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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS FACULDADE MINEIRA DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL Eficácia da Sentença Arbitral MARCO ANTÔNIO ROCHA GOYATÁ ORIENTADORA Profª. Drª. Taísa Maria Macena de Lima Belo Horizonte/MG Ano 2000

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

FACULDADE MINEIRA DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO PROCESSUAL

Eficácia da Sentença Arbitral

MARCO ANTÔNIO ROCHA GOYATÁ

ORIENTADORA Profª. Drª. Taísa Maria Macena de Lima

Belo Horizonte/MG Ano 2000

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Dissertação apresentada ao Curso de Pós Graduação em Direito

Processual da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG –

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – como

exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito

Processual.

Mestrando: Marco Antônio Rocha Goyatá Orientadora: Profª. Drª. Taísa Maria Macena de Lima Belo Horizonte, DEZ/2000

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RESUMO

A presente Dissertação de Mestrado tem na sentença arbitral o seu tem de pesquisa, desenvolvido através do estudo abrangente da arbitragem e da sentença, com sustentação nos princípios jurisdicionais. O objetivo foi realizar, considerando a discussão em torno da real efetividade do processo, principalmente, no que tange à suprema do Poder Judiciário sobre a execução da sentença proferida pelo juízo arbitral. Ao término desta pesquisa científico-jurídica, concluiu-se que:

1. por efetividade, entende-se a aptidão de um meio ou instrumento para realizar os fins ou produzir os efeitos a que se destina. A respeito das divergências, alguns pontos já estão pacificados: o aperfeiçoamento dos instrumentos de tutela e sua extensão a todos os sujeitos de direito e a todo ordenamento jurídico; e a garantia, à parte vitoriosa, da plenitude dos direitos reivindicados no processo, com o mínimo de tempo e de dispêndio financeiro;

2. a Lei de Arbitragem, festejada inicialmente como instrumento moderno, capaz de resolver com agilidade e eficiência os conflitos de interesses patrimoniais, corre o risco de cair no descrédito, caso não seja urgentemente reformada;

3. não se discute mais sobre a natureza jurídica da arbitragem e da sentença arbitral. Sua natureza jurisdicional é aceita pela maioria dos doutrinadores. A própria Lei de Arbitragem (Art.18) qualifica o árbitro como Juiz de fato e de Direito. Sendo assim, a unidade da jurisdição é imperiosa, para que a sentença arbitral seja plenamente eficaz;

4. um dos impedimentos da eficácia da Lei de Arbitragem está na sua adoção de antigos vícios do sistema jurídico romano, a dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução;

5. como dispõe a Lei atual, o processo de arbitragem funciona apenas como um “processo de conhecimento”, caso a parte vencida não se digne cumprir a sentença arbitral;

6. não se pode, jamais, perder de vista os interesses tutelados pela Lei de Arbitragem: direitos patrimoniais disponíveis sobre os quais litigam pessoas capazes de contratar (Art. 1º da Lei 9307, de 23/09/1996), pois sendo o ordenamento jurídico instrumento de tutela de interesses, não se justifica subtrair da sentença arbitral sua eficácia plena obrigando o credor a um outro processo, lento e onerosos;

7. as partes envolvidas numa disputa perante o Juízo arbitral, certamente, pretendem uma solução rápida e eficaz, porque têm ciência da morosidade, onerosidade e deficiência do Poder Judiciário. Entretanto, caso a eficácia da sentença arbitral se resuma, apenas, a dirimir a controvérsia, declarando o direito, constituindo, modificando ou extinguindo situações jurídicas ou condenando o devedor, sem cumprimento espontâneo da sentença, a prestação jurisdicional não foi eficaz, pois não concretizou plenamente os direitos do credor;

8. se de um lado, o Juízo arbitral dá por finda a tutela jurisdicional sob sua responsabilidade, extinguindo o processo, por outro, ele obriga o credor a promover um processo de execução perante o Poder Judiciário, para efetivar o direito que lhe foi garantido pela sentença jurisdicional arbitral;

9. não há mais dúvida sobre a natureza jurisdicional da arbitragem, pois sendo uma a jurisdição, uno, também, é o direito do jurisdicionado a ela;

10. a ação deve ser concebida como direito à prestação jurisdicional, à qual compete eliminar a lide, conferindo eficácia à norma jurídica. Conseqüentemente, a sentença arbitral não cumpre sua função jurisdicional, pois é incapaz de eliminar a lide;

11. o processo é o meio adequado para reintegrar o jurisdicionado no exercício pleno dos direitos que o ordenamento jurídico lhe assegura. A sentença meramente condenatória, se

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não for espontaneamente cumprida pela parte vencida, não cumpre efetivamente essa função, pois lhe faltam as medidas executivas, capazes de realização plena dos direitos conferidos À parte vencedora;

12. a Lei de Arbitragem dirige-se a um público específico e tem objeto definido. Por sua natureza especial, não deve subordinar-se a regras ultrapassadas, de inspiração romanística, que impedem a eficácia das sentenças arbitrais;

13. o direito processual somente se justifica pela adequação, eficiência e celeridade de suas normas. Não se pode admitir o processo de arbitragem fracionado em duas fases autônomas e estanques, ou seja, o processo de conhecimento e o processo de execução;

14. como a imensa maioria dos vencidos no processo arbitral somente cumprirá sua obrigação diante do processo de execução, e essa mesma maioria sabe das deficiências do Poder Judiciário, a eficácia das sentenças arbitrais somente se verificará com a autonomia dos Juízos arbitrais para a execução de seus julgados;

15. tal proposta não fere o direito constitucional de acesso à jurisdição, pois, uma vez demonstrada a natureza jurisdicional da arbitragem, ela fortalece este instituto, concebido para vigir entre pessoas plenamente capazes e para dirimir litígios de natureza patrimonial.

16. o Estado democrático de Direito, no Brasil, encontra-se fragilizado, dentre outros motivos, pela morosidade do Poder Judiciário e seu descrédito. Por isso, o Juízo arbitral, não pode ficar atrelado a ele, para que suas decisões tenham eficácia;

17. a adesão do indivíduo à norma pode dar-se por submissão, identificação ou internalização. Ninguém é obrigado a aderir à Lei de Arbitragem. A adesão, nesse caso, se dá por internalização, ou seja, por razões preponderantemente éticas.

Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................. 11

CAPÍTULO I

AUTONOMIA PRIVADA E INTERVENÇÃO ESTATAL ....................... 16

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1.1 Indivíduo – Evolução Conceitual .....................................................................16 1.2 O Indivíduo, a Ordem Social e o Estado .........................................................18

CAPÍTULO II

JURISDIÇÃO ................................................................................... 30 2.1. Conceituação ................................................................................................. 30 2.2. Princípios de Jurisdição ................................................................................. 35 2.2.1. Princípio Constitucional do direito à Tutela Jurisdicional ................ 35 2.2.2. Princípio da Inércia .......................................................................... 37 2.2.3. Princípio da Investidura ................................................................... 38 2.2.4. Princípio da Aderência ao Território ................................................ 38 2.2.5. Princípio da Indelegabilidade .......................................................... 39

2.2.6. Princípio da Invitabilidade ............................................................... 40 2.2.7. Princípio do Juiz Natural ................................................................. 40 2.2.8. Princípio do promotor Natural ......................................................... 41

CAPÍTULO III ARBITRAGEM ................................................................................. 42 3.1. Conceituação .................................................................................................. 42 3.2. Antecedentes Históricos da Arbitragem no Direito Internacional .................... 45 3.3 Antecedentes Históricos da Arbitragem no Direito Brasileiro ........................... 51 3.4. Natureza Jurídica da Arbitragem ..................................................................... 54

CAPÍTULO IV

SENTENÇA .........................................................................................................56 4.1. Noções de Sentença ........................................................................................ 56 4.2. A Sentença Arbitral ........................................................................................... 82 4.2.1. Natureza Jurídica .............................................................................. 91 4.2.2. formação ........................................................................................... 93 4.2.3. Requisitos Formais ........................................................................... 94 4.2.4. Classificação .................................................................................... 96

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4.2.5. Sentenças e Normas Jurídicas ........................................................ 98 4.2.6. Critérios de Julgamento na Arbitragem ........................................... 100 4.2.6.1. Princípios Gerais do Direito, Usos, Costumes e Regras Internacionais de Comércio ............................................. 106

CAPÍTULO V

A EFICÁCIA DA SENTENÇA ARBITRAL ......................................... 111 CONCLUSÃO .................................................................................... 117 BIBLIOGRAFIA ................................................................................. 122 BINTRODUÇÃO

A presente Dissertação de Mestrado tem na sentença arbitral o seu tema de pesquisa, desenvolvido através do estudo abrangente da arbitragem e da sentença, com sustentação nos princípios jurisdicionais. O objetivo foi realizar uma análise crítica sobre a eficácia da sentença arbitral, considerando a discussão em torno da real efetividade do processo, principalmente, no que tange à supremacia do Poder Judiciário sobre a execução da sentença proferida pelo juízo arbitral. Escrevendo sobre a unidade da jurisdição e o anacronismo da ação de execução de sentença, THEODORO JR já advertia:

A obrigatoriedade de se submeter o credor a dois processos para eliminar um só conflito de interesses, uma só lide conhecida e delineada desde logo, parece-nos complicação desnecessária e perfeitamente superável, como, aliás, ocorre em sistemas jurídicos como o anglo-saxônico. 1

Identificada a especificidade do tema, há que ressaltar, que ele situa-se entre os mais palpitantes da ciência jurídica, que, no limiar do novo milênio, ainda encontra-se presa a ritos e liturgias

1 THEODORO JR, Humberto. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal. Rio de Janeiro: aide, 1987, p.195.

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processuais, que foram novidades há mais de dois mil anos atrás. Ter coragem para propor idéias novas, que possibilitem ao Direito Processual adequar-se ao tempo em que vivemos, faz-se essencial, uma vez a necessidade de atender a intensa demanda da prestação jurisdicional. Dentre as formas alternativas de adequação, a arbitragem se destaca, pois conforme MAGALHÃES, ela apresenta, como vantagem, em relação À jurisdição estatal: a celeridade – as partes determinam o tempo de sua duração; os custos menores; a qualificação técnica e profissional dos árbitros em decidir litígios em suas áreas de atuação; a liberdade das partes em determinar as regras procedimentais; o sigilo envolvendo o procedimento arbitra; e a maior confiabilidade nos árbitros – eles são escolhidos pelas partes.2 Pautando o desenvolvimento do tema num processo evolutivo, no Capítulo I, tratou-se da autonomia privada e da intervenção estatal, com ênfase nos seus aspectos: filosófico e político, para mostrar, que o ser humano caminha pela história em busca de liberdade e de sua afirmação como indivíduo, somente admitindo, em nossos tempos, a intervenção do Estado, em um contexto democrático e constitucional. O Capítulo II foi dedicado ao estudo da jurisdição e de seus princípios, buscando provar que ela não é mais monopólio do Estado, pois conforme RODRIGUES JR:

O acesso à Justiça ganhou a relevância de requisito fundamental, como o mais básico dos direitos humanos, dentro de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos dos cidadãos.3

(...) Adequar os procedimentos, de modo que a solução jurisdicional prestada pelo Estado seja justa e efetiva, e realizada no menor tempo possível, tem sido motivo de debates nos diversos seguimentos da sociedade moderna, conforme atestam CAPPELLETTI & GARTH: “Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6, parágrafo 10, que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de “um prazo razoável” é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível”.4

A arbitragem é apresentada no Capítulo III, através do estudo de sua conceituação, seus antecedentes históricos e sua natureza jurídica, a fim de se comprovar o avanço da sua natureza jurisdicional – importante passo para sua consolidação em nosso sistema jurídico. Foi dada ênfase à questão da ineficácia do juízo arbitral, para explicar, porque apesar de extinguir o processo, ele exige, da parte do credor, a promoção do processo de execução perante o Poder Judiciário, para efetivar o direito garantido pela sentença arbitral. No entendimento de THEODORO JR:

2 MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Convenção arbitral. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: PUC – Faculdade Mineira de Direito,2000,p.8. 3 RODRIGUES JR., Walsir Edson. A mediação como forma alternativa de resolução de conflitos. Belo Horizonte: Dissertação de Mestrado. PUC – Faculdade Mineira de Direito, 2000,p.14. 4 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à justiça. P. 20-21. Apud. RODRIGUES JR., Walsir Edson. Op. Cit., p.14-15.

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Exigem-se, pois, duas ações e dois processos, com todos os consectários e dificuldades da formação e desenvolvimento da relação jurídico processual, como via indispensável para atingir a completa solução de uma só e única lide, ou seja, para tutela e satisfação de um único interesse controvertido. (...) a verdadeira pretensão da parte é atuar o seu direito subjetivo. Se à sentença não se segue a atuação do comando nela contido, o conflito persistirá e a lide permanecerá insolúvel. É que o direito do autor já existia e não foi criado pela sentença. Esta apenas o declarou. A norma da lei que era geral se revelou individual com a sentença.5

O Capítulo IV foi dedicado ao estudo da sentença: sua conceituação e natureza jurídica. Enfocou-se também, sob os mesmos aspectos, a sentença arbitral, procurando estabelecer os postos de identidade entre ela e a sentença judicial. A sentença, enquanto norma jurídica, foi enfatizada, para se demonstrar sua obrigatoriedade, seja como instrumento de coerção, seja porque a adesão a ela pauta-se na identificação ou na internalização. No Capítulo V, estudou-se a eficácia da sentença arbitral, partindo do conceito de eficácia, para demonstrar que falta à sentença arbitral uma eficácia plena, pois o árbitro (Juiz de fato e de direito) que a prolata, não pode executá-la, por não deter o poder de império. Como bem assevera THEODORO JR:

Dentro da função jurisdicional a cognição e a execução forçada são fases ou momentos de uma atividade continuativa. Não basta a primeira fase da tutela jurisdicional para ter-se como cumprida a tarefa reclamada do órgão judicante. A declaração jurisdicional de certeza elimina, para sempre, a dúvida sobre o direito da parte. Não obstante, mesmo depois dessa declaração, é ainda possível que o direito declarado permaneça inexecutado. Sendo certo que o mandamento judicial é indiscutível e que sem seu comprimento o interesse jurídico permanece fora da proteção sancionatória estatal, é inquestionável que somente a fase de execução forçada, nesses casos, é que pode assegurar, de fato, a observância do direito.6

Fundamentando a metodologia deste estudo na pesquisa bibliográfica, foram selecionadas obras de diversos autores nacionais e de uns poucos estrangeiros. Registra-se a ausência de citações dos tribunais pátrios, uma vez que, ainda, não tiveram oportunidade de se manifestarem sobre o assunto. Dentre os autores nacionais, destaque para a tese de doutorado do jurista THEODORO JR, intitulada: A execução da sentença e a garantia do devido processo legal – subsídio importante ao tema, muito embora, não trate especificamente da arbitragem e da sentença arbitral. À conclusão deste estudo, a defesa de uma eficácia plena para a sentença arbitral, pois o processo de arbitragem, por sua origem contratual e sua natureza jurisdicional, não comporta anacronismos romanísticos, devendo corresponder aos anseios éticos do homem contemporâneo, que busca nesta solução alternativa de resolução de disputas, uma resposta eficaz e justa para os seus direitos.

5 THEODORO JR., Humberto. Op. Cit., p.197. 6 THEODORO JR., Humberto. Op. Cit., p.229.

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Título da dissertação: Eficácia da Sentença Arbitral

AUTONOMIA PRIVADA E INTERVENÇÃO ESTATAL

1. - INTRODUÇÃO

O conceito de indivíduo emerge do mais remoto passado da reflexão

filosófica. Já Demócrito e Epícuro criaram os “princípios dos corpos

visíveis”, para explicar o que Cícero denominava de “ individum”, ou seja,

cada um dos indivisíveis corpúsculos que compunham o corpo visível.

Para a grande maioria dos filósofos da idade média o “universal”

era mero signo, compondo-se apenas do que existe, ou seja, os indivíduos. A

partir do renascimento, a afirmação do indivíduo enquanto princípio e enquanto

valor permitiu a caracterização cultural, intelectual e filosófica das sociedades

modernas. Hegel observou que os antigos só conheciam a liberdade dos

“cidadãos” ; nem Platão nem Aristóteles souberam que o homem enquanto tal

é livre. A exigência infinita da subjetividade, da autonomia do espírito em si era

desconhecida pelos Atenienses. Heidegger avançou nessa tese, evocando a

liberdade moderna como uma “nova liberdade”, descrevendo-a como a

possibilidade da humanidade assegurar-se do desenvolvimento autônomo de

todas as suas faculdades para exercer seu domínio sobre a terra.7 A

modernidade possibilitou ao ser humano inegável evolução. O homem

7 Renaut, Alain, O Indivíduo, Ed. Difel, pág. 12, 17

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moderno é aquele que não aceita mais receber normas e leis nem da natureza

nem de Deus. Concebe-as, ele próprio, a partir de sua razão e de sua vontade.

Dessa forma o direito positivo, criado e definido pela razão humana

(voluntarismo Jurídico) é não mais um direito inscrito em qualquer ordem

imanente ou transcendente do mundo. Para Sartre o homem não possui outro

legislador se não ele próprio. Essa soberania do indivíduo desenvolveu-se em

quatro grandes etapas:8

Com Descartes emergiu a idéia de que a natureza não é permeada

por forças invisíveis, sendo mera matéria prima, podendo perfeitamente ser

dominada pela razão (tudo é suscetível de ser conhecido) e pela vontade (a

totalidade do real é utilizável pelo homem que visa à realização de seus fins). É

uma visão antropocêntrica do mundo, em que Heidegger situa precisamente a

própria essência do humanismo e para a qual tudo se torna meio para a

realização do homem.

Com o advento do iluminismo consuma-se uma ruptura com a razão

cartesiana: a ciência Newtoniana refuta a idéia de uma física apriorística e

impõe à racionalidade científica o reconhecimento de seus limites. Contudo, a

ciência continua a apresentar-se como instrumento neutro, posto a serviço de

fins que ultrapassam-na e a partir dos quais ela encontra seu valor, quer se

trate da emancipação, quer da felicidade da humanidade.

Kant traz a idéia de autonomia, mediante a crítica da moral da

felicidade. Definida como autônoma, a vontade moral que é ao mesmo tempo

8 Reale, Giovanni, et.Antiseri, Dario, História da Filosofia, Ed. Paulus, Vol I e II, págs.75 e 112.

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agente e princípio (valor supremo) da moralidade, nada quer além de si mesma

enquanto liberdade que dita a lei à qual submete-se.

Nietzsche radicalizava a idéia de Kant dizendo que a vontade

humana cessa inteiramente de se dirigir a um fim para se voltar sobre si

mesma, tornando-se o que Heidegger denominou “vontade da vontade”. Com

essa teoria abriu-se caminho para a busca do poder pelo poder ou do poder

enquanto tal. A universalização dessa representação do humanismo moderno

resume-se numa razão puramente instrumental que não questiona os fins e faz

da vontade (ou poder) um fim em si mesmo. O resultado é o triunfo de uma

tecnociência preocupada exclusivamente com o aumento contínuo de seu

poder. Nessa lógica subverte-se até mesmo a vocação do sujeito à autonomia.

Exemplo mais gritante desse resultado foi a “guerra fria”, experiência pela

qual os Estados Unidos da América e a União Soviética se igualaram do ponto

de vista surrealista: ambos envolveram-se numa corrida insana de técnica,

deixando ao ser humano um terrível dilema : resignar-se a ser um indivíduo

reduzido à sua gratuidade e abandonado a seu arbítrio ou, então, renunciar à

sua individualidade.

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2. - O INDIVÍDUO, A ORDEM SOCIAL E O ESTADO

O individualismo, contraposto à ordem social, somente pode ser

considerado se tomarmos o homem em seu estado natural, onde é o seu

próprio Juiz. Os julgamentos morais são eminentemente subjetivos e

dependem dos desejos e sentimentos de cada um. Inexiste um padrão ético de

validade inquestionável e aceitação universal por meio do qual se possa

determinar como devemos viver. A divergência entre o que é certo ou errado

está na raiz da perene discórdia entre os homens.

Hobbes ensinou que o homem deixou o “ estado de natureza “

para integrar-se a uma “comunidade política”, abrindo mão de ser Juiz de

seus próprios atos. Para o filósofo inglês, a criação de uma ordem moral

intuitiva por um “poder soberano” deu-se em razão do medo da morte

violenta que assombra qualquer ser humano. Assim sendo, foi necessário ao

indivíduo constituir e aderir a um “poder soberano”, o qual tem autoridade

sobre todos os indivíduos, para superar o “estado de natureza” onde cada

indivíduo julga por si próprio, o que representa uma ameaça à sobrevivência de

cada um.

A crença na necessidade de um “poder soberano” é unânime em

todos os autores de ciências sociais, da modernidade aos dias de hoje,

excetuando-se, obviamente, os anarquistas. Uma autoridade pública

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legitimamente constituída – ou seja, eleita pelos indivíduos e capaz de garantir

o respeito `as normas de conduta indispensáveis a uma vida social estável.

A adesão do indivíduo à norma pode dar-se por submissão,

identificação e internalização. Na hipótese de submissão, a adesão à norma se

dá por força da ameaça de sanção externa dos infratores. Evidentemente a

submissão é um mecanismo insuficiente para dar conta da adesão às normas

de comportamento. Para muitos indivíduos, em uma organização social

precária, seria mais vantajoso correr o risco de não sofrer sanção alguma em

decorrência da infração de uma norma. Ao contrário, na hipótese de

identificação, o indivíduo adere à norma motivado pelo desejo de ser acolhido

e/ou respeitado pela comunidade. Já a internalização é a predisposição de

acatar a norma com base em uma decisão ética. O indivíduo cumpre a norma

não porque teme a punição ou o desrespeito de outros indivíduos, mas porque

acredita na legitimidade da norma. Nesse caso, os interesses “pessoais

coletivos” do indivíduo superam os seus interesses operacionais.

Internalizando a norma o indivíduo opta por um modelo institucional, que não

funcionaria sem a sua adesão. Deixa de lado os seus “interesses

operacionais”, que são imediatos e dizem respeito às circunstâncias de cada

momento.

O princípio da internalização foi também objeto de estudo de

João Baptista Villela, em monografia premiada pela Ordem dos

Advogados do Brasil, na qual ensina que :

“...a dignidade da pessoa humana, quando eticamente sadia e adulta, encontra na própria convivência os

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motivos para uma conduta juridicamente correta. A coerção externa é, assim, um convite à irresponsabilidade social do homem, na medida em que se propõe como guardiã dos valores jurídicos. Recomenda-se orientar as instituições no rumo de uma adesão livre dos cidadãos às normas da sociedade política”.9

Nas relações jurídicas o Estado sempre esta presente como “ordem

jurídica”, permeando na vontade dos indivíduos a vontade da norma, para

assegurar a sua eficácia. Outras vezes, o próprio Estado utiliza-se da “ordem

jurídica” que controla para submeter-se a ela e dela utilizar-se enquanto

sujeito de Direito. Quando o Estado não intervém, como sujeito de Direito, em

uma relação jurídica de Direito Privado para garantir a eficácia de um preceito

estabelecido como ordem jurídica, a sua participação dá-se por meio da norma

jurídica. Para alguns Juristas, nas relações jurídicas de Direito Privado

envolvendo pessoas plenamente capazes, a intervenção da tutela do Estado

somente ocorrerá a pedido do interessado.

Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena discorrendo sobre o tema ensina :

“seria o princípio da proteção direta e o da proteção indireta que se ajusta, paralelamente, à nossa explicação da acumulação das relações jurídicas, para a defesa ou tutela de uma e mesma relação de vida. Na direta ocorreria a defesa pelo seu titular, o indivíduo, do direito subjetivo (individual), do patrimônio, do bem jurídico, originariamente considerado. Na indireta, aquela defesa é como que reforçada pela ação Estatal, pública, como um comando do direito objetivo que, em relações de poder – dever , integra o Estado na situação jurídica, conferindo-lhe titularidade em um direito público criado, inclusive com efeitos patrimoniais públicos”.10

9 Villela, João Baptista, Direito, Coerção e Responsabilidade: por uma ordem social não violenta

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Na lição de Gustavo Tepedino, “O homem, como pessoa, manifesta dois interesses fundamentais: como indivíduo, o interesse a uma existência livre; como partícipe do consórcio humano, o interesse ao livre desenvolvimento da “vida em relações”. A esses dois aspectos essenciais do ser humano podem substancialmente ser reconduzidas todas as instâncias específicas da personalidade”.

Para o mesmo autor,

“A estrutura dogmática que dominou as grandes codificações européias do século XIX e gizou as linhas mestras do sistema jurídico pátrio, baseia-se na “suma diviso” herdada do direito romano, que extrema o direito público e o direito privado. Inspirado pelas idéias jusnaturalistas que exaltavam o indivíduo, o direito assegurava a liberdade de contratar e a franca apropriação dos bens, ao passo que a doutrina dos direitos humanos, concebida a partir do século passado, engendrou mecanismos de proteção do indivíduo em face do Estado. Cuida-se, pois, de duas faces da mesma moeda. A sublimação do indivíduo no direito civil dá-se pela autonomia da vontade, enquanto as garantias fundamentais concebidas pelo Direito Público, afastam as ingerências do Estado da esfera privada”.11

Vivemos neste início de milênio o arrefecimento das ideologias,

propiciando campo fértil para a ideologia e a economia “globalizadas”. Mesmo

o conceito de “Estado Nacional” vem perdendo substância, haja vista a

10 Vilhena, Paulo Emílio Ribeiro de,Direito Público - Direito Privado, sob o prisma das relações jurídicas. Saraiva, 1972, págs. 75/76. 11 Tepedino, Gustavo, Temas de Direito Civil, Editora Renovar, págs. 55/56).

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recente criação da comunidade econômica européia, do parlamento europeu,

da moeda única européia e de outras convenções em que o “Estado

Nacional” abre mão de sua soberania em favor da comunidade de Estados

que passa a integrar.

Na esfera de influência maior dos Estados Unidos da América, a

América Latina tenta sobreviver à força gravitacional do poderio do império

americano, mediante ensaios de agrupamentos regionais, do qual o Mercosul é

um exemplo parcialmente bem sucedido.

Não seria despiciendo lembrar que vários países já renunciaram às

suas moedas nacionais em favor do dólar norte–americano, abrindo mão de

parte de suas soberanias.

Os governos “neoliberais” instalados no continente preocupam-se

mais com o equilíbrio de suas contas do que com a preservação das

soberanias e identidades nacionais. Nesse contexto, os encarregados das

finanças públicas – todos com passagem por universidades e entidades não

governamentais norte- americanas, são alçados à condição de verdadeiros

governantes de seus países, à sombra de políticos populistas.

Diante desse quadro, o direito privado comparece como inegável

aliado do indivíduo, em face de um Estado cada vez mais débil. Urge

reformular todo o pensamento jurídico que colocou sob uma dicotomia

irredutível o direito público e o direito privado. Conceitos tradicionais como

culpa são hoje ineficientes para identificar e mensurar as responsabilidade

decorrentes de contratos de massas, internacionais e de tecnologia avançada.

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Os direitos da personalidade, por sua vez, concebidos sob o

paradigma dos direitos patrimoniais, merecem ser abordados sob novo ângulo,

atendendo aos anseios da pessoa humana, que se multiplicam e se complicam

cada vez mais.

O direito privado não pode contentar-se em apenas fornecer ao

indivíduo cada vez mais liberdade. Na dicção de Ricardo Luís Lorenzetti.,

“A crise do Estado mostrou, entre outras coisas, uma falência em seu mister de controlador. Desconfia-se do Estado administrador como controle único...Resulta daí que o controle do Estado e dos grupos não apenas se reivindica para o Direito Público, mas que também se lhe propõe como tarefa própria do Direito Privado”.12

Gustavo Tepedino escreve que:

“Tais considerações servem a demonstrar, sem possível discussão, que a proteção dos direitos humanos, nos dias de hoje, reclama análise interdisciplinar, concita o interprete a harmonizar fontes nacionais e supranacionais, reformula, em definitivo, o conceito de ordem pública, que se expande para os domínios da atividade econômica privada”.13

Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários

do mesmo movimento histórico: sem democracia não existem as condições

mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a

12 Lorenzetti, Ricardo Luís, Fundamentos do Direito Privado, Editora Revista dos Tribunais, 1998, pág. 131. 13 Tepedino, Gustavo, Op. cit., pág. 60

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democracia é a sociedade dos cidadãos e os súditos se tornam cidadãos

quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais.

Na formação do Estado Moderno observa-se uma inversão filosófica

histórica na relação entre Estado e cidadãos : passou-se da prioridade dos

deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo

diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo

do soberano e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação

da teoria individualista da sociedade, em contraposição à concepção organista

tradicional. Para compreender a sociedade é preciso partir de baixo, ou seja,

dos indivíduos que a compõem, em oposição à concepção orgânica tradicional,

segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos.

Os direitos do homem são direitos históricos, ou seja, nascidos em

certas circunstâncias, caracterizadas por lendas em defesa de novas

liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de

uma vez e nem de uma vez por todas. Os direitos nascem a partir de

determinadas carências. As carências surgem em função da mudança das

condições sociais e do desenvolvimento técnico. Nascem quando o aumento

do poder do homem sobre o homem- que acompanha inevitavelmente o

progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a

natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do

indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências : a ameaça que

são enfrentadas por meio de mandar de limitação de poder; remédios que são

providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de

modo protetor. Às primeiras correspondem os direitos de liberdade ou um não

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agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais ou uma ação positiva do

Estado, embora as exigências de Direitos possam estar dispostos

cronologicamente em diversas fases ou gerações. Suas espécies são com

relação aos poderes constituídos – apenas duas : impedir os malefícios de tais

poderes ou obter seus benefícios.

Na realidade, tão logo submetemos valores, proclamados como

evidentes, à verificação histórica, percebemos que aquilo que foi considerado

como evidente por alguns, num dado momento, não é mais considerado como

evidente por outros, em outro momento. Deve provavelmente ter parecido

como evidente, aos autores da Declaração de 1789 que a propriedade era

sagrada e inviolável. Hoje, ao contrário, toda referência ao direito de

propriedade como direito do homem desaparece nos documentos mais

recentes das Nações Unidas.

O importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-los.

O problema real que temos que enfrentar, contudo, é o das medidas

imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos. É inútil dizer

que nos encontramos aqui numa estrada desconhecida e, além do mais, numa

estrada pela qual trafegam dois tipos de caminhantes: uns que enxergam com

clareza mas têm os pés presos e outros que poderiam ter os pés livres mas

têm os olhos vendados. O desprezo pelos direitos humanos no plano interno e

o escasso respeito à autoridade internacional no plano externo malham juntos.

Quanto mais um governo for autoritário em relação à liberdade de seus

cidadãos, tanto mais será libertário em fase da autoridade internacional.

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O individualismo é parte integrante da lógica da modernidade, que

concebe a liberdade como a faculdade de autodeterminação de todo ser

humano. Tem, como ponto de partida no plano epistemológico, o nominalismo,

que substituiu a preocupação aristotélica com o geral pelas substâncias

individuais.

Para Celso Lafer,

“Isto culminará na elaboração do conceito de direito subjetivo - especificamente dos poderes de agir atribuídos ao indivíduo – visto como um prius em relação ao direito objetivo e, por isso, convertido em palavra chave do Direito Moderno. É assim que Grócio define o direito, ao considerar o jus como faculdade da pessoa que a torna apta para possuir ou fazer algo. O direito subjetivo é uma figura afim com a dos direitos do homem e da personalidade todos representativos, no seu desenvolvimento teórico, do individualismo. Este manda, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a erosão de uma concepção hierárquica de sociedade na qual a igualdade somente se colocava no momento da morte. É por essa razão que no direito medieval a noção correspondente à do direito subjetivo é o conceito de privilégio – as prerrogativas concebidas aos “estamentos” ou “ordens” em torno das quais, na Idade Média e em grande medida até a Revolução Francesa, a sociedade se organizava na Europa”.14

A Idade Média propiciou a Reforma Protestante, movimento religioso

e social que abalou indelevelmente as estruturas religiosas, sociais e jurídicas

então vigentes, rompendo a concepção hierárquica não apenas no plano

religioso, mas também jurídico. As prerrogativas estamentais deram lugar aos

direitos do homem, e no plano religioso o indivíduo passou a ter a possibilidade

de salvar-se por seus próprios méritos, inclusive materiais, uma vez que o

14 Lafer, Celso, A reconstrução dos Direitos Humanos – Cia das Letras, pág. 120.

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sucesso financeiro, para os protestantes, era sinal de salvação individual. Além

do mais, a Igreja Católica perdeu o monopólio da salvação das almas, podendo

o indivíduo exercer a liberdade religiosa a partir de então. Do ponto de vista

Jurídico, a passagem do Estado absolutista para o Estado de Direito não

desconheceu a preocupação do indivíduo em estabelecer limites ao abuso de

poder do Estado em relação ao indivíduo. Analisando os processos de

mudança dos direitos do homem na história, Celso Lafer parte da perspectiva

“ex parte populi” e da perspectiva “ex parte principis” para concluir que:

A preeminência da perspectiva “ex parte populi” tem sua origem na

lógica da modernidade, que afirmou a existência de direitos naturais, que

pertencem ao indivíduo e que precedem a formação de qualquer sociedade

política. Disso resulta, como aponta Bobbio, o princípio solenemente

proclamado pelas Declarações americana e francesa, de que o governo é para

o indivíduo e não o indivíduo para o governo.

“Na perspectiva “ex parte principis”, que é a da governabilidade, os problemas práticos da tutela surgem em primeiro lugar em relação aos direitos de primeira geração. É o caso dos limites eventualmente impostos ao direito de reunião, de associação, de opinião ou de greve, tendo em vista a tradicional preocupação dos governantes com a ordem, até mesmo em situações de normalidade constitucional. Estes problemas surgem também, e seqüencialmente, em relação aos direitos de segunda geração, pois é a coletividade que, através do Estado enquanto o sujeito passivo destes créditos, fixa, em função dos meios disponíveis e das prioridades estabelecidas, em que medida pode e pretende saldar os compromissos assumidos em relação aos indivíduos em matéria, por exemplo, de saúde, educação ou trabalho. Na perspectiva “ex parte populi”, que é a da liberdade, uma das contradições, na prática, da tutela,

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resulta do fato de os direitos de primeira geração almejarem limitar os poderes do Estado, demarcando com nitidez a fronteira entre Estado e sociedade, e os direitos de segunda geração exigirem a ampliação dos poderes do Estado”.15

Com o surgimento do Estado liberal a lei era tida como expressão da

soberania popular. Mesmo recepcionando as declarações de Direitos do

homem, o Estado liberal não estendeu seus benefícios a todos os indivíduos,

privilegiando a burguesia em detrimento das demais camadas da população,

privadas da cidadania.

Para Mário Lúcio Quintão Soares,

“a imagem da sociedade, implícita ao paradigma do Estado liberal de direito, surgiu caracterizada pelo dualismo entre a sociedade civil, representada pela esfera privada e a sociedade política, representada pela esfera pública, competindo ao Estado, mediante o prositivismo, assegurar certeza nas relações sociais, compatibilizando os interesses privados de cada um com o interesse de todos os membros da comunidade”.16

Como bem anota o Jurista, vivemos nos primórdios deste século a

“passagem do Estado liberal (marcado pela idéia de limitação ao poder)

para o Estado Social (caracterizado pela participação no poder)”.17

15 Lafer, Celso, Op.cit., pág. 128/129 16 Soares, Mário Lúcio Quintão, Direitos Fundamentais e Direito Comunitário, p. 71, Del Rey, 2000. 17 Soares, Mário Lúcio Quintão, Op. cit. pág. 86

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3. - JURISDIÇÃO

3.1. - CONCEITO

O misticismo religioso predominava nas sociedades antigas, cuja

praxe judiciária era desprovida de qualquer sistematização. Mesmo em Roma,

por ocasião da formação da “civitas”, era função dos pontífices dar forma ao

procedimento, por meio de simbolismos e rituais, exercendo a jurisdição com o

objetivo de impedir a auto- tutela por parte dos litigantes18.

Muito embora o Direito Romano contemplasse dois institutos

ordinários de defesa de direitos, a “actio” e os “interdicta”, somente o

primeiro possuía natureza jurisdicional. Coerente com o seu conceito

morfológico (dicção de direito), a jurisdição era conhecida como simples

declaração de direitos. Por essa razão, os interditos do Direito Romano não

eram considerados de natureza jurisdicional, pois a ordem deles emanada

representava apenas a vontade do pretor.

Muito embora equivocada, essa concepção de jurisdição criada pelo

Direito Romano arrastou-se até nossos tempos, entendendo alguns que a

jurisdição somente estaria presente no processo de conhecimento, em função

do efeito declaratório do provimento. Obviamente, nas tutelas cautelares,

executiva e na arbitragem a jurisdição também está presente, pois o Juiz aplica

18 Tucci e Azevedo, Lições de História do Processo Civil Romano, pág. 41.

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a norma jurídica concreta definida na sentença (tutela jurisdicional imediata),

bem como assegura eficácia prática a providências cognitivas ou executivas

(tutela jurisdicional mediata).

A conceituação de jurisdição ainda não está pacificada. Chiovenda

define jurisdição como

“a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva”19.

O caráter substitutivo da vontade das partes também está presente

na conceituação de Cintra, Grinover e Dinamarco, que definem a jurisdição

como “uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos

titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a

pacificação do conflito que os envolve, com justiça”.20

A natureza substitutiva da jurisdição também é defendida por Manoel

Galdino da Paixão Júnior, para quem a jurisdição é a

“atividade soberana do Estado, com quem este, através de órgãos competentes e meios pré - determinados, por provocação do interessado, em caráter absolutamente definitivo, protege a ordem jurídica, faz atuar a lei em casos concretos, dirimindo e evitando conflitos particulares de interesses, agasalhando indiretamente direitos subjetivos”. 21

19 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, V. 2, pág. 8. 20 Cintra, Grinover, Dinamarco, Teoria Geral do Processo, pág. 125. 21Paixão Júnior, Manuel Galdino da, As três Figuras Básicas da Teoria Geral do Processo

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Inobstante a autoridade de tão ilustres Juristas, reduzir a jurisdição a

uma mera função substitutiva da vontade das partes não é condizente com um

estudo mais aprofundado do Instituto da Jurisdição. Com efeito, a teoria da

substituição não se aplica aos processos que envolvem direitos indisponíveis,

bem como aos atos judiciais puramente processuais, como, por exemplo, a

decisão que define questão sobre competência do Juízo.

O conceito moderno de Jurisdição está associado intrinsecamente

ao conceito de Estado Democrático de Direito. A constituição brasileira de

1988, em seu artigo 1º proclama:

“ art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,

constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

PARÁGRAFO ÙNICO

Todo poder emana do povo, que o exerce por meio

de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”.

O texto Constitucional não poderia ser mais claro e condizente com

um Estado Democrático de Direito que persegue: se todo poder emana do

povo, a fonte primária da Jurisdição é o próprio povo. Via de conseqüência, a

fonte secundária da Jurisdição é a Lei, votada e sancionada pelos

representantes do povo. Sendo assim, o órgão do Poder Estatal que tem a

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verdadeira função jurisdicional é o Legislativo. Ao Órgão Judiciário resta

apenas cumprir e aplicar a Lei. Outra não é a lição de Aroldo Plínio Gonçalves:

“É preciso, entretanto, ressaltar que, nas ordens jurídicas soberanas, ou seja, no Estado de Direito, o poder legitimamente constituído se exerce em conformidade com as normas que disciplinam a jurisdição”.

--------------------------------------------------------------

“A função jurisdicional no Estado Contemporâneo não é apenas a expressão de um poder, mas é atividade dirigida e disciplinada pela norma Jurídica.”22

No Estado Democrático de Direito as normas constitucionais

garantem os postulados necessários para se prevenir ou dirimir litígios. A

nossa Constituição Federal enuncia tais postulados, principalmente em seu

artigo 5º , incisos II, L III, L IV, L V. Kelsen já ensinava que

“a sentença judicial como função da jurisdição é a aplicação das determinações abstratas da norma geral para a realização de ato concreto de coação, projetando-se de modo constitutivo, a própria criação do direito, uma nova relação, determinando a existência de um fato concreto. O fim do Estado se realiza tecnicamente por meio do aparelho administrativo, da mesma forma que por meio dos Tribunais” 23

É importante ressaltar que o provimento exarado pelo Juiz não tutela

a norma Jurídica mas apenas define sua aplicação no espaço, no tempo e ao

22 Gonçalves, Aroldo Plínio, Téc. Processual e Teor. do Processo Ed. Aide 1ª Ed. 1992, pág.50,53 23 Rosas, robeto, Direito Processual Constitucional, Ed. Revista dos Tribunais,3ª Ed., pág.13

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caso concreto, pois conforme ficou demonstrado a jurisdição compete ao órgão

legislativo.Os provimentos do judiciário são atos judicacionais e não

Jurisdicionais.

A função da sentença não é tutelar a lei, mas tão somente definir

a tutela da lei, ou seja, aplicar o seu conteúdo ao caso concreto. Para José

Alfredo de Oliveira Baracho :

“A jurisdição é a função de declarar o direito aplicável aos

fatos, bem como é a causa final e específica da atividade do judiciário.” 24

Inobstante conceituação tão categórica, quase definitiva, o

constitucionalista observa que:

“Trata-se de conceito de direito público, que no dizer de Castro Nunes não esta preso, exclusivamente, ao direito judiciário. Vinculado a grande parte da atividade do Estado moderno, que é mais definido pela “Jurisdicionalização”, com a ocorrência da sujeição de suas atividades ao acatamento das normas por ele fixadas. Nessa conclusão, conceituar jurisdição pelo órgão que a realiza é fixar-se ao critério formal, um dos elementos para a sua noção mas não o único. A jurisdição está assentada no ato jurisdicional, que se efetiva pela realização da norma e sua aplicação ao caso concreto.”25

Para Moacyr Amaral Santos,

“A jurisdição é função do Estado, exercendo-se com a mesma finalidade a todas as espécies de conflitos de interesses, qualquer que seja a natureza destes. As atividades Jurisdicionais não diversificam porque o conflito a compor-se é de natureza penal, civil,

24 Baracho, José Alfredo de Oliveira, Processo Constitucional, Forense, 1984, pág.75 25 Baracho, José Alfredo de Oliveira, op. cit. pág. 76

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trabalhista, eleitoral. Nesse sentido se diz que a função jurisdicional é una, sempre idêntica “.26

Equivocaram-se, contudo, os brilhantes juristas, ao atribuir

exclusividade ao Estado para o exercício da atividade jurisdicional. A

arbitragem, regulamentada entre nós pela lei n.º 9.307, de 23 de setembro de

1996, consagra ao árbitro ( Juiz de Fato e de Direito), poderes Jurisdicionais ou

judicacionais. A arbitragem tem natureza jurisdicional mas origem contratual.

Seu exercício não é exclusivo do Estado, que somente atua supletivamente na

solução de conflitos patrimoniais sujeitos à arbitragem.

3.2. - PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO

3.2.1. - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À TUTELA

JURISDICIONAL

Presente nos textos constitucionais de 1947 e 1967, o princípio do

direito à tutela constitucional foi aprimorado pelo constituinte de 1988, no artigo

5º , início XXXV da Constituição Federal.

O aprimoramento do atual texto constitucional diz respeito à inserção

da expressão “ameaça a direito”, bem como da exclusão do adjetivo

“individual”, em relação ao direito ameaçado. Na esteira dos países mais

avançados Juridicamente, ampliou-se a proteção aos direitos coletivos e

difusos, os quais eram relegados a segundo plano no Brasil. Por sua vez, a

26 Santos, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1º volume, 5ª Ed., pág.67

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Constituição Federal ao não admitir sequer “ameaça a direito”, alçou a nível

superior os chamados “Juizos preventivos”, até então somente

contemplados na legislação infra- constitucional. A partir de 1988 está o Estado

autorizado a intervir quando simples ameaça a direito for perpetrada.

O direito à tutela jurisdicional ultrapassa os limites da soberania

nacional, para tornar-se princípio consagrado universalmente por todas as

nações democráticas do mundo. Consta do artigo 10 da Declaração Universal

dos Direitos do Homem, proclamada pela organização das Nações Unidas em

10 de Dezembro de 1948 o seguinte:

“Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com equidade, por um tribunal competente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações, ou para o exame de qualquer anulação contra ela dirigida, em matéria penal”.

A convenção Americana sobre Direitos Humanos, firmada em São

José da Costa Rica em 22 de Novembro de 1969, em seu artigo 8º , I,

determina que

“que toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um Juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior, na defesa de qualquer ameaça penal contra ela formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou qualquer outra natureza”.

Não se deve confundir direito de petição e direito à tutela

jurisdicional. O direito de petição consiste na faculdade de uma pessoa ou

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grupo de pessoas apresentar reclamação a determinado órgão público, em

relação a deveres da administração, ou seja, o direito de petição tem natureza

nitidamente administrativa. O direito à tutela jurisdicional, na lição de Manuel

Galdino da Paixão Júnior envolve

“as garantias de que a coisa julgada chegará em tempo hábil, sem retardamentos, e, se for o caso, de que a execução se encerrará com a efetiva satisfação do título e em processo em que tiveram oportunidades reais de participação todos os interessados, que encontraram abertas e desimpedidas as portas do Poder Judiciário”. 27

3.2.2. - PRINCÍPIO DA INÉRCIA

O funcionamento dos órgãos Jurisdicionais somente se verifica após

provocação da parte interessada. Para que uma questão seja examinada pelo

Judiciário é necessário que a controvérsia de direito material seja levada ao

conhecimento do Estado, que age como ente político, transformando-se em

Estado Juiz, com o poder – dever de aplicar o direito. Vêm dos romanos e

ainda são válidos os brocardos “nemo iudex sine actore” e “ne procedat

iudex ex officio”. O princípio da inércia, mesmo estando inscrito no artigo 2º

do Código de Processo Civil, sofre algumas exceções, como, por exemplo, a

arrecadação de bem de ausente (art. 1.160 do Código de Processo Civil), a

abertura de inventário (art. 989 do mesmo diploma legal), a decretação da

falência se não satisfeitos os requisitos para a concessão da concordata

27 Júnior, Manuel Galdino da Paixão, As Três Figuras Básicas da Teoria do Processo, pág. 41.

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(art. 162 do Decreto – Lei 7-661/45) e a concessão de habeas corpus (art. 654,

12º , do Código de Processo Penal).

O princípio da inércia é a garantia da imparcialidade do Juiz. Caso

fosse facultado ao magistrado operar de ofício em qualquer circunstância,

podendo instaurar processos sem qualquer provocação, o risco de uma postura

tendenciosa seria extremamente grave para o jurisdicionado.

3.2.3. - PRINCÍPIO DA INVESTIDURA

Consiste em reservar o exercício da Jurisdição apenas àqueles que

tenham sido regularmente investidos na autoridade do cargo de Juiz. De

acordo com a Constituição Federal (art. 93, I), o provimento dos cargos de Juiz

se faz por meio de concurso público de provas e títulos, com a participação da

Ordem dos Advogados do Brasil. Exceções à regra são as investiduras dos

juizes que ingressam nos tribunais oriundos da advocacia ou do Ministério

Público, bem como os juizes membros do Supremo Tribunal Federal.

3.2.4. - PRINCÍPIO DA ADERÊNCIA AO TERRITÓRIO

É o princípio que determina limitações territoriais à autoridade dos

juizes. Assim como os órgãos do Executivo e do Legislativo, os magistrados

somente tem autoridade em determinada área do território nacional. Os

membros dos tribunais Superiores tem autoridade em todo território nacional;

os membros dos Tribunais de Justiça e Alçada no território do respectivo

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Estado; os membros dos Tribunais Regionais Federais na respectiva Região;

os juizes de Direito nas comarcas e os juizes Federais nas respectivas seções

Judiciárias.

Em função desse princípio, a prática de atos Jurisdicionais fora da

área de atuação do Juiz é restrita somente aos casos de citação por via portal

e em comarcas contíguas. Assim sendo, o Juiz depende da cooperação do Juiz

investido nas funções judicantes do local em que deve ocorrer o ato, utilizando

para tanto as cartas precatórias (nos limites do território nacional) e as cartas

rogatórias (com os países que mantém tratados com o Brasil).

3.2.5. - PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE

O princípio da indelegabilidade expressa a impossibilidade de delegação de

atribuições pelos órgãos dos Poderes do Estado. A constituição Federal atribui poderes

ao Judiciário, sendo defeso à lei ou aos próprios membros do Judiciário delegar as

atribuições que lhe são fixados pela carta magna.

Interna corporis, não pode o Juiz delegar funções a outro órgão, uma

vez que cada magistrado age representando o Estado, como um de seus

agentes políticos.

Esse princípio também comporta exceções, como a prevista no

artigo 102, I na da Constituição Federal – delegação de atribuições para a

prática de atos processuais na execução das decisões de competência

originárias do Supremo Tribunal Federal – pelos artigos 201 e 492 do Código

de Processo Civil – cartas de ordem, instrumentos oriundos da instância

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superior e dirigidos à instância inferior. A lei 9307, de 23 de Setembro de 1996,

que dispões sobre a arbitragem, reza em seu artigo 18:

“art. 18 – o árbitro é Juiz de fato e de direito, e a sentença que

proferir não fica sujeita a recurso ou homologação pelo Poder

Judiciário”.

Trata-se, sem dúvida alguma, de mais uma exceção ao princípio da

indelegabilidade.

3.2.6. - PRINCÍPIO DA INEVITABILIDADE

Pelo princípio da inevitabilidade todos os jurisdicionados estão

sujeitos à autoridade dos órgãos jurisidicionais, uma vez que, sendo emanação

do próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma, independentemente

da vontade das partes ou de eventual pacto para aceitarem os resultados do

processo.

3.2.7. - PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Encontra-se sacramentado na Constituição da República, no artigo

5º , incisos LIII e XXXVII, que assegura que ninguém será processado nem

sentenciado senão pela autoridade competente, sendo vedada a criação de

Juízo ou Tribunal de exceção. Esse princípio já constava da Constituição

Imperial brasileira de 1824, em seu artigo 179, XVII (à exceção das causas que

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por sua natureza pertençam a Juízos especiais, não haverá foro privilegiado

nem comissões especiais nas causas cíveis ou criminais), bem como no artigo

149, II (“ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente; por

virtude de lei anterior e na forma por ela estabelecida”).

3.2.8. - PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL

O Ministério Público foi meritoriamente valorizado pela Constituição

de 1988, que o consagrou como instituição permanente essencial à função

Jurisdicional do Estado, recebendo a incumbência de defender a integridade da

ordem Jurídica e, consequentemente, do regime democrático. Como

conseqüência, ninguém pode ser processado senão por um promotor

previamente constituído, sendo vedada qualquer designação posterior à

instauração do processo. A lei Orgânica Nacional do Ministério Público, lei n.º

8625 de 15/02/1993, consagrou explicitamente o princípio do promotor natural,

ao dispor sobre a vedação dos órgãos auxiliares de atuar como órgãos de

execução (art. 33, V) e ao vincular à designação para acompanhamento de

inquérito policial ou diligência investigatória ao membro que, em tese, pudesse

oficiar posteriormente na ação (art. 10, IX, e).

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4. - ARBITRAGEM

4.1. - CONCEITO

Na concepção do Professor Cézar Fiuza,

Arbitragem, enquanto equivalente jurisdicional, constitui

espécie autônoma, ocorrendo sempre que duas ou mais pessoas

submetam suas disputas ao arbítrio de terceiro, não integrante dos

quadros do Poder Judiciário.

É espécie autônoma, por não se confundir com

autocomposição, em que não há intervenção de terceiro, como árbitro,

nem tampouco com mediação, em que o terceiro intervém não para

decidir a disputa, mas para promover acordo entre as partes querelantes.

A disputa é elemento essencial para que se dê a arbitragem.

Não qualquer disputa, mas disputa que diga respeito a direitos

disponíveis. Há matérias, que por tratarem de direitos indisponíveis, não

se sujeitam jamais à arbitragem. Tal é o caso do Direito de Família, em

geral. A não ser nos casos de separação de patrimônio, ou até mesmo

guarda de filhos, não se admite o juízo arbitral. Seria intolerável a idéia

mesma de arbitragem para solucionar questão relativa à perda ou à

manutenção do pátrio poder, por exemplo.

Outra observação importante refere-se à natureza da disputa.

Esta será normalmente de Direito Privado. Não que o Direito

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Administrativo não possa ter acesso a ela. Questões referentes a

contratos administrativos, por exemplo, poderiam perfeitamente ser

solucionadas por árbitros privados. Acontece que na esfera do direito

Público entra fator que, como regra, tolhe recurso a juízo arbitral: é o

interesse público. Inconcebível seria a arbitragem para decidir a perda ou

manutenção de mandato eletivo, ou mesmo perda de cargo público, ou

ainda, no Direito Penal, condenação ou absolvição de homicídio ou

qualquer outro crime, a princípio.28

Segundo Álvaro Villaça Azevedo,

“a arbitragem é um acordo de vontades de que se utilizam os contratantes, preferindo não se submeter a decisão judicial, com o objetivo de dirimir seus conflitos de interesses presentes ou futuros, por meio de árbitro ou de árbitros”.

Carlos Alberto Carmona conceitua o intuito como sendo:

“meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial” 29

Para José Cretella Júnior, arbitragem é:

“o sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos

28 Azevedo, Álvaro Villaça, Revista dos Tribunais, nº 653, pág. 12, Julho de 1998. 29 Carmona, Carlos Alberto, Arb. E Proc. Um Coment. à lei 9307/96, Sp, Ed. Malheiros 1998, pág.43

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especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual, duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida”.30

Da conceituação oferecida pelos doutrinadores depreende-se que

são elementos essenciais da arbitragem:

a) a existência de controvérsia entre as partes, versando sobre

direito patrimonial disponível;

b) a existência de uma convenção arbitral estipulada pelas partes,

onde haja a indicação de um ou mais árbitros e a delimitação do litígio a ser

dirimido;

c) a vinculação das partes à sentença arbitral.

1.3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA ARBITRAGEM NO DIREITO INTERNACIONAL

O estudo da história da arbitragem é de fundamental importância para que possamos

compreender as razões do surgimento do instituto e todas as etapas de desenvolvimento pelas quais ele

passou até chegar à sua configuração atual. Somente no passado é que podemos encontrar as origens das

atuais disposições legais pertinentes à arbitragem.

30 Júnior, José da Cretella, Arb. E Seu Conceito. Categorial, R.I. Legislativa, nº98, abril/junho, pág.128.

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Os professores JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI e LUIZ CARLOS DE AZEVEDO, na

obra de autoria de ambos, entitulada Lições de História do Processo Civil Romano, nos dão a razão do

prestígio e do propósito da história do Direito:

“...oferecer ao Direito atual a compreensão de sua retrospectiva, esclarecendo as dúvidas e levantando, passo a passo, a estrutura do seu ordenamento, seus institutos mais perenes, suas bases de fundo e suas características de forma, até chegar à razão de ser de seu significado e conteúdo”.31 “O estudo da evolução desse Direito permite fornecer os fundamentos sociais, políticos, econômicos e culturais que nortearam a conduta desse conglomerado humano, estabelecendo, também, os motivos que causaram as periódicas transformações na sua legislação”.32

O instituto da arbitragem é um dos mais antigos de que se tem notícia na história do

Direito, sendo noticiada a sua existência na Babilônia, de 3.000 anos antes de Cristo, na Grécia antiga e

em Roma. . “A arbitragem, mais do que um fenômeno internacional é um fenômeno intercultural”.33

A arbitragem, na sua forma mais civilizada, é encontrada em Roma, primeiro de forma

exclusiva e, depois, concorrendo com a justiça estatal.

“No princípio, quando ainda não inexistia o Estado, como poder político, os conflitos de interesses eram resolvidos pelos próprios litigantes, ou pelos grupos a que pertenciam, sendo a transposição dessa modalidade de justiça privada para a justiça pública produto de lenta e segura evolução”.34

Segundo os ensinamentos do professor JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES apud ALVIM

(2000), essa evolução se fez em quatro etapas:

a) na primeira, os conflitos entre particulares são, em regra, resolvidos através do uso da

força. Numa primeira etapa, na medida em que as instituições ainda eram tênues e incapazes de

solucionar os conflitos de interesse, seja por falta de organização seja por falta de autoridade, fez a justiça

de mão própria ou autotutela. Em fase sucessiva, dá-se a continuidade da chamada justiça privada,

entretanto, não mais diretamente pelo próprio ofendido, mas pelo grupo social a que ele pertence. O

Estado, até então incipiente, intervém em questões ligadas à religião; e os costumes vão estabelecendo,

paulatinamente, regras para distinguir a violência legítima da ilegítima;

31 TUCCI, p. 23 32 Ibidem. p. 22

33 JARROSSON, p. 1 34 ALVIM, 2000. p. 14

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b) na segunda etapa, surge o arbitramento facultativo: a vítima, ao invés de usar a vingança

individual ou coletiva contra o ofensor, prefere, entrando em acordo com este, receber uma indenização

que a ambos pareça justa, ou escolher um terceiro (árbitro) para fixá-la;

c) na terceira etapa, surge o arbitramento obrigatório: o arbitramento facultativo somente

era utilizado quando os litigantes o desejassem e, como esse acordo nem sempre existia, daí resultava que,

a mais das vezes, se continuava a empregar a violência para a defesa do interesse violado; por isso o

Estado não só passou a obrigar os litigantes a escolherem árbitros que determinassem a indenização a ser

paga ao ofendido, mas também assegurar a execução da sentença se, porventura, o réu não quisesse

cumpri-la; e

d) por último, na quarta etapa, o Estado afasta o emprego da justiça privada e, por meio de

funcionários seus, resolve os conflitos de interesses surgidos entre os indivíduos, executando, à força se

necessário, a decisão. A função de solucionar os conflitos é encampada pelo Estado, com a possibilidade

de execução forçada da sentença.35

“No entanto, mesmo nessa etapa, se as partes concordassem, era lícito dirimir o conflito

mediante a designação do árbitro”.36

Vigoraram, desta forma, em Roma, duas modalidades de arbitragem: a arbitragem

facultativa, contratualmente estabelecida pelos litigantes; e a arbitragem necessária (obrigatória) típica do

período da ordo iudiciorum privatorum, que vigorou até a extinção do sistema formulário, substituído

pelo sistema da cognitio extraordinária.

OLIVEIRA FILHO, em sua obra Curso de Prática do Processo, afirma que o organismo do

compromisso arbitral encontra-se na Lei das Doze Tábuas, no direito romano. O instituto do juízo arbitral

mereceu expressa disposição no Digesto (Liv. IV, Tít. 8; Cód. Liv. II, Tít. 55), sob a epígrafe De receptis.

O receptum era uma assunção não formal de responsabilidade, sancionada pelo pretor de vários modos,

da parte de determinados sujeitos, árbitros, armadores de navios, hoteleiros, estaleiros e banqueiros, do

que resultavam três distintas formas de recepta: arbitrii, nautarum cauponum e stabulariorum,

argentarii.37

No direito canônico, o instituto da arbitragem está previsto no Decr., Tít. De arbitr., I, 42 -

C. 14.

35 MOREIRA ALVES apud ALVIM, 2000. p. 15 36 Ibidem. p. 15 37 OLIVEIRA FILHO, 1938. p. 318

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FOUSTOUCOS, diz JARROSSON, estima que a arbitragem teria aparecido na Grécia

clássica (século VI a IV a.C.), tendo inúmeras arbitragens tido lugar nas cidades gregas a partir do século

IV a.C. Solon introduziu-a nas suas reformas, e Aristóteles distinguiu o juiz do árbitro: “O árbitro visa à

eqüidade, o juiz à lei; a arbitragem foi inventada para que a equidade fosse aplicada”.38

Em Roma, a arbitragem era conhecida desde a mais alta Antigüidade: no período arcaico

(século VII a VI a.C.), conhecia-se o arbitrium liti aestimandae, pelo qual o árbitro fixava o montante da

reparação devida pelo culpado, após o juiz (iudex) ter pronunciado o julgamento sobre a sua

culpabilidade. Em seguida, a arbitragem ex compromisso foi moeda corrente; é a Cícero que se atribui a

idéia de que “a arbitragem é o meio de não ganhar completamente um bom processo, nem perder

completamente um mau processo”. Em idade clássica, no direito justinianeo, o pacto de compromisso é

sancionado por ação quando vem reforçado pelo juramento das partes e dos árbitros, ou ainda quando os

litigantes tenham aceitado por escrito a decisão arbitral e deixado de impugná-la no prazo de dez dias,

tornando-se, assim, obrigatória a pronúncia arbitral, cujo inadimplemento espontâneo era atacado através

da actio in factum ou conditio ex lege, que era uma ação ajuizada perante o magistrado para compelir a

parte recalcitrante à execução do laudo arbitral, estando vedado ao juiz o julgamento do mérito.

Posteriormente, na sua primeira Constituição, Justiniano modificou o sistema, devido a freqüentes

perjúrios das partes interessadas em iludir o laudo arbitral; determinaria que o magistrado interviria na

execução do laudo, se tivesse havido uma anterior stipulatio poenae, no compromisso ou na cláusula

arbitral. No Baixo-Império, a justiça arbitral desenvolveu-se entre os cristãos, com os bispos arbitrando as

diferenças entre os membros das comunidades cristãs. Essa modalidade de arbitragem teria sido

encorajada por Constantino, e também era conhecida pelos visigodos.39

A arbitragem também é encontrada em outras culturas que não a greco-romana. O Corão

distingue o hakam (árbitro) do qadi (juiz), e a Bíblia também faz menção a ela.40

Em quase todos os estatutos da Idade Média está presente a arbitragem. Observa

CARMONA, seguindo a lição de GIANNI SCHIZZEROTO, que é possível apontar “pelo menos cinco

38 FOUSTOUCOS apud JARROSSON, p. 1 39 FOUSTOUCOS apud JARROSSON, p. 1-2 40 FOUSTOUCOS apud JARROSSON, p. 2

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causas para o desenvolvimento da arbitragem durante a Idade Média: ausência de leis ou sua excessiva

dureza e incivilidade; falta de garantias jurisdicionais; grande variedade de ordenamentos; fraqueza dos

Estados; e conflitos entre Estado e Igreja”.41

A partir do século XII, a Idade Média está repleta de casos de

arbitragem entre cavaleiros, entre barões, entre proprietários feudais e entre soberanos distintos, além de

ter surgido nesta mesma época a arbitragem comercial, à medida que os comerciantes preferiam que seus

conflitos fossem dirimidos por árbitros que eles indicassem, porquanto mais rápido e eficientes em

relação aos tribunais oficiais.42

Na França, na Idade Média, a arbitragem foi freqüente, notadamente nos foros. Depois das

Ordenanças reais de 1510, 1516 e 1535, o édito de François II, de 1150, confirmado pela Ordenança de

Moulins, as Ordenanças de 1629, 1667 e 1673 levaram esta instituição até o período revolucionário,

quando ela continuou o seu apoeu.43

Em Portugal, segundo OLIVEIRA FILHO, já era admitido o uso de recorrer-se aos

amigáveis compositores ou compromissários do direito romano no século XIII; recebido esse direito e o

canônico nas escolas e no foro, suas disposições sobre o juízo arbitral foram condensadas no Livro 3.º,

Título 118, das Ordenações Affonsinas; Título 81 das Ordenações Manuelinas; e Título 18 das

Ordenações Filipinas, legislação essa que passou a viger no Brasil em virtude da carta de lei de 20 de

outubro de 1823.44

1.4. ANTECEDENTES DA ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO

A Constituição Imperial de 1824 dispunha sobre a arbitragem no

41 CARMONA, p. 42 42 SOARES, p. 380 43 FOUSTOUCOS apud JARROSSON, p. 2 44 OLIVEIRA FILHO, 1938. p. 318

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seu artigo 160, no Título destinado a tratar do Poder Judiciário: “Nas causas cíveis e nas penais

civilmente intentadas, poderão as partes nomear juizes árbitros. Suas sentenças são executadas sem

recurso, se assim o convencionarem as partes”.45

A Resolução de 26 de julho de 1831 admitia o juízo arbitral para o julgamento das causas

de seguro, e a Lei n.º 108, de 11 de outubro de 1837, para as locações de serviços”.46

Seguindo a linha do Código Comercial francês de 1807, o Código Comercial brasileiro de

1850, instituiu o juízo arbitral obrigatório para determinadas causas, dentre as quais as surgidas entre

sócios de sociedades comerciais, durante a sua existência ou por ocasião de sua liquidação e partilha, em

confronto com o disposto na Constituição do Império de 1824.47

O Regulamento n.º 737, de 25 de novembro de 1850, também tratou do instituto da

arbitragem, sob o prisma processual, distinguindo a arbitragem obrigatória da arbitragem facultativa (art.

411), reservando aquela para as causas comerciais, e esta para as demais causas.48

“O regime da arbitragem obrigatória sofreu duras críticas dos juristas da época, terminando por retornar a voluntariedade através da Lei n.º 1.350, de 1866, que, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto n.º 3.900, de 26.06.1867”.49

O Decreto n.º 3.900 inseriu a permissão de julgamento eqüitativo, mediante autorização das

partes, ao árbitro, critério que se expandiu para a legislação posterior.50

Com o advento da República, foi promulgada a Constituição de 1891, que não reproduziu

preceito análogo ao art. 160 da Constituição do Império. Entretanto, a arbitragem não foi ab-rogada no

direito pátrio, cuja prática foi mantida e autorizada pelas leis, sendo consolidada pelo Decreto n.º 3.084,

de 5 de novembro de 1898.51

45 FIGUEIRA JÚNIOR, 1996. p. 32 46 OLIVEIRA FILHO, 1938. p. 318 47 ALVIM, 2000. p. 18 48 Ibidem. p. 18 49 FIGUEIRA JÚNIOR, 1996. p. 32 50 ALVIM, 2000. p. 18 51 Ibidem. p. 19

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Os Estados-Membros e o Distrito Federal passaram a ter competência para legislar sobre

Direito Processual. Eles adotaram, em seus Códigos, o juízo arbitral voluntário, facultando às partes

dirimir os seus

conflitos através da arbitragem. “O juízo arbitral será sempre voluntário e o processo e o julgamento

regular-se-ão pelas disposições do Decreto n.º 3.900, de 26 de junho de 1867”52

Retornando ao sistema da unidade processual, com a Constituição Federal de 1934, que foi

mantida pela Constituição Federal de 1937, foi promulgado o Código de Processo Civil de 1939,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 1.608, de 18 de setembro de 1939, que tratou do juízo arbitral no seu Livro

IX, Título único, arts. 1.031 a 1.046.

O Código Civil de 1916 dispunha sobre a matéria nos artigos 1.037 a 1.048, no Capítulo X,

intitulado Do Compromisso, com algumas alterações trazidas pelo Decreto Legislativo n.º 3.725, de 1919.

As Constituições que se seguiram (1946, 1967 e 1969) não trataram da arbitragem.

Em 11 de janeiro de 1973 instituído, através da Lei n.º 5.869, o novo Código de Processo

Civil brasileiro. Ele disciplinou o juízo arbitral no Livro IV (Dos Procedimentos Especiais), Título I (Dos

Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa), Capítulo XIV (Do juízo arbitral), em trinta artigos

(1.072 a 1.102).

Com o avento da Constituição Federal de 1988, a arbitragem voltou a ter sede

constitucional, sendo consagrado nos §§ 1.º e 2.º do art. 114.

No dia 23 de setembro de 1996 foi sancionada pelo Presidente da República a Lei n.º 9.307,

que passou a regular o instituto da arbitragem no país, trazendo inúmeras inovações que aproximaram a

referida lei brasileira das mais modernas leis que tratam da arbitragem no mundo. Esta lei revogou os

dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil, passando a disciplinar a arbitragem em todo

o Brasil.

52 Art. 730 do Código de Processo Civil do Distrito Federal (1924)

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4.3. - NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM

Quatro correntes doutrinárias procuram explicar a natureza jurídica

da arbitragem:

a) Natureza Contratual : Para essa corrente a opção pela

utilização de árbitros é um contrato, cujo objetivo seria a renúncia à Jurisdição.

O poder atribuído pelas partes ao árbitro não teria cunho jurisdicional, pois as

partes não possuindo o poder da jurisdição não poderiam delegá-la. Ao árbitro

faltaria o poder de coação e o poder de império, sendo impedido de impor

sanção e compulsoriamente determinar o cumprimento de sua sentença.

b) Natureza Jurisdicional: Segundo essa corrente, apesar de

eleitos pelas partes, o poder jurisdicional dos árbitros vem da lei. A lei equipara

os árbitros aos Juizes de Direito, investindo- os no exercício privado de funções

públicas, sendo o compromisso uma ampliação da jurisdição e o laudo uma

verdadeira sentença. É importante ressaltar que a Lei 9307/96 utiliza a

terminologia sentença arbitral e não laudo arbitral (capítulos V e VI), conferindo

obrigatoriedade e autoridade de coisa julgada à sentença arbitral,

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independentemente de sua homologação pelo Juiz estatal (art. 18 e 31), já que

o árbitro é Juiz de fato e de Direito (art. 18).

c) Natureza Mista: Os adeptos dessa teoria conciliam as duas

tendências anteriores, ressaltando o caráter obrigacional da arbitragem, já que

nasce da vontade das partes, bem como sua natureza jurisdicional e pública,

porque regula uma relação de direito processual. O compromisso é de base

contratual, porque regulamenta a vontade das partes e estabelece as diretrizes

do Juízo arbitral. Por sua vez a sentença arbitral, que não integra o

compromisso, opera seus efeitos independentemente da vontade das partes

mas sim por força legal.

d) Teoria da equivalência jurisdicional: Os adeptos dessa teoria

consideram a arbitragem um equivalente jurisdicional, possuindo elementos da

Jurisdição. Muito embora desprovido de poder de império para mandar executar

sua sentença, o árbitro possui todos os demais poderes do Juiz, inclusive o

poder acautelatório, indispensável muitas vezes para se alcançar com

segurança os efeitos da sentença arbitral.

A Jurisdição faz parte da soberania do Estado. A arbitragem utiliza a

Jurisdição do Estado, naquilo que o árbitro não tem competência.

É unívoco entre os processualistas e constitucionalistas que a

Jurisdição, como poder proveniente da soberania do Estado não comporta

divisões. O Professor Alfredo de Oliveira Baracho, ensina que na verdade “O

que existe são múltiplas manifestações de uma só Jurisdição, para

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atender à pluralidade e à especialização decorrentes do ordenamento

jurídico”.53

É importante ressaltar que tanto os magistrados quanto os árbitros

são juizes. O que os diferencia é a natureza da investidura. Enquanto o

magistrado é nomeado pelo Estado, o árbitro é nomeado livremente pelos

litigantes (natureza contratual). Exercem idênticas funções, com idêntica

legitimidade.

O grave problema que se coloca para a sobrevivência da arbitragem

e eficácia das decisões arbitrais é a resistência ainda rigorosa da esmagadora

maioria dos publicistas, que inseriram na Constituição Federal o princípio da

inafastabilidade da jurisdição estatal (CF, art. 5º , XXXV, XXXVII, LV).

53 Baracho, José Alfredo de Oliveira, Op. Cit. pág. 43.

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5. - NOÇÃO DE SENTENÇA

Antes de adentrarmos no estudo específico da sentença arbitral e

seus efeitos, mister se faz a verificação da noção de sentença perante a

doutrina.

Para se entender a colocação efetuada por James Goldschmidt,

necessário é primeiramente observar-se sua idéia sobre atos judiciais.

Segundo o jurista, no ponto central destes se encontram as decisões ou, para

ser fiel à tradução espanhola consultada, “las resoluciones”, que define

como: “manifestaciones de voluntad emitidas por el juez com el fin de

verificar lo que estima justo”.54

Todavia, Goldschmit efetua uma sensível diferenciação entre

decisão e sentença, pois enquanto aquela seria toda e qualquer ação do Juiz

no sentido de fazer justiça através do processo, esta é tão-somente o ato do

qual o Juiz, “constituindo efeitos processuais”, concretiza essa justiça.

Para melhor entendimento, lancemos as palavras do mestre:

“En el centro de los actos judiciales se encuentran las resoluciones. En efecto, toda la actividad del juez, como aplicación del Derecho, es resolución o, por lo menos, la supone. Resolución es la declaración de lo que el juez estima justo en el caso concreto. Es el resultado de un proceso mental, y, por eso, un juicio. Esta calidad de la resolución se manifesta con la maxima claridad en la sentencia declarativa, en que el juez parace limitarse a la participación de um resultado lógico.Sin embargo, tampoco la sentencia

54 Goldschmidt James, Princípios del Processo, vol.I, Ed. Jurídica Europa-América, B. Aires, 1961,p.194

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declarativa es la mera participación de unconocimiento, sino el mandamiento de que lo que el juez há estimado justo, tenga vigor ante los tribunales. Menos aún lo son las demás resoluciones, cuyo carácter declarativo no aparece tan ostensiblemente. Más bien son, al mismo tiempo, medidas, a através de las cuales el juez verifica lo que há estimado justo, ya sean declaraciones de voluntad, como, por ej., las sentencias de condena, pero también citaciones, emplazamientos, requerimientos, suplicatórios, exhortos, cartas-órdens y mandamientos”(ob. cit., p. 193).

Do texto citado também se infere inequivocamente que Goldschmidt

considera a sentença como um ato de vontade.

Tanto assim que considera como requisitos de validade da sentença:

a) Deve ser ditada por uma autoridade no exercício das faculdades

que lhe correspondam para que possa resolver o litígio;

b) Que seja a decisão judicial manifestada de modo que resulte

inequívoca a vontade de que valha como sentença;

c) Que tenha um conteúdo declarativo suficientemente claro;

d) Que existam as partes e que aquela contra a qual seja emitida a

sentença esteja submetida à jurisdição do Estado.55

Esta, em rápidas pinceladas, a posição de Goldschmidt.

Posição de Chiovenda:

55 Goldschmit, James, Op. Cit. Pág. 204.

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“Conceitualmente “sentença” é o pronunciamento sobre a demanda de mérito e, mais precisamente, o provimento do Juiz que afirma existente ou inexistente a vontade concreta de lei alegada na lide”.56

Defendendo também a idéia de que sentença é um ato de vontade,

o mestre Romano parte para uma minudente classificação das sentenças, a

seguir transcrita:

“a) Sentenças definitivas, que podem ser: 1)definitivas sobre o mérito, se, constituída regularmente a relação processual, o juiz lhe põe fim, satisfazendo a obrigação de se pronunciar sobre a demanda, acolhendo-a, ou rejeitando-a; 2)absolutórias da observância do processo, se, não constituída regularmente a relação processual, o juiz apenas manifesta não poder prover quanto ao mérito; ou se a relação desaparece sem a decisão do mérito (perempção, renúncia) e o juiz a declara finda; ou se o autor se torna revel e o réu requer a absolutória do processo, assim como da demanda. b)Sentenças interloculótorias, que não põem fim á relação processual, mas provêem no curso dela sobre determinado ponto da causa; uma vez, contudo, que tais questões, capazes, cada uma delas, de dar ensejo a uma sentença no curso da lide, são muito diversas entre si, a doutrina subdivide, por sua vez, as sentenças interlocutórias em: a)sentenças incidentes, que se pronunciam sobre a existência da relação processual (por exemplo: rejeitando uma exceção de incompetência), ou que provêem sobre a intervenção voluntária ou forçada, ou sobre a união das causas (proponibilidade da intervenção principal; de chamada em garantia; de reconvenção); b)sentenças preparatórias, que regulam o desenvolvimento da relação processual; tal a sentença que ordene a mudança do rito, a que ordene a integração do instância; c)sentenças provisionais, que provêem sobre demanda de medidas acautelatórias ou provisórias; d)sentenças interlocutórias em sentido

56 Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, vol.III,Saraiva, 1965,p.29).

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próprio, que provêem sobre a formação do material de cognição e, portanto, tocam mais de perto do mérito (admissão de meios instrutórios). Uma sentença interlocutória pode decidir definitivamente um artigo de demanda: tem-se, então, uma sentença em parte interlocutória, em parte definitiva. De outro lado, pode-se, numa interlocutória, resolver uma questão de fato e de direito concernente ao mérito: tem-se então uma preclusão de questões”.57 “O nome de sentenças declaratórias (jugements declaratoires, Feststellungsurteile, declaratory judgements) compreende latu sensu todos os casos em que à sentença do juiz não se pode seguir execução. Neste largo significado, inclui-se todo o acervo das sentenças que rejeitam a demanda do autor e o das sentenças constitutivas: as primeiras declaram a insubsistência do direito que se fez valer em juízo; as segundas declaram a subsistência do direito à modificação do estado jurídico atual, modificação que não se realiza por via de execução, mas se atua ope legis em seguida à declaração do juiz. Em sentido mais estrito, o nome de sentença declaratórias (que preferimos por estar na lei, arts. 1935 e 1989, CC, e por exprimir conjuntamente assim a operação do juiz como o seu resultado) indica as sentenças que recebem a demanda do autor, quando não colima a realização do direito, mas limita-se a pedir que se declare a existência de direito seu ou a inexistência de direito de outrem (declaração positiva ou negativa). É uma forma, ainda esta, de atuação da vontade da lei, porque (como já disse tantas vezes) escopo do processo é sempre a atuação da vontade da lei no caso concreto, e o primeiro estágio no caminho para a atuação desta, como de qualquer vontade, é exatamente a formulação da vontade de modo exterior e preciso. Essa reformulação se encontra (já o vimos) também nas sentenças que ordenam ao réu realizar uma prestação a favor do autor (sentenças de condenação). São, por consequência, também e antes de tudo, sentenças declaratórias, nas quais a declaração judicial do direito exerce dupla função, a de criar a certeza jurídica e a de preparar a execução. As sentenças

57 Chiovenda, Op. Cit. pág. 30-32.

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declaratórias, ao contrário, são somente sentenças declaratórias. O autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual; quer, tão-somente, saber que seu direito existe ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia no processo a certeza jurídica e nada mais. Mas a declaração da vontade da lei é por si mesma um bem, pois que da certeza decorrem imediatamente vantagens . Se afirma a existência duma vontade de lei que nos garante um bem, à utilidade garantida pela lei acresce a segurança de sua expectativa, e a possibilidade de dispormos dela no comércio jurídico: temos, aqui, uma declaração positiva. Se nega a existência duma vontade de lei que garanta a outrem um bem em referência a nós, carreia-se para nós sujeitos à pretensão ou ao poder do adversário, com vantagem para o nosso crédito: aqui uma declaração negativa. Tal produção da certeza jurídica como fim em si mesma é, de um lado, a mais autônoma função do processo, porque acarreta um bem de outra forma impossível; de outro, é na verdade a sua mais elevada função. O processo civil se nos apresenta, aí, como disse linhas atrás ao tratar do processo como fonte de bens e do processo romano, não como um organismo de coação, senão no aspecto mais aperfeiçoado e mais requintado de puro instrumento de integração e especialização da vontade que é expressa na lei somente em forma geral e abstrata; de facilitação da vida social mediante a eliminação das dúvidas que embaraçam o desenvolvimento normal das relações jurídicas. Assegurar às relações dos homens a certeza, prevenir os atos ilegítimos em vez de sobrecarregá-los com o peso de graves responsabilidades, eis aí um alvo digníssimo do processo de um povo civilizado.58

“A sentença constitutiva, também, atua mediante a declaração uma preexistente vontade de lei (a vontade de que se produza um mudança jurídica); é, portanto, idêntica, nesse ponto, às outras sentenças (de condenação ou declaração); e nada tem de

58 Chiovenda Giuseppe, Istituições de Direito Processual Civil, Ed. Bookseller, vol I, pág 260 e 261

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excepcional. Mas, quando a lei vincula ou condiciona o futuro da mudança à declaração mesma, este é o fato jurídico que é a causa daquele efeito jurídico, em virtude da lei. Não que a mudança jurídica se produza pela vontade do juiz; também neste caso a vontade do juiz não colima senão formula a vontade da lei, se bem que tenha em mente, da mesma forma, os efeitos que isso produzirá e sua atividade se destine objetivamente a produzi-los. De modo que, se ele às vezes diz: resolvo, rescindo, revogo, anulo, essas e outras frases não passam de simples fases representativas da eficácia que, POR LEI, tem a formulação da vontade da lei. Quando, pois, a formulação dessa vontade foi requerida pelo titular do direito, é claro que a demanda judicial se inclui por si própria entre as causa da mudança jurídica; não há, porém, filigranar sutis questões de preeminência entre essas causas concorrentes, bastando registrar que, depois da sentença, ou existe um estado jurídico que anteriormente não havia, ou vice-versa, para nos parecer que a sentença é aquela que imediatamente opera ou produz, ou constitui aquele efeito, e para podermos dizer que o efeito não se produz unicamente por força da demanda. A atividade judicial se acha, nesse caso, em face da lei como ordinariamente se acha a atividade humana, a saber, como fato concreto que põe em movimento normas de lei, e tem de comum essa eficácia com a atividade dos particulares quando dispõem de seus direitos; e com a atividade dos órgão públicos, a exemplo do prefeito quando, por via de decreto, “declara a expropriação por utilidade pública”. Diversa, porém, é a relação, nesses vários casos, entre a vontade do agente e o efeito jurídico produzido. Não se pode considerar, nessa hipótese, o ato do juiz como um negócio jurídico – afinal, questão de terminologia, de escassa importância prática. Por esse objetivo e efeito próprios, e não por sua natureza, a sentença constitutiva se apresenta como figura distinta. Avisinha-se, por um lado, da sentença de condenação, não propriamente porque o juiz (como já sustentaram) determine, com ela, ao réu que não dê execução ao negócio ou relação rescindido ou anulado (determinação que não existe nem sequer é concebível, dado que a rescisão ou anulação exclui a possibilidade de execução), mas porque prepara uma mudança no estado de coisas atual. De outro lado, aproxima-se das sentenças declaratórias uma vez

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que, produzindo-se a mudança em virtude da sentença mesma, não é necessário nenhum outro ato ulterior de execução. No entanto, a sentença declaratória verifica uma vontade de lei preexistente e não ensaia outro efeito que não o de fazer cessar a incerteza do direito; a sentença constitutiva verifica uma preexistente vontade de lei, que visa à mudança doutra vontade de lei e traz consigo aquela mudança mesma. A atividade do juiz na sentença constitutiva é, por consequência, atividade limpidamente jurisdicional; visto como efeito se produz por lei em virtude da verificação, nem é caso de se pensar que, paralelamente à atividade jurisdicional de verificação se desenvolva uma atividade administrativa de produção do efeito jurídico.59

Constatamos, destarte, que Chiovenda tem uma visão bem ampla

de sentença.

Posição de Carnelutti:

Em relação à natureza jurídica, o mestre peninsular também aduz

que a sentença não é somente um ato de inteligência, mas um comando, um

ato da vontade Estatal.

Conceitualmente, parte de uma noção ampla de

“pronunciamento”, que entende como o conjunto de despachos, declarações,

sentenças e pronúncias de um Juiz, diferenciando-o da decisão da lide, que

vem a ser a sentença.

Estas as suas palavras:

“Ya hemos dicho que el pronunciamento, siendo como es una fase, la tercera, del procedimento, no se identifica com la decisión de la litis; esta puede ser, pero también dejar de serlo, parte de ella, y de todos modos nunca es su contenido único; basta pensar,

59 Chiovenda Giuseppe, Instituições de Direito Processual Civil, Ed. Booksseller, vol. I, págs. 244, 245 e 246

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por una parte, que cuando, por ejemplo, declara el juez su incompetência, hay ciertamente un pronunciamento, pero no una decisión, y que, por outra parte, la condena a las costas o la declaratión de la ejecutoriedad provisional de la sentencia no tienen nada de común com la decisión de la litis, mientras que indudablemente están comprendidas en el pronunciamento. Se da, pues, el nombre de pronunciamento a aquella sucesión de actos que, cuando mediante el cumplimiento de la instrucción se han adquirido los elementos para proveer sobre las demandas de las partes, tienden a formar la providencia del juez y a procurar la eficacia de ella. Este nombre há sido escogido a fin de expressar de la manera más natural posible el concepto de que se trata ahora de dar la resposta del juez a las demandas de las partes; ya que el vocablo repuesta no seria, evidentemente, apropriado, se há adoptado el de pronunciamiento que en el uso común parace el más idôneo para la denominación del concepto ahora indicado”.60

Mais à frente, na mesma obra, clarifica melhor a noção de sentença:

“Pero esta regla no excluye que la solución de todas las cuestiones pueda hacerse em varias veces, esto es, com más de un pronunciamiento, en cuyo caso cada uno de ellos es positivo, pero parcial, y las sentencias que son objeton de los pronunciamentos sucesivos, se conbinan en un acto continuado. El nombre de sentencia parcial era usado por la misma ley (arts. 278, 279, hoy abrogado); pero mejor que la sentencia, lo que es parcial es el pronuncimiento, mientras que la sentencia, en orden a su contenido es siempre total; por eso el abandono de dicho adjetivo en el texto de los arts. 278 y 279 debe considerarse correcto. El pronunciamiento parcial de fondo tiene carácter no definitivo, sino interlocutorio, en el sentido de que el juez pronuncia a lo largo del procedimiento y no al fin de él, debendo el procedimiento reanudarse para terminar en la solución de las otras cuestiones. El caracter parcial del pronunciamiento no debe confundirse com el del

60 Carnelutti Francesco, Instituciones del Proceso Civil, trad. De la 5ª ed. Italiana por Santiago Sentís Melendo, ed. Jurídica Europa-América, B. Aires, 1973,vol.II, pp. 128-129

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proceso: el pronunciamiente es parcial cuando sólo decide en parte, no ya las cuestiones de la litis, sino las cuestiones de la litis deducidas en el proceso; puede haber, pues, pronunciamiento total en un proceso parcial, así como pronunciamiento parcial en un proceso total, o mejor integral”.61

Posição de Lopes da Costa:

Entre nós, o professor mineiro Alfredo Araújo Lopes da Costa nos

oferece boa noção de sentença.

Assim a explica:

“O processo alcançou sua derradeira etapa. O autor já empregou todos os seus meios de ataque. Respondeu o réu com os meios de que dispunha para a defesa. Fixou-se o material trazido para prova. Finalmente, na audiência de julgamento disseram as partes, do direito e dos fatos, procurando cada uma levar ao espírito do julgador a convicção que a ela favorecesse. Resta apenas fazer-se ouvir o juiz, pronunciando-se sobre a legitimidade da pretensão do autor. Proclamar se existe ou não uma norma legal, uma vontade de lei, que a sustente. É a sentença”.62

Quanto à sua natureza jurídica, afirma que possui um elemento

lógico e um elemento volitivo, predominando este último do ponto de vista

prático.

Porém, lança uma questão, para a qual já de início aduz não existir

solução absoluta: - Tal vontade é da lei ou do Juiz?

61 Carnelutti, Op. Cit. pág. 131. 62 Costa Lopes Araújo Alfredo, Direito processual Civil Brasileiro, Forense, 2ª , 1959,vol.III, p. 283

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E, após analisar do ponto de vista objetivo e subjetivo a pergunta,

deixava-a para a análise de cada um.

Posição de Gabriel Rezende Filho:

Considerando também a sentença como ato de vontade, este autor,

a exemplo de Chiovenda, também identifica o termo sentença com o termo

decisão, afirmando expressamente que as “sentenças são as decisões do

Juiz”.63

Porém, não chega a ser tão minudente quanto o mestre romano,

dividindo as sentenças em interlocutórias, terminativas e definitivas.

As interlocutórias seriam aquelas que decidissem incidentes do

processo; as terminativas, aquelas que pusessem fim ao processo sem

resolver-lhe o mérito e, finalmente, definitivas as que encerrassem o processo,

julgando, total ou parcialmente, o mérito da causa.

Posição de Frederico Marques:

“A sentença é o ato culminante do processo de conhecimento. A instância se desenrola através do procedimento justamente para preparar o judicium, momento em que o Estado entrega a prestação jurisdicional, dizendo da procedência ou improcedência do pedido”.64

“As sentenças definitivas classificam-se em razão da natureza da tutela jurisdicional concedida. De acordo com a ação de que provém, a sentença pode ser declaratória, condenatória ou constitutiva. Não há que falar em sentença mandamental, uma vez que não existe essa espécie de ação ou processo.

63 Filho Rezende Gabriel, Curso de Direito Processual Civil, 5ª ed., Saraiva, S. Paulo, 1960 64 Marques Frederico, Instituições de Direito Processual Civil, Forense, Rio, 1959, vol. III, p. 512

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A sentença definitiva, por outro lado, pode ser de acolhimento da pretensão do autor, ou de não-acolhimento dessa pretensão: no primeiro caso, julga o magistrado procedente a ação, e, no segundo, improcedente (absoluto ab actione). Ora, toda sentença que julga a ação improcedente é sentença declaratório-negativa, salvo quando proposta ação declaratória também negativa, em que a absolutio ab actione tem de possuir, naturalmente, conteúdo declaratório-positivo.65 “No tocante à sentença constitutiva, cumpre distinguir a sentença constitutiva necessária em contraposição à sentença constitutiva voluntária. A anulação de casamento é proferida em sentença constitutiva, a qual se apresenta como decisão necessária, visto que não se pode desfazer o vínculo oriundo do matrimônio, a não ser mediante sentença. A anulação, porém, de negócio jurídico patrimonial inquinado de algum vício de vontade, como, verbi gratia, a simulação, é também proferida em sentença constitutiva: todavia, prescindível será a intervenção jurisdicional (e portanto a sentença), se os interessados sendo todos capazes, rescindirem o ato simulado mediante acordo ou avença. As sentenças declaratórias e as condenatórias produzem efeitos ex tunc; as constitutivas, de regra, efeitos ex nunc, e, excepcionalmente, o efeito ex tunc.66

Considerando-a também como ato de vontade, Frederico Marques,

porém, não identifica sentença com decisão, pois que para ele sentenças são

somente aquelas que encerram o processo, podendo ser terminativas ou

definitivas, dentro das noções já expedidas sobre elas.

65 Marques Frederico José, Manual de Direito Processual Civil, 3º Vol. Editora Saraiva, pág. 32 66 Marques Frederico José, Manual de Direito Processual Civil, ed. Saraiva, pág. 32

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Humberto Theodoro Júnior não considera, todavia, como sentenças,

aquelas que denomina “decisões interlocutórias”, que são as que decidem

questões incidentes sem encerrar o processo:

“Há sentenças cujo efeito não é senão o de declarar a certeza da existência ou inexistência de relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento. A declaração de certeza esgota a prestação jurisdicional. Se o vencedor quiser fazer valer o seu crédito contra o vencido, exigindo o respectivo pagamento, “terá que propor outra ação contra o devedor, esta de natureza condenatória. Na sentença declaratória, o Órgão Judicial, verificando a vontade concreta da lei, apenas “certifica a existência do direito”, e o faz “sem o fim de preparar a consecução de qualquer bem, a não ser a certeza jurídica. Não apenas a sentença proferida na ação declaratória é sentença declaratória. Em qualquer ação, toda sentença que dá pela improcedência é sentença declaratória, “declaratória negativa”, como ensina Frederico Marques. É que, “julgando improcedente a ação, a sentença nada mais faz do que declarar a inexistência da relação jurídica em que o autor fundamentava a ação”.67

“Sem se limitar à mera declaração do direito da parte e sem estatuir a condenação do vencido ao cumprimento de qualquer prestação, a sentença constitutiva “cria, modifica ou extingue um estado ou relação jurídica”. O seu efeito opera instantaneamente, dentro do próprio processo de cognição, de modo a não comportar ulterior execução da sentença. A simples existência da sentença constitutiva gera a “modificação do estado jurídico existente”. Enquanto na sentença declaratória o juiz atesta a preexistência de relações jurídicas, na sentença constitutiva sua função é essencialmente “criadora de situações novas”.

67 Júnior Theodoro Humberto, Processo de Conhecimento, Ed. Forense, pág. 656

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São exemplos de sentenças constitutivas: a que decreta o desquite; a que anula o ato jurídico por incapacidade relativa A sentença declarativa é a prestação jurisdicional que se entrega a quem pediu a tutela jurídica sem querer “exigir”. No fundo, protege-se o direito ou a pretensão somente, ou o interesse em que alguma relação jurídica não exista, ou em que seja verdadeiro, ou seja falso, algum documento. É o caso típico da pretensão à sentença – à sentença declarativa, sem outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. O que mais a caracteriza é a proteção, sem ser examina outra pretensão que a pretensão mesma à declaração. Trata-se de pretensão, a que talvez falte ação de direito material. Ação declarativa é exercício de pretensão à sentença. A dificuldade dos não-técnicos em compreendê-la resulta do fato de ter sido empregada a palavra “ação” erradamente, no só sentido de ação, a que corresponde a pretensão à condenação, executiva, constitutiva ou mandamental, mais conhecidas. Ainda no caso da ação declaratória da falsidade ou autenticidade de documento, a “ação” corresponde ao interesse, que é protegido por lei e, pois, é direito, é pretensão. A diferença está em que a pretensão de direito material, a res in indicium deducta, é, aí, nascida no direito pré-processual, por deficiência da concepção em direito material, antes, quando não havia regra jurídica processual especial; ou está em que prescinde dela. Quem constitui faz mais do que declarar. Quem somente declara não constitui. Quem somente declara, necessariamente se abstém de constituir. “Declaração constitutiva” não seria classe de declaração, mas soma de declaração e constituição. A constitutividade muda em algum ponto, por mínimo que seja, o mundo jurídico. A declaração somente o altera pela posição humana de falibilidade: a interpretação e a aplicação podem ser, por erro do juiz, que é homem, diferentes da incidência. Na declaração, supõe-se que se declarou com justiça; e tal suposição foi adotada pelo legislador para a aplicação da lei, a despeito da humano falibilidade. Na constituição, também se interpreta e aplica a lei, e também se pode errar; mas, em tal caso, o erro é no plano declarativo, e não no constitutivo, que vem, logicamente, após aquele e nele etá, ex hipothesi, o decisum tendo sido a declaração simples motivo, ou

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questão prejudicial, ou elemento computável do decisum. No segundo caso, há efeito de coisa julgada material; e, no terceiro, pode haver tal efeito. São separáveis, nas sentenças constitutivas, a força constitutiva e o efeito de coisa julgada material. No fato de existirem tal força e tal efeito está a razão das dúvidas e das discussões em torno de certas sentenças quanto a serem constitutivas ou declarativas: às vezes, há maior eficácia constitutiva, e são elas constitutivas, com efeito declarativo; outras vezes, é maior a eficácia declarativa, e são declarativas, com efeitos constitutivos. Dir-se-à que melhor fora que se buscasse classificação sem esse hibridismo, sem esses campos cinzentos entre o branco e o negro; verdade é, porém, que tal atitude idealista esbarra diante da natureza compósita das realidades. O mundo não é como queríamos que fosse. Na sentença mandamental, o ato do juiz é junto, imediatamente, às palavras (verbos) – o ato, por isso, é dito imediato. Não é mediato, como o ato executivo do juiz a que a sentença condenatória alude (anuncia); nem é incluso, como o ato do juiz na sentença constitutiva. Na sentença mandamental, o juiz não constitui: “manda”. Na transição entre o pensamento da sentença condenatória e o ato da execução, há intervalo, que é o da passagem em julgado da sentença de condenação e o da petição da ação iudicati. Nas ações executivas de títulos não-judiciais, essa mediatidade desaparece, de modo que o ato prima; ainda que se tenha de levar em conta o elemento condenatório, a ação é executiva.(Advirta-se que falamos sempre em termos de preponderância de eficácia). Na ação mandamental, pede-se que o juiz mande, não só que declare (pensamento puro, enunciado de existência), nem que condene (enunciado de fato e de valor); tampouco se espera que o juiz por tal maneira fusione o seu pensamento e o seu ato que dessa fusão nasça a eficácia constitutiva. Por isso mesmo, não se pode pedir que dispense o “mandado”. Na ação executiva, quer-se mais: quer-se o ato do juiz, fazendo, não o que devia ser feito pelo juiz como juiz, sim o que a parte deveria ter feito. No mandado, o ato é ato que só o juiz pode praticar, por sua estatalidade. Na execução, há mandados – no correr do processo:

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mas a solução final é ato da parte (solver o débito). Ou do juiz, forçando. Pretensão a executar, pré-processual como as outras, vai até à eficácia executiva (força) da sentença. Cumpre, porém, obeservar-se que há todo um desenvolvimento que se termina pelo ato de solução da dívida. Por isso mesmo, é possível a pluralidade de solução e, pois, de sentenças, no mesmo processo executivo. A continuidade e a eventual pluralidade do ato refletem-se nas execuções, em contraposição à instantaneidade unitária das outras sentenças. A sentença favorável nas ações executivas retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos demandados, e põe-no no patrimônio do demandante. Pode ser pessoal ou real. A ação de despejo é pessoal; a ação executiva pignoratícia, a hipotecária e as possessórias são reais. As sentenças executivas ou restituem (sentenças restitutivas) ou extraem valor (sentenças extrativas de valor). São exemplos, respectivamente, a sentença, na ação executiva pignoratícia ou hipotecária, e a sentença, não executiva anticrética.

Para Moacyr Amaral Santos:

“Sentenças são as decisões finais: encerram o processo, põem termo à relação processual, esgotam a função do juiz. Proferindo-as, o juiz dá por cumprido o seu dever jurisdicional (art. 463). Dessas, umas encerram o processo – põem termo à relação processual – sem julgamento do mérito. Apenas dizem respeito ao processo, não à relação de direito substancial posta em juízo. Encerram o processo, mas não decidem o pedido, que fica sem julgamento. Assim, as decisões que acolhem as exceções de coisa julgada ou de litispendência; que indeferem a inicial por manifestamente inepta; que reconhecem a legitimidade de parte ou a falta de pressuposto processual; que declaram a extinção do processo (art. 267). Tais são as chamadas sentenças terminativas: põem termo à relação processual, sem julgamento do mérito. Outras, as sentenças no sentido estrito, no sentido romano de sentencia, decidem do pedido, julgando-o procedente ou improcedente. Põem termo à relação

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processual, mas também à ação. Encerram o processo com o julgamento do mérito. Sua característica está em julgar o mérito, isto é, decidir da relação de direito substancial posta em juízo, e, pois, em acolher ou repelir o pedido contido na inicial. São as sentenças finais por excelência, a que a técnica processual denomina sentenças definitivas.68

“Ação meramente declaratória é a que tende a simples declaração da existência de relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento (art. 4º). O interesse nesse tipo de ação será a certeza quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou quanto à autenticidade ou falsidade de documento. O autor não pretende mais do que a própria certeza; o seu pedido será de declaração de certeza; o bem pretendido será a própria certeza. Pedido imediato – declaração de certeza; pedido mediato – a certeza quanto à existência ou inexistência da relação jurídica ou quanto à autenticidade ou falsidade do documento. A sentença que julgar procedente a ação acolhendo o pedido do autor, declarará a existência da relação jurídica, ou a autenticidade ou falsidade do documento. Nada mais. Com a simples declaração de certeza se esgota a função do juiz, a quem só isso foi pedido. Daí a sua denominação – sentença meramente declaratória. a) O efeito de tais sentenças é meramente declaratório, porque outra coisa não fazem senão declarar a certeza da existência ou inexistência de relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento. Nada mais. Com a declaração de certeza se satisfaz a pretensão do autor. Em tais termos, proposta a ação para tão-só declarar a existência de um crédito do autor em face do réu e julgada procedente a ação, a declaração de certeza esgota a função do juiz. A sentença valerá preceito, como norma jurídica concreta. Mas para o vencedor fazer valer o seu crédito contra o vencido, exigindo-lhe o respectivo pagamento, terá que propor outra ação contra o devedor, esta de natureza condenatória, fundada na declaração da sentença meramente declaratória. Assim rezava o art. 290 do Código de

68 Santos Amaral Moacyr, Comentários ao Código de Processo Civil, 1980, 3º vol., p.394

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1939: “Na ação declaratória, a sentença que passar em julgado valerá como preceito, mas a execução do que houver sido declarado somente poderá promover-se em virtude de sentença condenatória”. O vencedor na declaratória, que pretende exigir do réu vencido o direito nela declarado certo, terá que usar de ação adequada (Código de 1939, art. 290, parágrafo único). b) O efeito meramente declaratório retroage à época em que se formou a relação jurídica ou em que se verificou a situação jurídica declarada. ´´E, pois, efeito ex tunc. Declarada a existência de um crédito, este se tem por certo, desde a data da sua formação; declarada a falsidade de um documento, o efeito da sentença retroage à data em que se verificou o fato da sua falsificação; declarado nulo o casamento, o efeito da sentença retroage à data em que este se celebrou. c) As sentenças que declaram a improcedência da ação, todas elas, são meramente declaratórias, pois o seu efeito é meramente declaratório. Julgando improcedente a ação, a sentença nada mais faz do que declarar a inexistência da relação jurídica em que o autor fundamentava a ação.69

“As sentenças constitutivas, correspondentes às ações constitutivas, produzem o efeito de criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Essas sentenças, como as demais, contêm uma declaração de certeza de relação ou situação jurídica preexistente, mas a isso, como consequência, acrescentam um quid, consistente na criação de nova relação, ou modificação ou extinção da mesma relação ou situação jurídica. Há nelas uma declaração de certeza do direito preexistente, das condições necessárias e determinadas em lei para se criar nova relação, ou alterar a relação existente, e aí se manifesta a função declaratória, comum a todas as sentenças; e acrescentam a criação, a modificação ou extinção da relação jurídica, como decorrência daquela declaração, e nisso consiste o seu efeito específico, que as características – efeito constitutivo. Assim, por exemplo, a sentença que decreta dissolução da sociedade conjugal e do casamento(lei n.º 6515, de 2 6/12/1977): verificadas as condições predeterminadas na lei que o autorizam, a sentença o decreta, extinguindo a sociedade conjugal. Assim, também, as sentenças que anulam o ato jurídico por

69 Santos Amaral Moacyr, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º vol. Ed. Saraiva, pág. 30 e 31

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incapacidade relativa do agente, ou por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude; as de rescisão de contrato; as de anulação de casamento; as de interdição. As sentenças constitutivas, como regra, têm efeito ex nunc, isto é, para o futuro; seus efeitos se produzem a partir da sentença transitada em julgado. É da sentença que decreta a dissolução da sociedade conjugal e do casamento (Lei 6515, de 26/12/1977), com trânsito em julgado, que se têm por dissolvidos aquela e este. Em certos casos, previstos em lei, por exceção, os efeitos das sentenças constitutivas são ex tunc, retroagem. Assim, as sentenças que anulam o ato jurídico por incapacidade relativa do agente, ou por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude, restituirão as partes ao estado em que antes do ato se achavam. Outras sentenças constitutivas têm efeitos especiais, como, por exemplo, a sentença constitutivas têm efeitos especiais, como, por exemplo, a sentença de interdição, cujos efeitos são ex nunc, a partir da sentença, ainda que não transitada em julgado.

Conceito de Sentença Definitiva. – Sentença, no sentido estrito,

sentença definitiva, é a sentença final de mérito. Resolve a lide. O conflito,

suscitado pelo pedido do autor e contestação, real ou virtual, do réu se compõe

pela decisão que o juiz profere. Fica, em consequência, satisfeita a obrigação

jurisdicional do Estado, esgotando-se a função do juiz e, pois, encerrando-se a

relação processual.

Traço característico: a sentença definitiva resolve a lide. Resolvendo

a lide, compondo-a, a sentença será a lei reguladora da espécie decidia. Assim

dispõe o art. 468:

“A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força

de lei nos limites da lide e das questões decididas.”

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Poder-se-à, pois conceituar sentença como o ato pelo qual o juiz

decide a lide.

Para Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Luiz Gomes:

“Segundo a classificação empregada pelo legislador brasileiro(art. 162 do CPC), os atos do Juiz consistem em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Sentença é o ato jurisdicional por excelência e consiste no provimento por meio do qual o Juiz põe termo ao processo, decidindo, ou não, o mérito da causa. Tendo em vista esta circunstância, subdividem-se as sentenças em terminativas – quando extinguem a relação processual sem decidir a respeito do mérito da causa – e definitivas – quando encerram a relação processual decidindo o mérito da causa”70.

Esta classificação tríplice dos provimentos judiciais, ou atos

decisórios, adotada por nosso Código, teve, como se sabe, finalidade mais

prática do que propriamente científica. Pretendendo o legislador simplificar e

dar unidade ao sistema de recursos que adotara, houve por bem denominar

sentenças todos os provimentos que ponham termo ao processo, mesmo que

esta ocorrência se deva à extinção da relação processual motivada por alguma

irregularidade, ocorrida nela própria e que nada tenha a ver com a decisão da

causa. Assim, segundo nosso Código, desde o indeferimento da petição inicial

(art. 295), até o provimento que determina o arquivamento do processo, porque

a parte, por exemplo, a quem incumbia alguma diligência, abandonou a causa

por mais de 30 (trinta) dias, são considerados sentenças; como o são

70 Silva da Baptista ª Ovidio, Gomes Luiz Fábio, Teoria Geral do Processo Civil, Revista dos Tribunais

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igualmente todos os provimentos através dos quais o Juiz encerre o processo

pelos motivos indicados no art. 267 do Código.

Reunidos, assim, sob uma mesma denominação, todos os

provimentos decisórios que importem extinção do processo, quer haja ou não

julgamento do mérito da causa, submeteu-os o legislador a uma única

disciplina recursal, ao prescrever, no art. 513, que das sentenças caberá

sempre apelação, tanto das terminativas quantos das definitivas.

Para Rosemiro Pereira Leal:

“Sentença é espécie de provimento que encerra o procedimento, como ato lógico-jurídico preparado pelas partes e proferido pelo órgão jurisdicional. A sentença, para existir juridicamente, há de acatar, em seu contexto, requisitos técnicos que se articulam em três segmentos em ordem sucessiva: relatório (indicação dos nomes das partes demandantes com o histórico da causa); fundamentos (normas em que se fundaram a pretensão e a resistência ao direito debatido, bem como os textos legais e argumentos jurídicos que servirão de suporte ao julgador); dispositivo (a conclusão resolutiva das questões submetidas ao juízo, como colorário do discurso sentencial). Também, como requisitos de inteligência da sentença, exigem-se os atributos de clareza, concisão e correção vernacular. Diz-se que as sentenças são terminativas quando não julgam o mérito e definitivas quando apreciam e julgam o mérito. A sentença, quando proferida por um só juiz é decisão monocrática e por mais de um juiz é decisão colegiada ou acórdão”.71 “Quando os prazos se esgotam para enfrentamento recursal do que foi decidido pela sentença, ocorre a preclusão máxima e a sentença transita em julgado, tornando-se irrecorrível, irretratável e imutável. Coisa julgada e sentença transitada em julgado não têm significados equivalentes, porque a coisa julgada

71 Leal, Rosemiro Pereira, Teoria Geral do Processo, Primeiros Estudos, Ed. Síntese, pág.212,213.

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(resjudicata), na concepção de Liebman, é qualidade autônoma dos efeitos da sentença de mérito, enquanto que a sentença transitada em julgado pode não fazer coisa julgada por não ter julgado o mérito e, não julgando o mérito, não tem autoridade de coisa julgada”.72

Para Eduardo J. Couture,

“As sentenças declaratórias são aquelas que se limitam a uma simples declaração do direito. Se me exigissem a indicação de uma sentença tão puramente declaratória que contivesse o mínimo imaginável de qualquer outra substância, eu escolheria a sentença absolutória. Quando o juiz rejeita a demanda, não faz outra coisa além de declarar sua improcedência, o que é uma pura declaração. Sentenças constitutivas são aquelas que criam um estado jurídico novo, não existente antes de seu pronunciamento. A sentença de divórcio, por exemplo, é uma sentença constitutiva em si mesma, porque opera a dissolução do matrimônio e cria um estado jurídico inexistente até o momento de ser emitida. Se me fosse permitido acentuar seu caráter constitutivo sublinhando sua importância, eu acrescentaria que é uma sentença constitutiva necessária. Um contrato pode dissolver-se por outro contrato; mas o matrimônio não pode ser dissolvido senão por uma sentença”.73

72 Leal Pereira Rosemiro, Op. Cit., pág. 152

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6. – A SENTENÇA ARBITRAL

Os principais atos dos árbitros praticados no processo de arbitragem

são: a sentença arbitral, decisões interlocutórias e despachos. Contudo, a

exemplo dos Juizes togados, suas atividades processuais não se resumem a

esses três tipos de atos.

Na decisão e instrução do processo os árbitros praticam muitos

outros atos, como por exemplo presidir audiências, proceder à colheita das

provas, realizar inspeção, propor a composição amigável, apresentar às partes

os pontos controvertidos da demanda sobre os quais incidirá a prova, exortar

as partes e seus advogados para discutir a causa com elevação e urbanidade.

Dentre os poderes conferidos aos árbitros estão o de correição parcial-

processual e administrativa – podendo ainda reconsiderar outros atos

realizados, de ofício ou a requerimento das partes.

Para Joel Dias Figueira Júnior,

“atos é o termo utilizado para designar o gênero, de que pronunciamentos são espécie. Ato arbitral é categoria mais ampla que abrange, por exemplo, a oitiva de testemunhas e a realização de inspeção. Portanto, não é tecnicamente correto dizer-se que os atos dos árbitros se subdividem em sentença arbitral, decisões interlocutórias e despachos, pois há outros atos que não se encaixam em nenhuma das três categorias. Em outras palavras, mais feliz teria sido o legislador se tivesse utilizado a expressão pronunciamentos ao invés de atos. Desta feita, podemos afirmar que sentença arbitral é o pronunciamento jurisdicional privado cujo conteúdo seja matéria prevista nos artigos 267 ou 269 do CPC e que, por isso, tem como efeito principal extinguir o processo no sentido técnico da expressão como

73Couture J. Eduardo, Introdução ao Estudo do Processo Civil, Ed. Forense, 3ª Edição, pág, 51

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relação processual entre partes e árbitros – não necessariamente dar fim ao procedimento, por quanto este pode ter mais de uma lide, mais de uma ação”.74

Para Cézar Fiúza, “Sentença arbitral é decisão prolatada pelos

árbitros, após concluída sua instrução, acerca de disputa que

lhes foi submetida”75.

Muito se discute a respeito da natureza jurídica da sentença arbitral,

até chegar-se à conclusão unânime de que se trata de um ato jurisdicional.

Cézar Fiúza discorre sobre as opiniões a respeito, dividindo-as em três

vertentes:

“Segundo a primeira, que dissocia a convenção arbitral do laudo, este deve ser considerado verdadeira sentença, semelhante às da jurisdição ordinária. De acordo com a segunda, que considera a convenção e o laudo fases de um mesmo negócio jurídico, o laudo teria caráter eminentemente contratual, não podendo ser assemelhado à sentença. A terceira, que pode ser considerada como intermediária, subordina a assimilação do laudo às sentenças da jurisdição ordinária a seu prévio exequatur”.76 Após examinar as três correntes históricas, o jurista

mineiro acaba por dar razão à primeira corrente, pelos

seguintes fundamentos:

“Em primeiro lugar devemos determinar a natureza pública da função dos árbitros. Como vimos acima, é

74 Figueira Júnior, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Ed. Pág.228. 75Fiuza, Cézar, Op. Cit. pág. 150 76 Fiuza, Cézar, Op. Cit. pág 151.

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exato que o árbitro, como Juiz tem como missão solucionar litígios, e que as normas procedimentais estabelecidas pelo legislador têm como base o processo civil. Mas daí não segue, necessariamente, que o legislador tenha querido assemelhar o árbitro ao Juiz. Com efeito, é preciso ressaltar que, enquanto o Juiz está sempre preso ao procedimento legal, o árbitro, um vez que receba poderes de compositor, é dispensado pelas partes da observância do procedimento legal e mesmo do direito material. O procedimento arbitral editado pela Lei é apenas supletivo, como se pode deduzir. O mesmo não se pode dizer, tratando-se de magistrado. Por outro lado, o árbitro não é Juiz, no sentido comum do termo, ou seja, magistrado invertido do poder público de jurisdição. É simples particular, ao passo que o Juiz é servidor público, mais ainda, órgão do Estado no triângulo processual. Não possui, assim, o árbitro nenhuma parcela do Poder Público. Não tem os poderes de mando conferidos aos juizes para o desempenho de sua função. As decisões que pronuncia somente podem ser executadas pela justiça comum. Seu caráter é exclusivamente privado. Seus poderes nascem de convenção, sendo essencialmente temporários, oriundos da vontade das partes, que os podem revogar a qualquer momento. O que resulta de todas essas observações é que, se é correto afirmar que o árbitro tem, como o Juiz, o dever de julgar, a função que exerce não é, todavia, pública”77.

As reflexões feitas pelo mestre mineiro foram pacificadas

definitivamente pelo artigo 17 da Lei 9.307, de 23/09/96, (Lei de Arbitragem),

que equiparou os árbitros aos funcionários públicos para os efeitos da

legislação penal, sujeitando os mesmos às sanções previstas nos artigos 312 a

327 do Código Penal, os quais disciplinam os crimes contra a administração

pública. Por sua vez, o artigo 18 da mesma lei define o árbitro como Juiz de

77Fiuza, Cézar, Op. Cit. pág. 153.

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fato e de direito, eximindo a sentença que proferir de qualquer recurso ou de

homologação pelo Poder Judiciário.

O árbitro dispõe da iurisdictio, o que importa na cognitio, e que lhe

permite fazer justiça, por convenção das partes, em nome do Estado, que é

afinal quem garante a autoridade de seus julgados. Por não dispor do poder de

império, não pode o árbitro determinar a condução coercitiva de uma

testemunha recalcitrante. Se a testemunha deixar de comparecer sem justa

causa, poderá o árbitro ou presidente do Tribunal arbitral requerer ser à

autoridade judiciária que a faça conduzir, comprovando a existência da

convenção de arbitragem (art. 22, § 2º da Lei de Arbitragem). A constrição não

se esgota na condução da testemunha, podendo fazer-se necessária também

na busca e apreensão de coisas ou documentos, exigindo a pronta e enérgica

intervenção do Poder Judiciário para não comprometer o êxito da arbitragem.

Podem também tornar-se necessárias, na arbitragem, medidas

cautelares (preparatórias ou incidentes), para garantir a eficácia da futura

sentença arbitral. O fato de não poder o árbitro efetivar uma medida constritiva,

porque lhe falta o império, não significa que não possa decretá-la, para o que

basta a jurisdição, na qual se compreende a cognitio. Pela mesma razão, os

provimentos antecipatórios, tanto a tutela antecipada (art. 273 do CPC) quanto

a tutela específica (art. 461 do CPC) têm perfeito cabimento na arbitragem,

aplicando-se-lhes as regras estritamente processuais, se outras não forem

estabelecidas pelas partes. Os provimentos antecipatórios são gênero que

compreende toda a modalidade de ato judicial ou ato arbitral que não se

contenha na sentença, compreendendo a tutela antecipada, a tutela específica

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e as medidas cautelares (satisfativas e não satisfativas), nominadas e

inominadas.

Bem certo que alguns enxergam inconstitucionalidade no artigo 18

da lei de arbitragem, ao fundamento de que Juiz de Direito é o Juiz natural

previsto na Constituição Federal nos artigos 92 usque 100. Invoca-se também

o desrespeito ao artigo 5º , item XXXV da Constituição Federal, que proíbe à Lei

excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.

Aqueles que se apegam a esses princípios estão completamente

superados, desconhecendo o caráter jurisdicional da arbitragem. É claro que o

árbitro não integra o Poder Judiciário e nem poderia a Lei de Arbitragem ter

essa intenção. Mas sendo Juiz de Direito por determinação legal e contratual,

se a convenção de arbitragem prever a outorga de poderes ao árbitro para

determinar medidas coercitivas ou cautelares, não há dúvida sobre seu dever

de agir na preservação dos interesses ou direitos das partes. Mesmo no

silêncio da convenção de arbitragem, compete ao árbitro usar o seu bom senso

para conhecer as medidas cautelares ou coercitivas e decretá-las de ofício ou a

seguimento da parte interessada. Isso porque, o árbitro tem o poder de decisão

que lhe foi conferido livremente pelas partes por meio da Jurisdictio. É

importante ressaltar que o § 4º do artigo 22 da Lei de Arbitragem dispensa

maiores comentários quando dispõe que: “havendo necessidade de medidas

coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do

Poder Judiciário que seja, originariamente, competente para julgar a

causa”.

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O legislador usou o verbo poder e não dever. Consequentemente, é

faculdade dos árbitros, nos limites do seu prudente arbitrio, solicitar auxílio ao

Poder Judiciário. Caso entenda desnecessário esse auxílio, poderá decretar e

efetivar medidas cautelar e coercitivas, nos limites dos poderes que lhes foram

conferidos pelas partes e da sua jurisdição.

Para Carreira Alvim,

“Vincular o juízo arbitral ao juízo togado, na eventualidade da necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, além de nada acrescentar em termos de proteção aos direitos constitucionais, presta-se a restringir os poderes Jurisdicionais do árbitro, pondo toda a arbitragem na dependência de uma justiça sabidamente lenta, e que não tem condições de dar respostas satisfatórias às necessidades imediatas das partes interessadas. Se o árbitro dispõe de poderes para resolver o próprio mérito do litígio, nos quais foi investido por um ato de confiança das partes, porque não teria para conceder um simples provimento antecipatório, que não passa de antecipação dos efeitos da decisão de mérito?”78

Somente quando as partes, mediante convenção, estabelecerem

expressamente que o árbitro não disporá de poderes para conceder

provimentos antecipatórios ou medidas cautelares, seu poder ficará circunscrito

à decisão da lide principal, porque esse poder, apesar de ser jurisdicional, está

limitado pelo princípio da autonomia da vontade das partes, contido na

convenção de arbitragem.

Quanto ao pretenso desrespeito ao artigo 5º , item XXXV da

Constituição Federal, que assegura a todos a apreciação pelo Poder Judiciário

de qualquer lesão ou ameaça a direito, também não se configura, data venia.

78Alvim Carreira Eduardo José, Elementos de Teoria Geral do Processo, Forense, 7ª Ed.., p.250,251

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Apesar das decisões arbitrais serem irrecorríveis e dispensarem

homologação pelo Poder Judiciário (art. 18 da Lei de Arbitragem), as decisões

arbitrais estão sujeitas ao controle do Poder Judiciário em relação a eventuais

nulidades, conforme expressamente determinam os parágrafos 2º e 3º do

artigo 20 da Lei de Arbitragem.

A constitucionalidade da Lei de Arbitragem vem sendo

reiteradamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo do voto

proferido pelo Ministro Maurício Corrêa, por ocasião do julgamento do

procedimento de homologação de sentença estrangeira n.º 5847-1, verbis:

“O fato de eleger-se o foro arbitral por meio de cláusula compromissória não viola a garantia constitucional da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, na medida em que a arbitragem está sempre circunscrita nos limites do contrato em que se inserir. Não haverá aí renúncia genérica à Jurisdição estatal, sendo certo que o Juiz estatal, quando instado a instituir a arbitragem por força do art. 7º da Lei, verificará se o litígio está ou não abrangido pela cláusula (ou seja, aferirá se a demanda concretizada está abrangida pela renúncia à Jurisdição estatal. Se a análise for positiva está preenchida a condição “sine qua non” para a instituição da arbitragem. Supera-se assim com vantagem, o temor de que o artigo 7º questionado obrigue o Juiz a impor à parte resistente a solução da controvérsia através da arbitragem. Ao contrário, o legislador deixou claro que tal situação será controlada pelo Poder Judiciário”.Em trabalho apresentado nas Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, Eduardo F. Ricci, Professor titular na Universita Degli Studi di Milano, compara as duas teses existentes na doutrina brasileira acerca da admissibilidade da arbitragem à luz do art. 5º, XXXV da Constituição Federal. Para o Jurista italiano, parte da doutrina adota como premissa a renunciabilidade à garantia do acesso ao Poder Judiciário. A arbitragem é considerada admissível como manifestação de liberdade, prevalecendo o princípio correlato sobre o princípio do acesso ao Poder Judiciário. Neste

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sentido é a opinião da maioria dos autores, como Pedro Antônio Batista, Nelson Nery Júnior, Carlos Alberto Carmona, Joel Dias Figueira Júnior e Wadi Lamego Bulos.

Outra corrente doutrinária sustenta a admissibilidade da arbitragem

na possibilidade de intervenção da autoridade judiciária, antes e depois de

proferida a sentença arbitral, disciplinada no próprio instituto. Essa corrente é

comandada pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Concluindo sua análise

dessas duas correntes, o mestre italiano assevera:

“Dado que a exigência fundamental é a de efetuar-se na arbitragem as indispensáveis regras de legalidade, a análise deve começar com a leitura dos arts. 32 e 33 da Lei 9.307/96, para constatar sobretudo no que concerne aos motivos previstos pelo art. 32 – se o controle atribuído ao Poder Judiciário é suficiente. A sentença arbitral deve ser considerada impugnável seja pelos motivos previstos no citado art. 32, seja por outros que, eventualmente, tenham que ser subsumidos do conceito de impugnação suficiente como garantia constitucional. Assim, o catálogo dos motivos pode ser, fortuitamente, integrado e enriquecido”.

Para Humberto Theodoro Júnior, citando Pontes de Miranda, a

sentença:

“É emitida como prestação do Estado, em virtude de obrigação assumida na relação pro-jurídica processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a Juízo, isto é exercem a pretensão à tutela jurídica”.

Para Pontes de Miranda:

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“A sentença é a prestação Jurisdicional, objeto da relação jurídica processual, cuja estrutura já conhecemos. Põe fim, normalmente, à relação. O Código de Processo Civil primeiro tratou dos modos anormais de se por fim às demandas (art. 267); depois de ocorrências que atingem o mérito (art. 269, II – V e 329), tendo posto no art. 269, I, o julgamento como prestação jurisdicional (quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido”. É para a sentença que segue a existentia fluens da relação jurídica processual, a relação mesma, pela direção de toda relação para a realização do seu conteúdo. O juiz entrega a prestação, e o seu ofício acaba: functus officium. Tanto assim é que, para a execução, precisa de ser provocado de novo (arts. 566 e 567) ou de deferir o pedido de citação do vencedor (art. 570).79

Os conceitos acima aplicam-se também à sentença arbitral, tendo

sido os mesmos sintetizados por Cézar Fiuza em sua obra Teoria Geral da

Arbitragem. “Sentença arbitral é decisão prolatada pelos árbitros, após

concluída sua instrução, acerca de disputa que lhes foi submetida”.

6.1. - NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA ARBITRAL

Carreira Alvim, discorrendo sobre o tema explica que:

“Parte da doutrina sustenta que a sentença é um ato de inteligência do Juiz, enquanto outra parte, sem negar seja ela um ato de inteligência, vê nela sobretudo um ato de vontade, que será a Lei do caso concreto. Sustenta Fazzalari que a sentença arbitral consiste numa volição privada (comando) emitida em virtude da investidura conferida ao árbitro pelas partes, relativamente à demanda entre elas, podendo ter conteúdo similar ao da sentença civil (condenação, declaração, constituição). Quem admite a jurisdição arbitral nascida da convenção das partes,

79 Miranda de Pontes, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, vol. V, p. 47

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não tem dificuldades em admitir, igualmente, a sentença arbitral como expressão da vontade estatal; tanto que a Lei lhe reconhece os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 31 da Lei de Arbitragem). O Estado não colocaria o selo de sua autoridade, nem o da coisa julgada, no produto de uma atividade privada, de cunho contratual, ao largo do exercício da jurisdição, mesmo porque, nos termos do artigo 5º XXXV, da Constituição, a Lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.80

Na mesma linha de pensamento advoga Nelson Nery Júnior:

“Qual a diferença efetiva que existe entre a sentença judicial e a sentença arbitral? Ambas, a nosso ver, constituem exteriorização do poder jurisdicional. Apenas se distanciam quanto ao aspecto confiança, que preside o negócio jurídico de compromisso arbitral, estando ausente na jurisdição estatal, cujo órgão não pode ser escolhido pelas partes e cuja sentença é imposta coativamente aos litigantes. Enquanto no compromisso arbitral as partes convencionam acatar a decisão do árbitro, na jurisdição estatal o réu é compelido a responder ao processo, ainda que contra sua vontade, sendo as partes obrigadas a obedecerem o comando emergente da sentença”.81

Cézar Fiuza, pioneiro dos estudos sobre a arbitragem, muito antes

da promulgação da vigente Lei de Arbitragem advertia sobre a importância de

se definir a natureza jurídica da sentença arbitral, pois dessa definição

“depende sua interpretação, produção de efeitos e execução”.

A sentença arbitral não é um ato judiciário, na medida em que ela é

proferida por um árbitro que, inobstante ter sido investido de autoridade pela

80Carreira Alvim, José Eduardo, Tratado Geral da Arbitragem Interno, Ed. Mandamentos, 1ª Ed., 2000, Pág. 410.

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Lei (art. 18, Lei n.º 9.307, de 23/09/1996) e pela convenção das partes, não é

um Juiz Estatal. Por outro lado, a sentença arbitral é um ato jurisdicional, seja

pelo critério formal (o processo utilizado), seja pelo material (existência de uma

contestação, finalidade e irrevogabilidade da sentença). Decorrência da

jurisdição a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores, os

mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário, constituindo título

executivo, quando condenatória (artigo 31 da Lei de Arbitragem).

6.2. - FORMAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL

O artigo 24 da Lei de Arbitragem determina que:

“A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em

documento escrito”.

O Juízo arbitral pode ser composto de um único árbitro ou de vários,

na hipótese de constituir-se num tribunal, sempre com número ímpar. Neste

último caso a decisão será tomada por maioria simples de votos (art. 24, § 1º

da Lei de Arbitragem). Determina ainda o mesmo artigo 24, § 1º da Lei de

Arbitragem que:

“Se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do

presidente do tribunal arbitral”.

81 Nery, Nelson Júnior,

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No Brasil empresta-se uma especial qualidade ao voto do presidente

do tribunal, de modo que, sendo três os árbitros, se cada um deles votar num

sentido (um pela procedência e outro pela improcedência) e o presidente pela

procedência parcial, prevalecerá o seu voto. Da mesma forma, se um dos

árbitros acolher a demanda num ponto e o outro acolhê-la noutro ponto,

prevalecerá a decisão do presidente do tribunal que acolhê-la integralmente ou

rejeitá-la totalmente.

6.3. - REQUISITOS FORMAIS DA SENTENÇA ARBITRAL

A Lei de Arbitragem estabelece a forma como a sentença arbitral

deverá ser proferida. Assim sendo, a sentença arbitral é um ato processual

que, do ponto de vista lógico é essencialmente intelectivo e do ponto de vista

estrutural essencialmente formal. Para sua validade formal a sentença arbitral

deve observar os requisitos formais expressos no artigo 26 da Lei de

Arbitragem:

I – relatório

II – fundamentação

III – dispositivo

IV – data e lugar da prolação

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O relatório constitui a parte da sentença em que são identificadas as

partes e feito um resumo do litígio submetido à decisão arbitral. Deve sumarizar

os principais incidentes ocorridos no curso do procedimento e a solução que

lhes foi dada, porque essas soluções podem ser objeto de reexame por

ocasião de eventual ação de nulidade (art.20, § 2º , da Lei de Arbitragem). A

fundamentação é a parte da sentença na qual o árbitro conhece do litígio que

lhe foi submetido, analisa as questões de fato e de direito que envolvem os

litigantes, finalizando por exprimir as razões que o convenceram do acerto ou

desacerto das teses por eles defendidas. Neste ponto o árbitro dá os

fundamentos de fato e de direito que lhe fornecem o convencimento; examina

os fatos, analisa os depoimentos das partes e das testemunhas, valoriza o

resultado da perícia e forma a sua convicção sobre a lide. Caso haja alguma

questão preliminar ou prejudicial que não tenha ainda sido julgada, deve decidi-

la antes de adentrar no mérito. O dispositivo é a parte mais importante da

sentença, na qual reside a decisão sobre o mérito da causa ou o comando que

caracteriza a sentença como um ato de vontade. No dispositivo o árbitro julgará

procedente ou improcedente o(s) pedido(s) das partes, com as respectivas

consequências a cargo do autor ou do réu, inclusive a responsabilidade pelas

custas e despesas com a arbitragem (compreendendo os honorários do(s)

perito(s) e verba decorrente da litigância de má-fé. A verba devida aos árbitros

deve ser fixada pelas partes no compromisso ou, silente o compromisso,

deverá ser arbitrada pelo Poder Judiciário (art. 11, parágrafo único, da Lei de

Arbitragem).

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A sentença arbitral deve conter também a data e o lugar onde foi

proferida, o que permite identificar o cumprimento do compromisso no que

concerne ao lugar da prolação (art. 10, IV, da Lei de Arbitragem) e o prazo para

a sua publicação (art. 11, III, Lei de Arbitragem).

Finalmente a sentença deve ser assinada pelo(s) árbitro(s). Quando

se tratar de decisão colegiada e um ou mais árbitros não quiserem ou não

puderem assinar, tal fato não implicará em nulidade da sentença, desde que o

presidente do tribunal certifique tal fato (art. 26, parágrafo único da Lei de

Arbitragem). Obviamente, a sentença a que faltar a assinatura de todos os

árbitros será tida como ato inexistente.

6.4. - CLASSIFICAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL

O critério mais usual de classificação das sentenças se alicerça na

natureza da prestação jurisdicional contida na sentença. Assim sendo a

sentença pode ser declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e

executiva.

Para Carreira Alvim,

“A sentença declaratória é aquela que se limita a declarar a existência ou a inexistência de uma relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de um documento. Essa sentença satisfaz a uma exigência de certeza, ficando dessa forma satisfeita a pretensão da parte. Na arbitragem seria modalidade dessa sentença a que declarasse a existência ou a inexistência de uma obrigação entre as partes interessadas”.

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No magistério de Hélio Tornaghi,

“Quando se fala em sentença declaratória, o que se quer referir não é apenas a operação lógica de acertar, de tornar certo o que era incerto. É sim, a operação jurídica que dá força de coisa julgada a esse pronunciamento. O que distingue a sentença declaratória do parecer de jurista é exatamente isso: que a primeira vincula, o segundo não. Sob o aspecto meramente lógico, é possível até que o parecer esteja certo e a sentença errada. Mas aquele não tem força de lei e esta tem”.

Falta Autor

“No direito romano sententia era sinônimo de sentença definitiva, ou seja, decisão emanada do juiz que, recebendo ou rejeitando a demanda, punha fim à contestabilidade de um bem da vida (Chiovenda); era um provimento do juiz que resolvia sobre o pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o e definindo a lide com a atuação da vontade da lei. Os demais provimentos do juiz, no processo recebiam o nome de interlocutiones (não eram sentenças)”. “No processo comum medieval, contudo, aquela clareza do conceito foi obscurecida pela influência do processo germânico, sendo dado o nome de sentença não somente à decisão de fundo (mérito) mas, também, às decisões sobre questões processuais incidentes, surgindo daí a distinção entre sentença interlocutória e sentença definitiva”. “Esta influência se fez notar no legislador de 1973 que, no art. 162, § 1º, do CPC, definiu a sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”, não distinguindo entre sentença terminativa e definitiva”. “Entretanto, a doutrina tem reservado esta expressão, sentença, para as decisões com as quais o juiz resolve a lide, quer dizer, decisões de fundo ou de mérito”.

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“A sentença é, dos atos do juiz, o mais importante e o de maior relevância, porque coroa todo o procedimento, constituindo-se no último ato, com o qual o juiz termina o ofício jurisdicional”. “A sentença constitutiva é aquela que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica ou situação jurídica. Na arbitragem seria exemplo de sentença constitutiva a proferida numa controvérsia sobre divisão e demarcação de terras”.

A sentença mandamental é aquela que contém uma ordem ou um comando dirigido a uma autoridade pública, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. O exemplo clássico dessa modalidade, de sentença é a proferida em mandado de segurança. Na arbitragem, seria exemplo a sentença impositiva de uma obrigação de fazer. A sentença executiva é aquela que traz no seu bojo a sua própria carga executiva, sendo cumprida independentemente do processo de execução. São exemplos dessa modalidade de sentença a proferida na ação de despejo e na ação possessória.

6.5. - SENTENÇA E NORMA JURÍDICA

Pressuposto essencial, admitido em todos os princípios

configuradores da teoria do ordenamento jurídico, é que as normas –

constituição, leis, regulamentos, decretos, contratos, sentenças, atos

administrativos – não se encontram soltas, mas mutuamente entrelaçadas.

Sem isso não se poderia falar em sistema de ordens, de ordenamento jurídico.

A forma ou o modo desse enlace é uma forma tipicamente

normativa, a que se chama de fundamentação e derivação. Isto é, uma norma

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tem validade se fundamenta em outra que lhe é superior. A autoridade jurídica

para criar a norma deve estar autorizada por uma norma anterior e superior.

A norma jurídica é oriunda de um ato decisório do Poder. Temos

quatro estruturas de Poder:

a) Estrutura do Poder Legislativo;

b) Estrutura do Poder Jurisdicional, que nasce por meio da atividade do

Juiz;

c) Estrutura do Poder Social Anônimo, que gera os usos e costumes;

d) Estrutura do Poder Negocial da autonomia da vontade.

As partes que celebram um contrato, o Juiz que profere uma

sentença, o governante que baixa regulamentos, o legislador que aprova as

leis, devem estar autorizados por uma norma anterior, na qual se fundamentam

para exercer a sua função normativa.

Todo ato jurídico é simultaneamente aplicação de uma norma

superior e produção, regulada por esta norma, de uma norma inferior.

O processo jurídico se desenvolve entre a pressuposição da norma

fundamental e a execução do ato coercitivo. Admitindo-se que a decisão

judicial cria a norma individual, conclui-se que apenas a partir da decisão

judicial a norma individual passa a ter vigência. A decisão judicial também é

pressuposto de vigência da norma individual.

Obviamente trata-se de decisão judicial transitada em julgado.

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O fato dessa decisão poder ser rescindida não altera sua validade,

pois a própria Lei também está sujeita à revogação ou modificação, sem que

isso lhe retire o caráter normativo.

Na observação de Munir Karan, “ os princípios de um direito ideal

aplicados pelo juiz

6.6. - CRITÉRIOS DE JULGAMENTO NA ARBITRAGEM

A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a

arbitragem, determina em seu artigo 2º :

“art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a

critério das partes.

§ 1º - Poderão as partes escolher, livremente, as regras de

direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação

dos bons costumes e da ordem pública.

§ 2º - Poderão, também, as partes convencionar que a

arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos

e costumes e nas regras internacionais de comércio”.

Vê-se, portanto, que o legislador, fiel à origem da arbitragem, deixou

a critério das partes a forma de resolução do litígio, segundo as regras de

direito ou de acordo com os princípios de equidade. Muito embora não haja

expressa autorização legal, nada impede que as partes autorizem os árbitros a

decidir mediante a aplicação conjunta de regras de direito e princípios de

equidade. Neste ponto a Lei de Arbitragem concedeu maiores poderes ao

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árbitro do que o Código de Processo Civil ao Juiz togado. Com efeito, o Código

de Processo Civil Brasileiro dispõe que o Juiz só decidirá por equidade nos

casos previstos em Lei (art. 127). Já a Lei de Arbitragem em seu artigo 2º

permite ao árbitro julgar por equidade, bastando que as partes o autorizem.

Carreira Alvim, citando Crisanto Mandrioli, ensina que:

“O julgamento de equidade é aquele em que o árbitro, por vontade das partes e ao largo da regra geral, busca formular e aplicar uma outra particular para determinado caso, que deverá elaborar de acordo com sua própria consciência, observando determinados princípios sociais e morais em tudo análogos àquela que inspiram o legislador quando elabora a norma legal. Este é o sentido de equidade, enquanto justiça do caso concreto”82

Citando Elio Fazzalari, Carreira Alvim ensina que o Juízo de

equidade importa para o julgador na possibilidade de empregar princípios de

valoração diversos daqueles contidos na norma legal, tanto para a qualificação

jurídica dos fatos, quanto para a determinação do conteúdo da sentença como

ato de vontade. A equidade não pode ser adotada pelo julgador nem quanto às

alegações, nem quanto à prova, nem quanto ao acertamento dos fatos, que

são condutas processuais que antecedem a valoração dos próprios fatos. Os

fatos são acertados de conformidade com a verdade e não de acordo com a

equidade. Permitindo ao julgador decidir de acordo com a equidade, a Lei o

autoriza a agir como se fosse, a um só tempo, legislador e Juiz.

82Alvim, Carreira, José Eduardo, Tratado Geral da Arbitragem Interno, Editora Mandamentos, 2000, pág. 197.

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Carnelutti, citado por Carreira Alvim83, entendia que o Juízo de

equidade é mais complexo que o Juízo de Direito, por ser o Juiz de equidade

não apenas o Juiz do caso, mas também o Juiz da Lei; há no Juízo de

equidade uma riqueza de reações entre Juízo e Lei, que falta no Juízo de

Direito; enquanto no Juízo de equidade o Juízo termina por dominar a Lei, no

Juízo de Direito é dominado por ela.

Comentando o artigo 2º da Lei de Arbitragem, Carlos Alberto

Carmona ensina que:

“Sendo a norma abstrata, criada para reger fatos - tipos, pode acontecer que em dado caso concreto ocorra circunstância que o legislador não havia previsto, tornando a incidência da normal injusta e inadequada. É nesta hipótese que atuaria a equidade, autorizando o legislador a instigar a severidade da norma. Assim quando autorizado a julgar por equidade, o julgador pode com largueza eleger as situações em que a norma não merece mais aplicação, ou porque a situação não foi prevista pelo legislador, ou porque a norma envelheceu e não acompanhou a realidade, ou porque a aplicação da norma causará injusto desequilíbrio entre as partes”84

Deduz-se, portanto, que o árbitro autorizado a julgar por equidade,

pode decidir em sentido contrário ao daquele indicado pela Lei, o que não quer

dizer que ele deva necessariamente julgar afastando o direito positivo.

Belizário Antônio de Lacerda entende que:

“Como instrumento informal que objetiva a prevenção de litígios, não poderia a arbitragem ficar atrelada às regras de direito tão – somente, pena de comprometer

83Alvim, Carreira, José Eduardo, Op. Cit. pág. 197. 84 Carmona, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo, Malheiros Editores, 1998, pág. 61.

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não só a informalidade estrito sensu do procedimento como também a sua própria celeridade. Assim houve por bem o legislador estipular que a arbitragem tanto pode ser de direito como de equidade. O direito aqui tem o sentido de legal isto é, de acordo com a Lei. Equidade é o sentimento de justiça descompromissado com a lei em seu sentido estrito. Não haveria razão para deixar à discrição das partes estabelecer a arbitragem por lei e equidade, se estas escolhendo a lei, fosse dado ao árbitro ou aos árbitros aplicar a equidade, e se escolhida essa fosse aplicada a lei. A arbitragem que não pode ser escolhida pelas partes é aquela que for a um só tempo de direito e de equidade”.85

Em sentido oposto, escreve Joel Dias Figueira Júnior:

“Retornando especificamente ao texto da Lei nº9.307/96, poderíamos indagar se, nas hipóteses em que o árbitro está apenas autorizado a julgar com base nas regras de direito positivo, poderá ele também decidir com fulcro em equidade, mas desta feita em seu sentido pretoriano – romano? Parece-nos que a resposta é afirmativa, porquanto há muito já se ultrapassou a barreira da mera subsunção, para se atingir, finalmente uma interpretação e aplicação da norma jurídica caso concreto, dentro de padrões sociológicos e axiológicos de interpretação, à medida que o árbitro, na qualidade de Juiz de Direito e de fato, deverá atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Deve-se compreender que o árbitro não pode recorrer à equidade tão somente quando autorizado pelas partes; ao contrário, não poderá haver justiça concreta sem a universal compreensão da equidade”86 .

6.6.1. - PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO, USOS, COSTUMES E REGRAS

INTERNACIONAIS DE COMÉRCIO

85 Lacerda, Belizário Antônio de, Comentários à Lei de Arbitragem, Editora Del Rey, 1998, pág. 41. 86 Figueira Júnior, Joel Dias, Op. Cit. pág. 241.

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As partes litigantes, que se tornam contratantes no momento em que

firmam a convenção de arbitragem, podem também acordar que o julgamento

se dê com base nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas

regras internacionais de comércio (art. 2º , § 2º , da Lei nº 9.307/96).

Ao contrário da jurisdição estatal, na qual o Magistrado tem que

aplicar o direito objetivo, estando autorizado a decidir com base na analogia,

nos costumes e nos princípios gerais do direito somente quando a norma for

omissa (art. 4º ,LIC.C., art. 126 do CPC), no Juízo arbitral essas fontes

integradoras do sistema jurídico que se destinam a fornecer subsídios ao

julgador na busca de uma decisão justa estarão sempre mescladas e

embutidas, direta ou indiretamente na formação do convencimento dos árbitros

e na fundamentação da sentença arbitral.

Desde que autorizado expressamente na convenção de arbitragem,

o árbitro ou o colégio arbitral, pode proferir sentenças fundadas tão somente

nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes e nas regras ou tratados

internacionais de comércio.

Para Miguel Reale, princípios gerais de Direito são:

“Enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”87.

87Reale, Miguel, Lições preliminares de Direito, Saraiva, 1976, pág. 299.

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Em última análise, ao autorizarem o árbitro a julgar segundo tais

princípios, as partes estão submetendo-se a Juízo de equidade. Carlos Alberto

Carmona utiliza-se de dois exemplos práticos para provar essa tese:

“Tome-se como exemplo um preceito fundamental, qual seja, o da proibição de locopletamento ilícito: se a aplicação do direito posto conduzir, na percepção dos árbitros autorizados a julgar de conformidade com os princípios gerais do direito, a resultado iníquo a norma será afastada, procurando os julgadores a solução mais justa para o caso concreto. À mesma conclusão se poderia chegar analisando outra questão que, com muita probabilidade poderá ser submetida à solução arbitral, qual seja aquela ligada ao equilíbrio dos contratos. Aqui também, caso a aplicação da lei conduza à validação da oneroridade excessiva para um dos contratantes, o árbitro autorizado a julgar de acordo com os princípios gerais de direito poderá simplesmente afastar a incidência da norma para adequar sua decisão à justiça do caso concreto”88.

Por sua vez, o julgamento da lide de acordo com os usos e

costumes tem lugar especial no âmbito do comércio–nacional e internacional-

onde poderá afastar a incidência específica desta ou daquela lei nacional. É

importante ressaltar que julgamento de acordo com os usos e costumes não

guarda equivalência com o julgamento por equidade. Julgando com base nos

usos e costumes o árbitro deverá sustentar sua decisão em parâmetro objetivo

preexistente. Julgando com base na equidade o árbitro ampara-se naquilo que

lhe parece justo.

Julgando de acordo com os usos e costumes está o árbitro

dispensando de aplicar as regras estritas de direito nacional. Assim sendo,

88Carmona, Carlos Alberto, Op. Cit. pág. 67.

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poderá ocorrer que o costume aplicado colida frontalmente com regras de

direito nacional, sem que seja inválida a sentença arbitral.

6.6.2. - LEX MERCATÓRIA

Para Irineu Strenger Lex mercatória é :

“um conjunto de princípios gerais e regras geradas pelo costume do comércio internacional, sua referência a um sistema legal específico. A lex mercatória é hoje externo conjunto de regras emanado de entidades particulares, organismos internacionais ou de origem convencional, que atua desvinculado das jurisdições específicas ou de sistemas legais de qualquer país. A lex mercatória pode ser considerada uma aglomeração coerente de normas, tomadas estas no sentido mais amplo do termo, com força jurídica para resolver as relações internacionais de comércio, investindo-as de eficácia e coercitivadade, destinando-se inclusive a solucionar questões entre particulares e Estados no que concerne aos mixed state – contractos”89.

Fábio Bertolotti, jurista italiano citado por Carlos Alberto Carmona

entende que a lex mercatória é:

“um sistema jurídico supra-nacional distinto e autônomo em relação aos direitos estatais, aplicável diretamente aos contratos do comércio internacional em lugar das disposições dos direitos nacionais”90.

89Strenger, Irineu, Diretio do Comércio Internacional e Lex Mercatória, Ed. LTR, 1996, pág.145. 90Bertolotti, Fábio, Direito Lei Contratti Internazionali, apud. Carmona, Carlos Alberto, Op. Cit. pág. 69.

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A lex mercatória desenvolve-se a partir de três circunstâncias bem

distintas: a afirmação crescente de práticas contratuais uniformes no comércio

internacional, a consolidação de regras autônomas relativamente às

legislações nacionais e a crescente conscientização dos operadores do

comércio internacional da inadequação das leis nacionais para responder aos

problemas decorrentes de contratos transnacionais. Como resultado integram a

lex mercatória as práticas contratuais, os usos do comércio e os princípios

gerais do direito.

Ao determinarem que os árbitros julguem de acordo com as regras

de comércio internacional, as partes estão afastando a incidência de uma outra

lei nacional, o que permite aos julgadores decidir com a aplicação da lei que

julgarem adequada, ou então seguir pura e simplesmente a praxe internacional.

Ao revogar no âmbito da arbitragem – o artigo 9º da Lei de

Introdução ao Código Civil Brasileiro, o artigo 2º da Lei de Arbitragem confere

ampla autonomia às partes, que podem autorizar o árbitro a julgar por contra

Lei material, usos e costumes, equidade e princípios gerais de direito. Assim, o

princípio contido no artigo 9º da Lei de Introdução, segundo o qual a Lei do

lugar da constituição das obrigações deverá regê-las, não se aplica

obrigatoriamente aos casos levados à arbitragem.

Na arbitragem as partes podem escolher livremente as regras de

direito que desejam ver aplicadas, desde que não haja violação dos bons

costumes e da ordem pública (art. 2º ,§ 1º , da Lei de Arbitragem). As regras de

direito são tanto as de direito substancial quanto as de direito processual, tanto

de direito interno quanto externo, o que permite às partes, por convenção,

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nacionalizar o direito estrangeiro ou derrogar o direito nacional. Dessa forma,

se um contrato é regido por normas de direito externo, podem as partes

convencionar seja o litígio dele decorrente resolvido segundo as regras de

direito interno e vice versa. Podem também convencionar que se aplique a

determinado caso as regras de direito material de um país e de direito

processual de outro país ou mesmo de um órgão institucional. Em síntese, o

limite da autonomia da vontade só encontra obstáculo na ordem pública e nos

bons costumes.

A propósito de conceituar ordem pública e bons costumes, ensinam

Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho:

“A ordem pública tem conteúdo diferente, conforme se trate de um caso ou de outro. Daí a distinção de Brocher, aceita pela maioria dos modernos internacionalistas, entre – ordem pública nacional – e - ordem pública internacional. A ordem pública interna dita todas as normas coativas do país, sejam imperativas ou proibitivas (jus cogens), isto é todas aquelas que não tenham caráter meramente supletivo ou dispositivo. Às leis de ordem pública interna tem que submeter-se todos os cidadãos do país, não lhes é permitido afastá-las, nas suas convenções ou disposições. Entretanto os estrangeiros podem escapar-lhes aos efeitos, prevalecendo em relação a eles o que disponham as respectivas leis nacionais. Assim, por exemplo, os dispositivos do nosso Código sobre sucessão legítima necessária, os direitos dos herdeiros, a validade intrínseca dos testamentos são de ordem pública interna, não podendo os brasileiros afastá-los por meio de disposição ou convenções. Mas, os domiciliados no estrangeiro terão respeitados os atos que pratiquem, de acordo com suas leis, contra aqueles dispositivos. É que a ordem pública que os inspira é nacional e não internacional. Somente as leis de ordem pública internacional são consideradas pelo artigo 17 da atual Lei de Introdução, como o eram pela antiga Introdução do

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Código Civil, na parte em que conseguir uma regra de direito internacional privado. Não é possível fornecer uma definição rigorosa e precisa das leis de ordem pública internacional, cumpre, todavia, indicar-lhe o conceito, como decorre da apreciação dos traços dominantes e da ratio daquelas, que apresentam inquestionavelmente esse caráter. De acordo com Despagnet há três categorias de leis de ordem pública, em todas as legislações: a primeira compreende os institutos e leis, que interessam à consciência moral e jurídica de todos os povos civilizados, como as que dizem respeito à escravidão, à poligamia ao casamento entre parentes na linha reta. Na segunda se incluem as regras que, embora não admitidas universalmente pelos povos civilizados são, todavia, consideradas pelo legislador como aplicação dos verdadeiros princípios da moral e da boa organização social. Entram na terceira as disposições imperativas, que se não inspiram num princípio superiores de moral social ou de organização, mas em considerações de ordem regional. As leis das duas primeiras categorias são de ordem pública internacional, as da terceira são apenas de ordem pública interna. ----------------------------------------------------------------------------- Como a de ordem pública considera Clóvis Bevilaqua noção um tanto flutuante a de bons costumes, a cujo respeito escreve: Bons costumes são os que estabelecem as regras de proceder, nas relações domésticas e sociais, em harmonia com os elevados fins da vida humana. São preceitos de moral. Nem todos eles terão força para impedir a aplicação da lei estrangeira, a execução das sentenças ou a eficácia das convenções. Têm-na, porém, os que se referem mais diretamente à honestidade das famílias, ao recato dos indivíduos e à dignidade social. Carvalho Santos formulou, porém, o reparo de que o próprio Clóvis reconhece, indiretamente, que os bons costumes são coisa diferente da moral, com ela não se podendo confundir, porque a moral toca de perto os sentimentos, interesses, ao passo que, para caracterização dos bons costumes é de invocar a noção de HUC “são os hábitos adquiridos para o bem,

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enquanto são protegidos ou determinados pelas leis positivas”.91

91Espínola Eduardo et Espínola Filho, Eduardo, A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro comentada, vol.3º, 3ª Ed. Atualizada por Silva Pacheco, pág. 394/400.

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7. - EFICÁCIA DA SENTENÇA ARBITRAL

A sentença arbitral, assim como aquela proferida pelos órgãos do

Poder Judiciário, tem por finalidade imediata e principal a solução do conflito de

interesses levado à arbitragem, diante de violação a direito patrimonial

disponível ou ameaça de violação de determinada relação jurídica ou fática,

dentro dos limites do compromisso arbitral.

A sentença arbitral atinge também outros escopos mediatos, o que

se dá por intermédio de sua função pacificadora de conflitos sociais,

econômicos, comerciais e políticos, seja de ordem interna, seja de ordem

internacional, de forma muito mais simplificada, célere e menos onerosa para

as partes litigantes.

A sentença proferida perante a jurisdição arbitral produz, entre as

partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença emanada dos

órgãos do Poder Judiciário, constituindo título executivo judicial, na hipótese de

ser condenatória (art. 31 da Lei de Arbitragem). A sentença arbitral faz coisa

julgada material entre as partes exclusivamente (limite subjetivo) e nos

contornos da lide delimitados no compromisso arbitral (limite objetivo)

decorridos “in albis” os 05 (cinco) dias determinados à interposição de

embargos de declaração (art. 30 da Lei da Arbitragem).

Para Joel Dias Figueira Júnior,

“A coisa julgada material é, pois, a qualidade, a autoridade e a eficácia que se agrega ao comando dispositivo da sentença, tornando indiscutíveis os efeitos da decisão que afrontou o mérito da causa,

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isto é, a matéria de fundo, a lide propriamente dita. Há de se distinguir a autoridade da eficácia da coisa julgada. A autoridade representa a possibilidade e certeza de que a sentença se impõe perante todos, decorrendo da estabilidade do ato e significando a capacidade vinculativa com que se impõe perante as partes e seus sucessores (art. 31 da Lei de Arbitragem). Trata-se de qualidade intrínseca da própria sentença que exclui a possibilidade de qualquer outro debate ou questionamento a respeito da lide já decidida, tornando-a estável. Por sua vez, entende-se por eficácia, a qualidade do que é eficaz. Por seu turno, eficaz é tudo aquilo que seja hábil para produzir efeitos no mundo jurídico. Em outros termos, a eficácia da sentença diz respeito ao seu resultado e à capacidade de produzir efeitos”.92

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, abordando a questão da efetividade

da norma jurídica ensina:

No discurso normativo, o aspecto relato – por exemplo: “Não pise na grama” – está sempre acompanhado do aspecto cometimento – isto é uma ordem, obedeça -. Ora, enquanto a validade exprime uma relação entre o aspecto – relato de outra que a imuniza, a efetividade exprime uma relação entre o aspecto - cometimento e o aspecto – relato da mesma norma. Em outras palavras, não é possível saber se uma norma isolada é válida ou não, mas é possível dizer se ela é efetiva. Neste sentido, entendemos que a efetividade é uma relação de adequação entre o aspecto – relato e o aspecto cometimento da mesma norma. Pode-se dizer, numa formulação simplificada, que as normas efetivas são as normas obedecidas. Mas esta simplificação oculta um dado importante, qual seja, que a obediência é apenas uma consequência da efetividade e não a própria efetividade”.93

Equivocadamente, contudo, Carreira Alvim procura demonstrar uma

92 Figueira Júnior, Joel Dias, 93 Ferraz Júnior, Tércio Sampaio,

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suposta “equivalência de efeitos e eficácia entre a sentença arbitral e a

judicial”. Na opinião do tratadista,

“Essa equivalência de efeitos e eficácia é que coloca a sentença arbitral no mesmo patamar da sentença judicial, pondo em evidência serem, ambas, expressão da vontade do Estado, que nelas coloca o selo de sua autoridade, só que num caso expressa através de órgão ente (Juiz) e, no outro, através de órgão pessoa (árbitro)”.94

Ora, a efetividade contida na sentença arbitral somente opera-se

plenamente caso a parte vencida obedeça espontaneamente o comando da

decisão. Caso contrário, não se pode falar de efetividade da sentença arbitral,

pois na lição de Amilcar de Castro, citado por Roberto Rosas, “pelo princípio

da efetividade o Juiz é incompetente para proferir sentença que não tenha

possibilidade de executar”.95

Não se operando a plena efetividade da sentença arbitral, o próprio

direito não se realiza efetivamente. Escrevendo sobre a função do processo,

Eduardo Couture já ensinava que:

“Todo processo pressupõe um ou mais conflitos e é um meio idôneo para dirimi-los por intervenção da autoridade. O processo tem, como finalidade, fazer cessar o conflito, mediante um debate preordenado, por ato da autoridade. Esse fim é privado e público ao mesmo tempo. É privado, no que diz respeito às próprias partes, por ter feito cessar o conflito. Ao lado desse interesse privado, todavia, o processo tem uma finalidade que interessa à comunidade. Essa

94Alvim, Carreira, 95 Castro, Amilcar,

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finalidade de caráter público consiste em garantir a efetividade integral do direito”.96

Pontes de Miranda considera que a eficácia dos fatos jurídicos

pressupõe a entrada desses fatos no mundo jurídico. Assim sendo, a eficácia

não seria um efeito do fato jurídico mas uma qualidade inerente a ele.97

José Carlos Barbosa Moreira comunga da mesma opinião de Pontes

de Miranda ensinando que:

“Eficácia, enfim, é palavra que se costuma usar, na linguagem jurídica para designar a qualidade do ato enquanto gerador de efeitos. Pode-se falar de eficácia como simples aptidão para produzir efeitos (em potência) ou como conjunto de efeitos verdadeiramente produzidos (em ato). Menos frequente é o uso de eficácia como sinônimo de efeitos isto é, para designar cada uma dos efeitos (em potência ou em ato) particularmente considerados, o que leva a conferir-se ao mesmo ato jurídico uma pluralidade de eficácias. Parece escusado insistir em que o efeito (situação nova) não pode estar incluído no conteúdo da sentença. Trata-se de algo que a ela se segue, que dela resulta, e que portanto, necessariamente fora dela se situa. O que a sentença contém é o ato de modificar a situação anterior”.98

Arnaldo Vasconcelos escrevendo sobre eficácia, conclui:

“A instância de validade observada pelo grupo comunitário, diz-se que tem eficácia. Isso significa afirmar que, de fato, a norma desempenha satisfatoriamente sua função social, qual seja, manter a ordem e distribuir justiça. O que se espera da eficácia é o resultado, que se mede pela constância

96 Couture, Eduardo, 97 Miranda, Pontes de, 98Moreira, José Carlos Barbosa,

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com que a norma é seguida e realizada. E isso, já demonstrara Del Vechio, não se consegue sem a colaboração ativa de todos os componentes do corpo social. Nessa participação presume-se a existência de forte sentimento jurídico, que leve à convicção da obrigatoriedade do preceito normativo. E aí se descobre indissoluvelmente ligada às idéias de utilidade e de justiça.”99

Hans Kelsen, já ensinava que:

“A eficácia é condição da vigência; mas, condição, não a razão

dela. Uma norma não é válida porque eficaz; é válida se a ordem a que

pertence é, no seu todo, eficaz.”100

A relatividade da eficácia da sentença arbitral já era enfocada por

Cézar Fiuza, antes mesmo da vigência da atual Lei de Arbitragem no Brasil,

nas seguintes palavras:

“As partes podem renunciar na convenção arbitral, à necessidade do “exequatur”? Em tese, desde que previsto em Lei, entendo que poderiam, sendo a sentença neste caso irrecorrível, e tendo, por si só, força executiva. Somente poderia ser anulada por vício grave, não produzindo, portanto, coisa julgada. Mas, na falta de previsão legal, reputo a dispensa do exequatur pelas partes como não escrita. Em outras palavras, a simples limpeza, sem norma legal que a ilegitime, não torna o exequatur desnecessário. A sentença por ser fruto da jurisdição privada, precisa dele para se transformar em título executivo”.101

99 Vasconcelos, Arnaldo, Teoria da Norma Jurídica, Malheiros Editora, 4ª Ed., pág. 229 100 Kelsen, Hans, General Theory of law and state, apud reale, Miguel, Fislosofia do Direito, Editora Saraiva, pág. 607. 101 Fiuza, Cézar,

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8. – CONCLUSÃO

Muito se discute hoje em dia, com justa preocupação, a necessidade

de uma real efetividade do processo. Por efetividade se entende a aptidão de

um meio ou instrumento para realizar os fins ou produzir os efeitos a que se

destina.102 A despeito de divergirem os doutos a propósito dos mecanismos a

serem adotados para tornar o processo mais eficiente e garantir a sua

efetividade, alguns pontos já estão pacificados: O aperfeiçoamento dos

instrumentos de tutela e sua extensão a todos os sujeitos de direito e a todo

ordenamento jurídico; a garantia à parte vitoriosa da plenitude dos direitos

reivindicados no processo, com o mínimo de tempo e de dispêndio financeiro.

A Lei de Arbitragem, festejada inicialmente como instrumento

moderno, capaz de resolver com agilidade e eficiência os conflitos de

interesses patrimoniais envolvendo pessoas plenamente capazes, corre o risco

de cair no descrédito, caso não seja urgentemente reformada.

Não se discute mais sobre a natureza jurídica da arbitragem e da

sentença arbitral. Sua natureza jurisdicional é aceita pela unanimidade dos

doutrinadores. A própria Lei de Arbitragem (art.18) qualifica o árbitro como

“Juiz de fato e de Direito”. Sendo assim, a unidade da jurisdição é imperiosa,

para que a sentença arbitral seja plenamente eficaz. A Lei de Arbitragem, que

pretendia revolucionar as disputas jurídicas sobre direitos disponíveis entre

pessoas capazes, adotou antigos vícios do sistema jurídico romano, a

dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução. Se essa

dicotomia é ultrapassada e totalmente desnecessária no processo judicial, o

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que dizer desse anacronismo no processo extrajudicial da arbitragem, no qual

as partes firmam um compromisso com todas as regras que presidirão o

processo, delimitando seu objetivo e elegendo o(s) árbitro(s)?

Na verdade, da maneira como dispõe a Lei atual, o processo de

arbitragem funciona apenas como um “processo de conhecimento,” caso a

parte vencida não se digne cumprir a sentença arbitral. Em um País onde a

moeda de troca do devedor é o tempo, não deixa de ser um bom “negócio”

aguardar a tramitação do processo de arbitragem para depois, em sede de

“Embargos do devedor”, atacar a sentença arbitral perante o Poder

Judiciário, arrastando-se assim o processo por tempo indeterminado.

Escrevendo sobre a unidade da jurisdição e o anacronismo da “Ação de

execução de sentença”, Humberto Theodoro Júnior já advertia:

“A obrigatoriedade de se submeter o credor a dois processos para eliminar um só conflito de interesses, uma só lide conhecida e delineada desde logo, parece-nos complicação desnecessária e perfeitamente superável, como, aliás, ocorre em sistemas jurídicos como o anglo – saxônico”.103

Não se pode jamais perder de vista os interesses tutelados pela Lei

de Arbitragem: “direitos patrimoniais disponíveis sobre os quais litigam

pessoas capazes de contratar” (art. 1º da Lei 9307, de 23/09/1996). Ora,

sendo o ordenamento jurídico instrumento de tutela de interesses, por quê

subtrair da sentença arbitral sua eficácia plena, obrigando o credor a um outro

processo, lento e oneroso?

102 103 Theodoro Júnior, Humberto,

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Defensores de uma ordem jurídica ultrapassada e desacreditada

pela quase totalidade da população, argumentam que somente o Poder

Judiciário tem o poder de império e somente ele poderia proceder à execução

da sentença proferida pelo Juízo arbitral. Nada mais enganoso, data venia. As

partes envolvidas numa disputa perante o Juízo arbitral certamente pretendem

uma solução rápida e eficaz. Elegeram a arbitragem porque têm ciência da

morosidade, onerosidade e deficiência do Poder Judiciário. Entretanto, caso a

eficácia da sentença arbitral se resuma a dirimir a controvérsia, declarando o

direito, constituindo, modificando ou extinguindo situações jurídicas ou

condenando o devedor, caso não haja cumprimento espontâneo da sentença o

credor continuará de pires na mão. A prestação jurisdicional que recebeu não é

eficaz, pois não concretizou plenamente os seus direitos. Por outro lado, o

Juízo arbitral deu por finda a tutela jurisdicional sob sua responsabilidade,

extinguindo o processo. Mas a lide terminou? Os interesses conflitantes foram

pacificados? Claro que não! Como uma alma penada, o credor terá que fazer

aquilo que mais temia: promover um processo de execução perante o Poder

Judiciário para efetivar o direito que lhe foi garantido pela sentença jurisdicional

arbitral. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:

“Exigem-se, pois, duas ações e dois processos, com todos os consectários e dificuldades da formação e desenvolvimento da relação jurídico processual, como via indispensável para atingir a completa solução de uma só e única lide, ou seja, para tutela e satisfação de um único interesse controvertido. ------------------------------------------------------------------------------

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A verdadeira pretensão da parte é atuar o seu direito subjetivo. Se à sentença não se segue a atuação do comando nela contido, o conflito persistirá e a lide permanecerá insolúvel. É que o direito do autor já existia e não foi criado pela sentença. Esta apenas o declarou. A norma da lei que era geral se revelou individual com a sentença”.104

Não há mais dúvida sobre a natureza jurisdicional da arbitragem

sendo una a jurisdição, como também é o direito do jurisdicionado a ela. Ao

contratar a arbitragem as partes não estão em busca apenas de uma sentença.

O que pretendem é a plena realização de seus direitos. A ação deve ser

concebida como direito à prestação jurisdicional, à qual compete eliminar a lide,

conferindo eficácia à norma jurídica. Consequentemente, a sentença arbitral

não cumpre sua função jurisdicional, pois é incapaz de eliminar a lide. A parte

em favor da qual é reconhecido o direito terá que intentar nova ação, perante o

Poder Judiciário estatal, para satisfação de seu crédito.

O processo é o meio adequado para reintegrar o jurisdicionado no

exercício pleno dos direitos que o ordenamento jurídico lhe assegura. A

sentença meramente condenatória, se não for espontaneamente cumprida pela

parte vencida, não cumpre efetivamente essa função, pois lhe faltam as

medidas executivas, capazes de realização plena dos direitos conferidos à

parte vencedora. Como bem assevera Humberto Theodoro Júnior,

“Dentro da função jurisdicional a cognição e a execução forçada são fases ou momentos de uma atividade continuativa. Não basta a primeira fase da tutela jurisdicional para ter-se como cumprida a tarefa reclamada do órgão judicante. A declaração jurisdicional de certeza elimina, para sempre, a dúvida

104 Theodoro Júnior, Humberto, Op. Cit. Pág.

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sobre o direito da parte. Nada obstante, mesmo depois dessa declaração, é ainda possível que o direito declarado permaneça inexecutado. Sendo certo que o mandamento judicial é indiscutível e que sem seu cumprimento o interesse jurídico permanece fora da proteção sancionatória estatal, é inquestionável que somente a fase de execução forçada, nesses casos, é que pode assegurar, de fato, a observância do direito”.105

A Lei de Arbitragem dirige-se a um público específico (pessoas

capazes de contratar) e tem objeto definido (direitos disponíveis). Por sua

natureza especial, não deve subordinar-se a regras ultrapassadas, de

inspiração romanística, que impedem a eficácia das sentenças arbitrais. O

direito processual somente justifica-se pela adequação, eficiência e celeridade

de suas normas. Não se pode admitir o processo de arbitragem fracionado em

duas fases autônomas e estanques, ou seja, o processo de conhecimento e o

processo de execução. Sabendo-se que a imensa maioria dos vencidos no

processo arbitral somente cumprirá sua obrigação diante do processo de

execução, e que essa mesma maioria sabe das deficiências do Poder

Judiciário, a eficácia das sentenças arbitrais somente se verificará com a

autonomia dos Juízos Arbitrais para a execução de seus julgados.

Tal proposta não fere o direito constitucional de acesso à jurisdição,

uma vez demonstrada a natureza jurisdicional da arbitragem e fortalece este

instituto, concebido para vigir entre pessoas plenamente capazes e para dirimir

litígios de natureza patrimonial.

O Estado democrático de Direito no Brasil encontra-se fragilizado,

dentre outros motivos, pela morosidade do Poder Judiciário e seu descrédito. O

105 Theodoro Júnior, Humberto, Op. Cit. pág.

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Juízo arbitral, apto a preencher as lacunas que o Poder Judiciário não pode

preencher adequadamente, não pode ficar atrelado a este último, dependendo

de uma estrutura falida para que suas decisões tenham eficácia .

Conforme se demonstrou no capítulo prefacial desta dissertação, a

adesão do indivíduo à norma pode dar-se por submissão, identificação ou

internalização. Ninguém é obrigado a aderir à Lei de Arbitragem. A adesão

nesse caso se dá por internalização, ou seja, por razões preponderantemente

éticas. Como escrevemos, internalizando a norma o indivíduo ópita por um

modelo institucional, que não funciona sem a sua adesão. Abandona

“interesses operacionais”, que são imediatos e dizem respeito às

circunstâncias de cada momento, para entregar-se livremente à norma que

tutela os interesses pessoais coletivos.

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