mapas mentais e percepÇÃo ambiental de crianÇas

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UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E DA REGIÃO DO PANTANAL - UNIDERP RODRIGO FERREIRA ABDO MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS PANTANEIRAS DA REGIÃO DE AQUIDAUANA, MATO GROSSO DO SUL CAMPO GRANDE-MS 2005

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Page 1: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

UNIVERSIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO E DA REGIÃO DO PANTANAL - UNIDERP

RODRIGO FERREIRA ABDO

MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS PANTANEIRAS DA REGIÃO DE AQUIDAUANA,

MATO GROSSO DO SUL

CAMPO GRANDE-MS 2005

Page 2: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

RODRIGO FERREIRA ABDO

MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS PANTANEIRAS DA REGIÃO DE AQUIDAUANA,

MATO GROSSO DO SUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em nível de Mestrado Acadêmico em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Orientação: Profa. Dra. Albana Xavier Nogueira Prof. Dr. Eron Brum Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves

CAMPO GRANDE-MS 2005

Page 3: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UNIDERP

Abdo, Rodrigo Ferreira.

A135m Mapas mentais e percepção ambiental de crianças pantaneiras da região de Aquidauana, Mato Grosso do Sul / Rodrigo Ferreira Abdo. – Campo Grande, 2005.

83 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) - Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, 2005.

“Orientação: Profª. Dra. Albana Xavier Nogueira”.

1. Educação ambiental 2. Escolas rurais - Pantanal sul mato-grossense 2. Mapas mentais 3. Percepção ambiental I. Título.

CDD 21.ed. 372.357 363.70098171

Page 4: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

FOLHA DE APROVAÇÃO

Candidato: Rodrigo Ferreira Abdo Dissertação defendida e aprovada em 25 de agosto de 2005 pela Banca

Examinadora: __________________________________________________________ Profa. Doutora Albana Xavier Nogueira (orientadora) __________________________________________________________ Prof. Doutor Richard Perassi Luiz de Sousa (UFMS) __________________________________________________________ Profa. Doutora Regina Sueiro de Figueiredo (UNIDERP)

_________________________________________________ Prof. Doutor Silvio Favero

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional

________________________________________________ Profa. Doutora Lúcia Salsa Corrêa

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UNIDERP

Page 5: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

iv

Às crianças pantaneiras, que colaboraram para a realização deste trabalho, revelando sua percepção da vida, da paisagem, com seus cenários, atores e figurantes, partícipes do Pantanal do imaginário e do Pantanal real, seu ambiente natural e cultural, dedico o produto deste trabalho, impossível de existir sem a colaboração delas.

Page 6: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

v

AGRADECIMENTOS

À Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal

(UNIDERP), à Pró-Reitoria de Pós-graduação; aos professores do Programa de Pós-

Graduação do Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional,

especialmente ao professor Eron Brum, que me apresentou a minha orientadora; e à

Coordenação do Curso de Psicologia.

Agradeço, ainda, a três pantaneiros que me ajudaram a construir uma nova

percepção do Pantanal: o professor Francisco Leite, idealizador do Projeto Escolas

Pantaneiras, a amiga Anelise Godoy, artista plástica de Aquidauana e a professora

Albana Xavier Nogueira, reconhecida pesquisadora da cultura pantaneira, que me

orientou neste trabalho.

Page 7: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

vi

Certa paisagem... Olho deleitou-se: Vejo além dos pantanais a morraria numa moldura azul. Não é Deus? Ouvido escutou tudo, ruminou atenção e botou o tudo pra fora: Morraria? Nenhum canto... Emendou Mão: Morraria? Sem sentido... Nariz franziu-se: Não percebo morraria... E zombetearam entre si: Olho aluou!

Rodrigo Abdo

Page 8: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

vii

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS .................................................................................................viii

RESUMO.................................................................................................................... ix

ABSTRACT................................................................................................................. x

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................1

2 REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................................8

2.1 O AMBIENTE......................................................................................................9

2.2 A PERCEPÇÃO................................................................................................14

2.3 A PERCEPÇÃO AMBIENTAL...........................................................................18

2.3.1 Contribuições de Piaget e Vigotsky ................................................................21

2.3.2 O Real, o Imaginário e o Simbólico ................................................................24

2.4 OS MAPAS MENTAIS ......................................................................................26

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................29

3.1 OS LEVANTAMENTOS A CAMPO...................................................................30

3.1.1 Instrumentos Usados nos Levantamentos a Campo ......................................31

3.2 SELEÇÃO DAS ESCOLAS...............................................................................32

3.3 OS INFORMANTES..........................................................................................32

3.4 O CORPUS.......................................................................................................33

3.5 A LOCALIDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO GEO-HISTÓRICO-CULTURAL

DO PANTANAL SUL-MATO-GROSSENSE .....................................................34

3.5.1 O Pantanal do Taboco....................................................................................38

3.6 O PROJETO ESCOLAS PANTANEIRAS .........................................................39

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................41

4.1 ANÁLISE DOS MAPAS MENTAIS....................................................................43

4.2 OS QUESTIONÁRIOS E AS NARRATIVAS DE VIDA......................................52

5 CONCLUSÃO .......................................................................................................62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................70

APÊNDICES .............................................................................................................74

Page 9: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

viii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Desenhos-temáticos “o que eu gosto na natureza”, elaborados pelas

crianças pantaneiras – meninas da fazenda Taboco. ................................43

Figura 2. Desenhos-temáticos “o que eu gosto na natureza”, elaborados pelas

crianças pantaneiras – meninos da fazenda Taboco. ................................44

Figura 3. Desenhos-temáticos “o que eu gosto na natureza”, elaborados pelas

crianças pantaneiras – crianças da fazenda Figueira.................................45

Figura 4. Desenhos-temáticos “o que eu não gosto na natureza”, elaborados

pelas crianças pantaneiras – meninas da fazenda Taboco. .......................46

Figura 5. Desenhos-temáticos “o que eu não gosto na natureza”, elaborados

pelas crianças pantaneiras – meninos da fazenda Taboco. .......................47

Figura 6. Desenhos-temáticos “o que eu não gosto na natureza”, elaborados

pelas crianças pantaneiras – crianças da fazenda Figueira. ......................48

Page 10: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

ix

RESUMO

Neste trabalho estudou-se a percepção ambiental de crianças pantaneiras, de duas

escolas do Projeto Escolas Pantaneiras, situadas em Aquidauana, Mato Grosso do

Sul, por meio da análise de mapas mentais que forneceram elementos para a

análise do comportamento dessas crianças em relação ao ambiente natural e

cultural pantaneiro, com a intenção obter subsídios para apoiar ações educacionais

apropriadas para o contexto ambiental rural. Este trabalho foi norteado por

concepções emanadas de autores contemporâneos, como Piaget, Vigotsky, Tuan e

Lent, em consonância com o contexto cultural da sociedade contemporânea. Para a

construção do corpus foram utilizados instrumentos como os mapas mentais,

questionário e narrativas de vida. Os locais da pesquisa foram o Núcleo Escolar

“Joaquim Alves Ribeiro” (Fazenda Taboco) e o Núcleo Escolar Figueira (Fazenda

Figueira). A análise dos resultados permitiu a identificação de alguns indicadores do

conhecimento ambiental e cultural, que revelou que estas crianças não se

encontram integradas ao ambiente, como se havia imaginado a priori. Têm

pensamento concreto e conhecimento ambiental fragmentado, em parte, devido ao

nomadismo da família. Apresenta-se propostas para ações educacionais que

favoreçam à criança perceber-se como ser integrante, interdependente e agente

transformador do ambiente, valorizando a cultura regional.

Palavras-chave: mapas mentais. percepção ambiental. crianças pantaneiras.

Page 11: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

x

ABSTRACT

In this work it is studied ambient perception of pantaneiras’ children, of the Project

Escolas Pantaneiras, Aquidauana, Mato Grosso do Sul. The mental maps had

supplied elements that can subsidize appropriate educational actions for the

agricultural ambient context. This work was guided by emanated conceptions of

searching contemporaries, as Piaget, Vigotsky, Tuan and Lent, in accord with the

cultural context of the modern global society. Instruments had been applied as

mental maps, questionnaires and narratives of life. The places of the research had

the school Joaquim Alves Ribeiro (Taboco Farm) and the school Figueira (Figueira

Farm). Education in these schools has as principle the valuation of the universal

pertaining to school education, functioning as source of identity of the local culture.

Some pointers of ambient and cultural knowledge had been identified. The analysis

of the results disclosed that these children do not meet integrated to the environment,

as imagined a priori. They have thought concrete and broken up ambient knowledge,

in part, which had to its nomadism. One presents proposals for educational actions

that favor the child to perceive themselves as to be integrant, interdependent and

agent transforming of the environment, valuing the regional culture.

Key-words: mental maps. environment perception. pantaneiras’ children.

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto o conhecimento da percepção ambiental

de crianças, matriculadas em duas escolas rurais do município de Aquidauana, Mato

Grosso do Sul, por meio do estudo de mapas mentais, produzidos por elas,

complementados por um questionário previamente estruturado e consolidado por

narrativas de vida dessas crianças, com o fim de propor alternativas adequadas ao

ensino da Educação Ambiental, nessas escolas.

Foram várias as motivações que conduziram a escolha deste tema, dentre

elas prevaleceram a curiosidade por conhecer e estudar a percepção ambiental ou

espacial de crianças que vivem e estudam numa região tão complexa como é o

Pantanal de Mato Grosso do Sul e seu entorno. Neste caso, o Pantanal do Taboco

ou Rio Negro, de acordo com o autor, que se encontra sob a jurisdição do município

de Aquidauana-MS.

Essas crianças estudam em escolas que fazem parte do Projeto Escolas

Pantaneiras, empreendimento pioneiro, que, na época de sua implantação, em

1998, teve grande repercussão, não só no Estado, mas também fora dele, devido à

proposta inovadora de implantação de calendário e conteúdos diferenciados,

condizentes com as expectativas de uma educação voltada para o regional, sem que

com isto perdesse os elos com o nacional e o universal.

Outro motivo diz respeito à necessidade de conservação do Pantanal,

reconhecidamente, uma das mais ricas biodiversidades do mundo, que vem sendo

reavaliada, a partir dos avanços científicos e tecnológicos, que trouxeram novas

maneiras de olhar os ambientes que constituem a totalidade do planeta Terra.

E, por último, a certeza de que somente por meio da educação das novas

gerações será possível conseguir-se consolidar a mudança do modelo de

desenvolvimento, baseado unicamente na economia capitalista, por modelos que

privilegiem a sustentabilidade fundamentada nos princípios da conservação dos

recursos ecológicos e no direito igualitário em usufruir desses recursos para maior

garantia da qualidade de vida.

Page 13: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

2

Por outro lado, apesar de se contar com um acervo significativo de obras

sobre o Pantanal, poucos autores têm-se dedicado a trabalhar questões

relacionadas à percepção ambiental, principalmente no que diz respeito ao ambiente

escolar. Dentro dessa perspectiva merece destaque a pesquisa feita recentemente

pela professora Eugênia Aparecida dos Santos, que foi relatada na sua dissertação

de mestrado, enfocando duas Escolas Pantaneiras desta mesma região, tendo como

eixos temáticos básicos a organização curricular e os conteúdos ministrados nas

salas de aula.

Conforme Santos (2004), o Projeto Escolas Pantaneiras originou-se a partir

do conhecimento das bases históricas e das necessidades regionais, que foram os

indicativos de sua validação. Tanto essa afirmação da autora quanto as demais

leituras realizadas, despertaram as interrogações que se seguem e que permearam

toda a trajetória deste trabalho, sinalizando os objetivos que o nortearam:

O que as crianças que vivem e estudam na região pensam sobre natureza e

meio ambiente?

De que modo essas crianças percebem a realidade que as circunda e como

se relacionam com ela?

De onde vêm os conhecimentos que têm a respeito do meio em que vivem?

Essas crianças estão realmente integradas à vida no Pantanal ou aspiram sair

de lá assim que puderem?

A escola cumpre sua função de ensiná-las a conhecer e a valorizar sua

cultura regional, como parte integrante da cultura nacional, inserida no contexto

universal?

Foi a busca de paradigmas de análise e tratamento adequados à realidade

específica a ser estudada, que possibilitou a escolha dos mapas mentais, no

contexto das questões ambientais emergentes, onde se inclui o interesse pela

percepção ambiental.

Esses assuntos são sempre privilegiados nas pautas das discussões que se

emanam em decorrência “[...] desse poder disseminado que se oculta sob o nome

de globalização” (CANCLINI, 2003, p. 9). Discussões deste tipo reascendem

constantemente os questionamentos a respeito de diversidade, versus unidade; do

local versus global, dentre outros, despertando o interesse pelo conhecimento da

realidade circundante.

Page 14: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

3

Foi, portanto, levando em conta as considerações anteriores que se objetivou

estudar a percepção ambiental de crianças pantaneiras, por meio da análise de

mapas mentais, produzidos por elas, em sala de aula, sob a presença do

pesquisador, com a finalidade, não só de conhecer alguns aspectos dessa relação

criança/ambiente, como também, de neles encontrar pistas para propor algumas

alternativas educacionais que possam contribuir no processo de educação

ambiental, em escolas rurais do município.

Os critérios de seleção encontram-se na metodologia do trabalho. Do ponto

de vista técnico, o mapa mental é um desenho temático sobre a natureza e que

utiliza, para isso, a combinação de formas, cores e desenhos sobre uma folha de

papel sulfite, constituindo-se como uma expressão do pensamento infantil. Os

mapas subsidiaram a compreensão a respeito dos saberes e percepções, mostrando

as imagens que essas crianças constroem do lugar em que vivem, sendo, portanto,

instrumentos importantes para se conhecer as relações, que estabelecem entre o

ambiente e a cultura por elas vivenciada.

O mundo real das crianças pantaneiras, produto da experiência, da

aprendizagem e até do próprio imaginário, vivido num cotidiano diferente daquele

experimentado pelas crianças da cidade, enriquecido por sentimentos, imagens e

percepções que possam ser identificados com objetos, pessoas, animais e plantas,

paisagens, que compõem o cenário de seu dia-a-dia, serviu de matéria-prima para o

desenvolvimento deste trabalho.

Pressupôs-se que esse conjunto de experiências, de maneiras de ver o

mundo, de comportar-se diante dele, de representá-lo pudesse ser, pelo menos em

parte, revelado por meio de mapas mentais, criados pelas crianças. E foi o que

aconteceu.

O mapa mental é considerado um recurso gráfico e externo do pensamento

criativo, que surge a partir da percepção que o indivíduo tem do mundo que conhece

e do ambiente onde se acha inserido.

Assim, a percepção ambiental pode ser entendida como a transformação do

ambiente externo objetivo, nesse caso o hábitat, em impressões cognitivas

subjetivas, ou seja, em conhecimentos ambientais, construídos por meio da

atividade mental de um sujeito que interage com ele.

O conhecimento ambiental que as crianças adquirem, desde as vivências em

Page 15: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

4

casa até seu suposto aperfeiçoamento na escola, é produto da educação ambiental,

passada por fontes informais, como a família, os amigos, a televisão. A educação

formal, aprendida na escola, tem como obrigação aperfeiçoar e corrigir o

conhecimento adquirido anteriormente.

Esses são os modos principais como os conhecimentos vão sendo integrados

ao processo de aprendizagem, no decorrer da vida. A apreensão desses

conhecimentos ambientais é feita, primordialmente, por meio da percepção visual,

dado que a vivência cultural valoriza esta modalidade perceptiva, em detrimento da

audição, tato, olfato e paladar.

Pressupõe-se que o universo cultural, onde o indivíduo se desenvolve e se

socializa, traga consigo um conjunto de valores, símbolos, atitudes, modos de sentir,

de sofrer, enfim, de formas de organizar a subjetividade, que são fundamentais na

constituição do sujeito e das suas relações interpessoais.

O universo cultural, que é criação da mente humana, torna-se o instrumento

de interpretação da natureza, que, não sendo produto da inteligência humana, não

depende dele para existir. Desse modo, enquanto a cultura depende do homem para

existir, a natureza tem existência independente da vontade humana, o que não quer

dizer que não esteja sujeita às ações antrópicas para continuar existindo.

A natureza é sempre resultado de uma reinterpretação, de um constituir

sentidos à luz do contexto cultural (GEERTZ, 1989). Essa reinterpretação dos

sentidos é um processo perceptivo.

A percepção trabalha principalmente com a subjetividade do olhar e do sentir

dos indivíduos e dos grupos que compartilham valores, atitudes e preferências

comuns. Desse modo, para o estudo sistemático da percepção ambiental, é preciso

elaborar estratégias sobre as realidades percebidas e sobre os mundos imaginados.

Por essa razão, os mapas mentais, também chamados de conceituais ou cognitivos,

por serem representações simbolizadas da realidade, foram escolhidos como ponto

de partida para a compreensão da percepção ambiental das crianças, que são alvo

desta pesquisa.

A ênfase que se procura dar aos elementos culturais, ou seja, à realidade

criada pelo homem, justifica-se principalmente pelo fato de que as idéias, os valores,

os atos, até mesmo as emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos

culturais (GEERTZ, 1989).

Page 16: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

5

Desse modo, conhecer o ponto de vista da criança pantaneira, a forma como

percebe os fatos do ambiente e interage com eles, em função de influências

históricas e socioculturais, é importante para avaliar as necessidades, interesses e

anseios da própria população adulta, nelas refletidas. Pode, também, fornecer aos

órgãos dirigentes orientações mais adequadas para as decisões em nível político,

socioeconômico e de desenvolvimento, seja rural, urbano ou regional

(POLTRONIÉRI, 1996).

É por acreditar-se que conhecer a percepção que a criança pantaneira tem do

ambiente em que vive é fundamental para entender suas relações com esse

ambiente e suas expectativas de vida, é que se justifica a realização deste trabalho

com alunos das Escolas Pantaneiras.

A educação ambiental, formalizada na sala de aula, constitui um instrumento

essencial para as crianças perceberem mais o seu ambiente, conscientizando-as da

necessidade de preservação, de cuidado, de defesa dos bens naturais. Esta nova

visão ambiental só poderá realizar-se por meio do conhecimento, entendimento,

integração e, sobretudo, da percepção ambiental da natureza que as rodeia.

Assim sendo, o estudo proposto engloba considerações sobre as áreas de

cultura, educação e ambiente, por considerá-las de grande importância no contexto

do ensino-aprendizagem a respeito dos ambientes natural e social, onde a criança

desenvolve suas aptidões e atitudes. Além disso, esses estudos, devido às

peculiaridades nele envolvidas, oferecem oportunidade de integralização de

conhecimentos e ações de cunho interdisciplinar.

O estudo proposto foi realizado em duas escolas rurais do município de

Aquidauana-MS, respectivamente Núcleo Escolar Figueira e Núcleo Escolar

“Joaquim Alves Ribeiro”, a primeira situada nas circunvizinhanças do Pantanal do

Rio Negro, mais especificamente no Pantanal do Taboco e a segunda, no Pantanal

do Taboco, propriamente dito. Supôs-se, desde o início desta proposta, que nelas as

crianças receberiam uma educação ambiental diferenciada, especialmente devido à

localização das mesmas e às peculiaridades da região.

Os mapas mentais representam uma estratégia que se julga eficiente para a

interpretação do conhecimento cultural de um grupo social restrito, que, embora faça

parte de um universo maior, mantém características identitárias que se diferenciam

das de outras regiões do Estado.

Page 17: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

6

Enfim, os mapas devem ser compreendidos, não apenas como produto

acabado, mas como meio de comunicação e processo que torna as experiências

ambientais compartilháveis. Eles indicam o poder criativo da imaginação humana e

podem contribuir para uma discussão metodológica mais ampla no campo da

percepção ambiental, dentro do contexto pantaneiro e adjacências.

Deve-se lembrar, ainda, de que a grande preocupação não deve ser o

conhecimento da visão do mundo local apenas. A lição maior está em aprender a ver

e a valorizar o local, como ponto de partida para o aprendizado de modos de usar

essa realidade para a convivência e a troca de experiências dentro da diversidade e

da heterogeneidade que marca os grupos locais e a sociedade em geral.

Espera-se, finalmente, que os mapas possam fornecer subsídios para a

compreensão de aspectos perceptivos e cognitivos, em relação ao comportamento

das crianças pantaneiras, em suas relações com o ambiente e a cultura local. Para

tanto, apresentam-se os objetivos que nortearam a realização desta pesquisa.

O objetivo geral do presente estudo, já anunciado no início deste texto, é

conhecer a percepção ambiental de crianças pantaneiras, matriculadas em duas

escolas rurais no município de Aquidauana-MS, por meio da análise dos mapas

mentais por elas produzidos, a fim de fornecer elementos que possam auxiliar na

busca de alternativas educacionais apropriadas a esse contexto ambiental rural.

Para operacionalização do trabalho, foram elaborados os seguintes objetivos

específicos:

a) Apresentação da proposta de criação, pelas crianças, de dois mapas

mentais, decorrentes de dois temas: Do que gosto e do que não gosto na

natureza;

b) Análise dos mapas mentais, produzidos, para interpretação da percepção

ambiental dessas crianças;

c) Identificação de alguns indicadores do conhecimento ambiental e cultural

dessas crianças, usando como instrumento auxiliar um questionário,

composto por questões fechadas, que indicariam, inclusive, as fontes de

conhecimento da natureza, do ambiente e da cultura local;

d) Coleta e estudo de narrativas de vida das crianças colaboradoras, para

comparação entre sua vivência real e as informações dadas durante a

aplicação do questionário.

Page 18: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

7

Esta dissertação encontra-se dividida em quatro capítulos, estruturados da

seguinte forma:

Capítulo 1, onde são apresentados o objeto do trabalho, a finalidade, os

fontes de pesquisa, que o norteiam, seus objetivos, sua contextualização no tempo e

no espaço.

Capítulo 2, onde se aborda a revisão de literatura, que procura desenvolver

os princípios teóricos que fundamentam o trabalho, especialmente em relação à

percepção, à percepção ambiental, à produção dos mapas mentais, tomando como

foco de apoio aspectos da teoria construtivista de Piaget e do socioconstrutivismo de

Vigotsky, abordando, rapidamente, algumas questões sobre o tipo de educação

ambiental ministrado nas duas escolas pantaneiras de Aquidauana-MS, integrantes

do Projeto Escolas Pantaneiras, situadas no Pantanal do Taboco e seu entorno.

Capítulo 3 no qual se discute questões referentes ao material e aos métodos,

bem como às estratégias metodológicas usadas neste estudo, os critérios e os

instrumentos de apoio. Há ainda a contextualização geográfica do Pantanal, com

ênfase no Pantanal do Rio Negro, no município de Aquidauana, onde se inserem as

Escolas Pantaneiras.

Capítulo 4, em que são discutidos os resultados obtidos, por meio da análise

e interpretação dos mapas mentais, dos questionários e das narrativas de vida.

Capítulo 5, em que se apresenta a conclusão, embasada na proposta inicial e

nos resultados obtidos. As recomendações emanadas têm por finalidade fornecer

elementos que possam auxiliar estratégias educacionais apropriadas ao contexto do

ambiente estudado. Por fim, são apresentadas as referências bibliográficas

utilizadas neste trabalho e os apêndices.

Page 19: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

2 REVISÃO DE LITERATURA

As idéias e os princípios expressos neste trabalho procuram nortear-se por

concepções emanadas de estudiosos, cientistas e pesquisadores contemporâneos,

cujas idéias se enquadram dentro de uma visão científica, em consonância com o

contexto social, cultural e tecnológico da sociedade contemporânea, que são:

Piaget, Vigotsky, Ausubel, Novak e Hanesian, respectivamente, para elucidar os

mapas mentais, no que diz respeito ao aspecto cognitivo, que encontra apoio na

Psicologia, enquanto o respaldo para a percepção espacial ou ambiental foi

encontrado, principalmente em Tuan, que vem apontando um caminho novo para o

estudo da percepção ambiental, com contribuições interessantes para o

entendimento das atitudes humanas frente aos ambientes natural e social. As

concepções de Lent também influenciaram as discussões sobre a percepção, assim

como a de outros autores considerados relevantes para os fins propostos.

Esses autores forneceram o apoio teórico necessário para a fundamentação

dos conceitos utilizados em relação ao ambiente, percepção, percepção ambiental e

mapas mentais.

A trajetória humana é um processo dinâmico, que se sucede

ininterruptamente, modificando o modo de ser e de pensar o mundo. O clima da

globalização, favorecido pela chamada pós-modernidade, vem propiciando

transformações sem precedentes na história da humanidade. Ao mesmo tempo que

se desenvolvem novas tecnologias de informação, redimensionam-se os caminhos

da biologia, discute-se a bioétnica, o multiculturalismo, radicalizam-se

transformações na economia mundial, evidenciam-se as identidades étnicas,

providenciam-se as guerras e discute-se a paz, dentre milhares de outros fatos

expostos pela mídia falada e escrita.

O novo processo global exige que se faça uma reflexão sobre “pensar o

mundo” globalizado, mas não necessariamente integrado. Pensar o mundo é um

exercício extremamente amplo, que implica em pensar o ser humano, vivendo a era

do sincretismo, do hibridismo cultural, das heterogeneidades e de tantos outros fatos

Page 20: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

9

citados no parágrafo anterior, que desenvolvem as redes de interatividades, que

tecem as multiplicidades ambientais e desencadeiam a rapidez de raciocínio, o

aguçamento da sensibilidade, o aperfeiçoamento da percepção, principalmente da

percepção ambiental, assunto que interessa a este trabalho.

Pensar o mundo é, ainda, entre outras coisas, significar e classificar os

aspectos de suas manifestações sensíveis, tais como cores, gostos, sons, cheiros,

por meio da transformação cognitiva das sensações do mundo em processos

perceptivos (VIERTLER, 2002).

A percepção de que o mundo globalizado e competitivo demanda a

construção da sustentabilidade ecológica, social, econômica e cultural, que fomenta

o pensamento holístico propiciou grandes avanços entre 1992, ano da realização da

Rio-92, e 2002, da Rio+10, em Joanesburgo, e desde então questões dessa

natureza, aliadas aos debates sobre o ambiente e o que significa fazer parte desse

ambiente, continuam a acirrar as negociações de caráter local e global.

2.1 O AMBIENTE

As preocupações com o ambiente são rediscutidas em vários segmentos da

sociedade. Inevitavelmente, surgem inúmeras concepções e tentativas de melhor

conhecer e definir o que seja ambiente.

Lima e Silva (apud TRIGUEIRO, 2003) apresenta uma definição ampla de

ambiente, segundo a qual este se constitui num conjunto de fatores naturais, sociais

e culturais que envolvem o indivíduo e com os quais ele interage, influenciando e

sendo influenciado por eles.

Mas, apesar das discussões já realizadas a respeito do assunto, Crespo

(2003) constatou que, quando as pessoas pensam em ambiente, normalmente

deixam de fora desse imaginário qualquer coisa que se relacione aos seres

humanos e às suas criações. Ao mesmo tempo, essas relações construídas entre os

seres humanos, suas criações e a natureza podem servir de modelo para a

compreensão do ambiente, por meio da descoberta de seus padrões, que podem

ser mapeados.

Page 21: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

10

Essa opinião é corroborada por Trigueiro (2003, p. 77), ao afirmar que o “[...]

meio ambiente ainda é uma questão periférica, porque não alcançou esse sentido

mais amplo, que extrapola a fauna e a flora”.

O que preocupa o autor é que, nas discussões sobre ambiente, o social e o

cultural são geralmente esquecidos, como se o ambiente abrangesse apenas o

sistema ecológico, constituído por solo, água, flora, fauna. Capra (2003, p. 23),

enfatiza a necessidade de compreensão das cadeias de relações que se

estabelecem entre os seres vivos:

Compreender sistemas vivos, portanto, nos leva a compreender relações. Este é um espaço-chave do pensamento sistêmico. Implica uma mudança de enfoque, de objetos para relações. Compreender relações não é fácil para nós, porque é algo que vai contra o método científico tradicional da cultura ocidental. Na ciência, assim nos ensinaram, medimos e pesamos coisas. Acontece que as relações não podem ser medidas nem pesadas; precisam ser mapeadas. Podemos desenhar um mapa de relações, interligando diferentes elementos ou diferentes membros de uma comunidade. Quando fazemos isto, descobrimos certas configurações de relações que aparecem repetidamente. É a isto que chamamos padrões.

É preciso, portanto, compreender as relações entre a percepção que o ser

humano tem de seu ambiente, a maneira como o conhece e atua sobre ele, bem

como as próprias expectativas advindas dessa interação, devendo incluir nesta

relação o estudo das relações entre o comportamento humano e o ambiente. Nesse

sentido, o comportamento humano é composto por uma parte manifesta de relação,

denominada conduta, especialmente as condutas sociais, e por aspectos subjetivos

e espontâneos, que são os fenômenos mentais, ainda que abstratos e complexos.

Para Tuan (1980, p. 2),

O cientista e o teórico, por seu lado, tendem a descuidar a diversidade e a subjetividade humanas porque a tarefa de estabelecer ligações do mundo não-humano já é enormemente complexa. Entretanto, numa visão mais ampla sabemos que as atitudes e crenças não podem ser excluídas nem mesmo da abordagem prática, pois é prático reconhecer as paixões humanas em qualquer cálculo ambiental; elas não podem ser excluídas da abordagem teorética porque o homem é, de fato, o dominante ecológico e o seu comportamento deve ser compreendido em profundidade.

O estudo das relações entre o comportamento e o ambiente é uma tarefa

complexa devido à própria natureza do seu objeto de pesquisa. Por isso o

Page 22: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

11

mapeamento mental da percepção do ambiente de crianças pantaneiras deve ser

compreendido como o primeiro passo científico, e necessário, de um processo muito

mais amplo, envolvendo esse tema.

O termo ambiente, de modo geral, pode ser entendido como qualquer

elemento externo ao objeto de análise, que pode influenciar sua função ou atividade.

A construção do conhecimento ambiental inicia-se durante os primeiros anos de vida

da criança. Portanto, a palavra ambiente engloba concepções relativas a fatores

naturais e socioculturais, que integram os lugares onde se articulam os seres que os

habitam.

O período escolar, fundamental para a socialização da criança, é o período

ideal para construção da ética ambiental, baseada no respeito à natureza e no

direito à diversidade sociocultural.

Como neste trabalho o termo ambiente é empregado como o lugar onde os

indivíduos estão inseridos e onde realizam suas práticas cotidianas, corresponde ao

conceito de hábitat ou entorno, considerado por Leff (2002, p. 282-283) “[...] como o

território que fixa ou assenta uma comunidade de seres vivos e uma população

humana, impondo suas determinações físicas e ecológicas ao ato de habitar”, que

representam o componente mental e sociocultural do ambiente, referente às

simbolizações que configuram identidades culturais.

A cultura simboliza o ambiente e, por meio da apropriação do ambiente, cria

significações que configuram a identidade. Na opinião de Leff (2002, p. 278),

a identidade se reconhece e reproduz como o idêntico, mas sempre em contraste com o diferente, com “o outro”, num processo de ressignificação e reconstituição de sua singularidade e sua especificidade.

Para Giddens (2002), nos ambientes da modernidade, por contraste, o eu

alterado tem que ser explorado e construído como parte de um processo reflexivo de

conectar mudança pessoal e social. A modernidade, pode-se dizer, rompeu o

referencial protetor da pequena comunidade e da tradição, substituindo-a por

organizações maiores e impessoais. A auto-identidade se torna problemática na

modernidade contrastando com as relações eu-sociedade, em contextos mais

tradicionais.

A auto-identidade permite ao indivíduo o reconhecimento de suas próprias

experiências acumuladas, decorrentes de um processo de aquisição do eu social

Page 23: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

12

que se refere ao desenvolvimento da capacidade humana de integrar e assimilar

não apenas o ambiente, enquanto experiência perceptiva, mas, e sobretudo, a de se

situar no mundo da realidade como integrante dela.

Neste contexto, conforme o autor citado, modernidade corresponde mais ou

menos ao equivalente à industrialização, que, aos pouco, se torna reflexiva e

dinâmica em suas relações com seus atores. Este movimento permite repensar a

auto-identidade em uma escala regional. As culturas modernas são atemporais, mas

sempre mantêm um núcleo local, ou seja, as culturas locais tentam preservar sua

identidade própria. Assim, o regionalismo é focalizado na pós-modernidade em

oposição ao universalismo característico da modernidade.

Em relação à cultura local ou regional, Sousa (1995, p. 160-161) aponta as

inter-relações desta com a construção de uma identidade local:

Para focalizar o cotidiano regional, é necessário que a região seja conhecida em todos os contextos que a definem como tal. É preciso localizar os elementos que configuram esse regionalismo, e qual o papel que a cultura exerce como articuladora de uma identidade. A compreensão total desse “território” precisa ser realizada, para que a mediação seja apreendida na sua amplitude e complexidade [...] Uma análise não globalizada do aspecto cultural, por exemplo, tende a ver a região com uma aparente homogeneidade, que normalmente é usada para a construção de sua identidade em oposição às diferenças em relação às outras regiões.

Ainda, sobre essa questão, Hall (2003, p. 45) assim se pronuncia,

argumentando sobre o processo de globalização e suas conseqüências:

Há dois processos opostos em funcionamento nas formas contemporâneas de globalização, o que é em si mesmo algo fundamentalmente contraditório. Existem as forças dominantes de homogeinização cultural, pelas quais, por causa de sua ascendência no mercado cultural e do seu domínio de capital, dos fluxos cultural e tecnológico, a cultura ocidental, mais especificamente a cultura americana ameaça subjugar todas as que aparecem, impondo sua mesmice cultural homogeneizante, o que tem sido chamado de McDonald-ização ou Nike-zação de tudo. Seus efeitos podem ser vistos em todo o mundo [...] Mas bem junto a isto estão os processos que vagarosa e sutilmente estão desconcertando os modelos ocidentais, levando a uma disseminação da diferença cultural em todo o globo.

Nesse sentido, a globalização configura um sistema de referências em que

todos se enxergam ao olhar o outro, ou seja, a identidade cultural constitui um

fenômeno de auto-reconhecimento, tanto no nível individual quanto no coletivo,

Page 24: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

13

sempre socialmente atribuída, à medida que os meios de comunicação

desempenham a função de espelhar ou não a imagem do coletivo em questão

(SOUSA, 1995).

Os efeitos da diversidade versus homogeinização podem ser sentidos na

realidade pantaneira, em que as crianças, por meio das propagandas na televisão,

têm conhecimento do McDonalds, o império alimentar americano e desejam comer

um sanduíche com esse sabor, mesmo sem saber muito bem o que é isso. Tanto as

crianças quanto os adultos pantaneiros oscilam entre a tradição e a inovação, sendo

que os mais jovens sentem-se atraídos pela novidade.

A percepção das mudanças no Pantanal é um tema discutido por Brum e

Frias (2001, p. 19) na análise sobre a cultura regional da Bacia do Alto Paraguai,

Mato Grosso do Sul, ao observarem que:

[...] antigos padrões de relação com a natureza estão sendo substituídos, em ritmos variados, por novas formas de percepção do mundo, resultante, dentre outros, do incremento e da diversificação da economia, dos novos padrões sociais veiculados e afirmados pelos meios de comunicação, pela aproximação cada vez maior entre o meio rural e o urbano.

A cultura regional, na qual se insere a criança pantaneira, possibilita uma

identidade cultural que resulta em trocas mentais de projeção e de identificação

locais, que se aproximam do conceito de topofilia criado por Tuan (1980, p. 107):

A palavra “topofilia” é um neologismo, útil quando pode ser definida em um sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material. Estes diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo de expressão. A resposta ao meio ambiente pode ser basicamente estética: em seguida, pode variar do efêmero prazer que se tem de uma vista, até a sensação de beleza, igualmente fugaz, mas muito mais intensa, que é subitamente revelada. [...] A topofilia não é a emoção humana mais forte. Quando é irresistível, podemos estar certos de que o lugar ou meio ambiente é o veículo de acontecimentos emocionalmente fortes ou é percebido como um símbolo.

O ambiente pode não ser a causa direta da topofilia, mas fornece o estímulo

sensorial que, ao agir como imagem percebida, dá forma a alegrias e ideais

humanos. Inicialmente, o espaço da criança se amplia e se torna melhor articulado,

à medida que ela reconhece e atinge mais objetos e lugares permanentes. O espaço

transforma-se em lugar à proporção que adquire definição e significado. O uso dos

Page 25: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

14

significados culturais do lugar, derivados da prática empírica e da formação

simbólica, contribuem na construção da identidade cultural regional (TUAN, 1983).

Na extensa literatura sobre qualidade ambiental, relativamente poucas obras

tentam compreender o que as pessoas sentem sobre espaço e lugar, considerar as

diferentes maneiras de experienciar e interpretar espaço e lugar como imagens de

sentimentos complexos.

O conceito de experiência varia de autor para autor e será usado, neste

trabalho, como termo que abrange as diferentes maneiras, por meio das quais uma

pessoa conhece e constrói a realidade (TUAN, 1983).

2.2 A PERCEPÇÃO

Antes de chegar aos mapas mentais propriamente ditos serão retomados

alguns caminhos e conceitos a respeito da percepção, principalmente da percepção

ambiental. Sendo que o conceito de Lent (2004) foi o adotado para nortear este

trabalho, por ser o mais atual e por estar mais sintonizado com os objetivos

propostos.

A percepção é um fenômeno mental básico do sistema cognitivo, integrador

do ambiente com a subjetividade humana, que é o fundamento dos conceitos, da

auto-identidade, do pensamento e do comportamento.

A percepção começa quando uma forma qualquer de energia incide sobre as

interfaces entre o corpo e o ambiente. Se uma rocha se desprende de uma

montanha onde não há qualquer animal, ela faz barulho? Uma fruta que ninguém

provou tem gosto? A Terra era azul antes que o Homem visse do espaço?

Questões como essas têm sido levantadas há muito tempo pelos filósofos,

depois pelos psicólogos, e mais recentemente pelos neurocientistas. Não são

questões inteiramente resolvidas, mas admitem algumas considerações que dizem

respeito aos sentidos e à percepção (LENT, 2004).

Ainda, para Lent (2004, p. 169), a “[...] percepção é a capacidade que alguns

animais apresentam de veicular sentidos a outros aspectos da existência, como o

comportamento e o pensamento”.

Existem dois mundos na natureza: o mundo real e o mundo percebido. Duas

pessoas não percebem do mesmo modo uma paisagem. Além disso, a mesma

Page 26: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

15

pessoa não perceberá igualmente a mesma paisagem, se a vir em momentos

diferentes de sua vida. O mesmo indivíduo atravessa diversos estados fisiológicos e

psicológicos ao longo de um dia e ao longo da vida, e esses estados emocionais são

capazes de modificar as informações que os sentidos veiculam, provocando

percepções diferentes.

Qualquer sistema perceptivo, ou seja, capaz de reconhecer objetos, deve

conseguir separá-los dos demais objetos e do fundo e mantê-los perceptualmente

constantes, mesmo que eles ou o fundo se movam, que mude a iluminação, ou que

outros objetos o encubram parcialmente. A diferenciação entre figura e fundo é a

base da teoria da Gestalt. O gestaltismo, fundado em 1880, foi duramente criticado

por não sugerir explicações fisiológicas, limitando-se a propor leis de organização

segundo as quais separamos figura e fundo.

Ehrenfels (1859-1932), seu fundador, argumentava que a forma é mais do

que a soma de seus elementos, assim como a paisagem é mais do que a soma das

árvores, rios e relevo. A concepção de percepção do movimento Gestalt serviu como

lembrança aos neurocientistas, de que o cérebro deve funcionar como um todo, e a

Tuan, na fundamentação dos estudos sobre a percepção espacial.

Segundo Pinillos (1975, p. 153), a percepção é “[...] uma apreensão da

realidade através dos sentidos, um processo sensocognitivo em que as coisas se

manifestam como tais num ato de experiência”. Essa experiência não é, por outro

lado, um reflexo passivo da ação do estímulo nem uma captação puramente

figurativa dos objetos: perceber consiste num certo saber sobre as coisas percebidas

e suas relações.

Desta forma, a percepção não implica numa mera cópia da realidade, mas

sim, num processo construtivo, mediante a interpretação dos sentidos (NEISSER,

1976-1981). Essas concepções a respeito de percepção foram formuladas há três

décadas e mantêm semelhanças muito grandes com o conceito atual de Lent (2004).

Assim, para Lent (2004, p. 557),

[...] percepção, para os seres humanos, é a capacidade de associar as informações sensoriais à memória e à cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar o nosso comportamento.

Próximo ao conceito de percepção encontra-se o conceito de imaginação. O

clínico Jaspers (1946-1975) argumentava que entre a percepção e a representação

Page 27: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

16

existe uma série de características diferenciais, pelo menos fenomenologicamente.

Em síntese, são as seguintes:

a) a percepção tem seu referencial na realidade e tem uma qualidade

objetiva, enquanto as imagens mentais se caracterizam por sua qualidade

subjetiva;

b) as percepções surgem no espaço objetivo externo; as imagens no espaço

subjetivo interno;

c) as percepções se manifestam claramente definidas e detalhadas; as

imagens são difusas e incompletas;

d) os elementos sensoriais da percepção são vívidos e completos; os

elementos que compõem a imagem são experimentados com menos

nitidez e clareza;

e) as percepções são constantes, enquanto as imagens se dispersam;

f) as percepções são involuntárias, não podem se alterar deliberadamente e

são aceitas subjetivamente, com passividade; enquanto as imagens estão

sob baixo controle voluntário e podem modificar-se voluntariamente.

Quase 60 anos mais tarde, as concepções de Jaspers (1946-1975) ainda

mantêm seu valor atualizado, inclusive para as neurociências.

Como no processo perceptivo intervêm o juízo e a interpretação, para que os

mecanismos da percepção possam ser otimizados, é preciso selecionar, dentre os

inúmeros estímulos provenientes do ambiente, aqueles que são mais relevantes

para o observador. Para isso o sistema nervoso conta com o mecanismo da

atenção, que focaliza os canais sensoriais.

Como a percepção apresenta estreita ligação com os sentidos, pode-se, por

exemplo, falar em percepção visual. A percepção, entretanto, é o aspecto mais

apurado e sofisticado da modalidade visual. Nesse âmbito, Tuan (1980, p. 65) afirma

que a percepção visual é a abertura pela qual a criança constrói suas experiências

no mundo real:

Uma criança, de cerca de sete ou oito anos até os treze, catorze, vive a maior parte do tempo, neste mundo vívido. Ao contrário do infante que está aprendendo a andar, a criança mais velha não fica presa aos objetos mais próximos nem aos arredores; ela é capaz de conceituar o espaço em suas diferentes dimensões; gosta das sutilezas da cor e reconhece as harmonias na linha e no volume. Ela tem muito da habilidade conceitual do adulto. Pode ver a paisagem

Page 28: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

17

como um segmento da realidade “lá de fora”, artisticamente arranjado, mas também a conhece como uma força, uma presença envolvente e penetrante. Sem a carga das preocupações terrenas, sem as cadeias da aprendizagem, livre do hábito enraizado, negligente do tempo, a criança está aberta para o mundo.

Intuitivamente, todos sabem o que é a luz, porque ela faz parte da experiência

sensorial das pessoas, desde o nascimento delas. No entanto, ninguém se dá conta

facilmente de que as imagens que percebemos, por meio da luz que entra em

nossos olhos representam muito mais que uma simples estimulação física. Resultam

de um complexo conjunto de ações que envolvem várias partes do corpo e do

sistema nervoso. São, na verdade, uma construção mental que apenas começa com

a estimulação física da luz (LENT, 2004).

Leontiev (1964-2001) completa as idéias acima, ao ponderar que o

desenvolvimento traduz-se por uma modificação tanto da importância que os

sentidos têm no sistema geral da atividade como da forma das suas correlações

anatômicas com o aparelho nervoso central. A principal mudança evolutiva no

psiquismo perceptivo é o desenvolvimento e a transformação do papel dos órgãos

dos sentidos que agem à distância, em primeiro lugar, da visão.

O papel de destaque da visão na percepção do ambiente é reconhecida há

quatro décadas e tem sido corroborado pelas descobertas neuropsicológicas

recentes.

A visão também é a principal fonte de acesso à cultura. O mundo cultural

imprime em cada pessoa uma marca permanente na sua visão de mundo. A

continuidade da percepção ambiental é da mesma forma uma continuidade

sociocultural, visto que o ser humano, em sua adaptação ao real, necessita às vezes

de colocar-se como mero espectador do ambiente externo. Em tais circunstâncias

retira as qualidades específicas e enriquecedoras da natureza, reduzindo-as aos

seus aspectos perceptivos.

Essa operação mental exige uma estruturação ativa dos estímulos sensoriais

do mundo real captado pelos órgãos dos sentidos e transformados em percepções

pelo cérebro, o que, embora não implique necessariamente em redução do

imaginário ou da capacidade de elaboração simbólica, a torna secundária aos fatos

imediatos e objetivos do real.

Page 29: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

18

A partir dessa operação intencional, seleciona-se um objeto a ser percebido

no ambiente, associado à memória afetiva do indivíduo e fixa-se alguns elementos

da realidade percebida ao imaginário, buscando uma correlação adequada entre as

imagens mentais, as experiências anteriores e a atual. Esse processo é a base para

a formação do simbólico, traduzido na assimilação individual do mundo cultural.

A percepção do real é a tradução mental do ambiente captado pelo sistema

sensorial, ou seja, pelos órgãos dos sentidos. Esse processo perceptivo humano,

sob a marca permanente do padrão evolutivo, ocorre principalmente pelo canal

visual. A escolha da visão sobre os outros sentidos é biológica da mesma forma que

é cultural. De acordo com a opinião de Taborda (1993, p. 389),

A visão é, antes de mais, o olhar que prende o Mundo, o círculo do horizonte, o retalho da paisagem geográfica; e é, além de tudo, a referência a uma parte do espaço, mas um espaço onde há qualquer coisa, onde se passa qualquer coisa. Olhar é ser espectador e a percepção visual representa a função do espetáculo na existência humana. É esta apreensão dos acontecimentos que forma os sucessos. É assim que o Mundo entra em nós e que nós entramos nele. A visão representa o sentido de penetração do homem no mundo natural; a visão fornece ao Homem o seu plano.

A percepção é um fenômeno ativo, que é sempre resultado de estreita

interdependência do homem com seu mundo. Assim, o sujeito cria, por meio da

percepção, sendo que esta atividade criadora é a imaginação, que exerce uma

função mediadora entre a percepção do mundo e a espontaneidade criadora da

cognição humana.

Conclui-se que todas as atividades que tendem a desenvolver a criatividade

procuram aumentar a qualidade e a quantidade do imaginário dos sujeitos. Para

Poveda (1981, p. 88), “O imaginário é a soma de experiências, que são produto

reorganizado de experiências de percepção do real prévias, na ausência da

estimulação originária dos sentidos”.

2.3 A PERCEPÇÃO AMBIENTAL

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

(UNESCO) (1973) destaca que uma das dificuldades para a proteção dos ambientes

naturais está na existência de diferenças nas percepções dos valores e da

importância dos mesmos entre os indivíduos de culturas diferentes ou de grupos

Page 30: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

19

socioeconômicos que desempenham funções distintas, no plano social, nesses

ambientes.

Como a percepção lida principalmente com a subjetividade do olhar e do

sentir dos indivíduos e dos grupos que compartilham valores, atitudes e

preferências, é preciso elaborar estratégias sobre as realidades percebidas e os

mundos imaginados para o estudo sistemático da percepção ambiental.

Percepção ambiental, segundo Ferrara (1993, p. 24),

[...] é informação na mesma medida em que informação gera informação: usos e hábitos são signos do lugar informando que só se revela na medida em que é submetido a uma operação que expõe a lógica da sua linguagem. A essa operação dá-se o nome de percepção ambiental.

Esta percepção da natureza, na opinião de Heemann e Heemann (2003, p.

113), associa-se à percepção de valores a partir do contato íntimo com o ambiente:

As percepções originadas das vivências com a natureza despertam sentimentos estéticos e valorativos nem sempre definíveis. Da mesma forma presentes na música, na poesia, no teatro, na arte em geral, tais sentimentos também participam da formulação dos princípios éticos e da gênese das teorias científicas.

Assim, por exemplo, foram originados conceitos como os de topofilia (TUAN,

1980), citado a priori, que integra aspectos perceptivos a aspectos afetivos para com

o lugar ou ambiente físico. Nesta perspectiva, a percepção ambiental é sempre

influenciada por elementos externos a ela.

Entre os elementos capazes de influenciar a percepção, ou o contato primário

com o real, destacam-se as influências culturais e as influências pessoais, conforme

a opinião de Ballone (2002).

Exemplificando, uma criança que vive em Campo Grande pode identificar com

facilidade um grande número de diferentes marcas de carros no trânsito, enquanto

uma criança que vive no Pantanal não veria tantas diferenças entre as marcas e

modelos. Para a criança urbana, a realidade, no que diz respeito à variedade de

marcas de carros, é bastante ampla, mais ampla que para seu colega da fazenda,

que muitas vezes nem as percebe.

Por outro lado, uma criança da cidade ficaria maravilhada diante da facilidade

com que seus colegas pantaneiros reconhecem diferentes modelos de ninhos de

aves, seus diferentes cantos, bem como com sua capacidade para distinguir as

Page 31: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

20

menores variações nos tipos de árvores. A realidade de uma criança está plena de

modelos de carros e a da outra, rica na diversidade natural.

Essas comparações antropológicas da percepção entre diferentes culturas

fazem supor que as diferenças perceptuais nas propriedades dos objetos podem ser

decorrentes dos diferentes valores culturais, dos diferentes níveis de aprendizagem

e das diferentes experiências passadas com esses objetos. Essas diferenças podem

ser interpretadas, também, como reflexos dos valores culturais dos povos.

A qualidade e intensidade das percepções muitas vezes refletem fatores pessoais de quem percebe, tais como suas necessidades, emoções, atitudes e valores. Isso quer dizer que nós percebemos de acordo com aquilo que somos (personalidade) e de acordo com o jeito que estamos (situação emocional atual) (BALLONE, 2002, p. 37).

Para ilustrar a argumentação de Ballone (2002), transpondo-a para a

percepção ambiental da região do Pantanal sul-mato-grossense, recorreu-se ao

poema “O personagem” de Barros (1985, p. 69 e 70):

Beleza e glória das coisas o olho é que põe. Bonito é desnecessário. É pelo olho que o homem floresce. [...] Leitura não tive quase. Não tenho apetrechos de idioma. Palavras não têm lado de amontar comigo, entretanto [...].

Valorizando a percepção visual do pantaneiro, o mesmo autor descreve esta

forma particular da relação homem/natureza, no poema “Cenários”:

Certo é que o pantaneiro vence o seu estar isolado, e o seu pequeno mundo de conhecimentos, e o seu pouco vocabulário, recorrendo às imagens e brincadeiras. [...] Sente-se pois então que árvores, bichos e pessoas têm natureza assumida igual. O homem no longe, alongado quase, e suas referências vegetais, animais. Todos se fundem na mesma natureza intacta. Sem as químicas do civilizado (BARROS, 1985, p. 36).

Entretanto, Nogueira (2002, p. 15) colheu um depoimento de um fazendeiro

do Pantanal do Aquidauana que retrata, de modo empírico, as mudanças da

realidade por ele percebida:

[...] Me acostumei desde pequeno a cruzar com cervos, capivaras, pássaros, aquilo tão manso, tão bisonho, tão sem medo da gente, parece que fazendo pose para tirar fotografia. E, hoje, tão assustados, tão ariscos, se escondendo da gente.

O estudo da percepção ambiental e da cultura, especialmente do Pantanal, é

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21

um campo ainda incipiente e aberto a contribuições de diversas áreas do

conhecimento.

2.3.1 Contribuições de Piaget e Vigotsky

A teoria cognitiva de Piaget tem sido a mais utilizada pelos estudiosos da

percepção ambiental para explicar a relação entre o conhecimento e o ambiente.

Ultimamente, o construtivismo piagetiano vem se associando, especialmente, à

teoria sociocognitiva de Vigotsky, devido à ênfase no sociocultural.

Piaget, na década de 1930, investigou as noções temporais e espaciais

dentro do marco da evolução motora geral da criança. Sua concepção sobre a

evolução genética estabelece que durante a infância ocorre um processo de

desenvolvimento cognitivo vinculado à idade cronológica, sendo conhecida como

construtivismo. Há quatro fatores responsáveis pela velocidade e duração do

desenvolvimento cognitivo:

a) a herança, a maturação interna, associada à aprendizagem, pela

experiência;

b) a experiência física, a ação dos objetos. A lógica da criança não se extrai

da experiência a partir de objetos: provém das ações exercidas sobre os

objetos;

c) a transmissão social como fator educativo que se produz pela assimilação.

Esta assimilação é condicionada pelas leis do desenvolvimento

parcialmente espontâneo;

d) a equilibração dada por noções, descobertas e conceitos novos. O

equilíbrio estabelece uma relação entre os três fatores anteriormente

citados no jogo de regulações e composições para chegar à coerência.

Piaget assinala que utiliza o termo equilibração não no sentido estático,

mas como equilíbrio progressivo.

Os estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget são universais, sendo

que a cultura pode variar o conteúdo, mas não sua estrutura cognitiva. A sucessão

desses estágios segue uma seqüência invariante de transformações e a cultura não

muda a seqüência.

A teoria piagetiana chama a atenção para os aspectos em comum da

Page 33: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

22

cognição em diferentes domínios, em determinada idade, e para a criança como um

construtor ativo da sua própria experiência. Ela fornece um guia explanatório valioso

de como as crianças de diferentes idades podem construir diferentes significados

sobre o mesmo evento.

O último estágio do desenvolvimento de Piaget é o operatório formal, que

surge aos 11 anos e prossegue até a idade adulta. O pensamento do adolescente

não é estruturado pelo percebido ou pelo conceito do objeto real e faz uso do

raciocínio hipotético-dedutivo. Para ele, as operações formais constituem o ápice do

desenvolvimento cognitivo, dado que formam a base do pensamento lógico e,

portanto, abstrato.

Piaget e Inhelder (1967) apontam que as relações topológicas são formadas

primeiramente com base na intuição, enquanto as projetivas euclidianas são

estabelecidas em decorrência das topológicas e com base na aprendizagem. Para

esses autores, as representações formam um sistema de significações. Entretanto, a

questão da percepção do mundo compõe o início de todo processo cognitivo,

especialmente a percepção visual, que se faz em várias escalas, desde a planetária,

até a pessoal, incluindo a regional e a local.

A explicação piagetiana do desenvolvimento intelectual do espaço afirma

serem as relações espaciais topológicas as primeiras a serem estabelecidas pela

criança, tanto no plano perceptivo como no representativo.

O construtivismo piagetiano tem como premissa fundamental a idéia de que o

indivíduo é agente de seu próprio conhecimento, isto é, ele constrói significados e

define o seu próprio sentido e representação da realidade, de acordo com suas

experiências e vivências em diferentes contextos. Essas representações, no entanto,

estão constantemente abertas a mudanças e suas estruturas formam as bases

sobre as quais novos conhecimentos são construídos (NOVAK, 1998).

Pino (2001, p. 23) associa o conhecer à teoria de Piaget:

Do ponto de vista do “sentido comum”, conhecer é simplesmente incorporar as propriedades dos objetos, diretamente acessíveis à percepção sensível, reconstituídas indiretamente numa espécie de cópia fiel do real que é a “imagem” mental. Conhecer o real é percebê-lo tal como se apresenta à experiência sensível. Ora, como já lembrara Piaget (1966), incorporar as propriedades dos objetos é insuficiente para definir o conhecer humano, pois o “objeto” nada mais é do que um “instantâneo” fugaz no sistema de transformações que constitui o real. Conhecer implica captar essas transformações, o que, segundo ele, só é possível por meio da sua reconstrução

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23

mental. Ora, isso implica já a função semiótica, como ele mesmo afirma, ou seja, a presença do elemento mediador.

Esse enfoque distancia-se da idéia de que o conhecimento acumulado possa

ser compreendido e compartilhado por meio de mera transmissão de informações e

de uma visão linear e simplificada dos fenômenos envolvidos, como se suas

manifestações fossem imperiosamente as mesmas, independentes do contexto, ou

seja, das condições em que ocorrem.

Piaget (1967) afirma que a noção de espaço e sua representação não

derivam simplesmente da percepção: é o sujeito, mediante a inteligência, que atribui

significados aos objetos percebidos, enriquecendo e desenvolvendo a atividade

perceptiva. Em síntese, em todos os níveis de desenvolvimento as informações

fornecidas pela percepção, e também pela imagem mental, servem de material bruto

para a ação ou para a operação mental. Por sua vez, estas atividades mentais

exercem influência direta ou indireta sobre a percepção, enriquecendo-a e

orientando o seu funcionamento à medida que se processa o desenvolvimento

mental.

Diferentemente de Piaget, que buscou universais na cognição, Vigotsky

(1984) afirma que o desenvolvimento cognitivo é particular ao meio sociocultural

onde se processa. Isto contrasta com a ênfase de Piaget sobre processos

biológicos, auto-reguladores. Para Piaget (1973), o desenvolvimento precede a

aprendizagem, ao passo que Vigotsky acredita no seu oposto.

Para Vigotsky (1984), a cognição é mediada pela cultura. Assim, o

pensamento e a linguagem surgem independentes um do outro. O autor, mediante

um enfoque social, rechaça o conceito de desenvolvimento linear da criança e

incorpora o conceito de formas inter-relacionadas. Essas são a história da cultura e a

história dos indivíduos.

Pino (2001, p. 37-38) compara os modelos explicativos do conhecimento de

Piaget e Vigotsky:

Não se pode dizer que os trabalhos de Vigotsky, assim como os dos outros autores que integram a corrente histórico-cultural de psicologia, aportem um modelo explicativo do conhecimento equiparável ao modelo piagetiano. Contrariamente a Piaget, cuja história científica está centrada na elaboração e experimentação de um modelo que desse conta da continuidade entre processos biológicos e processos mentais, Vigotsky não parece ter estado preocupado com a elaboração de modelos, muito menos no campo

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24

epistemológico. Entretanto, ele nos deixou alguns pressupostos fundados no materialismo histórico e dialético que [...] caracteriza-se por ser social, instrumental e transformadora do real.

De acordo com a abordagem sociocultural, o desenvolvimento não é

simplesmente uma lenta acumulação de alterações unitárias, mas sim um processo

dialético complexo, caracterizado pela periodicidade, a irregularidade e o

desenvolvimento de distintas funções, a metamorfose ou transformação qualitativa

de uma forma em outra, a inter-relação de fatores internos e externos e certos

processos adaptativos.

Dentro desta concepção estabelece a unidade entre a linguagem e a

inteligência prática da criança como duas linhas convergentes do desenvolvimento

humano. Por fim, expressa que as “zonas de desenvolvimento proximal” permitem

esclarecer a distância do nível real do desenvolvimento e o nível de desenvolvimento

potencial, determinado por meio da resolução de um problema, sob a direção de um

adulto, ou em colaboração com outro companheiro mais capaz.

Para Vigotsky (1984), a “zona de desenvolvimento proximal” define as

funções imaturas, que estão em processo maturativo e uniões que a maturidade

próxima vai alcançar, e que neste momento encontram-se em desenvolvimento

embrionário. A zona de desenvolvimento proximal é determinada, de um lado, pelo

que a criança já conhece e, de outro, pelos instrumentos disponíveis na cultura.

Partindo de uma síntese das concepções de Piaget e Vigotsky, Ausubel,

Novak e Hanesian (1978) elaboram a teoria da Aprendizagem Significativa. Segundo

os autores, a aprendizagem significativa só é possível quando o aluno relaciona

conscientemente a nova informação a algum aspecto relevante de sua estrutura de

conhecimento, ou seja, a aprendizagem é construída com base no conhecimento

prévio do aluno num processo de hierarquização, diferenciação progressiva e

reconciliação integradora.

2.3.2 O Real, o Imaginário e o Simbólico

Ao lado das concepções teóricas, a percepção ambiental pode ser estudada

com base na concepção dos três registros fundamentais, relacionados ao real, ao

imaginário e ao simbólico.

Assim, a percepção ambiental do real é de fundamental importância para que

Page 36: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

25

se possa compreender melhor as inter-relações entre o homem e o ambiente,

mediadas pelo filtro da subjetividade e da cultura, suas expectativas, seu imaginário,

desejos e comportamentos na criação do simbólico.

O imaginário constitui-se de memórias e associações subjetivas do

pensamento e constitui a base para as operações mentais complexas que resultam

na capacidade humana original, que é o simbólico. A cultura se constitui tanto de

elementos não-verbais como as imagens quanto de elementos verbais,

representados pela linguagem falada e escrita. O simbólico é uma parte com poder

de representar a totalidade e que substitui o real, constituído pelo ambiente.

Para Leff (2002, p. 281) o saber ambiental

[…] constitui-se dentro do processo de significação que leva a marca da língua e da história; o que leva a reconhecer o relativismo cultural como uma condição ineludível dos processos de cognição e simbolização que estruturam as representações míticas e os sistemas de classificação, assim como o reconhecimento e designação dos elementos úteis ou recursos da natureza. [...] O saber aparece pois como ponto de condensação entre o simbólico, o imaginário e o real, lugar de encontro entre significações e ações, espaço onde conflui a coevolução da biologia e da cultura e onde se geram novas utopias e projetos históricos que reintegram a ordem social dentro da natureza.

A cultura, como sistema simbólico, é produto da história dos homens e,

portanto, a identidade cultural pode ser entendida como uma construção social

mediada pelo simbólico. A rigor, seria mais correto pensar a identidade pessoal na

sua interação com outras identidades, como partes integrantes do todo representado

pela identidade cultural.

Na concepção de Geertz (1989), o conceito de cultura é essencialmente

semiótico, ou seja, é um padrão de significados, transmitido historicamente,

incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas e expressas em

formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e

desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.

Com essa concepção de cultura o autor valoriza, principalmente o aspecto

histórico e o valor simbólico da cultura, componentes importantes para a consecução

deste trabalho, uma vez que o histórico está ligado às tradições herdadas e

transmitidas às gerações seguintes. O simbólico associa-se, tanto ao imaginário

quanto aos suportes físicos que permitem a transmissão dessas tradições, que

constituem a essência da cultura.

Page 37: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

26

2.4 OS MAPAS MENTAIS

Após essas incursões rápidas sobre noções de ambiente, percepção,

percepção ambiental, passando pela natureza do real, do imaginário e do simbólico,

finalmente, aborda-se a questão dos mapas mentais. Esses mapas são

representações simbolizadas da realidade, no sentido mais amplo possível, indo

além do sentido normativo da ciência cartográfica (SEEMAN, 2003).

No mundo contemporâneo, é cada vez maior o entendimento da importância

dos sentidos e da afetividade, tanto para o desenvolvimento científico e a

compreensão do homem, quanto para o próprio viver-no-mundo. Dessa forma, o

sensível e a afetividade participam da construção desses símbolos (FERREIRA;

MARANDOLA JR., 2003).

O mapa sempre foi um instrumento utilizado pelos seres humanos para

comunicação. Ele é usado pelo cientista e pelo leigo, tanto em atividades

profissionais como socioculturais, sob uma abordagem mentalista ou materialista. É

empregado como instrumento científico pelo geógrafo, pelo psicólogo, pelo

antropólogo e pelo arquiteto, dentre outros. Todos, de uma forma ou de outra, nesse

ou naquele momento, com maior ou menor freqüência e com as mais variadas

finalidades, recorrem ao mapa para se expressarem espacialmente.

O mapa é um instrumento de orientação, de localização, de informação e de

expressão, que sempre ocupou um lugar de destaque nos estudos geográficos sob

a forma de linguagem gráfica. Mapas ajudam os seres humanos a registrar a

apreensão mental dos ambientes que se estendem além da paisagem.

O uso do mapa é um recurso auxiliar de expressão gráfica da percepção do

ambiente, a partir de informações geradas pelos processos cognitivos, que são

fundamentais para o processamento perceptivo. Daí derivam os termos como mapas

mentais, mapas cognitivos e mapas conceituais.

Nessa linha, os mapas mentais são uma aplicação prática das sínteses das

propostas do construtivismo de Piaget, do sociocognitivismo de Vigotsky e da

aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e Hanesian que implicam uma relação

de nova informação com os conhecimentos organizados que a criança, neste caso,

deve possuir (ONTORIA PENÃ; LUQUE; GÓMEZ, 2004).

Para isto, deve-se considerar, também, as peculiaridades das crianças que se

Page 38: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

27

diferenciam, desde a dimensão geográfica até a psicológica, que expressa um

estado íntimo de ser, ou de agir, justificando suas atitudes e condutas.

A introdução dos mapas mentais em sala de aula compreende dois momentos

que se referem à interação e à participação grupal. De acordo com Ontoria Penã,

Luque e Gómez (2004, p. 107), “[…] inicia-se com a explicação dos elementos

básicos do mapa mental, em busca de uma compreensão do significado do mapa

mental”. Essa participação inicial contribui para facilitar a comunicação no grupo,

para estimular o intercâmbio de conceitos e, ao mesmo tempo, serve para esclarecer

a compreensão do mapa e de sua representação gráfica aos membros do grupo.

Cada indivíduo percebe de forma diferente o ambiente, conseqüentemente

suas respostas ou manifestações são o resultado das percepções, dos processos

cognitivos, julgamentos e expectativas individuais. Embora nem todas as

manifestações psicológicas sejam evidentes, são constantes e afetam nossa

conduta. Sob esse ponto de vista, há o ressurgimento da escala do homem,

trazendo consigo o resgate do subjetivismo. Os mapas mentais indicam o poder

criativo da imaginação humana e podem contribuir para uma discussão mais ampla

no campo da percepção ambiental.

Neste estudo, o termo “mapas mentais” é utilizado no sentido de mapas como

representações simbolizadas da realidade, como meio de comunicação e

“percepção ambiental” e é entendida como uma tomada de consciência do ambiente

pelo homem, propiciada pela educação ambiental, ou seja, percepção ambiental,

que, de acordo com Ferrara (1993), é informação, pode fornecer subsídios

cognitivos para a construção destes mapas.

Supõe-se que os mapas descrevam visualmente as correlações entre as

idéias de uma pessoa a respeito de um determinado conhecimento ambiental,

representando, assim, sua estrutura cognitiva. A preocupação em desenvolver uma

forma de representação das mudanças ocorridas na estrutura cognitiva dos alunos

levou Novak e Gowin (1984), após vários anos de estudos, baseados nas teorias de

Piaget e de Ausubel, Novak e Hanesian ao modelo de mapas mentais, em que se

enfatizam o mapeamento de conceitos, que podem ser utilizados como estratégia

pedagógica.

Em educação, inclusive em educação ambiental, a finalidade é potencializar

cada criança com relação a sua própria realidade, suas experiências, seu

Page 39: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

28

desenvolvimento adquirido, com capacidades e habilidades, formas de expressão

verbal e não-verbal. Em síntese, potencializar sua auto-identidade.

Essa potencialização das experiências infantis por meio da educação

ambiental depende da forma como elas percebem seu ambiente, ou seja, depende

de seu estágio de desenvolvimento cognitivo mediado pela cultura. Por meio da

análise de mapas mentais, questionários e “narrativas de vida”, a percepção

ambiental pode ser revelada, bem como, sua relação com os símbolos de sua

cultura, de suas experiências, contidos nas imagens, na linguagem escrita e oral,

que compõem seu conhecimento prévio do mundo.

Page 40: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A abordagem metodológica que fundamenta este trabalho é a pesquisa

qualitativa, tendo em vista que se pretende analisar os mapas mentais (ONTORIA

PENÃ; LUQUE; GÓMEZ, 2004), questionários e “narrativas de vida” de 18 crianças

que estudam em duas escolas pantaneiras, no município de Aquidauana, Mato

Grosso do Sul.

O mapa mental tem um caráter instrumental de síntese de conhecimentos,

empregando um método em que os conceitos trabalhados são imagens e palavras.

Esse instrumento sintetiza a concepção de três teorias da perspectiva cognitiva da

aprendizagem: Piaget (1973), Vigotsky (1984) e Ausubel, Novak e Hanesian (1978).

De acordo com Ontoria Penã, Luque e Gómez (2004), há leis em relação à

técnica de elaboração de mapas mentais, predominantemente gráfico-simbólico,

aplicada em sala de aula. Na avaliação e análise dos mapas incluiu-se a

organização e estruturação das idéias, a compreensão do núcleo temático e o

envolvimento pessoal das crianças.

O construtivismo piagetiano e o sociocognitivismo de Vigotsky foram os

referenciais teóricos utilizados na análise dos questionários e das narrativas de vida.

Partindo do pressuposto de que as crianças de 11 a 16 anos, encontram-se, de

acordo com a teoria de Piaget, no estágio de operações formais, buscaram-se

elementos que confirmassem ou afastassem essa hipótese sobre seu

desenvolvimento cognitivo. Posteriormente, associou-se o conceito de zona proximal

de desenvolvimento aos questionários e narrativas, com apoio na teoria de Vigotsky.

A análise da percepção ambiental das crianças pantaneiras embasou-se no

material coletado in loco, por meio de pesquisa realizada em quatro etapas

principais, utilizando-se de instrumentos diversificados na coleta de dados, para

constituição do corpus da pesquisa e garantia da abrangência do estudo.

Os procedimentos metodológicos para seleção das escolas e dos informantes

estão descritos neste capítulo, bem como a apresentação das etapas do

levantamento, dos critérios de escolha dos alunos colaboradores, da formação do

Page 41: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

30

corpus, da descrição da localidade e sua contextualização geo-histórico-cultural:

Pantanal sul-mato-grossense, com ênfase no Pantanal do Taboco.

A seguir, serão arrolados os instrumentos e os critérios utilizados durante as

investigações.

3.1 OS LEVANTAMENTOS A CAMPO

Os levantamentos a campo realizaram-se em quatro etapas principais:

a) contato com os responsáveis pelo Projeto Escolas Pantaneiras, na

Secretaria de Educação e Cultura do município de Aquidauana-MS, para

obter informações mais detalhadas sobre o Projeto e as Escolas, e marcar

a data de uma primeira visita às escolas selecionadas;

b) nova visita à Secretaria de Educação e Cultura de Aquidauana. Foi quando

se sugeriu que as propostas do trabalho fossem enviadas às professoras

das escolas selecionadas, para que elas as trabalhassem com os alunos.

Embora não muito a vontade, cedeu-se à tentação, mas os resultados

foram desastrosos. Teve-se a impressão de que as professoras fizeram os

desenhos na lousa para os alunos copiarem, tal era a recorrência do

modelo, evidenciada nos mapas. Com relação ao questionário ocorreu, ao

que tudo indica, o mesmo procedimento. A experiência serviu para uma

testagem desse instrumento, assim mesmo, sem muita credibilidade

quanto aos resultados. Esses fatos ocorreram em novembro de 2003;

c) retorno à Secretaria de Educação e Cultura, já com os contatos feitos com

a Coordenadora do Projeto, que acompanhou o pesquisador até as

mesmas, onde as atividades foram realizadas, com a orientação do

pesquisador, que, após se apresentar, procurou conversar com os alunos,

descontraí-los e só então propor a atividade e explicá-la, dando uma

assistência personalizada a cada um dos alunos, enquanto produziam seus

mapas mentais e, depois, enquanto respondiam o questionário, tendo o

cuidado de não inferir em nenhuma resposta. Essa fase da pesquisa foi

realizada em 23 de março de 2005;

d) retorno às duas escolas, após a interpretação dos mapas mentais e do

questionário, para tirar algumas dúvidas e coletar narrativas de vida dos

Page 42: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

31

alunos que participaram da pesquisa, para, após confrontá-los, realizar o

fechamento dos resultados. Essa atividade foi feita entre os dias 14 e 17 de

abril de 2005.

3.1.1 Instrumentos Usados nos Levantamentos a Campo

Para a coleta dos dados que formaram o corpus do trabalho foram solicitadas

as atividades que se seguem:

a) produção de dois desenhos temáticos feitos pelos alunos, tendo como

ponto de partida dois temas propostos pelo pesquisador, versando sobre:

“do que gosto” e “do que não gosto” em relação ao Pantanal, cujos

desenhos constituíram os mapas mentais;

b) aplicação de um questionário complementar (APÊNDICE A), contendo 11

questões, que forneceram dados referentes às concepções dos alunos

sobre a natureza e o ambiente, as fontes de informação sobre esses

assuntos, conhecimento sobre cultura local, sua rotina diária, papel da

escola como fonte irradiadora de conhecimentos sobre a cultura local. E,

ainda, desejos, opiniões e interação com o mundo em que vivem. O

questionário teve como objetivo complementar as informações encontradas

nos mapas mentais produzidos, e foi examinado por um comitê, composto

por cinco especialistas da área ambiental, que sugeriram algumas

modificações na sua estrutura;

c) a última estratégia usada foi a que se chamou de narrativas de vida, ou

seja, entrevistas realizadas com as crianças colaboradoras pelo

pesquisador, tratando sobre suas atividades no Pantanal, desde pequenas,

salientando as relações de aprendizagem com a família, com a escola, com

a mídia, e, ainda, considerando o que desejam ser e fazer no futuro

(APÊNDICE B).

O instrumento principal usado para avaliação do conhecimento estrutural das

crianças foi o mapa mental, que é a forma mais trabalhada na literatura para

mensurar tal conhecimento (NOVAK; GOWIN, 1984; JONASSEN; BEISSNER;

YACCI, 1993). Cada criança colaboradora, em cada uma das duas escolas rurais

pantaneiras elaborou dois desenhos, sobre temática sugerida, representando a

Page 43: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

32

estrutura conceitual e suas inter-relações com as experiências cotidianas

socializadas (APÊNDICE C).

3.2 SELEÇÃO DAS ESCOLAS

Optou-se por realizar as atividades descritas anteriormente em duas escolas

rurais pantaneiras do município de Aquidauana, integrantes do Projeto Escolas

Pantaneiras, por dois motivos fundamentais, quais sejam:

a) atração pelo Projeto em questão;

b) maior facilidade de acesso, por se localizarem em região não muito

distante da cidade de Aquidauana e por se situarem em locais mais altos,

que estão menos sujeitos às enchentes periódicas, que poderiam dificultar

o trabalho.

A princípio foram escolhidos o Núcleo Escolar “Joaquim Alves Ribeiro”,

localizado na fazenda Taboco e o Núcleo Escolar Santana, na fazenda com o

mesmo nome. Entretanto, no dia marcado para a viagem às escolas, a

coordenadora indicou o Núcleo Escolar Figueira, localizado na fazenda Figueira;

uma escola bem menor do que as outras duas. Desconhece-se o motivo por que foi

descartada a escola da fazenda Santana. O Núcleo Escolar Figueira foi iniciado em

2004, tratando-se da última escola a ser integrada ao Projeto Escolas Pantaneiras,

por isso fez-se questão de separar os mapas e os questionários de cada uma das

escolas, para posterior análise e comparação.

A escola Taboco localiza-se no Pantanal do Taboco, incluído para muitos, no

Pantanal do Rio Negro, ambos no município de Aquidauana. A escola Figueira

localiza-se no entorno do Pantanal, em local mais próximo à Serra de Aquidauana,

mas que possui características parecidas com as do Pantanal, dada sua

proximidade a essa região e a situação de mobilidade dos habitantes.

3.3 OS INFORMANTES

Constituíram o universo de informantes 18 alunos das duas escolas, sendo

cinco, do Núcleo Escolar Figueira e 13, do Núcleo Escolar “Joaquim Alves Ribeiro”.

Page 44: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

33

Os informantes se encaixam na faixa etária que vai dos 11 aos 14 anos.

Excepcionalmente participaram três alunos de 15 anos e uma aluna de 16 anos, que

não apresentaram desempenho diferente dos demais. Foi feita uma tentativa, por

parte do pesquisador, de incluir duas crianças de 10 anos de idade, entretanto,

ambas não conseguiram atingir os objetivos propostos. Participaram crianças de

ambos os sexos, sendo que predominaram as do sexo masculino, que somaram 12

participantes.

Os alunos do Núcleo Escolar Figueira moram com suas famílias em casas

construídas a poucos metros da sala de aula, na chamada vila ou ranchada dos

peões, na fazenda Figueira, onde seus pais trabalham. Já no Núcleo Escolar

“Joaquim Alves Ribeiro”, na fazenda Taboco, os alunos moram nos alojamentos

anexos à escola, que funcionam em regime de internato e de semi-internato Os

alunos matriculados no regime de semi-internato não fizeram parte desta pesquisa.

Muitas das crianças estão em séries não condizentes com a idade padrão de

escolarização, visto que foram encontradas quatro, com 12 anos, na 3ª série do

ensino fundamental. Os seis alunos que cursam a 4ª série têm, no mínimo, 12 anos;

os três da 6ª série têm, no mínimo, 13 anos. Somente dois dos 18 participantes

apresentam idade que condiz com a seriação escolar esperada, sendo um menino

de 11 anos, na 5ª série e uma menina de 13, na 7ª série.

Neste trabalho foi usado o termo “crianças pantaneiras” como uma forma

generalizada de denominar os participantes, que vivem em contato com o ambiente

Pantanal há três anos em média sendo influenciados pela cultura regional, que têm

entre 11 e 16 anos, e, conseqüentemente, encontram-se no estágio de operações

formais, de acordo com a teoria construtivista piagetiana. O uso dos termos pré-

púberes pantaneiros e adolescentes pantaneiros criaria uma confusão conceitual,

que se pretende evitar com a padronização do uso do termo crianças pantaneiras ou

crianças colaboradoras, que apresentam portanto melhores condições de expressar

o que pensam e sentem sobre este ambiente do que outras crianças.

3.4 O CORPUS

O corpus do trabalho foi constituído com o auxílio dos desenhos (mapas

mentais), complementados com as respostas dadas às questões do questionário, e,

Page 45: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

34

posteriormente com as narrativas de vida, que permitiram a confrontação dos dados

para maior segurança sobre a percepção ambiental das crianças.

Foi esse corpus que forneceu o dados que permitiram a formulação dos

resultados.

3.5 A LOCALIDADE: CONTEXTUALIZAÇÃO GEO-HISTÓRICO-

CULTURAL DO PANTANAL SUL-MATO-GROSSENSE

O Pantanal é conhecido como uma das maiores reservas ecológicas do

mundo, veiculado na mídia como um santuário ecológico, uma espécie de paraíso

terrestre, onde plantas, animais e gado convivem em perfeita harmonia. Esse é o

Pantanal idealizado pelo imaginário popular, uma espécie de ficção poética, que

caminha paralelamente ao Pantanal do mundo racional, que se descreverá a seguir.

Do ponto de vista geográfico, o Pantanal de Mato Grosso do Sul localiza-se

no centro da América Latina, sendo que sua área maior situa-se nas terras baixas,

ou seja, na planície alagável, denominada, pelos exploradores espanhóis, de lagoa

ou mar de Xarayes.

As estimativas sobre a área do Pantanal, em terras brasileiras, diferem muito.

Alguns pesquisadores avaliam que sua área chegue a 240.000 km2 de superfície,

em terras de Mato Grosso do Sul, sendo mais extensa a área pertencente a este

Estado. Ocupa alguns quilômetros da República do Paraguai e da Bolívia, países

latino-americanos limítrofes e adentra-se por terras de Mato Grosso. O Pantanal se

estende por duas áreas diferentes, que configuram os chamados Alto Paraguai e

Baixo Paraguai.

As terras baixas, que formam a verdadeira planície pantaneira,

periodicamente inundadas, na época das cheias do Rio Paraguai, compreendem a

totalidade da área dos municípios de Corumbá e Ladário, esparramando-se pelo

oeste do município de Porto Murtinho, norte e oeste de Aquidauana e norte de

Miranda, ocupando, ainda, extensões menores a oeste dos municípios de Rio Verde

de Mato Grosso, Coxim, Pedro Gomes, espalhando-se, em Mato Grosso do Sul,

entre os paralelos 17º e 22º sul e meridianos 55º e 58º oeste de Greenwich.

No Pantanal, o clima é tropical e úmido. A temperatura média anual varia de

23° a 24°C, chegando a atingir, no verão, as máximas absolutas de 40° e 42°C,

Page 46: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

35

podendo subir até mais. Segundo os pantaneiros, no Pantanal, há apenas duas

estações do ano, que se alternam: a estação do estio e a das cheias.

No Pantanal encontram-se as melhores pastagens naturais do Estado, o que

favorece a criação extensiva de gado de corte, sendo a atividade da pecuária a base

econômica da região sul-mato-grossense, que possui um rebanho de mais ou menos

10 milhões de cabeças de gado, a maioria exportada para outros locais do país, em

caminhões boiadeiros ou pelas estradas de chão.

As atividades agrícolas, que antes eram praticadas apenas para a

subsistência, vêm ocupando espaços maiores, mudando a paisagem pantaneira, em

alguns pontos. Na área da indústria, aparece o cimento, fabricado em Corumbá,

extraído das jazidas de calcário.

A ação antrópica, em escala inter-planetária, vem causando transformações

no sistema Pantanal, sendo que atualmente já não se tem a periodicidade constante

dos ciclos das águas e do estio.

A extensão de terras pantaneiras, composta pelos dois conjuntos Alto e Baixo

Pantanal é formada por vários pantanais, constituídos pela complexa rede

hidrográfica, constituída pelo rio Paraguai e seus afluentes, a cujos caprichos se

submetem a fauna, a flora e o próprio homem da região (NOGUEIRA, 1990).

Devido à heterogeneidade do solo, da fauna, da flora e dos próprios hábitos

culturais e lingüísticos, foram surgindo denominações diversas para caracterizar as

localidades. São várias as tentativas de redivisão dos conjuntos morfogeográficos.

Entretanto, o senso comum reconhece os pantanais de Nhecolândia, do Paiaguás,

do Rio Negro (ou Taboco), do Abobral, do Miranda, do Aquidauana, do Nabileque. E,

ainda, do Jocadigo, do Tereré, a maioria deles levando em conta o papel exercido

pelos rios que transbordam na época das enchentes.

Quanto ao aspecto histórico, a ocupação das terras onde se estende o

Pantanal de Mato Grosso do Sul aconteceu de acordo com os padrões adotados

pelo colonizador europeu, que, ao tomar posse da terra, providenciou a

marginalização do nativo, subjugado a sua vontade, que se tornava lei.

Foi o que aconteceu com a região situada a sudoeste do estado de Mato

Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, que apresenta características próprias,

importantes para a fixação das peculiaridades regionais que se foram consolidando

e modificando com o passar do tempo.

Page 47: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

36

Dentre essas particularidades merecem destaque a dificuldade de acesso à

metrópole, o que sedimentou o isolamento, em decorrência da falta de meios de

transportes. Essa situação só foi aliviada com a implantação das linhas de

navegação fluvial e marítima, que ligavam, periodicamente, Corumbá, dentro do

país, com o Rio de Janeiro, Pará e Cuiabá, e, fora do país, com Assunção, Buenos

Aires e Montevideo.

Essas dificuldades de acesso não assustavam os exploradores espanhóis,

que entravam no país pelo oeste do Estado. Esse acesso facilita até hoje, os fluxos

de imigrações paraguaia e boliviana.

Antes da chegada dos conquistadores, o Pantanal de Mato Grosso do Sul era

habitado por inúmeros grupos indígenas, que dificultaram a conquista do território

pantaneiro e oferecem à história local um traço singular: “o domínio índio durante

mais de dois séculos sobre um significativo trecho do território já conquistado pelos

europeus” (COSTA, 1999, p. 33).

Após sucessivas invasões, o povoamento das terras pantaneiras efetivada

por meio de ciclos, como o da invasão espanhola, o das bandeiras paulistas, o da

expansão pastoril e, finalmente, o da reconstrução fundiária (VALVERDE, 1972).

Entretanto, o povoamento definitivo da região só se iniciou no século XVII,

quando se intensificou o interesse das pessoas em fixar-se na região. As minas de

ouro de Cuiabá encontravam-se em decadência, a vida tornara-se difícil e

portugueses e paulistas migraram para as terras do Pantanal, atraídos pelos campos

nativos, propícios à criação de gado.

Em decorrência disso, instalaram os primeiros latifúndios, ajudados pelo

então Governador da Capitania, Luís Albuquerque de Melo e Silva, que providenciou

a fundação de fortes militares, distribuiu sesmarias para quem prometesse defendê-

las, instituiu a política de ocupação do solo. Nasceram as primeiras povoações,

como Corumbá e Miranda e os estrangeiros passaram a invadir a região.

Preocupadas com a invasão e a expansão do capital estrangeiro, as

autoridades brasileiras, em 1914, deram inicio à construção da Estrada de Ferro

Noroeste do Brasil, que contribuiu para a formação de pequenos povoados ao longo

dos trilhos.

Desde muitos tempos atrás, as fazendas foram sendo divididas e redivididas

entre os herdeiros, filhos dos fazendeiros, que foram se casando e formando novos

Page 48: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

37

núcleos familiares, o que, de certa forma, empobreceu muitos criadores de gado.

Embora a atividade da pecuária tenha prosperado, tornando-se a mais relevante do

Pantanal, a ponto de nortear os hábitos socioculturais da região por muitos anos,

hoje, o ecoturismo é uma nova atividade que vem substituindo ou complementando

a pecuária.

Dentro de uma perspectiva sociocultural é preciso reconhecer que, como a

pecuária preside a economia local, influencia de maneira decisiva os hábitos

culturais, o modo de vida da região.

Atualmente, as relações entre fazendeiro (patrão) e peão mudaram muito. Em

muitas fazendas, os peões não conhecem o patrão, visto que só recebem ordens do

capataz de campo.

O lazer e as festas são raros nos pantanais. Das grandes festas, restaram

quase que exclusivamente a festa de São Sebastião. O lazer consiste em visitas a

algum compadre que mora num sitio próximo, ou uma partida de futebol, disputada

entre os peões. De resto, os programas de TV, nas localidades onde já chegaram as

antenas parabólicas; reflexos vivos de uma cultura que, paulatinamente, vai se

homogeneizando, mesmo a despeito da grande diversidade étnico-cultural

(NOGUEIRA, 2002).

Mas não só de vaqueiros vive o Pantanal. Para Silva (1995, p. 1):

[...] além das grandes fazendas de gado e das atividades indígenas, existem no Pantanal pequenas comunidades que desenvolvem formas alternativas de sobrevivência e forma de manejo do ambiente que lhes propiciam autonomia com relação ao sistema capitalista.

Esse é o caso dos ribeirinhos, uma população que habita as proximidades

dos rios e se ocupam da pesca e de uma agricultura de sobrevivência.

A instalação de atividades relacionadas ao ecoturismo abriu frentes reduzidas

de emprego, ocupando, muitas vezes, mão-de-obra da própria fazenda para

servirem como guias turísticos nas trilhas, nas cavalgadas, nos passeios pelos rios.

Excetuando-se o fazendeiro, que detém o poder econômico, a população

rarefeita do Pantanal é extremamente pobre e isto se reflete claramente nos hábitos

culturais, na moradia, na vestimenta (NOGUEIRA, 1990).

Os alunos das escolas do projeto Escolas Pantaneiras, o alvo desta pesquisa,

são os filhos dos gerentes, dos capatazes, dos vaqueiros, uma população quase

Page 49: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

38

sempre flutuante, que migra constantemente de um Pantanal para outro, não

chegando a se fixar de modo definitivo, em lugar nenhum.

3.5.1 O Pantanal do Taboco

As escolas em questão localizam-se no Pantanal do município de

Aquidauana, que uns denominam de Pantanal do Rio Negro e outros, de Pantanal

do Taboco. Optou-se pela denominação de Pantanal do Taboco, ressaltando-se que

as tradições, as origens, os ancestrais dessa extensa área são os mesmos.

A área denominada aqui de Pantanal do Taboco fica ao sul do Pantanal da

Nhecolândia , em terras do norte e parte do leste do município de Aquidauana. Esse

Pantanal, como os de Nhecolândia e do Miranda, é um dos mais antigos e

tradicionais de Mato Grosso do Sul. O Pantanal do Taboco abrigou, primeiramente,

os Rondons de descendência cuiabana e os Alves Ribeiro, procedentes de Poconé

(MT).

Segundo Florence (1977) instalaram-se na região famílias descendentes dos

antigos donos da fazenda Jacobina, que tinham origem luso-brasileira e foram se

espalhando e fundando suas fazendas às margens do Taboco e do Aquidauana.

Também ocuparam esse pantanal famílias de gaúchos e paulistas, que

formaram gerações de mato-grossenses, hoje, sul-mato-grossenses.

A fazenda Rio Negro, cuja sede fundada em 1895, teve, mais tarde suas

terras divididas e redivididas entre sucessivas gerações de herdeiros e hoje se

encontra nas mãos de proprietários estrangeiros.

Outra expressiva propriedade da região é a fazenda Taboco, fundada pelos

Alves Ribeiro que, segundo Ribeiro (1984, p. 41), “Após andanças exploratórias e

em caçadas, desceram até às margens do Taboco, gostaram muito dos campos e

dos bons terrenos firmes para fundar uma fazenda”.

A vida nas fazendas mudou significativamente. Hoje, os proprietários típicos

já não vivem nelas. Residem nas cidades próximas, onde têm escritório e as

fazendas ficam entregues aos gerentes e/ou capatazes que as administram. Só a

imponência dos ricos casarões testemunham atualmente a opulência de uma vida

muito dura, mas também muito prazerosa. Restou, porém, o riso das crianças das

escolas pantaneiras além da solidão de um mundo quase em abandono.

Page 50: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

39

3.6 O PROJETO ESCOLAS PANTANEIRAS

O Projeto Escolas Pantaneiras, da Secretaria Municipal de Educação e

Cultura de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, foi concebido e implantado em 1998,

por iniciativa do Prof. Dr. Francisco Carlos Leite. Em 2000, o Pólo das Escolas

Pantaneiras foi criado por meio da Lei Municipal n. 1.730/2000. Nessa época o

Projeto foi ampliado por diversas parcerias, sendo a mais expressiva a WWF-Brasil

(Fundo Mundial para a Natureza), uma Organização Não-Governamental (ONG).

Sobre a criação do Projeto Escolas Pantaneiras, Monteiro (2004, p. 40) afirma

que:

No município de Aquidauana, a escola pantaneira é uma realidade, com 10 núcleos estabelecidos. A idéia surgiu quando o prof. Francisco Carlos Trindade Leite, então Secretário de Educação do Município, implantou esse modelo de ensino e transformou todas as escolas tradicionais já existentes nas fazendas em núcleos escolares pantaneiros. O projeto deu origem a Lei nº 1730/2000. A preocupação de manter o homem do campo no seu hábitat, com qualidade de vida, fez com que a parceria município-proprietário rural desse tão certo na realização das escolas.

O calendário e o currículo diferenciados do Projeto Escolas Pantaneiras, de

acordo com sua proposta pedagógica, tentou privilegiar temas transversais e

atividades que atendessem às expectativas do desenvolvimento sustentável do

Pantanal e à fixação do homem pantaneiro em seu local de vida, sem, no entanto,

descuidar de sua preparação para a vida em qualquer outra localidade.

Dessa forma, as Escolas Pantaneiras tentaram adequar-se às premissas do

Plano Nacional de Educação (PNE), assim como à estrutura dos Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, que tem como um de seus

temas transversais o ensino da educação ambiental. Na prática, a operacionalização

dessas propostas não foi adequadamente implantada na região (SANTOS, 2004).

A educação ambiental é uma área de conhecimento interdisciplinar, “[…] um

trabalho cooperativo, entre os campos disciplinares, sem hierarquização do saber,

sem preconceitos e sem pretensos donos da problemática ambiental” (MORAES,

1997, p. 33). Ou seja, o diferencial da educação ambiental é o reconhecimento do

senso comum da criança pantaneira como válido para a construção do

conhecimento científico, e como base do enfoque interdisciplinar (SANTOS, 2004). A

mesma autora afirma que a evolução do conceito de educação ambiental é

Page 51: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

40

interdependente do conceito de ambiente, e mais que isso, a forma como o

ambiente é percebido.

A educação ambiental, preconizada no Projeto Escolas Pantaneiras, tem o

papel de desenvolver nas crianças pantaneiras novas formas de percepção do

ambiente, que, associadas à cultura, por meio de processos cognitivos, transformem

progressivamente em atitudes e comportamentos pautados na ética ambiental.

Entretanto, Nogueira (1990) enfatiza que o máximo que se faz em relação à

educação ambiental nos currículos escolares é reduzir o tema a uma disciplina

isolada, correndo-se o risco de produzir efeitos nulos e inesperados sobre a

percepção ambiental destas crianças.

Nogueira (1990, p. 32) afirma que o conhecimento da questão ambiental, no

caso do Pantanal, deve valorizar “a realidade sociocultural do pantaneiro” pois disso

depende “o sucesso de qualquer interferência no habitat”. Esse conhecimento,

transmitido aos alunos pelos professores das Escolas Pantaneiras encontra-se

fragmentado como disciplinas sobre ambiente e cultura, dificultando a aquisição de

um aprendizado significativo para estas crianças.

Page 52: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

De conformidade com o exposto na introdução, desde o início deste trabalho,

configurou-se o interesse em conhecer o que as crianças colaboradoras pensam

sobre a natureza e se distinguem natureza e ambiente; de que modo percebem a

realidade que as circunda; de onde vêm os conhecimentos que têm a respeito do

meio em que vivem; se estão integradas à vida nesse ambiente ou se aspiram a sair

de lá; se a escola cumpre sua função de despertá-las para o conhecimento e a

valorização da cultura local, como integrante da cultura nacional, inserida num

contexto universal.

Para isto foram criados três instrumentos: os mapas mentais, os

questionários, as narrativas de histórias de vida.

Este trabalho, conforme já se explicou no capítulo anterior, partiu do estudo

da percepção ambiental de 18 crianças que estudam nas Escolas Pantaneiras,

sendo que 13 delas são provenientes do Núcleo Escolar “Joaquim Alves Ribeiro”, na

fazenda Taboco e, cinco do Núcleo Escolar Figueira, na fazenda Figueira. A faixa

etária compreendida foi de 11 a 16 anos, sendo que a distribuição por séries

localizou-se entre 3ª e 7ª série do ensino fundamental. No Núcleo Escolar “Joaquim

Alves Ribeiro” foram pesquisadas oito crianças do sexo masculino e cinco do sexo

feminino, enquanto no Núcleo Escolar Figueira havia apenas uma criança do sexo

feminino entre as cinco participantes desse trabalho.

Para melhor trabalhar com o material obtido, optou-se por dividir as crianças

em dois grupos, de acordo com a escola em que estudam. Após esse procedimento,

cada criança foi denominada aleatoriamente por uma letra do alfabeto de “A” a “R”,

para sua identificação, e, posteriormente, classificadas de acordo com o sexo, a

idade e a série em curso na escola (APÊNDICE C, QUADRO 1C). Este mesmo

critério foi seguido para a análise dos mapas mentais, do questionário e das

narrativas de vida.

De posse dos dados, optou-se por delinear um perfil geral dessas crianças.

Algumas características logo se evidenciaram, mesmo antes de se iniciarem os

Page 53: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

42

trabalhos propriamente ditos, como a timidez e a dificuldade de comunicação com

pessoas que não são do lugar. Estudam nas Escolas Pantaneiras há três anos, em

média, sendo oriundas de escolas municipais das cidades de Aquidauana e

Anastácio.

Outro fato que chamou a atenção diz respeito ao padrão de descompasso

escolar, em relação à idade cronológica e a série que se encontram, se for levado

em conta o modelo instituído pelo sistema educacional. Descompasso esse que foi

reforçado pelo fraco desempenho das atividades propostas pelo pesquisador.

Identificou-se, também, no decorrer dos trabalhos, que as migrações são constantes

na vida dessas crianças.

Por meio das narrativas de vida percebeu-se que o fluxo migratório das

fazendas, onde nasceram, no Pantanal, para a cidade, na época do início da

escolarização, seguida do retorno para o Pantanal, por ocasião do ingresso em uma

das duas escolas do Projeto Escolas Pantaneiras acontece permanentemente.

Por meio da análise dos mapas mentais, do questionário e das narrativas de

vida, observou-se, ainda, que se expressaram melhor por meio dos mapas,

produzindo desenhos, do que por meio das expressões falada e escrita. Notou-se

que os conceitos expressos no questionário foram limitados, em parte, pela

dificuldade de coordenação motora para expressão escrita. A dificuldade de

expressão verbal foi confirmada por meio das narrativas de vida, quando usaram a

modalidade oral da língua.

Essas crianças aparentemente apresentam certo grau de defasagem

cognitiva em relação à idade cronológica, que pode ser melhor explicado devido às

suas condições socioculturais e à falta de adequação da escola a essas condições.

As dificuldades em manifestarem-se por meio da fala são as únicas que

causam estranheza, posto que o desenho e a escrita envolvem o desenvolvimento

de coordenação motora, enquanto a expressão oral associa-se à tradição oral do

homem pantaneiro, advinda do que eles vêem e escutam, no ambiente. Pôde-se

pensar, ainda, que a dificuldade de expressão oral prende-se ao fato de estarem

diante de uma pessoa estranha a seu ambiente. Mas, no que foi possível apenas

observar, do que gostam mesmo é de caçoar uns dos outros e dar risadas.

Page 54: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

43

4.1 ANÁLISE DOS MAPAS MENTAIS

Os mapas mentais, conforme visto, são recursos usados pelos adultos ou

pelas crianças para dar conta da percepção do ambiente que os cerca, visualizando-

o por meio da sensibilidade e da experiência vivenciada. Os temas propostos para

que os colaboradores produzissem os mapas mentais foram: “do que eu gosto”

(Figuras 1-3) e “do que eu não gosto na natureza” (Figuras 4-6).

Figura 1. Desenhos-temáticos “o que eu gosto na natureza”, elaborados pelas crianças

pantaneiras – meninas da fazenda Taboco.

Page 55: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

44

Figura 2. Desenhos-temáticos “o que eu gosto na natureza”, elaborados pelas crianças

pantaneiras – meninos da fazenda Taboco.

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45

Figura 3. Desenhos-temáticos “o que eu gosto na natureza”, elaborados pelas crianças

pantaneiras – crianças da fazenda Figueira.

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Figura 4. Desenhos-temáticos “o que eu não gosto na natureza”, elaborados pelas

crianças pantaneiras – meninas da fazenda Taboco.

Page 58: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

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Figura 5. Desenhos-temáticos “o que eu não gosto na natureza”, elaborados pelas

crianças pantaneiras – meninos da fazenda Taboco.

Page 59: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

48

Figura 6. Desenhos-temáticos “o que eu não gosto na natureza”, elaborados pelas

crianças pantaneiras – crianças da fazenda Figueira.

A análise desses mapas foi realizada sob duas perspectivas distintas: a

formal e a conceitual. Com relação à parte formal, a análise recaiu sobre as cores, a

definição das linhas, a relevância dada a determinados signos não-verbais,

reiterados com mais freqüência do que outros. Na opinião de Elali (2003), o

ambiente influencia a percepção ambiental da criança, atuando sobre ela de modo

não-verbal.

Page 60: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

49

Quanto ao uso de cores nos mapas, em geral, houve predomínio do verde e

do azul nas imagens sobre “do que eu gosto na natureza”, posto que as outras cores

empregadas foram vermelho, laranja e amarelo. Na produção dos mapas mentais

sobre “do que eu não gosto” predominaram o preto e o marrom, sendo que também

a presença do vermelho e do amarelo, foi significativa, refletida no uso de menor

variedades de cores na produção desses mapas.

Na percepção humana, analisada por Tuan (1980), o verde e o azul sugerem

frieza e leveza. Entretanto, a razão do uso predominante dessas cores, na

confecção dos mapas, foi associada às imagens modelizadas do céu e das águas

azuis; das árvores e pastagens verdes, uma vez que essas cores são predominantes

na paisagem do Pantanal. As cores primárias vermelho e amarelo designam

emoções fortes, segundo o mesmo autor, sendo utilizadas para expressar as

queimadas, costume corrente no contexto pantaneiro. O preto e o marrom foram

usados para registrar o estado da natureza destruída pela ação antrópica predatória.

Os mapas mentais produzidos pelas meninas foram mais coloridos do que

aqueles desenhados pelos meninos, nas duas escolas. Por mais colorido entende-

se o emprego de maior variedade de cores, maior pressão do lápis sobre o papel e

recorrência ao recurso de canetas hidrocores (canetinhas), na confecção dos

desenhos. Nesse sentido, isoladamente, pode-se dizer que as meninas foram mais

criativas, enquanto os meninos, de forma geral, coloriram seus desenhos

timidamente, sem o uso da força sobre o papel, revelando sua inabilidade em

expressar-se por meio de cores e desenhos. Talvez este comportamento esteja

associado à noção de machismo, muito forte nas comunidades rurais, onde certos

comportamentos são refutados pelos seres do sexo masculino, por serem

considerados como coisas de “mulher”.

Sobre a definição das linhas, notou-se que as meninas do Núcleo Escolar

“Joaquim Alves Ribeiro” utilizaram o recurso gráfico das margens na folha de papel

em que confeccionaram os seus desenhos. A única menina que não fez uso desse

recurso estuda no Núcleo Escolar Figueira, sendo que seus desenhos revelaram-se

menos estruturados, com linhas pouco definidas, sem detalhes, isto é, com pouca

relação com as formas do objeto real percebido, sem representar uma unidade,

enfim, soltos na folha de papel.

Page 61: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

50

Provavelmente para as meninas a utilização das margens na folha de papel

tenha ajudado na estruturação dos desenhos e na impressão das idéias como

imagens centrais criativas. O mesmo recurso gráfico não foi utilizado pelos meninos,

o que confirma o pressuposto de que pessoas do sexo masculino apresentam

melhor capacidade espacial e percebem mais os detalhes do que as do sexo

feminino.

Por exemplo, foi possível a identificação dos animais desenhados pelos

meninos C, D, H, Q e O, por meio da análise de suas formas e traços, contudo os

desenhados pelas meninas G, I e R, caracterizados por formas e traços mais

simples e distanciados da forma real do objeto, dificultam a compreensão dos

referentes concretos, representados pelas imagens.

Uma hipótese provável para explicar essas diferenças entre meninos e

meninas relaciona-se a uma tendência cultural em agrupar meninos e meninas em

ambientes diversos. O menino sai para pescar, acompanha o pai na lida com o

gado, enquanto a menina fica protegida dentro de casa, ajudando a mãe em tarefas

domésticas, demorando, assim, a entrar em contato com o mundo. Essa é uma

situação cultural que ainda persiste em algumas famílias, mesmo no ambiente

urbano.

Para Tuan (1980), quando os papéis de cada sexo são definidos, homens e

mulheres adotam valores diferentes e percebem aspectos diferentes do ambiente.

No Pantanal, de acordo com Nogueira (2002), as meninas brincam de casinha,

enquanto os meninos atiram pedras em periquitos com fundas, brincam de fazer

mangueiros; tomam banho e pescam nos rios, corixos e baías, onde também

brincam de “cangapé” (luta no rio).

Enquanto o contato das meninas com o ambiente é mais restrito, o dos

meninos é mais pleno e rico de estímulos, influenciando a escolha dos elementos

desenhados nos seus mapas. Assim, as meninas A, B, G e R preferiram desenhar

imagens de plantas, como laranjeira, roseira, figueira, que se relacionam ao

ambiente próximo das suas casas, enquanto os meninos D, F, H, I e O registraram

equipamentos agropecuários com precisão de detalhes, inclusive a marca das

máquinas, revelando seu contato íntimo e costumeiro com a lida nas pastagens.

Em relação à relevância dada aos signos não-verbais, ou seja, às imagens

contidas nos mapas, registrou-se o número de elementos que constituíram cada

Page 62: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

51

desenho das crianças, verificando-se pobreza de elementos e espaços deixados em

branco nos mapas sobre “do que eu não gosto na natureza”, em comparação com a

quantidade dos elementos representados nos desenhos sobre “do que eu gosto na

natureza”. Esse dado confirma o valor positivo, agregado à natureza pelas crianças,

sua percepção ingênua de que a natureza “deve” ser preservada, sem, contudo,

darem-se conta de seu papel no ambiente em que vivem.

A análise desse conjunto de signos possibilitou a leitura conceitual da imagem

central criativa dos mapas mentais. Nesta análise conceitual, pôde-se distinguir a

compreensão do núcleo temático e seu reflexo criativo.

Os seguintes padrões de imagens foram revelados pelos mapas “do que eu

gosto na natureza”: paisagem, fauna e flora. Nesse contexto, paisagem refere-se ao

padrão de imagens, definido como uma unidade composta por elementos como

fauna, flora, rios, morros e, para alguns, o homem. Esse padrão de paisagem surgiu

em 12 dos 18 mapas mentais sobre “do que eu gosto na natureza”, sendo todos eles

produzidos por meninos.

Apenas duas meninas das seis participantes da pesquisa, E e I, conseguiram

expressar-se por meio da criação de uma paisagem. Para as outras quatro, a

expressão gráfica limitou-se ao desenho de elementos da fauna e da flora, sem um

hábitat contextualizado, ou melhor, sem a presença de rios, morros e outros

elementos da paisagem, o que revelou a percepção ambiental imatura das

participantes A, B, G e R.

Para a maioria das crianças, o homem que mora no Pantanal não é percebido

como integrante do ambiente, ao contrário das morrarias, rios, estradas, gado e

outros animais, que foram incluídos na paisagem dos mapas mentais.

Partindo do tema “do que eu não gosto”, distinguiram-se as seguintes

imagens centrais criativas: árvores cortadas, queimadas, lixo nos rios e campos,

matança de animais selvagens.

Parece que estas imagens estereotipadas e repetitivas, em todos os mapas,

refletem o tipo de educação ambiental ensinado nas escolas e o destaque dado ao

papel das ações do homem sobre seu ambiente, principalmente como o responsável

pela destruição da natureza, vítima e algoz de si mesmo.

A influência cultural nos mapas foi constatada, principalmente no registro de

atividades humanas próprias dessa região, como as queimadas e derrubadas dos

Page 63: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

52

campos para formação de pasto para o gado. Sobre os costumes do pantaneiro,

Proença (2003) destaca o gosto de locomover-se (nomadismo), certas

desconfianças e cismas, a timidez a mania de botar fogo no campo, confirmado nos

desenhos das crianças.

Os desenhos contidos nos mapas parecem mostrar que o modelo de ensino

norteado pelo método do simulacro, da cópia é o que se desenvolve nessas escolas.

As crianças percebem a realidade circundante por meio de uma mesma fresta.

Todos reproduzem praticamente as mesmas coisas e do mesmo modo, como o

desenho tradicional de uma casa, que todos aprendem a reproduzir, copiando da

lousa, até decorar. Apenas o aluno P (12 anos, 3ª série) produziu desenhos quase-

criativos. Aliás, demonstrou iniciativa para superar suas dificuldades com relação

aos desenhos dos bichos.

Pôde-se observar, ainda, a transposição para os desenhos contidos nos

mapas da solidão que de uma forma ou de outra maltrata as pessoas,

principalmente as mais pobres, que não possuem muita opção de lazer. A natureza,

a de que os alunos gostam, é vazia de gente. Só os elementos da natureza a

compõem. Nos mapas que mostram “do que não gostam”, também o homem

aparece solitário, longe de todos, tornando tudo sozinho, sem animais, nem plantas.

Estes resultados foram relacionados, a seguir, com os resultados oferecidos

pelos instrumentos complementares de pesquisa: o questionário e as narrativas de

vida, englobando a questão referente à percepção ambiental.

4.2 OS QUESTIONÁRIOS E AS NARRATIVAS DE VIDA

O estudo da percepção ambiental das crianças colaboradoras foi revalidado

por meio de um questionário complementar, composto por questões abertas. Esse

instrumento contribuiu para que se entendesse melhor as concepções delas sobre

natureza, ambiente, fontes de informações, preferências e outros fatos já

mencionados a priori.

Na análise do questionário, o fator que chamou a atenção foi a dificuldade de

expressão na linguagem escrita. Atribui-se a isso o tipo de vida que levam, pouco

propicia ao desenvolvimento desse tipo de exercício, uma vez que costumam

participar, em casa, de atividades pastoris, como montar a cavalo, tocar o gado para

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53

o mangueiro ou para alguma invernada próxima, lidar com os animais domésticos e

muitas outras atividades afins.

Um dado que impressiona é a verificação de que o desempenho lingüístico

não distingue a idade ou série. Não se está pensando aqui em estilo e vocabulário

elaborado, o que não seria possível esperar-se de crianças nesta situação, visto que

se concorda com Bernstein (apud SOARES, 1991) quando se refere ao fato de que

o código restrito de crianças das classes menos favorecidas não indica deficiência

lingüística, mas diferença, proveniente de carências lingüísticas e culturais. E é isto

que acontece com as crianças que foram objeto deste levantamento.

Após a aplicação do questionário, optou-se por trabalhar com o que se

denominou por narrativas, porque se acreditava que seria fácil ouvi-los contar as

peripécias de seu dia-a-dia. Entretanto, a timidez diante de uma pessoa estranha ao

seu convívio, já referida antes, dificultou um pouco o trabalho, dado que as

narrativas saíram entrecortadas, fragmentadas, sem fluidez, mas com material

informativo suficiente para o que foi proposto.

De fato, a percepção ambiental revelada por meio dos mapas mentais e do

questionário complementar foi aprofundada nas narrativas de vida, que talvez

fossem melhor denominadas por narrativas do cotidiano (APÊNDICE B). As

narrativas foram fundamentais para o entendimento das questões a serem

discutidas. Focalizaram-se três questões principais, relacionadas à percepção

ambiental das crianças, que resultaram da convergência dos instrumentos de

pesquisa: o nomadismo, o pensamento concreto e o conhecimento ambiental.

A atividade mostrou que os participantes compartilham histórias semelhantes,

marcadas pelo nomadismo de seus pais. O isolamento típico do homem, no

Pantanal, associado ao seu gosto de locomover-se, configurou-se como um padrão

cultural do pantaneiro, que integra a categoria de gerente ou capataz, peão de

campo e/ou vaqueiro, personagens que formam uma população flutuante, sempre

em busca de melhores condições de vida, para si e para a família.

A confrontação dos mapas com o questionário e as narrativas de vida

evidencia que essa sensação de que não se sentem integradas ao mundo em que

vivem, de que estão sempre de passagem colabora para que não se sintam

compromissadas com seu ambiente, com as pessoas, enfim, com a realidade, onde

apenas estão, por algum tempo.

Page 65: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

54

Uma sensação de exclusão parece permear suas vidas, sem objetivos pré-

definidos, o acaso parece explicar melhor suas histórias de vida, sua pouca

esperança e sua passividade diante de uma realidade incerta, com futuro duvidoso.

O peão vive sob a constante ameaça de impossibilidade de fixação no ambiente que

lhe é emprestado pelo fazendeiro, do qual depende para trabalhar, adotando

estratégias peculiares de sobrevivência que incluem o conformismo, a submissão, a

ausência de aspirações futuras e a fantasia de mudança de perspectiva.

Essas crianças, sob imposição do nomadismo típico da cultura local, não se

fixam ao lugar para estudarem e desenvolverem-se, o que concorre para perpetuar

sua exclusão do mundo, sua vida em terras alheias, seu atraso escolar, sua

dificuldade em trabalhar com o pensamento concreto.

Em decorrência disso, ocorre a falta de interação do aluno com o ambiente,

que mesmo informado sobre o mundo que o rodeia, essa informação não é

socializada, como fator de troca, que propicie compromissos com o ambiente.

Na análise de respostas dadas ao questionário, chamou a atenção a forma de

construção do conhecimento das crianças, marcada pela passividade e pelo

empirismo. Por exemplo, a criança D, 11 anos, sexo masculino, estudante da 5ª

série, formulou a seguinte frase sobre o que ela sente ao ver a natureza: Pantanal é

uma área muito grande. Sobre o mesmo tema, a criança I, 13 anos, sexo feminino,

da 7ª série, escreveu: Natureza, você é linda, que todos te conserve, mostrando uma

forma de pensamento animista, ou seja, que atribui características humanas aos

objetos, de acordo com o estágio pré-operatório da teoria piagetiana.

A participante B, a mais velha das crianças colaboradoras, com 16 anos, sexo

feminino, estuda na 4ª série e apresenta o pensamento típico de uma criança mais

jovem, ao conceituar natureza como é o campo e a paisagem. O participante J, 15

anos, sexo masculino, 6ª série, também não conseguiu fazer uso do pensamento

abstrato. Por exemplo, quando conceituou natureza como: é tudo, uma fauna

ecológica centralizada no Pantanal, fez uso de um conceito com base enciclopédica,

usando as palavras que conseguiu decorar de algum texto lido, possivelmente em

sala de aula.

O pensamento dessas crianças ainda funciona de acordo com realidades

presumidas, assim, não entendem as atitudes contraditórias do homem em suas

relações com o ambiente, em que, ao mesmo tempo que o defende e o conserva,

Page 66: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

55

pode destruí-lo totalmente. As crianças pantaneiras percebem o ambiente dessa

forma particular porque seu pensamento é formulado pela percepto do real, isto é,

pelo raciocínio empírico-dedutivo. Sob esta forma de pensamento concreto, a

criança ainda não consegue associar as idéias de que tanto o “homem bom” quanto

o “homem mau” são aspectos complementares da natureza humana.

Essa realidade presumida encontra expressão nos mitos e no folclore que

povoam o imaginário das crianças e se baseiam em pouca ou nenhuma evidência,

mas que ainda assim persistem, porque fazem parte de crenças, repassadas de pai

para filho e muito comuns na tradição regional.

Um exemplo disso está na narrativa sobre assombrações da criança A, 12

anos, sexo feminino, na 3ª série, em que relata: Tenho medo de assombração [...]

mas eu nunca escutei não. Outro exemplo, de um colaborador do sexo masculino, N,

de 12 anos, estudante da 3ª série, que conta: aquele pé de figueira ali é assombrado

[...] acho que não existe... mas não alumio a lanterna lá à noite.

Portanto, o raciocínio hipotético-dedutivo, que constitui o ápice do

desenvolvimento cognitivo para Piaget (1973), a partir dos 11 anos, formando a base

do pensamento lógico e, conseqüentemente, abstrato, não foi evidenciado na

produção das crianças colaboradoras. A ausência do pensamento abstrato explica a

falta de associação de idéias, que resulta em uma percepção com elementos

contraditórios sobre o mesmo tema.

A teoria piagetiana chama a atenção para os aspectos em comum da

cognição em diferentes domínios, em determinada idade, e para a criança como um

construtor ativo da sua própria experiência. Todavia, mostrou-se que a passividade

marca a construção do conhecimento das crianças colaboradoras, transmitido por

meio da tradição oral, que é característica da cultura do homem rural.

De acordo com Nogueira (2002, p. 31-32), o pantaneiro:

Ao colocar em prática suas experiências testadas secularmente pela relativa margem de acertos, em situações similares, acabou estabelecendo algumas leis empíricas que são arroladas por eles mesmos como experiência de vida. [...] Desse estilo direto de aprender, devido à necessidade de sobrevivência, resultou-lhe um conjunto de crenças, baseadas na experiência e aceitas como verdadeiras.

A importância da cultura pantaneira como mediadora do desenvolvimento

Page 67: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

56

cognitivo, encontrado nessas crianças ressalta a visão de Vigotsky (1984) e sua

abordagem sociocultural ou interacionista. Esse autor afirma que a cognição é

mediada, moldada e expressa por meio da cultura e que a linguagem forma e

transforma a cognição. O desenvolvimento da linguagem tem origem na interação

com o ambiente e mudanças cognitivas, por sua vez, transformam a qualidade do

relacionamento social da criança.

A zona de desenvolvimento proximal é determinada, para Vigotsky (1984), por

um lado, pelo que a criança já conhece e, de outro, pelos instrumentos disponíveis

na cultura. No âmbito desta pesquisa, os conhecimentos que as crianças têm a

respeito do Pantanal vêm de duas fontes principais: a família, que ensina o

conhecimento prático, “laçar e mexer com gado” e a escola, que ensina o

conhecimento teórico, “através de livros e matérias”. Possivelmente, em algumas

ocasião, esses conhecimentos poderão ser influenciados pela mídia televisiva.

Em relação às crianças colaboradoras, outro aspecto que se discute é a

quase ausência de linguagem escrita e falada, bem como a expressão de um

desenvolvimento motor aquém da idade mental. Textos de crianças de 11, 12, 16

anos de idade não apresentam diferenças qualitativas, confrontando-se com os

estágios universais esperados em relação ao desenvolvimento cognitivo piagetiano.

Acredita-se que fatores culturais já mencionados possam intervir na aprendizagem

formal, quase sempre voltada para a reprodução do conhecimento repassado pelo

professor.

É possível, também, que o fato de não morarem com os pais, dentro de uma

família, segundo o modelo instituído pela sociedade tradicional, acabe por influenciar

suas reações na escola, como timidez, ironia (sarrinho), certa apatia, dificuldade em

inserir o ser humano como personagem do mundo natural, principalmente quando

precisam encarar as coisas de que gostam e o imaginário.

Os dados da análise dos mapas mentais, questionários e narrativas de vida

corroboram a visão reducionista de que ambiente é sinônimo de fauna e flora, sobre

os quais já se ponderou. Nos mapas mentais houve predomínio de imagens

relacionadas a animais e vegetais da região, nos questionários esse achado foi

confirmado por respostas como natureza é árvore, pássaro e muitos animais, é um

lugar que abriga animais em extinção, tem animais, rio, corgo, árvores, os animais

vivem nela e é os animais, as árvores, os morros e os rios. Esse padrão de

Page 68: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

57

respostas também surgiu nas narrativas: uma árvore que corta faz falta, os homens

destroem as plantas e os animais.

Essa forma de percepção ambiental pode ser corroborada pela opinião de

Trigueiro (2003), citado anteriormente, sobre a exclusão dos aspectos socioculturais

na questão ambiental.

Partindo de suas pressuposições sobre o ambiente, essas crianças pensam

que a natureza, ou seja, o ambiente “é lindo” e portanto “deve ser preservado”.

Assim, predomina uma visão edênica do ambiente, reforçando a idéia de que esse

seja sinônimo de natureza, de acordo com sua visão de mundo, construída por meio

de informações limitadas sobre o tema ambiental.

A percepção ambiental que demonstram é concreta, auto-limitada à realidade

regional e carente de estímulos que possam desenvolvê-la. Isso ficou claro no

padrão de frases construídas sobre a natureza, expressando o que sentiam ao olhá-

la. Para elas, a natureza é “bonita”, “linda”, “rica” e “bela”.

Essa visão de mundo não se altera no decorrer da pesquisa, frente às

contradições surgidas no modo como as crianças percebem a realidade que as

circunda, utilizando-se de uma forma concreta, sem a percepção de que o ser

humano é um conjunto de elementos que agrega valores positivos e negativos,

conforme discutido anteriormente. Isso foi revelado pela narrativa de J, 15 anos,

sexo masculino, na 6ª série, ao expressar que: Alguns homens podem fazer parte da

natureza [...] pessoas que ajudam a natureza a ir pra frente. Os que destroem não

fazem parte.

Elegendo o homem como vilão da natureza, relacionam-se com seu entorno

de forma contemplativa e seu discurso pela defesa da “natureza” não implica mudar

ações no cotidiano, nem se relacionar de maneira conseqüente com o ambiente

circundante. A preservação ambiental assume uma motivação antropocêntrica

imediatista, posto que tem que preservar pra nós mesmos, de acordo com a visão de

G, 12 anos, sexo feminino, da 4ª série, que assim expressou uma percepção

essencialista e pragmática sobre o ambiente.

Crespo (2003) realizou uma pesquisa de opinião pública, analisando o que o

brasileiro pensa sobre o meio ambiente, na qual concluiu haver uma visão

reducionista sobre ambiente, que reforça a idéia de que o mesmo é sinônimo de

fauna e flora, revelando uma percepção ambiental baseada em uma consciência

Page 69: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

58

superficial e em conhecimentos ambientais do senso-comum, que reforça a

concepção de Trigueiro (2003).

O Pantanal do imaginário dessas crianças é cênico, fílmico, bucólico, belo e

bom, despertando cuidados para sua preservação e perpetuação. Paralelamente, o

homem exerce com vilania seu papel sobre o ambiente.

De acordo com Heemann e Heemann (2003, p. 116):

A percepção de um ato danoso à natureza pode engatilhar uma atitude de reprovação. Só acontece se o fenômeno agride a sensibilidade do observador, provocando a chamada indignação moral. Essa sensibilidade é construída pela educação, devendo-se a Piaget e a Kohlberg, um de seus seguidores, as principais formulações sobre a gênese desse processo.

Percebe-se, também, em relação ao imaginário, que a região do entorno do

Pantanal, nesse caso, a Serra de Aquidauana, onde se localiza a fazenda Figueira,

é considerada como integrante do Pantanal, porque compartilha da mesma fauna e

flora. Em contraponto com a realidade, as morrarias fazem parte do Pantanal,

porque são vistas no entorno da fazenda Taboco, sendo chamadas de “montanhas”

por algumas crianças, influenciadas talvez pela mídia e pelos livros didáticos que se

utilizam dessa palavra com muita freqüência.

Quanto à natureza, de modo geral, os padrões encontrados para conceituá-la

foram “lugar”, “paisagem”, “onde moramos”, “plantas e bichos”. Na análise do

questionário verificou-se, ainda, que, para todos os participantes, os conceitos de

natureza e ambiente são idênticos, porém o primeiro é mais amplamente utilizado

por eles no seu dia-a-dia. Notou-se que o significado de natureza vem associado ao

de “lugar”, de “paisagem”, daquilo que se vê.

A idéia de lugar, na opinião de Tuan (1983), associa-se à idéia de espaço

inteiramente familiar. Dessa maneira, para essas crianças, a natureza é o cenário da

sua vida cotidiana, seu “lugar” no mundo. Essa opinião dissocia-se da vivência real

delas, no Pantanal, onde estão apenas de passagem, sob um estado provisório de

viver, à mercê do nomadismo de seus pais.

A percepção das crianças a respeito da natureza mostra que a escola não

integra a teoria à prática ambiental e, conseqüentemente, a escola deixa de cumprir

sua função de ensiná-las a conhecer e valorizar sua cultura regional, como parte

integrante da cultura nacional, inserida no contexto universal.

A forma de percepção da questão ambiental dos alunos das escolas

Page 70: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

59

pantaneiras pôde ser confirmada pela afirmação de Santos (2004, p. 92) de que em

sua pesquisa “[...] a minoria dos alunos entrevistados percebe os conhecimentos

sobre Educação Ambiental”.

Em algum momento parece que a percepção ambiental é um processo

fragmentado, separatista: tudo que está na natureza é bom; o homem é mau, é o

grande vilão, só faz coisas ruins. São lados quase opostos, que não conseguem se

articular. O aluno passa a ser o espectador de um mundo, onde não se coloca como

sujeito, mas como um figurante, que, no outro dia, pode não estar mais ali. Não pode

formar nunca uma consciência de responsabilidade.

Ressalte-se que essas crianças, mesmo antes de fazerem parte do Projeto

Escolas Pantaneiras já apresentavam dificuldades escolares específicas nas escolas

da cidade, onde estudaram. Por exemplo, o Núcleo Escolar Figueira funciona desde

2004, sendo que a percepção ambiental das colaboradoras não pode ser atribuída

somente ao aprendizado adquirido nesse local.

De acordo com o questionário, as crianças ora aspiram permanecer no

Pantanal, porque é lugar seguro, bom, familiar, próximo aos seus pais, que moram

nas fazendas da região, ora desejam concluir seus estudos na cidade. Novamente,

idéias contraditórias convivem lado a lado sem serem percebidas por elas.

Não se pode estender esse dado sobre morar no Pantanal para justificar que

as crianças estão realmente integradas à vida no Pantanal, posto que em nenhum

momento desta pesquisa elas se incluíram como parte do ambiente em que vivem.

Nas narrativas foi registrado o medo da violência da cidade, originado

provavelmente na família, na mídia e nas lições dos professores. A família e a

escola, possivelmente, com intuito de fixar essas crianças no Pantanal, impedindo

seu fluxo migratório constante, da área rural para a urbana, incutem-lhes o medo de

viver na cidade, retratando-a como um ambiente hostil e violento.

Apesar das tentativas de convencer as crianças a criarem raízes na região

rural, elas resistem a essa idéia, ao menos em relação ao futuro, quando, expressam

como uma de suas opções, o desejo ir para a cidade e ingressar na universidade,

desconsiderando suas possibilidades reais de seguirem o modelo de trabalho

imposto a elas pela sociedade, qual seja a identificação com seus pais, que são

peões campeiros, vaqueiros, boiadeiros, capatazes nas fazendas.

O resultado oferecido pelos três instrumentos de pesquisa permitiu traçar um

Page 71: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

60

perfil da vida das crianças pantaneiras, marcado por conhecimentos ambientais

insuficientes, percepção ambiental fragmentada e escolarização deficitária.

Os resultados podem ser sintetizados em algumas respostas a questões

relacionadas à percepção ambiental, que evidenciaram alguns pontos sobre os

quais discorremos a seguir.

Para elas, natureza e ambiente são a mesma coisa. Seu conhecimento

ambiental fundamenta-se no senso comum, assimilado sem resistência e sem

reflexão, de forma deficitária. A natureza é bela, deve ser preservada, fauna e flora

são expressões desta realidade.

Junto ao senso comum, mas sem associar-se a este, seu conhecimento

ambiental também tem alguma base enciclopédica e, quando isto ocorre é copiado e

repetido de forma estereotipada e presumida. Têm poucas oportunidades de

vivenciá-lo em suas práticas escolares, o que reflete um tipo de educação ambiental

prioritariamente teórica, constituindo mais um parênteses em suas vidas do que uma

troca de experiências compartilhadas no cotidiano.

Desta maneira, o homem permanece no seu estar isolado, sem criatividade

para buscar ativamente estímulos no ambiente ou interagir com este para construir

seus conhecimentos e sua auto-identidade.

A questão da auto-identidade foi discutida aprioristicamente ao se tratar de

Giddens (2002), Leff (2002) e Sousa (1995). Para o primeiro autor, a auto-identidade

se forma e se reconhece com o outro e com o lugar, ao passo que para este último,

a identidade pessoal local se forma nas suas inter-relações com a cultura regional.

Citando-se Leff (2002, p. 261):

O ensino tradicional básico falha não por ser disciplinar, mas por não impulsionar e orientar as capacidades cognitivas, inquisitivas e criativas do aluno e por estar desvinculado de seu contexto sociocultural e ambiental.

Tanto essas crianças não incluem o ser humano na natureza quanto não

estão integradas à vida no Pantanal, justamente por faltar-lhe não só as referências

da cultura local, mas também uma vivência mais efetiva e afetiva. Parte deste tipo de

percepção deve-se principalmente ao nomadismo e ao modelo de família

desestruturada e fragmentada, assim como ao tipo de educação ambiental recebida

na escola.

Page 72: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

61

Neste âmbito, a escola não cumpre seu papel de enfatizar os conhecimentos

ambientais e valorizar a cultura do homem local, em suma, de oferecer condições de

inclusão social, crescimento intelectual e autonomia, fatores importantes para a auto-

identidade do cidadão, desde a infância e adolescência até a idade adulta.

Page 73: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

5 CONCLUSÃO

Ao concluir os estudos sobre a percepção ambiental de crianças de duas

escolas da região do Taboco, incluídas, segundo a Secretaria de Educação de

Aquidauana, no Projeto Escolas Pantaneiras que, após oito anos de sua

implantação, só existe como um rótulo, pode-se dizer que se conseguiu resposta

para as principais indagações que motivaram esta pesquisa, bem como

desvendaram-se outros problemas relacionados às crianças que foram as

colaboradoras desta dissertação.

Conhecendo a percepção ambiental das crianças colaboradoras pôde-se

entender suas relações com esse ambiente. Analisou-se a percepção ambiental na

sua dimensão sociocultural, tomando como eixo básico um pequeno recorte da

região pantaneira. Buscou-se apoio nas idéias de Piaget (1973), Vigotsky (1984) e

Ausubel, Novak e Hanesian (1978) para realização desse estudo.

Desde o início deste levantamento percebeu-se que se estaria lidando com

crianças socioculturalmente diferenciadas, devido a vários fatores, que se

relacionaram aos pressupostos apresentados anteriormente. Entretanto por meio da

sua articulação com os resultados pôde-se constatar algumas configurações

diferentes da imaginada a priori.

As imagens produzidas pelas crianças, por meio dos mapas mentais, bem

como a complementação ou reiteração delas mediante as respostas dadas ao

questionário e, depois ampliadas nas narrativas de vida mostraram que, em sua

maioria, apresentam defasagem entre a idade cronológica e a série em que se

encontram matriculadas. Percebem o ambiente em que vivem e onde transitam de

forma um tanto distanciada de si mesmas, não chegando de fato a se integrarem.

A natureza de que gostam é composta de elementos da flora, da fauna, da

paisagem, como os morros, que são as elevações da Serra de Maracaju. Entretanto,

quando expressam aquilo de que não gostam incluem o homem e as máquinas

como os grandes vilões.

Elementos da flora e da fauna são motivos recorrentes nos mapas mentais e

Page 74: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

63

também nas respostas ao questionário, mostrando o mundo restrito em que se

desenvolvem.

Na configuração desta realidade local, o nomadismo parece assumir o papel

de protagonista na construção da percepto das crianças colaboradoras, fonte de seu

conhecimento ambiental, posto que a escola não cumpre sua função de oferecer um

ensino mais voltado ao contexto da cultura local.

Os resultados obtidos evidenciaram três traços marcantes e interdependentes

que influenciam o modo de ser das crianças, atuando sobre o desempenho

perceptivo, que, como se sabe, envolve a consciência cognitiva e a afetiva. Esses

traços são: o nomadismo típico do homem pantaneiro, o pensamento concreto numa

fase do desenvolvimento em que, de acordo com Piaget, deveria ser abstrato e o

conhecimento ambiental fragmentado.

O tipo de conhecimento ambiental, advindo dos três pressupostos

supracitados, é o produto das relações das crianças com o ambiente natural e

construído, partindo do fenômeno perceptivo. Desta forma, para Viertler (2002),

citada anteriormente, é possível pensar o mundo, classificar suas percepções por

meio da cognição humana.

As crianças colaboradoras não distinguem natureza de ambiente, excluindo a

participação do homem. Esses resultados estão em consonância com a idéia do

senso comum a respeito da percepção do ambiente como questão periférica e que

não extrapola a visão de fauna e flora, a que se referem Trigueiro (2003) e Crespo

(2003), concepções estas de que o homem e suas criações são sempre deixados de

fora, quando se pensa em ambiente natural ou natureza. Este tipo de ideologia é

comum mesmo entre os estudiosos do ambiente, conforme discutem Heemann e

Heemann (2003), referindo-se ao fato de que o homem é preterido quando se trata

de natureza.

Concordando com a maioria das crianças que afirmou conhecer a vida e a

cultura do lugar onde vive, por meio das experiências familiares, que são

transmitidas pelos pais ou por seus responsáveis. Trata-se de um conhecimento

empírico, baseado nas vivências, no aprendizado tradicional. A escola também tem

alguma influência na obtenção dos conhecimentos sobre a natureza. Neste trabalho,

nenhuma criança apontou a TV como fonte de conhecimento da natureza.

Assim, a dificuldade das crianças em inserir o homem no ambiente natural

Page 75: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

64

resulta de uma tradição que vem de antes da divulgação desta nova cultura

ecológica que supervaloriza o homem, colocando-o como o ator principal na relação

homem/natureza. Uma das dificuldades para a preservação dos ambientes naturais

decorre das diferenças nas percepções dos valores (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES

UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 2003).

A percepção de valores da natureza é ambivalente: o homem “bom” e

idealizado contempla a natureza preservando-a, enquanto, do outro lado, o homem

“mau” a destrói, sem refletir sobre seus atos negativos. Também não se integram

conhecimentos práticos a conhecimentos teóricos, no âmbito da educação

ambiental. Justificando-se o dado de que estas crianças ainda não se encontram no

estágio de operações formais piagetianas, que são universais do desenvolvimento

cognitivo humano aos 11 anos de idade.

Percebeu-se que as crianças colaboradoras apresentaram dificuldades

relacionadas à expressão de seus conhecimentos, em parte pela timidez típica do

pantaneiro, em parte pelo descompasso em relação à faixa etária e ao desempenho

cognitivo apresentado, propiciado pela cultura regional, pautada no isolamento, no

empirismo, na tradição oral e no nomadismo.

Saber implica também em transformar a percepção humana por influência da

própria experiência prévia, que, por sua vez implica a função semiótica como

mediadora deste processo mental, de acordo com a teoria de Piaget. Entretanto,

diante das restrições a elas impostas pelo ambiente e pela cultura, estas crianças

são carentes da constância de estímulos suficientes que possam propiciar-lhes um

desenvolvimento cognitivo e afetivo mais em consonância com a idade cronológica,

principalmente no contexto escolar. Esse dado está em congruência com a teoria

sociocognitiva de Vigotsky, distanciando-se dos universais da cognição infantil

segundo Piaget (1973), posto que, para Vigotsky (1984), a aprendizagem mediada

pela cultura precede os processos biológicos do desenvolvimento cognitivo conforme

observado neste trabalho.

O saber ambiental, de acordo com Leff (2002), é o ponto de encontro entre a

percepção do real, do imaginário e do simbólico. Neste caso, supôs-se que as

crianças do Projeto Escolas Pantaneiras receberiam uma educação ambiental

diferenciada, transformando-se em sujeitos interativos, repletos de vivências

ambientais e culturais, aperfeiçoadas na escola. Isto não ocorreu.

Page 76: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

65

Os dados coletados mostraram a exclusão da criança do papel de sujeito

construtor de seu próprio conhecimento. A falta de criatividade nas respostas, o uso

maciço do lugar-comum (“linda”, “bela”, “bonita”) na expressão da percepção

ambiental, movida mais pela afetividade do que pela cognição reforçam o que se

vem discutindo.

Os desenhos, estereotipados e repetitivos nos mapas mentais, ficaram aquém

do esperado para a faixa etária. As dificuldades de coordenação motora foram

evidenciadas no questionário, assim como a dificuldade de expressão verbal foi

confirmada nas narrativas, corroborando a visão de que são crianças diferenciadas,

que provêm de ambientes natural e social também diferenciados e que, por isso

precisam de uma educação especializada, adequada ao seu modo de vida.

Enfim, as crianças colaboradoras não se sentem integradas ao ambiente em

que vivem. O cenário onde se desenrola a trama das suas vidas lhes é emprestado.

Elas não têm consciência do seu papel na proteção do ambiente, visto que se

encontram sempre de passagem, entre a área rural e a cidade, acompanhando a

família em busca de melhores condições de sobrevivência.

Em relação à escola, retomando Santos (2004), os fatos dissonantes mais em

evidência foram a ausência de sistematização, planejamento de atividades

relacionadas à ambiência das crianças e ainda, a desestruturação do Projeto

Escolas Pantaneiras, que deixou os professores sem saber que rumo tomar,

mergulhando no lugar-comum do ensino tradicional.

O conhecimento anterior à realização da pesquisa era que os alunos-alvo

deste estudo faziam parte de uma população flutuante, que não se fixa no ambiente,

migrando sempre. Entretanto, embora estudiosos e pesquisadores da região estejam

sempre chamando a atenção para este fato, não se tinha idéia de sua dimensão,

não obstante ser uma situação reiterada nas obras de Nogueira (1990) e Proença

(2003), dentre outras. Na realidade, o pantaneiro, do Pantanal do Taboco, tanto a

criança quanto o adulto, sentem com mais força a disputa entre a tradição e a

inovação nas suas relações com o ambiente, posto que vivem no entorno do

Pantanal, numa região cujos limites entre o rural e o urbano são muito próximos.

Constatou-se também que mesmo a desorganização da estrutura familiar

destas crianças está associada ao nomadismo, reforçando a forma como se

relacionam com o entorno e entre si. Os resultados apontam que a maior parte dos

Page 77: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

66

alunos prefere sair do Pantanal e ir para a cidade, quando crescerem, enquanto

alguns desejam permanecer no lugar onde vivem.

Esse fato mostra que as crianças não se fixam no lugar, além das

conseqüências sobre a sua escolarização, não são capazes de apreender a

realidade concreta que as rodeia, como uma referência que se vai construindo, que

vai adquirindo contornos ao ritmo das experiências cotidianas.

A percepção representa a apreensão dos fatos do mundo, sua impressão em

nossa identidade e nossa integração à cultura e ao ambiente do entorno

(TABORDA, 1993). A auto-identidade permite situar a criança no mundo como um

ser integrante deste ambiente. Sousa (1995) destaca o papel da cultura como

articuladora desta identidade. A percepção ambiental destas crianças testemunha

sua realidade sociocultural, que não é contextualizada pela escola e reflete-se no

processo ensino-aprendizagem.

O ensino ambiental ministrado nas Escolas Pantaneiras é fragmentado,

separado do todo, dificultando um aprendizado significativo, correndo o risco de

produzir efeitos negativos sobre sua percepção ambiental. Entretanto, existe uma

possibilidade de reconciliação integradora entre os conhecimentos cotidianos

socializados por meio da associação entre a aprendizagem teórica e as atividades

práticas, conforme a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e

Hanesian (1978).

Acredita-se que o estudo da percepção ambiental, por meio dos mapas

mentais, permita conhecer parte das relações destas crianças com seu ambiente,

identificando as pistas nelas contidas para elaboração de sugestões educacionais

fundamentadas na realidade regional. A conscientização da nova visão ecológica só

poderá realizar-se para estas crianças por meio de uma educação ambiental que

leve em conta suas condições de vida e seu modo de perceber a realidade ecológica

e cultural.

Frente ao exposto pode-se considerar que as escolas que integram o Projeto

Escolas Pantaneiras não vêm cumprindo o estabelecido no Projeto original,

principalmente naqueles itens que as diferenciariam das demais, como currículo

apropriado ao manejo das atividades rurais pantaneiras, atenção especial à

educação ambiental e ao ensino da cultura regional, oportunizando a sua prática,

mediante atividades realizadas durante os turnos escolares.

Page 78: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

67

Decorrente do que se constatou sugerem-se ações e atividades que se

julgam necessárias, algumas para reforçar o que se vem realizando; outras, para dar

feições mais coerentes com o que seria o desafio das Escolas Pantaneiras, de

acordo com o Projeto. As recomendações emanadas têm por objetivo fornecer

elementos que possam auxiliar estratégias educacionais apropriadas ao contexto do

ambiente estudado.

Sugere-se que a percepção ambiental seja tratada pela escola como um dos

aspectos importantes no desenvolvimento do ser humano, uma vez que o modo de

perceber o mundo é fruto da cultura, dos costumes, dos sistemas de crenças, do tipo

de educação e de experiências vivenciadas com a família, a vizinhança, o grupo

social com que o indivíduo compartilha suas aspirações e hábitos cotidianos. A

escola é um agente socializador, responsável não apenas pela difusão de

conhecimentos estanques, mas pela transmissão de valores culturais, de

sentimentos, de capacidade de interagir com o ambiente, incluindo-se nele como

sujeito que se identifica e se constrói no cotidiano vivenciado.

Nogueira (2002, p. 30) afirma que,

Desconhecer ou não dar importância à atuação do homem pantaneiro, sobre seu sistema ecológico, ou melhor, não levar em consideração suas experiências culturais, baseadas na observação dos fenômenos naturais, significa ignorar o que há de mais fundamental na vida desse ecossistema, uma vez que as práticas sociais são produto da “visão de mundo” do homem dos pantanais, de sua maneira de codificar o universo natural, criando, a partir daí, seu próprio universo cultural.

Assim, aprender a valorizar o ambiente, a cultura local é um exercício que não

se resolve em solidão, mas que precisa ser socializado, discutido, vivenciado.

Espera-se que essas recomendações possam auxiliar a instauração de ações

educacionais mais apropriadas para o contexto ambiental rural. Sua aplicação pelos

professores, que trabalham diretamente com os alunos pode contribuir para

mudanças comportamentais em relação às atividades que deve tomar face ao

ambiente ecológico e social, visto que somente o isolamento do pantaneiro não leva

ao fracasso escolar, menos ainda aos transtornos da aprendizagem.

A equipe pedagógica da escola e seus professores devem estar dispostos a

avaliarem seu trabalho, considerando as experiências vivenciadas por estas crianças

na elaboração do planejamento das aulas, resguardando as diferenças. Não levar

Page 79: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

68

em conta a cultura local no planejamento pedagógico das escolas pantaneiras

equivale a afirmar que a falha encontrada está na escola e não na criança. São

também fatores negativos a falta de preparo profissional, capacitação incoerente

com a realidade, espaço físico inadequado e interferência política partidária.

Deve-se implantar um serviço de assessoria pedagógica para o atendimento

aos professores, entretanto o apoio técnico deve ser integral. Deve-se ensinar o

professor a fazer seu planejamento de aulas, programando atividades significativas

para as crianças, em suma, sistematizando seus conteúdos e atividades.

Para tanto, acredita-se que seja fundamental a organização de uma biblioteca

com obras, não só de autores regionais, mas também nacionais, como fonte de

pesquisa para alunos e professores e fonte de identificação das crianças com o

universo sociocultural da região.

Deve-se planejar ações para resgate dos objetivos iniciais dos núcleos das

chamadas Escolas Pantaneiras, um projeto de vanguarda na época de sua

implantação, mas, que como quase todos os bons investimentos em educação, teve

vida curta e, em 2005, dele só resta o nome, visto que as escolas voltaram a

acomodar-se à rotina do ensino tradicional. A idéia de ensino diferenciado,

atendendo às peculiaridades da região e à disponibilidade dos alunos, atentando

para a valorização da cultura regional, não teve fôlego suficiente para vencer as

forças das velhas tradições, que sempre se retraem diante das mudanças.

Pensa-se que estimular as relações entre a criança e o seu ambiente é uma

maneira de proporcionar à infância fontes para seu desenvolvimento, mediado pela

percepção ambiental (ELALI, 2003). Entre as principais indicações para otimização

das relações das crianças pantaneiras com o ambiente, propõem-se:

a) implantação, de fato, de escolas que trabalhem com calendário e currículo

diferenciados, para que possam atender às crianças desse meio, que,

como se viu, possuem características diferentes, que já foram

suficientemente enfocadas;

b) desenvolvimento de atividades diárias, voltadas para a valorização do

contexto sociocultural em que se encontram os Núcleos Escolares,

considerando as diferenças individual e cultural no uso e interpretação do

ambiente, promovendo a criatividade, estimulando o imaginário e a

socialização das experiências;

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69

c) engajamento ativo no ambiente, propondo brincadeiras, jogos, atividades

ligadas aos ambientes natural e social, que valorizem principalmente o

folclore e as manifestações da cultura local, possibilitando o contato das

crianças com a lida cotidiana na fazenda, instrumentando-as de

conhecimentos para aplicação prática.

As constatações oriundas deste trabalho confirmam o isolamento da criança

pantaneira, que parece mostrar o destino do seu ambiente, anunciando a lenta

extinção da natureza. Não uma extinção qualquer, trata-se da sua simbolização

humanizada, da extinção da idéia do perceber, do conhecer, do sentir, do criar, do

desenvolver os universais da infância, integrada ao seu ambiente, sem perder de

vista o nacional e o universal.

Por outro lado, não se pode esperar que apenas a educação possa promover

a fixação do homem no seu ambiente, principalmente em relação ao Pantanal, onde,

como se sabe e se pôde reiterar, a profissão de vaqueiro não proporciona nem ao

menos a utopia de uma melhora de vida.

Page 81: MAPAS MENTAIS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE CRIANÇAS

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APÊNDICES

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Apêndice A Questionário complementar

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Apêndice B Trechos das respostas dos questionários e narrativas de vida

Conceito de natureza: Onde nos devemos cuidar bem. (colaboradora A)

A natureza é o campo e a paisagem. (colaboradora B)

Para mim a natureza é tudo de bom na vida. (colaboradora E)

Para mim natureza é o lugar onde moramos e os animais. (colaboradora G)

E tudo, é um lugar lindo que não pode ser destruído. (colaboradora I)

A natureza é árvore, pássaro e muito animais. (colaboradora C)

É uma coisa muito importante para as pessoas. (colaboradora D)

Natureza é vida e a fauna brasileira que cuida dos animais. (colaboradora F)

É aonde tem bastante árvores, animais e etc... (colaboradora H)

É tudo, uma fauna ecológica centralizada no Pantanal. (colaboradora J)

É os animais, as árvores, os morros e os rios. (colaboradora K)

É um lugar que abriga os animais em extinção. (colaboradora L)

Natureza é uma paisagem que mostra muitas coisas. (colaboradora M)

A natureza é uma coisa importante porque ela é o lugar onde todos os animais fazem suas casa, seus ninhos. (colaboradora P)

A natureza é linda, tem animais, rio, corgo, árvores. (colaboradora N)

E tudo que a gente vê como as árvores, animais e pássaros. (colaboradora O)

Bonita, legal porque os animais vivem nela. (colaboradora R)

Frases com a palavra natureza, expressando o que sentiam ao olhá-la: Eu acho muito linda. (colaboradora A)

Eu gosto da natureza, eu sinto a natureza, eu amo a natureza. (colaboradora B)

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Eu acho que se não existisse as árvores a gente não viveria. (colaboradora E)

A natureza é linda, a natureza é bela, morar na natureza é tudo que quero. (colaboradora G)

Natureza, você é linda, que todos te conserve. (colaboradora I)

Eu acho muito linda. (colaboradora C)

Pantanal é uma área muito grande. (colaboradora D)

Amor pela natureza. (colaboradora F)

A natureza é muito bonita. (colaboradora H)

Natureza é tudo de bom que há em tranqüilidade e riqueza ecológica. (colaboradora J)

A natureza é tão rica e bela, não existe outra coisa igual a ela. (colaboradora K)

A natureza é bela e sempre será se o homem não destruí-la. (colaboradora L)

A natureza é muito bonita. (colaboradora M)

Eu sinto alegria de ver a natureza, um lugar muito legal. (colaboradora P)

Eu acho legal, linda, vejo animais, árvores, pássaros. (colaboradora N)

Eu olho para lá e sinto uma paz que eu não posso falar. (colaboradora O)

A natureza do Pantanal é muito linda. (colaboradora Q)

Alegria, feliz, bonita, gosto muito, todos gostam muito dela. (colaboradora R)

Trechos das narrativas de vida: Não tenho pai nem mãe. Fui adotada quando tinha 6 anos por um fazendeiro, era do Pantanal de Corumbá. Há 4 anos estudo aqui. Vim a gosto do meu pai, porque aqui é mais esforçado que a escola da cidade. O pai escolheu que eu viesse para a Escola Pantaneira. Antes era de Campo Grande. Morava com minha vó. Tenho orgulho de ser criada por gente da fazenda, mais simples. Prefiro fazenda, é como se fosse a própria casa da gente. Aqui a gente se apega mais as coisas, pessoas, professores. (colaboradora G)

Estudo aqui há 1 ano, antes estudava em Corumbá. Morava com a família em Corumbá. E ruim ficar na cidade, lá criança gosta de judiar, lá não pode sair muito descuidado. Ai meus pais vieram morar na fazenda do pai da G. (colaboradora A)

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Meus pais, a mãe e meu padrasto, moram na fazenda Pontal, eu sai de lá no Pré-zinho e fui pra Aquidauana estudar. Lá não tinha tempo de estudar, só tinha que ficar dentro de casa. Não quis ficar em casa com o cunhado. Pedi pra mãe pra vir pra Escola Pantaneira, onde meus “irmãos por consideração” já estudavam. (colaboradora E)

Era da fazenda Pontal, tinha um professor lá há muito tempo, até a 4a série. Ele se matou, faz tempo. Depois fui pra cidade morar com meu avô. Vim há 1 ano pra cá, que é mais perto da minha mãe. (colaboradora I)

Antes era da fazenda Vitória, na fazenda Vencedora já faz 6 anos que a mãe mora com meu padrasto. O pai tá na cidade. Com 6 anos fui pra cidade, não foi legal. Apanhava muito da minha vó. Aí fui embora pra fazenda, parei de estudar 2 anos e trabalhei com estrovenga. Minha mãe queria que eu estudasse e eu vim pro Taboco há 3 anos. Aqui é melhor, você pode brincar. (colaboradora F)

Morei 4 anos com a vó, em Aquidauana, da 1ª a 4ª série. Há 2 anos estou na Escola Pantaneira, aqui fica mais perto do meu pai. Meu pai perguntou pra nós e escolhemos estudar aqui. Aqui é melhor. A gente vai pra casa, na Pontal. (colaboradora H)

Meu pai é cearense e minha mãe do Pará. Fiquei 7 anos com meu pai, morava na cidade e ia todo fim de semana trabalhar na fazenda com meu pai. A mãe foi visitar a gente no começo do ano e nos perguntemos se nós podia vir pro Pantanal. Minha mãe mora no Pantanal, mas o dono da fazenda da minha mãe vendeu a fazenda e ela tá parada em Anastácio. (colaboradora K)

Moro na fazenda Taboco há 7 anos, antes morava no Lageado. Meu pai é tratorista e carpinteiro. Minha mãe trabalha na sede. (colaboradora D)

Minha família é do Passo do Lontra, moram num hotel-fazenda, a mãe cozinha e o pai faz serviços gerais. Com 6 anos fui pra Anastácio estudar até a 4ª série, minha vó mora lá. Não gostava muito de lá. Um colega falou pra minha mãe sobre o Taboco e há 3 anos estou aqui na Escola Pantaneira. (colaboradora L)

A 1ª série fiz na fazenda Jesus Maria. Acabou o emprego na fazenda pro meu padrasto e mudamo pra cidade, fiz a 2ª série. Agora a gente veio pra fazenda Figueira, e eu estudo aqui mesmo. (colaboradora N)

Estudei a 1ª e 2a série no Pulador. Depois fui pra cidade por causo da escola. Tem 3 meses moro aqui na fazenda Figueira, agora que tem a escola, meu pai trabalha no campo e a mãe na casa do capataz. (colaboradora R)

Moro há 15 anos na fazenda Figueira com meus avós. Meus pais separaram há muito tempo. A mãe estava em Campo Grande trabalhando, agora em Aquidauana. Na cidade morava com a mãe, mas fica preso na cidade, não tem nada pra fazer. (colaboradora Q)

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Fontes do conhecimento ambiental: Aprendi mais com a escola como preservar o meio ambiente, cuidar da natureza. (colaboradora G)

A escola ensinou a aprender sobre meio ambiente. Lembro do que o professor ensinou sobre as plantas, que deve cuidar muito bem porque depois vai precisar delas, um pouco são remédios. Aqui a gente sai pra observar os animais, o que a gente viu, depois desenha e faz um texto. (colaboradora A)

Na aula de educação ambiental cada um dá sua opinião. (colaboradora H)

Aprendi mais com os professores do que com a família. Os professores sabem mais porque estudaram sobre isso. (colaboradora Q)

Foi mais com a família, aprender a laçar e mexer com gado. (colaboradora F)

Com a família aprendi a preservar o meio ambiente. Ia de barco com meu pai e ele ia me ensinando sobre que não podia destruir, matar os animais, jogar lixo. (colaboradora L)

Com os pais foi a pratica do meio ambiente, com o professor a teoria. Aqui não tem recurso, livro, computador. Na pratica a família sabe mais, porque conhece mais o lugar. Os professores não conhecem o esquema aqui, de pescar, mexer com meio ambiente, plantar. Antes aqui trabalhava mesmo, acordava 4 horas pra limpar o varandão. (colaboradora J)

Aprendi na escola e com minha mãe. Ela ensinou que tem que jogar as coisas no lixo, não pode por fogo na natureza. Aqui na Escola Pantaneira a professora levou a gente na ponte pra fazer um desenho sobre o que achou mais bonito. A gente aprende mais sobre as arvores, sobre a natureza. (colaboradora E)

Com meus pais e num colégio que estudei aprendi a preservar. Aprendi sobre preservação, não jogar lixo no rio, sobre meio ambiente, preservar a natureza. Eu acho aqui no Taboco um pouco diferente. Na horta a gente ajeita os canteiros, agora, mas às vezes levam a gente pra horta. (colaboradora K)

Agora o professor não esta mais indo no rio pra ir tomar banho e pescar. Os professores explicam um monte de coisas, que não pode sujar as retas, que tem que ter árvores perto das retas. Tem vez que a gente sai a passeio por ai com os professores. Aqui meu pai explica o nome das árvores, das plantas. Já vi meu pai serrando 2 ou 3 arvores, mas pra fazer moveis. (colaboradora D)

Um pouco foi de casa, minha mãe sempre disse pra não jogar papel em qualquer lugar, não matar bicho, ela sempre falou. Na Escola Pantaneira aprendi quase tudo que a minha mãe ensinou. Só que os pais não mostram através de livros e matérias. E ruim meio do mato, não tem nada pra fazer, não tem lugar pra ir. Se for longe o bicho te pega. (colaboradora I)

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No relato dessas crianças surgiram histórias de assombrações, contadas com receio e desconfiança típicos dos costumes do homem pantaneiro: Tem a figueira assombrada, mas eu não acredito. Lá aparece a noiva de branco que corre atrás da gente. (colaboradora G)

Tenho medo de assombração, morto que aparece pra gente. Aqui nesse pe de figueira aparece a mulher de branco, já escutaram criança chorando. Mas eu nunca escutei não. (colaboradora A)

Tem a noiva de branco que corre atrás da gente. (colaboradora F)

Nunca achei esse trem... assombração. (colaboradora H)

Tem a noiva de branco que aparece aqui na figueira... (colaboradora D)

Já vi assombração... tem a mulher de branco aqui. (colaboradora M)

Dizem que aquele pe de figueira ali e assombrado. Diz que morreu 2 homens ali. Acho que não existe... mas não alumio a lanterna lá a noite. (colaboradora N)

Lá embaixo da figueira tem uma velha que fica ali meia noite. Ela corre atrás das pessoas. (colaboradora R)

Tem bicho preto embaixo da figueira a noite... acredito se eu ver. (colaboradora Q)

A percepção ambiental do papel do homem como parte da natureza: O homem não faz parte muito da natureza porque só presta pra destruir. Se o homem que construiu a terra, ele não pode derrubar. Tem que preservar pra nos mesmos. Muitos textos contam que os homens destroem o meio ambiente para explicar a importância de preservar o ambiente. (colaboradora G)

Acho que o homem não faz parte da natureza porque eles destroem as plantas e os animais, porque eles cortam arvores, não deixam crescer em paz. (colaboradora A)

Lá em casa desmata pra formar, engordar gado. O homem não mora no mato, não faz parte da natureza. Se fosse Tarzan, morasse no meio do mato, ai fazia parte da natureza. (colaboradora H)

Os homens que preservam fazem parte da natureza. (colaboradora K)

Acho que o homem faz parte do meio ambiente, tem homens que protegem a natureza, o meio ambiente. Eles passam para os outros o que eles sabem. (colaboradora L)

Homem faz parte da natureza, é só cuidar dela. Porque mora nela, vivem nela. (colaboradora Q)

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Os homens destroem a natureza, não fazem parte. Tem uns que podem fazer parte da natureza. (colaboradora D)

Na fazenda o pessoal gradia a terra pra plantar, quando passa o linque mata tudinho, o bicho vai se afastando. [...] Todo dia passa avião aqui, é coureiro. A gente ouve no radio. Alguns homens fazem parte da natureza, as pessoas das ONGs, pessoas que ajudam a natureza a ir pra frente. Os que destroem não fazem parte, querem desmatar pra fazer pasto pra gado dele. (colaboradora J)

Não gosto que os homens destroem a natureza, colocam fogo, mas isso só vi na televisão. Sempre falam para preservar que e vida, mas eles destroem. Eles destroem pra ganhar dinheiro, as madeiras. Acho que o homem faz parte da natureza porque ajudam a preservar a natureza. (colaboradora E)

O homem convive com tudo que existe e tem que ajudar a cuidar a natureza. Qualquer fazenda aqui tem carvoaria. A fumaça, eles estão cortando as arvores. Se ficar sempre, uma arvore que corta faz falta. Eles vivem disso. Acho isso errado, tinham que arranjar outro tipo de trabalho. (colaboradora I)

Homens raciocina e bicho não, são diferentes. O homem tem uma vida diferente dos animais, ele destrói a natureza, desmatam, pra dar dinheiro, renda pra eles. (colaboradora F)

Percepção ambiental das crianças da fazenda Figueira: Acho que é Pantanal a fazenda Figueira... tem animais, onça, jacaré. (colaboradora N)

Pantanal, Pantanal não é. Porque não enche na época da cheia. Mas é Pantanal, tem animais, mata, tamanduá, anta, cervo. (colaboradora Q)

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Apêndice C Distribuição dos participantes da pesquisa - Quadro 1C

Quadro 1C - Distribuição dos participantes da pesquisa, divididos conforme o núcleo

escolar, de acordo com sexo, idade e série em curso no ensino fundamental

Núcleo Escolar “Joaquim Alves Ribeiro” Núcleo Escolar Figueira Variável

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R

Sexo F F M M F M F M F M M M M M M M M F

Idade 12 16 14 11 11 15 12 14 13 15 13 12 12 12 15 12 13 12

Série 3ª 4ª 4ª 5ª 4ª 5ª 4ª 6ª 7ª 6ª 6ª 7ª 5ª 3ª 4ª 3ª 4ª 3ª