mariana debarba - monografia

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FACULDADE CCAA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM JORNALISMO TRABALHO FINAL DE CURSO MARIANA DEBARBA A QUESTÃO DA “VERDADE” NA MÍDIA CORPORATIVA Rio de Janeiro 2011

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Page 1: Mariana Debarba - monografia

FACULDADE CCAA

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

TRABALHO FINAL DE CURSO

MARIANA DEBARBA

A QUESTÃO DA “VERDADE” NA MÍDIA

CORPORATIVA

Rio de Janeiro

2011

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A QUESTÃO DA “VERDADE” NA MÍDIA

CORPORATIVA

Trabalho Final de Curso submetida à Banca de Avaliação do Curso de Comunicação Social, da Faculdade CCAA.

Orientador: Professor Renato Nunes Bittencourt

Rio de Janeiro

2011

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MARIANA ROSÁLIA BARROSO DEBARBA

A QUESTÃO DA VERDADE NA MÍDIA CORPORATIVA

Trabalho Final de Curso submetida à Banca do Curso de Comunicação Social, da Faculdade CCAA, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, Habilitação Jornalismo.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________Prof. Dr. Renato Nunes Bittencourt (Orientador)

Doutor em Comunicação SocialFaculdade CCAA

______________________________________________Prof. Ms. Denise Duarte

Faculdade CCAA______________________________________________

Prof. Ms. Renata FeitalDoutor em Comunicação Social

Faculdade CCAA

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A Deus.Aos meus pais, Marilene e Antônio. Tudo isso é para vocês.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Faculdade CCAA pela oportunidade de desenvolver tal pesquisa em minha formação acadêmica.

Agradeço ao Prof. Renato Nunes Bittencourt pela orientação, apoio, incentivo e amizade.

Agradeço as professoras Denise Duarte e Renata Feital, que aceitaram participar desta avaliação.

Agradeço à minha família, pela vida.

Agradeço aos meus amigos, pelo companheirismo.

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RESUMO

Essa pesquisa tem como objetivo abordar de que maneira as informações são transmitidas para a esfera pública pelos meios de comunicação. Mediante a nossa natural incapacidade técnica e semântica de elaboração de um discurso completo e decodificar a totalidade de acontecimentos ocorridos na realidade, não percebemos o quanto o discurso chamado de “verdadeiro” é epistemologicamente falho. Assim, chamo atenção através de estudos filosóficos e exemplos reais de como os fatos, imputados pela ideologia da comunicação social como dados objetivos e autênticos, supostamente não existem.

Palavras-chave: Verdade; Discurso; Interpretação; Fatos.

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ABSTRACT

This research has as objective to approach how the information is transmitted for the public sphere for the Medias. By means of our natural incapacity technique and semantics of elaboration of a complete speech and to decode the totality of events occurred in the reality, we do not perceive how much the speech called “true” is epistemological defective. Thus, I call attention through philosophical studies and real examples as the facts, imputed for the objective and authentic ideology of the social communication as given, supposedly do not exist.

Keywords: Truth; Speech; Interpretation; Facts.

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Sumário

Introdução........................................................................................................10

1 - O USO IDEOLÓGICO DA NOÇÃO DE VERDADE NOS MEIOS DE

COMUNICAÇÃO DE MASSA

1.1 - Panorama da ideia de verdade na tradição filosófica................................12

1.2 – A relação artificial entre linguagem e verdade..........................................15

1.3 – O jornalista como sacerdote detentor da verdade....................................19

2 – OS SIMULACROS E A SUA APLICAÇÃO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

DE MASSA

2.1 - A noção clássica de simulacro..................................................................22

2.2 - O uso ideológico dos simulacros dos Meios de Comunicação de Massa.

Explicitação de como a mídia cria simulacros...................................................23

2.3 – Análise de casos.......................................................................................24

3 – CRÍTICA DA IDEIA DE VERDADE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE

MASSA

3.1 - O relativismo da noção de verdade...........................................................28

3.2 - A verdade considerada a nível absoluto e universal não existe. Falibilismo

discursivo...........................................................................................................30

3.3 – Desmistificação da neutralidade jornalística.............................................33

CONCLUSÃO....................................................................................................37

REFERÊNCIAS.................................................................................................39

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INTRODUÇÃO

Os meios de comunicação de massa desempenham um importante papel na

sociedade e para ela. Chamado de o 4°poder, na verdade, para muitos atualmente é

o primeiro. Os veículos midiáticos disseminam ideias, conceitos, tendências. Os

jornalistas já não contam apenas um fato ou notícia, com o tempo eles ocuparam o

espaço daqueles que antes eram detentores da verdade. Como os sacerdotes.

Agora os comunicadores são formadores de opinião e os meios de comunicação de

massa demonstram obter a verdade nas mãos.

Ideologicamente os simulacros são aplicados no jornalismo e assim, criando

algo que parece real, mas na verdade é uma ilusão sobre determinada situação. Os

simulacros existem e na mídia existem casos que podem ser claramente analisados

para explicar como que esse tipo de ideia está inserido nos meios de comunicação.

A ideia de verdade pode ser criticada e analisada através do panorama existente na

tradição filosófica metafísica. Mas também sabemos que o discurso humano é

semanticamente falho e, em decorrência disso, o nível de verdade absoluta como

um fato reconhecido não existe.

A mídia atinge o povo de maneira muito intensa e define muito na vida das

pessoas. Colocamos nas mãos dos jornalistas a função de nos informar os

acontecimentos diários do mundo. Cada vez mais os meios de comunicação abrem

espaço para profissionais que expõem suas opiniões e dizem o que acreditam ser

certo e errado. E cada vez mais percebemos claramente a maneira como esses

profissionais acreditam estar transmitindo a verdade. O discurso é tido como isento,

plural, claro. Essa pode ser a intenção, mas todos nós sabemos o quanto o ser

humano é capaz de cometer erros e não ser tão capaz de desenvolver uma

afirmação com um grau de veracidade concreta. Cada um de nós interpreta um fato

de uma forma.

Os meios de comunicação são constituídos por pessoas. Pessoas carregam

em si ideologias, pontos de vista, ideias diferentes. Um acontecimento visto e

recontado por um jornalista que ouve todas as partes da história tem muita

subjetividade. A apuração dos acontecimentos e a linguagem de cada pessoa são

plenamente diferentes em relação aos demais, sendo assim, a verdade pregada na

mídia não condiz com a possível realidade encontrada. Se colocarmos vários

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jornalistas cobrindo o mesmo fato, possivelmente vamos encontrar várias linhas de

pensamento, várias formas de se contar a mesma história. Isenção e imparcialidade

total não existem. Nós somos humanamente incapazes de reproduzir um dado

acontecimento com a mesma exatidão. Quando um leitor concorda com uma ideia,

uma publicação, uma forma de pensar de um veículo, cria afinidades e se torna

consumidor. Porém pode se achar manipulado caso não compartilhe da mesma

opinião.

A atividade jornalística se revela capaz de alcançar um mínimo grau razoável

de objetividade e isso acaba se confundindo com manipulação. Podemos afirmar

que, na verdade não existe apenas uma verdade absoluta, porém diversas verdades

possíveis, pois cada interpretação da realidade é distinta da formulada por outra

pessoa.

Esse trabalho questiona com estudos filosóficos a verdade pregada nos

meios de comunicação e explica como o discurso falho influencia nesta questão.

Linguagem, verdade, simulacro e falibilismo são palavras ligadas que mostram o

ponto de vista sobre um assunto que muito importa nos dias atuais. Afinal, os meios

de comunicação exercem uma forte influencia na vida de todos nós, pois como

construtora da realidade, a comunicação dá ou não vida a alguma coisa quando esta

é veiculada ou silenciada.

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1. O USO IDEOLÓGICO DA NOÇÃO DE VERDADE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

1.1 Panorama da ideia de verdade na tradição filosófica

Os filósofos denominados como “sofistas” foram os primeiros grandes

pensadores na tradição ocidental que problematizaram de maneira prática a questão

da verdade e sua relação com o discurso humano. Protágoras de Abdera enunciou a

sentença filosófica de que “o homem é a medida de todas as coisas das que são

enquanto são e das que são enquanto não são” (dito por Sexto Empírico em Contra

os Matemáticos, 7, 60). Este é o primado do relativismo de valores, pois não há uma

instância suprema que sustente de maneira objetiva a precisão, a certeza e a

veracidade das coisas. A própria experiência sofistica se manifesta socialmente em

atividades sociais e políticas nas quais o princípio condutor dos discursos não era o

postulado da verdade, mas do convencimento da persuasão.

O instrumento que garantia a realização dessa prática era a retórica, cujas

bases gnosiológicas se sustentam a partir do uso público da palavra sem que haja

necessariamente a presença de um caráter de verdade preciso e objetivo neste tipo

de discurso. Para Aristóteles, a retórica é “a capacidade de descobrir o que é

adequado a cada caso com o fim de persuadir” (ARISTÓTELES, Retórica, I, 1355b).

O propósito da retórica, nessas condições, consiste em fornecer ao falante um

conjunto de instrumentos verbais que seduzam e convençam o ouvinte, mediante a

cadência de palavras que exercem na sua afetividade determinados efeitos

emotivos, conforme as necessidades exigidas pelas circunstâncias. Diz Aristóteles:

“Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir

emoção por meio do discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme

sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio” (ARISTÓTELES, Retórica, I, 1356a). A

“sedução” pelas palavras, nesse contexto, não significa um exercício de

manipulação política, pois um primado valorativo do diálogo é motivar no outro uma

recepção adequada, agradável e inteligível daquilo que é pronunciado.

Uma prática sofistica comum no mundo grego antigo era a defesa do cidadão

através de uma figura que o representava juridicamente diante do tribunal. E seu

esforço maior era apresentar ao publico uma narrativa na qual o réu se eximisse de

sua culpa atribuída. Afinal, a técnica forense visa convencer o júri de que o réu é

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inocente através da apresentação de dados que adquire caracteres espetaculares

de modo a persuadir os julgadores. No grande jogo social da retórica, ganha a

disputa aquele que se expressa com clareza e com um razoável domínio do assunto

tratado, ainda que necessariamente não esteja com a posse da proclamada

“verdade dos fatos”. Isso se dá pela inexistência de um princípio moralista que

regule o processo discursivo na retórica, que se situa, podemos dizer, em um âmbito

amoral.

Um filósofo sofista, detentor das técnicas minuciosas da retórica e do

processo de construção dos discursos informativos, pronunciaria a seguinte

pergunta: o que é a “verdade”? Para os sofistas era completamente desconsiderada

uma ideia de “verdade em si” no discurso humano e no conhecimento da realidade,

pois o que se levava em conta no âmbito dos processos comunicativos era a

capacidade de saber argumentar adequadamente e convencer os seus

interlocutores, em vista da realização dos seus propósitos imediatos. Se não há uma

“verdade” oculta nas coisas, só há um jogo de “aparências” e “superfícies”, de forma

que o ato de se postular a capacidade cognitiva do ser humano alcançar tal

“verdade” seria talvez uma fabulação de caráter moral, político e ideológico, como

forma de se estabelecer um primado existencial que não corresponda efetivamente

ao modo de ser inseparável a condição humana.

Já Platão, em contraponto radical a essa perspectiva, proporá a tese de que a

verdade encontra a sua substancialidade em uma esfera metafísica supra-sensível,

imutável, o mundo das ideias. Nesta dimensão abstrata encontra-se a verdade

puramente inteligível, livre de qualquer preconceito e interferência da subjetividade

humana na sua constituição. Para Platão qualquer ser humano pode alcançar esta

verdade desde que faça um esforço intelectual de abstração em relação às coisas

assimiladas e observadas na experiência, vendo não mais o particular e singular das

coisas, mas as suas essências imutáveis. Portanto, para Platão a sensibilidade é

motivadora do erro de menos juízos, pois nos demonstra a transformação, o devir e

não a realidade autentica. Em coerência com sua perspectiva metafísica da

verdade, Platão postulará no Crátilo, a existência de uma relação indissociável entre

as coisas e as palavras que as designam, pois existiria a capacidade precisa da

palavra representar a essência das coisas. Platão afirma que o filósofo é o intérprete

e o legislador por excelência para designar as coisas, pois ele é capaz de por um ato

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de abstração intelectual revelar semanticamente o nome das coisas (PLATÃO.

Crátilo, 390e).

A crença na noção de “verdade” como um discurso superior e livre do devir,

capaz de revelar ao ser humano a realidade metafísica que se encontra para além

do mundo sensível predomina no mundo grego especialmente através do

pensamento platônico, como uma reação ao desenvolvimento e expansão do

movimento sofístico; este preconizava a ideia de relatividade do conhecimento e da

noção de verdade, fruto de um turbulento processo sociopolítico de construção de

conceitos, em que “verdade” e “mentira” se tornam valorações móveis.

Aristóteles, por sua vez, afirma que falso é dizer que o ser não é ou que o

não-ser é; verdadeiro é dizer que o ser é e que o não-ser não é. Consequentemente,

quem diz de uma coisa que é ou que nao é, ou dirá o verdadeiro ou dirá o falso

aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o

que não é, é a verdade (ARISTÓTELES, Metafísica, IV, 7, 1011b 25)

No período medieval, a definição de verdade apresentada por Tomás de

Aquino serviria de suporte gnosiológico para todo discurso filosófico-teológico da

cultura ocidental até o advento da era moderna, quando as bases axiológicas de

nossa própria organização civilizacional se modificariam. Tomás de Aquino diz que a

verdade do intelecto consiste na adequação deste intelecto e da coisa, conforme o

intelecto diz que existe o que é ou não existe o que não é (TOMÁS DE AQUINO,

Suma Teológica, I, Questão 16, Artigo 5). Por exemplo, se vejo o céu ensolarado e

digo “faz sol”, isto é verdade. Esse panorama perpassou a tradição intelectual até os

primórdios da modernidade onde surgiram as principais contestações da concepção

metafísica e/ou objetiva da noção de verdade de sua relação com os signos

lingüísticos e, por conseguinte, com nossos discursos.

1.2 - A relação artificial entre linguagem e verdade

A perspectiva platônica do valor absoluto da racionalidade discursiva capaz

de encontrar a “verdade” metafísica e versar sobre ela se encontra presente no

desenvolvimento das bases axiológicas e normativas da Comunicação Social, em

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especial no uso ideológico que é feito da noção de veracidade pela Mídia

Corporativa; esta, para obter plena aceitação da comunidade dos receptores de

informações, transmite a tese falaciosa de deter convenientemente a “verdade dos

fatos” e, tanto pior, fazer de tal “falsidade” um mecanismo de estabelecimento de

poder sobre a subjetividade coletiva, fabricando consenso ideológico e informativo

mediante o estabelecimento de um projeto político de univocidade dos “fatos”,

imputados como objetivos, destituídos, portanto, de qualquer influência do

decodificador.

Nessas condições, não seriam talvez as modernas práticas comunicativas

uma simbiose do ideário de veracidade do platonismo, somada ao espírito cristão

que faz dessa “verdade” uma necessidade moral e ao positivismo científico que

nada mais é do que a culminação do projeto metafísico da racionalidade ocidental?

Com efeito, o positivismo preconiza a crença no “fato” como um fenômeno

justificável por si mesmo: “A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos

reais, se resume agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos

fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência

tende a diminuir” (COMTE, 1997, p. 122-23).

O ser humano com sua capacidade de perceber a realidade e produzir

impressões monta interpretações sobre acontecimentos. Porém, ele só consegue

isso porque possui a linguagem para transformar as percepções em “fatos”. A

linguagem é uma criação simbólica para representar o significado das coisas e

manter a comunicação entre as pessoas impedindo que o homem se isole e assim

consiga compreender e ser compreendido. Não só a linguagem, mas também o

afeto entre as pessoas as ligam. Todavia, a linguagem ao mesmo tempo apresenta

características limitadoras, tal como expõe Mcluhan:

A linguagem é para a inteligência o que a roda é para os pés, pois lhe permite deslocar-se de uma coisa a outra com desenvoltura e rapidez, envolvendo-se cada vez menos. A linguagem projeta e amplia o homem, mas também divide as suas faculdades (MCLUHAN, 2002, p. 97).

Isso significa que a linguagem, apesar de favorecer a interação interpessoal,

motiva, por outro lado, a redução do campo semântico dos indivíduos. É em

decorrência dessa questão que Nietzsche enuncia a sentença de que “toda palavra

é um pré-conceito”, pois nunca um conceito, expressão ou símbolo é capaz de

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abarcar a pluralidade de significados que podem ser representados no

pronunciamento do discurso (NIETZSCHE, 2008, p. 196). Para isso, devemos

salientar que um conjunto de indivíduos deve compartilhar da mesma definição de

algo para que o entendimento seja completo na sociedade. Imaginando que se cada

pessoa desse um nome a um determinado objeto acabaria que não conseguiríamos

estabelecer o entendimento entre as relações pessoais. A partir daí o uso

convencional da linguagem é necessário em prol do contato afetivo entre os

membros de um grupo fortalecendo o desenvolvimento da comunidade. Esse

compartilhamento de conceitos oferece ao indivíduo a vivência das situações e cada

uma delas mostra-se com um sentimento e significado. Se acontecer de passarmos

pela mesma situação mais de uma vez teremos diferentes opiniões e sensações a

respeito daquilo.

Da mesma forma que cada um vivencia experiências distintas dos demais

indivíduos, ainda que todos façam parte do mesmo conjunto social, também cada

pessoa interpreta diferentemente de acordo com as percepções e circunstâncias.

Sendo assim, a linguagem não consegue interpretar exatamente a essência de algo,

pois um objeto não pode ser isolado em si mesmo e não precisar do entendimento

do homem. A palavra não trata o singular, o concreto e perecível e sim universaliza

e trata da idéia pura e abstrata. Mesmo que queiramos contar nossas impressões

não conseguiríamos, pois a linguagem não alcança a exatidão e nós não podemos

perceber a quantidade de impressões a cerca do mundo e de todos. Para

comunicar, é preciso partir de um solo comum. Não basta ter as mesmas ideias,

abraçar as mesmas concepções. Tampouco basta atribuir às palavras o mesmo

sentido ou recorrer aos mesmos procedimentos lógicos. É preciso bem mais; é

preciso partilhar experiências, comungar vivências. No limite, todo comunicar é

tornar comum. As ideias, e até as ações de um indivíduo, quando se tornam

conscientes e se expressam em palavras, podem vir a perder o que têm de pessoal,

singular, único; passando pelo processo da gregariedade social, correm o risco de

se tornarem comuns.

A linguagem, que nasce de um impulso social de interação, sendo a princípio

compreendida como um instrumento convencional, no qual os indivíduos abrem mão

das múltiplas possibilidades de denominação das coisas para que possa haver um

discurso comum, no decorrer do tempo se esquecem desse caráter ficcional da

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linguagem, acreditando que esta possui um caráter metafísico, imutável, tal como

Platão proporia no Crátilo, conforme vimos anteriormente. A linguagem, uma criação

humana, demasiada humana, é hipostasiada pelo próprio ser humano para uma

dimensão inteligível, livre do processo de transformação da realidade, o devir. A

linguagem é essencialmente metafórica, e pelo mesmo tampouco é capaz de

descrever a realidade das coisas em si mesmas.

O ato de nomear consiste então na imposição de identidade ao múltiplo, ao

móvel, através da supressão das diferenças, mas esse processo semântico é

esquecido no decorrer do tempo, de modo que se passa a acreditar na existência de

abstrações independentes da mente humana. A linguagem é produto da

necessidade psicológica da exclusão das diferenças, da vontade de nivelamento e

redução, do medo da pluralidade e do conflito. Ao invés de uma convenção

necessária, capaz de aumentar o poder de atuação do homem no mundo, a palavra

se tornou o sinônimo das coisas. Mais do que isso, a crença na correspondência

entre as palavras e as coisas terminou por sustentar a vontade de negação da vida,

que, ao contrário da convenção dos signos, é mudança, conflito, imprevisibilidade,

desconhecimento.

O homem que crê que a linguagem é um meio para o conhecimento da

verdade, se engana continuamente a si mesmo. Ora, se houvesse a possibilidade da

linguagem representar a verdade, não haveria uma pluralidade de códigos

lingüísticos, mas apenas uma estrutura universal, o que não é o caso.

Dispostas lado a lado, as diferentes línguas mostram que, nas palavras, o que conta nunca é a verdade, jamais uma expressão adequada: pois, do contrário, não haveria tantas línguas. A “coisa-em-si” (ela seria precisamente a pura verdade sem quaisquer conseqüências) também é, para o criador da linguagem, algo totalmente inapreensível e pelo qual nem de longe vale a pena esforçar-se. Ele designa apenas as relações das coisas com os homens e, para expressá-las, serve-se da ajuda das outras metáforas (NIETZSCHE, 2007, p. 31-32).

A existência de línguas diferentes mostra suficientemente que não se chega

nem à verdade nem à expressão adequada das coisas através das palavras.

O homem é o criador da ieéia de verdade, e se ele transfere para uma

dimensão abstrata a sua própria criação, tal alienação se dá por uma necessidade

metafísica-moral de se acreditar guiado por uma racionalidade universal. Após tais

colocações sobre a insuficiência semântica da linguagem e dos seus subseqüentes

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processos comunicativos, podemos enunciar a seguinte pergunta: Se não

conseguimos expressar pelos aparatos lingüísticos que possuímos exatamente os

acontecimentos e se cada um de nós interpreta de acordo com suas valorações

particulares e elementos simbólicos próprios a realidade o que lhe passa aos olhos,

onde estaria a “verdade dos fatos” que a mídia oferece ao público?

O jornalista descreve com verossimilhança os acontecimentos sociais para

que as pessoas possam ter informações a fim de que se situem na realidade. Porém

o profissional de comunicação é um indivíduo como cada um de nós que deve

observar e compreender um dado acontecimento para interpretá-lo e decodificá-lo

para transmissão pública. Contudo, esse caráter de depuração das possibilidades

interpretativas da realidade é mascarado pelo sistema comunicacional tradicional,

fazendo do jornalista uma espécie de investigador de entranhas da verdade.

O discurso midiático faz com que se manifeste uma espécie de

homogeneização entre todos os acontecimentos da realidade, suprimindo

justamente as diferenças existentes entre as inúmeras expressões culturais e

semânticas. A mídia corporativa tem a necessidade de afirmar que expressa a

“verdade” para que aconteça uma maior aceitação da sociedade, pois dizer que

detém a verdade dos fatos passa um efeito moralizante sobre o subjetivo do homem.

Nós jamais veríamos os veículos de comunicação dizendo que possuem uma

avaliação parcial dos acontecimentos devido a percepção singular de cada um, pois

a interpretação de algo difere de cada olho. Se fosse assim, desconfiaríamos do que

estaria nos sendo dito e questionaríamos todos os jornalistas. Não existe

neutralidade no ato de se transmitir informações mediante os processos

comunicativos, pois o indivíduo descreve, narra um acontecimento de acordo com as

suas percepções, mas pode existir um compromisso do jornalista com a objetividade

de comunicar-se.

A postulada busca pela objetividade do discurso jornalístico manifesta uma

disposição razoavelmente honesta para que se evite a mescla entre os elementos

descritivos da narrativa sobre a realidade e a subjetividade do transmissor de

informações; entretanto, por mais que se vislumbre esse rigor na apresentação

imparcial dos acontecimentos, decodificados a partir das técnicas jornalísticas,

sempre permanecerá resquício da visão pessoal de cada um, pois isso não pode ser

destacado de nós. Porém, essa qualidade inerente ao discurso jornalístico não

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exime o profissional de se esforçar em transmitir informações sem preconceitos e

abrindo o leque de interpretações diversas que podemos encontrar em um ocorrido

sem que algum seja favorecido e outro desfavorecido.

1.3 - O jornalista como sacerdote detentor da verdade

Podemos afirmar que quando o discurso jornalístico apregoa deter a “verdade

dos fatos”, manifesta simbolicamente uma filiação ao discurso tradicional das

grandes narrativas religiosas, especialmente a cristã. A coletividade social deposita

sua confiança fidedigna no discurso do jornalista, como se este fosse o intérprete

por excelência da verdade que se oculta por detrás dos acontecimentos, sendo

então a única pessoa capaz de decifrá-los, decodificá-los e transmiti-los de maneira

pura e imparcial para o público.

Se outrora a sociedade cristã acreditava piamente no discurso eclesiástico e

fazia do sacerdote o representante da verdade divina manifestada aqui embaixo, a

configuração moderna de nosso ideário sócio-cultural transfere o poder da palavra

veraz para o jornalista, que exerce sobre as massas o mesmo tipo de poder

doutrinador do que o realizado antigamente pelo clero. Daí decorre a relação de

confiabilidade que a sociedade de informação deposita na figura do apresentador do

programa de TV, por exemplo, e a construção simbólica que os aparatos midiáticos

elaboram em cima de sua figura, que deve se manifestar de maneira infalível,

impecável, de modo a manter a devoção do telespectador pelo “sacerdote

televisivo”. Para Pedrinho Guareschi,

O crescimento e a abrangência dos meios de comunicação e a informação estão, claramente desbancando e relativizando o controle exercido por outras instituições, como a escola, as igrejas, a família etc. A comunicação está forjando os novos professores, os novos sábios, os novos mestres da verdade e da moralidade (GUARESCHI, 2004, p.29).

Analisando criticamente as colocações precedentes, podemos defender o

argumento de que as mesmas apresentam pertinência epistemológica precisamente

em decorrência da raiz objetivista e idealista que subjaz o discurso ideológico da

comunicação social, e sua mistificação perante as massas. Entretanto, se partirmos

do pressuposto que a ideia de “verdade” é uma construção social historicamente

situada, poderemos apontar as impertinências da postulada relação indissociável

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entre a comunicação social e a pureza da verdade.

Nessas condições, o jornalista atua publicamente como uma espécie de

sacerdote secularizado em uma sociedade que, apesar de seu desenfreado

materialismo e subsequente degradação da experiência religiosa, continua sectária

de discursos universalizantes próprios da tradição moral. Paul Virilio apresenta um

comentário contundente acerca da construção imaginária da imagem de “santidade

moral” do jornalista:

Depois de alguns milênios, nos damos conta de que a nossa época, apesar de alheia à religião, não deixou de dotar seus meios de comunicação com os atributos ameaçadores da teocracia e que a milagrosa credibilidade da mídia – hoje questionada – não era talvez mais do que um dos últimos avatares de uma infalibilidade outrora sobre-humana; no início do século XX, os grandes jornais americanos se apresentavam menos como fontes de informação do que como “palavras do Evangelho” e censores dos domínios social, econômico ou político (VIRILIO, 1996, p. 31).

O acentuado grau de confiabilidade projetado pela esfera pública na atividade

jornalística concede aos profissionais do ramo a “aura” de precisão, infalibidade e

honestidade inquestionável em seus procedimentos. Percebemos nessa perspectiva

“soteriológica” a presença de elementos platônicos e cristãos na configuração do

ofício jornalístico de expressão da verdade do discurso, pois assim o indivíduo pode

conduzir a sua vida no reto caminho da justiça, da ordem e da moral estabelecida,

mesmo que a revelação da verdade nos seja existencialmente dolorosa, talvez

mesmo insuportável. Walter Lippmann afirma que

Esta insistente e antiga crença de que a verdade não é obtida, mas inspirada, revelada, fornecida gratuitamente, aparece plenamente em nossos preconceitos economicos como leitores de jornais. Esperamos que os jornais nos forneçam a verdade, mesmo que ela nos seja desvantajosa (LIPPMANN, 2008, p. 276)

A organização da vida civilizada associou historicamente o poder político ao

discurso detentor da verdade, impondo de forma moralista o seu pronunciamento

social. Desmistificando o ideário normativo que associa o exercício coercitivo do

poder e a posse da verdade, Foucault afirma que

Por “verdade”, entendo um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. A “verdade” está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apóiam, e a efeitos do poder que ela induz e que a reproduzem. “Regime” da verdade (FOUCAULT, 2004, p. 14).

Page 20: Mariana Debarba - monografia

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Uma vez que a noção de verdade, problematizada rigorosamente, apresenta-

se axiologicamente fluida, como podemos então sustentar tecnicamente uma

atividade profissional que advoga como preceito deontológico a transmissão

comunicativa da verdade através de informações, notícias e discursos afins?

Conforme Ignacio Ramonet destaca,

Consultados como oráculos pela grande mídia, ouvidos pelos homens públicos, seguidos pelos cidadãos, alguns desses vaticinadores adquiriram até mesmo aos olhos do maior número de pessoas (nova prova do enfraquecimento do pensamento) o status de verdadeiros pensadores do nosso tempo (RAMONET, 2010, p. 37).

No próximo capítulo veremos de que maneira a atividade ideológica dos

meios de comunicação de massa operam recortes técnicos em relação ao mundo

concreto e seus acontecimentos cotidianos, criando assim uma espécie de

duplicação simbólica do mundo a partir dos simulacros. A partir de recortes sobre a

realidade efetiva, a mídia transmite para a coletividade de receptores a ideia de que

a verdade em si é apresentada, quando o que acontece é apenas uma interpretação

ou decodificação parcial da realidade, difundida, todavia, como se fosse a verdade

plena, autêntica.

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2. OS SIMULACROS E SUA APLICAÇÃO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE

MASSA

2.1 A noção clássica de simulacro

Na tradição filosófica simulacro refere-se a representação material de um

dado ente. Por exemplo, a estátua de uma grande personalidade histórica é o seu

simulacro, pois serve de substituto simbólico de sua presença real. Inclusive existem

relatos míticos de que um artesão ao criar uma obra muito semelhante ao objeto

original fazia aquela se passar por esta. A partir deste ponto podemos já

problematizar uma questão filosófica importante: se o simulacro favorece em

algumas circunstâncias a indistinção entre o efetivamente real e a cópia ele pode ser

utilizado para fins de manipulação e engano daquele que se depara com tal

representação.

Para Platão, o mundo no qual vivemos é uma representação imperfeita do

postulado mundo das ideias, imutável, intangível e ontologicamente perfeito. Nessas

condições a dimensão concreta é um simulacro do verdadeiro mundo; ou seja o

mundo no qual vivemos concretamente não possui realidade em si mesma, mas

participa de forma mediada do plano superior. Decorre daí as criticas platônicas à

criação artística, pois esta em geral é a cópia da cópia (a idéia, abstrata, é

representada materialmente no ato de reprodução concreta pelo artesão; quando tal

obra é reproduzida a partir de uma expressão artística faz-se a representação da

representação) (PLATÃO. A República, livro IV).

O ser humano não tem os sentidos capazes de perceber a totalidade de uma

coisa. Não somos oniscientes e não podemos captar a grandeza das ações e das

coisas. A mídia divulga as informações de acordo com seus interesses comerciais e

exibe notícias com a capacidade de seduzir o espectador e a escolha dessas

informações é de acordo com o público que vai ser atingido. Diante disso, podemos

dizer que a mídia faz um recorte sobre a esfera social em qual vivemos. Um evento

não pode acontecer da mesma maneira mais de uma vez e sempre será

interpretado de maneira diferente pelas pessoas. A questão dos simulacros pode ser

reproblematizada sob a perspectiva da teoria da comunicação conforme veremos no

tópico a seguir.

Page 22: Mariana Debarba - monografia

28

2.2 O uso ideológico dos simulacros dos Meios de Comunicação de Massa.

Explicitação de como a mídia cria simulacros.

Como na atualidade os meios de comunicação de massa se auto declararam

a serem os principais veículos de descrição da realidade na qual estamos situados

ocorre assim a tendência a se requerer como plenamente veraz todos os conteúdos

informativos transmitidos pela estrutura midiática. Tal circunstância ocorre pela

relação de confiabilidade que o público receptor de informações deposita na

atividade profissional dos comunicadores sociais. No entanto a massa coletiva

desconhece o processo de decodificação de transmissão dos conteúdos midiáticos,

que jamais representa de maneira eficaz e plena os acontecimentos do mundo.

Contudo por uma necessidade comercial, política e ideológica os aparatos

comunicativos propagam publicamente a posse da capacidade de descrição objetiva

do mundo. Uma vez que toda a representação da realidade percebida nunca

corresponde exatamente ao mundo concreto, podemos afirmar que toda narrativa

midiática se fundamenta a partir da criação de simulacros comunicativos.

O discurso midiático é dito como uma atividade que relata um acontecimento,

mas sem suas características singulares e o torna apenas algo generalizado a ser

assimilado pelos receptores. Para Marilena Chauí,

Paradoxalmente, rádio e TV podem oferecer-nos o mundo inteiro em um instante, mas oferece tal maneira que o mundo real desaparece, restando apenas retalhos fragmentados de uma realidade desprovida de raiz no espaço e no tempo. (CHAUÍ, 2006, p.49-50)

A questão torna-se socialmente e valorativamente problemática quando os

meios de comunicação de massa visam legitimar suas emissões como efetivamente

correspondentes ao plano concreto da experiência. Quando a atividade

comunicativa descreve um acontecimento esse processo necessariamente é

semanticamente redutor, pois uma infinidade de dados noticiáveis são excluídos. Ao

emitir discursos sobre os acontecimentos ocorridos cotidianamente, a atividade

midiática incorre na criação de simulacros informativos. A coletividade de receptores

acredita piamente na precisão e adequação lógica desses discursos com a

realidade, pois desconhece o processo de hierarquização e seleção de informações

realizado pelos meios de comunicação de massa. Em qualquer evento transmitido

Page 23: Mariana Debarba - monografia

29

por um veiculo comunicativo veremos sempre um recorte do acontecimento original,

jamais há totalidade de impressões associadas a um dado fenômeno social. Talvez

um esclarecimento mais imediato para a questão apresentada possa ser concedido

se tomarmos como exemplo uma partida de futebol transmitida por uma rede de

televisão.

As câmeras ao registrarem o evento esportivo operarão seguidamente

recortes técnicos da partida realizada jamais emitindo a totalidade de ações e

circunstâncias concernentes ao acontecimento esportivo. Ora, quando assistimos a

tal jogo pela televisão somos de alguma maneira iludidos, pois sofremos a sensação

de assistirmos ao “jogo em si” como se houvesse de fato tal acontecimento. Em

verdade assistimos a apenas um simulacro daquele que seria o jogo de futebol em

sua realidade concreta, pois a emissão das imagens televisivas seguira critérios

próprios dos operadores. Tal problemática comunicativa torna-se ainda mais clara

quando duas redes de televisão transmitem o mesmo jogo de futebol: cada emissora

por mais que supostamente se proponha a ser imparcial e precisa nesse processo

informativo se pautará em interesses particulares, especialmente de cunho

econômico, a partir da adequação sedutora destas imagens ao índice de audiência.

2.3 – Análise dos casos

Podemos dizer que no âmbito das praticas midiáticas o simulacro é uma

forma de reproduzir a realidade, pressupondo-se que esta possa ser representada

adequadamente pelo discurso comunicativo. Quando ocorre um evento,

independente da forma como ele é mostrado, ao contarmos para alguém estaremos

criando um simulacro já que um acontecimento jamais se repete. O simulacro é,

portanto, a reprodução fragmentada de um acontecimento. Nessas condições, pode-

se dizer que existe o acontecimento que ocorre independentemente da sua

transmissão comunicativa e outro que é preparado de maneira espetacular para ser

difundido publicamente, visando obter efeitos impactantes sobre a sensibilidade

coletiva. Como exemplo, podemos citar o casamento de Grace Kelly com o príncipe

Rainier, de Mônaco e o da princesa Diana com o príncipe Charles. Nos dois casos

houve a pratica de todos os protocolos, porém houve uma diferença na forma de

transmissão dos eventos. O primeiro casamento ocorreu sem qualquer preparação

Page 24: Mariana Debarba - monografia

30

para ser transmitido na televisão, manifestando-se assim sua espontaneidade. Já o

segundo foi ensaiado e preparado para a sua exibição na TV, assim com cada

detalhe preparado para que tudo saísse da melhor forma no meio de comunicação.

Umberto Eco, em Viagem na irrealidade cotidiana explica sobre a passagem do

espetáculo imagético ao processo de criação do simulacro, a nulificação do real e

dos símbolos pelas imagens e sons enviados ao espectador. Por uma questão

didática, parafraseamos o texto do autor:

Para mostrar a diferença entre as duas formas da televisão, Eco toma as

transmissões do casamento de Grace Kelly com o príncipe Rainier, de Mônaco, e o

da princesa Diana com o príncipe Charles. Em ambos, houve o momento político

diplomático, a parada militar, a liturgia religiosa e a historia de amor. O primeiro,

entretanto, ocorreu na época da paleotevê, ou seja foi organizado sem qualquer

referencia ao fato de que seria transmitido,e a televisão precisou “se virar” para

transmitir um “fato” que acontecia por conta própria (ainda que a câmera buscasse

privilegiar imagens de opereta, isto é, do romance cor-de-rosa entre o príncipe e a

plebéia). No segundo, porém, já se havia passado a neotevê. Agora estava

absolutamente claro que tudo aquilo que acontecia fora ensaiado para a televisão. A

televisão determinou as cores para vestuários e chapéus das famílias dos noivos e

convidados, para a decoração da catedral e do palácio. Todas tinham um tom pastel,

para que se obtivesse um ar de primavera televisiva. O vestido da noiva não foi feito

para ser visto de frente, de lado ou pó trás, mas foi concebido para ser visto de cima,

onde as câmeras se localizava. E os cavalos da realeza foram tratados durante uma

semana com pílulas especiais, de tal modo que seu esterco ficasse com uma cor

telegênica. Nada ficou por acaso: Londres inteira foi preparada como um estúdio

construído para a tevê (ECO, 1984, p. 101-102).

Podemos também nos beneficiar do exemplo fornecido por Marilena Chauí,

segundo a qual o simulacro é produzido em forma de espetáculo e enviado pelos

meios de comunicação de massa:

O que é a missa católica senão o espetáculo do mistério sagrado? Quando o oficiante, no momento da consagração, ergue a hóstia e o cálice, pronuncia palavras mágicas do mistério sagrado; a catedral, silenciosa sob o tilintar de campainhas e inundada pelo perfume do incenso, dá lugar a um gigantesco espetáculo oferecido aos fies: a encarnação da divindade em objetos até então insignificantes. A transubstanciação do pão e do vinho no corpo de Deus é espetáculo. Mistério especulativo e exposição do absoluto ao olhar, ao coração e à mente dos fies”. Porém no dia 25 de janeiro de 1990, no dia do aniversário da

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cidade de são Paulo, uma missa solene que os fiéis não puderam acompanhar, foi rezada na Catedral da sé. Estavam presentes membros do governo como a prefeita e o governador, além de seus secretários. Dentro da igreja se colocaram câmeras de televisão, holofotes, microfones, fotógrafos, repórteres, técnicos, operadores das máquinas. Além de atrapalharem a visão das pessoas que foram presenciar o momento religioso, acabaram se tornando oficiantes. Ou seja, falavam e faziam tudo ao mesmo tempo em que os sacerdotes e narrando aos telespectadores o que se passava naquele lugar. “No momento do ofertório, houve grande movimentação das câmeras, holofotes, microfones e pessoas no comando do oficio comunicativo , dirigindo-se da nave para o interior do altar para dali focalizar não os sacerdotes, mas as autoridades políticas. No instante da consagração, e elevação do cálice e da hóstia, em lugar do silencio, do incenso e da reverencia pelo mistério Maximo do cristianismo, ouviam-me cliques de câmeras fotográficas, piscar de luzes dos holofotes, comandos ao cameramen e vozes dos apresentadores transmitindo a cerimônia. Para a alma do fiel ali presente, foi um instante de profanação absoluta e, no entanto, para os que ficaram em casa, apesar de ‘explicada’, a missa provavelmente não tenha perdido dignidade. Todavia, a missa que ouviram ou viram não foi a missa que aconteceu, mas o fantasma dela, seu simulacro, pois aquela que de fato aconteceu foi profanada. Não é só isso. Na missa realmente acontecida, ninguém - nem os fiéis, nem os sacerdotes- possuíam um olhar que permitisse estarem toda parte ao mesmo tempo, contemplar o alto do alto, do centro, pelos lados, estar ora no lugar do sacerdote, voltando para os fieis, ora no lugar destes, voltados para os oficiantes. A ubiqüidade das câmeras, competindo com a onividencia do olhar de Deus,produziu uma missa inexistente, e esta foi o objeto ‘transmitido’.” (CHAUÍ, 2006 p.14-16)

Percebemos assim que a forja de simulacros pelos aparatos midiáticos não

decorre de um acidente técnico, fruto da impossibilidade humana de transmitir

adequadamente os acontecimentos cotidianos, mas é uma criação incidental dos

decodificadores de informação de modo a gerarem sobre o expectador um efeito

sedutor. A escolha do ângulo das imagens transmitidas não é eleita de madeira

democrática, com a participação do telespectador, mas a partir de uma imposição

autoritária dos meios de comunicação. Percebemos assim a pretensão de se

expressar de forma objetiva a narração dos acontecimentos se mesclar com

disposições espetaculares, de maneira a se obter a conquista de uma fatia de

audiência mais ampla, de um público psicologicamente dependente da encenação

pseudoestética para assim poder confiar no teor de veracidade das imagens

transmitidas. Nessas condições, o simulacro é a espetacularização da notícia.

Versando sobre o que é o espetáculo e sua influencia política sobre a

coletividade social, Guy Debord escreve:

O espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade e como instrumento de unificação. Como parte da sociedade, ele é expressamente o setor que concentra todo olhar e toda consciência. Pelo fato desse setor estar separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza é tão-somente a linguagem oficial da separação generalizada (DEBORD, 2006, p14.)

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Para ampliar e aprisionar a audiência, o trabalho do jornalista passa a ser

concebido de uma maneira peculiar para atender a demanda dos receptores; sua

prioridade deixa de ser a informação e passa a ser o espetáculo, ou melhor, a

informação adquiriu um teor espetacular. Nessas condições, os meios de

comunicação de massa, quando movidos exclusivamente por interesses comerciais,

fazem uso de sua aceitabilidade e inserção social para atuarem como especuladores

das notícias, suprimindo o papel informativo e esclarecedor que lhes caberia em

uma situação ótima. Para Umberto Eco,

Em suma, já estamos agora diante de programas em que a informação e ficção se transam de modo indissolúvel e não é relevante quanto o público possa distinguir entre notícias “verdadeiras” e invenções fictícias. Mesmo admitindo-se que tenha condições de operar essa distinção, ela perde valor em relação às estratégias que esses programas realizam para sustentar a autenticidade do ato de enunciação (ECO, 1984, p. 191).

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3. CRÍTICA DA IDEIA DE VERDADE NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE

MASSA

3.1 - O relativismo da noção de verdade

A crença na noção de “verdade” como um discurso superior e livre da

transformação, capaz de revelar ao ser humano a realidade metafísica que se

encontra para além do mundo sensível, predomina no mundo grego especialmente

através do pensamento socrático-platônico, como uma reação ao desenvolvimento e

expansão do movimento sofístico, que propaga a ideia de relatividade do

conhecimento e da noção de verdade, fruto de um turbulento processo sociopolítico

de construção de conceitos, em que “verdade” e “mentira” se tornam valorações

móveis. A afirmação do caráter relativo de todas as coisas, conforme o princípio

reconhecido pelos sofistas prega a inexistência de um valor profundo das coisas,

mas que tal valor se constitui de modo singular, mediante as flutuações dos

interesses humanos em suas relações com a realidade cotidiana.

Nietzsche, demonstrando uma grande convergência axiológica com a

revolução intelectual operada pelos sofistas no pensamento grego, faz a seguinte

pergunta retórica:

O que é, pois, a verdade? Um exército móvel multiplicidade de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esquece que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu toque e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas.(NIETZSCHE, 2007, p. 36-37)

A perspectiva platônica do valor absoluto da racionalidade discursiva capaz

de encontrar a “verdade” metafísica e versar sobre ela se encontra presente no

desenvolvimento das bases axiológicas e normativas da Comunicação Social, em

especial no uso ideológico que é feito da noção de veracidade pela Mídia

Corporativa; esta, para obter plena aceitação da esfera pública, transmite a falsa

tese de deter convenientemente a “verdade dos fatos” e, tanto pior, fazer de tal

“falsidade” um mecanismo de poder sobre a subjetividade coletiva, fabricando

consenso ideológico e informativo mediante o estabelecimento de um projeto político

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de apenas uma única interpretação dos “fatos”. Aliás, após nos referirmos

continuamente até então ao conceito de “fato”, de grande importância para o

desenvolvimento das técnicas de notícias dos processos comunicativos, cabe que o

afastemos teoria do conhecimento: “Contra o positivismo, que fica no fenômeno ‘só

há fatos’, eu diria: não, justamente não há fatos, só interpretações. Não podemos

verificar nenhum fato “em si”: talvez seja um absurdo querer uma tal coisa”

(NIETZSCHE, 1980: 315).

A aplicação da perspectiva relativista do valor da verdade no âmbito das

práticas comunicativas da era moderna favorece a demolição de tal procedimento

escuso, pois através de tal exercício crítico a noção de “verdade” no discurso

jornalístico necessariamente é processada em sua acepção singular e

intrinsecamente particular ao modo como cada pessoa interpreta a realidade.

Todo discurso por si só já denota uma disposição existencial e valorativa

decorrente da capacidade de interpretação individual do conhecimento da realidade.

Aquilo que se afirma como a “verdade dos fatos” é sempre uma versão estritamente

particular de um dado acontecimento, mas isto não deve ser impedimento para que

o profissional do jornalismo exerça a sua atividade de maneira correta, vislumbrando

informar da forma mais conveniente possível a coletividade sobre as circunstâncias

cotidianas. As nossas expressões verbais, derivadas das transposições semânticas

das percepções (intimamente relativas e parciais) acerca das coisas com as quais

nos relacionamos, acabam por impedir que se possa obter um conhecimento

absoluto sobre aquilo que enunciamos discursivamente, assim como a transmissão

plena desses conteúdos. Todo discurso jamais expressa adequadamente aquilo que

queremos dizer, logo é tecnicamente impossível alcançar-se o grau de veracidade

plena no discurso. Para Nilson Lage, “a autonomia da palavra verdade é, pois,

relativa; seu significado e valor variam de modo peculiar com a instância de uso”

(LAGE, 1982, p. 97). Aplicando a perspectiva relativista dos sofistas nas práticas

comunicativas, extinguir-se-ia a pretensão de se obter a possibilidade de deter e de

transmitir a “verdade” em uma configuração semiótica plena; entretanto, através de

sua observação rigorosa sobre a realidade circundante, o jornalista poderia fornecer

uma interpretação particular sobre os acontecimentos ao público receptor,

conquistando deste uma adesão razoável, permeada pelo sentimento de

confiabilidade para com o comunicador.

Page 29: Mariana Debarba - monografia

35

A Mídia Corporativa, através do seu projeto de difusão absoluta de

informações, consideradas como plenamente verdadeiras, faz da figura do jornalista

o “sacerdote” da verdade numa moralista sociedade secularizada.

Assim, cabe que se faça a indagação: por qual motivo a opinião de um profissional

da comunicação deve ser considerada mais válida e precisa do que a minha opinião

ou de outrem acerca de um acontecimento? Existe uma espécie de crença vigente

em diversos segmentos da população segundo a qual a atividade midiática

corporativa expressa através do seu discurso o que seria a “verdade plena dos

acontecimentos”. Conforme argumenta David K. Berlo: “Havendo um objeto a

comunicar e uma resposta a ao objeto, o comunicador espera que a sua

comunicação seja a mais fiel possível” (BERLO, 2003, p. 41).

3.2 - A verdade considerada a nível absoluto e universal não existe. A teoria do

falibilismo discursivo

Se todo conhecimento acerca de algo é relativo e parcial, a perspectiva de

conhecimento dos sofistas se revela mais pertinente para o entendimento dos

mecanismos dos processos comunicativos, circunstância que impediria o público de

projetar no sistema midiático um poder que de fato ele não detém, isto é, a “verdade”

plena das coisas, pois o discurso jamais dá conta da experiência do inebriante.

Conforme argumenta Nietzsche,

Já não nos estimamos suficientemente quando nos comunicamos. Nossas verdadeiras vivências não são nada loquazes. Não poderiam comunicar a si próprias, ainda que quisessem. É que lhes faltam as palavras. Aquilo para o qual temos palavras, já o deixamos para trás. Em toda fala há um grão de desprezo. A linguagem, parece, foi inventada apenas para o que é médio, mediano, comunicável. O falante já se vulgariza com a linguagem – de uma moral para surdos, mudos e outros filósofos (NIETZSCHE, 2006, p. 78-79)

É um exercício árduo expressarmos a originalidade de um pensamento

mediante a linguagem ordinária, pois a comunicação exige a simplificação das

vivências, uma vez que ela só pode transmitir o sentido das coisas mediante o

discurso através de uma redução semântica ou abreviação das experiências, o que

resulta numa dinâmica cognitiva completamente artificial. As limitações cognitivas e

Page 30: Mariana Debarba - monografia

36

existenciais do jornalista são circunstâncias naturais que impedem a obtenção de

uma percepção plena dos acontecimentos sociais.

Apesar de ser incapaz de oferecer ao público a tão proclamada “verdade pura

dos fatos”, ao menos o jornalista pode proporcionar para a consciência pública o

sentimento de confiabilidade no discurso midiático, de forma que tanto as

informações transmitidas socialmente como os profissionais da notícia venham a

adquirir um estatuto de credibilidade pública, favorecendo então um razoável

esclarecimento social acerca dos acontecimentos cotidianos. Mais uma vez, a

perspectiva intelectual da Sofística permite a demolição do projeto metafísico/moral

que postula a existência de uma verdade absoluta, que pode ser conhecida

mediante a racionalidade e transmitida plenamente pelo discurso, expressão

imediata de tal categoria intelectual.

O jornalista em hipótese alguma está isolado existencialmente da sociedade,

como se porventura ele fosse capaz de narrar um conjunto de acontecimentos sem

se deixar envolver por eles. “Em qualquer situação da comunicação, fonte e receptor

são interdependentes” (BERLO, 2003, p. 109). Não se pretende exigir dos jornalistas

que eles abram mão das suas emoções particulares e das suas capacidades

pessoais de perceberem um acontecimento, pois a objetividade absoluta na análise

de um acontecimento social é cognitivamente impossível. Aliás, é importante dizer

que “banir a emoção da informação é banir a própria humanidade do jornalismo”, tal

como destaca Eugênio Bucci (2006, p. 95). O objetivo mais importante das

atividades da comunicação social consiste no ato do profissional se comprometer a

transmitir com a máxima precisão as informações sobre os acontecimentos.

Conforme a sensata perspectiva de Eugênio Bucci, “procurar a verdade dos fatos é

um imperativo ético, e é também o objetivo de toda a técnica jornalística” (BUCCI,

2006, p. 50).

Mesmo que o jornalista não seja capaz de expressar a verdade plena de um

“fato”, o ato de se esforçar para transmitir ao público receptor um discurso depurado

de distorções preconceituosas e influências ideológicas justifica a sua atividade de

divulgador de informações de genuíno interesse público, conscientizando a

coletividade social das filigranas de poder na realidade cotidiana. Eugênio Bucci

sentencia: “Ao jornalismo cabe perseguir a verdade dos fatos para bem informar ao

público” (BUCCI, 2006, p. 30). Todavia, há essa “verdade”? Porventura existindo tal

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“verdade”, ela poderia ser transmitida adequadamente para a coletividade mediante

o discurso? Tais questionamentos retomam as aporias de Górgias acerca da

impossibilidade de haver uma transmissão precisa do conhecimento humano e de se

versar sobre ele para outrem (dito por Sexto Empírico em Contra os Matemáticos, 7,

65-66).

Nessas condições, apesar do empenho desses profissionais da notícia, é

importante ressaltar que nem sempre a crença no poder de veracidade do discurso

midiático procede, pois o jornalista está sujeito ao erro de avaliação nas suas

deduções pessoais. A imprecisão do discurso humano é uma característica natural

do processo comunicativo-linguístico, mas a coerção moral da sociedade exige que

se camufle essa insuficiência semiológica. Mesmo nas nossas concepções mais

intelectuais, quanto mais lutamos para sermos precisos, mais inatingível a precisão

aparecerá. Para Peirce, o erro surge e só se explica com o pressuposto de um eu

que é falível (PEIRCE, 2005, p. 249). O falibilismo discursivo suprime a possibilidade

de existir a expressão precisa de qualquer discurso.

De acordo com Lúcia Santaella, “por mais rigoroso e sistemático que seja, por

exemplo, um investigador em seu pensamento, ainda assim ele será falível”

(SANTAELLA, 1993, p. 26). Mas há sempre que se destacar que uma coisa é errar

no ato de se transmitir informações, e outra coisa errar no ato de se opinar de

maneira equivocada sobre algo, levando a multidão social ao erro; mais ainda, uma

coisa é uma pessoa qualquer errar nas suas ponderações sobre os acontecimentos

noticiados pela Mídia corporativa, e outra um profissional da notícia errar nas suas

deduções, pois este levará ao erro uma gama de pessoas que acreditaram na

infalibilidade do seu discurso opinativo, projetando no discurso jornalístico uma

“aura” de moralidade e sacralidade análoga ao de uma pregação religiosa.

3.3 – Desmistificação da neutralidade jornalística

A seleção do que é ou nao fato jornalístico já pressupõe uma escolha técnica

movida por uma diversidade de disposições particulares do comunicador. A

neutralidade na atividade comunicativa nao existe efetivamente, pois o jornalista é

subjetivo até mesmo no momento em que seleciona as palavras que serão

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incorporadas no seu texto ou ainda as qualidades, estilos e caracteres inseridos no

seu processo narrativo. Conforme Caio Túlio Costa,

A palavra é objetiva, embora o seu uso possa ser subjetivo e comportar mil facetas secretas sob sua “face neutra”. Cada entonação ou uso pode emitir diferentes recados, significados diversos, mensagens completamente contraditórias (COSTA, 2009, p. 127)

É tecnicamente impossivel haver plena objetividade em qualquer discurso,

pois o simples fato de se escolher determinadas palavras na construção do mesmo

já representa uma tomada de posição, uma escolha; além disso o processo de

decodificação de mensagens é singular, sofre sempre uma necessária adaptação

conforme os jogos de linguagem do comunicador. Para José Arbex Jr.,

Não apenas o olhar do observador é seletivo quanto ao evento presenciado, como ao relatar um evento o observador seleciona, hierarquiza, ordena as informações expostas, fazendo daí interferir as suas estratégias de narração. Mesmo a mais impessoal de todas as narrativas, a demonstração de um teorema, não é feita de maneira idêntica por dois matemáticos. Eles seguem caminhos distintos para demonstrar o mesmo teorema, e nisso se revela o seu estilo. (ARBEX JÚNIOR, 2001, p. 107)

Ora, é tecnicamente impossível um comunicador decodificar todos os

acontecimentos ocorridos em um dado dia na sociedade, seja pelo fato de que a

quantidade de acontecimentos é imensurável e a capacidade humana de registrá-los

limitada, seja pelo próprio projeto do comunicador social selecionar, conforme os

seus critérios particulares, aquilo que deve ou não ser noticiado publicamente.

Walter Lippmann esmiúça de maneira esclarecedora tal problema, destacando que

“todos os receptores do mundo trabalhando todas as horas do dia não poderiam

testemunhar todos os acontecimentos do mundo” (LIPPMANN, 2008, p. 289).

Nessas condições, como é possível haver uma verdade plena no processo

discursivo operado pelo discurso jornalístico? Antes há apenas um recorte arbitrário

da realidade. Esclarecendo essa questão, José Arbex Jr. afirma que

A mídia cria diariamente a sua própria narrativa e a apresenta aos telespectadores – ou aos leitores – como se essa narrativa fosse a própria história do mundo. Os fatos, transformados em notícia, são descritos como eventos autônomos, completos em si mesmos. Os telespectadores, embora embalados pelo “estado hipnótico” diante da tela de televisão, acreditam que aquilo que vêem é o mundo em estado natural, é o próprio mundo (ARBEX JÚNIOR, 2001, p.103).

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39

A atividade jornalística, em todas as suas ramificações técnicas, se

caracteriza por investigar, analisar e decodificar acontecimentos através da sua

formatação em fatos, para em seguida transmiti-los publicamente como notícias,

sempre providas de caracteres degustáveis para o público receptor, não importando

o teor de tais mensagens. Para Ciro Marcondes Filho,

Comunicação passa a se aplicar às formas de “fabricar fatos, de criar notícias, de seduzir jornalistas para fatos originalmente nao-jornalísticos mas suficientemente atraentes para cativá-los e fazê-los transformar em notícias (MARCONDES FILHO, 2002, p. 107)

O grande problema valorativo surge quando o jornalista, ao narrar um

acontecimento, descreve-o como se fosse a verdade em si, a verdade objetiva,

circunstância que, na dimensão das práticas comunicativas sociais exerce grande

efeito de sedução e convencimento sobre o público, que deposita elevada confiança

no teor de veracidade do discurso do jornalista, conforme exposto por Luiz Costa

Pereira Júnior: “O referencial só te torna aceitável porque um pacto de confiabilidade

foi construído entre o jornalismo e seu público” (PEREIRA JÚNIOR, 2006, p.35-36).

Essa relação de confiança que o receptor de informações cria para com o jornalista

envolve uma série de dispositivos afetivos emanados pelo profissional da notícia,

como simpatia, carisma, segurança pessoal etc. De acordo com as colocações de

Luiz Costa Pereira Júnior,

Ao comprar o periódico de sua preferência, todo leitor tacitamente confia que o repórter seja sua testemunha dos fatos. O jornalista vê a “realidade” em seu lugar e deverá traduzir tudo com fidelidade, respeitando o que viu (PEREIRA JÚNIOR, 2006, p. 35)

O jornalista se torna, portanto, os olhos hipertrofiados do público, sendo assim

uma representação simbólica da onisciência divina ao serviço da divulgação das

notícias. Tal como dito por Niklas Luhmann, aquilo que sabemos sobre nossa

sociedade ou menos sobre o mundo no qual vivemos sabemos pelos meios de

comunicação (LUHMANN, 2005, p. 15). A credibilidade que o profissional da notícia

adquire no decorrer das suas atividades se deve ao efeito moralista exercido pela

postulada posse da verdade sobre a comunidade de receptores de informações.

Conforme argumenta David K. Berlo: “Havendo um objeto a comunicar e uma

resposta a ao objeto, o comunicador espera que a sua comunicação seja a mais fiel

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40

possível” (BERLO, 2003, p. 41). Contudo, cabe destacar que o poder representativo

da linguagem nunca é capaz de expressar adequadamente aquilo que se pretende

pronunciar socialmente, de maneira que toda interação comunicativa é naturalmente

falha, imprecisa semanticamente. Para Nietzsche,

A essência plena das coisas nunca é apreendida. As nossas expressões verbais nunca esperam que a nossa percepção e nossa experiência nos tenham fornecido sobre a coisa um conhecimento exaustivo e, de algum modo, respeitável (NIETZSCHE, 1999, p.45).

Uma vez que a coletividade social receptora de informações nao pode se

dedicar ao exercício da apuração dos acontecimentos para decodificá-los nas

notícias midiáticas, tal função nobre é transferida para os profissionais da

comunicação, ocorrendo assim a alienação pública acerca de que maneira os

jornalistas operam as suas atividades técnicas de interpretação do mundo

circundante, atividades estas nas quais adquirem a aura social de sofisticação e

precisão no ato de transmissão das notícias. Afinal, como destacado por David K.

Berlo:

Poucos de nós têm tempo ou oportunidade de verificar pessoalmente as declarações de fatos que comunicamos. Às vezes, fazemos observações próprias. Outras vezes, confiamos nas observações de outrem (BERLO, 2003, p. 236)

Sem o estabelecimento de uma relação de credibilidade do público receptor

em relação ao seleto grupo de emissores, sofreríamos o risco de sequer

estabelecermos as mais elementares relações comunicativas. O jornalista,

proclamado na estrutura social moderna como o grande intérprete dos

acontecimentos do mundo, amplifica assim o seu prestígio profissional junro ao

público. Pedro Gilberto Gomes destaca que:

O profissional da comunicação é, de certa maneira, o hermeneuta da realidade. Portanto, o sucesso de seu trabalho depende, fundamentalmente, da capacidade que ele tiver para situar-se no horizonte do outro, tanto para compreendê-lo como para transmitir-lhe a sua mensagem (GOMES, 2006, p. 72).

A atividade comunicativa, que se constitui na imanência das relações sociais,

representando anseios e perspectivas de determinados grupos que manifestam o

poder de expressão pública da fala, é hipostasiada para uma dimensão pura, a da

“objetividade dos fatos”, circunstância que impede qualquer nível de compreensão

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adequada dos processos informativos. Baudrillard diz: “Por detrás do conceito de

objetividade, com efeito, todo o argumento moral e metafísico da verdade está em

jogo” (BAUDRILLARD, 1995, p. 204). Portanto, como não existe de fato objetividade

e neutralidade no ato de elocução do discurso do comunicador, a veracidade se

torna um ideal tecnicamente inalcançavel, uma promessa metafísica irrealizável.

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CONCLUSÃO

Todos nos referimos a comunicação como esta sendo o 4° poder. Porém se

pararmos para pensar, na verdade, ela ousaria dizer que estamos incorretos. Os

Meios de Comunicação Social exercem em nós uma influencia muito grande desde

as pequenas relações sociais, como as estabelecidas em família e em escolas,

como nas grandes, como eleições, política, reformas e conflitos mundiais. A partir

disso, poderíamos concluir que ele é na verdade o 1° poder. A comunicação é

essencial em nossa vida e a forma como ela nos fornece as informações é

determinante em nosso processo de criação de pensamento. As escolhas que

fazemos durante a vida têm grande influência da mídia, seja ela qual for. Partimos

para o trabalho ouvindo rádio, chegamos e assistimos ao telejornal. Compramos o

jornal na banca, debatemos entre amigos assuntos em pauta no mundo inteiro. Tudo

que precisamos saber sobre e para a vida é divulgado pela imprensa. Ela cria

ideologias, forma consciência e manipula a linguagem. Não há realidade nos dias

atuais que não passe pela comunicação, intermediadora das relações sociais. Para

Claude Lefort,

O rádio, a televisão, o cinema, os jornais e as revistas de divulgação tornam viáveis sistemas de representação que seriam impossíveis sem eles. Com efeito, para que a ideologia possa ganhar generalidade suficiente para homogeneizar a sociedade no seu todo é preciso que a mídia cumpra seu papel de veicular a informação não de um pólo particular a outro pólo partículas, mas de um foto central circunscrito que se dirige ao todo determinado da sociedade. Com os debates políticos virando espetáculo e discutindo tudo: economia, política, arte concreta, sexo educação, musica pop, arte clássica e contemporânea, do gênero mais nobre ao mais trivial, cria-se a imagem de uma reciprocidade entre emissor e receptor, que deve aparecer como reciprocidade verdadeira e definida nas relações sociais. Essa imagem é duplamente eficaz, pois, ao mesmo tempo, exalta a comunicação, independente de seu conteúdo e de seus agentes, e simula a presença de pessoas. [...] A eficácia do discurso veiculado pelos meios de comunicação decorre do fato de que ele não se explicita senão parcialmente como discurso político e isso lhe confere generalidade social. São as cosas do cotidiano, as questões da ciência, da cultura que sustentam a representação imaginária de uma democracia perfeita, na qual a palavra circula sem obstáculos. (LEFORT, 1982, p. 320-321).

A comunicação como construtora da realidade obtém o poder sobre a

existência das coisas através da criação da opinião pública. Quem detém o poder

define as pessoas e os grupos, constrói identidades. De acordo com as informações

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que as pessoas recebem, acabam formando opiniões, construindo imagens sobre os

outros. Nessas condições a proposta da presente pesquisa jamais consistiu em

contestar o papel de relevância social dos Meios de Comunicação de Massa, mas

apenas realizar uma análise crítica dos mesmos desmistificando os seus parâmetros

ideológicos que conduzem a uma alienação social.

Com efeito, uma vez que a sociedade receptora de informações desconhece

os mecanismos de construção daquilo que se denomina como “fato”, gera-se a

crença de que existe uma verdade objetiva pronta para ser decodificada por

determinados intérpretes, em especial o jornalista. Por qual motivo o comunicador

social não revela publicamente que o processo de transmissão de mensagens

pressupõe uma interpretação particular e posterior decodificação que se pauta na

sua capacidade de analisar os acontecimentos sociais mediante o seu enfoque

valorativo particular, subjetivo? Uma resposta plausível para tal indagação reside na

necessidade midiática de manter a massa social submetida a uma espécie de

argumento de autoridade, similar ao estabelecido pela estrutura eclesiástica. “O

jornalista disse, eis a verdade!”. Nesse contexto, o crescimento e a abrangência dos

meios de comunicação e a informação estão, claramente desbancando e

relativizando o controle exercido por outras instituições, como a escola, as igrejas, a

família etc. A comunicação está forjando os novos professores, os novos sábios, os

novos mestres da verdade e da moralidade.

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