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Marcas do passado: o golpe de 1964 e o processo de resistência na Fronteira Sul. Carla Cristina Machado 1 Mateus Gamba Torres. 2 Resumo: O artigo tem como objetivo demonstrar como a ditadura militar interferiu no modo de vida e na política por meio da análise dos processos de resistência criados na região sul do Brasil na cidade de Três Passos - RS. Demonstrando os meios de repressão que o governo ditatorial brasileiro usou contra seus opositores, o que fundamenta o aumento dos grupos de guerrilha, e opositores ao regime militar em todo o país. Palavras chave: Governo, ditadura militar, constituição. Abstract: The article aims to demonstrate how interfered military dictatorship in way of life and politics through the analysis of resistance processes created in southern Brazil in the city of Três Passos - RS. Demonstrating the means of repression that the Brazilian dictatorial government used against its opponents, the plea that the increase in guerrilla groups, and opponents of the regime military across the country. Keywords: Government, military dictatorship, constitution. A história justifica tudo quando se quer. Ela não ensina rigorosamente nada, pois contém tudo e dá exemplos de tudo. Paul Valéry. A agitação política e social foram as marcas do período pré golpe de 1964.À época diversos grupos e movimentos sociais se juntavam ao pleito governista de aprovar as reformas de base propostas pelo presidente João Goulart. SAHD (2014) diz em seus estudos que O período anterior ao golpe de 1964 se distingue por sua efervescência social a qual se expressa em diversas demonstrações da massa, como as greves que reuniram centenas de milhares, pois havia uma intensa mobilização popular 1 Acadêmica do curso de graduação licenciatura em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó – e-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto nível I da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó, em exercício atualmente no Departamento de História da Universidade de Brasília - UNB. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).Bacharel e Licenciado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

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Marcas do passado: o golpe de 1964 e o processo de resistência na

Fronteira Sul.

Carla Cristina Machado 1

Mateus Gamba Torres.2

Resumo: O artigo tem como objetivo demonstrar como a ditadura militar interferiu no modo

de vida e na política por meio da análise dos processos de resistência criados na região sul do

Brasil na cidade de Três Passos - RS. Demonstrando os meios de repressão que o governo

ditatorial brasileiro usou contra seus opositores, o que fundamenta o aumento dos grupos de

guerrilha, e opositores ao regime militar em todo o país.

Palavras – chave: Governo, ditadura militar, constituição.

Abstract: The article aims to demonstrate how interfered military dictatorship in way of life

and politics through the analysis of resistance processes created in southern Brazil in the city

of Três Passos - RS. Demonstrating the means of repression that the Brazilian dictatorial

government used against its opponents, the plea that the increase in guerrilla groups, and

opponents of the regime military across the country.

Keywords: Government, military dictatorship, constitution.

A história justifica tudo quando se quer. Ela não ensina rigorosamente nada,

pois contém tudo e dá exemplos de tudo. Paul Valéry.

A agitação política e social foram as marcas do período pré golpe de 1964.À época

diversos grupos e movimentos sociais se juntavam ao pleito governista de aprovar as reformas

de base propostas pelo presidente João Goulart.

SAHD (2014) diz em seus estudos que

O período anterior ao golpe de 1964 se distingue por sua efervescência social

a qual se expressa em diversas demonstrações da massa, como as greves que

reuniram centenas de milhares, pois havia uma intensa mobilização popular

1 Acadêmica do curso de graduação licenciatura em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó – e-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto nível I da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó, em exercício atualmente no

Departamento de História da Universidade de Brasília - UNB. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC).Bacharel e Licenciado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

que era acompanhada de maquinações golpista das vanguardas reacionárias,

que em, pelo menos, três momentos desestabilizaram a ordem institucional

democrática até o rompimento drástico em 1964 (SAHD, Fábio Bacila. 2014;

Pag. 22).

Panorama que já evidencia a instabilidade social e politica da república brasileira, pois

o período anterior ao ditatorial já vemos um processo de mobilização social, marcados por

demonstrações de insatisfação as medidas governamentais. Movimento que na década de

1960 de intensificam, pois o período e fortemente marcado pela forte participação social dos

trabalhadores, sindicatos e movimentos estudantis como demonstra Queiroz.

Já no início dos anos 60, quando emergiam e ganhavam força no Brasil movimentos

sociais, que expressavam correntes sócios filosóficos de pensamento não

conservadoras, vivíamos um processo de politização dos trabalhadores que estavam

participando ativamente do movimento estudantil, dos sindicatos, das comissões de

fábrica, das associações de bairros, dos partidos políticos etc… Todos reunidos em

torno da construção de um projeto político para o país, baseado em um modelo de

desenvolvimento diferente do modelo Capitalista, inspirados nas ideias: comunistas,

socialistas, sociais-democráticas e anti-imperialistas, que se opunham ao Populismo

de Getúlio Vargas. (QUEIROZ, Cecília; MOITA, Filomena Maria. Pág. 03)

Nesse sentido vemos que autoras demonstram que a principal fragilidade do período

pré ditadura militar encontra-se no setor social, pois vemos uma intensa mobilização em torno

da construção de um novo projeto politico. Cunha explica que é nesse contexto mundial que

se estabeleceram fortes disputas ideológicas no modelo capitalista, o qual foi encabeçado

pelos Estados Unidos e o comunista foi liderado pela União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas (CUNHA; 2013).

É com a Renúncia de Jânio Quadros em 1961 a chegada de João Goulart (Jango) ao

poder assumindo o cargo de presidente, as classes conservadoras brasileiras criaram ao redor

de sua imagem um estigma de terror, alegando que era partidário da ideologia socialista. Por

tal motivo, Jango assume a presidência através de um acordo que diminuiria seus poderes

presidenciais com a instalação do parlamentarismo.

SANTOS (Pág.103) diz que o presidente passa a afirmar suas posições políticas

discursando sobre democracia, propondo a revisão da Constituição de 1946, reforçando a

questão da Reforma Agrária e a urgência da desapropriação de terras às margens de rodovias,

ferrovias e obras públicas3.

3 SANTOS, Jordana de Souza. A repressão ao movimento estudantil na Ditadura militar. AURORA ano III número 5 – dezembro DE 2009. ISSN: 1982-8004 www.marilia.unesp.br/aurora

[…] anunciou a adoção de importantes medidas, através de decretos, como a

encampação das refinarias particulares, o tabelamento dos aluguéis dos imóveis

desocupados e a desapropriação de terras valorizadas pelos investimentos públicos,

ou seja, das terras às margens dos eixos rodoviários e dos açudes, ou que pudessem

tornar produtivas áreas inexploradas. (BANDEIRA, 1978 p. 163 in SANTOS,

Jordana de Souza)

Com tudo isso Jango não teve que lidar apenas com a forte oposição dos partidos

contrários, o presidente teve que enfrentar a ira de parte da imprensa que buscava a todo custo

desqualificar o seu governo como aponta SILVA.

A imprensa brasileira cumpriu rigorosamente esse papel na preparação e legitimação

do golpe de 1964. Usou do seu prestígio para convencer parte da população,

especialmente as classes médias a aderir aos propósitos das elites econômicas que

estavam vinculadas aos interesses do capital internacional. (SILVA, Pág. 11,

2014).

Sendo assim vemos que a oposição ao governo de João Goulart aumentava a cada dia,

e que muitos opositores foram criados devido ao trabalho maciço da imprensa de

desqualificação do seu governo por estar aliado à esquerda.

FERREIRA em seus estudos aponta que: “com exceção dos donos dos jornais que

assumiram claramente o seu repudio a Jango como O estado de São Paulo e da Tribuna da

Imprensa, a imprensa de modo geral o apoiava desde que ele se mantivesse afastado das

esquerdas” (FERREIRA, Pág.413)

Com isso se conclui que a imprensa vira as costas para Jango a partir do momento que

ele demostra não ser/agir como um agente do modelo conservador, o que era esperado por

parte da população, clero e a imprensa. Mas também não podemos deixar de apontar que esses

não eram os únicos grupos com quem João Goulart deveria se preocupar em seu mandato,

como aponta SAHD.

Para o autor ao longo da presidência de João Goulart os grupos à direita e à esquerda

do espectro político mediram suas forças dentro da esfera pública, onde ambos os lados

acabaram pressionando o governo para refrear ou acelerar as reformas de base. Foi

enfrentando muitas dificuldades até sua queda que o presidente manteve um equilíbrio frágil

entre as forças opostas buscando respaldo nos políticos e posição de centro o que desagradava

a ambos os polos4.

O “intervencionismo” característico de setores mais radicalizados dentro da União

Democrática Nacional (UDN) era voltado sobre tudo, contra a participação maciça

4 Idem.

dos trabalhadores como sujeitos políticos. Para essas elites o povo estaria

corrompido pelos direitos sociais outorgados de forma manipuladora durante o

Estado Novo e não saberia exercer seu voto, portanto as “crises republicanas”

incluindo-se o golpe de 1964 teriam o resultado de inconformidade dos

conservadores diante dos benefícios conseguidos pelos trabalhadores.

(FERREIRA; Pag. 85-86)

É e por isso que para Rosa Maria Cardoso da Cunha5 a quartelada de 1964 não foi

apenas um golpe das oligarquias ou elites políticas e econômicas nacionais contra o governo

que tinha uma face trabalhista e popular patrocinado pelas forças militares, mas um golpe

fundado na violência tradicionalmente exercitada no Brasil contra os destituídos. O projeto

que gestou 1964 visava à construção de um Estado de Segurança Nacional e de

Desenvolvimento Associado e Hegemônico na América Latina. (Rosa Maria Cardoso da

Cunha; 2013). “Com efeito a “ameaça comunista” serviu como pretexto para justificar golpes

autoritários, reprimir movimentos populares, garantir interesses imperialistas ameaçados pelas

campanhas nacionalistas, ou seja, manter inalterado o status quo”. (MOTTA, 2000). Ou seja,

usa-se o comunismo, que à época era visto como uma grande ameaça, como justificativa do

uso da violência e perseguição aos movimentos populares e sindicais.

Sendo assim Rosa Maria Cardoso da Cunha afirma que a violência política utilizada

pelas Forças Armadas brasileiras buscou sua legitimidade e está associada a três casos

clássicos de ação anti-insurrecional – Indochina, Argélia, Vietnã – e aos padrões norte-

americanos de contrainsurgência. O uso dessa violência acabou por permitir ao regime militar

construir o estatuto de um Estado sem limites repressivos. (CUNHA; 2013)

Isso gerou três consequências graves a sociedade brasileira: inoculou a tortura como

forma de interrogatório nos quartéis militares a partir de 1964; fez da tortura força motriz da

repressão praticada pelo Estado brasileiro até pelo menos 1976; e a materialização sob a

forma de política de Estado de atos de tortura, assassinato, desaparecimento e sequestro.

(CUNHA; 2013). Porém não podemos deixar de lado o papel desenvolvido pela imprensa no

pré-golpe e posteriormente a ele.

SILVA aponta que a mídia desenvolveu um papel fundamental para que o golpe se

concretizasse e posteriormente se justificasse uma vez que para ele “a mídia em 1964

5 CUNHA, Rosa Maria Cardoso dá. É integrante da Comissão Nacional da Verdade, GT Golpe civil militar de 1964; Brasília, 25 de fevereiro de 2013.

enquanto falava de democracia e ordem constitucional preparava o lombo dos brasileiros para

o golpe que lhes sofreria por duas décadas e meia6” (SILVA, 2014; Pág.8)

Porém mesmo com o apoio da imprensa os militares impuseram censura aos meios de

imprensa, teatros, escolas, universidades e é a partir dessas consequências que os grupos de

resistência ao governo militar intensificam-se em todo país, com a formação de grupos de

guerrilha urbana e rural, obrigando os opositores a viverem na ilegalidade, pois os mesmos

sofreram forte repressão pelo governo. E a ida a clandestinidade poderia ser uma chance de

não ser pego pelo órgãos de repressão, visto que mesmo quem não era clandestino sofria com

os métodos de repressão.

O golpe militar de 1964 não somente perseguiu, torturou e matou seus opositores,

ela também a impediu a manifestação mais legítima de cidadania, ao proibir o voto

direto para presidente da República e representantes de outros cargos majoritários,

como governador, prefeito e senador. Apenas deputados federais, estaduais e

vereadores eram escolhidos pelas urnas. (CAMARA,2014)7

Os órgãos de repressão atuaram de forma extremamente violenta, agindo contra todos

que não apoiaram e colocavam-se contra o golpe. Usou-se de técnicas de tortura, as quais

tinham como objetivo recolher informações, contudo além da tortura, os militares também

foram responsáveis pelo desaparecimento e morte de milhares de pessoas.

“E é nesse cenário que a cidade de Três Passos tem um grande destaque na luta contra

o processo ditatorial,” (WEISSHEIMER, 2012). Essa cidade tem sua memória marcada por

três momentos muito importantes de conflitos armados, sendo elas: a passagem da Coluna

Prestes, movimento que nasceu em Santo Ângelo, passou por São Luiz Gonzaga, foi acossada

pelas tropas governistas de então e avançou na direção de Três Passos, onde houve um

combate no qual morreu o Tenente Portela, uma das principais lideranças do movimento com

Luis Carlos Prestes” (WEISSHEIMER, 2012) Segundo Marco Aurélio Weissheimer8 a cidade

de “Três Passos tem uma história interessantíssima”. (2012)

O segundo momento se dá no ano de 1965 onde a cidade de três passos tem a primeira

tentativa de formação de um grupo de guerrilha de oposição à ditadura, sendo liderado pelo

6 SILVA, Juremir machado dá. 1964. Golpe midiático civil-militar, Porto Alegre: Sulina, 4ªedição, 2014 Pagina 08. 7 Fragmento retirado dos site http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/150573-ANOS-60-E-70-DITADURA-E-BIPARTIDARISMO.html acessado em 01/07/2015 8 WEISSHEIMER, Marco Aurélio; Reportagem Carta Maior: Três Passos, uma cidade que foi torturada pela ditadura; 30/09/2012.

coronel cassado Jefferson Cardin Osório como liderança e ligado ao MNR (Movimento

Nacionalista Revolucionário, que era ligado ao Leonel Brizola),

Aluízio Palmar em seus estudos afirma que a operação estava sob orientação de

Leonel Brizola, este, residente no Uruguai, onde o coronel Jefferson Cardim de Alencar

Osório e o ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul Alberi Vieira dos Santos

deram início de planejamento no dia 12 de março de 1965 tendo como objetivo tomar alguns

destacamentos e esperar adesões.

Escolhendo a cidade de Três passos - Rio Grande do Sul como sede da formação

pelo fato de a cidade ser uma área estratégica, uma vez que a mesma une três países

– Argentina, Uruguai e Paraguai – que fazem divisa com três estados brasileiros –

Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O local também e marcado por zonas

de mata e trilhas que poderiam ser facilmente usadas em caso de fugas ou tomadas

de outras áreas. (WEISSHEIMER, 2012).

A localização geografia da cidade era fundamental para o grupo, visto que a mesma

localiza-se no interior do estado do Rio Grande do Sul, dando acesso ao estado de Santa

Catarina, e aos países da Argentina, Uruguai e Paraguai, por meio de trilhas na mata, sendo

essencial em caso de fuga ao grupo.

A “Operação Três Passos” previa a entrada de Brizola no Brasil, a fim de catalisar e de

detonar as revoltas. (DUMONT, Acesso em: 7 Jan 08 às 19hr30min). No dia 15 de março,

Jefferson Cardim saiu por Montevidéu em busca de recursos para pôr o plano em prática.

Entre uns e outros arrecadou cerca de mil dólares, no dia 17 de março compraram armamento

numa loja de Montevidéu: três armas de caça tchecas semiautomáticas, de 15 tiros, calibre 22

e mil tiros (munição) para cada uma (GASPARI, 2002, p. 192).

Na noite de 18 de março Cardim foi de táxi ao Hotel Harmonia apanhar Alberi

acompanhado de Alcinor Ayres seguiram em direção a Rivera, aonde chegaram no dia

seguinte já em território brasileiro. Às seis horas da manhã saíram de Livramento, chegando à

tardinha em São Sepé. (PALMAR, 2012, p. 289).

Ao atingirem Catuípe, Cardim e Alberi fizeram alguns contatos e dormiram na casa do

subprefeito, que lhes emprestou um carro, no qual prosseguiram até Campo Novo, onde

pousou na casa de Silvano, irmão do ex-sargento. Na cidade contataram com o professor rural

e hoje advogado Valdetar Antônio Dorneles, que preparou um croqui de Três Passos. Esta,

uma pequena cidade da região Noroeste do Rio Grande do Sul e na época com pouco mais de

cinco mil habitantes, com um destacamento composto por 12 ou 13 homens, mais o presídio

com uma guarnição de oito homens, a patrulha da delegacia, a central telefônica e a rádio.

(PALMAR, 2012, p. 290)

Reuniram-se no sítio do pai de Valdetar, Euzébio Teixeira Dorneles, conhecido como

Zebinho, onde realizaram exercícios de tiro, treinaram montagem de acampamento e

distribuíram as missões para os combatentes. Para o deslocamento da tropa, Zebinho arrumou

com o chefe do PTB local um velho Ford Bigode, modelo 1939, conhecido por caolho, pois

só tinha um farol. Após empurrar o caminhão para fazê-lo andar, partiram de Campo Novo na

noite de 25 de março rumo a Três Passos, onde chegaram às dez e meia da noite. (PALMAR,

2012, p. 290).

Na noite do dia 25 de março o grupo liderado pelo ex-coronel do Exército, Jefferson

Cardin Osório, e pelo ex-sargento da Brigada Militar, Alberi Vieira dos Santos, e pelo

professor da rede municipal de ensino de Campo Novo, Valdetar Dorneles, rendeu Três

Passos de assalto. O grupo tinha cerca de vinte e três homens e deixou a cidade sem

comunicação telefônica, uma vez que os mesmos cortaram os fios da rede posteriormente

tomaram o presídio e o destacamento da Brigada Militar, de onde levaram armas, munição e

fardas.9

Entraram no alojamento e mandaram os homens se levantarem e quando viram o

coronel fardado se levantaram assustados, todos de cuecas. Jefferson e seus

comandos apanharam todo o armamento existente no destacamento e mais

fardamento e munições atravessaram a rua e entraram no presídio. O guarda que

guarnecia a portaria se assustou e correu para o fundo, que não tinha saída. O outro

guarda viu e também fugiu. (PALMAR, 2012, p. 290)

Em seguida foram à delegacia. Não foi preciso andar muito, no meio do caminho

foram alcançados pelo delegado que estava acompanhado por um inspetor e ambos

manifestaram apoio ao movimento liderado por Cardim. (PALMAR, 2012, p. 291).

Invadiram a Rádio Difusora e obrigaram, sob a mira de uma metralhadora, os

proprietários Benno Adelar e Zilá Breitenbach a colocar a emissora no ar para ler um

manifesto contra a ditadura militar que defendia as reformas de base e conclamava o povo

para a revolução. (DORNELES, 2014)10 O manifesto que foi divulgado em março de 1965

9 Entrevista cedida por Valdetar Dorneles ao portal Ijuhy em 31 de março de 2014 disponível em http://www.ijui.com/especiais/60462-valdetar-dorneles-fala-da-operacao-tres-passos-a-1-guerrilha-contra-a-ditadura.html 10 Idem.

“[…] pela Rádio Difusora de Três Passos, pequena cidade do noroeste gaúcho, próxima a Ijuí,

seria senha para o desencadeamento da revolução brasileira”. (AUGUSTO, 2002, p. 168).

O objetivo da guerrilha de Três Passos era acabar com o regime ditatorial para poder

restabelecer a democracia no país para realizar as Reformas de Base que foram pregadas por

Jango durante o seu mandato.

Houve também a tentativa de assalto a agência do Banco do Brasil em Três Passos,

porém alegando não ter a chave do cofre o gerente conseguiu ludibriar os guerrilheiros que se

puseram novamente em marcha. (AUGUSTO, 2002, p. 169). “Após esses atos os

guerrilheiros […] seguiram então a marcha em direção ao Paraná, seguindo o eixo rodoviário

Três Passos-Tenente Portela-Frederico Westphalen – RS” (AUGUSTO, 2002, p. 169). O

trajeto escolhido para deveu-se ao conhecimento que o sargento Alberi tinha da região, e

também por ser uma área fronteiriça, que margeava a Argentina e o Paraguai, proporcionando

rotas de fuga11.

Chegando a Tenente Portela, foram para o destacamento, abriram a porta e o sargento

que estava sozinho fugiu, pulando uma janela e saindo disparado pela rua. O coronel Jefferson

ocupou a mesa do sargento, enquanto sua “tropa” quebrava a estação de rádio e cortava o

telefone. Ainda em Portela, o coronel Jefferson “requisitou” da Casa Renner um rádio

transistor, para poder acompanhar o desenrolar dos acontecimentos pelas rádios Guaíba e

Gaúcha. (PALMAR, 2012, p. 291).

Palmar em seus estudos relata que já eram cinco da manhã quando o grupo se

deslocou a balsa, onde um cabo os estava esperando, Jefferson determinou que o mesmo fosse

à caça do balseiro, dizendo que era uma ordem do Estado-Maior. Quando o balseiro chegou,

disse que do Exército não se cobrava nada. Após uma hora depois chegaram à pequena cidade

de Itaporã com 60 fuzis, uma metralhadora tcheca de tripé, uns 30 revólveres e muita

munição. Segundo reportagem publicada na Folha de São Paulo na segunda-feira de 29 de

11 Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: Disponível em:

http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf, p. 597.

março de 1965, o grupo guerrilheiro entrou no estado de SC passando pela cidade de São

Miguel do Oeste12.

Uma das fontes do livro de Palmar diz que em 26 de março, após atravessar o

território de Santa Catarina, o grupo acabou por ingressar no Paraná. Chegando a Barracão-

PR os homens estavam todos fardados de Policiais Militares – exceto o Alberi – e

empunhando fuzis. Na divisa, o chefe do destacamento de Barracão arriou a corrente e disse:

“Pode passar coronel”. (PALMAR, 2012, p. 291-292). O grupo seguiu até Santo Antônio do

Sudoeste, onde apanhou Virgílio Soares de Lima, que era tio de Alberi. Dali o grupo seguiu

por Realeza em direção a Capitão Leônidas Marques. Já era quase meia-noite quando

atravessaram o Rio Iguaçu numa balsa, cansados, devido à longa viagem, decidiram pernoitar

no mato após camuflar o caminhão num lugar entre São José e Santa Lúcia. (PALMAR, 2012,

p. 292).

Para Ronaldo Zatta13 os militares estavam temendo que as tropas guerrilheiras

pudessem se dirigir para Foz do Iguaçu e perturbar a inauguração da Ponte da Amizade que

seria inaugurada pelo General Presidente Castello Branco e do lado paraguaio pelo General

Presidente Alfredo Stroessner14 em 27 de março de 1965, foi determinado o emprego de

tropas militares da 5ª Região Militar para deter o grupo de opositores ao governo. (ZATTA,

2011). Após o cerco dos militares por volta das 11 horas de 27 de março de 1965, Jefferson

reuniu o pessoal no mato e disse: “A nossa única chance de escapar com vida é prender a

patrulha. Se não fizemos isso seremos presos após o cerco” (PALMAR, 2012, p. 292).

O grupo reagiu bem e se dispôs em linha de combate em ambos os lados da estrada. O

lugar era uma lombada de vegetação densa e quase nenhuma visibilidade, com pouco ângulo

de tiro, mas com a vantagem de saber a posição do caminhão quando ele surgisse na estrada.

Quando esse surgiu e atingiu a crista da lombada e começou a descer, Jefferson acenou para a

12 Fragmento retirado do Banco de dados da folha http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm

acessado em: 23/06/2014

13 Possui graduação em licenciatura em história pela Universidade Paranaense (2006). Mestre em História Regional pela Universidade de Passo Fundo (2009). Material disponível no site http://www.artigosonline.com.br/a-primeira-acao-de-contraguerrilha-rural-do-governo-militar-no-brasil/ acessado em 24/06/2014. 14 No lado brasileiro a ponte passou a ser denominada Ponte da Amizade, porém do lado paraguaio a ponte foi chamada de Ponte Alfredo Stroessner, uma auto-homenagem do ditador paraguaio.

tropa e gritou: -- estão presos, rendam-se. O coronel estava vestido com o seu impecável

uniforme e engalanado com todas as gemadas a que tinha direito15. (PALMAR, 2012, p. 292).

O caminhão não chegou a vencer a lombada, pois o motorista se assustou e manobrou

para voltar nesse momento o tenente Sávio saltou e mandou atirar, julgando que estavam

cercados. Nesse tiroteio morreu o sargento Argemiro Camargo, atingido pelo disparo de uma

metralhadora INA “a submetralhadora INA possuía uma cadência de cerca de 600 tiros por

minuto, não tinha dispositivo de tiro seletivo e funcionava com o princípio de ferrolho

(culatra) aberto, embora a sua relativamente baixa cadência de tiro permitisse que um atirador,

com certo treino, dessas rajadas curtas; bastava para isso ter alguma intimidade com o gatilho

da arma (Dihitt, 2013)16” a qual era pertencente à tropa do Exército. Depois de 20 minutos de

fogo, foi acertada entre os dois lados uma trégua para resgatar o corpo do sargento (militar).

(PALMAR, 2012, p. 292).

Jefferson mandou o seu pessoal esconder as armas e fugir para o morro, embrenhou-se

no mato até chegar à casa de um colono. Ali, rasgou seu uniforme, colocou uma calça velha

remendada, uma camisa também velha e um chapéu de palha. Tirou sua dentadura, colocou-a

num saco junto com os coturnos e foi andando calmamente pela estrada. Continuou

caminhando em direção a cidade de Capitão Leônidas Marques – RS até chegar à residência

de um colono. Ali foi novamente bem atendido. Enquanto comia mandioca e feijão, chegou

um irmão do colono. (PALMAR, 2012, p. 293).

Chegou e se despediu rápido, para logo aparecer num jipe da polícia. Jefferson ainda

tentou apanhar a pistola, que estava no saco, junto com a dentadura e os coturnos, mas um

policial desceu do jipe com o dedo no gatilho de uma metralhadora. Jefferson não morreu ali

graças a um sargento do Exército que apareceu atrás dele e gritou: “Não mate este homem, ele

é o coronel Jefferson Cardim”. (PALMAR, 2012, p. 293).

Quando Alberi e Bonilha tomaram conhecimento sobre o combate acabaram por se

distanciar do local de confronto e tomaram a direção do Parque Nacional do Iguaçu, onde

ficaram dois dias acampados na costa do Rio Gonçalves, sem qualquer contato com o resto do

grupo. Após o terceiro dia foram presos e conduzidos ao então 1º Batalhão de Fronteira, hoje

15 O uniforme e as algemas foram roubadas da brigada militar em Três Passos – RS

16 Matéria intitulada como: Conheça a antiga fábrica de arma INA publicada em 19 de outubro de 2013 disponível no site http://www.dihitt.com/barra/conheca-a-antiga-fabrica-de-arma-ina acessado em 29/06/2014.

34º Batalhão de Infantaria Motorizado, em Foz do Iguaçu. Enquanto o restante do grupo que

foram presos durante o cerco. (PALMAR, 2012, p. 293).

A prisão do grupo tomou uma proporção muito grande dentro dos meios midiáticos,

sendo que vários jornais da época a retrataram. E com esse processo que se tem início a

criação da memória social e coletiva sobre o acontecimento. Já que para (SILVA, Pág. 10) “a

mídia não apenas escreve a história, ela principalmente, reescreve a sua história no tempo”17

Foram detidos pelo exército o ex-coronel Jeferson Cardim de Alencar Osório e mais

17 guerrilheiros sob seu comando. Interrogado durante três horas no quartel do I

Batalhão da Fronteira, em Foz do Iguaçu, confessou que o movimento era de origem

brizolista, tramado no Uruguai pelo ex-deputado Leonel Brizola, e que deveria ter

início nos fins deste mês, quando do primeiro aniversário da revolução. Informou-se

que o sarg. Alberi, expulso da Brigada Militar, participou de todo o planejamento,

que foi posto em pratica pelo ex-coronel, que se adiantou em vista da inauguração

da Ponte Internacional. Segundo os planos, os movimentos iniciais seriam nas

cidades de Porto Alegre, Bagé e Santa Maria. No único choque armando havido, o

ex-coronel matou com dois tiros na perna e um no peito, com uma pistola 45, o sarg.

Carlos Argemiro Camargo, em Marmelandia. A área de Capanema continua sendo

ocupada pelas tropas do exército, que procuram os guerrilheiros remanescentes.

Segundo o ex-coronel, estes seriam em número de 20. As estradas estão sendo

vigiadas e todos os carros revistados. (ACERVO ON-LINE DO BANCO DE

DADOS DA FOLHA, disponível em:

http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em:

25/06/2014 as 21hrs50min).

Enquanto a Folha de São Paulo, de 27 de março de 1965, apresentava a reportagem

vinda de Brasília, a qual anunciava:

O gabinete do ministro da Guerra confirmou esta tarde a prisão do ex-coronel

Jefferson Cardim, entre Capanema e Cascavel, no Paraná que, ao ser interrogado,

“confessou que cumpria missão plenamente entrosada com o ex-deputado Leonel

Brizola, e que o assalto a Três Passos seria a senha para um movimento de âmbito

geral”. Enquanto nota oficial daquele Ministério “lamenta o falecimento do 3.o

sargento Carlos Argemiro Camargo”, morto durante a captura do ex-coronel,

corriam boatos em Brasília, segundo os quais se esperava em Goiás e Pernambuco a

eclosão de movimentos de guerrilhas. Além do ex-coronel Jefferson Cardim, foram

presos mais cinco componentes e seu grupo, e os demais 15 “abandonaram o

armamento e a munição e, em trajes civis roubados de colonos daquela região,

procuram fugir”. (ACERVO ON-LINE DO BANCO DE DADOS DA

FOLHA, disponível em:

http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em:

25/06/2014 as 21hrs50min).

Como podemos ver nesses fragmentos o grupo sofreu ataques por parte da mídia que

retratavam a “vontade” dos militares, que na época eram retratados por parte da imprensa

17 SILVA, Juremir machado da. 1964. Golpe midiático civil-militar, Porto Alegre: Sulina, 4ªedição, 2014 Pág. 10.

brasileira como os detentores da verdade e da justiça. “Uma vez que a mídia não só ajudou na

preparação do golpe […] ela serviu como intelectual e legitimador do mesmo” (SILVA, Pág.

10).

Porem esses fragmentos (reportagens) também nos expõem o que chamamos de

narrativa do fato histórico uma vez que elas apresentam elementos básicos como o relato do

acontecimento (prisão do grupo), testemunhando a expressividade das lembranças individuais

e de grupos durante anos, e/ou até mesmo por séculos.

Porém essa prática de relato do fato parece ser rotineira na época, para Paul Ricoeur

“são os cidadãos que fazem realmente a história”18 afirmando assim que o homem é o

responsável sobre a criação da memória e narrativa do acontecimento, sendo que esse homem

está inserido dentro de um contexto social, político e cultural que muda de acordo com a

época vivida. Como podemos ver no exemplo da matéria do jornal Folha de São Paulo,

reportagem vinda da cidade do Rio de Janeiro de 28 de março de 1965 que noticiam:

General Mourão Filho, ex-comandante da 4.a Região Militar, classificou o grupo de

guerrilheiros que assaltou cidades no Rio Grande do Sul de «uns palhaços à cata de

cartaz no noticiário sensacionalista dos jornais». Para o general Mourão Filho não

existem condições na maior parte do território gaúcho para a pratica deste tipo de

ação militar. «Eles não têm nem condições políticas nem militares, e sem armas

especialmente preparadas para esse tipo de guerra, sem qualquer motivação política,

contentam-se em assaltar postos militares insignificantes e apreender armas

obsoletas como o pesado fuzil de 1908» - acrescentou o general. Ao concluir, o

general Mourão esclareceu que para o irrompimento de uma guerra de guerrilha,

além do mais, «há necessidade de uma imensa rede de suprimento, a qual não é

possível obter sem o apoio da população”. “Há, ainda, necessidade de um

armamento especial e de munição igualmente diferente da convencional, pois o

guerrilheiro deve sempre andar com coisa leve». (ACERVO ON-LINE DO

BANCO DE DADOS DA FOLHA, disponível em:

http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em:

25/06/2014 as 21hrs50min).

Podemos notar que a memória guardada nesses fragmentos sofreu a ação do tempo,

uma vez que agora o mesmo não tem o foco voltado apenas para o informativo, agora ele trata

de tornar visível os segredos aguardados da luta contra a ditadura militar que no período do

acontecimento ainda estava em vigência.

Para eles essas reportagens são as lembranças do tempo em que passaram presos,

foram torturados, humilhados e principalmente lutaram contra um governo cruel e impiedoso.

Sendo assim podemos disser “que as mudanças pelas quais passaram os indivíduos nas

18 Paul Ricoeur; Memória, história, esquecimento. Fragmento retirado do site: http://www.uc.pt/fluc/lif/publicacoes/textos_disponiveis_online/pdf/memoria_historia acessado em 27/06/2015.

diferentes situações têm um significado particular, mas o registro delas se realiza num tempo

que é comum a todos” (GATI PIETROCOLLA, pág. 121)

Sendo assim vemos que a memória como um ato de guardar o testemunho das

lembranças individuais ou de grupos a fim de que a mesma continue viva ao longo dos

tempos. Uma vez que a mesma também pode ser vista como um acerto de contas

pessoal/social com passado (tempo) deixando em evidencia a memória do acontecimento aos

envolvidos, nesse caso os sobreviventes da operação Três Passos. Como disse certa vez

Walter Benjamin: “Um acontecimento vivido é finito, ou, pelo menos, encerrado na esfera do

vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave

para tudo o que veio antes e depois” (Benjamin, 1986: 37)

Com isso podemos notar que a narrativa empregada nos fragmentos citados guarda

não somente a história dos presos políticos mas guarda acima de tudo a complexidade da

questão de manter a memória viva no cotidiano da sociedade para que assim o fato histórico

não seja esquecido não havendo assim lembranças não-ditas.

Porem mesmo que os fragmentos escritos possam nos servir como memória viva do

acontecimento não podemos deixar de destacar que “após os AI-s e da introdução da censura

nas redações, parte dessa imprensa trabalharia para alterar as narrativas sobre si mesmas de

maneira a ter um novo e mais bonito papel no regime militar” (SILVA, Pág. 11-12). Com isso

vemos que a imprensa não só ajudou na organização do golpe, mas ajudou para que somente

as notícias de interesse dos militares fossem noticiadas, deixando sempre em evidencia o

perigo que os comunistas eram para a sociedade de bem, para a família brasileira, expondo

assim que o melhor a se fazer era prender os subversivos.

Como era de se esperar dentro do movimento de esquerda a prisão do grupo foi pega

com surpresa assim como pelos próprios guerrilheiros, o que acabou gerando uma série de

noticiários nas mais variadas cidades como podemos ver, porém ambas acabaram por serem

compilados e anunciados pela folha.

Como resultado dessa prisão no dia 27 Jefferson acabou sendo conduzido para Foz do

Iguaçu, porém quando ainda estavam em Medianeira o guerrilheiro é agredido, sofrendo

golpes, chutes em seu corpo, por ordem do capitão Dorival Suamiani que também ordenou

seus homens a “Escarrem na cara deste filho da puta, comunista, assassino que traiu a pátria

brasileira”. (PALMAR, 2012, p. 294). Completamente possesso, o capitão o espetou com um

garfo de campanha desde os pés até o pescoço de Jefferson. (PALMAR, 2012, p. 294).

Não bastando às agressões e humilhações físicas durante o caminho antes que

chegasse a Foz do Iguaçu, o major Hugo Coelho, que era assessor do general Justino Alves

Bastos, então comandante do III Exército, acabou por interceptar o comboio e disse que tinha

ordem de fuzilar o prisioneiro, obrigando Jefferson andar aos pulos, algemado, por cerca de

cem metros e mandaram-no encostar-se a uma árvore e simularam um fuzilamento.

(PALMAR, 2012, p. 294).

No dia 28 de março o comboio chegou a Foz do Iguaçu, o amarraram nas grades da

cela do então 1º Batalhão de Fronteira (1º BFront) com os braços erguidos e os pés suspensos.

Deixaram-no nessa posição durante toda a madrugada e de meia em meia hora o sargento

Elísio apertava as cordas criando maiores agonias ao preso devido à falta de circulação

sanguínea em suas mãos e nos pés. Quando o soltaram, às nove horas da manhã, ele foi

engatinhando até o vaso imundo do sanitário, pegou daquela água, passou no rosto e bebeu

um pouco. (PALMAR, 2012, p. 294).

Jefferson e o grupo foram levados até o comandante do 1º Batalhão de Fronteiras,

Tenente Coronel Auro Marques Curvo, que perante sua tropa e familiares dos militares que

estavam reunidos no pátio, proferiu um discurso apontando para o grupo que assistia: “Estes

são comunistas, traidores da pátria que querem entregar o Brasil à Rússia”. (PALMAR, 2012,

p. 294).

Após o término da cerimônia, foi levado até a sala da 2ª Seção e espancado pelo

capitão Rui Monteiro e pelo major Ari Moutinho. (PALMAR, 2012, p. 294). Todos os presos

levados para o batalhão foram torturados, com maior ou menor intensidade, de acordo com o

grau de importância dado pelos militares. Porém Alberi foi conduzido ao Batalhão de

Fronteiras, após sua chegada o ex-sargento já era esperado pelo coronel Curvo que

determinou que ele não ficasse preso junto aos seus companheiros. (PALMAR, 2012, p. 295).

Após o encerramento do inquérito, Jefferson acabou sendo transferido de Foz do

Iguaçu para o 18º Regimento de Infantaria de Porto Alegre. Sendo transferido posteriormente

para Ponta Grossa e em seguida para o Esquadrão de Cavalaria Mecanizada, no Boqueirão,

em Curitiba. Em julho de 1967 foi condenado a oito anos de prisão, mas com o recurso da

promotoria sua pena foi agravada para dez anos. (PALMAR, 2012, p. 295).

Durante um encontro na auditoria com o major Joaquim Pires Cerveira, ele planejou

sua fuga. Eram duas e meia da madrugada quando saiu de sua cela sendo ajudado por um dos

soldados que havia ficado de sentinela. Acompanhado pelo soldado Víctor Papandreou e de

mais dois outros soldados, atravessou o pátio. Onde havia um carro com o Major Cerveira,

que o levou para a Embaixada do México, no Rio de Janeiro. (PALMAR, 2012, p. 295-296).

Jefferson Cardim, em uma entrevista concedida a Décio de Freitas, em março de 1980,

na Assembleia Legislativa gaúcha, declarou que:

[...] a “Operação Três Passos” previa a entrada de Brizola no Brasil, a fim de

catalisar e de detonar as revoltas: “Acho que Brizola se acovardou, foi uma traição,

porque em seu apartamento na Praça da Independência, em Montevidéu, selamos

um pacto. Ele não cumpriu este compromisso, que era o de derramar o sangue pelo

povo brasileiro”. (DUMONT, Acesso em: 7 Jan 08 às 19hr30min).

No entanto, Brizola nunca assumiu publicamente o apoio à coluna guerrilheira, em

verdade, jamais comentou o fato mesmo em tempos de abertura política. (GASPARI, 2002, p.

195). Cardim faleceu no Rio de Janeiro em 29 de janeiro de 1995. (AUGUSTO, 2002, p. 169-

170).

Alberi Vieira dos Santos tinha sido o braço direito do coronel Jefferson Cardin de

Alencar Osório na chamada Guerrilha de Três Passos, em março de 1965. Teria sido

condenado pela Justiça Militar e cumprira pena de 8 anos. Cinco anos depois, ele

próprio seria encontrado morto, em 10/01/1979, na região de Foz do Iguaçu, quando

investigava a morte de seu irmão, José Soares dos Santos, ocorrida em janeiro de

1977. Outro dos irmãos de Alberi, Silvano, morreu em 1970, após ter cumprido pena

pela participação no movimento de Jefferson Cardin. As condições de sua morte

ainda não foram esclarecidas e o pedido de seus familiares à CEMDP terminou

sendo indeferido. (Acervo on-line do banco de dados da Secretaria de Direitos

Humanos da Presidência da República disponível em

http://cemdp.sdh.gov.br/modules/desaparecidos/acervo/ficha/cid/345

acessado em 26/06/2014).

O que não podemos deixar de notar é que o caso da guerrilha é mais um exemplo de

violência e luta contra aqueles que tomaram o poder por meio de um golpe de estado, e que se

aproveitaram da situação para utilizar a violência física, psicológicas formas extremamente

cruéis de tortura em nome de uma suposta guerra.

Opostos aos princípios que conduzem os direitos humanos (os quais foram definidos

pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada e adotada pela Assembleia

Geral das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 1948) os militares brasileiros, nas décadas

de 60 e 70, se transformaram em agentes implacáveis da prática repressiva, utilizando-se dos

mais sofisticados métodos de tortura importados especialmente dos Estados Unidos.

(HUGGINS, 1998)

Segundo Cademartori existiam basicamente três tipos de especialistas em tortura: os

torturadores, ou os que aplicavam choques elétricos, afogamentos, colocavam no “pau-de-

arara”, e outras técnicas para obterem uma confissão; os analistas, que recebiam as

informações obtidas sobre tortura e as comparavam com dados anteriores, para concluir sobre

a veracidade ou mesmo sobre que outras informações a vítima poderia saber; e os médicos,

que examinavam o estado físico dos torturados para informar até quando resistiriam,

fornecendo falsos atestados quando as vítimas morriam. (CARDEMATORI, 1993).

Valdetar Dorneles confirma tais métodos. Vítima de tortura durante a prisão por fazer

parte da Operação Três Passos. Segundo o seu relato ao o Portal Ijui realizado em 31 de

março de 2014.

Segundo Valdetar Dorneles, hoje com 81 anos, mesmo após 50 anos, ainda pode-se

ver as marcas deixadas pela ditadura. Marcas de cordas nos braços e pernas,

resultado de torturas que começavam às 18 horas e terminavam às 10 horas do dia

seguinte, durante os quatro anos que esteve preso. “Eu não aguentava ficar em pé”,

relembra. Além de quatro anos de prisão, Dorneles viveu 24 anos de perseguição

política e uma anistia recusada. (Portal Ijui.com realizado em 31 de março de

2014).

Como podemos constatar mesmo a operação de 1965 sendo considerada por muitos

como um pequeno foco, sem qualquer chance de vitória esta foi alvo dos órgãos de repressão,

com prisões, torturas e o exílio dos guerrilheiros. E mesmo hoje depois de tanto tempo as

marcas continuam presentes nesses homens, em seus familiares e na própria cidade que ficou

marcada para sempre junto as suas histórias e memórias. E nesse contexto repleto de

histórias, dramas individuais ou familiares que a memória ganha sentido, pois é através dela

que se revelam muitos dos aspectos obscuros da repressão (TANNO, 2005; PADRÓS, 2007;

CATELA, 2001).

Para (SÁ, 2005) “as memórias sociais são construídas, reconstruídas e atualizadas19”

ou seja, o tempo e responsável pelas transformações sobre a criação e manutenção da

memória, mas isso não significa que essas lembranças não continuem presentes da vida das

pessoas independentes do tempo que se passe, isso apenas nos diz que ela passa a ser

vista/abordada de outra maneira.

[...] como uma ‘memória da história’, englobando memórias orais e memórias

documentais, para cuja construção contribuem: (1) tanto memórias coletivas quanto

memórias comuns e memórias pessoais; (2) tanto a história vivida quanto os

19 Sá, C. P. (2005). As memórias da memória social. In C. P. Sá (Ed.). Memórias, imaginário e representações sociais.

testemunhos ouvidos; (3) tanto os documentos históricos stricto senso quanto as

produções didáticas, midiáticas e artísticas posteriores. (Sá, 2009, p.94).

Podemos ver que tanto os relatos feitos por familiares ou presos políticos acabam por

retratar suas memórias acerca das suas vivências durante o período ditatorial, e o mesmo se

passa nos fragmentos jornalísticos, mesmo que esses tragam a representação do

acontecimento ao seu próprio modo.

Com isso notamos que a memória não pertence somente a um período histórico ou

uma classe social, ela está inserida no cotidiano de todos, pois o ato de redigir uma matéria ao

jornal e um ato de criar e/ou guardar a memória do acontecimento. Para SÁ, as memórias

comuns e pessoais “não são concebidas em contraposição às memórias coletivas, ou seja,

como um processo estritamente individual, mas sim em sua operação em contextos sociais e

sob a influência ou determinação destes”20.

Sendo assim podemos analisar que o discurso (relatos) surgem como uma tentativa de

permanência da história, uma vez que é através dele que hoje ex-guerrilheiros e seus

familiares relatam o ocorrido na região, tendo como principal objetivo não deixar que essas

histórias/memórias caíam no esquecimento. Pois segundo POLLAK (1989) afirma que o

silêncio, pode não se igualar ao esquecimento, mas pode significar uma resistência ao excesso

da memória oficial. O silêncio pode ser quebrado tendo em primeiro lugar uma escuta.

Visto que o que ocorrido está presente na vida de Três Passos – RS e das pessoas que

lá vivem. E é partindo desse pressuposto que podemos concluir que “o discurso não tem

apenas um sentido ou uma verdade, mas uma história” (FOUCAULT, 1986, p. 146).

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