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FORMAÇÃO DE LEITORES: A LEITURA DE “BRASIGUAIOS” NA REGIÃO DE TRÍPLICE FRONTEIRA
Marcos Douglas PEREIRA [1]
Dra. Alice Áurea Penteado MARTHA [2]
Este artigo apresenta resultados de estudo sobre a formação de leitores, desenvolvido entre alunos e alunas dos anos iniciais da Educação Fundamental, na região denominada Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai) na cidade de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná. Pretende refletir sobre dados relativos às experiências de leitura de alunos/as provenientes do Paraguai, os chamados “brasiguaios”, a partir do questionamento: “Como se dá o processo de iniciação à leitura escolar e familiar de alunos/as que frequentam as escolas na região da Tríplice Fronteira?” Neste artigo busca-se discutir a relação entre a leitura escolar/familiar e o desenvolvimento do gosto desses alunos pela leitura em língua portuguesa, especialmente os focos de leitura que se entrecruzam no cotidiano escolar, tais como: gêneros literários preferidos; desempenho dos/as alunos/as quanto às leituras; e cultura familiar de leitura. Após breve relato sobre a perspectiva de leitura da escola pesquisada, discorre-se sobre a atuação dos professores em relação ao trabalho com a leitura em sala de aula; em seguida, analisa-se o repertório de leituras das crianças oriundas do Paraguai e, por fim, estabelece-se uma comparação com a leitura literária familiar e os incentivos à leitura literária viabilizados pela escola e pelas famílias de alunos/as de forma a tornar significativa a atividade de leitura literária para todos os alunos, independentemente de sua classe social, deficiência e nacionalidade.
Palavras-Chave: LEITURA. LEITORES BRASIGUAIOS, RECEPÇÃO LITERÁRIA.
[1] Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
[2] Professora Doutora do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Orientador.
1. O aspecto geográfico da tríplice fronteira: os “brasiguaios”
Ao tentar definir o termo “brasiguaio” que interessa a este artigo Sprandel (2006),
explica que os brasiguaios são um grupo social formado por centenas de milhares de
camponeses brasileiros (as estimativas mais razoáveis variam de trezentas a quinhentas
mil pessoas), que se transferiram para a fronteira leste do Paraguai na década de 1970,
expulsos pela monocultura da soja e pela construção de Itaipu.
De acordo com Santos e Cavalcanti (2008), num estudo sobre lingüística intitulado:
Identidades híbridas, língua(gens) provisórias-alunos "brasiguaios" a discussão proposta
é sobre a condição do aluno brasiguaio. As identidades hibridas são características da
atualidade que se expressam na velocidade das mudanças, existe uma diluição das
fronteiras, tornando o mundo cada vez mais conectado e integrado. Entretanto, esses
mesmos meios que integram, o fazem de forma parcial, contribuindo assim para a
separação, a marginalização e a exclusão. Isso vem causando impactos sem precedentes
sobre a humanidade, que não encontra correspondência com a força unificadora, nem
ancoragem em mitos como um povo, uma etnia, uma nação, uma língua, uma cultura.
Como afirma Hall (2003, p. 62) "as nações modernas são culturais". É nesse amplo
cenário que se insere a questão da identidade do aluno “brasiguaio”. Essa visão
reducionista da identidade "brasiguaia" como um grupo uno e homogêneo tem
favorecido, segundo as pesquisadoras a construção de um estereótipo negativo, com
implicações principalmente para alunos "brasiguaios", no cenário escolar
sociolingüisticamente complexo de fronteira.
A primeira língua falada por esses alunos brasiguaios geralmente é de pouco
prestígio e pode ser variada de acordo com a descendência de seus progenitores. Ainda
com a influência da língua Guarani, falada nas regiões do Paraguai onde esses alunos
vivem, contam com a influência da Língua espanhola que aprendem obrigatoriamente
nas escolas daquele país.
Quando retornam ao Brasil tais alunos aparentemente não apresentam
dificuldades e não lhes é dada a devida atenção e o adequado acompanhamento, uma
vez que os professores geralmente acreditam que por se tratar da língua espanhola uma
língua “irmã” da Língua Portuguesa em sua variante padrão, tais professores não
percebem as diferenças que aos poucos atrapalham o aprendizado dos alunos
brasiguaios.
Em um primeiro momento, os professores percebem as diferenças na escrita da
variante padrão devido à influência do Espanhol na variante padrão da Língua
Portuguesa, e então surge o rótulo de aluno “brasiguaio” que gera a expectativa de que
tal aluno seja “fraco” e que não acompanhará o conteúdo com a mesma intensidade e
desempenho do aluno considerado “normal”. Neste momento o professor pode começar
a desenvolver nesse aluno a baixa-estima quando este percebe que seu professor age
com ele de maneira diferente e até o exclui de determinadas atividades.
Durante a pesquisa realizada através dos questionários com os professores foi
constatado que a maior preocupação dos docentes era com relação à linguagem híbrida,
o que se deve a uma política lingüística voltada para o monolinguismo onde os desvios
da norma gramatical são vistos como erros. Os “erros” são mais um fator de baixa-
estima para os alunos brasiguaios que não percebem como erros suas formas de
comunicação.
Apesar da importância da Língua espanhola para o Mercosul, inclusive com as
políticas nacionais que incluíram a Língua espanhola como obrigatória em todas as
escolas do país, as escolas parecem não encontram-se preparadas para enfrentar essa
empreitada de valorização social desses alunos favorecendo o aprendizado dos outros
alunos com a experiência dos brasiguaios com a Língua espanhola e ainda propiciando a
esses alunos “diferenciados” a inserção no uso da Língua Portuguesa como língua
padrão e em sua formação como proficientes leitores e escritores.
Não existe no caso dos brasiguaios uma política que contemple tais alunos
levando-os a poder usufruir do mesmo nível de leituras e proficiência na Língua
Portuguesa, dando a eles uma ferramenta para atuarem e se inter-relacionarem com os
alunos brasileiros nativos. Por essa razão específica faz-se necessária a pesquisa e a
apresentação de possíveis soluções e/ou políticas que abranjam a esses alunos.
2. Perspectivas de leitura dos colégios pesquisados
A perspectiva de leitura das escolas pesquisadas, os colégios estaduais Tancredo de
Almeida Neves e Jorge Schimmelpfeng no município de Foz do Iguaçu seguem o que
sugerem as chamadas DCE´s da disciplina de Língua Portuguesa e que tratam a tratam a
leitura "como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais históricas,
políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento" (DCE
Língua Portuguesa,2008:18). Dessa forma, o professor favoreceria o contato do aluno
com a leitura de modo a levá-lo a refletir sobre tais aspectos pensando o momento
histórico em que os textos foram produzidos, quais seus objetivos e meios de circulação,
interagindo como co-produtor do texto. Apesar disso, não há um projeto definido nas
escolas que trate da leitura como tal agente que promova a igualdade social entre os
alunos, especialmente no que tange ao caso dos brasiguaios que possuem dificuldades
peculiares no quesito leitura.
Ao verificar o que diz a DCE de Língua Portuguesa (DCE Língua Portuguesa,
2008), observa-se que o leitor (aluno) possui papel ativo no processo da leitura, e para
se efetivar como co-produtor, procura pistas formais, formula e reformula hipóteses,
aceita e rejeita conclusões, usa estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico,
nas suas experiências e na sua vivência sócio-cultural. Nesse prisma pode-se verificar,
principalmente nas entrevistas com os professores, que nenhuma atividade diferenciada
– que leve em conta as especificidades do aluno brasiguaio – ou nenhum aspecto
relevante que privilegie os conhecimentos diferenciados dos brasiguaios são levados em
conta pelos professores que com eles atuam. Tal panorama entra em conflito com o que
prezam as DCE´s e a falta de um projeto que insira tais alunos de forma eficiente e
produtiva faz com que, nos primeiros contatos desses alunos multilíngues com sua nova
realidade, não iniciem-se como leitores literários em Língua Portuguesa no mesmo
ritmo que seus colegas brasileiros natos e estabelecidos.
Tal falta de projetos de leitura a serem desenvolvidos dentro e fora das salas de
aulas vem de encontro com o que já foi observado por Rojo:
Se perguntarmos a nossos a lunos o que é ler na escola ,
e les possivelmente responderão que é ler em voz al ta , sozinho
ou em jogral (para aval iação de f luência entendida como
compreensão) e , em seguida, responder um quest ionário onde
se deve local izar e copiar informações do texto (para
aval iação de compreensão) . Ou seja , somente poucas e as mais
básicas das capacidades le i toras tem sido ensinadas, aval iadas
e cobradas pela escola . Todas as outras são quase ignoradas.
(ROJO, 2009, p . 79)
Tal dificuldade, como a observada acima, não é característica única
das escolas descritas neste artigo, como pode-se observar em Rojo, mas
uma realidade que demonstra a ineficiência no que tange à inserção da
leitura literária em sala de aula e ao letramento literário. Sendo assim
no dia-a-dia das escolas brasileiras no trato com os alunos com suas
dificuldades peculiares, assim também o é no caso dos alunos
brasiguaios que acabam por ter uma dificuldade ainda maior por
estarem inseridos em uma sociedade que fecha os olhos para suas
dificuldades ao não promover o processo de igualdade que eles tanto
necessitam em seu desenvolvimento leitor, sem considerar ainda sua
alfabetização que pode ter sido prejudicada pela falta de projetos de
inserção desses alunos.
3. O repertório de leitura dos alunos “brasiguaios”.
O aspecto da leitura dos brasiguaios passa ainda pelo seu repertório
de leituras que é com certeza reflexo de sua alfabetização e de suas letras
iniciais. Pode-se observar em Soares:
À medida que o analfabet ismo vai sendo superado, que um
número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever ,
e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se
tornando cada vez mais centrada na escr i ta (cada vez mais
grafocêntr ica) , um novo fenômeno se evidencia: não basta
aprender a ler e a escrever . As pessoas se a l fabet izam,
aprendem a ler e a escrever , mas não necessar iamente
incorporam a prát ica de le i tura e da escr i ta , não
necessar iamente adquirem competência para usar a le i tura e a
escr i ta , para envolver-se com as prát icas sociais da escr i ta . . .
(SOARES, 1998: 45-46)
Tais práticas de leitura e escrita, especialmente a leitura são
iniciadas em Língua espanhola, como se pode observar nos questionários
aplicados. As leituras são geralmente as mesmas dos alunos brasileiros:
fábulas, contos, quadrinhos, anedotas, destacando-se a leitura de fábulas
– especialmente as moralizantes introduzidas através de pais e
professores - entre outros, porém em sua volta e/ou vinda ao Brasil e ao
ensino brasileiro tais alunos acabam por abandonar leituras semelhantes
ao não compreender o que leem e por serem muitas vezes ridicularizados
pelos colegas ao não compreenderem os “falsos amigos” da Língua
Espanhola para a Língua Portuguesa (que são as palavras de igual grafia,
mas com significados distintos). Tal preconceito lingüístico acaba por
definhar a habilidade de leitura de alunos que podem e devem ser bons
leitores, mas que não o fazem por não ter a garantia de uma transição
adequada à Língua Portuguesa, que se faça privilegiando seus
conhecimentos em língua estrangeira e adaptando de forma a tornar esse
processo mais sutil e tranquilo. Mais uma vez aqui fica clara a falta de
um projeto de leitura que abranja o fator social e torne a leitura o que ela
realmente é: um momento prazeroso como podemos perceber nas palavras
de Cândido:
A arte, e, portanto a literatura, é uma transposição do real para o
ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem , que propõe um
tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se
combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um
elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e
implicando em uma atitude de gratuidade.. ( CANDIDO, 1972:53).
4. A leitura inclusiva e a formação do leitor.
Os alunos brasiguaios gostam de ler e o fazem de maneira precária
como se pode perceber nos questionários que relataram a preferência
desses alunos por assistir televisão ou brincar – quando estudantes no
Brasil – mas que preferiam à televisão os livros – quando estudantes no
Paraguai. Tal discrepância evidente no simples relato de leituras dos
alunos brasiguaios aponta a falta de um projeto adequado de leitura
literária nas escolas. Projeto esse que insira tais alunos socialmente
perante seus colegas auxiliando-os naquilo que eles têm de maior
dificuldade e aproveitando as lições que esses alunos de vivências tão
diferenciadas possuem e que poderiam ser compartilhadas com o restante
de seus colegas tornando o ensino realmente um fator de inclusão social
e não um elemento a mais de segregação de sujeitos por suas etnias e
fronteiras geográficas.
Quanto aos pais, verifica-se nos questionários que o incentivo à
leitura – mesmo em casos de baixa escolaridade – é constante, mas com a
cultura familiar voltada à atividade de expectação televisiva fica
prejudicada como elemento de incentivo, demonstrando a necessidade de
um projeto maior que envolva os pais nessa empreitada pela leitura.
No que se refere ainda ao professores ficou evidente a
desmotivação pessoal na realização de tais projetos pelo fato de os
educadores sentirem-se sozinhos nessa empreitada difícil e penosa, mas
que pode ter frutos empolgantes e realizadores.
Não se deve esquecer que o cidadão pleno se faz através da leitura
e tal atividade não deve ser encarada pelas instituições da sociedade
como uma atividade a mais para completar um currículo, mas sim como,
talvez, a atividade mais importante na formação de um cidadão pleno
como se pode frisar através das palavras de Lajolo:
“O cidadão, para exercer plenamente sua cidadania , precisa
apossar-se da l inguagem l i terár ia , a l fabet izar-se nela , tornar-
se seu usuário competente , mesmo que nunca vá escrever um
l ivro: mas porque precisa ler muitos .” (LAJOLO, 1994, p .
106)
O aluno brasiguaio também necessita ser observado com os mesmos
olhos inclusores para exercer plenamente sua cidadania, apossando-se da
linguagem literária e perfazendo esse caminho maravilhoso da leitura
literária não como um atrasado no processo de formação como leitor, mas
como um sujeito que vem para acrescentar com suas vivências e se
desenvolver plenamente e o fará lendo muitos livros.
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