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MARGES DO RIO CAPIBARIBE NA (RE) PRODUÇÃO DO URBANO EM CIDADES PEQUENAS: VULNERABILIDADES E FORMAS DE OCUPAÇÃO E USOS João Paulo Gomes de Vasconcelos Aragão Instituto Federal da Paraíba Campus Esperança. Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE. Email: [email protected] Edvânia Torres Aguiar Gomes Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFPE Universidade Federal de Pernambuco. Email: [email protected] INTRODUÇÃO Partindo da concepção teórica e empírica de que as margens de rios são ambientes importantes às inúmeras dinâmicas socioambientais, desde aquelas relativas aos processos de ocupação e uso do solo urbano, às interações sistêmicas dos ambientes naturais componentes das bacias hidrográficas, nos quais, as margens de rios 1 são elementos chave, define-se estas áreas como espaços essenciais à vida nos continentes, haja vista estarem articulados ao ciclo biótico de várias espécies, bem como ao ciclo hidrológico. Além disso, ao longo da história, apresentam diferentes finalidades sociais, guardando marcas espaço temporais e técnicas, inclusive, das contradições sociais e ambientais das cidades. Lastimavelmente, é perante os quadros de calamidade resultantes de inundações que atingem as populações ribeirinhas que estas áreas ganham atenção das autoridades (GORSKI, 2010). Todavia, no dia a dia, são diversas as formas de ocupação e de uso existentes, especialmente, quando associadas às dinâmicas contraditórias de produção do espaço urbano capitalista e de seus agentes sociais. Em face deste inquietante cenário e de suas consequências socioambientais, o processo ininterrupto de ocupação das margens de rios em cidades, emana respostas eficientes para gestão dos ambientes das margens fluviais, da dinâmica social que ocorre nestas áreas e para a mitigação das vulnerabilidades existentes, sobretudo aquelas dos grupos sociais de baixa renda. 1 Apesar de não conceber as margens de rios exclusivamente como uma faixa de terra de certa largura ao longo de um curso d’água, superficial ou não, considerou-se na pesquisa as diretrizes do Código Florestal, Lei N 12.651 de 25 de maio de 2012, tendo em vista o processo de ocupação e uso destas áreas.

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MARGES DO RIO CAPIBARIBE NA (RE) PRODUÇÃO DO URBANO EM

CIDADES PEQUENAS: VULNERABILIDADES E FORMAS DE OCUPAÇÃO E

USOS

João Paulo Gomes de Vasconcelos Aragão Instituto Federal da Paraíba – Campus Esperança.

Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFPE.

Email: [email protected]

Edvânia Torres Aguiar Gomes Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFPE

Universidade Federal de Pernambuco. Email: [email protected]

INTRODUÇÃO

Partindo da concepção teórica e empírica de que as margens de rios são

ambientes importantes às inúmeras dinâmicas socioambientais, desde aquelas relativas

aos processos de ocupação e uso do solo urbano, às interações sistêmicas dos ambientes

naturais componentes das bacias hidrográficas, nos quais, as margens de rios1 são

elementos chave, define-se estas áreas como espaços essenciais à vida nos continentes,

haja vista estarem articulados ao ciclo biótico de várias espécies, bem como ao ciclo

hidrológico. Além disso, ao longo da história, apresentam diferentes finalidades sociais,

guardando marcas espaço temporais e técnicas, inclusive, das contradições sociais e

ambientais das cidades.

Lastimavelmente, é perante os quadros de calamidade resultantes de inundações

que atingem as populações ribeirinhas que estas áreas ganham atenção das autoridades

(GORSKI, 2010). Todavia, no dia a dia, são diversas as formas de ocupação e de uso

existentes, especialmente, quando associadas às dinâmicas contraditórias de produção

do espaço urbano capitalista e de seus agentes sociais. Em face deste inquietante cenário

e de suas consequências socioambientais, o processo ininterrupto de ocupação das

margens de rios em cidades, emana respostas eficientes para gestão dos ambientes das

margens fluviais, da dinâmica social que ocorre nestas áreas e para a mitigação das

vulnerabilidades existentes, sobretudo aquelas dos grupos sociais de baixa renda.

1 Apesar de não conceber as margens de rios exclusivamente como uma faixa de terra de certa largura ao longo de um curso d’água,

superficial ou não, considerou-se na pesquisa as diretrizes do Código Florestal, Lei N 12.651 de 25 de maio de 2012, tendo em vista o processo de ocupação e uso destas áreas.

Sobre a vulnerabilidade trabalha-se com a perspectiva crítica de que os sistemas

naturais (como as margens de rios) são compreendidos a partir de sua originalidade2,

sendo considerados, na evolução do tempo histórico, mediante as deliberações do

Homem sobre estas áreas e as repercussões destas ações, tanto sobre o meio natural

(desoriginalizado), como sobre os arranjos socioambientais remoldurados

dialeticamente sobre o que se transforma em suporte ecológico, nos termos concebidos

por Santos (2012).

Neste processo, a especificidade das cidades pequenas, entendidas à luz das

contribuições de Santos (1982), Corrêa (1999) e Silva e Spósito (2012), está no dilema

entre crescimento econômico e sustentabilidade socioambiental presente em suas

paisagens. A proximidade espacial entre os centros de ocupação histórica e/ou de

dinamismo atual da economia local com as margens de rios instala um quadro confuso e

incerto quanto ao destino destes espaços na dinâmica socioambiental das cidades

pequenas. Na prática, nas cidades pequenas, semelhantemente concebidas segundo a

lógica do espaço mercadoria, combinam-se o quadro de degradação de suas águas

fluviais, os riscos de escassez consoante aos de enchentes, bem como a exiguidade de

seus espaços com a acumulação de áreas condensadas entre as margens fluviais e o

centro dinâmico de economia local.

As margens do rio Capibaribe, localizado no estado de Pernambuco – Brasil,

podem ser caracterizadas atualmente pelo seu alto grau de artificialização, seja nas áreas

rurais onde predominam as atividades do setor primário, seja nas manchas urbanas, nas

quais se destacam as atividades da indústria, comércio e prestação de serviços, além dos

grandes contingentes demográficos. Cidades pequenas estão dispostas parcialmente ao

longo do percurso do rio principal e na área de drenagem desta bacia, grosso modo de

oeste – Agreste de Pernambuco – para leste – fachada atlântica do Nordeste brasileiro.

Estas cidades contêm marcas de diferentes formas urbanas e rurais de ocupação e uso

dos solos. Juntamente aos resquícios de vegetação nativa em meio às áreas

2 Com isso, a vulnerabilidade de um ambiente é concebida como uma construção social (PNUD, 2014; BRASIL, 2007;

MENDONÇA, 2004) cuja origem está vinculada à apropriação dos sistemas naturais pelos grupos sociais, às formas de ocupação e uso do solo e as condições de ação empreendidas no contraditório e conflituoso âmbito das classes sociais.

desnaturalizadas, é possível enxergar a complexidade e a diversidade das relações

universais entre grupos sociais e natureza, materializadas ao longo da história.

OBJETIVOS

Postulou-se como objetivo central desta unidade investigar a influência das

formas de ocupação e uso do solo nas áreas de margens do rio Capibaribe em cidades

pequenas, visando a mitigação de riscos e vulnerabilidades. Como objetivos

específicos, almejou-se: a. identificar os usos relevantes existentes às margens do rio

Capibaribe em três cidades localizadas nas regiões hidrogeomorfológicas do alto, médio

e baixo curso; b. levantar as medidas e dispositivos institucionais de regulação e

proteção do rio e suas margens nos distintos níveis de governo; c. analisar as dinâmicas

de expansão e/ou restrição no uso e ocupação das margens do Capibaribe segundo o

ciclo histórico das enchentes nas cidades estudadas; d. colaborar com insumos que

permitam as bases para a implementação de propostas de mitigação de riscos e

vulnerabilidades em áreas margens de rios em cidades.

METODOLOGIA

Para este trabalho adotou-se o método hipotético dedutivo3, dirigido por uma

linha de raciocínio crítica e sistêmica, aderindo à ideia de que na natureza, bem como na

sociedade, o todo formado é fruto da indissociabilidade de suas partes constituintes.

Salienta-se a relevância da compreensão histórica do transcurso destas relações,

atribuindo às mesmas conteúdo material inerente às ações e tramas dos grupos sociais e

suas necessidades refletidas na organização do espaço. Desta forma, compreende-se que

qualquer alteração na natureza das margens ou sobre as sociedades que delas resulta,

impreterivelmente, na reorganização lógica dos elementos constituintes do espaço,

assim como na reorganização das trocas de matéria e energia existentes no sistema, quer

seja natural, social ou resultante da junção destes. Nesta perspectiva a visão da realidade

neste trabalho é influenciada diretamente pela concepção sistêmica estrutural adotada

3 Ainda sobre a pesquisa que este trabalho ilustra, a mesma tem natureza qualitativa e suas fontes de informação para abordagem do

objeto são, especialmente, a bibliográfica, documental e de campo. Trata-se, quanto aos objetivo, de uma pesquisa explicativa, uma vez que, além de registrar e analisar processos busca identificar suas causas e consequências (SEVERINO, 2007).

por teóricos como Bertrand (1968) e Monteiro (2001) e sobre espaço, oriundas do

pensamento de Santos (1982 e 2012).

A bacia hidrográfica do rio Capibaribe4 está totalmente no estado de

Pernambuco, em sua porção nordeste, integrando o semiárido, a zona da mata e o litoral.

Este dado ratifica a complexidade da natureza existente nesta região, seja por seus

traços climatológicos, biogeográficos, geomorfológicos e pedológicos, seja pelas formas

de ocupação humanas estabelecidas. Sete cidades são cortadas pelo rio principal, em

sequência, da nascente à foz: Sta. Cruz do Capibaribe, Toritama, Salgadinho, Limoeiro,

Paudalho, São Lourenço da Mata e Recife (SRHE, 2010).

O estudo considera o caso das cidades de Santa Cruz do Capibaribe (alto

Capibaribe), Limoeiro (Médio Capibaribe) e São Lourenço da Mata (baixo Capibaribe).

As três cidades encontram-se em territórios municipais5 situados parcialmente na região

da bacia hidrográfica do rio Capibaribe (Figura 01). Todos os três municípios têm sua

sede urbana, cidade, às margens do rio principal da bacia e espelham em sua paisagem

urbana os problemas e carências encontrados em todas as aglomerações urbanas da

bacia hidrográfica, seja em termos de infra estrutura, seja em termos de perspectivas

econômicas e sociais.

Figura 01. Localização dos municípios de Santa Cruz do Capibaribe, Limoeiro e São Lourenço da

Mata - Estado de Pernambuco na bacia hidrográfica do rio Capibaribe6.

4 Possui uma área de 7.454,88km², correspondendo a 7,58% do território de Pernambuco e apresenta vazão média anual de

20,05m³/s (SRHE, 2010). Situa-se entre 07º 41’ 20” e 08º 19’ 30” Sul e 34º 51’ 00” e 36º 41’ 58” WGr. Limita-se ao norte com a bacia do rio Goiana e Paraíba, ao sul com a bacia do rio Ipojuca, a leste com o Oceano Atlântico e, a oeste, com a bacia do rio

Ipojuca (APAC, 2012). Desde sua nascente, interposta entre os municípios de Poção e Jataúba, à sua desembocadura no oceano

Atlântico, através da cidade do Recife, o Capibaribe percorre por 42 municípios, dos quais 15 estão totalmente inseridos na bacia e 27 possuem sua sede na bacia.

5 Santa Cruz do Capibaribe e São Lourenço da Mata têm seus territórios municipais quase que totalmente inseridos na bacia do

Capibaribe com, respectivamente 99,74% e 79,55%. Já Limoeiro tem a porção centro sul de seu território em áreas banhadas pelos afluentes e pelo rio Capibaribe, equivalente a 51,42% (SRHE/PE, 2010).

6 Trabalha-se o recorte da bacia hidrográfica onde, no nível intermediário, à jusante da nascente e à montante da foz, localizam-se

municípios, em especial, suas cidades com distintas características. Desde aquelas relativas ao quadro de urbanização tardia, com predominância de uso agrário e posteriormente usos urbano industriais, bem como processos de natureza, ilustrados pelas cheias

históricas, com relação à concentração pluviométrica em curtos períodos, que nas cidades pequenas tendem a gerar perturbações

ao sistema de relações sociais instalado sobre as margens de rios, afetando, sobretudo, as populações mais vulneráveis socioambientalmente.

Fonte: Elaborado no Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento/UFPE, 2014.

A opção por três cidades se deu em virtude da complexidade natural e social

existente na bacia hidrográfica do Capibaribe e, principalmente, por concebermos que a

alteração dos sistemas socioambientais em qualquer margem fluvial destas cidades

afetar as áreas dispostas à montante e à jusante dela mesma. A apreensão desta

complexa realidade deu-se a partir da utilização do espaço e suas categorias analíticas,

conforme sugere Santos (2012), forma, função, estrutura e processo. Com isto, espera-

se chegar a um entendimento material sobre a vulnerabilidade das formas de ocupação e

uso urbano dos solos de margens de rios em cidades pequenas, tendo em mente que

através do espaço e de sua dinâmica torna-se possível identificá-la e caracterizá-la.

Como instrumentos metodológicos7 foram utilizados: a) revisão bibliográfica

sobre vulnerabilidade, margens de rios, rios, produção do espaço, relação Sociedade –

Natureza e (re) produção do espaço urbano; b) revisão das obras de autores locais,

documentos institucionais municipais, edições pretéritas de jornais, fotografias antigas,

diálogo com habitantes das áreas ribeirinhas, levantamento de documentos e

informações secundárias junto aos órgãos da administração pública local, além de

observação de campo; c) aplicação de questionários semi estruturados junto à população

7 Dada a extensão da pesquisa em tela, uma vez que constitui uma tese em andamento, apresenta-se nesta unidade apenas uma

listagem dos aspectos técnicos e teóricos metodológicos que foram utilizados no trabalho, além do panorama analítico, porém, superficial, do objeto estudado.

residente nas áreas às margens do rio Capibaribe nas cidades investigadas; d)

organização de acervo fotográfico obtido com atividade de campo, consulta a acervos

pessoais e pesquisa em sites e blogs de agentes sociais locais; e) produção de mapas,

imagens de satélite (obtidas através do aplicativo Google Earth), iconografias e tabelas

analíticas.

RESULTADOS PRELIMINARES

Cada sub-região da bacia do Capibaribe apresenta uma combinação diferenciada

de arranjos naturais e sociais. As interconexões entre elas efetivam-se na escala regional

a medida que sistemas técnicos como transportes, comunicação e energia são

constituídos com vistas a alimentar os arranjos de produção locais historicamente. Este

processo contribui ao longo do tempo para o crescimento das cidades que, sem a devida

mediação do Estado no processo de ocupação e uso dos solos, corrobora nas dinâmicas

de apropriação indevida e degradação das áreas de margens do Capibaribe.

Reportagens, documentos oficiais, fotografias, registros jornalísticos históricos

disponíveis nas bibliotecas municipais, acervos pessoais de munícipes, sites oficiais e

blogues da internet, retratam cenas de desespero, prejuízo e danos causados em períodos

de enchentes do rio Capibaribe que foram amplificadas em forma de inundação, como

em Santa Cruz do Capibaribe, Limoeiro e São Lourenço da Mata, registrados por

moradores e transeuntes em 1975. Nos séculos XIX e XX em Pernambuco foram

registradas inundações, inclusive, rio Capibaribe, concebidas como catastróficas em

1842, 1854, 1869, 1897, 1924, 1965, 1966, 1970 e 1975, segundo PDRH (2002). Datam

de meados do século XX as reuniões realizadas pela Superintendência de

Desenvolvimento Regional do Nordeste (SUDENE), nas quais técnicos e estudiosos

apontam para a necessidade de construção de barragens, medida estrutural, dirigida para

o controle de inundações a partir de rios em cidades.

Apesar das obras infra estruturais de contenção de enchentes, desde 1975, com a

construção de barragens, verifica-se nas cidades investigadas que episódios de

inundação associados à períodos de escassez hídrica, além de problemas associados à

poluição hídrica, têm continuado devido ao processo ininterrupto de construção de

unidades comerciais e residenciais em áreas de margens de rios do rio Capibaribe,

especialmente por classes sociais de elevada vulnerabilidade (Figura 02).

Figura 02. Localização, em relação às margens do rio Capibaribe, de formas de ocupação

inadequadas de uso residencial nas cidades de Santa Cruz do Capibaribe (a),

Limoeiro (b e c) e São Lourenço da Mata (d).

Fotos: João Paulo Aragão, 2011 (c) e 2015 (a, b e d).

O tratamento dado a estas questões no estado de Pernambuco e no Brasil, apesar

de evoluído na esfera legal com a criação de instrumentos legais, ainda é deficiente na

esfera municipal por apresentar lacunas no que tange à legislação pertinente e pela

precária infra estrutura e investimentos no setor. Registra-se também que, nas políticas

estaduais e federais, não há distinção ou preocupação sobre as particularidades de cada

cidade perante os processos de ocupação do solo, conflitos existentes e dos arranjos

naturais que variam segundo a localização da cidade na bacia hidrográfica.

Todavia, registra-se no intervalo dos últimos 35 anos a centralidade do Estado

no processo de estruturação do território8 com vistas ao crescimento econômico.

8 A expansão de sistemas técnicos ocorre de forma sistemática, solidária e contraditória, atendendo às funcionalidades que cada

região, município ou cidade requer. Conjuntamente ao aumento do número de ligações de energia, por exemplo, observa-se uma

maior demanda por água, seja para a geração de energia elétrica, seja para o abastecimento de casas e unidades industriais e

comerciais. Em 1985 o número de consumidores de energia elétrica nos três municípios era de 25.940. Em 2015, este quantitativo ultrapassava os 100.00, um amento de quase 300% (CELPE, 2016). Entre 1984 e 2015, constatou-se igualmente um aumento no

Consorciadamente vê-se uma reorganização das taxas de distribuição populacional entre

campo e cidades, evidenciadas na expansão sem controle de residências, inclusive, as

localizadas em zonas de risco urbanas, como margens de rios. Nas cidades estudadas,

entre 2000 e 2010, o número de domicílios ocupados aumentou de 47.082 para 67.240

(IBGE, 2016). Tendo em vista as particularidades das margens do rio Capibaribe no

processo de ocupação e uso do solo urbano em cada uma das cidades investigadas,

levantou-se um quadro dos impactos resultantes (Quadro 01).

Quadro 01. Formas de uso dos solos9 nas áreas de margens do rio Capibaribe nas cidades de Santa Cruz do Capibaribe, Limoeiro e

São Lourenço e impactos correlatos atualmente.

Cidades Santa Cruz do

Capibaribe

Limoeiro São Lourenço da

Mata Usos do solo Impactos

Residencial

Supressão de cobertura vegetal

X

X

X

X

X

X

Impermeabilização do solo X X X

Lançamento de efluentes domésticos no rio X X X

Despejo indevido de resíduos sólidos X X X

Indústria

Supressão de cobertura vegetal

X

X

X

X

X

X

Impermeabilização do solo X X X

Lançamento de efluentes industriais no rio X X X

Comércio formal

Supressão da cobertura vegetal

X

X

X

X

X

X

Impermeabilização do solo X X X

Lançamento de efluentes X X X

Produção de resíduos sólidos para escoamento

difuso X X X

Comércio informal

Supressão da cobertura vegetal

X

X

X

Impermeabilização do solo X X X

Produção de resíduos sólidos para escoamento

difuso X X X

Serviços (educação,

saúde, escritórios de

seguros, oficinas,

contabilidade, etc.)

Supressão da cobertura vegetal

X

X

X

X

X

X

Impermeabilização do solo X X X

Lançamento de efluentes X X X

Produção de resíduos sólidos para escoamento

difuso X X X

Lazer e esportes

Supressão da cobertura vegetal

X

X

X

X

Impermeabilização do solo X X

Lançamento de efluentes X X

Pecuária

Supressão da cobertura vegetal

X

X

X

X

Exposição do solo a processos erosivos

acelerados X X

Extrativismo

Supressão da cobertura vegetal

X

X

Exposição do solo a processos erosivos

acelerados X

Poluição do rio e de lençóis subterrâneos X

Agrícola

Supressão da cobertura vegetal

X

X

X

X

X

X

Exposição do solo a processos erosivos

acelerados X X X

Lançamento de efluentes X X X

Fonte: Elaborado pelo autor, 2016.

número de ligações e economias abastecidas pela rede de água. De 26.300 ligações em 1984, passa-se a um número de 55.247 em 2015, equivalendo a mais de 100% de crescimento (COMPESA, 2009).

9 Estas formas de uso do solo estão associadas ao processo de produção do espaço regional, bem como devido às transformações na

infra estrutura intraurbana de cada cidade nos últimos 50 anos que repercute diretamente no crescimento de setores econômicos como a indústria têxtil em Santa Cruz do Capibaribe, comércio e serviços em Limoeiro e São Lourenço da Mata.

Na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, a partir da década de 1980, têm-se

grandes transformações econômicas, uma vez que “o fenômeno de expansão da

atividade urbana de confecção na cidade [...] ocorreu em decorrência da necessidade de

geração de emprego e renda para a população da cidade após a queda da lavoura do

algodão na região” (MORA, SARABIA e XAVIER, 2006, p. 7). O encaminhamento

neoliberal da economia de mercado pautada na seletividade espacial das empresas torna

os empreendimentos comerciais e de serviços dotados de uma fluidez que gera grande

rotatividade de mão de obra entre as cidades dependentes do comércio, como é possível

inferir, a partir de 1970, em Limoeiro (Vilaça, 1973). No baixo Capibaribe, aglutinando

em suas margens o maior contingente populacional entre as três cidades investigadas10,

a cidade de São Lourenço da Mata tem-se constituído hoje como cidade dormitório,

cedendo força de trabalho não apenas para Recife, como também para as novas áreas de

dinamismo econômico situadas nos litorais, norte e sul de Pernambuco, Goiana (polo

farmacoquímico, vidreiro e automobilístico) e Ipojuca (porto indústria de Suape).

A análise sobre as cidades de Santa Cruz do Capibaribe, Limoeiro e São

Lourenço da Mata, permitiu identificar três grupos de fatores de vulnerabilidade

socioambiental, quais sejam, sociais, naturais e ambientais (Figura 03).

Figura 03. Fatores e níveis de vulnerabilidade socioambiental em áreas de margens de rios em cidades pequenas.

10 Segundo o IBGE (2016), a população de Santa Cruz do Capibaribe corresponde a 99.232 sendo 97,73% urbana, Limoeiro 56.536,

sendo 80% urbana e São Lourenço da Mata 110.264 habitantes, sendo 94,05% urbana.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2015.

Mesmo concebendo a relativa semelhança entre os riscos correspondentes ao

quadro observado, como: inundações em áreas densamente ocupadas, doenças ligadas à

água contaminada, proliferação de vetores, desvalorização das áreas de margens

fluviais, Prejuízos socioeconômicos às atividades formais e informais, desabamentos de

edificações, déficit de abastecimento associado à inundação de áreas densamente

povoadas, deterioração do patrimônio cultural material (prédios históricos), diminuição

dos trechos com mata ciliar e desequilíbrios na biodiversidade, acredita-se que a

organização peculiar sub regional entre fatores naturais, ambientais e sociais, torna

necessária a revisão das políticas e instrumentos de gestão urbana, ambiental e dos

recursos hídricos existentes, em cada cidade, haja vista as particularidades de cada

realidade local.

O planejamento, a ocupação e o uso das margens de rios em cidades pequenas

devem considerar as peculiaridades de cada núcleo urbano e, principalmente, as

interações resultantes da ocupação à jusante e à montante de cada cidade. Esta tarefa é

mais necessária quando, nas cidades distribuídas ao longo do rio, existem populações

em situação de vulnerabilidade, implicando a urgência de estudos que fomentem as

ações citadas anteriormente. Em cada uma das cidades investigadas foi possível detectar

ocupações de alta vulnerabilidade, como a ocupação da Compesa em Santa Cruz do

Capibaribe, a Rua da Barriguda em Limoeiro, e trechos do bairro de Nova Tiúma em

São Lourenço da Mata. As diretrizes de conservação dos recursos naturais e de

desenvolvimento socioeconômico conduzidas em esferas de gestão acima dos locais,

não têm sido eficientes para os problemas abordados aqui. Para mitigá-los devem-se

materializar ações que atentem às variações locais de natureza das margens fluviais e

dos dilemas sociais de ocupação e uso, bem como revisar as políticas existentes,

visando a integração e o diálogo entre as esferas administrativas. Todavia, impõe-se

como barreira evidente o tardeamento cíclico e conflituoso da política ambiental perante

os anseios da agenda econômica do Estado em prol do grande capital.

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