marconi. paolo. a censura politica na imprensa brasileira

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MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira (1968-1978). 2. ed. São Paulo: Global, 1980. Livro de 1980, período final da distinção política mas ainda no regime militar. Testemunhos – viveu esofreu na ditadura, livro escrito no processo de abertura política. Utiliza documentos, testemunhos, entrevistas, notas da imprensa. “Livros como esse de Paolo Marconi não nos deixarão esquecer” (MARCONI, 1980, p. 08) prefácio de Antonio Callado “Mas a ditadura de agora está recebendo uam ocbertura profissional. O livro de Paolo Marconi é parte de um verdadeiro banco de memória do país. E tem um caráter espaçoso, monumental. Aqui não se xinga a censura – ela fica documentada.” (MARCONI, 1980, p. 08) prefácio de Antonio Callado “São muitos os que, como Paolo Marconi, escrevem agora uma espécie de diário comum, que aos poucos, livro por livro, vai ocupando toda a área da repressão. E da nossa amnésia” (MARCONI, 1980, p. 09) prefácio de Antonio Callado “Mesmo num país desmemoriado como o Brasil, cada palavra sempre teve seu peso e significado específico. Os providenciais e abundantes eufemismos , largamente utilizados para abrandar e escamotear a crua e negra realidade destes últimos anos, são apenas um dos aspectos – dos menores por sinal – de como se enganou, se manipulou e se desprezou toda uma Nação.” (MARCONI, 1980, p. 11) “Ironicamente, foi um general, o presidente Geisel, que depois de usar larga e folgadamente a censura policial mostrou indiretamente a quem quis ver, que o pior censor não era o da polícia, mas o próprio órgão de comunicação. Bastou suspender a censura oficial – e os donos dos jornais, das revistas, das rádios e televisões encarregaram-se do resto. Quem foi, por exemplo, que denunciou com veemência a censura a que esteve submetido

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MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira (1968-1978). 2. ed. São Paulo: Global, 1980.

Livro de 1980, período final da distinção política mas ainda no regime militar.

Testemunhos – viveu esofreu na ditadura, livro escrito no processo de abertura política. Utiliza documentos, testemunhos, entrevistas, notas da imprensa.

“Livros como esse de Paolo Marconi não nos deixarão esquecer” (MARCONI, 1980, p. 08) prefácio de Antonio Callado

“Mas a ditadura de agora está recebendo uam ocbertura profissional. O livro de Paolo Marconi é parte de um verdadeiro banco de memória do país. E tem um caráter espaçoso, monumental. Aqui não se xinga a censura – ela fica documentada.” (MARCONI, 1980, p. 08) prefácio de Antonio Callado

“São muitos os que, como Paolo Marconi, escrevem agora uma espécie de diário comum, que aos poucos, livro por livro, vai ocupando toda a área da repressão. E da nossa amnésia” (MARCONI, 1980, p. 09) prefácio de Antonio Callado

“Mesmo num país desmemoriado como o Brasil, cada palavra sempre teve seu peso e significado específico. Os providenciais e abundantes eufemismos , largamente utilizados para abrandar e escamotear a crua e negra realidade destes últimos anos, são apenas um dos aspectos – dos menores por sinal – de como se enganou, se manipulou e se desprezou toda uma Nação.” (MARCONI, 1980, p. 11)

“Ironicamente, foi um general, o presidente Geisel, que depois de usar larga e folgadamente a censura policial mostrou indiretamente a quem quis ver, que o pior censor não era o da polícia, mas o próprio órgão de comunicação. Bastou suspender a censura oficial – e os donos dos jornais, das revistas, das rádios e televisões encarregaram-se do resto. Quem foi, por exemplo, que denunciou com veemência a censura a que esteve submetido por muitos anos? Qual o órgão que ousou publicar algumas – não todas – das violências cometidas ou os escândalos que vicejaram à sombra do poder? Quantos deste órgãos vem atualmente exercendo o seu dever jornalístico?” (MARCONI, 1980, p. 12)

Indagação do autor:Quem é pior? A censura policial ou dos próprios meios de comunicação ?

Segundo o autor, foi uma certa “psicose”de segurança que levou o regime a “fechar o cerco” contra a esquerda e os órgãos de imprensa.

“Quando nada para justificarem sua longa permanecia no poder, os militares brasileiros inventaram um know-how todo próprio para detecção do propalado perigo comunista e, por isso mesmo, passaram a ver inimigos por todos os cantos e a denunciar sua infiltração em praticamente todos os setores do país.” (MARCONI, 1980, p. 16)

O livro reúne inúmeros depoimentos de militares que alertam sobre o “perigo comunista” que estava então “dominando” os veículos de comunicação. Evidenciando como estes tentavam legitimar seus discursos frente a opinião pública e contra os detentores dos veículos de informação no pais:

“Os jornais brasileiros não são comunistas, comunistas são os repórteres que colocam a linha comunista nos jornais. E esse problema é insolúvel pois os diretores dos jornais não se importam com o que os jornais estão dizendo.” (Deputado José Bonifácio. In: Jornal do Brasil. 26.02.1977. p.04 apud: MARCONI, 1980, p. 22. )

“É extremamente triste que certos setores da imprensa, usando a caneta, diuturnamente, atreves de inverdades, de falsas verdades, explodem, ao sabor de seus interesses ocultos – mas bem definidos – a tentativa de subversão da sociedade.” (Coronel Erasmo Dias, ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo. In: O Estado de São Paulo. 1.08.1977 p.03 apud: MARCONI, 1980, p. 23)

“Vocês jornalistas podem notar que, logo depois que a televisão de destaque à greve de motoristas na Inglaterra, houve a greve dos motoristas de ônibus no Rio. Se só temos desgraça na televisão, consegue-se trazer a desgraça dos outros países para cá. Por isso acho que deve haver um equilíbrio na divulgação das notícias. Os jornais e a televisão deveriam mostrar também tudo o que há de bom no Brasil. Por que vocês não mostram? Depois que saem das escolas, dão impacto só para a desgraça. É por isso que as manchetes dos jornais e o noticiário de televisão só dão destaque à desgraça. Vocês não estão informando, estão dando um maior enfoque à coisa. Se houvesse um policiamento do pessoal que propaga o mal, isso não ocorreria.” (General Heitor Arnizaut de Matos, comandante do Comando Militar do Planalto. In: Folha de S. Paulo. 01.02.1979. p.11. apud MARCONI, 1980, p. 23-24)

“Os jornalistas não passam de fomentadores de boatos com o objetivo de criar um clima de tensão. A crise política por que passa a nação foi criada nas redações dos próprios jornais do país. Eles são também culpados por provocar a inflação.” (Deputado Federal Minoro Myamoto (Arena-PR), O Globo, 21.06.1977. p.08 apud:MARCONI, 1980, p. 24)

“Todos os meios de comunicação estão, efetivamente, comandados por grupos de comando comunista. Basta ler todos os jornais. Nenhum deles – e ninguém que escreva neles – faz qualquer crítica ao comunismo. Ao contrário, vêm em cima de mim com a maior violência porque denunciei os comunistas. Nenhum aconselha nada ou escreve contra o comunismo. Injustamente me atingem porque falei contra. Então a técnica é apavorar todos os demais para não falarem contra.” (Deputado José Bonifácio, Jornal do Brasil, 19.08.1976. p. 04. in: MARCONI, 1980, p. 25)

“Os serviços de segurança acompanham atentamente a infiltração comunista em órgãos de comunicação, órgãos de classe, na administração pública, particularmente na área do ensino, e também nos partidos políticos.” (Discurso do Presidente Geisel em 1º de agosto de 1975 – menos de três meses depois o jornalista Vladimir Herzog morreria na prisão do DOI-CODI. In: MARCONI, 1980, p. 25)

“Assim, dominados pela crença de uma guerra revolucionária permanente e universal que visa a conquista ideológica do planeta, os militares brasileiros foram levados a combater toda argumentação crítica que não lhe era favorável, assim como a reprimir todos os seus dissidentes políticos.” (MARCONI, 1980, p. 26)

“Foi exatamente a tentativa de criação de um mundo totalmente fictício, para concorrer com uma realidade palpável e desagradável, que levou os militares brasileiros a estabelecer – principalmente a partir de 1968 – uma violenta censura política às informações.” (MARCONI, 1980, p. 27)

“Então, como os militares vislumbram subversão em tudo, não admitem ser questionados ou criticados e, por fim, consideram que os meios de comunicação brasileiros são usados como uma arma pelos inimigos, ao tomarem o poder em 1964

começaram a se precaver, atacando principalmente duas frentes, no que diz respeito à circulação das informações. A primeira foi supervalorizar a “informação” (não confundir com comunicação); a segunda foi controlar todo o fluxo de notícias, veiculado pelos meios de comunicação, através de decretos e leis nem sempre legítimas.” (MARCONI, 1980, p. 27-28)

Segundo o autor, estes Órgãos de Segurança e Informação foram peça-chave na coerção aos meios de comunicação, atuando conjuntamente com os órgãos repressores de censura.

CIE – Centro de Informações do ExércitoCENIMAR – Centro de Informações da MarinhaDOPS – Departamento de Ordem Política e SocialDOI-CODI – Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa InternaSNI – Serviço Nacional de Informação

Órgãos de Informação - Detentores do poderServiços secretos sempre foram um “estado dentro do estado (Hannah Arendt)

“As restrições “legais” ao trabalho do jornalista, de informar o público (e ao seu direito de ser informado) tem sido inúmeras. Quais por exemplo, os limites de abrangência de crimes como “propaganda de guerra” ou “processos de subversão da ordem política e social”? Extremamente vagos e subjetivos, ainda mais num regime político que tem verdadeira psicose pela ordem, os crimes cometidos pela imprensa e previstos pelas leis revolucionárias podiam – e podem – manter o jornalista encarcerado por vários anos.” (MARCONI, 1980, p. 32-33)

Lei de Imprensa (1967)Lei de Segurança Nacional (1969) Iam, aos poucos, restringindo ainda mais a liberdade de oposição ao regime.

“Não obstante tal arsenal “legal” de infinito alcance, a imprensa brasileira – sob eterna suspeição – passou a sofrer também uma férrea censura através do Ato Institucional nº 5, baixado em dezembro de 1968 e só viria ser aposentado a partir de 1979. Ao longo destes 10 anos, o Presidente da República teve poderes – exercendo-s plenamente – para determinar a censura da correspondência, da imprensa e das telecomunicações, acobertado pelo manto discricionário do artigo 9 do AI-5 que lhe permitia adotar estas medidas “se necessário à defesa da Revolução.” (MARCONI, 1980, p. 34)

Extinto o AI-5, foi feita em 1978 outra Lei Segurança Nacional. Algumas penas acabaram sendo “abrandadas” mas o que não ocorreu para os casos referentes à imprensa.“Nestes tempos de “abertura política”, quem favorecer ou permitir a utilização de qualquer meio de comunicação para “efetivar qualquer crime contra a segurança nacional” fica sujeito a até 12 anos de prisão.” (MARCONI, 1980, p. 35)

“Para a imprensa brasileira de 1979, o que mudou em termos de legislação foi a supressão do AI-5. A Lei de Imprensa continua, como também continua o Decreto nº 1077, que autoriza a Polícia Federal fazer censura prévia a publicações que contenham exteriozações contrárias à moral e aos bons costumes.” .” (MARCONI, 1980, p. 35)

“Seria exagero afirmar que a imprensa brasileira vinha gozando de inteira liberdade para noticiar fatos após o gole militar de 1964. O recém-criado SNI já ensaiara as suas primeiras pressões junto aos proprietários de órgãos de comunicação para que os jornalistas considerados contestadores da revolução fossem sumariamente demitidos. Mas foi principalmente a partir da edição do AI-5 que toda a imprensa brasileira iniciou sua penosa caminhada para tentar exercer seu papel de informar à opinião pública, ao tempo em que sofria toda sorte de violência, das quais a censura foi a mais visível” .” (MARCONI, 1980, p. 37-38)

Houve pouca resistência dos jornais à censura.

“Os meios de comunicação mais bem comportados tiveram logo sua censura prévia suspensa, mas por bem pouco tempo.” (MARCONI, 1980, p. 38)A censura se intensifica em 1968/1969

O policiamento à imprensa perdurou por todo o período de 1969 a 1978.“O então Ministro da Justiça, Gama e Silva, um dos mentores do AI-5, teve na época o desplante de declarar publicamente que não Haia censura à imprensa, fato que podia afirmar “categoricamente”. O que havia, segundo ele, é que “infelizmente ainda ocorrem exceções (na imprensa) por parte daqueles que não compreendem o seu dever, no sentido de orientar o noticiário e as publicações dentro do clima de repeito à autoridade.” (O Estado de São Paulo. 25.01.1969 in: .” (MARCONI, 1980, p. 40)

“Pelo menos nesta época, os militares no poder agiram de maneira equânime: censuraram a todos, indistintamente” .” (MARCONI, 1980, p. 41)

Segundo o autor, em 1979 (época em que escreve a obra), 10 anos após a censura, ainda são poucas as explicações para sua implantação:

“Durante o governo Costa e Silva, toda imprensa foi livre. Ela dizia o que queria, atacava os ministros, atacava a mim, era absolutamente livre. O AI-5 foi um movimento revolucionário dentro de um movimento revolucionário (então) foram necessárias medidas de precaução contra a imprensa naqueles dias porque, inclusive, havia coisas que não podiam ser divulgadas (como) o preparo do AI-5. Tivemos que tomar certos cuidados com a televisão, as rádios e os jornais para que não explorassem a cassação do Marcio Moreira Alves. Por isso tomaram-se aquelas medidas. Mas, no dia seguinte à edição do AI-5 a imprensa foi novamente liberada. Só veio a aparecer censura quando da doença do Presidente Costa e Silva a fim de evitar que houvesse um mal maior para o país.” (General Jaime Portela, Presidente da Casa Civil do Presidente Costa e Silva, entrevista à Magda de Almeida. O Estado de São Paulo. 04.09.1977 in: .” (MARCONI, 1980, p.42)

“A censura policial que se estendeu por nove anos foi basicamente de dois tipos: a primeira, através de bilhetinhos e telefonemas que determinavam os assuntos que não deveriam ser abordados pela imprensa; a segunda, chamada censura prévia, com censores – policiais revisando todo o material a ser divulgado.” (MARCONI, 1980, p. 43)

BULHETINHOS E TELEFONEMAS“A princípio os censores eram oficiais das Forças Armadas, mas como tal atribuição em nada enaltecia os militares, foram delegados poderes à Policia Federal, teoricamente subordinada ao Ministério da Justiça, mas sempre chefiada por um general ou coronel

da ativa do Exército. Quanto a polícia assumiu tal encargo, a maioria dos órgãos de comunicação já não estava mais sujeita à censura prévia, passando então a vigorar uma nova modalidade de censura, menos trabalhosa e onerosa, e que só pode funcionar graças ao comodismo e resignação da maioria dos proprietários de jornais, revistas, rádios e televisões. (MARCONI, 1980, p. 44)

Os jornalistas, são exceções, não se empenharam na luta contra a censura.

“Outra sugestiva transformação operacional foi quanto à maneira pela qual as proibições eram transmitidas às redações. Se no principio um agente federal leva os bilhetinhos pessoalmente, depois, um simples telefonema avisando que este ou aquele assunto estavam proibidos era o bastante para manter amordaçada a quase totalidade da imprensa brasileira.” (MARCONI, 1980, p. 49)

“Foi graças à terminante proibição de centenas de assuntos, e esta manipulação, que a quase totalidade da imprensa brasileira aceitou pacificamente que os governos revolucionários, adeptos da censura, conseguiram anestesiar a opinião pública, fazer um “milagre econômico” e esconder o seu caráter sanguinário que somente nestes últimos tempos está começando a ser desmascarado.” (MARCONI, 1980, p. 52)

“Ao contrário do que ocorria nas ditaduras espanhola e portuguesa com Franco e Salazar, onde a censura não era só assumida abertamente sem maiores pudores mas até mesmo justificada em público, no Brasil oficial pouco levava a crer que havia uma tirânica censura política às informações. O que existia oficialmente – e continua e existir – era uma censura política, e visando também a moral e os bons costumes, exercida pela Polícia Federal, na música, cinema, teatro e televisão.” (MARCONI, 1980, p. 56)

Duas posturas adotadas pelos donos dos órgãos de comunicação frente à censura: “a primeira, de simplesmente se curvar diante das ameaças, foi a da grande maioria, principalmente da chamada grande imprensa. A outra, que defende uma maior resistência ao arbitrário, teve poucos adeptos, com destaque para aqueles que pretendiam fazer um jornalismo desvinculado do poder e do capital.” (MARCONI, 1980, p. 60)

Jornal do Brail e outros órgãos da grande imprensa não foram, apenas em poucas ocasiões, submetidos à censura. Já a Tribuna da Imprensa, de Hélio Fernandes esteve por quase 10 anos de ininterrupta censura.

Outros (O Estado de São Paulo, Veja, Jornal da Tarde) tiveram censura, “...mas só durante o tempo necessário para que os donos destes órgãos aceitassem se submeter ou a um acordo com as autoridades ou então a se livrar dos jornalistas que, pela ótica do poder, eram indesejáveis.” (MARCONI, 1980, p. 60)

“Há jornais e revistas que realizaram a autocensura de modo a merecer até elogios das autoridades. Optaram pela autocensura como solução cômoda. Não publicam um comentário, uma só notícia que, de algum modo, possa suscitar o desagrado daqueles que tutelam a imprensa. Muito direfente é a situação dos órgãos independentes que não se deixavam intimidar, que não abdicam de suas responsabilidades perante o público.” (Júlio de Mesquita Neto, diretor de O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, em seus relatórios de abril e outubro de 1973 e apresentados à Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, in:MARCONI, 1980, p. 61)

“Os órgãos de comunicação que ousaram se rebelar contra as vergonhosas proibições escritas e telefônicas tiveram de suportar, por longo tempo, a indesejável presença de policiais-censores, a lerem, nas redações ou oficinas gráficas, todos os originais produzidos pelos jornalistas.” (MARCONI, 1980, p. 61)

“A mais simplória explicação para a imposição da censura política aos jornais, revistas, rádios e televisões é dizer que ela vicejou em função da escalada subversiva no país. [...] Acontece que, no caso brasileiro, fica claro ao dar uma olhada mesmo superficial nas proibições que esta censura às informações serviu mais para encobrir as mazelas do regime e garantir sua sobrevivência do que para defender a “segurança nacional” Afinal, a censura não permaneceu e até inchou, após o desmantelamento das ações armadas dos dissidentes políticos?” (MARCONI, 1980, p. 62)

Jornais censurados: O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde (ambos da família Mesquita); Opinião; O São Paulo (semanário da Arquidiocese); Bondinho, EX, Mais Um, Extra-Realidade Brasileira (quatro projetos jornalísticos de SP); Movimento (censurado antes mesmo de circular sua primeira edição); Pasquim; Tribuna da Imprensa (Carlos Lacerda); Veja.

“Como se não bastassem as restrições impostas pela polícia, através das proibições e censura prévia, jornais e jornalistas brasileiros ainda foram vítimas ao longo destes anos de atentados a bomba, invasões de redações, prisões arbitrárias, espancamentos e tortuosos inquéritos e processos, todos destinados a ameaçar e calar a voz dos mais altivos.” (MARCONI, 1980, p. 90)

“Como que coroando sua prometida distensão política lenta e gradual, o Presidente Geisel levantou, em junho de 1978, a censura prévia aos três últimos jornais que a ela ainda estavam submetidos: O São Paulo, Movimento e Tribuna da Imprensa. Os outros jornais e revistas já não recebiam mais os famigerados bilhetinhos e telefonemas proibitivos desde 1976. Estes últimos jornais submetidos à censura – justamente os mais incisivos na sua postura jornalística e avessos a qualquer tipo de composição com o regime – só foram liberados por obra e graça do plano de distensão que estava em marcha.” (MARCONI, 1980, p. 113)

“Na época, foi grande a euforia, e parte da opinião pública foi levada a crer que a censura política havia acabado. Na verdade, dentro da realidade dos bons propósitos então vigentes, a censura foi mantida para as emissoras de rádio e estações de televisão.” (MARCONI, 1980, p. 114)

“Nestes últimos anos, a imprensa brasileira esteve sujeita às mais diversas pressões por parte dos sucessivos regimes militares, capitaneados por intransigentes senhores pouco afetivos a um livre debate de idéias. Toda tentativa de fazer um jornalismo mais independente foi sumariamente reprimida, seja através da censura direta, seja mediante pressões mais disfarçadas, mas, nem por isso, de resultados menos funestos. Uma das técnicas utilizadas foi a de exercer pressões contra determinados órgãos de comunicação até o ponto em que os jornalistas considerados contestatórios – e conseqüentemente incômodos para o governo – fossem demitidos sem maiores formalidades.” (MARCONI, 1980, p. 115)

“Aliás, suspender os cassar as concessões das rádios e televisões, e suspender ou fechar os jornais e revistas são outras armas do vasto arsenal repressivo de que o Governo Federal tem lançado mão (até pelo menos o governo Geisel) para conseguir o alinhamento automático da imprensa.” (MARCONI, 1980, p. 123)

Um desses exemplo é o “caso Diaféria” que suspendeu os editorias da Folha (ver mais na História da Folha de S. Paulo)

PRESSOES ECONÔMICAS. A IDEOLOGIA DA IMPRENSA BRASILEIRA

“Em 1964, a classe dominante brasileira sacrificou seus interesses políticos mais imediatos, associando-se aos militares para salvar sua existência social enquanto classe dominante. Acontece que, mesmo que as Forcas Armadas costumem agir em favor dos interesses específicos da classe dominante, nem sempre ela agem necessariamente como simples instrumentos em suas mãos.” (MARCONI, 1980, p. 138)

“Como evidentemente a imprensa brasileira esteve e está na mão da classe dominante e, portanto, veicula para a opinião pública apenas a ideologia dominante, ela trabalha a favor da principal função de um Estado capitalista: assegurar a reprodução das relações sócias de produção.” (MARCONI, 1980, p. 138)

“Conservadora, partilhando dos mesmos receios dos militares quanto a uma tomada do poder pelos comunistas, a quase totalidade da imprensa apoiou incondicionalmente o golpe militar que, em 1964, derrubou o Presidente da República constitucionalmente eleito pelo povo.” (MARCONI, 1980, p. 138)

“Mas mesmo que nem sempre os empresário brasileiros donos de jornais, revistas, rádios e televisões sejam tão explícitos em assumir abertamente esta postura de alinhamento automático, essa tendência é facilmente detectável pelo produto que apresentam e pelo seu comportamento face a questões específicas em que estejam em jogo os interesses da classe dominante. É quando eles demitem jornalistas que não concordam com sua linha de pensamento ou não se submetem a defender a gama de interesses patronais, se transformam em doces porta-vozes do governo, ou então sonegam e deturpam informações à opinião pública.” (MARCONI, 1980, p. 139)

“Por que a imprensa brasileira foi tão bem comportada? É porque quando Gutemberg inventou a primeira máquina de imprimir, acabou a liberdade de imprensa. O jornal livre é aquele que a gente vê nos filmes de faroeste, onde tem aquele velinho compondo na caixa o jornal tablóide com quatro páginas, ele mesmo escrevendo o editorial e o filho distribuindo pessoalmente o jornalzinho pela cidade. Esse é que é o jornal livre. O jornal-empresa, que tem os mesmos problemas de uma fábrica de sabonetes, de uma siderúrgica, de uma fábrica de cimento, não pode se dar ao luxo de ter a liberdade que vai afetar o desenvolvimento de sua empresa.” (depoimento de Hélio Fernandes, proprietário da combativa Tribuna da Imprensa, 22.09.1978 in: MARCONI, 1980, p. 167)