maria beatriz andreotti (016819) trabalho final da ... · a cidade é um objeto de pesquisa rico...

15
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 1 Maria Beatriz Andreotti (016819) Trabalho Final da disciplina – Programa de pós-graduação em História 1º semestre – 2012 Le Corbusier arquiteto, estrangeiro “Este é, por assim dizer o viajante em potencial: embora não tenha partido, ainda não superou completamente a liberdade de ir e vir. Fixou-se num grupo espacial particular, mas sua posição no grupo é determinada, essencialmente, pelo fato de não ter pertencido a ele desde o começo, pelo fato de ter introduzido qualidades que não se originaram nem poderiam se originar no próprio grupo”. (SIMMEL: 2005,1.)

Upload: ngothu

Post on 09-Feb-2019

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 1

Maria Beatriz Andreotti (016819)

Trabalho Final da disciplina – Programa de pós-graduação em História

1º semestre – 2012

Le Corbusier

arquiteto, estrangeiro

“Este é, por assim dizer o viajante em potencial:

embora não tenha partido, ainda não superou completamente

a liberdade de ir e vir. Fixou-se num grupo espacial

particular, mas sua posição no grupo é determinada,

essencialmente, pelo fato de não ter pertencido a ele desde o

começo, pelo fato de ter introduzido qualidades que não se

originaram nem poderiam se originar no próprio grupo”.

(SIMMEL: 2005,1.)

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 2

0. Apresentação

Ao longo do semestre, a questão do Outro tangenciou uma série de textos trabalhados

durante as discussões propostas para a disciplina dos tópicos especiais em História I (História

Cultural). A leitura dos textos de E. Said suscitou alguns aspectos considerados importantes

para investigação acerca da relação entre arquitetura, poder e os projetos urbanísticos

propostos para diversas cidades, no contexto do pós-colonialismo.

É interessante notar a relação muito próxima entre os termos “Orientalismo”, usado no

livro de E. Said e o livro de Le Corbusier, arquiteto considerado um dos maiores expoentes do

movimento moderno, que teve como primeira e última produção escrita o livro “A Viagem do

Oriente”.1 Esta primeira aproximação entre as teorias pós-colonialistas e a produção em

arquitetura, levou-me a uma investigação mais aprofundada da temática e que o projeto para

Chandigarh na Índia, também de autoria de Le Corbusier, poderia ser uma importante chave

para exploração destes aspectos por meio da análise do ambiente construído.

As edificações e o desenho urbano são símbolos capazes de transmitir propósitos. No

desenho de cidades capitais, onde o encontro do poder político com a arquitetura é mais

latente, estas construções (arquitetônicas e simbólicas) estão intrinsecamente ligadas aos

propósitos políticos a qual seu projeto arquitetônico está submetido e que pretendo explorar

melhor ao longo deste trabalho. A cidade é um objeto de pesquisa rico que permite a análise

da cultura e da política, sem, contudo desassociá-las.2

Ao iniciar tal pesquisa me deparei com uma extensa bibliografia, que, sendo este um

objeto de análise ainda inédito para mim, não pretendo abordar em sua totalidade, mas

trabalhar com este argumento, propondo relações e possibilidades de investigação.

1 Este pode ser considerado seu primeiro e último livro porque, apesar de seu relato de viagem datar de 1911, este livro seria revisado e publicado em 1965, momento em que o autor corrigiu o manuscrito antes de enviá-lo à publicação. 2 Aqui, chama a atenção a análise conjunta entre cultura e política, que, segundo Said não devem ser desassociadas. (SAID:1996, 14)

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 3

1. Introdução

Conforme afirma F. Choay na frase de abertura de seu livro “O Urbanismo” (CHOAY,

2003:1), a sociedade industrial é urbana e o crescimento das cidades no final dos séculos XIX

e início do século XX, esteve ligada à consolidação das atividades industriais. O

desenvolvimento dos núcleos urbanizados trouxe uma nova ordem a qual o tecido das cidades

teve de se adaptar. Conforme afirma a autora, as características trazidas pela adoção deste

modo-de-produção iriam se manifestar na cidade por meio da racionalização das vias de

comunicação, a especialização dos setores urbanos e a implantação das indústrias (CHOAY,

2003:4). O rápido crescimento destes núcleos urbanizados culminou no debate sobre a

ordenação e o planejamento destas cidades, e mais tarde, modelos urbanísticos foram

propostos para solucionar esta questão.

Como um dos maiores expoentes do modelo progressista de urbanização e ligado ao

movimento moderno em arquitetura figura o arquiteto Le Corbusier. Apesar de sua ampla

produção intelectual no âmbito do urbanismo, há apenas dois exemplos de suas realizações

neste campo: a cidade jardim de Pessac (1940) e o plano base de Chandigarh (1950).

Além de sua vasta atuação na Europa, a produção intelectual do arquiteto esteve ligada

à diversas cidades periféricas, tendo elaborado planos e projetado edifícios para o Argel,

Argélia, Argentina, Uruguai e Brasil, além da Índia.

A figura do arquiteto é importante pela sua importância dentro do movimento

moderno e por sua produção intelectual e arquitetônica, que se deu até a década de 60. Neste

período, Le Corbusier realizou diversas viagens, relacionando-se, com especial interesse, com

os arquitetos modernos que, em países como o Brasil, buscavam consolidar os preceitos da

arquitetura moderna. 3

É importante ressaltar que o arquiteto produz a partir da França, um dos países centrais

para o entendimento do Orientalismo enquanto discurso de poder. Segundo Said:

3 O arquiteto esteve no Brasil em 1929. Participou em um dos projetos modernos pioneiros no país, o edifício do MEC no Rio de Janeiro. (SANTOS et all: 1987:5)

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 4

“Falar de orientalismo é falar principalmente, embora não

exclusivamente, de uma empresa cultural francesa e

britânica” (SAID, 2003:15).

“O orientalismo deriva de uma proximidade particular que se

deu entre Inglaterra e a França e o Oriente” (SAID,

2003:16).

Sua produção seja ela literária e/ou arquitetônica deve ser compreendida dentro deste

lugar de fala. Pretendo explorar neste trabalho como este olhar está presente seja no livro

escolhido aqui para a análise, seja na construção da cidade indiana.

2. O livro “A viagem do Oriente”

No início do século XX, ainda sem atuar como arquiteto, o jovem Le Corbusier

realizaria uma viagem de seis meses cuja meta era conhecer Constantinopla, passando por

Boêmia, Sérvia, Romênia, Bulgária, Turquia, Grécia e Itália. Durante tal viagem, elaborou

anotações e rascunhos que resultaram no livro “A viagem do Oriente” e cuja publicação se

deu apenas cinquenta anos mais tarde. Esta experiência da viagem, realizada pelo arquiteto

antes mesmo de sua formação, é tida como significativa e decisiva para sua formação

(CORBUSIER, 2007: 5).

Sobre esta produção escrita, pode-se dizer que o título já parece trazer parte do

argumento explorado por Said “um modo de resolver o oriente baseado no lugar especial

ocupado pelo oriente na experiência ocidental europeia” (SAID, 2003:13). Chama a atenção

que o que está nomeado no livro como Oriente se restringe a uma parcela do território oriental

da Europa, passando inclusive pela Itália. (CORBUSIER, 2007: 9). O Oriente de Le

Corbusier não é, portanto, uma delimitação geográfica, inerte da natureza e sim uma ideia,

uma imagem do Outro, e que poderia incluir as cidades italianas.

“Os lugares, regiões e setores geográficos tais como o “Oriente e o

“Ocidente são feitos pelo homem. Portanto, assim como o próprio

Ocidente, o Oriente é uma ideia” (SAID, 2003:17).

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 5

Por todos os capítulos do livro, o Oriente que é apresentado e conhecido pelos olhos

deste viajante europeu é um lugar exótico, de memórias e paisagens obsessivas e de uma

experiência tida como notável, para retomar os argumentos utilizados por Said na introdução

de Orientalismo.

“Eu não conhecia nada dos países que atravessávamos porque nunca

ninguém fala deles. No entanto tinha o sentimento de que deveriam

ser muito belos, muito nobres”. (CORBUSIER, 2007: 22)

De uma maneira geral, seja tratando-se das paisagens, da arquitetura, da arte e até das

mulheres, tema recorrente ao longo do texto, o livro parece reproduzir claramente a ideia de

orientalismo proposta por Said enquanto sinal de poder europeu-atlântico sobre o Oriente.

(SAID, 2003:18).

3. O projeto para Chandigarh

Diversos países tornaram-se independentes no período pós-segunda guerra, mas nem

todos possuíam as condições políticas e econômicas apropriadas para marcar sua

independência por meio da construção de novos símbolos. A cidade de Chandigarh foi uma

dos poucos resultados em que estes fatores foram convenientemente empregados para a

construção de uma nova capital. Sua implantação deve ser vista não apenas num contexto

regional, mas num contexto nacional de independência em que a demarcação deste novo

território é, sobretudo, uma questão política.

O projeto para a cidade de Chandigarh, na Índia foi desenvolvido quando a carreira do

arquiteto Le Corbusier já era consolidada e prestigiada, em meados da década de 1950. Para

alguns autores, o pós-guerra representou uma mudança e amadurecimento de seu trabalho,

cujas soluções plásticas adotadas diferem bastante das obras do início de sua atuação.4

Com a divisão do território indiano, o Estado de Punjab perdeu sua capital

administrativa, ficando esta temporariamente abrigada em Simla. Era necessária a designação

4 Conforme afirmação geral que permeia grande parte dos livros escritos sobre a vida e obra do autor, entre estes BOESIGER, W. & GIRSBERGER. E GAST, Klaus – Peter. Le Corbusier – Paris Chandigard. Alemanha: Corbusier Foundation, 2000.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 6

de uma nova capital e a ideia levada adiante foi a da construção de uma nova capital

planejada. O plano geral da nova cidade data de 1949, tendo Le Corbusier se envolvido

apenas em 1951. (VALE: 112)5 O projeto foi financiado pelo estado indiano, que buscava,

além da questão prática da alocação da capital da província, a demonstração das pretensões

políticas de um país de liberdade recém-conquistada, que se deu por meio da arquitetura e

urbanismo.

Pantih Nehru, primeiro ministro da Índia independente, foi um dos pensadores dessa

nova cidade, afirmando que tal projeto “deveria ser a primeira grande expressão de

florescimento de nosso gênio em nossa recém-conquistada liberdade”. (VALE:1992, 106)

A cidade foi pensada para uma primeira ocupação de 150 mil habitante, que num

momento posterior poderia chegar a 500 mil pessoas. Atualmente a população da cidade

ultrapassa um milhão de habitantes o que, dentro do programa rígido proposto, trouxe novas

formas de ocupar o território que se distanciaram do projeto original.

Sendo um dos expoentes do modelo progressista de urbanismo, neste projeto Le

Corbusier colocaria em prática sua ideia da divisão de funções da vida urbana com a clara

delimitação dos espaços de lazer, habitação, trabalho e circulação. Cada setor seria parte de

uma rígida grelha de 800 por 1200 metros, e que se constituiria de maneira autônoma e

independente. (imagem 1 em anexo).

Além do plano master da cidade, cujo projeto seria desenvolvido pela equipe de Le

Corbusier, o arquiteto foi o responsável pelo desenvolvimento e implantação das edificações

que compõe o capitólio (imagem 2 e 3, em anexo). O plano do capitólio era composto por

quatro edifícios: o Parlamento, o Secretariado, a Alta Corte e o Palácio do Governo. Estas

edificações seriam as mais representativas enquanto edifícios públicos e o sítio escolhido para

a construção deste complexo foi um lugar de destaque, compondo um grande eixo de projeto,

como pode ser percebido na planta de implantação e na perspectiva desenhada em anexo.

A intenção do arquiteto foi separar esta área do restante da cidade, restringido a

construção de outras edificações no local. Embora fosse a continuação de um plano já

iniciado, a versão final do desenho diferia bastante da primeira proposta de Mayer,

principalmente no conjunto composto pelos edifícios do capitólio. A separação do conjunto

do restante da cidade foi uma solução arquitetônica que visava a monumentalização das

5 O primeiro plano geral foi desenvolvido por Albert Mayer e seu assistente Matthew Nowicki. Em 1950 a parceria entre eles e o governo indiano foi descontinuada, tendo sido contratado Le Corbusier e uma nova equipe composta por: Maxwell Fry, Jane Drew e Pierre Jeanneret.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 7

edificações públicas e por conta disso, o palácio do governo não seria construído. O primeiro

ministro indiano, que havia encomendado o projeto, acreditava que a posição privilegiada

dada a este edifício no plano da cidade não era compatível com a ideia da nova democracia

que se pretendia construir no país. Mesmo com a sugestão da construção neste mesmo local

de um museu do conhecimento, nenhuma edificação foi construída, colaborando para que o

plano do capitólio permanecesse incompleto. Sem o palácio do governo, os outros edifícios

que compõe o conjunto apenas fazem face uns aos outros, sem constituir as relações espaciais

pretendidas no projeto original. O amplo espaço aberto entre eles, pensado para ser uma

grande praça tomada pelo pedestre, se constitui apenas como um grande vazio, e demonstra o

insucesso do projeto enquanto apropriação do espaço público.

A construção destes edifícios prolongou-se por mais de 10 anos, sendo que o último a

ser concluído foi o edifício do Parlamento, em 1963. Além dos projetos para a cidade de

Chandigarh, Le Corbusier realizaria ainda outras pequenas obras privadas no país.

4. A relação entre arquitetura poder e nação

Quando se trata da construção de edifícios públicos governamentais deve-se levar em

consideração que a escolha arquitetônica expressa possui uma carga simbólica e

representativa. A necessidade de fazer arquitetura e urbanismo servindo à política foi mais

saliente naqueles países em que as formas políticas se constituíam como novas, enquanto que

as formas arquitetônicas dos edifícios públicos eram antigas. Assim, pode-se entender o

porquê de, na emergência do mundo pós-colonial do século XX, o Estado buscou uma nova

arquitetura para abrigar uma nova forma de governo.

Se tomarmos como exemplo as cidades de Brasília e Chandigarh, a escolha da

arquitetura moderna não se deu por acaso. No momento da constituição das nações num

mundo pós-colonial, o movimento moderno em arquitetura se adequou à uma constituição de

identidade e de nova nação. A utilização do modernismo poderia ser lida então como uma

forma de expressão representativa de ruptura com o passado.

Para além das questões singulares envolvidas no projeto de Le Corbusier para a cidade

de Chandigarh, seu papel simbólico é um dos aspectos mais importantes para sua

compreensão. A nova capital da província deveria representar a legitimação do poder e

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 8

também promover um senso nação6 e os preceitos modernos de urbanismo e arquitetura

simbolizavam e condiziam com uma nação em busca de progresso e identidade. Le Corbusier,

em sua explicação retórica na versão final, preenchia sua explicação com referências à

liberdade, democracia, emancipação e progresso.

O projeto da nova capital pode tido como uma contraposição ao projeto da cidade de

Nova Delhi. Cidade ligada ao controle britânico no país, alguns autores colocam que a relação

hierárquica do poder proposta em Nova Delhi e Chandigarh são mais concordantes do que

opostas. Assim como em Nova Delhi, busca-se uma composição espacial para criar uma

imagem de poder para as instituições e autoridades do Estado, esta sendo a grande crítica à

proposta da nova capital.

5. Uma aproximação entre as duas experiências - A viagem do Oriente e o projeto

de Chandigarh

A aproximação entre as estas duas obras de Le Corbusier é possível se considerarmos

central a experiência do deslocamento, a percepção do Outro e sua condição enquanto

estrangeiro. Tal experiência tornou-se uma condição fundamental da prática profissional e

intelectual da arquitetura e pode ser entendida, dentro das teorias pós-colonialistas, como uma

articulação direta do imperialismo, assim como da hegemonia europeia e dependência dos

padrões culturais europeus (LIRA:2011,253). A experiência de Le Corbusier pode ser

entendida neste contexto, como base de uma transformação no país de destino, um processo

unidirecional, uma proposta externa de organização para um país cuja solução arquitetônica

moderna não alcançou seus propósitos de apropriação de uso do espaço.7

E. Said em Cultura e Imperialismo irá apontar que as ocupações imperialistas foram

geradoras de tensões e resistências, e que no âmbito da cultura, buscou-se uma afirmação de

identidades nacionalistas (SAID:1996, 12). Isto dado, é interessante pensar a escolha feita

para o desenvolvimento do projeto de Chandigarh. Mesmo num contexto de descolonização, a

busca identitária empreendida pelo poder público ainda terá como referência a arquitetura

6 Neste sentido podemos aproximar os planos da cidade de Chandigarh e Brasília, projetos constituídos para tornarem-se símbolos de uma nação, promovendo um senso de identidade nacional. Idéia exposta em VALE, Lawrence J. Architecture, Power and National Identity. USA: Yale University, 1992. 7 Isso quando afirmado para o conjunto que compõe o Capitólio. Aqui vale comentar que a província de Punjab foi novamente divida administrativamente e que os edifícios da cidade de Chandigarh funcionam de maneira dividida. (VALE:1992, 92).

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 9

moderna produzida num país (a França) que possuiu, ao lado da Inglaterra, uma longa

tradição de orientalismo.

A utilização da arquitetura moderna para representação desta nova cidade assentou-se

porém na identificação com um movimento de rompimento com o passado, de busca de um

novo ideal, modelo de progresso com o qual a nova Índia associaria à imagem da nova

capital.

Embora a relação entre Le Corbusier, o projeto de Chandigarh, e a Índia possa ser

analisada dentro da chave explicativa dual metrópole/colônia proposta pela teoria pós-

colonialista, há alguns fatores que tornam esta relação mais complexa. Uma abordagem

recente proposta por Lira trás novos aspectos para a análise desta relação (LIRA: 1996).

Diversos autores já exploraram a relação dos estrangeiros com a construção das

cidades. Uma bibliografia recente que trabalha este tema é “São Paulo, os estrangeiros e a

construção das cidades”. O entendimento do papel exercido pelo arquiteto deve ser então,

como proposto por Lira, estudado à luz da condição de estrangeiro como viajante potencial.

Ao analisar a dispersão desta categoria profissional na primeira metade do século XX,

podemos relacionar a presença de estrangeiros e a construção das cidades. Assim, a condição

de estrangeiro trás consigo a condição da troca, bastante significativa no campo da

arquitetura. Estabelecendo-se temporariamente ou não, definindo novos sistemas de rotas,

conexões e relações entre origens e destinos bem mais complexos do que a relação de

exportação e importação entre matrizes e filiais.

Said fará uma aproximação deste temática no argumento trazido pelo seu texto em seu

texto Cultura e Imperialismo, quando afirma que:

“em parte devido ao imperialismo, todas as culturas estão

mutuamente imbricadas, nenhuma é pura e única, todas são híbridas,

heterogêneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer

monolitismo” (SAID:1996, 28)

Ao trabalharmos esta argumentação no campo arquitetônico e sem reduzir a presença

do arquiteto à figura do mestre precursor, a experiência enquanto estrangeiro, de como se

veem e de como são vistos, de como descrevem, recolhem, alteram ou rejeitam os “nativos”,

ou de como são acolhidos, contaminados ou rejeitados por eles é parte da construção da

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 10

prática do arquiteto. Este é o olhar que podemos lançar à análise do projeto de Chandigarh,

como explorado por Lira:

“A noção de modernidade importada, isto é, a dissociação

completa das análises da obra do arquiteto moderno com relação à paisagem

cultural indiana, terceiro mundista ou não ocidental era posta em causa.

Tratava-se de explorar o processo estético e as observações de Le Corbusier e

outros colaboradores europeus e indianos, assim como as coordenadas então

colocadas por Nehru, pelos administradores provinciais entre outras figuras e

agências envolvidas no projeto de Punjab Oriental. E para tal era preciso

observar o projeto menos à luz dos movimentos peculiares à obra do

arquiteto, mas como uma prática cultural, cujas operações internas

relacionavam-se e se remetiam a outras práticas culturais, entre as quais uma

perspectiva indiana, de resto incompreensíveis à luz dos binômios

eurocentristas tradicional/moderno, oriental/ocidental, entre outros” (LIRA,

2011: 365.)

Said irá reconhecer esta aproximação quando afirma:

“Uma das realizações do imperialismo foi aproximar o

mundo, e embora nesse processo a separação entre europeus e

nativos tenha sido insidiosa e fundamentalmente injusta, a maioria de

nós deveria considerar a experiência histórica do imperialismo como

algo partilhado em comum” (SAID:1996, 23)

Como conclusão, a presença do estrangeiro enquanto fator externo e não pertencente

ao grupo irá gerar no campo da cultura, e entendendo a arquitetura dentro deste campo, mais

do que relações hierárquicas de contaminações, reações e embate.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 11

6. Bibliografia

BOESIGER, W. & GIRSBERGER. Le Corbusier 1910-65. Barcelona: Gustavo Gili, 2005.

CALABI, Donatela. História do Urbanismo Europeu. São Paulo: Perspectiva, 2012.

CHOAY, F. O urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2003

CORBUSIER, Le. Viagem do Oriente. São Paulo: Cosac e Naif, 2007.

____________. A Carta de Atenas. São Paulo: Hucitec, 1993.

GAST, Klaus – Peter. Le Corbusier – Paris Chandigard. Alemanha: Corbusier Foundation,

2000.

LANNA, PEIXOTO, LIRA et all (orgs.). São Paulo, os estrangeiros e a construção das

cidades. São Paulo: Alameda Editorial, 2011.

MAGALHÃES, Ana & PEIXOTO, Inês. Moderno Tropical – arquitetura em angola e

Moçambique. Lisboa: Tinta da China, 2009.

SAID, E. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das letras, 1996.

___________. Orientalismo – o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia

das letras, 2003.

SANTOS, Cecília R. S. ; PEREIRA, Margareth; PEREIEA, Romão & SILVA, Vasco. Le

Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela: Projeto Editora, 1987.

SIMMEL, G. O estrangeiro. RBSE, 2005, vol.12.

SCHARWZ, H & RAY, S. (org). A companion to postcolonial studies .Inglaterra: Blackwell

Publishing, 2000.

XAVIER, Alberto. (org.) Depoimentos de uma geração. São Paulo: Cosac & Naif, 2003.

VALE, Lawrence J. Architecture, Power and National Identity. USA: Yale University, 1992.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 12

7. Anexo - Imagens

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 13

FIGURA 1 - Plano definitivo para a cidade de Chandigarh (1952) – primeira etapa

1. Câmara de Assembléia 2. Secretariado 3. Capitólio 4. Palácio da Justiça 5. Universidade 6. Estádio 7. Reserva para mercado 8. Estação de trem 9. Centro comercial principal 10. Town Hall 11. Escola Superior de Engenharia 12. Residência Ministros 13. Residência Juízes 14. Biblioteca Pública 15. Museu 16. Escola de Artes e Ofícios 17. Escola Superior para Homens 18. Clínica dental 19. Hospital 20. Hospital 21. Casa de Maternidade 22. Sarai 23. Teatro 24. Instituto politécnico 25. Oficina da Cruz Vermelha 26. Boys Scout

Fonte: BOESIGER, W. & GIRSBERGER. Le

Corbusier 1910-65. Barcelona: Gustavo Gili, 2005.

P.197

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 14

FIGURA 2 – Projeto Capitólio

1. Parlamento

2. Secretariado

3. Palácio do Governo

4. Alta Corte

5. Torre das sombras

6. Monumento para as vítimas da divisão do

estado

7. Monumento da mão aberta

Fonte: GAST, Klaus – Peter. Le Corbusier – Paris

Chandigard. Alemanha: Corbusier Foundation,

2000. P. 102

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 15

FIGURA 3 – Rascunho do Capitólio elaborado por Le Corbusier. Ao fundo o edifício não construído do governo.

Fonte: GAST, Klaus – Peter. Le Corbusier – Paris

Chandigard. Alemanha: Corbusier Foundation,

2000. P. 104