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MARINA COLASANTI ANNA FRASCOLLA 2010 A MOÇA TECELÃ

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Page 1: MARINA COLASANTI ANNA FRASCOLLA 2010 A MOÇA TECELÃ

MARINA COLASANTI

ANNA FRASCOLLA

2010

A MOÇA TECELÃ

Page 2: MARINA COLASANTI ANNA FRASCOLLA 2010 A MOÇA TECELÃ

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.  Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã  desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas,  quentes lãs iam tecendo hora a hora, um longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos recordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.  Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro  e batendo os grandes pentes do tear para a frente e  para trás, a moça passava seus dias.

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Nada lhe  faltava.   Na hora da fome tecia um lindo peixe, com  cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na  mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave  era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à  noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.    Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.   Mas tecendo e tecendo, ela própria  trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela  primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao  lado.    Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear  no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

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Nem precisou abrir. O moço meteu a  mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando na sua vida.  Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.  E feliz foi, por algum tempo.   Mas se o homem tinha  pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.    - Uma casa melhor é necessária - disse para a  mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios  verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.  Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.  - Por que ter casa, se podemos ter palácio? perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates de prata.

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Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça  tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas  e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.  Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.    - É para que ninguém saiba do tapete, disse. E antes de trancar a porta a chave advertiu: - Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!    Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

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E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou como  seria bom estar sozinha de novo.    Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça para não fazer barulho, subiu a longa escada da  torre, sentou-se ao tear. Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins.  Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

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A noite acabava quando o marido, estranhando a cama  dura, acordou, e espantado olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado o chapéu.    Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

Page 8: MARINA COLASANTI ANNA FRASCOLLA 2010 A MOÇA TECELÃ

personagem (ns) vive(m) personagem(ns) passa(m) a viver

situação A situação B

conflito – resolução do conflito – mudança de situação

sucessão de ações (passagem temporal)

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Análise do conto (estrutura)

Introdução:A protagonista (a moça tecelã) vive sozinha com todas as necessidades (físicas e existenciais) satisfeitas por ela própria, com o auxílio do tear mágico.

Desenvolvimento:A moça se sente só;Tece um companheiro;O marido faz muitas exigências.

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Desequilíbrio:O marido fica obcecado pelo tear e pelo ordenar;O homem isola a esposa, ela vive para realizar seus desejos.

Clímax:A mulher decide “eliminar” o marido e assim o faz.

Conclusão:Retomada da situação inicial.

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Intertextualidade

A Bela adormecidaO mito de PenélopeO mito das parcas ou moirasO mito de AracneO mito de AriadneChocolate com pimenta???

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Propostas de produção de texto:

Produzir um texto assemelha-se com a arte de tecer. Conduzimos as palavras como a tecelã conduz o fio, ora pra cá, ora pra lá, sempre com o cuidado de amarrá-lo para que o trabalho não se perca.

Todo discurso é matéria-prima para outro e assim sucessivamente...

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O que é gênero textual?

Os textos são produzidos em situações e contextos diferentes e cada um cumpre uma finalidade específica.

Quando interagimos com outras pessoas por meio da linguagem, seja a linguagem oral, seja a linguagem escrita, produzimos certos tipos de texto que, com poucas variações, se repetem no conteúdo, no tipo de linguagem e na estrutura.

Page 14: MARINA COLASANTI ANNA FRASCOLLA 2010 A MOÇA TECELÃ

•Os textos produzidos constituem os chamados gêneros textuais ou gêneros do discurso e foram historicamente criados pelo ser humano a fim de atender a determinadas necessidades de interação verbal. •Numa situação de interação verbal, a escolha do gênero textual é feita de acordo com os diferentes elementos que participam do contexto, tais como: quem está produzindo o texto, para quem, com que finalidade, em que momento histórico, etc.•Os gêneros discursivos geralmente estão ligados a esferas de circulação. Assim, na esfera jornalística, por exemplo, são comuns gêneros como notícias, reportagens, editoriais, entrevistas e outros; na esfera de divulgação científica são comuns gêneros como verbete de dicionário ou de enciclopédia, artigo ou ensaio científico, seminário, conferência.

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Os gêneros literários

Gêneros literários: próprios da esfera artística e cultural, utilizados com finalidade estética, artística. Na esfera artística, os gêneros se multiplicam ou se criam, e sofrem transformações quase constantes.

Apesar disso, desde as primeiras tentativas de classificação feitas por Platão e Aristóteles, na Grécia antiga, a literatura tem sido organizada por gêneros.

Concepção clássica: o lírico, o épico e o dramático.

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Gênero lírico

O calibre: Sigo palavras e busco estrelasO que é que o mundo fezPra você rir assimPra não tocá-la. Melhor nem vê-laComo é que você pode se perder de mimFaz tanto frio, faz tanto tempoQue meu mundo algo se perdeuTe mando beijosEm outdoors pela avenidaE você sempre tão distraídaPassa e não vê, não vê (Paralamas do Sucesso, Longo Caminho. EMI, 2002)

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Gênero épico

Já no batel entrou o CapitãoO rei, que nos seus braços o levava;Ele, co’a cortesia que a razão(Por ser rei) requeria, lhe falava.Cumas mostras de espanto e admiração,O Mouro o gesto e o modo lhe notava,Como quem em mui grande estima tinhaGente que de tão longe à Índia vinha.(Camões, Os Lusíadas)

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Gênero dramático

Casa pintada de amarelo NOIVO (entrando) – Mãe.MÃE – Que é?NOIVO – Já vou.MÃE – Aonde?NOIVO – Para a vinha (vai sair)MÃE – Espere.NOIVO – Que alguma coisa?MÃE – Tudo o que pode cortar o corpo de um homem.

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MÃE – Filho, o almoço.NOIVO – Deixe. Vou comer uvas. Me dê a navalha.MÃE – Para quê?NOIVO – Para cortá-las.MÃE (entre dentes a procurando-a) – A navalha, a navalha... Malditas sejam todas as navalhas, e o canalha que as inventou. NOIVO – Vamos mudar de assunto.MÃE – E as espingardas e as pistolas, e a menorzinha das facas, e até as enxadas e os ancinhos do roçado.NOIVO – Bom.

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Um homem bonito, com sua flor na boca, que vai para as vinhas ou para os olivais que tem, porque são dele, herdados...NOIVO (baixando a cabeça) – Chega, mãe.MÃE – E esse homem não volta. Ou, se volta, é só para que a gente lhe ponha uma palma por cima, ou um prato de sal grosso, para não inchar. Não sei como você se atreve a levar uma navalha no corpo, nem sei como ainda deixo essa serpente dentro do baú.

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MÃE – Nem que eu vivesse cem anos, não falaria de outra coisa. Primeiro seu pai, que cheirava a cravo; e só o tive por três anos, tão curtos. Depois, seu irmão. E é justo? E é possível que uma coisa tão pequena como uma pistola e uma navalha possa dar cabo de um homem, que é um touro? Não vou me calar nunca. Os meses passam e o desespero me perfura os olhos e pica até nas pontas dos cabelos. NOIVO (forte) – Vamos parar?

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NOIVO – Já não chega?MÃE – Não. Não vamos parar. Alguém pode me trazer seu pai de volta? E seu irmão? E depois, o presídio.. Mas o que é o presídio? Lá se come, lá se fuma, lá se toca música! Os meus mortos cobertos de grama, sem fala, viraram pó; dois homens que eram dois gerânios... Os assassinos, no presídio, folgados, olhando a paisagem...(São Paulo, Abril Cultural, 1977. p. 11-3)

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Gêneros narrativos modernos

No final da Idade Média, começaram a surgir alguns gêneros narrativos em prosa, como o romance e a novela, que passaram a ganhar cada vez mais prestígio com o declínio da epopéia, no final do século XVI. De modo geral, pode‑se dizer que todos os gêneros narrativos modernos ‑ o romance, a novela, o conto, a crônica, o roteiro de cinema, etc. ‑ são da família do gênero épico, pois, como este, se prestam a contar uma história ficcional. Qualquer um desses gêneros tem como elementos básicos de sua estrutura o enredo, as personagens, o espaço, o tempo, o ponto de vista da narrativa. A diferença entre eles reside em critérios como origem, tamanho, tempo e espaço narrativo, tipo e número de personagens, número de conflitos, desenvolvimento da ação, interiorização psicológica, meio de divulgação, etc.