que, este sim, é o melhor

amigo do homem.

E sem me pavonear de minhas virtudes, nem morcegar as virtudes alheias, fui em frente.

Ah, não tenho lagartixado tanto quanto gostaria!

Page 13: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Assisti aos mais altos voos da águia americana (enquanto a águia do México ia perdendo suas penas).

Page 14: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Mas os capitalistas são tigres de papel e em festa de

nhambu jacu não entra.

Vai daí, eu que sou pobre e ainda não ganhei nenhuma fortuna no jogo do bicho,

tirei meu cavalinho da chuva e aderi ao velho sistema

de cada macaco no seu galho.

Page 15: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Em suma, sobrevivo sem apanhar como

boi ladrão.

Mas há dias em que me ponho a pensar na morte da bezerra, e

de tanto pensar amarro um bode.

Num mato sem cachorro, acabo rindo como uma hiena, certa de que é tudo obra do amigo-da-onça.

Page 16: Marina colasanti   no zoologico em companhia

Espero apenas, como o peru, não morrer de véspera.

E enquanto espero, penso no tremendo vazio que seria minha vida sem a existência do reino animal.

Marina Colasanti

Imagens: Google Música: Chorinho - Sivuca

FormataçãoChristina Meirelles Neves