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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, MARÇO/2015 - ANO XVIII - N o 218 O ESTAFETA Foto: Andréia Marcondes Comemorado anualmente em 22 de março, o Dia Mundial da Água teve, neste ano, o tema "Água para o Desen- volvimento Sustentável" proposto pela ONU para ser discutido pela sociedade. Esse tipo de comemoração é um cha- mado aos países e aos tomadores de decissões, para que impulsionem e for- taleçam políticas públicas para a con- servação de água e para garantir sanea- mento básico para toda a população. Durante 2015, governantes e organiza- ções civis deverão somar esforços na promoção de ações que visem a sensi- bilizar a sociedade para o citado tema. No Brasil, vivemos, atualmente, uma das mais graves crises hídricas, sobre- tudo na região sudeste do país. Essa si- tuação, que, havia muito, estava pre- vista, expôs o despreparo dos governos, já que nada fora feito para evitá-la, e evidenciou a falta de planejamento e de ações efetivas voltadas para a questão ambiental. O Brasil, que detém aproximadamen- te 12% da água do planeta, celebra o Dia Mundial da Água com o desafio de repensar a gestão dos recursos hídricos em seus mais diversos usos, promoven- do a utilização sustentável. São neces- sários cada vez mais investimentos pú- blicos para suprir, principalmente, os centros urbanos. Afinal, não bastasse a escassez em si, temos que conviver com o desperdicio por parte da população e das próprias empresas distribuidoras de água. Essas últimas também devem cor- rigir suas falhas estruturais, como a de- mora na correção de vazamentos, entre outras providências. Por outro lado, a escassez no abastecimento está promo- vendo bons hábitos de economia de água e, por consequência, de energia elé- trica. A finitude da água levou o papa Francisco, no 22 de março deste 2015, a apelar à comunidade internacional para que proteja a água e garanta o acesso universal a ela. Durante a oração do Angelus, dirigindo-se aos fiéis que lotavam a Praça de São Pedro, afirmou: "A água é o elemento mais essencial à vida e da nossa capacidade de salvaguardá-la e de partilhá-la de- pende o futuro da humanidade". E continuou: "Exorto, portanto, a comu- nidade internacional para que esteja vigilante para que as águas do plane- ta estejam adequadamente protegidas e que ninguém seja excluído do uso desse bem, que é um bem comum por excelência", acrescentou Francisco. Que o mundo o ouça! Considerada uma grande caixa d’água, produtora e armazenadora de água, a Serra da Mantiqueira, ao longo dos séculos, sa- ciou a sede de gerações de valeparaibanos. Essa importante cadeia de montanhas abriga riqueza ecológica singular. Nela sub- sistem preciosos remanescentes de ecossistemas nativos da Mata Atlântica – uma da principais formações florestais dos trópicos, hoje restrita a pouco mais de 5% de sua expanção original e seriamente ameaçada de extinção. Ao longo dos anos, a perda progressiva da cobertura vegetal dessa Serra, decorren- te de ações antrópicas, tem levado a danos irreparáveis na sua biodiversidade, bem como à redução da produção de água em suas nascentes. Há muito foi acessa a luz vermelha de alerta avisando que a água fal- taria em curto espaço de tempo na região. O termo Mantiqueira tem origem na toponímia geográfica tupi-guarani com a sig- nificação de "local de precipitações abun- dantes", "local onde se originam as águas" ou, ainda, montanha ou serra “que chora". Os indígenas que habitavam a região assim a denominaram provavelmente devido à ele- vada umidade do ar e à presença de neblina que, captada pela vegetação que cobre a Serra, produzia inúmeras nascentes e ria- chos. Os agravos decorrentes da ocupação da Mantiqueira, com a substituição de suas florestas nativas por espécies exóticas, pas- tagens e construções em áreas protegidas, vinham sendo evidenciados e acompanha- dos ao longo do tempo. Intensificaram-se, no entanto, nos últimos anos. Com a estia- gem que se abateu no Sudeste brasileiro e a consequente crise hídrica do último ano, a Mantiqueira foi atingida de maneira consi- derável. Houve redução drástica do volu- me de seus riachos e nascentes que, em al- guns lugares, chegaram a secar. Surpreendida pela crise hídrica, a socie- dade está aprendendo, a duras penas, a economizar água, valorizando esse precio- so líquido que até há bem pouco tempo pa- recia ser infinito e que nunca faltaria em nos- sas torneiras. Não dá mais para serem postergadas ações voltadas para a proteção da Serra da Mantiqueira e de suas inúmeras nascentes. A recuperação de áreas degradadas, bem como o tratamento do esgoto doméstico lançado “in natura” nos ribeirões e a conscientização de que estes corpos d'água não são a cloaca da cidade, precisam ser implementados. E há que contar com a par- ticipação da sociedade. Preservar nossas águas é investir no futuro. É apostar na vida! Mantiqueira: local onde nascem as águas Surpreendida pela crise hídrica, a sociedade está aprendendo a economizar água, valorizando esse precioso líquido que até há bem pouco tempo parecia ser infinito e que nunca faltaria em nossas torneiras. Urgem ações voltadas para a proteção da Serra da Mantiqueira e de suas inúmeras nascentes.

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Edição número 218, de Março de 2015, do informativo O ESTAFETA, órgão da Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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Page 1: MARÇO 2015

E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, MARÇO/2015 - ANO XVIII - No 218

O ESTAFETAFoto: Andréia Marcondes

Comemorado anualmente em 22 demarço, o Dia Mundial da Água teve,neste ano, o tema "Água para o Desen-volvimento Sustentável" proposto pelaONU para ser discutido pela sociedade.

Esse tipo de comemoração é um cha-mado aos países e aos tomadores dedecissões, para que impulsionem e for-taleçam políticas públicas para a con-servação de água e para garantir sanea-mento básico para toda a população.Durante 2015, governantes e organiza-ções civis deverão somar esforços napromoção de ações que visem a sensi-bilizar a sociedade para o citado tema.

No Brasil, vivemos, atualmente, umadas mais graves crises hídricas, sobre-tudo na região sudeste do país. Essa si-tuação, que, havia muito, estava pre-vista, expôs o despreparo dos governos,já que nada fora feito para evitá-la, eevidenciou a falta de planejamento e deações efetivas voltadas para a questãoambiental.

O Brasil, que detém aproximadamen-te 12% da água do planeta, celebra oDia Mundial da Água com o desafio derepensar a gestão dos recursos hídricosem seus mais diversos usos, promoven-do a utilização sustentável. São neces-sários cada vez mais investimentos pú-blicos para suprir, principalmente, oscentros urbanos. Afinal, não bastasse aescassez em si, temos que conviver como desperdicio por parte da população edas próprias empresas distribuidoras deágua. Essas últimas também devem cor-rigir suas falhas estruturais, como a de-mora na correção de vazamentos, entreoutras providências. Por outro lado, aescassez no abastecimento está promo-vendo bons hábitos de economia deágua e, por consequência, de energia elé-trica.

A finitude da água levou o papaFrancisco, no 22 de março deste 2015, aapelar à comunidade internacional paraque proteja a água e garanta o acessouniversal a ela. Durante a oração doAngelus, dirigindo-se aos fiéis quelotavam a Praça de São Pedro, afirmou:"A água é o elemento mais essencial àvida e da nossa capacidade desalvaguardá-la e de partilhá-la de-pende o futuro da humanidade". Econtinuou: "Exorto, portanto, a comu-nidade internacional para que estejavigilante para que as águas do plane-ta estejam adequadamente protegidase que ninguém seja excluído do usodesse bem, que é um bem comum porexcelência", acrescentou Francisco.Que o mundo o ouça!

Considerada uma grande caixa d’água,produtora e armazenadora de água, a Serrada Mantiqueira, ao longo dos séculos, sa-ciou a sede de gerações de valeparaibanos.

Essa importante cadeia de montanhasabriga riqueza ecológica singular. Nela sub-sistem preciosos remanescentes deecossistemas nativos da Mata Atlântica –uma da principais formações florestais dostrópicos, hoje restrita a pouco mais de 5%de sua expanção original e seriamenteameaçada de extinção.

Ao longo dos anos, a perda progressivada cobertura vegetal dessa Serra, decorren-te de ações antrópicas, tem levado a danosirreparáveis na sua biodiversidade, bemcomo à redução da produção de água emsuas nascentes. Há muito foi acessa a luzvermelha de alerta avisando que a água fal-taria em curto espaço de tempo na região.

O termo Mantiqueira tem origem natoponímia geográfica tupi-guarani com a sig-nificação de "local de precipitações abun-dantes", "local onde se originam as águas"ou, ainda, montanha ou serra “que chora".Os indígenas que habitavam a região assima denominaram provavelmente devido à ele-vada umidade do ar e à presença de neblinaque, captada pela vegetação que cobre aSerra, produzia inúmeras nascentes e ria-

chos. Os agravos decorrentes da ocupaçãoda Mantiqueira, com a substituição de suasflorestas nativas por espécies exóticas, pas-tagens e construções em áreas protegidas,vinham sendo evidenciados e acompanha-dos ao longo do tempo. Intensificaram-se,no entanto, nos últimos anos. Com a estia-gem que se abateu no Sudeste brasileiro e aconsequente crise hídrica do último ano, aMantiqueira foi atingida de maneira consi-derável. Houve redução drástica do volu-me de seus riachos e nascentes que, em al-guns lugares, chegaram a secar.

Surpreendida pela crise hídrica, a socie-dade está aprendendo, a duras penas, aeconomizar água, valorizando esse precio-so líquido que até há bem pouco tempo pa-recia ser infinito e que nunca faltaria em nos-sas torneiras.

Não dá mais para serem postergadasações voltadas para a proteção da Serra daMantiqueira e de suas inúmeras nascentes.

A recuperação de áreas degradadas, bemcomo o tratamento do esgoto domésticolançado “in natura” nos ribeirões e aconscientização de que estes corpos d'águanão são a cloaca da cidade, precisam serimplementados. E há que contar com a par-ticipação da sociedade. Preservar nossaságuas é investir no futuro. É apostar na vida!

Mantiqueira: local onde nascem as águas

Surpreendida pela crise hídrica, a sociedade está aprendendo a economizar água, valorizando esseprecioso líquido que até há bem pouco tempo parecia ser infinito e que nunca faltaria em nossastorneiras. Urgem ações voltadas para a proteção da Serra da Mantiqueira e de suas inúmeras nascentes.

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Página 2 Piquete, março de 2015O ESTAFETA

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira Netto

Redação:Rua Professor Luiz de Castro Pinto, 22Tels.: (12) 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues RamosLaurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Fotos Arquivo Pró-Memória

Setembro de 1944. O mundo vivia um dosmais violentos conflitos da história. A IIGuerra Mundial se arrastava por cinco lon-gos anos e estava longe de seu término.

Após torpedeamento de navios mercan-tes brasileiros por submarinos alemães e aconsequente morte de centenas de civis,houve pressão popular sobre o governofederal para que o Brasil declarasse guerra àAlemanha. Em 31 de agosto de 1942 o go-verno brasileiro declarou o estado de guer-ra em todo o território nacional.

O envolvimento do Brasil nesse conflitofez Piquete se transformar numa praça deguerra. Devido à presença da FPV no muni-cípio, este tornou-se área de segurança na-cional. As notícias do front, na Europa e nonorte da África, eram diariamente estampa-das nos jornais brasileiros. A exemplo doque ocorreu por todo o país, também em Pi-quete havia carestia e falta de alimentos. Osolhos do mundo voltavam-se para o confli-to. A grande guerra era o assunto do mo-mento, principalmente após o envio de sol-dados brasileiros para lutarem na região doMediterrâneo.

Assim, foi com agradável surpresa queos piquetenses leram na Gazeta de Notícias,do Rio de Janeiro, na edição de 23 de setem-bro de 1944, uma notícia que os encheu deindisfarçável orgulho. Intitulado “Exemplode Organização”, o artigo mostrava que oconflito mundial dava ao mundo uma liçãodura demais para ser esquecida – só os po-vos servidos de sólida economia e organi-zados podiam manter íntegra sua indepen-dência. Completava: “Nós, brasileiros,servimo-nos da lição procurando ativamen-

te aparelhar as nossas armas de defesa atra-vés do planejamento de uma nova estruturabásica das Forças Armadas. Graças à fielobservância desse programa, traçado e postoem execução pelo governo de GetúlioVargas, o Brasil viu surgir Volta Redonda eviu remodelarem os seus arsenais e amplia-rem as suas fábricas militares, ao mesmotempo em que surgia no país, dotada de vi-gor e de recursos autônomos, moderna in-dústria bélica privada, complementar do mi-nucioso trabalho de preparação dos meiosde segurança e de defesa nacionais”. Entreas realizações emancipadoras, o artigo cita-va como “justo motivo de orgulho para opaís a Fábrica Presidente Vargas, instaladaem Piquete, no coração da Mantiqueira”.

Nesse período, a FPV recebeu inúmerasvisitas de civis e militares, técnicos e cien-tistas, que testemunharam o grande traba-lho desenvolvido pela Fábrica de Piquete.Assim foi com Lourenço Filho, diretor doInstituto Nacional de Estudos Pedagógicos.O iminente pedagogo veio, a convite do di-retor da Fábrica, coronel Waldemar Brito deAquino, conhecer o vasto plano de assis-tência e amparo aos trabalhadores e o pro-grama educacional que, mantidos por órgãopróprio, vinham sendo desenvolvidos naFábrica. A partir de sua visita, Lourenço Fi-lho deu inúmeros testemunhos em jornaisda capital federal sobre sua agradável im-pressão. Em um jornal carioca, por exemplo,reforçou seu entusiasmo pela grande obraque, segundo ele, “não é apenas exemplode organização”. Constatou “a existência dealto grau de eficiência e de exatidão do tra-balho, no desdobrar de vasto plano indus-

trial”. À margem dos resultados práticos dasoficinas, o educador viu o ambiente de fixa-ção do operário à Fábrica pela presença deassistência médica e social e pela prepara-ção e seleção dos seus filhos, “completan-do tudo um grande exemplo do Brasil, quese arma de eficiência e progresso”.

A publicação da Gazeta de Notícias foibem recebida tanto pela direção da FPVquanto por seus operários. As referênciaspositivas do ilustre Lourenço Filho foramuma injeção de ânimo no DepartamentoEducacional. O que o professor não sabia éque o que ele presenciou era apenas o iní-cio de uma obra maior que viria a serconstruída nos anos subsequentes.

Legendas:

01) Professor Pedro Mazza e alunos da Esco-

la Industrial Masculina, em 1944. 02) Alunas da

Escola Industrial Feminina, em 1944; 03) Capi-

tão Monte e operários da Fábrica, na década de

1940; 04)Visita do Presidente Getúlio Vargas à

Fábrica, em 1940.

Exemplo de organização

Imagem - Memória

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O ESTAFETA Página 3Piquete, março de 2015

Isaías CândidoGENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Luiz Flávio Rodrigues

Descendo a serra

E então me afoguei em um oceano detanta beleza. O verde era tão verde quebrilhava ao sol após aquela chuva inten-sa. Por entre as nuvens que se dissipa-vam, o azul era profundo. O ar lavado per-mitia ver longe, muito longe. Por cima dascolinas se avistava uma parte das monta-nhas. Lá ainda restava uma chuva e pare-cia que uma cortina branca se abria vaga-rosamente. Caminhei devagar contemplan-do cada detalhe. Maritacas barulhentasfaziam a festa em uma palmeira coberta defrutos. Dezenas de pássaros diferentesvoavam pelo vale. Deus me privou de donsartísticos para pintar a formosura que sedescortinava. Mas como queria eternizaressa visão em pinceladas precisas! MasDeus não me privou de ver toda essa ma-ravilha. Então pude dizer devagar e pro-fundamente meu muito obrigado. Continueidescendo a serra devagar. O vento frescoe úmido brincava com meu cabelo. O chei-ro de terra molhada e mato verde eraindescritível. Bênção sobre bênção. E des-cendo numa curva me deparei com o pre-cipício. Uma parede de pedra que desciaquase verticalmente até um pequeno vale,lá embaixo. Abelhas trabalhavam freneti-camente numa fenda na pedra. Alheias atoda aquela beleza, tornavam-se parte dela.Lá no fim daquela parede de pedra, umapequena estrada de terra serpenteava emmeio às colinas. Ora sumia, ora aparecia;como uma cobra. Mesmo de longe podiase ver que dois cavaleiros por ali andavamna lama. Pelos gestos que se notava, osdois conversavam freneticamente. O quefalavam? Da beleza daquele lugar? Ou re-clamavam da lama pegajosa? Sumiram apósuma curva entre as colinas e segui adian-te. De repente, podia ver o vale todo porentre as árvores. Via-se tão longe, que aprópria imagem se engolia a si mesma. Aleste e a oeste. Nos limites de minha vistacansada, eu olhava pequenas cidades cin-zentas. Alguns prédios e fábricas que, detão grandes, eram visíveis. Marrons, ver-des e brancos. Sentei-me na pedra fria ebrinquei de identificar esses lugares.Quanta beleza!, pensei comigo, tentandome lembrar de quantas vezes passei poresse mesmo caminho. Duzentas, trezentasvezes? Talvez muito mais! Mas naqueledia, somente naquele dia eu vi o quantotudo aquilo era belo. Fiz-me uma pergun-ta: quantas vezes deixamos de olhar obelo? Ele está ali, no meio de tudo. Mesmoem meio ao feio. Levantei-me devagar etornei a caminhar. Alcancei então uma pe-quena fonte de água cristalina. Bebi. Gela-da. Revigorante. A água sempre procura omelhor caminho. Naturalmente contorna-va as curvas na estrada e atravessava-aem certa curva precipitando-se barulhen-ta em uma pequena encosta. Em cada pas-so uma lição. Quando seremos como aágua? Sábia, determinada, insistente e pa-ciente é a água. E assim fui caminhando. Ecomecei a cantarolar uma canção suave“Obrigado, Senhor, porque és meu amigo,porque sempre comigo tu estás!”Afogado,encharcado e enebriado eu caminhei feliz.Deus havia falado comigo.

Por trinta e cinco anos ele trabalhou naFPV. Tributa sua formação intelectual e pro-fissional a essa instituição. Reconhece quea expansão e o progresso social e educacio-nal de nossa cidade foram promovidos pelaFábrica. Mostra sua admiração pela figurado capitão José Pompeu Monte, idealizadorde uma grande obra educacional desenvol-vida no município. Fala da organização e doalto grau de eficiência do DepartamentoEducacional, do entusiasmo dos professo-res, dos jovens aprendizes e do civismo quepredominava à época.

Isaías Cândido da Silva nasceu no bair-ro do Quilombo, em Cachoeira Paulista, em7 de maio de 1933. Filho de José Cândido eErnestina Gonçalves da Silva, era o filho domeio entre três irmãos. A família mudou-separa Piquete em 1938. O pai, trabalhador ru-ral, veio trabalhar na Fábrica. Isaías e os ir-mãos estudaram no Grupo Escolar da FPV.Após o curso primário, matriculou-se naentão Escola Profissional da Fábrica, queviria a se tornar a Escola Industrial. Entusi-asmado, conta que tinha aulas todas asmanhãs e, à tarde, aulas práticas. Recorda-se da dedicação dos professores LaércioAzevedo, César Dória, Augusto Ribeiro,Pedro Mazza e Osíris de Araújo. Conta que,ao se matricular na escola profissional, foiselecionado para o aprendizado de Mecâni-ca de Máquinas. O professor responsávelpela sua formação foi o mestre Willy Wieth,um alemão admirado por muitos que comele aprenderam “tudo” sobre Mecânica.Isaías conta que “os alunos, depois de con-cluído o curso, se não ingressavam na Fá-brica, eram contratados pela GM, em SãoJosé dos Campos, ou pela CSN, em VoltaRedonda”. A Escola Profissional, além doensino técnico, foi responsável por exce-lente formação cívica. “Todos os sábados,tínhamos formação militar ministrada peloprofessor Pedro Mazza. Desfilávamos, has-teávamos a bandeira nacional e cantávamoso Hino Nacional...”.

Isaías foi admitido na FPV em 1o de ju-

nho de 1946. Após a conclusão do curso,passou a trabalhar na 3ª Divisão, na Mecâ-nica de Máquinas, cujo mestre à época eraJuca Luz. “Vivi um período significativo dahistória da Fábrica, quando sua produçãoera muito grande”, afirma. “Eram milharesde operários”, complementa. Isaías recor-da-se de acidentes graves e da perda decompanheiros de trabalho. Fala das muitasamizades consolidadas nas mais de três dé-cadas de trabalho: “Foram inúmeros os com-panheiros na Mecânica”, diz, emocionado.Reconhece que a grande oportunidade desua vida foi a formação na Escola Profissio-nal da Fábrica.

Por oito anos Isaías trabalhava em doisturnos: durante o dia, era operário da FPV.Ao chegar em casa, no final da tarde, troca-va-se e ia para a J. Armando... “Foram anosde jornada dupla”. Ao aposentar-se da FPV,continuou com o trabalho na fábrica de plás-ticos. Lá ficou até completar 65 anos, quan-do se aposentou novamente.

Viúvo há treze anos, Isaías Cândido foicasado por cinquenta e quatro anos com

Olívia Rodrigues daSilva. Fala com orgu-lho dos três filhos,cinco netos e dois bis-netos... Proprietáriode um apartamento nolitoral paulista, gostade passar pequenastemporadas à beira-mar. Quando lá está,no entanto, sentesaudades de Pique-te e das conversascom os amigos –“Fico sempre porpouco tempo lá em-baixo. Gosto de fi-car na minha cida-de...”, afirma Isaías.

Alunos da Escola Profissional da FPV

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O ESTAFETA Piquete, março de 2015Página 4

Do folheto “O Domingo” – SemanárioLitúrgico-Catequético nº 59, datado de 24-12-2014, a rubrica em epígrafe diz: “Exalte-mos no Senhor, pois nasceu o Salvador domundo, verdadeira luz, paz e felicidade paraa humanidade. Na fragilidade da criança,Deus vem a nós para que subamos a Ele e,fazendo-se humano, quer nos tornar divi-nos”. Foi essa a rubrica da mensagem nata-lina em forma de missa da noite na cerimô-nia da vigília natalina.

Na homilia sempre bem explicada e didá-tica de Monsenhor João Bosco, nosso pá-roco, considerações preciosas. Entre elas, aexpressão presépio se refere ao local ondeeram reunidos os animais que frequentavamas áreas dos campos da Galileia. Depois ovocábulo foi estendido para o arranjo dareprodução imagética que, na tradição reli-giosa, a partir de São Francisco de Assis,admitido como o primeiro a representar acena de Belém do nascimento do MeninoJesus, passou a ser cultuado como figurasimbólica enriquecida do imaginário – oMenino na manjedoura. O Monsenhor co-mentou o nome manjedoura, originado doverbo francês – manger, que significa lugaronde se come. Não é sem motivos que emtodos os presépios estão os animais: o boi,o burrinho e as ovelhas. Juntos, os pasto-res na terra e os anjos do céu.

Anunciado pelo Advento, o nascimen-to do Menino, filho de Deus e de Maria,trouxe para nós o símbolo da ressurreição ea promessa da vida eterna pelo batismo.Assim, Maria, a sublime mãe, é representa-da como a redentora do pecado de Eva, quetraiu o desígnio edênico e levou Adão a per-der o privilégio de com ela habitar o jardimparadisíaco.

Precedido pelas palavras proféticas deZacarias, o pai de João, e Isaías, autor da

Depois do Natalprofecia do grande nascimento cercado daluz e da promessa de paz no reino de Davi.Narrativa elaborada pelo evangelista Lucas(2. 1-14), que registra o acontecimento jun-to dos pastores que guardavam rebanhosdurante a noite e foram alertados pelo anjojunto aos coros celestes na glorificação di-vina, em nome da paz.

O quarto domingo do Advento é ligadoa Zacarias, cuja esposa, Isabel, prima deMaria, e visitada por ela, deu a luz em idadeavançada a um filho designado como o pre-decessor do Cristo humanado. A increduli-dade do próprio Zacarias, o casal dado comoestéril, levou-o à mudez, ele um sacerdotedo Templo, ao qual a Palavra era fundamen-tal. Entretanto, Zacarias tem o nascimentodo filho anunciado pelo arcanjo Gabriel, se-gundo inscrições no livro de Daniel citadopor Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) em“A Infância de Jesus”, p.28.

Cumpre-se a profecia: nasce João Batis-ta, para abrir caminho para Jesus. João é oportador da palavra que representa o gran-de anúncio do nascimento de Jesus. O nas-cimento de João Batista para os teólogoscomemora a união das alianças – a Antiga ea Nova – como uma espécie de ligação entreo Velho e o Novo Testamentos.

Quando nasce João, pergunta-se à mãe,Isabel qual o seu nome e ela dirá: João, nomeque repete Zacarias inscrevendo-o na pe-dra, já que estava mudo. Mas, por obra divi-na, nesse momento Zacarias destrava a lín-gua, abre a boca e pronuncia “João é o seunome”. Os desígnios sagrados se comple-tariam com o anúncio a Maria e o nascimen-to de Jesus, evento este comemorado se-gundo a tradição no Natal.

O anúncio

Bento XVI citando Lucas (1, 26-27) des-creve a Anunciação a Maria. “No sexto mês”

(da gestação de João Batista) “o anjo Gabrielfoi enviado por Deus a uma cidade daGalileia chamada Nazaré a uma virgem des-posada com um varão chamado José, dacasa de Davi, e o nome da Virgem era Ma-ria”.

O autor citado salienta nessa passagemque os dois acontecimentos em ambas asmissões do arcanjo Gabriel estão ligados“também pela informação de que Maria eIsabel – e, consequentemente os seus fi-lhos – são parentes”. Jesus é quem vem de-pois. Visitada por Maria, Isabel sente a ale-gria do filho João Batista, que salta no ven-tre materno fazendo-a cumulada do EspíritoSanto (cf. Lucas 1, 41).

Jesus é o mais jovem, pois, precedidopor João, é o homem que, segundo João,“passou adiante de mim porque existia an-tes de mim”.

Da Anunciação a Maria não constou aexpressão judaica “shalom” – a paz estejacontigo –, mas a fórmula grega “Khaire”,que se traduz como “Ave”, embora o verda-deiro sentido da palavra pelo registro deBento XVI seja “Alegra-te!”. Diz o estudio-so ainda que com essa palavra existe o anún-cio da grande alegria e inicia propriamente oNovo Testamento.

A universalidade da mensagem contidana saudação de Gabriel a Maria se expressaem Khaire e Kharis – alegria e graça. “Ale-gra-te, cheia de graça” é a mensagem deGabriel a Maria. Ela, como a Arca da Alian-ça, “o lugar de uma verdadeira habitação doSenhor”.

Que o Natal nos tenha deixado a mensa-gem de alegria e paz num mundo tão tumul-tuado por interesses materializados econflituosos, sem tempo para a meditaçãodo real significado do evento.

Dóli de Castro Ferreira

Os meios de comunicação têm nosmostrado que vem crescendo o númerode casos de dengue na região. Para ossanitaristas, a dengue não poderá maisser erradicada do país desde que a doen-ça ressurgiu no país, na segunda metadeda década de 1980. O máximo que se podefazer é controlar os criadouros. A inci-dência da dengue na região metropolita-na do Vale do Paraíba é maior nas cida-des de São José dos Campos, Taubaté,Caraguatatuba e Lorena.

Piquete precisa estar alerta, tendo emvista sua proximidade e o fluxo de pessoasque circulam entre as duas cidades. É ne-cessário, portanto, que a população se unapara se manter livre do mosquito vetor.

A dengue é uma doença febril agudacausada por vírus e transmitida às pessoaspor meio da picada do mosquito Aedes

aegypti. A doença manifesta-se por febre,dores de cabeça, nos olhos, nas articula-ções e nos músculos, náuseas, vômitos emanchas avermelhadas na pele.

A dispersão do mosquito é muito rápi-da e, consequentemente, da doença, cons-

tituindo, hoje, grave problema de saúdepública.

O mosquito gosta de locais urbanos eágua parada e limpa. Para prevenção é ne-cessário combater a presença dessescriadouros: não deixemos acumular água emvasos de plantas, garrafas vazias, pneus,bebedouros, copos descartáveis, tampi-nhas de garrafa etc. Tudo que possa acu-mular água, portanto, deve ser evitado.

Como não existem medidas específicaspara o tratamento da dengue, nem vacinas,as medidas preventivas baseiam-se no con-trole do mosquito e na vigilância de casossuspeitos.

A população tem sua parcela de respon-sabilidade no combate ao mosquito. Asações para combater e controlar o Aedesaegypti dependem de todos nós. Não va-mos perder esta luta!

Estamos perdendo a luta contra a dengue

DENGUETEM QUEACABAR!É HORA DE

TODO MUNDO AGIR

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O ESTAFETA Página 5Piquete, março de 2015

O estado do Pará abriga a maior provín-cia mineral do país. Minas Gerais, a maiorprovíncia ferrífera.

Natural, portanto, que façam jus a polossiderúrgicos.

Com frequência éramos informados doprejuízo ambiental provocado pelo pologesseiro do Nordeste.

O bioma caatinga, mesmo depois de de-clarado único no Planeta, continuou a serdestruído com indisfarçáveis conse-quências.

Nossa memória armazenou uma cenacorriqueira em nossa infância.

Todos os meses, as famílias adquiriamsua quota de lenha para o fogão doméstico.

Quando recebo um botijão de gás, nãodeixo de pensar nas extensas áreas de ma-tas que este acanhado produto do engenhohumano conseguiu manter em pé.

Outras providências substituíram a le-nha e o carvão vegetal em fornos de padari-as, de fábricas e locomotivas.

A consciência ambiental levou o homema plantar matas para obter a celulose e ocarvão vegetal que continua utilizando.

Há ecossistemas sensíveis que se de-

gradam com a substituição da coberturavegetal. Isto pelas próprias condições dosistema ou pela substituição de extensasáreas contínuas, o que provoca interaçãodefeituosa com outros sistemas.

Polo siderúrgico implica carvão vegetalpara siderurgia.

Que impactos advêm da substituição damata amazônica no Pará; ou do cerrado e dacaatinga no norte de Minas?

Urucuia. Veredas. Buritizais enormes.A luz brotava do chão nas águas delica-

das que corriam preguiçosas!A ciência já havia ensinado: “o cerrado

é uma floresta de cabeça para baixo”. “ondehá buriti, há água”.

As raízes das árvores do cerrado seaprofundam na terra e vão captar água mui-to abaixo da superfície.

As veredas do João secaram. E a popu-lação tenta driblar a crise sem o resultadoesperado.

Estudantes da Universidade de MontesClaros estão produzindo mudas para fazerrenascer o sistema.

Que não desistam! E que toda a socie-dade nacional e a comunidade científica

amparem o trabalho dos estudantes.Do lado oposto, no nordeste de Minas,

há outro sistema sensível que precisa rece-ber a atenção dos governos e da comunida-de científica – é o espaço mesopotâmicoJequitinhonha-Mucuri.

Além de todas as regras elencadas noCódigo Florestal, há outros conhecimentosque estão disponíveis.

A energia eólica e a das placas solarestornam possíveis a captação e elevação deágua. Canais podem interligar os dois riosdesde as nascentes criando áreas de exce-lência para a vida da população.

Espécies de crescimento rápido, nativasou importadas, podem criar matas planta-das para a produção de celulose e carvãosiderúrgico.

É só evitar sistemas sensíveis e delimi-tar áreas para que outros sistemas não se-jam afetados.

Boa sorte aos estudantes de MontesClaros.

Progresso à siderurgia mineira eparaense.

Abigayl Lea da Silva

Sistemas sensíveis

Na última edição de O

ESTAFETA escrevi sobre ospedidos de impeachmentpresidencial que começavama ganhar corpo no país. Osatos do último dia 15, expres-sivamente grandes, trouxe-ram novo capítulo sobre otema e acredito ser necessá-rio falar sobre ele.

Os atos contra o gover-no petista me parecem moti-vados, essencialmente, portrês causas: crise econômi-ca internacional que atingeo país inviabilizando os tiposde reformas sociais imple-mentadas nos últimos anos, erros do go-verno em relação à base que, historicamen-te, lhe deu suporte, e oportunismo políticode uma classe média conservadora que nun-ca aceitou a ideia de um governo identifica-do com os mais pobres.

Os efeitos da crise econômica internaci-onal são evidentes. A queda no preço dosprodutos primários, como soja e minério deferro, e a desaceleração da economia chine-sa, principal parceira do Brasil, geraram que-da no PIB e consequente inflação. O gover-no, na tentativa de conter o problema, colo-cou em prática uma saída conservadora, atra-vés da diminuição da capacidade de com-pra dos brasileiros por meio de cortes nosfinanciamentos empresarias e consequentegeração de desemprego. Desse modo, umenorme clima de mal-estar tomou conta dasociedade brasileira e a popularidade da pre-sidente veio ao chão – inclusive entre ostrabalhadores que recebem até cinco salári-os, base social que, ao lado dos bene-

ficiários dos programas assistenciais, for-ma o eleitorado de Dilma.

No entanto, cabe dizer que, pelo menosaté agora, a população mais pobre ainda éminoritária nessas manifestações. Segundoo Datafolha, 41% dos manifestantes queocuparam a Avenida Paulista declararam ren-da acima de dez salários mínimos, enquantoos que recebem menos de cinco salários re-presentavam 29% dos manifestantes. Se le-varmos em conta que cerca de 70% da po-pulação brasileira recebem até cinco salári-os e menos de 5% possuem rendimentosacima de dez salários, fica bastante claro queos atos são, majoritariamente, compostospela classe média. E aqui, quando identifi-camos que a essência dos atos é esse setor,temos uma pista importante para compreen-der a razão de ser desses movimentos.

A classe média brasileira, de modo dife-rente que o mesmo segmento de outros pa-íses, pensa de maneira profundamente con-servadora. As razões para isso, como já

apontaram intelectuais comoCaio Prado Júnior, estariam naformação do país. Como haviano Brasil uma grande parcela demiseráveis sem acesso a empre-gos dignos, a classe situadalogo acima sempre se viu bene-ficiada pela condição degradan-te dessas pessoas: pra falar deum passado recente, era possí-vel pagar salários horrendos aempregadas domésticas superexploradas, lavar carros a pre-ços de banana e passar por ae-roportos sem o incômodo con-vívio com a “gentinha” das ro-doviárias. O governo petista, ao

ampliar programas assistenciais e ao aumen-tar a formalização do emprego, retirou gran-de parcela dos brasileiros da condição demiseráveis, e estes, ao ascenderem, deixa-ram de ser meros burros de carga dos seto-res médios.

Ao não vermos faixas pedindo a cabeçade outros corruptos notáveis ou investiga-ção dos casos de corrupção como a do me-trô de São Paulo, percebemos que a classemédia usa a corrupção como fachada paraesconder, na verdade, o profundo ódio quenutre ao governo por este ter tirado milhõesda miséria e, como consequência, acabadocom parte dos seus privilégios de classe.Em suma, de certo modo, Dilma e o PT pa-gam por seus próprios erros – não avança-ram nas políticas sociais e, derrapando nosescândalos de corrupção, se tornaram re-féns do Brasil do atraso, ou se preferirem,do “Brasil médio”.

Rafael Domingues de Lima

O Brasil médio

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O ESTAFETAPágina 6 Piquete, março de 2015

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroGrilos...

MalhaçãoEdival da Silva Castro

Acesse na internet, leia edivulgue o informativo

“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”

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A garotada almejava esses dias parapoder malhar o judas, talvez até para sedescontraír de algumas emoções reprimidas.

Logo pela manhã, os idealizadores visi-tavam as casas à cata de calça, camisa, sa-patos, luvas ou mesmo um chapéu para com-por o judas.

Palha e jornal davam forma a ele. Na cararedonda, pintava-se com carvão os olhos,as sobrancelhas, o nariz. Procurava-se fazeruma boca torta, feia e dentuça. Às vezes,um charuto lhe caía bem. Calçavam-lhe ossapatos e as luvas; na cabeça, o chapéu depalha, para deixá-lo mais jocoso. No cós,um cinto qualquer.

O estafermo, amarrado à meia-altura, emvolteios, fazia transparecer uma verdadeiradança macabra. As palavras de ordem eramaleluia, aleluia, aleluia!

A espera das 12h era angustiante.Bem antes dos sinos repicarem, o judas

já ardia. Com porretadas violentas era des-pedaçado e arrastado pela avenida a fora,numa caçoada alegre.

Nos quadrantes da cidade estavairrompida a aleluia.

Os garotos, de bornal a tiracolo, iam decasa em casa pedindo aleluia. Defronte àcasa, ouvia-se a vozearia: aleluia, aleluia,aleluia! Era o brado firme da garotada pe-dinte.

Aceitava-se qualquer dádiva quandoalguém a fazia; em consonância, saíam agra-decendo: Deus lhe pague! Deus lhe pague!

Quando não se fazia, em voz uníssona,saíam gritando: Pão-duro, miserável! Pão-duro, miserável!

Jogava-se de tudo: balas sortidas, cho-colates, moedas, pinhões, laranjas e até go-mos de cana.

Malhação-do-judas, sátira aos costumese às pessoas que se está difamando – umjeito extrovertido de expor o introvertido.

Umas cinco horas da tarde... A rua comtráfego intenso em ambos os sentidos apre-sentava-se à minha frente. Da janela assis-tia ao vaivém de carros, ônibus, caminhõese motocas dando a impressão de batalha-rem entre si, numa coreografia insólita, prin-cipalmente pela não uniformização. O baru-lho era variado, inconstante, irritadiço... Iní-cio do “rush”.

Nessa barafunda toda de movimentos esons, sabem o que me chamou a atenção?Pois, imaginem! Um pardal no meio do as-falto tentando jantar um grilo! Convenci-meser grilo devido ao fato de pertencer à or-dem dos saltatórios, já que do qual iremosfalar, pulava mais do que a galera corinthianaante um gol do timão.

A ação simples era esta: o pássaro davauma bicada e o inseto pulava fora. Tal acon-tecimento, entretanto, não atrairia maior aten-ção se processado em outro ambiente, ou-tro cenário. Ali, era digno de nota. O pardal,conhecidíssimo, é macaco velho de asfalto,mas mesmo assim, apesar de toda sua ma-landragem citadina, necessitava ter olhospara não perder o grilo de vista e se safardos carros que lhe vinham em cima. Davauma bicada, o inseto pulava e, imediatamen-te, parecendo um helicóptero, a ave alçavavoo quase na vertical, driblando o veículoque vinha lascado. Descia logo em seguida,mais uma bicada, mais um pulo do grilo emais um voo rápido para cima. Isso tudovariando de mão, ou seja, ora na pista doscarros que subiam, ora na dos que desci-am...

Já o coitadinho do grilo – para quem euestava torcendo – preocupava-me. Sentiaque estava ele irremediavelmente condena-do. Sua atenção devia estar voltada total-mente contra o iminente perigo que repre-sentava o pássaro que estava querendopapá-lo, ignorando um outro do mesmo nai-pe ou pior... Nos seus pulos cegos no meioda rua, a qualquer momento poderia ser es-magado pelas rodas dos carros. Isto,logicamente, não deveria interessar a ele, e,creio eu, muito menos ao pardal, que nãopoderia se refestelar com o que sobrasse docoitado, laminando e remendando o asfaltodiante daquele movimento desenfreado. Atéali teve sorte. Mas também, que diabos! Oque tinha aquele grilo de vir grilar no centroda cidade? Se veio atrás de aventuras, da-nou-se; se se perdeu, perdido estava. Sóposso dizer que o nosso grilinho se encon-trava literalmente naquela situação do “seficar, o bicho come; se correr, o bicho pega”.

Após muitas bicadas e fugidas em ar-ranco, o pardal devia ter mutilado o grilo,que já não pulava mais tão alto. Por fim, opardal prendeu o grilo pelo bico e se man-dou para um telhado. Faustosa ceia depoisde tanto sacrifício e arrojo.

Um drama de vida e morte no asfalto! Hátodavia, uma lógica natural para isso. Pás-saros comem insetos para sobreviver. Umaluta de mortes, sem dúvidas, mas isenta deódio. Dentro da irracionalidade, apenas ociclo natural para continuar a existir...

Triste são os racionais se digladiaremno asfalto somente pela falência do amor.

22 de Março – Dia da ÁguaEmbora o Brasil seja o primeiro país em

disponibilidade hídrica em rios do mundo,a poluição e o uso inadequado comprome-tem esse recurso em várias regiões do país.

Sem água potável, que é o alicerce davida, a sociedade humana desaparece. Naatualidade, das 203 nações do mundo, cer-ca de 60 estão em conflito e em torno de 36estão em guerra por causa da água.

Não podemos nos descuidar da pre-servação de nossas nascentes e das prá-ticas de uso que evitem ou, pelo menos,reduzam o desperdício.

A disponibilidade e qualidade dos re-cursos hídricos estão intimamente ligadasàs florestas que protegem as nascentes emananciais e os mantêm limpos.

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O ESTAFETAPiquete, março de 2015 Página 7

Vivemos um período conturbado emmuitas áreas.

O posicionamento de alguns não é acei-to por outros e isso vem gerando posturasextremas. Assim tem sido em relação à reli-gião, por exemplo. Também no que diz res-peito à alegada “liberdade de expressão”.O embate entre defensores desses dois te-mas levou a um atentado que ceifou a vidade várias pessoas.

Quem está certo?Pode parecer lugar comum, mas sou a

favor do bom-senso. Pra mim, minha liber-dade vai até o ponto em que começa a dooutro. Não julgo correta a falta de respeitoà crença, à opção sexual, à forma de sevestir, ao gosto musical, artístico e por aívai. É claro que uma vez evidenciada a fal-ta de respeito, não sou a favor da intole-rância e da violência. Num mundo ideal –infelizmente, longe do que é este em quevivemos, portanto – a justiça deveria ser omeio de questionamento do ofendido e deretratação por parte de quem ofendeu.

Muito se questiona, por exemplo, so-bre a origem da vida. A Ciência clama parasi a verdade, derrubando por terra a fé devárias religiões monoteístas. Novamenteentra em cena a pergunta: “Quem está cer-to”? Não há provas cabais de que é a Ci-ência. Também não as há para ratificar osdogmas religiosos.

Quero chegar a um ponto: a quem im-porta quem está certo? O que importa é emque acreditamos. Se outros pensam dife-rente, amém! Essencial, no entanto, é quenos respeitemos mutuamente, que viva-mos cada um com nossos conceitos, nos-sos valores. Há um Deus único? Eu acre-dito que sim. Então, que me respeitem osateus. Não me julguem o errado, pois eunão os tacho como “hereges”. Esse tempoda discórdia, da imposição do pensamen-to único há muito está ultrapassado.

No premiado “A Teoria de Tudo”, fil-me sobre o físico inglês Stephen Hawking,um trecho me chamou atenção. Em certomomento, Hawking, que buscava a expli-cação para a origem do universo, afirma:“A discussão sobre a origem da vida im-porta à Filosofia e à Ciência”. E questiona:“Quem somos? Por que estamos aqui?”. Aessas perguntas responde com uma incer-teza: “Se algum dia soubermos, será o mai-or triunfo da humanidade, pois, nesse mo-mento, conheceremos a mente de Deus”.

Hawking se curva à dúvida sobre a exis-tência de Deus. Se até ele, um dos grandesnomes da inteligência humana, um céticocientista, tem seus questionamentos e nãose afirma exato, também podemos ter a prer-rogativa da dúvida.

São direitos inalienáveis termos nos-sos valores e desejá-los respeitados.Havemos que entender, no entanto, que omesmo se passa com toda a sociedade.Desrespeitando os valores de outrem, cor-remos o risco de resvalar no preconceito.Nesse momento, então, perderemos a ra-zão. Vamos, portanto, nos respeitar, sermais tolerantes! Somente assim teremos ummundo em que união e paz serão a tônica eestaremos mais próximos das respostasaos nossos questionamentos.

Quem somos?Por que estamos aqui?

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Na minhamemória Lauraviceja comouma flor. Lauri-nha, ficou umasaudade.

Ainda eracedo para par-tir, mas Deus,que é a essên-cia do amor, se-nhor do tempoque nos con-cede, assim odecidiu e, você,Laura, como um traço luminoso, calma e se-rena aquiesceu. Você, que se aprofundouna espiritualidade. Que sentia a necessida-de da proximidade dos amigos, extremamentesensível. Terna ao se lembrar de Dulce e ZéDamico, seus pais, honrando-lhes a memó-ria, continuando a obra compassiva da mãeem benefício dos necessitados no tratamen-to do câncer. E na carinhosa lembrança dosavós, particularmente de Dona Laura, aquem homenageava com o nome. E a lem-brança dos tios e tias, aos quais se referiacomo elos familiares cultivados na sólidaargamassa estabelecida desde o berço e osbraços maternos.

Laura, convivi com você, aqui e em SãoPaulo. Víamo-nos constantemente. Convi-dei-a para lecionar comigo no curso SantaInês. Você aceitou e lá ficou algum tempo.Depois, mudou de rumo. Lá lecionava In-glês, de sua formação em Letras. Decidiu,então, fazer o curso de Direito, e o fez na

Laura Bittencourt DamicoMemória de Laura

UniversidadeMackenzie,vizinha dasua residên-cia em SãoPaulo, na ruaMaria Antô-nia. Formou-se e convi-dou-me para asolenidade decolação degrau noA n h e m b i .Não pude

comparecer pelo excesso de trabalho e es-tudos. Mandei-lhe um cartão com os para-béns, mensageiro de minha admiração.

Recebi só carinhos de você, Laura,como os recebera de Dulce e Zé. Gosteisempre de chamá-la de Laura, sem o dimi-nutivo. Acho Laura um nome bonito e so-lene.

Você, que sempre foi muito alegre, co-memorou os 60 anos com uma grande festa,prazer enorme de seus amigos e conheci-dos. Apesar de saber-me lá, enquanto a fes-ta foi aqui, não deixou de me convidar, mar-car lugar e insistir em minha presença. Nãosei se correspondi na medida esperada.

Gosto de me lembrar de você, Laura,numa linda fantasia de baiana, ricamentebordada de lantejoulas verdes e amarelasno desfile na Escola de Samba Império doBrás. O riso contagiante de Laura deixavaaquele carnaval mais alegre. Brilhe semprepara nós! Dóli de Castro Ferreira

No dia 15 de março a Fábrica Presiden-te Vargas completou 106 anos de sua inau-guração.

Imaginem nossa Piquete lá pelos idos de1902... Uma Vila pobre e sem recursos recebea promessa de investimento vultoso e de ins-talação de uma fábrica com tecnologia deponta. Se não conseguirem imaginar, pensem,atualmente, em Bacabeira, no Maranhão, eem São Gonçalo do Amarante, no Ceará, mu-nicípios pequenos e carentes nos quais seri-am instaladas refinarias da Petrobras: havia aexpectativa de um salto inimaginável na qua-lidade de vida, de criação de número signifi-cativo de empregos. Imaginem o impacto ne-gativo com o cancelamento das obras. Foitudo para o fundo do poço – e não era poçode petróleo. Já Piquete teve efetivamente ins-talada, em 1909, a indústria que fez com que acidade crescesse e se desenvolvesse.

Ao longo de quase sete décadas, a “Fá-brica” foi pai e mãe de Piquete. Transfor-mou a geografia da cidade, enriqueceu a ar-

quitetura, proporcionou saúde, educação,cultura, lazer... Formou homens e moldou ofuturo de gerações de piquetenses.

Imaginem Piquete sem a Fábrica. É difí-cil. Não há como separar as histórias deambas – caminharam sempre juntas.

Essencial é lembrar que também a Fábri-ca recebeu muito dos piquetenses. Os mi-lhares de operários que lá trabalharam tor-naram-na imponente e importante para oExército brasileiro e, consequentemente,para a defesa e a história nacionais. Muitos,literalmente, deram a vida pela Fábrica.

Se hoje a conjuntura não permite que aFábrica arque com tudo o que durante dé-cadas proporcionou, isso não diminui suaimportância para a cidade e para os pique-tenses. Ainda são muitas as famílias que de-pendem dela e seu impacto econômico é vi-tal para o município.

Que a FPV seja lembrada sempre! Que oprogresso adentre a grota encravada naMantiqueira e por lá se estabeleça!

E viva a FPV!

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O ESTAFETA Piquete, março de 2015Página 8

Crise hídrica chega à Serra da Mantiqueira

O mundo atual carece de ternuraDentre as diversas crises de nosso tem-

po, a mais ameaçadora, a meu ver, é a daternura. Sem ternura não se pode viver.Quando visito a zona rural, surpreendo-meadmirando os cuidados de uma ou outravaca com suas crias. O termo latino teneru

pode referir-se aos bezerrinhos. De fato elessão umas graças. Vê-los nos causa o dese-jo de tanger... Parecem sempre delicados emacios. Ternura é o prazer do afago, do cui-dado, sentido por quem toca e por quem étocado. É o cuidado da vaca com seubezerrinho. Não há coisa mais terna de sever. O existir carece de afago, tanto quantode leite.

Noutro dia encontrei um filhote de bem-te-vi no quintal. O coitadinho estava caídono chão. Ainda não tinha penas; as formi-gas já o rodeavam. Recolhi o pequenino ecomecei a cuidar dele... Agora já está adul-to. Vive solto, mas não abandona minhagoiabeira. Quando vou ao quintal e o cha-mo, não tarda a vir pousar em minha cabe-

ça. Ofereço frutas, ele as bica em minha mão,depois volta a voar. A criação é repleta deternura, gosta de ser tocada e de nos tocar.Nossa cultura, porém, herdeira damodernidade, é carente desse princípio tãovital. A razão moderna desenvolveu as ci-ências positivas que transformaram o mun-do por meio das tecnologias, mas também ocoisificaram. O mundo se tornou objeto depesquisas e de utilização. Por um lado, pro-moveram grandes avanços; por outro, adegradação de toda a comunidade de vida.Manoel de Barros diz que a Ciência podemedir o tamanho e o peso de um pássaro,mas não mensura o encantamento que elenos causa – esse é o campo da ternura. Asciências nos enriqueceram com astecnologias, mas, sem ternura não usamosbem os avanços conquistados. Somente aternura pode produzir o cuidado, o respei-to, a delicadeza, a poesia, a espiritualidade.Todas essas coisas são requintes humanosfomentados pela ternura.

Hoje há muita rispidez, intolerância,radicalizações em posturas e pensamentos.Há discursos de ódio, fechamentos irracio-nais ao outro. Temos conflitos de grandesproporções entre povos e nações. Temos,também, porém, pequenos conflitos quedividem amigos, famílias e outros grupossociais, patrocinados pela mesma incapa-cidade de conviver e de abrir-se ao encon-tro com o outro. Uma sociedade construídasobre a competição e a intolerância é suici-da, destrói-se de dentro para fora.

É urgente redescobrirmos a possibili-dade de ser ternos. É preciso nos exercitar-mos na docilidade, na gentileza; aprender-mos a abandonar as trincheiras e não abrirnovas. Da belicosidade que marca nossotempo à capacidade de afagar, cuidar, tocare encontrar os outros – eis o caminho ne-cessário para que se possa sustentar e su-portar a vida numa casa comum.

Pe. Fabrício Beckmann

Não podemos dizer que a crise hídricaque assola o Sudeste brasileiro e atingiu commaior gravidade a região metropolitana damaior cidade do país tenha pegado de sur-presa governos e população. A morte anun-ciada de nossos rios e nascentes havia mui-to era esperada.

O histórico descaso para o meio ambi-ente e a falta de planejamento e de priorizaçãodas questões ambientais concorreram paraque nossas bacias hidrográficas fossem sen-do espoliadas. No estado de SP, nascentese riachos se encontram assoreados e poluí-dos. O crescimento de nossas cidades, semlevar em consideração a preservação dosmananciais e o abastecimento hídrico, é ogrande responsável por esse problema. Noestado de São Paulo pouco resta da MataAtlântica que o cobria. É preciso ressaltar:sem florestas não se tem água.

Para nós, valeparaibanos, um olhar es-pecial deve ser direcionado para a Serra daMantiqueira. Muito de seus inúmeros cur-

sos d’água são tributários da margem es-querda do rio Paraíba do Sul.

A atual crise hídrica aponta, também, quea Mantiqueira está muito fragilizada. Consi-derada área prioritária para a conservação erecuperação da biodiversidade do estado deSão Paulo, o governo paulista ficou de es-tudar a melhor maneira de solucionar o pro-blema. Enquanto nada acontece, esse ricopatrimônio ambiental vem, paulatinamente,perdendo suas poucas áreas de florestaspara a ocupação imobiliária, as queimadas,os plantios irregulares, entre outros.

As características especiais desse ma-ciço montanhoso fazem da Mantiqueira umadas regiões mais ricas em paisagens,biodiversidade e cultura. No entanto, a faltade ações efetivas dos governos coloca-a emrisco contínuo. Quem sabe, a atual crise abraos olhos da sociedade e esta passe a respei-tar essa maravilha da natureza, cobrandoempenho e ações dos governantes paranossa Serra.

Fotos Arquivo Pró-Memória