marcia nunes - o ritmo de otelo

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 O RITMO DE OTELO EM DUAS TRADUÇÕESPARA O PORTUGUÊS DO BRASIL r cia Pa r e des Nun e s Ritmo é o que nos impressiona quer a vista, quer o ouvido,  pela sua repetição freqüente com i ntervalos regulares. SAID ALI Rhythm must have meaning. EZRA POUND I nt r od ão: traduzir a forma deSh ake s pe are A tradução de um texto para teatro sempre levanta questões, devido à própria natureza dual do texto dramátic o: ao mesmo tempo em que pode ser lido, também pode ser  produzido para fins de encenação teatral (Merino, 1994: 139). E m Shakespeare, o problema torna-se mais complexo ainda por diversos fatores. Em primeiro lugar, há o fato de Shakespeare ser poeta e dramaturgo ao mesmo tempo, o que pode levar alguns tradutores a  privilegiarem o poeta (ênfase no aspecto lírico das falas) ou o dramaturgo (ênfase na tea tra li dad e e suas co nse qüê ncias: maior ent end im ent o do bli co, fa cil ida de de declamação dos atores, etc). Outro ponto a considerar é a importância dada ao sentido ou à forma, visto que Shakespeare escrevia em verso e prosa. Em outras palavras, podemos dizer que a própria escolha por traduzir o verso em prosa já privilegia o sentido, na medida em que o tradutor opta desde o início por não tentar acompanhar a forma do original. A opção por seguir a forma remete, por sua vez, a outras questões, entre as quais os diferentes contextos de produção e de recepção das peças, escritas segundo as convenções do teatro elisabetano. Ao contrário do teatro moderno, em que encontramos apenas um tipo de texto (verso ou prosa, em linguagem mais ou menos próxima ou distante da coloquial), o teatro elisabetano alternava-se entre verso e prosa, segundo suas próprias convenções, sendo a prosa reservada à linguagem cotidiana, aos personagens cômicos ou aos de baixa

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A tradução de um texto para teatro sempre levanta questões, devido à próprianatureza dual do texto dramático: ao mesmo tempo em que pode ser lido, também pode serproduzido para fins de encenação teatral (Merino, 1994: 139). Em Shakespeare, o problematorna-se mais complexo ainda por diversos fatores. Em primeiro lugar, há o fato deShakespeare ser poeta e dramaturgo ao mesmo tempo, o que pode levar alguns tradutores aprivilegiarem o poeta (ênfase no aspecto lírico das falas) ou o dramaturgo (ênfase nateatralidade e suas conseqüências: maior entendimento do público, facilidade dedeclamação dos atores, etc).

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  • O RITMO DE OTELO EM DUAS TRADUES PARA O

    PORTUGUS DO BRASIL

    Mrcia Paredes Nunes

    Ritmo o que nos impressiona quer a vista, quer o ouvido,pela sua repetio freqente com intervalos regulares.SAID ALI

    Rhythm must have meaning.EZRA POUND

    Introduo: traduzir a forma de Shakespeare

    A traduo de um texto para teatro sempre levanta questes, devido prpria

    natureza dual do texto dramtico: ao mesmo tempo em que pode ser lido, tambm pode ser

    produzido para fins de encenao teatral (Merino, 1994: 139). Em Shakespeare, o problema

    torna-se mais complexo ainda por diversos fatores. Em primeiro lugar, h o fato de

    Shakespeare ser poeta e dramaturgo ao mesmo tempo, o que pode levar alguns tradutores a

    privilegiarem o poeta (nfase no aspecto lrico das falas) ou o dramaturgo (nfase na

    teatralidade e suas conseqncias: maior entendimento do pblico, facilidade de

    declamao dos atores, etc).

    Outro ponto a considerar a importncia dada ao sentido ou forma, visto que

    Shakespeare escrevia em verso e prosa. Em outras palavras, podemos dizer que a prpria

    escolha por traduzir o verso em prosa j privilegia o sentido, na medida em que o tradutor

    opta desde o incio por no tentar acompanhar a forma do original.

    A opo por seguir a forma remete, por sua vez, a outras questes, entre as quais os

    diferentes contextos de produo e de recepo das peas, escritas segundo as convenes

    do teatro elisabetano. Ao contrrio do teatro moderno, em que encontramos apenas um tipo

    de texto (verso ou prosa, em linguagem mais ou menos prxima ou distante da coloquial), o

    teatro elisabetano alternava-se entre verso e prosa, segundo suas prprias convenes,

    sendo a prosa reservada linguagem cotidiana, aos personagens cmicos ou aos de baixa

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    condio social, e o verso utilizado para os personagens elevados, conferindo-lhes

    dignidade e imponncia (Harrison, 1985 [1939]: 177).

    O verso geralmente utilizado era o blank verse, isto , pentmetros (versos de cinco

    ps) jmbicos (ps com duas slabas, sendo a segunda acentuada) (- / | - / | - / | - / | - /), sem

    rima. No incio, esse verso era muito regular e, portanto, montono. Cada verso era end-

    stopped, ou seja, no continuava no prximo, constituindo uma unidade; havia uma pausa

    aps o segundo p; e quase no havia substituio do p jmbico por outros tipos de p.

    Na obra de Shakespeare, nota-se de modo geral uma progresso dessa regularidade a

    uma maior variedade no verso, variedade esta conferida por diversos meios: uso de

    enjambement, continuao de um verso no seguinte, variao na localizao da pausa e no

    comprimento do verso, substituio do jmbico por outros ps, uso de uma slaba

    redundante, tambm chamada extranumerria, e variao no acento das slabas fortes,

    principalmente no final do verso (Halliday, 1964: 66). O que ocorre, portanto, a evoluo

    de um poeta bastante preso s convenes a um poeta capaz de distinguir vrios

    personagens entre si por meio de discursos que lhes so peculiares, obtidos pela escolha de

    palavras, pela estrutura e pelo ritmo do verso (Harrison, 1985 [1939]: 172).

    Assim, a escolha de um tradutor por acompanhar o verso e a prosa do original implica

    uma srie de conseqncias para a traduo, j que o verso de Shakespeare complexo.

    Com efeito, o estudioso de tradues de Shakespeare Dirk Delabastita cita entre os

    technical problems de traduzir Shakespeare his flexible iambic patterns (not easily

    reproducible in certain other prosodic systems), bem como the musicality of his verse

    (1997: 223).

    Os que optam por traduzir em verso tm de escolher primeiro qual seria o verso

    correspondente ao pentmetro jmbico no portugus. Poderamos pensar que um p

    jmbico do ingls corresponderia a duas slabas em portugus e, dessa forma, o decasslabo

    corresponderia ao pentmetro jmbico, j que em um pentmetro h um total de cinco ps

    de duas slabas, totalizando dez slabas. Mas essa suposio no leva em conta as diferenas

    entre os sistemas mtricos dos dois idiomas, sobretudo o uso diferente da slaba e do acento

    nos dois sistemas prosdicos. Alm disso, a lngua inglesa tende a ter palavras mais curtas

    que a lngua portuguesa, portanto, j h uma tendncia a obter-se um verso mais longo na

    traduo do que no original. Por isso, alguns tradutores procuram uma correspondncia

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    mtrica recorrendo a outras formas, por exemplo, optando por traduzir em versos

    dodecasslabos como estratgia.

    Vemos, ento, que a noo de correspondncia em traduo potica no to simples

    quanto poderia parecer. Para tentar esclarecer essa questo, Britto sugere que se utilize o

    conceito de correspondncia em diversos nveis de exatido, apresentando como exemplo

    precisamente o pentmetro jmbico ingls (2002: 1). Esse verso, em um nvel mais forte de

    correspondncia, seria o decasslabo jmbico em portugus; em um nvel mais fraco, o

    dodecasslabo; e em um nvel mais fraco ainda, qualquer verso longo.

    A conseqncia lgica desses nveis de correspondncia que quanto mais fraco o

    nvel de correspondncia, ou seja, quanto maior o nvel de generalizao, maior a perda na

    traduo. Entretanto, nem sempre se pode avaliar a perda dessa forma, visto que nem

    sempre o nvel de generalizao o nico fator a ser levado em conta. preciso pesar

    tambm outros fatores, como por exemplo as diferentes funes que os elementos possuem

    na lngua de origem e na lngua de chegada. Como indicamos acima, o decasslabo em

    portugus corresponde formalmente ao pentmetro jmbico ingls, mas suas funes em

    cada lngua podem diferir.

    Outro exemplo que cabe citar o fato de, como j mencionamos, o teatro de

    Shakespeare seguir convenes de alternncia no uso de verso e prosa inexistentes no

    portugus. Ou seja, possvel seguir formalmente a alternncia de verso e prosa, mas,

    talvez, para um leitor/espectador falante de portugus essa correspondncia no cumpra a

    mesma funo. Da a escolha apresentada por alguns tradutores de no seguirem o mesmo

    esquema formal, preferindo a traduo em prosa, em um grau elevado de generalizao,

    mas que funcionalmente se justifica.

    O ritmo de Otelo: The Othello music

    Passemos agora a examinar a fala It is the cause (ato V, cena II, 1-22), primeiro no

    original ingls e, depois, em duas tradues, para tentar analisar como os tradutores

    estabelecem essa correspondncia formal em suas tradues. Neste trabalho, vamos utilizar

    como ponto de partida a caracterizao do discurso de Otelo apresentada por G. Wilson

    Knight em artigo clssico sobre o ritmo da pea: The Othello music (1970 [1930]). O

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    trecho foi selecionado por ser muito conhecido e por ser bastante caracterstico do discurso

    do personagem Otelo.

    Segundo Knight, o estilo de Otelo caracteriza-se por ser

    stately, formal, slow-moving poetry, so heavily loaded with vividly realisedphysicality, [it] is the perfect vehicle for conveying to the audience the cast of mind,character and powerful emotion of this hero who is in life, as he tells us rude inspeech (1970 [1930]: 34).

    importante ressaltar que Otelo sempre se expressa em verso. Os nicos trechos em

    prosa ocorrem quando o General sofre um ataque epiltico e quando v o leno de

    Desdmona na mo de Cssio, ou seja, quando perde totalmente o controle de si mesmo.

    Vamos agora tentar analisar no trecho escolhido os recursos mtricos e poticos que

    tornam a fala de Otelo lento, formal e imponente, segundo Knight. preciso esclarecer

    que esta proposta de metrificao no pretende ser definitiva, podendo haver outras formas

    de escandir os versos, principalmente por se tratarem de versos a serem declamados,

    acompanhados de aes, durante a encenao. Alm disso, a pronncia no tempo de

    Shakespeare diferia da pronncia atual do ingls, o que pode levar hoje a divises silbicas

    distintas das originalmente pretendidas. Por fim, os pontos levantados no so exaustivos,

    apenas buscam trazer algumas questes para analisar como a mtrica poderia ajudar na

    interpretao do trecho.

    A fala de Otelo It is the cause declamada no momento em que ele adentra o

    quarto onde Desdmona est dormindo (ato V, cena II). Instigado por Iago, corrodo por

    seu cime, Otelo pensa que Desdmona deve morrer. Trata-se de um momento de intensa

    angstia, pois Otelo sabe que a morte definitiva, como se v na comparao que faz entre

    a luz que carrega na mo e a luz que representaria a vida de Desdmona.

    Tabela de metrificao do original ingls

    verso Escanso Tipo de verso1 - / - / || - / - / || - / - \ | - / | || - \ | - / || - / Pentmetro

    jmbico1 It is the cause, it is the cause, my soul:2 / - - / - - / || - / / / - | - / | -- | / || - | / / Pentmetro;

    3o p pirrquio;4 p com inverso

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    trocaica;5o p espondeu

    2 Let me not name it to you, you chaste stars.3 - / - / || \ - / / - / - / | - / || \ - | / / | - / Pentmetro;

    3o p com inversotrocaica;4o p espondeu

    3 It is the cause. Yet I'll not shed her blood,4 - / - / - / - / - / - / | - / | - / |- / | - / Pentmetro

    jmbico4 Nor scar that whiter skin of hers than snow5 - / - \ - / - - - / - - / | - \ | - / | - \ | - / |- Pentmetro;

    4o p pirrquio euma slaba tonaextranumerria

    5 And smooth as monumen tal alabaster

    6 \ - / / || \ - - / - / \ - | / / | || \ - | - / | - / Pentmetro;2o p espondeu;3o p com inversotrocaica

    6 Yet she must die, else she'll betray more men.

    7 \ / - / || - / || \ / - / \ / | - / | || - / | || \ / | - / Pentmetrojmbico

    7 Put out the light, and then put out the light:

    8 - / / - || \ / - / - \ - / | / - | || \ / | - / | - \ Pentmetro;2o p com inversotrocaica

    8 If I quench thee, thou flaming minister,9 - / - / - \ - / - / - / | - / | - \ | - / | - / Pentmetro

    jmbico9 I can again thy former light restore,10 - \ - / - || - / \ / - / - \ | - / - | || - / | \ / | - / Pentmetro;

    2o p anfbraco10 Should I repent me; but once put out thy light,11 - / - / - - - / - / - - / | - / | - - | - / | - / | - Pentmetro;

    3o p pirrquio;ltima slaba fracaextranumerria

    11 Thou cunning'st pattern of excelling nature,12 - / \ / - - - / - / - / | \ / | - - | - / | - / Pentmetro;

    3o p pirrquio;12 I know not where is that Promethean heat13 - \ - / - / || - \ - / - / - \ | - / | - / | || - \ | - / | - / Hexmetro

    jmbico13 That can thy light relume. When I have pluck'd thy rose,14 - / - / - / - / - / - / | - / | - / | - / | - / Pentmetro

    jmbico14 I cannot give it vital growth again;15 - / - / - || - / - - - / - / | - / - || - / | - - | - / Pentmetro;

    2o p anfbraco;

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    4o p pirrquio15 It needs must wither; I'll smell it on the tree.

    [He kisses her]16 / / - / || - - / - - / / / | - / | || - - | / - | - / Pentmetro;

    1o p espondeu;3o p pirrquio;4o p com inversotrocaica;enjambement

    16 O balmy breath, that dost almost persuade17 / - - / - / || / / / / / - | - / | - / | || / / | // Pentmetro;

    1o p com inversotrocaica;4o p espondeu;5o p espondeu

    17 Justice to break her sword! One more, one more;18 - / - \ - / || - / - / - - / | - \ | - / || - / | - / | - Pentmetro

    jmbico;uma slaba tonaextranumerria

    18 Be thus when thou art dead, and I will kill thee19 - / - / - || / / || - / - / - / | - / - | || / / | - / | - / Pentmetro;

    2 p anfbraco;3 p espondeu

    19 And love thee after. One more, and this the last.

    20 - / - / - / - || - / / - / | - / | - / | - || - | / / Pentmetro;4o p pirrquio;5o p espondeu

    20 So sweet was ne'er so fatal. I must weep.21 - / - / - / || / / - / - - - / | - / | - / || / / | - / | - - Pentmetro;

    4o p espondeu;duas slabas tonasextranumerrias

    21 But they are cruel tears: this sorrows heaven ly 22 - / - - - / || - / - / | - - | - / | - / Quatro ps;

    2o p pirrquio22 It strikes where it doth love. She wakes.

    Conforme observamos, o espectador do teatro elisabetano esperava encontrar na

    poesia das peas o blank verse (pentmetro jmbico em que o verso em si uma unidade).

    Esse tipo de verso constitua o contrato mtrico, ou seja, a mtrica que serve de base para

    o poema, geralmente apresentada pelo poeta logo nos primeiros versos (Fussell, 1979: 15).

    Entretanto, se verificarmos esse trecho, o pentmetro jmbico ocorre em menos da metade

    da fala. A maioria dos versos apresenta um ou at mais de um tipo de variao, havendo,

    inclusive, a presena de versos com nmero diferente de ps. Contabilizando-se, h um

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    total de cinco pentmetros jmbicos (versos 1, 4, 7, 9, 14); 15 pentmetros com variaes

    (versos 2, 3, 5, 6, 8, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21); e dois versos que no so

    pentmetros (verso 13 com 6 ps, e verso 22 com quatro ps).

    Esses dados por si ss nos levam logo concluso de que se trata do Shakespeare

    maduro, j sem seguir de perto as convenes mtricas, apresentando oscilaes nos

    versos. Com efeito, ao analisarmos cada verso, verificamos a existncia de todas as

    caractersticas dessa fase (Halliday, 1964: 66):

    a) slabas tonas extranumerrias (versos 5, 11, 18 e 21);

    b) substituio de p jmbico por outro p binrio: pirrquio (versos 2, 5, 11, 12, 15,

    16, 20, 22); troqueu (versos 2, 3, 6, 8, 16, 17); e espondeu (versos 2, 3, 6, 16, 17, 19, 20,

    21);

    c) substituio de p jmbico por um p ternrio (versos 10, 15, 19);

    d) enjambement, que por si s j uma variao, pois, segundo as convenes, os

    versos deveriam ser end-stopped (versos 16 e 17);

    e) variao no comprimento dos versos (verso 13 com seis ps e verso 22 com quatro

    ps);

    f) pausas com variao em sua localizao (versos 1, 2, 7, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22),

    quando o esperado pausa aps o segundo p (versos 3, 6, 8, 10, 15, 16);

    g) variao na localizao das slabas fortes, com alguns espondeus no final do verso

    (versos 2, 17, 20);

    Agora, preciso verificar se essa diversidade no ritmo apresenta relao com o estilo

    prprio de Otelo e com o momento especfico da pea em que se encontra o trecho: a

    indeciso de Otelo diante de seu ato. Como j citado, Knight considera que o estilo de

    Otelo caracteriza-se por ser lento, formal e imponente. No trecho em questo, podemos

    verificar esses traos devido a:

    1) Cesura ou pausa ( || ):

    trata-se de um recurso tpico para desacelerar o ritmo. Nota-se que quase todos os

    versos do trecho tm uma ou mais cesuras, em posies variadas. A cesura pode ainda

    conferir um aspecto formal ao verso: caesura can be used [] as a device for emphasizing

    the formality of the poetic construction and for insisting on its distance from colloquial

    utterance (Fussell, 1979: 25).

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    2) Repeties:

    o trecho contm a repetio de expresses inteiras, como por exemplo It is the

    cause, trs vezes, e one more tambm trs vezes. H tambm repeties com pequenas

    variaes como em Put out the light, and then put out the light, que reaparece mais tarde

    como but once put out thy light, e posteriormente a palavra light ressurge em outro

    contexto: That can thy light relume. A reiterao tambm pode ocorrer de modo mais

    sutil, como na presena do prefixo latino re- em trs palavras diferentes: repent,

    restore, relume. Em termos de imagens, a comparao entre a luz e a vida aparece aqui

    sob trs formas distintas: as estrelas (luz no cu), a vela (luz que Otelo carrega) e o fogo de

    Prometeu (luz da vida), permeando o trecho como um todo. importante tambm a

    repetio de conjunes adversativas: yet e but, que podem ser interpretadas como um

    reflexo da indeciso de Othello. Por fim, h uma discreta repetio de estrutura sinttica

    com o uso de vocativos (my soul, you chaste stars, thou flaming minister, Thou

    cunningst pattern of excelling nature, O balmy breath).

    3) Substituio do jambo por espondeu, principalmente nas slabas finais:

    a prpria natureza do blank verse faz com que os versos terminem em uma slaba

    acentuada e que cada verso constitua uma unidade, o que j propicia um ritmo mais lento

    na medida em que no contempla enjambement, um fator de acelerao.

    Entretanto, nota-se ainda neste trecho uma freqncia de versos em que h

    substituio do jambo (- /) por um espondeu (//) no incio ou meio do verso (versos 3, 6, 16,

    19, 21), e no final do verso (verso 2, verso 17, com os dois ltimos ps espondaicos, e verso

    20). Ocorre, ento, o que Fussell denomina spondaic substitution: a sucession of stressed

    syllables without the expected intervening unstressed syllables can reinforce effects of

    slowness, weight or difficulty (1979: 35). Nesse caso, os espondeus, alm de

    caracterizarem o discurso majestoso de Otelo, enfatizariam a dificuldade da prpria

    indeciso do momento.

    4) Substituio do jambo por pirrquio (versos 2, 5, 11, 12, 15, 16, 20, 22):

    segundo Fussell, a sucession of unstressed syllables without the expected

    intervening stressed syllables can reinforce effects of rapidity, lightness or ease (1979: 35).

    Essa caracterstica pode ser vista, por exemplo, no verso 15, em que o pirrquio acelera a

    ao de beijar que o verso descreve metaforicamente. Entretanto, a leveza do ritmo pode

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    ajudar a reforar mais ainda certas palavras, ao acelerar o ritmo e depois fre-lo, como

    ocorre no verso 20, em que o pirrquio seguido por uma substituio espondaica pe em

    relevo as palavras must weep, destacando o sofrimento de Otelo, e como ocorre no verso

    22, em que trs slabas fracas antes da tnica destacam a palavra love.

    5) Ausncia de enjambement (uma ocorrncia):

    nesse aspecto, Shakespeare segue as convenes do blank verse, com versos end-

    stopped. Entretanto, o nico enjambement encontrado, versos 16-17, parece exercer a

    mesma funo dos pirrquios: acelerar para dar destaque dificuldade de deciso de Otelo.

    Nesses dois versos ocorrem algumas inverses trocaicas e um pirrquio, uma cesura e, logo

    aps, dois espondeus, os quais ilustram os beijos de Otelo. Ou seja, o trecho apresenta

    ritmo bastante irregular, refletindo angstia e indeciso.

    Repetimos que destacamos apenas alguns aspectos, tentando ilustrar como variaes

    mtricas podem apresentar relao com o significado.

    Passemos agora a analisar as duas tradues.

    Anlise das tradues

    O poeta Onestaldo de Pennafort (1902-1987) realizou tradues do simbolista francs

    Verlaine e de Shakespeare, de quem traduziu Romeu e Julieta (1938) e Otelo (1956),

    trabalhos que se tornaram reconhecidos na rea de literatura, teatro e tambm de estudos da

    traduo (Martins, 1999: 170-2). Sua verso de Otelo apresentada como a primeira

    traduo de Othello realizada, ou pelo menos publicada no Brasil, se no nos enganamos, a

    primeira na lngua portuguesa vazada em verso e prosa como o original ingls" (Antonio

    Monteiro Guimares, apud Shakespeare, 1995: XXXVII, nota 2).

    Barbara Heliodora, tradutora, crtica teatral e pesquisadora, considerada uma das

    maiores autoridades brasileiras em Shakespeare, tendo j traduzido grande parte do cnone

    shakespeariano (Martins, 1999: 172-6).

    Os tradutores escolhidos foram selecionados por serem respectivamente a primeira e

    a ltima das tradues em verso e prosa publicadas no Brasil, o que poderia talvez refletir

    diferentes concepes de traduo, devido ao lapso de tempo decorrido entre as

    publicaes, principalmente por se tratar de traduo para teatro, que costuma necessitar de

    atualizaes para adequar-se a possveis encenaes.

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    Mais especificamente, a escolha de Onestaldo de Pennafort, embora seu Otelo esteja

    esgotado, tendo, pois, circulao restrita, deve-se ao extenso e diverso aparato crtico que

    acompanha a edio; a de Barbara Heliodora deve-se grande veiculao de sua traduo,

    no somente pelo prestgio da tradutora como crtica teatral e conhecedora de Shakespeare,

    mas tambm pela facilidade de sua aquisio.

    Onestaldo de Pennafort

    Tabela de metrificao

    verso Escansoslabas tnicas

    Nmerode slabas

    1 / - - / - || - / - || / - - / - / - - / - || - / - || / -/ -

    12

    1 | o | mo | ti | vo, | mi | nha al | ma, | | o | mo | ti | vo... 1-4-7-9-122 / - / - / || / - - / - / - / - / || / - - / - 92 No | di | rei | a | vs, | cas | tas | es | tre | las! 1-3-5-6-93 / - / - || \ - - / - / - / - / - || \ - - / - / - 103 o | mo | ti | vo... | No | ver | te | rei | seu | san | gue, 1-3-(5)-8-104 / - - / - - - / - / - / - - / - - - / - / - 104 No | fe | ri | rei | a | su | a | pe | le | bran | ca, 1-4-8-105 - / - - - / - || - - / - - / - - - / - || - - / - 105 Mais | al | va | do | que a | ne | ve, | mais | ma | ci | a 2-6-10 herico6 - - / - - / - - - - / - - / - - 66 Que o a | la | bas | tro | dos | t | mu | los...7 \ - - / - / || - - - / - / / - - / - / || - - - / - / 127 Mas | de | ve | r | mor | rer, | pa | ra | que | nun | ca | mais (1)-4-6-10-12 alexandri-

    no (6+6).8 - / - / - / - / - / - / 68 En | ga | ne a | mais | nin | gum!... 2-4-6 jmbico9 - / - - - / / - / || - \ || / - - / - - - / / - / || - \

    || / -12

    9 Pri | mei | ro a | pa | ga | rei | es | ta | luz... | de | pois, | es | ta... 2-6-7-9-1210 - - / - - / - - / - - / - - - / - - / - - / - - /

    -12

    10 Se ex | tin | guir | o | cla | ro | ser | vi | al | des| ta | fla | ma 3-6-9-12 anapesto11 - / || - - - / - / - / - - / || - - - / - / - / - 1011 E, a | ps, | me ar | re | pen | der | de | t- | lo | fei | to, 2-6-8-1012 - - / - - / - - - / - - / - 612 Po | de | rei | re a | vi | v- | lo... 3-613 - - - / - - - / || - / - - - / - - - / || - / 1013 Mas | se a | pa | gar | a | tu | a | luz, | a | ti, 4-8-1014 - - / - - / - - - / - - - / - - / - - - / - 1014 cri | a | o | mo | de | lar | da | na | tu | re | za! 3-6-1015 - - - / - / - - - / - - - - / - / - - - / - 10

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    15 Que | Pro | me | teu | ja | mais | com | su | a | chis | pa 4-6-1016 - - / - - / - || - / - - / - - - / - - / - || - / - - /

    -12

    16 Po | de | r | re a | cen | d- | la? |Uma | vez | ar | ran | ca | da 3-6-9-12 anapesto17 - / - - - / || \ / / - - / - - / - - - / || \ / / - - /

    -12

    17 A | ro | sa | do | seu | p, | no | me | da | do | so | prar- | lhe 2-6-(7)-8-9-12-18 / - / - / - || / - / - - / / - / - / - || / - / - - / 1218 No | vo a | len | to | vi | tal...| e e | la | tem | de | mur | char, 1-3-5-7-9-1219 / - - / - - - - / - / - - / - - - - - / - 1019 Que | ro as | pi | r-| la | ain| da | no | seu | cau | le! 1-4-10

    (Beija Desdmona)20 - / - - - / - - / - - - / - 620 Bal / s / mi / co / res / pi / ro, 2-621 - - / - - / - - / - - / - - - / - - / - - / - - / - 1221 Tu | se | ri | as | ca | paz | de | le | var | a | Jus | ti | a 3-6-9-12 anapesto22 - - / - - / - / - / || \ \ - - / - - / - / - / || \ \ 1222 A | que | brar | su |a es | pa| da! Um | bei| jo | mais...| mais | um.... 3-6-8-11-(12)-

    (13)6 + 6

    (Beija-a novamente)23 - / - - / - - / || - - - / - - / - - / - - / || - - - /

    -12

    23 Con | ser | va-| te | tal | qual | es | ts, | quan | do | mor | re | res! 2-5-8-1224 - - / - || (-) - / - / - / - - - / - || (-) - / - / -

    / -10

    24 Vou | ma | tar- | te... | e | te a | mar | de | pois | de | mor | ta... 3-6-8-1025 - / || - - - / - / - / - - / || - - - / - / - / - 1025 Mais | um: | o | der | ra | dei | ro! | Nun | ca um | bei | jo 2-6-8-1026 - / - - \ / - / - / - / - - \ / - / - / 1026 To | do | ce | te | r | si | do | to | fa | tal! 2-(5)-6-8-10

    (Beija-a mais uma vez)27 - - / - - / || - - / - - / - - / - - / || - - / - - / 1227 Eu | pre | ci | so | cho | rar... | Mas | as | l | gri | mas | so 3-6-9-12 anapesto28 - / - / - / || - - - / - - / - / - / || - - - / - 1028 A | mar | gas.... | Mi | nha | dor, | co | mo o | cas | ti | go 2-4-6-1029 - / || - / - / - - \ / - - / || - / - / - - \ / - 1029 Do | Cu, | des | tri | a | qui | lo | que | mais | a | ma. 2-4-6-(9)-1030 - - / - - / 330 Des | per | tou... 3

    Quadro comparativo de manipulao pelo tradutor do original ingls

    [Omisso]AcrscimoAlteraoExplicitao

    o motivo, minha alma, o motivo...No direi a vs, castas estrelas!

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    o motivo... [Yet] No verterei seu sangue,No ferirei a sua pele branca, (quebra de verso)Mais alva do que a neve, mais macia (quebra de verso)5Que o alabastro dos tmulos...Mas dever morrer, para que nunca mais (quebra de verso)Engane a mais ningum!...Primeiro apagarei esta luz... depois, [put out] esta...Se extinguir [thee, omisso do vocativo] o claro servial desta flama10E, aps, me arrepender de t-lo feito,Poderei reaviv-lo... [alterao da ordem dos versos] (quebra de verso)Mas se apagar a tua luz, a ti,- criao modelar da natureza!Que Prometeu jamais com sua chispa15Poder reacend-la? Uma vez arrancada (quebra de verso)A rosa do seu p, no me dado soprar-lhenovo alento vital... ! [quebra de verso] e ela tem de murchar, (quebra de verso)Quero aspir-la ainda no seu caule! (Beija Desdmona)Balsmico respiro, (quebra de verso)20Tu serias capaz de [almost] levar a Justia (quebra de verso)A quebrar sua espada! (quebra de verso)Um beijo mais... mais um.... (Beija-a novamente)Conserva-te tal qual ests, quando morreres! (quebra de verso)[And] Vou matar-te... [quebra de verso] e te amar depois de morta... (quebra de verso)25Mais um: o derradeiro! [quebra de verso] Nunca um beijoTo doce ter sido to fatal! (Beija-a mais uma vez) [quebra de verso]Eu preciso chorar... Mas as lgrimas so (quebra de verso)Amargas... Minha dor, como o castigo (quebra de verso)Do Cu, destri aquilo que mais ama. (quebra de verso)30Despertou...

    Notamos na traduo de Onestaldo de Pennafort uma maior manipulao do texto em

    vrios nveis. Primeiro, h a introduo de rubricas inexistentes no original, indicando mais

    dois gestos de Otelo que acompanham as falas (versos 22 e 26). Segundo, Pennafort no

    segue as quebras de verso do original, introduzindo ou suprimindo quebras conforme a

    necessidade do portugus e no do ingls. Fica patente, assim, que no h interesse em

    manter o mesmo nmero de versos do original. Com efeito, o nmero de versos aumenta de

    22 para 30.

    Como j mencionamos, o aumento no nmero de versos justifica-se pela prpria

    natureza das lnguas, mas isso tambm resulta de uma expanso no texto provocada pelo

    prprio tradutor, com a explicitao de pontos implcitos (como, por exemplo, o uso de

    comparativo nos versos 28 e 29, Minha dor, como o castigo / Do Cu, destri aquilo que

    mais ama); de elementos gramaticais (como no verso 11, de t-lo feito); ou de elementos

    semnticos (como no verso 25, nunca um beijo). H tambm a introduo de palavras

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    inexistentes no original (como no verso 9, primeiro; no verso 15, jamais; e no verso 18,

    e).

    Outra forma de manipulao observada a alterao da ordem das palavras (verso 1)

    ou at da ordem dos versos (11 e 12) em relao ao original. Encontramos tambm a

    transformao de uma afirmativa em interrogativa nos versos 15 e 16.

    Esses exemplos nos levam a crer que Pennafort parece mais interessado em efetuar

    uma correspondncia mais forte em termos do sentido do que da forma. Essa suposio

    ganha mais fora se pensarmos que, em termos mtricos, Pennafort no utiliza versos com

    o mesmo nmero de slabas, embora o trecho parea estar estruturalmente organizado em

    torno de versos hexasslabos, decasslabos e dodecasslabos, havendo apenas a presena de

    dois versos que fogem a esse padro (verso 2 com nove slabas, e verso 30 com trs

    slabas). Conforme j assinalamos, h ainda um aumento no nmero de versos para

    compensar a diferena entre as lnguas.

    Em relao aos pontos que levantamos como importantes para o ritmo peculiar de

    Otelo, constatamos que, em termos de cesura, h o mesmo nmero de cesuras do que no

    original (19). Entretanto, no possvel buscar uma correspondncia exata na localizao

    dessas cesuras em razo do nmero diferente de versos e do seu agrupamento distinto nas

    duas lnguas.

    No h tentativa de seguir um ritmo fixo (jmbico), embora haja alguns versos

    anapsticos perfeitos e pelo menos um alexandrino perfeito. De certa forma, como o

    nmero de pentmetros com variaes de Shakespeare supera o de pentmetros jmbicos

    perfeitos, Onestaldo de Pennafort transmite um pouco dessa variedade de ritmo, mesmo que

    possa ser casual e no premeditada.

    Em relao ao paralelismo de estruturas, Pennafort desfaz parte do paralelismo, como

    no verso 9, Primeiro apagarei esta luz... depois, esta..., e no verso 22, Um beijo mais...

    mais um... , sendo que no nico paralelismo conservado, no verso 1, h a alterao na

    ordem de minha alma, com a insero do vocativo no meio do verso, o que j modifica o

    paralelismo original.

    Quanto ao nmero de enjambements, como Onestaldo de Pennafort altera a

    configurao dos versos, no faz sentido buscar correspondncia nesse aspecto. Entretanto,

    enquanto o original ingls apresenta um exemplo de enjambement, na traduo temos oito

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    exemplos (versos 5/6; 7/8; 15/16; 21/22; 25/26; 27/28; 28/29), muitos dos quais em

    seguida, o que acelera mais ainda o ritmo.

    O uso do futuro sinttico e de pronomes clticos remete a outro aspecto importante da

    traduo de Pennafort: o registro mais culto, diferente do portugus oral no Brasil, onde

    essas formas esto caindo em desuso. A prpria escolha lexical tambm reflete um registro

    mais potico, com o uso de palavras menos usuais, como aspirar, chispa, respiro e

    derradeiro.

    Barbara Heliodora

    Tabela de metrificao

    verso Traduo Escanso -slabas tnicas

    Nmero deslabas

    1 / - / - || / - / - || \ / - / - / - || / - / - ||\ / - 101 | a | cau | sa, | sim, | a | cau | sa, | mi | nhal | ma, 1- 3- 5 -7-102 / - - / - - / - - / - / - - / - - / - - / - 102 No | a | no | mei |o an | te as | cas | tas | es | tre | las: 1- 4-7- 10 decasslabo

    provenal3 / - / - || - / - / - / - / - / - || - / - / - / - 103 | a | cau | sa; | mas | san | gue | no | der | ra | mo, 1-3-6-8-104 - / - - / - || / - - / - - / - - / - || / - - / - 104 Nem | man | cho | sua | pe | le, | al |va | de | ne | ve 2-5-7-105 - / - - - / - - - / - - / - - - / - - - / - 105 E | li | sa | co | mo a | gl | ria | do a | la| bas | tro; 2-6-10 herico6 - / || \ - / - || - \ || / / - - / || \ - / -|| - \ || / / - 106 Po| rm | tem | de | mor | rer, | se | no | trai |ou | tros. 2-5-9-107 - / - / || - / || - / - / - / - / || - / || - / - / 107 A | pa | go a | luz | e, en | to, | a | pa| go a | luz: 2-4-6-8-10 jmbico8 - \ - - - / || / || / - / - - \ - - - / || / || / - / - 108 Se a | ti | eu | su| fo | car, | oh | fla | ma ar | den | te, 2-6-7-8-109 \ - - / - - - / - / (\) - - / - - - / - / 109 Pos | so | de | no | vo | res | tau | rar-| te a | luz, 1-4-8-10 sfico10 - - - / - || \ || - - / - / - - - - / - || \ ||- - / - / - 1110 Se | me ar| re | pen | do; | mas | se a | vo |c |a| pa|go, 4-(6)9-1111 / - - / - - - / - / - / - - / - - - / - / - 1011 Mol | de | sa | gaz | na | na | tu | re | za ex | cel | sa, 1-4-8-1012 - - / - / - - - - / - - / - / - - - - / 1012 Des | co | nhe | o | ca | lor | de | Pro | me | teu 3-5-1013 - - \ - - / - || / - / - - - \ - - / - || / - / - 1013 Que | a | re | a | cen | des | se: | j | co | lhi | da, (3)6-8-10 herico14 - / - / - / - / - / - - / - / - / - / - / - 1014 No | pos | so | dar | | ro | sa | for | a | vi | va; 2-4-6-8-10 jmbico15 \ - - / || - - / - - / - \ - - / ||- - / - - / - 10

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    15 Tem | de | se | car; | vou | chei | r- | la | no | ga | lho. (1)-4-7-10(Beija-a.)

    16 / - - / - / || / - - / - / - - / - / || / - - / - 1016 H | li | to | quen | te as | sim | qua | se | con | ven | ce 1-4-6-7-1017 - - / - - / - - - / - - / - - / - - - / 1017 A | jus | ti | a a | tra | ir- | se u | ma | vez | mais: 3-6-10 herico18 - - / - - / - || - - / - - - / - - / - || - - / - 1018 Se | fi | car | as | sim | mor | ta, | vou | ma | t- | la, 3-6-10 herico19 - / - - / || / - - || - / - - - / - - / || / - - || - / - - 1019 E a | m- | la | de | pois: | mais | u | ma / a | l| ti | ma, 2-5-6-10 duas ltimas

    slabas fracas20 / - / - \ - / || - / - / - / - / - \ - / || - / - / - 1020 | o | do | ce | mais | fa | tal: | a | go | ra | cho | ro, 1-3-(5)-7-9-1021 - - / - - / || / - - / - - / - - / || / - - / 1021 Mas | | pran | to | cru | el, | dor | ce | les | tial 3-6-7-1022 - - / - / - || / - - / - - - / - / - || / - - / - 1022 Que | gol | pei / a o | que a | ma: | e | la | des | per | ta. 3-5-7-10

    Quadro comparativo de manipulao pelo tradutor do original ingls

    [Omisso]AcrscimoAlterao

    a causa, sim, a causa, minhalma,No a nomeio [omisso do vocativo] ante as castas estrelas: a causa; mas sangue no derramo [will]Nem mancho sua pele, alva de neve [omisso do comparativo]E lisa como a glria do alabastro;5Porm tem de morrer, seno trai outros. [will]Apago a luz e, ento, apago a luz:Se a ti eu sufocar, oh flama ardente,Posso de novo restaurar-te a luz,Se me arrependo; mas se a voc apago,10Molde sagaz na natureza excelsa,Desconheo calor de PrometeuQue a reacendesse: j colhida,No posso dar rosa fora viva;Tem de secar; vou cheir-la no galho. (Beija-a)15Hlito quente assim quase convence [omisso do vocativo]A justia a trair-se uma vez mais: [break her sword! One more, one more!]Se ficar assim morta, vou mat-la,E am-la depois: mais uma a ltima, o doce mais fatal: agora choro, [I must weep]20Mas pranto cruel, dor celestial [they; this]Que golpeia o que ama: ela desperta.

    Verificamos que, em termos formais, a tradutora adota o verso portugus que tem

    maior correspondncia formal ao pentmetro jmbico ingls: o decasslabo. H apenas um

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    verso hendecasslabo (verso 10). Alm disso, na medida do possvel, a tradutora parece

    tentar utilizar-se do ritmo jmbico, que no tpico do portugus (versos 7, 14 e 20).

    Notamos tambm uma extrema preocupao em manter o mesmo nmero de versos

    do original, tarefa difcil se considerarmos a tendncia a expandir o tamanho do verso na

    passagem de ingls para portugus. Portanto, essa escolha por si s j traz como

    conseqncia uma necessidade de compresso. Encontramos, assim, a modificao de

    alguns termos. Por exemplo, monumental alabaster vertido como glria do alabastro,

    o que acarreta uma ligeira mudana no sentido, visto que o original remete aos tmulos

    construdos com esse material (cf. glosa do editor da edio New Cambridge), sendo o tema

    da morte importante no contexto.

    O uso do presente do indicativo ocorrem apenas dois casos de uso de futuro, vou

    cheir-la e vou am-la tambm pode ser fruto da necessidade de compresso, pois,

    com a utilizao desse tempo verbal, eliminaram-se algumas ocorrncias dos verbos modais

    will (versos 3 e 6) e must (verso 20), passando para o presente a ao como se j realizada,

    alm de, obviamente, esses verbos serem mais curtos do que qualquer forma verbal futura

    no portugus, seja sinttica ou analtica.

    Para reduzir o verso, tambm houve a juno de dois perodos que so

    completamente distintos no original O, balmy breath, that dost almost persuade/ Justice

    to break her sword! / One more, one more (versos 16 e 17) e que passam a ser Hlito

    quente assim quase convence / A justia a trair-se uma vez mais. Nessa compresso,

    houve a eliminao do vocativo, que passou a ser sujeito, a eliminao da imagem da

    justia quebrando a espada e, mais significativo ainda, a fuso entre os dois perodos, sendo

    que no original o segundo uma exclamao de Otelo ao beijar Desdmona, excluda na

    traduo.1

    Outra omisso a eliminao do vocativo no verso 2 tambm devido juno de

    duas oraes. Considerando-se que a repetio, sob diversas formas, pode significar uma

    maneira sutil de retardar o ritmo, a supresso de dois vocativos pode representar tambm

    uma pequena perda cumulativa.

    Outro exemplo de compresso d-se no penltimo verso, com a eliminao dos

    pronomes they e this. Em ingls ocorre um contraste bem demarcado entre a crueldade

    do pranto e a celestialidade da dor que sente Otelo, contraste este marcado metricamente

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    pelos acentos nos referidos pronomes; mas em portugus, com a omisso dos

    demonstrativos, os dois plos ficam justapostos, como em uma enumerao.

    Quanto aos aspectos mtricos que levantamos como fatores que conferem um ritmo

    lento, observamos que Barbara Heliodora apresenta quase o mesmo nmero de pausas do

    original (20), sendo algumas inclusive no mesmo local do original ingls, como nos versos

    1, 3, 7, 10, 13, 15. Da mesma forma, a tradutora mantm as repeties presentes no ingls,

    embora possa haver pequenas variaes, como no primeiro verso. Tambm mantido o

    nico enjambement do original.

    Entretanto, um fator presente no original praticamente desaparece na traduo: a

    extrema variao mtrica. Nesse aspecto, parece que, ao tentar ater-se correspondncia

    formal mais prxima do ingls (versos decasslabos), a tradutora opta por no variar muito

    a mtrica, com apenas um verso variante (verso 10). Talvez essa pouca variao confira ao

    trecho no um ritmo lento, mas um ritmo mais acelerado que o original, apesar do nmero

    maior de pausas.

    Finalmente, um comentrio sobre a escolha lexical de Barbara Heliodora:

    encontramos o uso de palavras coloquiais e a ausncia de palavras poticas ou eruditas; os

    pronomes usados so voc e tu, portanto, os utilizados na linguagem oral brasileira.

    Quantos ao futuro, ela d preferncia forma analtica, mais comum na linguagem oral:

    vou cheir-la. Com isso, o texto torna-se fluente e de fcil compreenso.

    Concluses

    Nosso esboo de anlise tinha por objetivo verificar como os tradutores lidaram com

    aspectos formais do texto shakespeariano. Nesse sentido, os dois tradutores escolhidos

    aparentemente tiveram objetivos semelhantes: tentar transmitir ao leitor/espectador

    brasileiro uma correspondncia formal entre o texto de partida e o texto de chegada.

    Entretanto, a noo de correspondncia formal parece diferir um pouco entre os dois

    tradutores.

    Onestaldo de Pennafort parece ver a correspondncia formal de modo mais geral,

    optando pelo uso de uma simetria que permeia o trecho como um todo, com o uso

    predominante do hexasslabo, decasslabo e dodecasslabo, havendo a possibilidade de

    outros metros. O nmero de versos no se manteve o mesmo e houve considervel

  • Mrcia Paredes Nunes

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    manipulao em termos de quebra e inverso, alm de outras alteraes. O efeito final de

    expanso do original ingls.

    Barbara Heliodora, por outro lado, parece entender por correspondncia formal o

    metro mais prximo do original (pentmetro traduzido por decasslabo) e, dentro desse

    metro, optou por uma grande rigidez, superior at mesmo de Shakespeare, que nesse

    trecho de Othello apresenta grande nmero de flutuaes para efeitos poticos. A tradutora

    no alterou o nmero de versos, o que por si s j representa tambm uma tentativa de

    correspondncia formal forte. O efeito final de compresso do original ingls.

    De modo geral, parece-nos que a escolha de Barbara Heliodora pelo decasslabo e a

    conseqente necessidade de recorrer a palavras mais curtas, fundir oraes e, sobretudo,

    utilizar pouca variao mtrica fazem com que o ritmo lento e sinuoso de Otelo no seja

    bem reproduzido na traduo, que apresenta um ritmo mais gil que o do original. Por outro

    lado, a preferncia de Pennafort por utilizar-se de trs metros distintos, com possveis

    variaes, por um lxico mais formal e erudito, e pela expanso do verso talvez capte um

    pouco mais da msica de Otelo, muito embora a correspondncia formal seja mais fraca do

    que a selecionada por Barbara Heliodora.

    1 As diferentes verses de Barbara Heliodora (uma vez mais) e Onestaldo de Pennafort (mais um) podemser explicadas pela discrepncia entre o prprio original ingls, em que o texto do Folio Once more! Oncemore!, enquanto o do Quarto One more! One more (Shakespeare, 1985: 172)

    Apndice

    Smbolos usados:

    | = separador de ps ou slabas= separador de slabas/ = slaba com acento primrio\ = slaba com acento secundrio- = slaba tona|| = pausa

    Ps mais utilizados na versificao inglesa:

    BINRIOS:bsicos: acidentais:jambo = - / espondeu = / /

  • O ritmo de Otelo em duas tradues para o portugus do Brasil

    Traduo em Revista 2006, p. 01-20

    troqueu = / - pirrquio = - -

    TERNRIOS:bsicos: acidentais:anapesto = - - / crtico = / - /dctilo = / - - anfbraco = - / -

    Referncias bibliogrficas

    DELABASTITA, D. (1997) Shakespeare Translation. M. Baker (org.) Routledge

    encyclopaedia of translation studies. London: Routledge.

    BRITTO, P. H. (2002) Para uma avaliao mais objetiva das tradues de poesia. G. B.

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    Penguin.

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