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Marcas do passado: o golpe de 1964 e o processo de resistência na
Fronteira Sul.
Carla Cristina Machado 1
Mateus Gamba Torres.2
Resumo: O artigo tem como objetivo demonstrar como a ditadura militar interferiu no modo
de vida e na política por meio da análise dos processos de resistência criados na região sul do
Brasil na cidade de Três Passos - RS. Demonstrando os meios de repressão que o governo
ditatorial brasileiro usou contra seus opositores, o que fundamenta o aumento dos grupos de
guerrilha, e opositores ao regime militar em todo o país.
Palavras – chave: Governo, ditadura militar, constituição.
Abstract: The article aims to demonstrate how interfered military dictatorship in way of life
and politics through the analysis of resistance processes created in southern Brazil in the city
of Três Passos - RS. Demonstrating the means of repression that the Brazilian dictatorial
government used against its opponents, the plea that the increase in guerrilla groups, and
opponents of the regime military across the country.
Keywords: Government, military dictatorship, constitution.
A história justifica tudo quando se quer. Ela não ensina rigorosamente nada,
pois contém tudo e dá exemplos de tudo. Paul Valéry.
A agitação política e social foram as marcas do período pré golpe de 1964.À época
diversos grupos e movimentos sociais se juntavam ao pleito governista de aprovar as reformas
de base propostas pelo presidente João Goulart.
SAHD (2014) diz em seus estudos que
O período anterior ao golpe de 1964 se distingue por sua efervescência social
a qual se expressa em diversas demonstrações da massa, como as greves que
reuniram centenas de milhares, pois havia uma intensa mobilização popular
1 Acadêmica do curso de graduação licenciatura em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Chapecó – e-mail: [email protected] 2 Professor Adjunto nível I da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó, em exercício atualmente no
Departamento de História da Universidade de Brasília - UNB. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).Bacharel e Licenciado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
que era acompanhada de maquinações golpista das vanguardas reacionárias,
que em, pelo menos, três momentos desestabilizaram a ordem institucional
democrática até o rompimento drástico em 1964 (SAHD, Fábio Bacila. 2014;
Pag. 22).
Panorama que já evidencia a instabilidade social e politica da república brasileira, pois
o período anterior ao ditatorial já vemos um processo de mobilização social, marcados por
demonstrações de insatisfação as medidas governamentais. Movimento que na década de
1960 de intensificam, pois o período e fortemente marcado pela forte participação social dos
trabalhadores, sindicatos e movimentos estudantis como demonstra Queiroz.
Já no início dos anos 60, quando emergiam e ganhavam força no Brasil movimentos
sociais, que expressavam correntes sócios filosóficos de pensamento não
conservadoras, vivíamos um processo de politização dos trabalhadores que estavam
participando ativamente do movimento estudantil, dos sindicatos, das comissões de
fábrica, das associações de bairros, dos partidos políticos etc… Todos reunidos em
torno da construção de um projeto político para o país, baseado em um modelo de
desenvolvimento diferente do modelo Capitalista, inspirados nas ideias: comunistas,
socialistas, sociais-democráticas e anti-imperialistas, que se opunham ao Populismo
de Getúlio Vargas. (QUEIROZ, Cecília; MOITA, Filomena Maria. Pág. 03)
Nesse sentido vemos que autoras demonstram que a principal fragilidade do período
pré ditadura militar encontra-se no setor social, pois vemos uma intensa mobilização em torno
da construção de um novo projeto politico. Cunha explica que é nesse contexto mundial que
se estabeleceram fortes disputas ideológicas no modelo capitalista, o qual foi encabeçado
pelos Estados Unidos e o comunista foi liderado pela União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (CUNHA; 2013).
É com a Renúncia de Jânio Quadros em 1961 a chegada de João Goulart (Jango) ao
poder assumindo o cargo de presidente, as classes conservadoras brasileiras criaram ao redor
de sua imagem um estigma de terror, alegando que era partidário da ideologia socialista. Por
tal motivo, Jango assume a presidência através de um acordo que diminuiria seus poderes
presidenciais com a instalação do parlamentarismo.
SANTOS (Pág.103) diz que o presidente passa a afirmar suas posições políticas
discursando sobre democracia, propondo a revisão da Constituição de 1946, reforçando a
questão da Reforma Agrária e a urgência da desapropriação de terras às margens de rodovias,
ferrovias e obras públicas3.
3 SANTOS, Jordana de Souza. A repressão ao movimento estudantil na Ditadura militar. AURORA ano III número 5 – dezembro DE 2009. ISSN: 1982-8004 www.marilia.unesp.br/aurora
[…] anunciou a adoção de importantes medidas, através de decretos, como a
encampação das refinarias particulares, o tabelamento dos aluguéis dos imóveis
desocupados e a desapropriação de terras valorizadas pelos investimentos públicos,
ou seja, das terras às margens dos eixos rodoviários e dos açudes, ou que pudessem
tornar produtivas áreas inexploradas. (BANDEIRA, 1978 p. 163 in SANTOS,
Jordana de Souza)
Com tudo isso Jango não teve que lidar apenas com a forte oposição dos partidos
contrários, o presidente teve que enfrentar a ira de parte da imprensa que buscava a todo custo
desqualificar o seu governo como aponta SILVA.
A imprensa brasileira cumpriu rigorosamente esse papel na preparação e legitimação
do golpe de 1964. Usou do seu prestígio para convencer parte da população,
especialmente as classes médias a aderir aos propósitos das elites econômicas que
estavam vinculadas aos interesses do capital internacional. (SILVA, Pág. 11,
2014).
Sendo assim vemos que a oposição ao governo de João Goulart aumentava a cada dia,
e que muitos opositores foram criados devido ao trabalho maciço da imprensa de
desqualificação do seu governo por estar aliado à esquerda.
FERREIRA em seus estudos aponta que: “com exceção dos donos dos jornais que
assumiram claramente o seu repudio a Jango como O estado de São Paulo e da Tribuna da
Imprensa, a imprensa de modo geral o apoiava desde que ele se mantivesse afastado das
esquerdas” (FERREIRA, Pág.413)
Com isso se conclui que a imprensa vira as costas para Jango a partir do momento que
ele demostra não ser/agir como um agente do modelo conservador, o que era esperado por
parte da população, clero e a imprensa. Mas também não podemos deixar de apontar que esses
não eram os únicos grupos com quem João Goulart deveria se preocupar em seu mandato,
como aponta SAHD.
Para o autor ao longo da presidência de João Goulart os grupos à direita e à esquerda
do espectro político mediram suas forças dentro da esfera pública, onde ambos os lados
acabaram pressionando o governo para refrear ou acelerar as reformas de base. Foi
enfrentando muitas dificuldades até sua queda que o presidente manteve um equilíbrio frágil
entre as forças opostas buscando respaldo nos políticos e posição de centro o que desagradava
a ambos os polos4.
O “intervencionismo” característico de setores mais radicalizados dentro da União
Democrática Nacional (UDN) era voltado sobre tudo, contra a participação maciça
4 Idem.
dos trabalhadores como sujeitos políticos. Para essas elites o povo estaria
corrompido pelos direitos sociais outorgados de forma manipuladora durante o
Estado Novo e não saberia exercer seu voto, portanto as “crises republicanas”
incluindo-se o golpe de 1964 teriam o resultado de inconformidade dos
conservadores diante dos benefícios conseguidos pelos trabalhadores.
(FERREIRA; Pag. 85-86)
É e por isso que para Rosa Maria Cardoso da Cunha5 a quartelada de 1964 não foi
apenas um golpe das oligarquias ou elites políticas e econômicas nacionais contra o governo
que tinha uma face trabalhista e popular patrocinado pelas forças militares, mas um golpe
fundado na violência tradicionalmente exercitada no Brasil contra os destituídos. O projeto
que gestou 1964 visava à construção de um Estado de Segurança Nacional e de
Desenvolvimento Associado e Hegemônico na América Latina. (Rosa Maria Cardoso da
Cunha; 2013). “Com efeito a “ameaça comunista” serviu como pretexto para justificar golpes
autoritários, reprimir movimentos populares, garantir interesses imperialistas ameaçados pelas
campanhas nacionalistas, ou seja, manter inalterado o status quo”. (MOTTA, 2000). Ou seja,
usa-se o comunismo, que à época era visto como uma grande ameaça, como justificativa do
uso da violência e perseguição aos movimentos populares e sindicais.
Sendo assim Rosa Maria Cardoso da Cunha afirma que a violência política utilizada
pelas Forças Armadas brasileiras buscou sua legitimidade e está associada a três casos
clássicos de ação anti-insurrecional – Indochina, Argélia, Vietnã – e aos padrões norte-
americanos de contrainsurgência. O uso dessa violência acabou por permitir ao regime militar
construir o estatuto de um Estado sem limites repressivos. (CUNHA; 2013)
Isso gerou três consequências graves a sociedade brasileira: inoculou a tortura como
forma de interrogatório nos quartéis militares a partir de 1964; fez da tortura força motriz da
repressão praticada pelo Estado brasileiro até pelo menos 1976; e a materialização sob a
forma de política de Estado de atos de tortura, assassinato, desaparecimento e sequestro.
(CUNHA; 2013). Porém não podemos deixar de lado o papel desenvolvido pela imprensa no
pré-golpe e posteriormente a ele.
SILVA aponta que a mídia desenvolveu um papel fundamental para que o golpe se
concretizasse e posteriormente se justificasse uma vez que para ele “a mídia em 1964
5 CUNHA, Rosa Maria Cardoso dá. É integrante da Comissão Nacional da Verdade, GT Golpe civil militar de 1964; Brasília, 25 de fevereiro de 2013.
enquanto falava de democracia e ordem constitucional preparava o lombo dos brasileiros para
o golpe que lhes sofreria por duas décadas e meia6” (SILVA, 2014; Pág.8)
Porém mesmo com o apoio da imprensa os militares impuseram censura aos meios de
imprensa, teatros, escolas, universidades e é a partir dessas consequências que os grupos de
resistência ao governo militar intensificam-se em todo país, com a formação de grupos de
guerrilha urbana e rural, obrigando os opositores a viverem na ilegalidade, pois os mesmos
sofreram forte repressão pelo governo. E a ida a clandestinidade poderia ser uma chance de
não ser pego pelo órgãos de repressão, visto que mesmo quem não era clandestino sofria com
os métodos de repressão.
O golpe militar de 1964 não somente perseguiu, torturou e matou seus opositores,
ela também a impediu a manifestação mais legítima de cidadania, ao proibir o voto
direto para presidente da República e representantes de outros cargos majoritários,
como governador, prefeito e senador. Apenas deputados federais, estaduais e
vereadores eram escolhidos pelas urnas. (CAMARA,2014)7
Os órgãos de repressão atuaram de forma extremamente violenta, agindo contra todos
que não apoiaram e colocavam-se contra o golpe. Usou-se de técnicas de tortura, as quais
tinham como objetivo recolher informações, contudo além da tortura, os militares também
foram responsáveis pelo desaparecimento e morte de milhares de pessoas.
“E é nesse cenário que a cidade de Três Passos tem um grande destaque na luta contra
o processo ditatorial,” (WEISSHEIMER, 2012). Essa cidade tem sua memória marcada por
três momentos muito importantes de conflitos armados, sendo elas: a passagem da Coluna
Prestes, movimento que nasceu em Santo Ângelo, passou por São Luiz Gonzaga, foi acossada
pelas tropas governistas de então e avançou na direção de Três Passos, onde houve um
combate no qual morreu o Tenente Portela, uma das principais lideranças do movimento com
Luis Carlos Prestes” (WEISSHEIMER, 2012) Segundo Marco Aurélio Weissheimer8 a cidade
de “Três Passos tem uma história interessantíssima”. (2012)
O segundo momento se dá no ano de 1965 onde a cidade de três passos tem a primeira
tentativa de formação de um grupo de guerrilha de oposição à ditadura, sendo liderado pelo
6 SILVA, Juremir machado dá. 1964. Golpe midiático civil-militar, Porto Alegre: Sulina, 4ªedição, 2014 Pagina 08. 7 Fragmento retirado dos site http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/150573-ANOS-60-E-70-DITADURA-E-BIPARTIDARISMO.html acessado em 01/07/2015 8 WEISSHEIMER, Marco Aurélio; Reportagem Carta Maior: Três Passos, uma cidade que foi torturada pela ditadura; 30/09/2012.
coronel cassado Jefferson Cardin Osório como liderança e ligado ao MNR (Movimento
Nacionalista Revolucionário, que era ligado ao Leonel Brizola),
Aluízio Palmar em seus estudos afirma que a operação estava sob orientação de
Leonel Brizola, este, residente no Uruguai, onde o coronel Jefferson Cardim de Alencar
Osório e o ex-sargento da Brigada Militar do Rio Grande do Sul Alberi Vieira dos Santos
deram início de planejamento no dia 12 de março de 1965 tendo como objetivo tomar alguns
destacamentos e esperar adesões.
Escolhendo a cidade de Três passos - Rio Grande do Sul como sede da formação
pelo fato de a cidade ser uma área estratégica, uma vez que a mesma une três países
– Argentina, Uruguai e Paraguai – que fazem divisa com três estados brasileiros –
Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O local também e marcado por zonas
de mata e trilhas que poderiam ser facilmente usadas em caso de fugas ou tomadas
de outras áreas. (WEISSHEIMER, 2012).
A localização geografia da cidade era fundamental para o grupo, visto que a mesma
localiza-se no interior do estado do Rio Grande do Sul, dando acesso ao estado de Santa
Catarina, e aos países da Argentina, Uruguai e Paraguai, por meio de trilhas na mata, sendo
essencial em caso de fuga ao grupo.
A “Operação Três Passos” previa a entrada de Brizola no Brasil, a fim de catalisar e de
detonar as revoltas. (DUMONT, Acesso em: 7 Jan 08 às 19hr30min). No dia 15 de março,
Jefferson Cardim saiu por Montevidéu em busca de recursos para pôr o plano em prática.
Entre uns e outros arrecadou cerca de mil dólares, no dia 17 de março compraram armamento
numa loja de Montevidéu: três armas de caça tchecas semiautomáticas, de 15 tiros, calibre 22
e mil tiros (munição) para cada uma (GASPARI, 2002, p. 192).
Na noite de 18 de março Cardim foi de táxi ao Hotel Harmonia apanhar Alberi
acompanhado de Alcinor Ayres seguiram em direção a Rivera, aonde chegaram no dia
seguinte já em território brasileiro. Às seis horas da manhã saíram de Livramento, chegando à
tardinha em São Sepé. (PALMAR, 2012, p. 289).
Ao atingirem Catuípe, Cardim e Alberi fizeram alguns contatos e dormiram na casa do
subprefeito, que lhes emprestou um carro, no qual prosseguiram até Campo Novo, onde
pousou na casa de Silvano, irmão do ex-sargento. Na cidade contataram com o professor rural
e hoje advogado Valdetar Antônio Dorneles, que preparou um croqui de Três Passos. Esta,
uma pequena cidade da região Noroeste do Rio Grande do Sul e na época com pouco mais de
cinco mil habitantes, com um destacamento composto por 12 ou 13 homens, mais o presídio
com uma guarnição de oito homens, a patrulha da delegacia, a central telefônica e a rádio.
(PALMAR, 2012, p. 290)
Reuniram-se no sítio do pai de Valdetar, Euzébio Teixeira Dorneles, conhecido como
Zebinho, onde realizaram exercícios de tiro, treinaram montagem de acampamento e
distribuíram as missões para os combatentes. Para o deslocamento da tropa, Zebinho arrumou
com o chefe do PTB local um velho Ford Bigode, modelo 1939, conhecido por caolho, pois
só tinha um farol. Após empurrar o caminhão para fazê-lo andar, partiram de Campo Novo na
noite de 25 de março rumo a Três Passos, onde chegaram às dez e meia da noite. (PALMAR,
2012, p. 290).
Na noite do dia 25 de março o grupo liderado pelo ex-coronel do Exército, Jefferson
Cardin Osório, e pelo ex-sargento da Brigada Militar, Alberi Vieira dos Santos, e pelo
professor da rede municipal de ensino de Campo Novo, Valdetar Dorneles, rendeu Três
Passos de assalto. O grupo tinha cerca de vinte e três homens e deixou a cidade sem
comunicação telefônica, uma vez que os mesmos cortaram os fios da rede posteriormente
tomaram o presídio e o destacamento da Brigada Militar, de onde levaram armas, munição e
fardas.9
Entraram no alojamento e mandaram os homens se levantarem e quando viram o
coronel fardado se levantaram assustados, todos de cuecas. Jefferson e seus
comandos apanharam todo o armamento existente no destacamento e mais
fardamento e munições atravessaram a rua e entraram no presídio. O guarda que
guarnecia a portaria se assustou e correu para o fundo, que não tinha saída. O outro
guarda viu e também fugiu. (PALMAR, 2012, p. 290)
Em seguida foram à delegacia. Não foi preciso andar muito, no meio do caminho
foram alcançados pelo delegado que estava acompanhado por um inspetor e ambos
manifestaram apoio ao movimento liderado por Cardim. (PALMAR, 2012, p. 291).
Invadiram a Rádio Difusora e obrigaram, sob a mira de uma metralhadora, os
proprietários Benno Adelar e Zilá Breitenbach a colocar a emissora no ar para ler um
manifesto contra a ditadura militar que defendia as reformas de base e conclamava o povo
para a revolução. (DORNELES, 2014)10 O manifesto que foi divulgado em março de 1965
9 Entrevista cedida por Valdetar Dorneles ao portal Ijuhy em 31 de março de 2014 disponível em http://www.ijui.com/especiais/60462-valdetar-dorneles-fala-da-operacao-tres-passos-a-1-guerrilha-contra-a-ditadura.html 10 Idem.
“[…] pela Rádio Difusora de Três Passos, pequena cidade do noroeste gaúcho, próxima a Ijuí,
seria senha para o desencadeamento da revolução brasileira”. (AUGUSTO, 2002, p. 168).
O objetivo da guerrilha de Três Passos era acabar com o regime ditatorial para poder
restabelecer a democracia no país para realizar as Reformas de Base que foram pregadas por
Jango durante o seu mandato.
Houve também a tentativa de assalto a agência do Banco do Brasil em Três Passos,
porém alegando não ter a chave do cofre o gerente conseguiu ludibriar os guerrilheiros que se
puseram novamente em marcha. (AUGUSTO, 2002, p. 169). “Após esses atos os
guerrilheiros […] seguiram então a marcha em direção ao Paraná, seguindo o eixo rodoviário
Três Passos-Tenente Portela-Frederico Westphalen – RS” (AUGUSTO, 2002, p. 169). O
trajeto escolhido para deveu-se ao conhecimento que o sargento Alberi tinha da região, e
também por ser uma área fronteiriça, que margeava a Argentina e o Paraguai, proporcionando
rotas de fuga11.
Chegando a Tenente Portela, foram para o destacamento, abriram a porta e o sargento
que estava sozinho fugiu, pulando uma janela e saindo disparado pela rua. O coronel Jefferson
ocupou a mesa do sargento, enquanto sua “tropa” quebrava a estação de rádio e cortava o
telefone. Ainda em Portela, o coronel Jefferson “requisitou” da Casa Renner um rádio
transistor, para poder acompanhar o desenrolar dos acontecimentos pelas rádios Guaíba e
Gaúcha. (PALMAR, 2012, p. 291).
Palmar em seus estudos relata que já eram cinco da manhã quando o grupo se
deslocou a balsa, onde um cabo os estava esperando, Jefferson determinou que o mesmo fosse
à caça do balseiro, dizendo que era uma ordem do Estado-Maior. Quando o balseiro chegou,
disse que do Exército não se cobrava nada. Após uma hora depois chegaram à pequena cidade
de Itaporã com 60 fuzis, uma metralhadora tcheca de tripé, uns 30 revólveres e muita
munição. Segundo reportagem publicada na Folha de São Paulo na segunda-feira de 29 de
11 Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: Disponível em:
http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf, p. 597.
março de 1965, o grupo guerrilheiro entrou no estado de SC passando pela cidade de São
Miguel do Oeste12.
Uma das fontes do livro de Palmar diz que em 26 de março, após atravessar o
território de Santa Catarina, o grupo acabou por ingressar no Paraná. Chegando a Barracão-
PR os homens estavam todos fardados de Policiais Militares – exceto o Alberi – e
empunhando fuzis. Na divisa, o chefe do destacamento de Barracão arriou a corrente e disse:
“Pode passar coronel”. (PALMAR, 2012, p. 291-292). O grupo seguiu até Santo Antônio do
Sudoeste, onde apanhou Virgílio Soares de Lima, que era tio de Alberi. Dali o grupo seguiu
por Realeza em direção a Capitão Leônidas Marques. Já era quase meia-noite quando
atravessaram o Rio Iguaçu numa balsa, cansados, devido à longa viagem, decidiram pernoitar
no mato após camuflar o caminhão num lugar entre São José e Santa Lúcia. (PALMAR, 2012,
p. 292).
Para Ronaldo Zatta13 os militares estavam temendo que as tropas guerrilheiras
pudessem se dirigir para Foz do Iguaçu e perturbar a inauguração da Ponte da Amizade que
seria inaugurada pelo General Presidente Castello Branco e do lado paraguaio pelo General
Presidente Alfredo Stroessner14 em 27 de março de 1965, foi determinado o emprego de
tropas militares da 5ª Região Militar para deter o grupo de opositores ao governo. (ZATTA,
2011). Após o cerco dos militares por volta das 11 horas de 27 de março de 1965, Jefferson
reuniu o pessoal no mato e disse: “A nossa única chance de escapar com vida é prender a
patrulha. Se não fizemos isso seremos presos após o cerco” (PALMAR, 2012, p. 292).
O grupo reagiu bem e se dispôs em linha de combate em ambos os lados da estrada. O
lugar era uma lombada de vegetação densa e quase nenhuma visibilidade, com pouco ângulo
de tiro, mas com a vantagem de saber a posição do caminhão quando ele surgisse na estrada.
Quando esse surgiu e atingiu a crista da lombada e começou a descer, Jefferson acenou para a
12 Fragmento retirado do Banco de dados da folha http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm
acessado em: 23/06/2014
13 Possui graduação em licenciatura em história pela Universidade Paranaense (2006). Mestre em História Regional pela Universidade de Passo Fundo (2009). Material disponível no site http://www.artigosonline.com.br/a-primeira-acao-de-contraguerrilha-rural-do-governo-militar-no-brasil/ acessado em 24/06/2014. 14 No lado brasileiro a ponte passou a ser denominada Ponte da Amizade, porém do lado paraguaio a ponte foi chamada de Ponte Alfredo Stroessner, uma auto-homenagem do ditador paraguaio.
tropa e gritou: -- estão presos, rendam-se. O coronel estava vestido com o seu impecável
uniforme e engalanado com todas as gemadas a que tinha direito15. (PALMAR, 2012, p. 292).
O caminhão não chegou a vencer a lombada, pois o motorista se assustou e manobrou
para voltar nesse momento o tenente Sávio saltou e mandou atirar, julgando que estavam
cercados. Nesse tiroteio morreu o sargento Argemiro Camargo, atingido pelo disparo de uma
metralhadora INA “a submetralhadora INA possuía uma cadência de cerca de 600 tiros por
minuto, não tinha dispositivo de tiro seletivo e funcionava com o princípio de ferrolho
(culatra) aberto, embora a sua relativamente baixa cadência de tiro permitisse que um atirador,
com certo treino, dessas rajadas curtas; bastava para isso ter alguma intimidade com o gatilho
da arma (Dihitt, 2013)16” a qual era pertencente à tropa do Exército. Depois de 20 minutos de
fogo, foi acertada entre os dois lados uma trégua para resgatar o corpo do sargento (militar).
(PALMAR, 2012, p. 292).
Jefferson mandou o seu pessoal esconder as armas e fugir para o morro, embrenhou-se
no mato até chegar à casa de um colono. Ali, rasgou seu uniforme, colocou uma calça velha
remendada, uma camisa também velha e um chapéu de palha. Tirou sua dentadura, colocou-a
num saco junto com os coturnos e foi andando calmamente pela estrada. Continuou
caminhando em direção a cidade de Capitão Leônidas Marques – RS até chegar à residência
de um colono. Ali foi novamente bem atendido. Enquanto comia mandioca e feijão, chegou
um irmão do colono. (PALMAR, 2012, p. 293).
Chegou e se despediu rápido, para logo aparecer num jipe da polícia. Jefferson ainda
tentou apanhar a pistola, que estava no saco, junto com a dentadura e os coturnos, mas um
policial desceu do jipe com o dedo no gatilho de uma metralhadora. Jefferson não morreu ali
graças a um sargento do Exército que apareceu atrás dele e gritou: “Não mate este homem, ele
é o coronel Jefferson Cardim”. (PALMAR, 2012, p. 293).
Quando Alberi e Bonilha tomaram conhecimento sobre o combate acabaram por se
distanciar do local de confronto e tomaram a direção do Parque Nacional do Iguaçu, onde
ficaram dois dias acampados na costa do Rio Gonçalves, sem qualquer contato com o resto do
grupo. Após o terceiro dia foram presos e conduzidos ao então 1º Batalhão de Fronteira, hoje
15 O uniforme e as algemas foram roubadas da brigada militar em Três Passos – RS
16 Matéria intitulada como: Conheça a antiga fábrica de arma INA publicada em 19 de outubro de 2013 disponível no site http://www.dihitt.com/barra/conheca-a-antiga-fabrica-de-arma-ina acessado em 29/06/2014.
34º Batalhão de Infantaria Motorizado, em Foz do Iguaçu. Enquanto o restante do grupo que
foram presos durante o cerco. (PALMAR, 2012, p. 293).
A prisão do grupo tomou uma proporção muito grande dentro dos meios midiáticos,
sendo que vários jornais da época a retrataram. E com esse processo que se tem início a
criação da memória social e coletiva sobre o acontecimento. Já que para (SILVA, Pág. 10) “a
mídia não apenas escreve a história, ela principalmente, reescreve a sua história no tempo”17
Foram detidos pelo exército o ex-coronel Jeferson Cardim de Alencar Osório e mais
17 guerrilheiros sob seu comando. Interrogado durante três horas no quartel do I
Batalhão da Fronteira, em Foz do Iguaçu, confessou que o movimento era de origem
brizolista, tramado no Uruguai pelo ex-deputado Leonel Brizola, e que deveria ter
início nos fins deste mês, quando do primeiro aniversário da revolução. Informou-se
que o sarg. Alberi, expulso da Brigada Militar, participou de todo o planejamento,
que foi posto em pratica pelo ex-coronel, que se adiantou em vista da inauguração
da Ponte Internacional. Segundo os planos, os movimentos iniciais seriam nas
cidades de Porto Alegre, Bagé e Santa Maria. No único choque armando havido, o
ex-coronel matou com dois tiros na perna e um no peito, com uma pistola 45, o sarg.
Carlos Argemiro Camargo, em Marmelandia. A área de Capanema continua sendo
ocupada pelas tropas do exército, que procuram os guerrilheiros remanescentes.
Segundo o ex-coronel, estes seriam em número de 20. As estradas estão sendo
vigiadas e todos os carros revistados. (ACERVO ON-LINE DO BANCO DE
DADOS DA FOLHA, disponível em:
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em:
25/06/2014 as 21hrs50min).
Enquanto a Folha de São Paulo, de 27 de março de 1965, apresentava a reportagem
vinda de Brasília, a qual anunciava:
O gabinete do ministro da Guerra confirmou esta tarde a prisão do ex-coronel
Jefferson Cardim, entre Capanema e Cascavel, no Paraná que, ao ser interrogado,
“confessou que cumpria missão plenamente entrosada com o ex-deputado Leonel
Brizola, e que o assalto a Três Passos seria a senha para um movimento de âmbito
geral”. Enquanto nota oficial daquele Ministério “lamenta o falecimento do 3.o
sargento Carlos Argemiro Camargo”, morto durante a captura do ex-coronel,
corriam boatos em Brasília, segundo os quais se esperava em Goiás e Pernambuco a
eclosão de movimentos de guerrilhas. Além do ex-coronel Jefferson Cardim, foram
presos mais cinco componentes e seu grupo, e os demais 15 “abandonaram o
armamento e a munição e, em trajes civis roubados de colonos daquela região,
procuram fugir”. (ACERVO ON-LINE DO BANCO DE DADOS DA
FOLHA, disponível em:
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em:
25/06/2014 as 21hrs50min).
Como podemos ver nesses fragmentos o grupo sofreu ataques por parte da mídia que
retratavam a “vontade” dos militares, que na época eram retratados por parte da imprensa
17 SILVA, Juremir machado da. 1964. Golpe midiático civil-militar, Porto Alegre: Sulina, 4ªedição, 2014 Pág. 10.
brasileira como os detentores da verdade e da justiça. “Uma vez que a mídia não só ajudou na
preparação do golpe […] ela serviu como intelectual e legitimador do mesmo” (SILVA, Pág.
10).
Porem esses fragmentos (reportagens) também nos expõem o que chamamos de
narrativa do fato histórico uma vez que elas apresentam elementos básicos como o relato do
acontecimento (prisão do grupo), testemunhando a expressividade das lembranças individuais
e de grupos durante anos, e/ou até mesmo por séculos.
Porém essa prática de relato do fato parece ser rotineira na época, para Paul Ricoeur
“são os cidadãos que fazem realmente a história”18 afirmando assim que o homem é o
responsável sobre a criação da memória e narrativa do acontecimento, sendo que esse homem
está inserido dentro de um contexto social, político e cultural que muda de acordo com a
época vivida. Como podemos ver no exemplo da matéria do jornal Folha de São Paulo,
reportagem vinda da cidade do Rio de Janeiro de 28 de março de 1965 que noticiam:
General Mourão Filho, ex-comandante da 4.a Região Militar, classificou o grupo de
guerrilheiros que assaltou cidades no Rio Grande do Sul de «uns palhaços à cata de
cartaz no noticiário sensacionalista dos jornais». Para o general Mourão Filho não
existem condições na maior parte do território gaúcho para a pratica deste tipo de
ação militar. «Eles não têm nem condições políticas nem militares, e sem armas
especialmente preparadas para esse tipo de guerra, sem qualquer motivação política,
contentam-se em assaltar postos militares insignificantes e apreender armas
obsoletas como o pesado fuzil de 1908» - acrescentou o general. Ao concluir, o
general Mourão esclareceu que para o irrompimento de uma guerra de guerrilha,
além do mais, «há necessidade de uma imensa rede de suprimento, a qual não é
possível obter sem o apoio da população”. “Há, ainda, necessidade de um
armamento especial e de munição igualmente diferente da convencional, pois o
guerrilheiro deve sempre andar com coisa leve». (ACERVO ON-LINE DO
BANCO DE DADOS DA FOLHA, disponível em:
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_29mar1965.htm. Acesso em:
25/06/2014 as 21hrs50min).
Podemos notar que a memória guardada nesses fragmentos sofreu a ação do tempo,
uma vez que agora o mesmo não tem o foco voltado apenas para o informativo, agora ele trata
de tornar visível os segredos aguardados da luta contra a ditadura militar que no período do
acontecimento ainda estava em vigência.
Para eles essas reportagens são as lembranças do tempo em que passaram presos,
foram torturados, humilhados e principalmente lutaram contra um governo cruel e impiedoso.
Sendo assim podemos disser “que as mudanças pelas quais passaram os indivíduos nas
18 Paul Ricoeur; Memória, história, esquecimento. Fragmento retirado do site: http://www.uc.pt/fluc/lif/publicacoes/textos_disponiveis_online/pdf/memoria_historia acessado em 27/06/2015.
diferentes situações têm um significado particular, mas o registro delas se realiza num tempo
que é comum a todos” (GATI PIETROCOLLA, pág. 121)
Sendo assim vemos que a memória como um ato de guardar o testemunho das
lembranças individuais ou de grupos a fim de que a mesma continue viva ao longo dos
tempos. Uma vez que a mesma também pode ser vista como um acerto de contas
pessoal/social com passado (tempo) deixando em evidencia a memória do acontecimento aos
envolvidos, nesse caso os sobreviventes da operação Três Passos. Como disse certa vez
Walter Benjamin: “Um acontecimento vivido é finito, ou, pelo menos, encerrado na esfera do
vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave
para tudo o que veio antes e depois” (Benjamin, 1986: 37)
Com isso podemos notar que a narrativa empregada nos fragmentos citados guarda
não somente a história dos presos políticos mas guarda acima de tudo a complexidade da
questão de manter a memória viva no cotidiano da sociedade para que assim o fato histórico
não seja esquecido não havendo assim lembranças não-ditas.
Porem mesmo que os fragmentos escritos possam nos servir como memória viva do
acontecimento não podemos deixar de destacar que “após os AI-s e da introdução da censura
nas redações, parte dessa imprensa trabalharia para alterar as narrativas sobre si mesmas de
maneira a ter um novo e mais bonito papel no regime militar” (SILVA, Pág. 11-12). Com isso
vemos que a imprensa não só ajudou na organização do golpe, mas ajudou para que somente
as notícias de interesse dos militares fossem noticiadas, deixando sempre em evidencia o
perigo que os comunistas eram para a sociedade de bem, para a família brasileira, expondo
assim que o melhor a se fazer era prender os subversivos.
Como era de se esperar dentro do movimento de esquerda a prisão do grupo foi pega
com surpresa assim como pelos próprios guerrilheiros, o que acabou gerando uma série de
noticiários nas mais variadas cidades como podemos ver, porém ambas acabaram por serem
compilados e anunciados pela folha.
Como resultado dessa prisão no dia 27 Jefferson acabou sendo conduzido para Foz do
Iguaçu, porém quando ainda estavam em Medianeira o guerrilheiro é agredido, sofrendo
golpes, chutes em seu corpo, por ordem do capitão Dorival Suamiani que também ordenou
seus homens a “Escarrem na cara deste filho da puta, comunista, assassino que traiu a pátria
brasileira”. (PALMAR, 2012, p. 294). Completamente possesso, o capitão o espetou com um
garfo de campanha desde os pés até o pescoço de Jefferson. (PALMAR, 2012, p. 294).
Não bastando às agressões e humilhações físicas durante o caminho antes que
chegasse a Foz do Iguaçu, o major Hugo Coelho, que era assessor do general Justino Alves
Bastos, então comandante do III Exército, acabou por interceptar o comboio e disse que tinha
ordem de fuzilar o prisioneiro, obrigando Jefferson andar aos pulos, algemado, por cerca de
cem metros e mandaram-no encostar-se a uma árvore e simularam um fuzilamento.
(PALMAR, 2012, p. 294).
No dia 28 de março o comboio chegou a Foz do Iguaçu, o amarraram nas grades da
cela do então 1º Batalhão de Fronteira (1º BFront) com os braços erguidos e os pés suspensos.
Deixaram-no nessa posição durante toda a madrugada e de meia em meia hora o sargento
Elísio apertava as cordas criando maiores agonias ao preso devido à falta de circulação
sanguínea em suas mãos e nos pés. Quando o soltaram, às nove horas da manhã, ele foi
engatinhando até o vaso imundo do sanitário, pegou daquela água, passou no rosto e bebeu
um pouco. (PALMAR, 2012, p. 294).
Jefferson e o grupo foram levados até o comandante do 1º Batalhão de Fronteiras,
Tenente Coronel Auro Marques Curvo, que perante sua tropa e familiares dos militares que
estavam reunidos no pátio, proferiu um discurso apontando para o grupo que assistia: “Estes
são comunistas, traidores da pátria que querem entregar o Brasil à Rússia”. (PALMAR, 2012,
p. 294).
Após o término da cerimônia, foi levado até a sala da 2ª Seção e espancado pelo
capitão Rui Monteiro e pelo major Ari Moutinho. (PALMAR, 2012, p. 294). Todos os presos
levados para o batalhão foram torturados, com maior ou menor intensidade, de acordo com o
grau de importância dado pelos militares. Porém Alberi foi conduzido ao Batalhão de
Fronteiras, após sua chegada o ex-sargento já era esperado pelo coronel Curvo que
determinou que ele não ficasse preso junto aos seus companheiros. (PALMAR, 2012, p. 295).
Após o encerramento do inquérito, Jefferson acabou sendo transferido de Foz do
Iguaçu para o 18º Regimento de Infantaria de Porto Alegre. Sendo transferido posteriormente
para Ponta Grossa e em seguida para o Esquadrão de Cavalaria Mecanizada, no Boqueirão,
em Curitiba. Em julho de 1967 foi condenado a oito anos de prisão, mas com o recurso da
promotoria sua pena foi agravada para dez anos. (PALMAR, 2012, p. 295).
Durante um encontro na auditoria com o major Joaquim Pires Cerveira, ele planejou
sua fuga. Eram duas e meia da madrugada quando saiu de sua cela sendo ajudado por um dos
soldados que havia ficado de sentinela. Acompanhado pelo soldado Víctor Papandreou e de
mais dois outros soldados, atravessou o pátio. Onde havia um carro com o Major Cerveira,
que o levou para a Embaixada do México, no Rio de Janeiro. (PALMAR, 2012, p. 295-296).
Jefferson Cardim, em uma entrevista concedida a Décio de Freitas, em março de 1980,
na Assembleia Legislativa gaúcha, declarou que:
[...] a “Operação Três Passos” previa a entrada de Brizola no Brasil, a fim de
catalisar e de detonar as revoltas: “Acho que Brizola se acovardou, foi uma traição,
porque em seu apartamento na Praça da Independência, em Montevidéu, selamos
um pacto. Ele não cumpriu este compromisso, que era o de derramar o sangue pelo
povo brasileiro”. (DUMONT, Acesso em: 7 Jan 08 às 19hr30min).
No entanto, Brizola nunca assumiu publicamente o apoio à coluna guerrilheira, em
verdade, jamais comentou o fato mesmo em tempos de abertura política. (GASPARI, 2002, p.
195). Cardim faleceu no Rio de Janeiro em 29 de janeiro de 1995. (AUGUSTO, 2002, p. 169-
170).
Alberi Vieira dos Santos tinha sido o braço direito do coronel Jefferson Cardin de
Alencar Osório na chamada Guerrilha de Três Passos, em março de 1965. Teria sido
condenado pela Justiça Militar e cumprira pena de 8 anos. Cinco anos depois, ele
próprio seria encontrado morto, em 10/01/1979, na região de Foz do Iguaçu, quando
investigava a morte de seu irmão, José Soares dos Santos, ocorrida em janeiro de
1977. Outro dos irmãos de Alberi, Silvano, morreu em 1970, após ter cumprido pena
pela participação no movimento de Jefferson Cardin. As condições de sua morte
ainda não foram esclarecidas e o pedido de seus familiares à CEMDP terminou
sendo indeferido. (Acervo on-line do banco de dados da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República disponível em
http://cemdp.sdh.gov.br/modules/desaparecidos/acervo/ficha/cid/345
acessado em 26/06/2014).
O que não podemos deixar de notar é que o caso da guerrilha é mais um exemplo de
violência e luta contra aqueles que tomaram o poder por meio de um golpe de estado, e que se
aproveitaram da situação para utilizar a violência física, psicológicas formas extremamente
cruéis de tortura em nome de uma suposta guerra.
Opostos aos princípios que conduzem os direitos humanos (os quais foram definidos
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada e adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 1948) os militares brasileiros, nas décadas
de 60 e 70, se transformaram em agentes implacáveis da prática repressiva, utilizando-se dos
mais sofisticados métodos de tortura importados especialmente dos Estados Unidos.
(HUGGINS, 1998)
Segundo Cademartori existiam basicamente três tipos de especialistas em tortura: os
torturadores, ou os que aplicavam choques elétricos, afogamentos, colocavam no “pau-de-
arara”, e outras técnicas para obterem uma confissão; os analistas, que recebiam as
informações obtidas sobre tortura e as comparavam com dados anteriores, para concluir sobre
a veracidade ou mesmo sobre que outras informações a vítima poderia saber; e os médicos,
que examinavam o estado físico dos torturados para informar até quando resistiriam,
fornecendo falsos atestados quando as vítimas morriam. (CARDEMATORI, 1993).
Valdetar Dorneles confirma tais métodos. Vítima de tortura durante a prisão por fazer
parte da Operação Três Passos. Segundo o seu relato ao o Portal Ijui realizado em 31 de
março de 2014.
Segundo Valdetar Dorneles, hoje com 81 anos, mesmo após 50 anos, ainda pode-se
ver as marcas deixadas pela ditadura. Marcas de cordas nos braços e pernas,
resultado de torturas que começavam às 18 horas e terminavam às 10 horas do dia
seguinte, durante os quatro anos que esteve preso. “Eu não aguentava ficar em pé”,
relembra. Além de quatro anos de prisão, Dorneles viveu 24 anos de perseguição
política e uma anistia recusada. (Portal Ijui.com realizado em 31 de março de
2014).
Como podemos constatar mesmo a operação de 1965 sendo considerada por muitos
como um pequeno foco, sem qualquer chance de vitória esta foi alvo dos órgãos de repressão,
com prisões, torturas e o exílio dos guerrilheiros. E mesmo hoje depois de tanto tempo as
marcas continuam presentes nesses homens, em seus familiares e na própria cidade que ficou
marcada para sempre junto as suas histórias e memórias. E nesse contexto repleto de
histórias, dramas individuais ou familiares que a memória ganha sentido, pois é através dela
que se revelam muitos dos aspectos obscuros da repressão (TANNO, 2005; PADRÓS, 2007;
CATELA, 2001).
Para (SÁ, 2005) “as memórias sociais são construídas, reconstruídas e atualizadas19”
ou seja, o tempo e responsável pelas transformações sobre a criação e manutenção da
memória, mas isso não significa que essas lembranças não continuem presentes da vida das
pessoas independentes do tempo que se passe, isso apenas nos diz que ela passa a ser
vista/abordada de outra maneira.
[...] como uma ‘memória da história’, englobando memórias orais e memórias
documentais, para cuja construção contribuem: (1) tanto memórias coletivas quanto
memórias comuns e memórias pessoais; (2) tanto a história vivida quanto os
19 Sá, C. P. (2005). As memórias da memória social. In C. P. Sá (Ed.). Memórias, imaginário e representações sociais.
testemunhos ouvidos; (3) tanto os documentos históricos stricto senso quanto as
produções didáticas, midiáticas e artísticas posteriores. (Sá, 2009, p.94).
Podemos ver que tanto os relatos feitos por familiares ou presos políticos acabam por
retratar suas memórias acerca das suas vivências durante o período ditatorial, e o mesmo se
passa nos fragmentos jornalísticos, mesmo que esses tragam a representação do
acontecimento ao seu próprio modo.
Com isso notamos que a memória não pertence somente a um período histórico ou
uma classe social, ela está inserida no cotidiano de todos, pois o ato de redigir uma matéria ao
jornal e um ato de criar e/ou guardar a memória do acontecimento. Para SÁ, as memórias
comuns e pessoais “não são concebidas em contraposição às memórias coletivas, ou seja,
como um processo estritamente individual, mas sim em sua operação em contextos sociais e
sob a influência ou determinação destes”20.
Sendo assim podemos analisar que o discurso (relatos) surgem como uma tentativa de
permanência da história, uma vez que é através dele que hoje ex-guerrilheiros e seus
familiares relatam o ocorrido na região, tendo como principal objetivo não deixar que essas
histórias/memórias caíam no esquecimento. Pois segundo POLLAK (1989) afirma que o
silêncio, pode não se igualar ao esquecimento, mas pode significar uma resistência ao excesso
da memória oficial. O silêncio pode ser quebrado tendo em primeiro lugar uma escuta.
Visto que o que ocorrido está presente na vida de Três Passos – RS e das pessoas que
lá vivem. E é partindo desse pressuposto que podemos concluir que “o discurso não tem
apenas um sentido ou uma verdade, mas uma história” (FOUCAULT, 1986, p. 146).
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