manuel da cachaca contos casos de boteco

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MANUEL DA CACHAÇA (CONTOS & CASOS DE BOTECO) CONTOS RECOLHIDOS DO TROPEIRO/ALAMBIQUEIRO DA FAZENDA BANANEIRAS, EMANUEL DORCELINO AMÉRICO, FILHO DE ESCRAVOS, QUE AQUI VIVEU NO SÉCULO PASSADO. CONTOS DE: FERNANDO ANDRÉ CARNEIRO PEIXOTO

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Page 1: Manuel da cachaca contos casos de boteco

MANUEL DA CACHAÇA(CONTOS & CASOS DE BOTECO)

CONTOS RECOLHIDOS DO TROPEIRO/ALAMBIQUEIRO DA

FAZENDA BANANEIRAS, EMANUEL DORCELINO AMÉRICO, FILHO DE ESCRAVOS, QUE AQUI VIVEU NO

SÉCULO PASSADO.

CONTOS DE: FERNANDO ANDRÉ CARNEIRO PEIXOTO

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001DEDICO ESTE LIVROÀ MEMÓRIA DE ROQUE SOARES, ZINHO DIOGO E ZÉ FERNANDINHO

PARA AQUELES QUE LABUTAM NOS ALAMBIQUES, FABRICANDO A NOSSA BOA CACHAÇA, DE MANEIRA ARTESANAL, PREOCUPANDO-SE, ANTES DE TUDO, COM A SUA QUALIDADE.

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002APRESENTAÇÃO

Na verdade, “MANUEL DA CACHAÇA” nasceu em 1994, quando recebi de meu amigo Marcus Silvério Machado, o “MANUAL DA CACHAÇA ARTESANAL”, de Carlos Eduardo Gravatá.

Lembro-me muito bem. Era domingo e estávamos no Boteco do Renato.

Ao receber o presente, com dedicatória e tudo mais, disse ao Marcus que um dia lhe daria um livro, cujo título seria, “MANUEL DA CACHAÇA”.

Fica aqui, pois, o meu agradecimento ao saudoso amigo Marcus, ciclista de Bike-Aventura e BikeCana, hoje pedalando no céu, que foi o “mandante culposo”, do nascimento de Manuel da Cachaça.

Manuel da Cachaça, personagem fictício, na realidade existe. Existe nos botecos, onde se pratica a verdadeira “Terapia de Grupo”, regada com a boa cachaça, tira-gosto e um bom “bate-papo”.

Os casos contados por Manuel da Cachaça, em parte são fictícios como ele próprio. Outros realmente aconteceram, mas foram alterados para melhor se adaptar às personagens (cujos nomes, na maioria, são também fictícios), local e época do acontecimento. Vale aqui ressaltar que estes casos foram recolhidos, em parte, no tempo em que trabalhei no comércio com meu sogro, Antônio de Freitas Soares – Idu – que foi sem dúvida, o maior contador de casos de Presidente Bernardes/Calambau.

O leitor vai observar que nem todos os casos têm o Manuel da Cachaça como narrador, bastando para tal observar o linguajar popular do Manuel, que fala com a naturalidade daqueles que não tiveram acesso à escola, que eram raras naquele tempo no velho Calambau.

Por essas Minas Gerais, por esse Brasil afora, nas cidadezinhas do interior, sempre iremos encontrar os contadores de casos.

E se algum dia, você leitor amigo, encontrar um preto velho, sentado num banquinho de boteco, fazendo seu

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003cigarrinho de palha, se tiver a fala macia e o sorriso matreiro, não tenha dúvida, é ele, o Manuel da Cachaça!...

Fernando

ESTE LIVRO É ESPECIALMENTE DEDICADO A ANTÔNIO DE FREITAS SOARES – IDU – MEU SOGRO, QUE FOI SEM DÚVIDA ALGUMA, O MAIOR CONTADOR DE “CASOS” DE NOSSA TERRA.

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004

PREFACIANDO

O legado folclórico de um povo não se anula ou se esvai, como alguns valores que se perdem. Ao contrário, permanece formando o rico universo da cultura de tradição popular.

Um exemplo de que muitas tradições se firmam, apesar de todos os avanços da modernidade, são os relatos em forma de “causos” que encontramos neste livro, com suas envolventes estórias nascidas da imaginação e cultivadas no coração do povo. É o elemento fantástico que vai, de geração em geração, construindo a imagem de um lugar, enquanto desenha a sua própria identidade, através de um agradável testemunho. Trata-se de pequenas estórias nascidas do meio popular e gentilmente narradas, de maneira informal, por Manuel da Cachaça que – acreditem se quiser – foi um dos moradores mais populares de nosso município.

Com uma linguagem singela, encantadora e envolvente, própria do mundo da contação de “causos”, somos apresentados aos personagens e conduzidos ao mundo encantado das lendas e dos mitos que povoam o imaginário dos habitantes de Calambau - “lugar onde o mato é ralo e o rio faz curvas” e a “Água Limpa” conduz à inspiração.

Nada mais prazeroso do que poder transformar um ponto final em uma vírgula e, assim, ir reconstruindo a história nossa de cada dia. Como já diziam os antigos contadores de “causos”: Quem conta um conto, aumenta um ponto.

As estórias contadas neste livro seguem uma tradição oral transmitida por muitas gerações. Trata-se, portanto, de um elemento extremamente rico da cultura popular. Estórias que ouvimos e que levamos conosco pela vida afora permeando o nosso universo lúdico cultural.

Cabe agora, a você que tem este livro em mãos, aproximar-se da simpática figura do Manuel da Cachaça e experimentar todas as diferentes emoções que permeiam suas fantásticas narrativas. É indispensável fazer chegar a todos um livro como este, capaz de redimensionar a fantasia enquanto nos

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005aproxima do conhecimento de nossa gente. Gente criativa e comprometida com suas origens.

Todo mundo tem uma história para contar e todos os assuntos cabem na imaginação fértil do narrador Manuel que – entre uma cachacinha e outra – com seu jeitinho maneiro e linguagem saborosa, vai conduzindo-nos ao fantástico universo das pequenas estórias, ao mesmo tempo em que vai construindo a memória de um povo.

Ao Manuel da Cachaça todo o nosso apreço e admiração e, ao seu criador, o nosso muito obrigado.

Maria Goretti Guimarães Carneiro (26 de Agosto de 2010)

MANUEL DA CACHAÇA

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MANUEL DA CACHAÇA

Chamava-se Emanuel Dorcelino Américo.Por ter sido, durante muitos anos,

“alambiqueiro” na Fazenda Bananeiras, tornou-se popularmente conhecido por Manuel da Cachaça.

Era preto, baixo e magro.Sua idade, ninguém sabia. Diziam que passava dos

noventa e sete.Uma coisa era certa, não dispensava, diariamente, a boa

“pinguinha”, coisa que fazia, assim dizia, desde os sete anos de idade, quando sua mãe lhe dava numa colher pela manhã, para servir de remédio.

Seu ponto preferido, todos sabiam, era o boteco do Zé Cirilo.

Toda tarde ali chegava. Chapéu de feltro – um presente que dizia ter ganhado de um comerciante em Ouro Preto, quando era tropeiro – paletó xadrez, camisa branca abotoada até ao colarinho, meias brancas de algodão e as inseparáveis alpercatas.

Esta figura ímpar transformou-se em folclore local.Seus casos foram ouvidos de geração em geração.No fim da tarde, era o costume, todos se acotovelavam

no Boteco do Zé Cirilo, para ouvir, entre um trago e outro, os casos de Manuel da Cachaça.

Numa dessas tardes foi que ele contou o seguinte caso:_ “Quando eu ainda era tropeiro da Fazenda Bananeiras

e viajava levando cachaça e rapadura pra Ouro Preto e Mariana foi que me “assucedeu” este caso.

Nós tava arranchado numa fazenda que ficava lá pros lado de Mainarte.

Tava eu, compadre Mané Gomes, Tião das Dores, Chico Dutra e Zé do Bento, mocinho ainda com seus dezoito anos.

Nós tava já deitados e, pelas gretas do telhado do rancho, a gente podia ver a lua cheia e as estrelas no céu.

Foi aí que se ouviu o miado! Zé do Bento morria de medo! Ele tinha a mania de cobrir a cabeça com o cobertor,

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007deixando o nariz de fora. Cutuquei nele, desta vez ele tapou até o nariz!

Tião das Dores e Chico Dutra dormiam a sono solto.Aprocheguei de compadre Mané Gomes pra acordá ele,

quando ele, abrindo um olho me falou em voz baixa:_ “Tô ouvino, compadre! Preocupa não, Sô! Tô com o

“berro” debaixo do trabisseiro! Vamo esperá pra vê!”Peguei minha espingarda “La Porte” que estava

carregada e me cheguei na janela. Pela claridade da lua pude ver a bicha! Era uma baita onça, cês precisava ver! Devia medir mais de dois metros! Tremi da cabeça aos pés! Compadre Mané Gomes esticou o pescoço para fora e foi aí que ela miou feio! Feio e alto como eu nunca mais ouvi igual!”

Neste ponto, Manuel da Cachaça interrompeu a narração, acendeu um cigarro de palha, tomou uma pinguinha, raspou a garganta e continuou:

_ “Olha, Zé Cirilo, o miado da bicha foi tão alto, que nem os “amprificadô” da Festa da Cana faz mais barulho!

Foi aí que compadre Mané Gomes fez aquela besteira, Sô! Pegou o revólve e deu seis tiros pra cima! Acho até que foi de susto!

A bicha caiu no mato e nós não foi macho de arrear as mulas enquanto não amanheceu de tudo!

Dia seguinte, ainda assustados, botamos o pé na estrada rumo a Ouro Preto.

Lá pras bandas do Sumidouro nós vimos a bicha!Nós havia parado prum descanso e Zé do Bento levou os

animal pra beber água.Quando Zé do Bento viu a danada ele não sabia o que

fazer! Borrou pelas pernas abaixo e tentou correr, ela correu atrás!

Aí eu peguei minha espingarda, fiquei atrás de uma pedra e gritei pra ele:

_ “Para Zé! Para e faz careta pra ela! Onça tem medo de careta!”

E não é que o Zé me atendeu?! Parou e fez a careta mais feia que já vi no mundo! Pôs os dentes pra fora, arregalou

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008os olhos e como se não bastasse, ainda uivou como um lobo! Tava puro um “lobisome” com os cabelos arrepiados pelo medo!

A bicha levou tanto susto com a careta do Zé do Bento que parou! Mas ele continuou avançando em direção a ela!

Eu gritava pra ele parar, mas ele parecia doido e continuava!

Aí ele torceu o pé num buraco e caiu! A danada retesou o lombo preparando o bote!

Levantei a espingarda e mirei bem! Foi um tiro só! Um tiro como eu nunca mais dei! Cês precisava ver! No meio dos dois zóios dela! E ela ficou lá, esticadinha no chão!

Do couro dela eu fiz esta caparonga que aqui está. Com uma metade fiz um tapete bonito que ficava na sala da Fazenda Bananeiras. A outra metade eu dei pro Bispo de Mariana e segundo ouvi dizer, deu pra fazer um sofá de dois lugar! É uma pena que os meus companheiros tejam todos mortos pra aprová este fato!...”

Manuel da Cachaça levantou-se, tomou mais uma pinguinha, raspou a garganta, foi até a porta, voltou-se para nós e disse:

_ “Tava esquecendo. Zé do Bento, desde essa época ficou conhecido por “Zé Careta”. Depois de algum tempo ele mudou lá pro “Mata Onça”. Dizem que morreu, fazendo careta, tentando matar uma onça que assustava o povo da região! Boa noite prô cês! Se Deus quiser eu volto outro dia!...”

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A ESCRITURA

Lorico havia comprado umas terras. Vai daqui, vai dali, e ele acabou tendo uns problemas de divisas com uns vizinhos.

Certo dia tava eu em sua casa, quando o assunto das divisas saiu. Ele, pegando a escritura do terreno, falou:

_ “Olha, Manuel! É besteira a teimosia daquela gente! Aqui na escritura tá escrito! Já até decorei! Veja bem:”Das lombadas de Juca Miné, desce em linha reta até o Pau de João Maria, que sobe passando no Rego de Tia Chica, seguindo até entrar no Buraco do Garimpeiro. Do Buraco do Garimpeiro segue até o Fedegoso do Rosado passando pelo Rachado da Manuela, indo em direção ao Córrego do Jacu, até entrar na Varginha da Bernadete...”

Aí, então eu falei:_ “Ôh, Lorico?! O Sinhô num tá brincando, não?! Esta

sua escritura tá muito esquisita!...”

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A “BOCA DA ENCRENCA”Sô Lívio havia adquirido um bidê pro banheiro de sua

casa! Coisa nova! Puro luxo! Coisa que ninguém tinha por aqui nos anos cinquenta!

Certo dia, Zico Altino, lá do Retiro, veio visitar ele.Depois de um bom bate-papo na sala, a esposa de Sô

Lívio chamou pra um reforçado café.Zico, sentindo a bexiga pesada, pediu ao amigo para ir ao

banheiro. Lá entrando, vendo aquele estranho aparelho, logo pensou que era ali que devia esvaziar a bexiga! “Coisa de rico! Pra que um vaso e um troço deste?” Pensou consigo.

Quando ele saiu do banheiro, Sô Lívio entrou e, vendo o bidê todo molhado, logo concluiu que o amigo havia urinado ali.

Após o café, refastelados no sofá pra mais um bate-papo, Sô Lívio resolveu tocar no assunto do bidê, pra ensinar o amigo:

_ “O amigo deve ter visto aquele aparelho novo lá no banheiro, não viu? Chama-se bidê! Adivinha pra que ele serve?”

Zico foi logo respondendo:_ “O vaso eu sei que é pra soltar as fezes... Agora,

aquele negócio que ocê diz que chama bidê deve ser pra gente mijar, não é?”

Sô Lívio, rindo:_ “Não, não é pra mijar, não!...”E então, Zico foi lá falando um punhado de utilidades a

que poderia servir o tal bidê. Foi quando Sô Lívio, levando o amigo novamente ao banheiro, abriu a torneira, fazendo a água subir pelo esguicho, dizendo:

_ “Agora é fácil, você vai saber...”Zico, rindo, bateu no ombro do amigo e disse:_ “Ah!!! Já sei!!! Não é pra mijar e nem pra defecar! É

pra lavar a “Boca da encrenca”!...”

…..................................................................................................

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011E por falar em “Boca da encrenca”, me alembrei de um

outro caso engraçado.Maria Antonina, conhecida por “Maria Toninha”,

frequentadora de forrós, conhecedora de todos os botecos de roça e também apreciadora da “branquinha”, certo dia se meteu numa confusão de briga, onde saiu até tiro, lá pros lados das “Três Barras”. Levados à Delegacia, o Delegado, um tal de Dr. Pedra, ao vê-la perguntou:

_ “Então é a senhora que levou o tiro na encrenca?”Ela, levantando a saia rodada e comprida, respondeu:_ “Sim dotô! Sou eu mema! Mais num acertô nela não! O

tiro passô raspano aqui na frente!!!...”

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012A CAÇADA

O cigano falou tanta mentira sobre pescaria e caçada, lá no Boteco do Zé Cirilo, que quando ele saiu, Manuel da Cachaça, resmungou:

_ “Hum!... Até a onça que eu matei no caminho de Ouro Preto ficou “fichinha” perto dos feitos deste cigano! Ôh, homem mentiroso, Sô! Ele precisava era ter conhecido o meu amigo Sô Amâncio, lá do Sapé! Aquele, sim! Aquele era mentiroso de primeira laia! Olha, Zé Cirilo, teve uma vez que nós tava numa venda de roça, num domingo, tomando pinga e jogando baralho. Aí os assuntos partiu pros lado de pescaria e caçada. Eu já tava proibido de contar o caso da onça, cê sabe, né! Todos morriam de inveja!... Mas foi surgindo tanto caso, que o nome do Sô Amâncio foi citado na conversa. Foi então que ele chegou. Ao entrar eu logo perguntei:

_ “Ôh, Amâncio, nós tava falando da sua caçada. Quantas pombas cê matou mesmo com um só tiro de espingarda chumbeira?”

Ele, assumindo ar de importante, respondeu:_ “Tem uns mentirosos por aí, uns invejosos, que andam

dizendo que foi noventa e sete pombas! Isto é mentira! Na verdade foi NOVENTA E OITO POMBAS, SEM CONTAR COM UM PAPAGAIO BESTA QUE TAVA PATETANO NO MEIO DELAS!...”

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013JOÃO DA CRUZ E O “ECRIPES” DA LUA

Manuel da Cachaça tomou a pinguinha, acendeu o cigarro de palha, raspou a garganta e começou mais um caso:

_ “O povo é cheio de crendices e simpatias! Olha que tem muita coisa de verdade em tudo isso! Vou contar um caso que assucedeu com João da Cruz, pretinho espigado e simplório que trabalhou muito tempo na Fazenda Bananeiras no tempo em que eu já era alambiqueiro.

O forró tava animado. Já era tarde da noite e o povo não saía do terreiro da casa de Juca Carneiro. Juca Carneiro era um tipo de capataz na Fazenda. Era um sujeito alto, forte, corado, bigode largo, bonachão. Era casado, mas não podia ver um rabo-de-saia que se metia a conquistador. Gostava muito de cantar modinhas nos forrós. Me alembro bem da modinha que ele mais gostava de cantar:

“Olé lê carneiro dêolá lá carneiro dá

quem quisé carneiro mansomanda vaqueiro amansá...”

E foi nesta noite de forró que João da Cruz viu Isaura pela primeira vez! Nega bonita, corpo de violão, igualzinha a essas que a gente vê na televisão! O neguinho ficou doido olhando aquela mulher que não tirava os olhos de cima dele. Dançou com ela a noite inteira e não adiantava Juca Carneiro gritar que “par-perpétuo” não era permitido!

João da Cruz depois daquele dia só tinha olhos pra Isaura. E não demorou muito eles já estavam noivos e com pouco tempo casados.

Uns quatro meses depois do casamento, tava nós todos na venda do João Eufrázio, jogando baralho e bebendo cachaça. Foi aí que Juca Carneiro falou pra João da Cruz: _ “João, hoje é dia de “ecripes” da lua. Se eu fosse ocê eu ia lá na sua casa e não deixava que Isaura visse o “ecripes” não! Olha, João, eu andei muito nas beiras do São Francisco antes de vim pra cá, e dizem por lá que se muié grávida vê

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“ecripes”, se ela for preta, o filho nasce branco! Cê já pensou num filho branquinho na sua casa, João?!”

João da Cruz largou o baralho e correu pra casa. Lá chegando fechou as janelas e foi logo dizendo pra Isaura que ela tava proibida de ver o “ecripes” da lua pelo que Juca Carneiro falou. Isaura falou que isso era bobagem, que se o filho tivesse que nascê pretinho ou branquinho dependia de Deus querê! Mas o fato é que João fechou tudo e foram dormir.

Dia seguinte Juca Carneiro encontrou com o João e ainda perguntou:

_ “E então, João? Isaura viu o “ecripes”?”_ “Viu não! Fechei a casa toda!”_ “Tem certeza, João? Nem uma gretinha na janela?”_ “Já disse que fechei tudo home! Mas que diabo tem ocê

com isso, Sô?!”_ “Oh, nada não, João! Eu só estou dizendo porque sou

seu amigo! Até logo!”O tempo passou e João da Cruz se esqueceu do fato.Um dia nós tava tudo na roça quando Dona Fiinha, a

parteira, gritou chamando por João! Ele largou tudo e correu feito um doido! O bebê tinha nascido, e era macho!

À noite o pessoal foi visitá o João da Cruz pra conhecer o neném. Uma cachacinha, um bate-papo, vai daqui, vai dali e João da Cruz não mostrava o menino de jeito nenhum!

Aí chegou Juca Carneiro. Cumprimentou a todos, deu um abraço no João e foi logo perguntando:

_ “E aí, João? E o minino? A gente pode vê ele?”_ “Vai bem, ta lá dentro! Daqui a pouco Dona Fiinha traz

ele prô cês vê!”Volta e meia Dona Fiinha trouxe o neném. Todos olhamo

e num dissemo nada! Só Juca Carneiro falou:_ “É, João! Cê teve sorte! Ele não é branquinho! Ele é

pardo! Isaura viu o “ecripes” pela greta da janela! Sorte sua! Quero ser o padrinho!”

Manuel da Cachaça fez uma pausa para acender o cigarro e logo a seguir concluiu o caso: _ “Pra dizer a verdade, até hoje, quando alembro daquele neném, quase branco, fico pensando se foi mesmo culpa da greta da janela ou se Juca

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Carneiro tinha “culpa no cartório”, como diziam as más línguas da região!...”

TÁ NA MESA... É SÓ SERVIR!...

Manuel da Cachaça, voltando-se para mim, disse, após tomar a tradicional dose da branquinha:

_ “Sô Fernando, outro dia eu contei um caso, como o Sinhô não tava aqui, vou contar de novo. É um caso engraçado. Quem gostava deste caso era o Sô Sebastião de Nenerso, lá da Casa Soareza, que ria a valer toda vez que se lembrava dele.”

Manuel pigarreou levemente e continuou:_ “Anita Feliciano era uma mulher interessante. Era uma

viúva fogosa. Trabalhava muito. Apanhava café, lavava roupa, plantava roça, fazia coisas que até homem não fazia. A semana inteira era na labuta, mas no sábado e domingo, Anita era a primeira a chegar no forró de Juca Carneiro e a última a sair.

Cabelo sempre oleado, pó de arroz no rosto e batom vermelho nos lábios. Dançava com todos, mas no final da noite escolhia um companheiro pra dormir com ela.

Juca Salatiel tinha um sítio lá pras bandas do Córrego Grande. Homem sério, casado, pai de três filhos, levava a vida entre o trabalho e a família.

Anita Feliciano sentia por ele uma paixão secreta e sonhava em ter ele um dia, no mato ou em sua casa!...

Certo dia Juca foi à Fazenda Bananeiras negociar uns bezerros com meu antigo patrão. Conversa vai, conversa vem, Juca Salatiel acabou ficando pro jantar, e entre uma pinguinha e outra, saiu já bem tarde em direção à sua casa.

Anita, sabendo que o Juca tava na Fazenda, resolveu esperá ele na porteira do boqueirão.

_ “Boa noite, Anita. Tudo bem?” Cumprimentou Juca chegando na porteira.

_ “... Noite, Juca. Tá com pressa?” Respondeu Anita abrindo a porteira.

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016_ “Já é tarde e estou um pouco atrasado!” Disse Juca

passando devagar. Anita, sentindo que a hora era aquela ou nunca mais, disse:

_ “Sô Juca, tem um tempão que eu tô te esperando aqui...” Encostou na porteira, apoiou a perna no batente, colocando à mostra a coxa roliça e morena, e batendo nela levemente com a mão, completou:

_ “... Sô Juca, tá na mesa... É só servir!...”Manuel da Cachaça interrompeu o caso com aquela

risadinha matreira. Tomou mais uma “branquinha”, raspou a garganta e concluiu:

_ “Tião das Dores, que passou lá pouco depois, só viu a mula do Juca amarrada no batente da porteira... Sô Sebastião, lá da venda, toda vez que os filhos do Juca, já rapazes, iam lá, servia a cachaça pra eles, batia levemente no balcão e dizia:

_ “Rapazes, tá na mesa... É só servir!...”

A CADEIA

Era tempo de quaresma. Como sempre, Manuel da Cachaça ficava de “quarentena”, sem cachaça e sem fumo de rolo. Naquela noite tinha pouca gente no Zé Cirilo. Manuel, tomando guaraná e comendo Amendoim torrado espantava o vício de toda forma que podia. Olhando para mim perguntou:

_ “Sô Fernando, o Sinhô conheceu Sô Amantino Diogo?”_ “Claro, Sô Manuel! Conheci e muito!”_ “Pois vou contá um caso muito engraçado que envolveu

o meu amigo Amantino Diogo, de saudosa lembrança, que durante um certo tempo respondeu pelo cargo de Delegado Municipal aqui em Calambau.

Além da função de Delegado, Sô Amantino trabalhava como pedreiro, que era, na verdade, a sua profissão.

Homem enérgico, procurava manter a ordem e a tranquilidade na cidade e, devido à sua amizade, raramente precisava usar a Polícia Militar para ser obedecido quando necessário.

Page 18: Manuel da cachaca contos casos de boteco

017Certa vez, tava ele trabalhando em uma construção,

quando passou um sujeito desconhecido.Sô Amantino correu os olhos no caboclo e falou pra um

companheiro de serviço:_ “Taí, oh! Um andarilho na cidade! Vai ver que vai dar

trabalho! Esses homens desconhecidos, que vêm não se sabe donde!... Sei lá... E ele passou olhando pra mim... Vão ver só!...”

Volta e meia o andarilho torna a passar por ele.Sô Amantino coçou a cabeça preocupado e assim que o

andarilho afastou ele disse:_ “Olha só! Ele passou outra vez e me olhando! Vai dar

coisa!... Espera só! Se ele voltar eu abordo ele! E se ele me afrontar, prendo ele lá na Rua Nova!”

Pouco depois vem de novo o andarilho!Sô Amantino largou a colher de pedreiro, pôs as mãos à

cintura e ficou esperando o tal sujeito chegar. Quando ele chegou perto, Sô Amantino gritou:

_ “Para aí, Sô! Não chega mais perto não! Quem é você e o que quer comigo?! Tá só me olhando!... Fala logo!”

Então o homem parou e perguntou:_ “O Sinhô é o Sô Amantino, o Delegado?”_ “Sim, sou eu! Por que?”Coçando a nuca. O andarilho continuou:_ “Bem... É que eu queria um favô do Sinhô... É só inté

amanhã...”Impaciente, Sô Amantino falou:_ “Fala logo! Não vê que estou ocupado? Ou será que

você quer que eu te meta no xadrez?”Aí o andarilho arrematou a conversa:_ “É mais ou meno isto, Sô Amantino! Eu não quero sê

preso, não! Mas eu queria que o Sinhô me emprestasse a chave da cadeia pra eu passá a noite lá... É que eu não tenho dinheiro e nem lugá pra ficá!...”

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A CANTADA

Manuel da Cachaça, após tomar um trago da “branquinha”, como sempre, raspou a garganta, tirou um trago profundo do cigarro de palha e iniciou o caso:

_ “Certo dia, pela manhã, quando ia pro serviço, de enxada ao ombro, Sô Zé Maria, um pretinho espigado e treteiro, passou perto da casa de sua comadre Sá Marina, que lavava roupa no terreiro, agachada sobre a bacia, deixando à mostra, as coxas morenas e roliças”.

Sô Zé Maria, que há tempos vinha pensando em dar uma “cantada” na comadre, foi logo dizendo, de “zóio-comprido”:

_ “Bom dia, comadre! Como vão as coisas?”_ “Tudo bem, compadre! Indo pro serviço?”_ “É isso mesmo! Olha comadre, vou fazê uma pergunta,

uma adivinhação, num precisa respondê agora, não! De noite eu passo pra comadre dar a resposta!”

_ “Fala então, compadre! Qualé a pergunta?”_ “O que é o que é, que a comadre tem, que se dé pro

compadre, compadre qué! E o que é o que é, que o compadre tem, que se comadre quisé, compadre dá, é só falá? Até logo, comadre, de noite eu pego a resposta!”

Disse e foi andando, certo de que a “cantada” foi bem dada.

Assobiando feliz, ele passou pela cerca da horta e nem viu que o compadre Bastião, marido da comadre, ouvira tudo!

Na sua cabeça ele fazia os planos: Compadre Bastião bebia muito e dormia cedo, aterrizado pelo efeito da “branquinha”! Ia ser fácil! Bastava ter paciência!

Quando ele sumiu na curva do caminho, Sá Marina perguntou pro Bastião:

_ “Ôh, Bastião! Cê ouviu a pergunta do compadre? Cê sabe o que é que é?”

_ “Ôh, Sá besta! Ele tá é quereno te “cantá”! Aquele safado! Mas ele vai vê a resposta logo!”

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De noitinha, Sô Zé Maria chegou à casa da comadre. Banho tomado, botou até “Extrato Dyrce” pra ficar mais agradável à comadre Sá Marina.

Compadre Bastião, sentindo o cheiro do perfume, disse:_ “Uai, compadre! Que foi que houve? Banho de “corpo-

inteiro” em dia de semana? E ainda perfumado?”Sô Zé Maria, meio sem jeito, respondeu:_ “ É que eu caí na esterqueira hoje, sabe como é, né...

Num caso desse só banho de “corpo inteiro” e perfume é que resolve!”

Aí os dois começaram a beber junto.Sô Zé Maria, malandro, fingia que bebia e procurava um

meio de sempre encher o copo do compadre Bastião. Mas não adiantou! Os dois ficaram até tarde bebendo e batendo papo e nada do compadre Bastião “arrear”!

Então, vendo que naquela noite não “arranjaria” nada, resolveu ir embora e ao sair da cozinha pra sala, disse à comadre:

_ “Bem, comadre. Tô indo embora! Outro dia eu volto pra ouvi a resposta da comadre à minha pergunta... Boa noite!...”

Aí o compadre Bastião, pegando um porrete atrás da porta, falou pra Sô Zé Maria:

_ “Carece não, compadre! A resposta da comadre tá aqui! Seu safado! Toma!”

Disse e desceu o porrete no lombo de Sô Zé Maria, que gritando, desceu a escada sem ver os degraus, sumindo na curva do caminho!...”

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A “DISGRAÇA” DE SÁ MARIETA

Comadre Marieta, que morava lá nas Três Cruzes, tinha o costume de não usar calcinha! O compadre falava, as filhas falavam, mas ela dizia que não suportava o calor e as “coisas” tinham que ficar ventiladas pra fazer bem à saúde!

Quando o compadre Zefa morreu, que Deus o tenha, passado uns sete dias, Sô Jovino, também compadre, foi fazer uma visita. Ela recebeu a visita na sala, chorando muito!

Conversa vai, conversa vem, o Jovino sempre lembrando de um caso do amigo.

Num certo momento, Sá Marieta, esquecendo que estava sem calcinha, levantou a saia, rodada e comprida, pra enxugar os olhos!

Aí o Jovino viu tudo!Aí Sá Marieta falou:_ “Pois é, compadre Jovino, cê já viu “disgraça” maior

que esta?”Jovino, distraído, respondeu:_ “Já não, comadre! Só quando vaca tá no cio!...”

“LARI LARÔ”

Dona Miru, viúva fogosa, vivia aproveitando a ausência dos filhos que trabalhavam fora, para receber as “visitas” de Sô Antonino, seu compadre. Pra anunciar que a casa estava vazia, Dona Miru colocava uma toalha vermelha na janela e, Sô Antonino, ao ver o “sinal”, arranjava logo uma desculpa pra ir à casa da comadre e assistir ela em safadezas!

Pra ver se a rua estava deserta, pro compadre sair, Dona Miru abria a janela, esticava o pescoço, olhava a rua pra baixo e pra cima e cantarolava:

_ “Lari larô... Lari larô...”Isto indicava que Sô Antonino, já perto da porta, podia dar

o fora!

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021A vizinhança, com pouco tempo, percebeu a “mandraca”

dos dois e logo, logo, a cidade já sabia de tudo!Aconteceu de chegar na cidade um Circo. Com poucos

dias os rapazes da época fizeram amizade com o palhaço, que gostava de tomar umas biritas e fazer serenatas. Bastou uma rodada de pinga e uma seresta pra ele se inteirar do caso de Dona Miru e Sô Antonino. Então ele prometeu pra rapaziada que na apresentação do sábado, o “Lari larô” de Dona Miru ficaria famoso!

E chegou o sábado! Circo cheio!O palhaço lá estava fazendo o papel de um empregado,

cuja patroa, na ausência do marido namorava outro! A patroa recomendou ao palhaço que ficasse fora da casa e se o marido chegasse, que desse um sinal de aviso!

E a cena desenrolou: Os dois namorando no sofá e o palhaço, fora do picadeiro, vigiando a chegada do marido. De repente ele vem chegando. O palhaço mete os dedos na boca e assovia em sinal. Os dois se separam no sofá e o palhaço, mexendo o pé direito, calçado com um sapato enorme e bicudo, completa o sinal cantarolando:

_ “LARI LARÔ... LARI LARÔ!...”A platéia explode em risadas e Dona Miru, envergonhada,

esconde o rosto com a saia, esquecendo que estava sem calcinha!...

A DISTRAÇÃO DE COMADRE JOANA

Já era o décimo filho que comadre Joana tinha e o compadre Zé Arlindo, com desculpa de que estava esperando vir a “mocinha”, não dava trégua pra coitada da comadre!

Um dia comadre Joana reclamou com Dora, minha finada esposa, que Deus a tenha, de que já não aguentava parir filho todo ano. Precisava dar um jeito, mas o compadre Zé Arlindo “queria” todos os dias e ficava difícil controlar!

Dora, com aquele seu jeitinho de falar disse à comadre:_ “Joana, cê tem que ficar esperta! Na hora do “bem-

bom”, tem que “rachá fora”! É o único meio seguro de evitá filho!

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022 Ou então fala com o compadre pra usá as tal “camisinha” lá da farmácia!”

_ “Ih, comadre! Camisinha não! O Padre disse que é pecado e o Zé Arlindo disse que é mesma coisa que chupá bala sem tirá o papel!”

Apesar de tudo, comadre Joana prometeu que ia fazer de um modo que não mais ficasse grávida.

O tempo passou... Uns seis meses depois, Dora encontrou com a comadre Joana numa procissão do Santíssimo.

Olhou pra comadre e vendo a barriga grande, falou:_ “Comadre Joana, outra vez?! Cê esqueceu do meu

conselho?!”Meio sem graça, a comadre respondeu:_ “Êh, comadre! Eu não sei como explicá! Mas toda vez

que eu mais o Zé ia fazê as “coisas”, eu ficava DISTRAIIIIDA!...”

A DOR DE DENTE

Oto Silva era dentista prático no Distrito de Calambau. Era um PSD de “papo amarelo”, como se dizia na época.

Quando o Distrito se emancipou e foram marcadas as eleições municipais, ele entrou firme na campanha!

Baixinho, bigode fino, bom de prosa, defendia com unhas-e-dentes a candidatura de Ninico Carneiro à Prefeitura Municipal.

No seu gabinete, situado lá na Rua Nova (Siqueira Afonso), extraiu dente e fez dentadura de graça para o povo, mas nada adiantou, o PSD perdeu as eleições, a vitória foi do PR!

Zé da Iria tinha um pequeno sítio lá pras bandas da Limeira.

Ao contrário de Oto Silva ele era um PR de “amargar”, desses de riscar faca no passeio ou passar a noite inteira vigiando as urnas na eleição, sem comer nada, apenas pelo prazer de defender o seu partido!

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023Com a derrota nas urnas, o martírio de Oto Silva

começou: Todas as vezes que vinha à cidade, Zé da Iria passava pela Rua Nova e cantarolava:

“Chora “pessidê” Que é seu tempo de perdê Chora “pessidê” Tampa o ouvido pra num sofrê!”

E lá vinha o refrão:

de nada adiantou rancá dente de graça que o “pessidê” caiu foi na disgraça!”

Aquilo doía em Oto Silva. Ele chegava à porta de seu gabinete e olhava o Zé da Iria passando. Calça arregaçada na canela, chapéu de palha desfiado, faca na cintura, pé espanado, tipo “dez pras duas”, lá ia ele, a imagem do valentão protegido.

Oto Silva ia até a venda de Geraldo Henriques, que nesta época funcionava na Rua São José, ao lado da tradicional loja de Zé Fernandes, tomava uma pinga e dizia:

_ “Nada melhor que um dia após o outro. Tá vendo este puxa-saco do PR, Geraldo? Um dia o dente dele vai doer, ora se vai! Todo mundo tem dor de dente e não vai ser Zé da Iria que já tem os dele brocado, que não vai sentir dor! Mas nesse dia... Não quero nem pensar!...”

E não deu outra!A praga lançada por Oto Silva pegou Zé da Iria num

brejo, plantando arroz!No princípio foi aquela dorzinha, depois foi apertando e

ele teve que ir pra casa!Bebeu cachaça, nada! Bochechou com cachaça quente,

nada! Esfarelou comprimido de Melhoral e pôs no buraco do

Page 25: Manuel da cachaca contos casos de boteco

024dente, nada! O diabo do dente latejava! Zé da Iria já não aguentava mais!

Dia seguinte, bem cedo, Zé da Iria chegou na Loja de Sô Lívio, chefe local do PR. Explicou pra ele a situação e Sô Lívio, passou um bilhete pra Oto Silva resolver o problema de Zé da Iria.

Zé da Iria estava sentado na cadeira de dentista, suando à bicas, com a boca recheada de algodão!

Oto Silva, feliz, assobiando as musiquinhas que Zé da Iria gostava de cantar em frente ao seu gabinete, alisava o boticão, como se fosse um açougueiro alisando a faca na hora de destrinchar um porco!

Meteu mais algodão na boca de Zé da Iria e falou baixinho em seu ouvido:

_ “Então, Zé. Você é PR de “amargar”, né?”Zé da Iria, tremendo, balançou a cabeça negando._ “Mas o bilhete pra te atender é de Sô Lívio... Ih, que

broca danada de dente, Sô! E tem mais um punhado que ainda vai doer!... E então, que que você me diz?...” Falou Oto Silva, abrindo bem a boca do Zé.

Aí, aquela vozinha saiu lá do fundo da garganta de Zé da Iria, puxando “xis”, devido ao algodão na boca, e fininha, bem fininha, como se tivesse pedindo perdão:

_ “EU XÔ PEXIDÊ! TÔ FINXINO COM ÊX. TE XURO!...”Não é preciso dizer que Oto Silva arrancou o dente sem

anestesia e nem tão pouco cobrou o serviço. Foi por puro prazer!...

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025A MISSA CANTADA

Sá Ana, lá do Galo era uma rezadeira de mão cheia! Na Igreja, participava de tudo! Com aquela voz esganiçada, puxava cantos sem parar! Não era fácil aguentá-la nas cerimônias religiosas!

E tinha mais! Quando o terço acabava, lá vinha Sá Ana puxando ladainhas e cantos que se prolongavam, às vezes, até por horas!

Certo dia, Padre Chiquinho, após uma Missa Cantada, muito demorada e cansativa, terminou a cerimônia cantando a tão esperada frase em latim:

_ “ET MISSA EST!”Ali mesmo no altar, muito cansado, começou a tirar os

paramentos litúrgicos, quando lá do fundo da Igreja, a voz esganiçada de Sá Ana puxou o canto:

_ “Eu cantarei ao Meu Senhor Eternamente...”

Padre Chiquinho, irritado, retrucou cantando:

_ “Não canta, não, Óh, imprudente!...”

E saiu rumo à sacristia!...

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026

A PESCARIA DE CHISPIM

Desde cedo o reboliço na casa de Sô João Fernandes era de notar: Mataram um porco enorme e o trabalho de fritar e empanelar as carnes e torresmos não dava trégua.

Sobre o fogão de lenha, um varal de bambu estava repleto de linguiça e nas gamelas chouriços !

Compadre Chispim tinha saído pra pescar na pedra do rebojo. Volta e meia tava ele chegando com uma piaba de dois quilos e quatrocentos gramas!

Ao entrar em casa, sentindo aquele cheiro de carne de porco frita que saía da casa de João Fernandes, ficou a pensar: “Diacho, Sô! Como peixe quase todo dia... E esse cheirinho de porco frito... Vou levar esta piaba pra Sô João Fernandes... Quem sabe ele me dá um bom pedaço de carne ou linguiça... Sim, é isso mesmo! Vou já pra lá!...” E levou a piaba para a casa do amigo! Lá chegando, foi entrando casa a fora, dizendo:

_ “Ô, Sô João! Trouxe um presente pro amigo! Olha só! Dois quilos e quatrocentos! Num é uma bichona?!...”

Sô João Fernandes não estava em casa. A mulher dele recebeu o presente, agradeceu e disse que depois mostraria o peixe ao João Fernandes.

Chispim olhava o varal de linguiça com água na boca e enquanto tomava o cafezinho que a mulher serviu dizia:

_ “Que fartura, hein? Quanta linguiça e chouriço!... Deve estar uma delícia!... A senhora sabe fazer as coisas!... Benza ó Deus! Que beleza!...”

Depois do café esperou um pouco. Como ninguém falava nada e nem tão pouco Sô João Fernandes chegava, despediu e foi pra casa. Lá chegando não teve paz! Ficou matutando na besteira que fizera: “Agora, come pedra se quiser!... Mas é um absurdo! Com aquela fartura, aqueles miserentos não me deram nada em troca da piaba!... Não!... Isso não vai ficá desse jeito!...” Assim pensando, Chispim foi de novo à casa de João Fernandes.

João Fernandes, que já estava em casa, ao ver o Chispim, foi logo dizendo:

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027_ “Ôh, Chispim! Que beleza de piaba! Muito obrigado!

Agradeço de coração!”Chispim ainda tentou uma “cartada” pra ver se ganhava

alguma coisa:_ “Coisa de nada, meu amigo! Um peixico atoa! Coisa

boa mesmo é o porcão que o amigo matou! Benza ò Deus! Que fartura!”

E pôs-se a esperar para ver se ganhava alguma coisa. Depois de um certo tempo, vendo que “daquele mato não saia coelho”, falou pra João Fernandes:

_ “Olha, Sô João! Eu estou com uma “duda” aqui na cabeça... Eu queria dar uma olhada na piaba pra ver de que lado eu fisguei a boca dela... Se foi do lado direito ou do lado esquerdo... Dá pra trazer ela pra eu ver?...”

João Fernandes foi até a cozinha e voltou com a piaba na mão. Chispim pegou, remexeu a boca, balançou a cabeça, caminhou em direção à porta, olhou pra João Fernandes e disse:

_ “Já que eu não vou comer nada do seu porco, você também não vai comer do meu peixe! Se quiser peixe vai pescar! Inté!...”

E jogou o peixe na rua, que foi abocanhado pelo cachorro de Sá Varina, que por ali rondava à cata de um pedaço de osso!...

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028

A SEMANA SANTA

A cerimônia acontecia no palco armado em frente à Igreja Matriz.

O povo ouvia atentamente o sermão pregado por um padre que falava com forte sotaque estrangeiro, mal dando para entender as palavras.

No momento em que Nicodemos e Arimateia iniciaram a descida do corpo de Cristo da cruz, um conterrâneo que havia chegado de São Paulo, aproximou-se de Zé Naná, que fazia o papel de soldado romano e perguntou:

_ “Ô, rapaz! Estou tentando me lembrar do nome dos dois personagens que estão descendo o corpo de Jesus, mas não consigo, além do mais, este padre que está pregando não fala direito a nossa língua... Você sabe o nome bíblico deles?”

Zé Naná, com naturalidade, respondeu:_ “Ô, Sô! Cê não tá reconhecendo eles não?! O grandão

é o Patiagua, que jogava na U.S.E, o outro é Chico Matias, lá do Galo!...”

A SERENATA

A serenata fora programada em seus mínimos detalhes.Arranjou-se a cachaça – peça principal da seresta, mais

importante que o violão – e arranjou-se a “licença” com o Delegado, que naquela época, para controlar as arruaças da rapaziada, cobrava uma taxa para se fazer serenatas. Pelo menos, como dizia o Delegado, qualquer coisa errada que acontecesse naquela noite, já tinha os nomes dos prováveis autores.

Aí um dos “seresteiros” lembrou-se de uma coisa importante que estava esquecida: A GALINHADA! Onde arranjar as “penosas” para se fazer a bendita galinhada na casa de Tio Antônio, após a serenata!

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029Madalena, versado nas artes “galináceas”, foi logo

dizendo:_ “Deixa comigo! No quintal de Sô Olívio tem muitas

galinhas! Lá não tem galinheiro, as bichinhas dormem num poleiro próximo ao muro da rua! Vai ser sopa! Vocês vão aprender como se rouba galinha sem fazer barulho!"

O que ninguém se lembrou é que em frente ao muro da casa de Sô Olívio, morava Sô Mané, um velho soldado da PM, que sofria de insônia!

Tudo preparado, tudo acertado, aguardou-se a hora de começar a serenata.

Naquele tempo, a luz elétrica da cidade era proveniente de um gerador diesel, que exatamente às 22:00 horas era desligado. Portanto, às 23:00 horas já não haveria mais ninguém nas ruas, era a hora ideal de se começar a seresta.

E ela teve inicio na Praça União, em frente ao cemitério velho, subindo em seguida pela São José.

O litro de pinga ia passando de boca-em-boca e os “cantores”, em frente às casas das “doce amadas”, cantavam valsas, boleros e sambas-canções...

Chegou-se ao muro da casa de Sô Olívio! Madalena pediu silêncio e falou em voz baixa:

_ “Ô turma, agora nada de música! Vou mostrar pra vocês como se rouba galinha sem fazer barulho! Presta atenção!”

Atravessou a rua, arrancou um bambu de uma cerca – da casa de Sô Mané – subiu no muro e foi falando baixinho:

_ “Agora, é só cutucar com o bambu nas pernas das galinhas, que elas, dormindo, sobem do poleiro para o bambu... E aí, oh, é sopa!... Olha as duas “penosas” que peguei... Ah, deliciosas...”

E foi voltando-se para a turma mostrando as duas galinhas, quando deu de cara com Sô Mané, que com as mãos cruzadas, calmamente assistia à cena da janela de sua casa!

A turma, neste instante já havia dado o fora!...Madalena, com um riso amarelo, calmamente voltou as

galinhas para o poleiro enquanto dizia:

Page 31: Manuel da cachaca contos casos de boteco

030_ “É isso aí, Sô Mané! Eu tava mostrando pra turma,

como esse pessoal que cria galinha sem prender no galinheiro, corre o risco de ser roubado! Isto é só uma demonstração! Eu não estava roubando, não! O senhor me conhece, né?!...”

Desceu do muro, atravessou a rua, colocou o bambu na cerca e de longe, ainda disse pro velho soldado, que estava boquiaberto com a cara de pau do Madalena:

_ “Boa noite, Sô Mané... Foi só uma demonstração pra turma... Boa noite!...”

E “fechou” num galope rua abaixo em direção à casa de Tio Antônio, onde a turma esperava, “rolando” de tanto rir!...

A SIMPLICIDADE DE SÔ MANUEL

Outra pessoa engraçada era o meu amigo, Sô Manuel, lá do Salto. Era muito simplório e tinha a mania de falar alto, gritado!

Certo dia tava eu plantando uma roça de milho lá perto da ponte de arame do Salto, quando ele chegou e parou pra um dedo de prosa!

Concersa-vai, conversa-vem e ele se lembrou de passar umas recomendações à sua mulher que lavava roupa na outra margem do rio.

Pôs as mãos em concha à boca e gritou:_ “Ô Maria! Ô Maria! O dinheiro da venda do porco tá

debaixo do “trabisseiro”! Põe ele debaixo do colchão e põe um cobertor dobrado sobre a cama pra despistar! Se ocê fô sair, fecha toda a casa e põe a chave debaixo do vaso de flô perto da pia do terreiro!”

Vendo que Barbosa, que tinha fama de larápio tava pescando debaixo da ponte, recomendou:

_ “Óia, tem rato de dois pé rondando a área! Amarra canela (o nome da cachorra) na porta da frente que é pra dá respeito! Toma cuidado! Inté!...”

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A VISITA DO COMPADRE CANDIDATO

Na campanha política do ano de 1996, um certo candidato a Prefeito foi visitar o eleitorado do Salto, Mateus e vizinhanças.

Ao chegar próximo a uma porteira, o candidato desceu do carro para abri-la, quando um bando de meninos o cercou.

Brincando com os meninos o candidato deu-lhes umas moedas, perguntando de quem eram filhos. Um deles respondeu:

_ “Nós é filho de Nega de João Balança!”O candidato falou:_ “Ora, então um de vocês é meu afilhado, cadê a mãe

de vocês?”Antes que os meninos falassem alguma coisa, uma

mulher, descendo o morro, veio gritando de braços abertos:_ “Óia, gente! É o compadre! Deix’eu te dá um abraço!

Vão lá em casa que o João tá lá!”Depois de abraçar a comadre, o candidato, olhando a

meninada, perguntou à comadre qual deles era o seu afilhado.A comadre, apontando para um menino lourinho,

respondeu:_ “É aquele ali, compadre! Já tá com oito anos... Cê

acha que ele parece com o pai?”O candidato, depois de dar uma nota de dez reais para o

menino, que saiu pulando igual a um cabrito, balançando a nota, apoiou-se no ombro da comadre e caminhando em direção à casa, sussurrou-lhe no ouvido:

_ “Olha, comadre. Me explica uma coisa... Como é que a comadre que é mulata foi ter este filho lourinho, se o compadre é quase preto?”

A comadre, rindo, respondeu:_ “Eh, compadre... Num dá pra explicá... Acontece cada

milagre nesta banda do rio que num tem nem explicação!...”

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032

AO BOBO?!...

Sô Teco tomou umas biritas e foi pra casa. Com a cabeça cheia ele aprontou bastante, importunando a vizinhança!

E não deu outra! Um vizinho chamou a Polícia!O Cabo, acompanhado por dois soldados chegaram à

casa de Sô Teco. O Cabo bateu à porta e lá de dentro Sô Teco pergunta:

_ “Quem tá batendo aí?”_ “É a Autoridade! Faça o favor de abrir, Sô Teco! Só

queremos conversar!”Sô Teco responde:_ “Autoridade?! Abro não!!! Num sou bobo?! Pode

dormir aí fora que não abro! Ao bobo?!...”Após várias tentativas, o Cabo teve a ideia! Disse a um

dos soldados:_ “Você se esconde atrás da casa enquanto nós

descemos o morro! Sô Teco vai sair pra ver... e então você pega o bicho!...”

Chegando-se à janela o Cabo falou:_ “Nós estamos indo embora, Sô Teco! Amanhã a gente

volta para conversar! Vamos pessoal!”Pouco depois Sô Teco abriu a janela e, não vendo a

Polícia, abriu a porta e saiu pra rua, rindo e falando:_ “Autoridade!... Me prender?!... Ao bobo?!... Vai com

Deus e Nossa Senhora e o “Demo” atrás tocando viola!...”Foi então que ele sentiu alguém tocando seu ombro e

voltando-se pra ver, deu de cara com o soldado de algemas na mão!

_ “Xiii!... O véio dançou!... Ao bobo?!...”

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033

AS CAMISINHAS FURADAS

Manuel da Cachaça enrolou com cuidado o cigarro de palha. Depois de acendê-lo, deu uma tragada e começou:

_ “Certo dia, um viajante de laboratório, passou numa farmácia daqui, e entre vários remédios que vendeu ao farmacêutico, incluiu um novo produto que estava sendo lançado no mercado. Tratava-se, nada mais, nada menos, que as famosas “Camisinhas de Vênus”!

Com receio, o farmacêutico comprou o novo produto!Sua consciência religiosa ia contra tais produtos, mas os

tempos estavam mudados e alguns fregueses já haviam feito, por vária vezes, tal encomenda!

O certo é que o farmacêutico mantinha as camisinhas numa gaveta fechada a chave e fazia um controle rigoroso das que vendia!

Mas apesar de todo esse cuidado, começaram a aparecer camisinhas usadas, na porta da Igreja, no antigo prédio do Patrimônio, na pedra de banho e até na porta da Casa Paroquial!

O padre não demorou a falar do assunto nas práticas dominicais e um dia foi procurar o farmacêutico.

_ “Meu filho, você tem que parar de vender este produto! O lugar tá virando uma promiscuidade! É essa tal camisinha por todo lado! Você tem que dar um jeito nisso! Além do mais, o uso desse produto vai contra a Lei de Deus! “Crescei e multiplicai”, assim diz a Bíblia, e você, vendendo isto está contra a palavra de Deus! Está pecando!”

O farmacêutico coçou a cabeça preocupado, abriu a gaveta e mostrando para o Padre, que olhava boquiaberto a quantidade de camisinhas, falou:

_ “Tudo bem, Padre! Eu vou controlar a venda, mas não posso ficar com o prejuízo! Vou seguir a Lei de Deus furando algumas delas com alfinete! Vai ser uma questão de sorte de nascer ou não alguma criança por parte dos usuários!”

O Padre concordou, mediante a promessa de que o produto não seria vendido pra rapaz solteiro!”

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034Manuel da Cachaça interrompeu o caso em meio à risada

geral. Tomou a cachacinha, raspou a garganta e arrematou o caso rindo à valer:

_ “Eu posso lhes garantir, Sôs Moços, que muitos de vocês estão aqui hoje, graças às camisinhas furadas do tal farmacêutico!...

AS LUZES DA PONTE

Quando Manuel da Cachaça se dispunha a contar um caso de seu amigo Antônio Maurício, ele o fazia com prazer:

_ “Sô Antônio Maurício morava lá na Isabel! “Pessedista” e “Niniquista” como ele ainda não vi ninguém! Acho até que ele era mais “Niniquista” que o próprio Ninico Carneiro, candidato a Prefeito pelo PSD!

Corria o ano de 1958. A política “pegava fogo”, como se diz! O povo se preparava pra eleger o segundo Prefeito do município, visto que Sô Juquinha da Água Limpa foi eleito Prefeito na primeira eleição.

As coisas pareciam muito boas pro PR! A construção da “ponte de cimento armado” sobre o Rio Piranga e a construção do prédio do Grupo Escolar pesavam na balança, como obras de vulto do PR!

Aí houve a inauguração da ponte! Um festão que atraiu muita gente!

De noite, a ponte iluminada fazia os “pessedistas” “engulir seco”, tentando colocar algum defeito. E surgiram os defeitos: “É muito estreita” – “Não passam dois carros” – “Tem que se fazer obras pensando no futuro” – “Economizaram para sobrar dinheiro pra comprar votos” – etc, etc, etc... Mas tudo motivado pelo ciúme da grande obra feita na cidade! Mas não adiantava! A ponte iluminada estava lá! Bonita e boa pra todo mundo passar!

Então, uma certa noite, aconteceu o que ninguém esperava... Quebraram as luz da ponte! Só podia ser coisa dos “pessedistas”!... Foi um “sururu” danado na cidade!

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035A polícia “metia fuzil” em qualquer grupinho de pessoas

que ficasse pelas ruas tarde da noite! Parecia até época de revolução!

Aí, Antônio Gato e Zé de Lucas chegaram à casa de Sô Antônio Maurício.

_ “Bom dia Sô Antônio! Como tem passado?”_ “Bom dia meus amigos! Vai indo tudo bem! Enquanto

eu termino este servicinho aqui, os amigos não se acanhem. Vão lá dentro, na cozinha e sirvam-se à vontade! Maricota fez um franguinho com quiabo. Ela foi lá na Fazenda de Sô Guilé. Podem servir. A pinga está no garrafão, debaixo da mesa. Agorinha mesmo eu vou!”

Aquilo foi jogar “sapo n’água” pros dois! Entraram na cozinha, beberam cachaça, comeram o franguinho e só deixaram os ossos com quiabo!...

Volta e meia Sô Antônio entrou na cozinha. Pegou o prato, destampou a panela, remexeu o frango, e vendo que só tinha ossos, falou:

_ “Gozado... Maricota fez um frango que era puro osso... Olhou pros dois, coçou a cabeça, tomou uma pinguinha e sentando-se na ponta do banco, perguntou:

_ “Mas que novidades os amigos me trazem?”Zé de Lucas, sempre mais prosa e com aquele estilo

meio carioca e paulista – ele havia trabalhado fora – falou:_ “Olha, Sô Antônio... Vou falar contigo uma coisa. Lá na

Rua as coisas tão pretas! Tem polícia “metendo o fuzil” em todo mundo! Num tá fácil, não!...”

_ “Mas o que aconteceu? Fala logo homem! Mataram alguém?”

_ “Não! Pior que isso! Quebraram as luz da ponte!...” Falou Antônio Gato servindo mais uma pinguinha.

Sô Antônio riu satisfeito:_ “Há, Há, Há! Quebraram as luz da ponte? Há, Há,Há!

Já sei! Vai vê que foi aquele bando de “perristas” mequetrefe que fizeram isso só pra jogar a culpa nos “pessidê”! Só pode ser! Há, Há, Há! Sô Ulisse, Delegado, tem que “exemplá” eles! Cambada de mequetrefe! Há, Há, Há!”

Aí Zé de Lucas falou:

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036_ “Éh... Mas tão falando que foi gente da alta... Políticos

fortes do PSD!...”Sô Antônio parou de rir e perguntou:_ “Quem?... Quem foi?... Eu sei que é fofoca do PR!...

Fala!”Zé de Lucas, puxando Antônio Gato pela manga da

camisa, saiu pela porta da cozinha e respondeu:_ “Tão falando que foi Ninico... Zé Fernandes... Idú...

Sérvulo... Zizinho Peixoto... Sô Benigue...”Sô Antônio, chegando-se à porta falou, ou melhor, gritou:_ “Fora! Fora seus transmitidô de notícia farsa! Fora!

Onde já se viu uma coisa dessas? Ninico, Zé Fernandes, Idú, Sérvulo, Zizinho Peixoto, Sô Benigue!... Ês são lá homem de fazê uma coisa dessas?!”

Entrando em casa, topou com Maricota que acabara de chegar:

_ “Que foi Antônio? Que que aconteceu?”Sô Antônio respondeu servindo mais uma pinguinha:_ “É aqueles transmitidô de notícia farsa! Aqueles beija-

flô-do-rabo-preto! Onde já se viu? Ninico, Zé Fernandes, Idú... Quebrá luz da ponte?!...”

Bebeu a cachaça, estalou a língua e arrematou:_ “Bão! Se foi ês, foi muito bem feito! Aquelas luz tavam

meio fracas... Num tavam valendo muito nada! Se foi ês, foi bem feito!...”

Saiu e foi pendurar os retratos de propaganda dos candidatos a Prefeito e Vice, Ninico e Sô Guilé, na porteira, justamente na hora em que um “perrista” do Xopotó passou de jeep e gritou:

_ “Aí, hein puxa-saco! Botando os homens pra tomar sol!...”

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037

AS RAPADURAS

Sô Belito, cachacista militante e treteiro, certo dia tava tomando umas biritas no boteco de Sô Dote, lá nas Cruzes.

Conversa-vai, conversa-vem, uma pinguinha pra espichar o papo, um cigarrinho de palha e as horas passando.

Aconteceu que Sô Dote precisou de sair e deixou o boteco por conta de Sô Belito por alguns minutos. Foi o tempo suficiente para ele ufanar duas rapaduras e colocar no bornal, deixando ele pendurado em um prego do lado de fora do boteco.

Sô Dote ao voltar, logo notou a falta das rapaduras. Despistadamente, verificou o bornal de Sô Belito, encontrando lá as dita-cujas.

Com rapidez trocou elas por dois tijolos, deixando o bornal no mesmo lugar.

Já mais tarde, bem “alto”, devido o efeito das “branquinhas” que havia tomado, Sô Belito tomou o rumo de casa, feliz com as duas rapaduras que levava.

Pelo caminho ele foi pensando: “Hoje a mulher vai ficar sastifeita! Duas rapaduras! E ela que sempre diz que eu gasto tudo em cachaça!...”

Chegando em casa, jogou o bornal sobre a mesa da cozinha e foi logo gritando para a mulher:

_ “Ô Maria! Dá seu jeito e faz logo um café! Tô doido pra tomá um café fresquinho!”

A mulher, logo respondeu:_ “Faço, sim! Mas ocê vai lá no terreiro cortar a cana e

passar na engenhoca pra fazê a garapa!”Belito, rindo satisfeito, mostrou o bornal:_ “Precisa de cana não, muié! Comprei duas rapaduras

lá no boteco de Sô Dote! Taqui no bornal!”A mulher atiçou o fogo no fogão, pôs mais água pra ferver

e pegando o bornal, falou:_ “Tá pesado! Até que enfim ocê trouxe alguma coisa pra

casa sem ser litro de pinga!”Tirando as “rapaduras” do bornal, exclamou surpresa:_ “Belito!!! Olha aqui!!! Isso é tijolo!!!”

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038Ele, esfregando os olhos, disse:_ “Num acredito!!! Cumé que Sô Dote pôde fazê uma

brincadeira dessas comigo?!...”

COISAS DE BÊBADOS

Aprino e Mané Fostino, dois cachacistas militantes, certo dia se encontraram na encruzilhada da Fazenda do Baía, já sob o efeito da “branquinha”.

_ “Tá voltando, Mané?” Perguntou Aprino._ “Não, tô ino!” Respondeu Mané Fostino._ “Ino pra onde? Pra Presidente ou pra Piranga?”_ “Pra Presidente, uai!”_ “Ora, será que eu tô bebo? Aí ocê vai é pra Piranga!”_ Será?! Eu tô é ino!”_ “Não! Cê tá é voltano! Vão trocá de lugar pra vê! E

agora, cê tá ino ou tá voltano?”_ “Eh, acho que eu tô voltano!... Bão, lá vem Chico

Vazio. Vão perguntá pra ele?”Chico Vazio, de nome Francisco Washington, outro

cachacista declarado, chegou-se aos dois perguntando:_ “Cês tão ino ou vino?” _ “Ih!... É isso que nós qué sabê!... Que que ocê acha?

Olha a posição do Mané. Cê acha que ele tá ino ou tá voltano de Piranga?”

Chico Vazio, olhou a posição do Mané, fechou um olho e olhando bem pra encruzilhada da Fazenda, disse:

_ “Tá difícil!... Essa encruzilhada num para de andá!... Lá vem Zé Pinheiro, vão perguntá pra ele...”

Zé Pinheiro chegou até onde estavam. Fez o “sinal-da-cruz” – uma mania que ele tinha – e cumprimentou-os:

_ “Bom dia prô cês! Algum problema?”Aprino foi logo dizendo:_ “Sô Zé, diz pra gente, pra tirá a duda. Pela posição do

Mané, ele tá ino ou voltano de Piranga?”_ “Ele tá ino!” Respondeu Zé Pinheiro.

Page 40: Manuel da cachaca contos casos de boteco

039_ “Eu num falei, Mané? Aquela hora cê tava era vino de

Calambau!”Mané Fostino, coçando a cabeça, falou:_ “Bão, já que tá arresolvida a questão, eu vou pra Rua!

Té logo prô cês!”_ “Nós vai junto, uai! Num tem nada mesmo pra gente

fazê! Que que ocê vai fazê na Rua?”_ “Bão, primeiro a gente passa na venda do Brás, lá atrás

da Igreja, toma umas pingas...”_ “... Depois vai no Bar de Chico Borges...”_ “... Bebe mais outras...”_ “... Depois vai no Boteco Tomba Copo...”_ “... Toma outras pingas...”_ “... Passa no Vicente Ferreira... No Zé Fernandes...”_ “... Na venda do Idú...”_ “... No Boteco da Biri...”_ “... No Zé Salomé...”_ “... No Antônio Toninho...”_ “... No Mário Venâncio...”_ “... No Joaquim Pascoal...”_ “... Entra na Rua Nova...”_ “... Na Farmácia de Zécelmino, num passa não! Lá

num tem pinga!...”_ “... Passa na venda de Sô Gentil... Desce o morro da

ponte e vai no Sô Caquim...”_ “... Volta pra Praça e vai no Leonídio...”_ “... No Silvério e no Ladinho Vidigal, num passa não!

Lá também num tem pinga!...”_ “... Aí chega atrás da Igreja outra vez e entra no

Brás...”_ “... Bebe mais pinga... e...”_ “... Xiiii!... Vai começá tudo de novo!...”

Page 41: Manuel da cachaca contos casos de boteco

040

AS ENXADAS DA POLÍTICA

Com a emancipação política do Município veio o “prego-no-sapato” dos pessedistas: A mudança do histórico nome de Calambau para Presidente Bernardes! A partir daí a política local tomou outros rumos. Pais contra filhos, irmão contra irmão e até esposas contra maridos! Famílias separadas, tudo em nome do PR e do PSD!

Manuel da Cachaça acendeu o cigarro de palha, deu uma baforada, tomou uma pinguinha, raspou a garganta e começou a contar:

_ “A separação política era tão grande na segunda eleição municipal, que o PR distribuiu enxadas “Jacaré” e o PSD distribuiu enxadas “Tarza”, para os eleitores da zona rural.

Um dia tava eu no Bar do Chico Borges, lá na praça, quando Zé Grilo, um trabalhador avulso, destes que pegam serviço de capinar quintal e plantar horta, chegou ao Bar com sua enxada às costas.

Volta e meia chegou Zé Martinho, um preto forte que trabalhava como diarista na Fazenda da Água Limpa. Zé Grilo era do PSD e Zé Martinho do PR.

Conversa-vai, conversa-vem, e entre uma cachacinha e outra, o assunto chegou onde não devia: Política!

Zé Martinho olhou pra enxada de Zé Grilo e falou:_ “Enxada Tarza... Muito boa pro seu tipo de serviço, Zé

Grilo. Fofar canteiro de horta e terra macia! Enxada boa é Jacaré, que aguenta terra dura sem desbeiçar!”

Zé Grilo sentiu a provocação do outro e logo disse:_ “Já tive uma Jacaré, Zé Martinho. Engraçado, não me

dei bem com ela não! Com seis meses de uso ela tava desbeiçada! Virou um “cacumbu” dei ela pro meu filho de seis anos brincar! Ainda tá la em casa! Ultimamente cortei o cabo dela pra usar como martelo! Só pra isso que ela serve!”

Zé Martinho sentiu que estava perdendo terreno e foi logo retrucando:

_ “Cê deve ter capinado pedra com ela pra desbeiçar tão fácil! Enxada Jacaré é melhor que Tarza, todo mundo sabe disso!”

Page 42: Manuel da cachaca contos casos de boteco

041Zé Grilo pegou a enxada de Zé Martinho, passou o dedo

pelo corte, deu uma estocada com a unha do polegar pra verificar o tinido e disse:

_ “Olha aí, nem tinir ela tine! Parece mais um sino rachado! E além do mais já está trincada, vai partir no meio e nem vai servir pra martelo! Enxada boa é Tarza, que além de tudo é PSD!”

Zé Martinho não gostou da provocação e foi logo dizendo:

_ “Que PSD que nada, sô! Bão mesmo é enxada Jacaré, que é PR! Olha a sua aí, já está desbeiçando! Bão será se quem tá usando não desbundá!”

Foi falar e levar! Zé Grilo meteu o olho da enxada na testa de Zé Martinho! Foi bater, sangue esguichar e o homem cair desacordado!

Chico Borges veio logo acudir dizendo:_ “Dá o fora Zé Grilo! O Sargento vai chegar já! Cê sabe

que ele é puxa-saco do PR! A coisa pode engrossar pro seu lado!”

Antes de sair, Zé Grilo olhou pra Zé Martinho ainda zonzo no chão e disse:

_ “Seu merda, cê vai ficar muito tempo com este “galo” na testa! Isto é pra aprender que enxada boa é Tarza! Viva o PSD!”

Zé Grilo ficou acoitado algum tempo na Fazenda do Seringa, de Sô Zé Maria Carneiro, pai de Sô Ninico, candidato a Prefeito do PSD! Quando o PSD ganhou a eleição, ele pendurou uma enxada Tarza novinha na janela de sua casa, e quando Zé Martinho passava, ele batia na enxada com o cacumbu da Jacaré e gritava:

_ “Óia o tinido da bicha! Óia o som do PSD!”Zé Martinho, que ficou com um fundo na testa, com o

tempo acabou mudando pra Porto Firme.

Page 43: Manuel da cachaca contos casos de boteco

042

COPARRA

Certo dia encontrei o João Pedro no açougue do Márcio Pinto. Vendo-o cabisbaixo, de blusa de frio em pleno calor, com a cara de quem está doente, perguntei-lhe:

_ “O que foi, João Pedro? Tá perrengue?”Ele, esfregando as mãos, respondeu:_ “Xiii!... Tô ruim! Tô vino do médio! Tô mar!...”_ “ Vindo de onde, João Pedro?”_ “Do médio, do dotôre, fui consurtá! As coisas num tão

boas pra mim, não!”_ “Por que, João Pedro?”_ “Óia, eu tava dum jeito que cê pricisava vê!... Num

dizano danado, sem contá com um piriri que num sarava! Eu chegava em casa, a muié fazia aquela comidinha gostosa, eu distampava a panela e dizia: Qué não, tá ruim! Ela fazia aquela broa cheirosa, eu punha na boca e "guspia" dizendo: Qué não, tá ruim! Leite, então?! Nem pensá! Só de vê, enjoava! Mas cachaça?! Ôbaaa! SÓ COPARRA!... NA RISCA!...”

EFEMÉRIDES CACHACISTAS

Lolô dos Costas, cachacista de carteirinha, foi levado ao Hospital, todo arranhado de arame farpado, devido a um tombo que tomara, indo pra casa, sob o efeito da branquinha, lá pros lados do Pai Domingos.

No Hospital, perguntaram-lhe o que acontecera, no que ele respondeu, na maior cara de pau:

_ “Olha, ontem quando ia pra casa, um baita tamanduá me acercou na estrada, me dando um abraço forte e me arranhando todo!...”

Já nosso amigo “Quinca Fubá”, vindo de bicicleta lá do Campo da Limeira, também “alto” pelo efeito da “branquinha”, ao fazer uma curva, perdeu o equilíbrio caindo da bicicleta. No

Page 44: Manuel da cachaca contos casos de boteco

043meio do mato um passarinho piou alto: “PIAU!... PIAU!... PIAU!...”

“Quinca Fubá”, levantando-se, batendo a poeira, olhou pros lados e pensando que era alguém escondido no mato que gritava: “MIAU!... MIAU!... MIAU!...” gritou:

_ “MIAU É A PQP!!!...”Dias depois, topei com Narcísio Catarina, outro

cachacista de carteira. Vendo-o com o olho esquerdo machucado, perguntei-lhe o que acontecera, no que me respondeu:

_ “Ontem eu fui buscá lenha no mato e um macaco me jogou um tolete de pau no olho!...”

A esposa dele, que ouviu a conversa, retrucou:_ “Deve ser daqueles “macacos” que Toninho da Água

Limpa põe dentro do litro!!!...”Prá terminar a conversa eu completei:_ “E este macaco deve ser parente do tamanduá que

abraçou Lolô dos Costas lá no Pai Domingos e do passarinho que “miou” pra “Quinca Fubá”!...”

EU COMO... CÊ COME... TERRA COME!...

O certo é que o caso já vinha acontecendo há tempos! Toda a região sabia e comentava! Mas o diabo é que o coitado do Joaquim Altino, ou não sabia, ou não acreditava ou tinha mesmo vocação pra “corno”!

Era público e notório o caso de Sá Maria com o seu compadre Quirino Pereira.

Era Joaquim Altino sair de casa e lá chegava Quirino Pereira pra dar “assistência à comadre”!

Certo dia, Joaquim Altino disse à mulher que iria até a cidade de Piranga, pra resolver uns problemas de escrituras e que só voltaria no dia seguinte.

Foi Joaquim Altino sair e Quirino Pereira chegar! E lá ficou, “assistindo” à comadre, nas maiores safadezas!

Page 45: Manuel da cachaca contos casos de boteco

044Mas não se sabe “por quê”, Joaquim Altino, já chegando

na rua resolveu voltar pra casa!Já era noite quando ele chegou! Soltou o animal, tirou as

botas ali mesmo no curral, como era de seu costume, subiu a escada e vendo a casa em silêncio, tomou o rumo do quarto.

Ao abrir a porta, deu de cara com os dois na maior sem- vergonhice!

Fechou a porta, foi pra varanda, acendeu o cigarro de palha e ficou esperando.

Quirino Pereira vestiu rapidamente a roupa, pôs o chapéu e aproximou-se do compadre, abrindo a camisa e mostrando o peito, dizendo:

_ “Pode me matar, compadre! Pega o revólver e me dá um tiro bem aqui no coração! Sou um safado sem-vergonha! Num mereço viver! Me mata compadre!

Então, Joaquim Altino, soltando a fumaça do cigarro, falou tranquilo:

_ “Carece não, compadre!... Matá pra que?!... EU COMO... CÊ COME... TERRA COME!!!...”

GARRAPIA

Fui comer pato no Zé CiriloE quando o pato já vinha,

Zé Cirilo, prestativo,Me serviu uma “branquinha”

À guisa de aperitivo!De tão gostosa a pinguinha,Não tive outra alternativa:

Pedi dez engarrafadasPra poder levar pra casa

E beber no dia a dia!

Mas quando em casa chegueiJá na porta deparei

Com Dona Patroa cismada

Page 46: Manuel da cachaca contos casos de boteco

045

Que de cara quis saberPra que tanta “pingaiada”!

Com a mão cheia eu conduziaO arsenal bebericanteEm direção à cozinha,

Enquanto lhe respondiaQue era só umas “pinguinhas”Pra beber de vez em quando

E que não era todo dia!Mas Dona Patroa que é brava,

Não quis conversa fiada,E enquanto me empurrava,

No meu ouvido dizia:_ “Joga tudo naquela pia!”

Sem ter como retrucar,Abri a primeira garrafa,

E enquanto um copo bebiaDespejava o resto na pia

E a Patroa ria!

Abri a segunda garrafa,De novo outro copo eu bebia

Despejando o resto na piaEnquanto a Patroa ria!Abri a terceira garrafa

E enquanto o resto eu bebia,Joguei o copo na piaE a Patroa já não ria!

Quando a quarta eu abria,Joguei o resto no copo,

Bebi na piaE já a Patroa eu não via!

Quando da quinta eu bebia,A garrafa ria na pia

E a rolha eu já comia!Peguei a sexta pia,

Joguei o copo no restoEnquanto na garrafa bebia!

Page 47: Manuel da cachaca contos casos de boteco

046

Com a sétima garrafa vazia,Eu bebia sem copo

E lambia a pia!Na oitava, à toa eu ria,

E jogava a garrafa no copoE a mão já tremia!

Peguei o nono copo,Misturei na garrafa,E na pia xixi já fazia!

O décimo copo e o resto,Me jogou na “garrapia”,

Não sei o que com a Patroa fazia,Só sei que quando acordei,Tava preso na Delegacia!...

MANEZINHO DO PR

Manezinho, perrista de “amargar,” embriagado, chegou à Sessão Eleitoral para votar. O Presidente da Sessão, por sinal um pessedista de “papo amarelo”, vendo-o naquela situação, coçou a cabeça e pediu-lhe o Título de Eleitor.

Manezinho, contorcendo-se, falou:_ “Titlo?! Pra que titlo?”O Presidente respondeu:_ “Ora, pra você votar! Sem ele, nada de voto!”Então, Manezinho, arrematou a conversa:_ “Acá! Antão vancê num sabe?! Pra votá no PR num

pricisa de titlo não, Sô!...”

Page 48: Manuel da cachaca contos casos de boteco

047MINEIRINHO FOLGADO

Zezé da Silva, mais conhecido por Zezé Gabornate, foi pra São Paulo, com o fim de trabalhar.

Por lá ficou uns bons meses, mas esta experiência em São Paulo, em nada mudou os costumes simplórios de Zezé Gabornate.

Certo dia, estava ele no BAGACINHAS BAR, que era muito frequentado pelo pessoal daqui que lá reside, quando chegou a Polícia.

O pessoal, já acostumado àquela rotina de cidade grande, foi logo colocando as mãos para cima, aguardando a “revista” da PM.

Zezé Gabornate, simplório como sempre, continuou com as mãos nos bolsos sem se preocupar.

Um soldado se aproximou dele, dizendo:_ “Ponha as mãos pra cima, cara! Rápido!”Zezé, sem entender, perguntou:_ “Pra que por as mãos pra cima, Sô Guarda?”O soldado, ainda com um pouco de paciência, falou:_ “Pra que eu possa lhe dar a “revista”, entendeu?”Rindo, Zezé falou:_ “Me dar revista? Perde tempo não, Sô! Eu não sei lê,

nadinha, nadinha!... Só se fô pra vê gravura!...”O soldado, empurrando-o, foi pedindo:_ “Seus documentos! Sua carteira de identidade!

Vamos!”Zezé Gabornate, calmamente retrucou:_ “dicumento?! Tá aqui não, Sô! Tá em casa!

Dicumento eu num ando com ele não! É pirigoso perdê e se perdê dá um trabaião danado pra tirá outro!”

Então o soldado, já com a paciência esgotada, colocando as mãos à cintura, encarou-o, dizendo:

_ “Êh, mineiro! Você é bem folgado, não é?!”Zezé respondeu:_ “Bem, pra dizê a verdade, a gente num passa aperto,

não! Meu pai tem um sitiozinho lá no Calambau, que produz um pouquinho de tudo... Dá pra vivê com certa forga, sim,

Page 49: Manuel da cachaca contos casos de boteco

048Sinhô! Você entende, né?... Mas voltando ao caso dos dicumento, vou te contar que um amigo meu perdeu os dele e...”

Nesta altura dos fatos, o soldado já estava entrando na viatura, comentando com os colegas:

_ “A gente encontra cada tipo nesta vida!... Ô mineirinho folgado, Sô!...”

A PRESA

Manuel da Cachaça esfregou bem o fumo antes de colocá-lo na palha. Com mestria de muitos anos de prática, enrolou o cigarro e depois de acendê-lo, tossiu levemente perguntando a seguir:

_ “Os moços se lembram bem de Roque Soares, não é? Irmão de Sô Idu e Sô Bastião, que trabalhava junto com eles na Casa Soareza, tão lembrados? Pois bem, o caso que vou contar aconteceu quando a venda de Sô Idu era na Rua São José, na casa velha.

Havia um Tenente do Exército que sempre vinha aqui para fiscalizar o Serviço de Alistamento Militar na Prefeitura, e toda vez que aqui chegava, passava na venda de Sô Idu onde tomava um guaraná.

Roque, já acostumado com o Tenente, sempre o atendia com presteza.

Certa vez ele aqui chegou, como sempre, num jipão do Exército. Parou em frente à venda de Sô Idu, entrou e Roque foi logo lhe servindo o guaraná.

O Tenente tomou o primeiro gole e antes que falasse alguma coisa, Roque, vendo que havia uma mulher no carro, perguntou:

_ “E pra “presa”, o senhor não vai dar nada, não?”O Tenente, não entendendo, perguntou:_ “Pra quem?!...”Roque respondeu:_ “Pra presa! A mulher feia que está no carro!... O senhor

não vai dar a ela um gole pra matar a sede?!”

Page 50: Manuel da cachaca contos casos de boteco

049O Tenente, rindo, respondeu:_ “Não é presa, não! É a minha mulher!...”Roque, sem saber como se desculpar, limpava as lentes

dos óculos enquanto a mulher que tudo ouvira, gritou do carro:_ “Presa é a mãe e mulher feia é a vó!!!...”

MISERICÓRDIA! MIJÁ NA CORDA!

Era época de Missões! A Igreja estava cheia! Parecia que toda a população do Velho Distrito de Calambau estava ali reunida!

Padre Arlindo acabara de pregar e era aguardada a palavra de mais um Missionário!

Sô Teodomiro acabara de chegar com mulher e filhos! Arranjou um canto pra se acomodar e tirando do ombro o inseparável bodoque, colocou-o próximo a uma coluna da igreja.

O Missionário iniciou um longo sermão, pregando sobre a salvação da alma, chegando até ao Final dos Tempos, sobre a Ressurreição dos Mortos!

Sô Teodomiro, cansado da longa caminhada, encostou-se num canto e “pegou” no sono!

A Igreja Velha tinha o piso de tábuas largas e diziam que ali já fora enterrada muita gente, conforme costume antigo. O Missionário, ao pregar sobre a Ressurreição dos Mortos, já de comum acordo com alguém que se alojara sob o piso de tábua, gritava ameaçando os pecadores com o Fogo Eterno, enquanto se escutavam batidas secas no piso da Igreja!

O povo assustado, clamava gritando sem parar:_ “Meu Jesus! Misericórdia! Misericórdia! Misericórdia!”Sô Teodomiro, acordando em meio àquela gritaria,

esfregou os olhos sonolento, e então, prestando atenção aos gritos, começou a entender: “MISERICÓRDIA! MISERICÓRDIA! MIJÁ NA CORDA! MIJÁ NA CORDA!...” Então ele abriu os olhos, procurou pelo bodoque e pegando-o, disse:

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050_ “Hum!... MIJÁ NA CORDA?!... MIJÁ NA CORDA DO

MEU BODOQUE?!!!! ISSO NUNCA!!! VÃO BORA MUIÉ!!!...”

A DENTADURA NOVA

Joaquim Martins foi ao Jubileu de Congonhas e voltou de dentadura nova! Daquelas que se compravam no balde, experimentando uma a uma!

Como ele era muito falante, com poucos dias todos já sabiam que a dentadura, nova, fazia com que ele pronunciasse as palavras carregadas nos “SSS”!...

E aconteceu dele ir a Barbacena levar um vizinho, de nome Maurício, para ser internado no Hospício.

Mais tarde, após internar o amigo, foi o Joaquim Martins ao Bar do Levi e Jairo, nossos conterrâneos, gente fina, que fica lá na Colônia Rodrigo Silva, tomar uma cerveja.

Jairo providenciou uma mesa, serviu-lhe a cerveja, voltou para o balcão de onde lhe perguntou o que fora fazer em Barbacena.

No fundo do bar havia um casal de namorados que estavam discutindo! A moça levantou-se para ir ao banheiro.

Joaquim Martins, de olho nela, respondeu ao Jairo:_ “Eu vim na ambulânCIA(SSS), junto com a

PolíCIA(SSS), trazendo o MauríCIO(SSS), para ser internado no HospíCIO(SSS)!”

Foi então que o namorado que brigava com a namorada aproximou-se do Joaquim dizendo:

_ “Olha aqui, ôh meu! Vão parar de fazer ‘PSIU’ pra minha namorada?!...”

Page 52: Manuel da cachaca contos casos de boteco

051

INÁCIO

Manuel da Cachaça, vendo o cartaz que anunciava um Forró nas Cruzes, falou:

_ “Forró nas Cruzes! Sou capaz de apostar que o Inácio vai estar lá! Ô caboclo pra gostar de um forró! Aliás, ele gosta mesmo é de forró, mulher e futebol!

De certa feita ele estava no Forró da U.S.E, quando um de seus filhos chegou e lhe falou:

_ “Ôh, pai. Me empresta “cinco mangos” aí! Segunda-feira eu lhe pago!”

Inácio pediu licença à dama, com quem dançava, chamou o filho num canto do Salão, deu-lhe o dinheiro e disse:

_ “Tá aqui o dinheiro! Agora vê se não me chama de pai aqui dentro, não! Principalmente se eu estiver junto com alguma dama! Entendeu?!”

Horas depois, do lado de fora do Salão, o filho lhe perguntou:

_ “Ôh, Inácio! Cê vai demorar muito pra ir pra casa?”E Inácio respondeu:_ “Olha lá cumé que fala!... Olha o respeito!... Eu sou seu

pai!...”......................................................................................................

Mas foi numa partida de futebol que o Inácio fez a maior de sua vida!

O Juiz havia marcado um pênalti contra o seu time! Confusão formada! Ninguém concordava com o pênalti!

O Juiz pôs a bola na marca, os jogadores o cercaram!Bate! Não bate!Não bate! Bate!Na confusão, alguém gritou:_ “Chuta Inácio!”E ele, “fominha” pra bola,“pimba”! Mandou a bola pro

barbante!!!...E saiu corrido de campo!!!

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A RODA DA CARROÇA VELHA

O Ministro da Eucaristia passou rumo ao Hospital para dar comunhão a um enfermo.

Manuel da Cachaça saudou-o com o chapéu e entrou para o boteco do Zé Cirilo. Acendeu o cigarro, tragou, riu matreiramente e começou a contar:

_ “Vi o Ministro da Eucaristia e me alembrei de um caso. Hê! Hê! Hê! Não vou dizer o nome de quem foi pra não complicar! Hê! Hê! Hê! O povo sabe de cada coisa!...

Sô Fulano era um homem sério, religioso ao extremo, conhecedor dos “latinorum” da Igreja tal qual um Padre. Só não foi Ministro da Eucaristia porque naquele tempo não havia este cargo! Cuidava das coisas da Igreja, rezava terços, ladainhas e só não celebrava Missa porque não era permitido.

Todo mundo tinha confiança nele. Era, como se dizia, um homem íntegro!

Um dia, Sô Fulano começou a sentir umas complicações e resolveu consultar com um doutor lá de Viçosa.

No consultório, com muito jeito, explicou que estava sentindo uma “comichãozinha” naquele “negócio” e que estava incomodando muito.

O doutor, que já conhecia muito bem Sô Fulano, respeitosamente examinou o “dito-cujo”.

Em seguida, sentando-se, rabiscou a receita enquanto falava:

_ “Êh, Sô Fulano! O senhor está com uma “baita” blenorragia, isto é, está com gonorreia!”

Sô Fulano, surpreso, disse:_ “Eu?! Eu com gonorreia?! Mas como?! O senhor me

conhece... Sabe que eu sou um homem íntegro!... Onde já se viu isto?! Como é que pude pegar um negócio deste?! Hein, doutor?!...”

O médico respondeu, terminando a receita:_ “Como o senhor pegou eu não quero nem saber, mas

que é gonorreia, isto eu tenho certeza!”Então Sô Fulano pôs as mãos à testa, em atitude de

quem está pensando e falou:

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053_ “Ãh... Agora tô me alembrando!... Lá atras da Igreja tem

uma roda de carroça velha, na qual o povo tem o costume de mijar... Outro dia eu mijei nela... Só pode ser lá que eu peguei esta doença... É a única explicação... Só pode ser... Bem, e a receita? Que que o senhor vai me receitar?”

O médico passou-lhe a receita. Ele leu e perguntou:_ “Tá aqui o nome do remédio... certo... mas o senhor

pôs aqui pra ir ao oculista? Pra que oculista?!”O médico respondeu:_ “Ora, é muito simples! É para o senhor não ficar

confundindo “B...” de mulher com “RODA DE CARROÇA VELHA”!!!...”

NO ELEVADOR

Meu amigo Vivaldino, quando foi pela primeira vez a Belo Horizonte, resolver uns problemas na FETAEMG, ao usar o elevador, chegando ao andar pretendido, perguntou ao ascensorista:

_ “Sô moço, quanto é a corrida?”O ascensorista riu dizendo que não era nada e antes que

a porta fechasse para o elevador descer, Vivaldino ainda falou:_ “Cê não querer receber, tudo bem! Mas quanto ocê

cobra pra me levá na rodoviária?!...”

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“NOSCO”

Sô Amantino Diogo estava trabalhando como pedreiro na construção da Igreja lá de Cruzes.

Por lá ficava a semana toda, somente retornando à cidade aos sábados.

Num certo sábado, estava ele e Tererê – seu ajudante – passando em frente à casa de Sô Zé Soares, lá no Xopotó, quando resolveu parar pra matar a sede.

Sô Zé Soares, vendo-os, foi logo gritando:_ “Ôh, gente! Cês chegaram na hora certa! Vem tomar

um café conosco!”Sô Amantino agradeceu, alegando pressa e dizendo que

só queria mesmo era matar a sede.Sô Zé Soares serviu-lhes a água e ainda insistiu:_ “Ôh, gente! Tá na hora, não faz cerimônia! Vem tomar

um café conosco!”Apesar da insistência, Sô Amantino agradeceu e se

despediu seguindo estrada afora, acompanhado por Tererê.Ao se afastar da casa, Tererê falou:_ “Ôh, Amantino! D’ocê num querê o café, tudo bem!

Mas eu tava doido é pra comê um pedaço do tal de “NOSCO”!...”

O AGOURENTO(Dedicado ao amigo Ivã Moura que me contou este caso)

Geraldo Coruja tinha fama de agourento! Se alguém estivesse doente, de cama, após a visita do Geraldo, piorava ou então, morria!...

Toda vez que ele visitava um doente, ao sair da casa, ele punha a mão em concha à boca e dizia em voz baixa:

_ “Coitado! Num vai longe! Amanhã, quando os pássaros cantarolarem, oh! Já voôu!...”

Certa vez ele foi visitar um amigo doente. Este, tão logo tomou conhecimento de que o Geraldo Coruja estava na sala,

Page 56: Manuel da cachaca contos casos de boteco

055mandou a mulher escorá-lo com um travesseiro e passar-lhe pó de arroz no rosto para ficar mais corado!

_ “Manda entrar o agourento! Desta vez ele vai se dar mal!” Disse o doente, firmemente apoiado no travesseiro!

Geraldo Coruja entrou, cumprimentou o amigo e ali ficou batendo papo.

Quando saiu da casa e chegou ao bar, as pessoas, curiosas, foram logo saber:

_ “E então?! Como está o doente?! Dizem que ele tá corado!...”

Geraldo Coruja, pondo a mão em concha à boca, respondeu com aquela fala macia:

_ “Se tirá o pó de arroz, tá sem cor! Mas se tirá o trabisseiro, oh! Ele pimba!... Coitado! Num vai longe! Amanhã, quando os pássaros cantarolarem, oh! Já voou!...”

O BICHO QUE JÁ COMEU TERRA

Meu amigo Valdivino de Oliveira foi quem me contou esta, tomando uma pinga empalhada, lá na Loja SOVIPEL, de Sô Idu.

Foi na primeira viagem que ele fez a Congonhas, em época de jubileu, lá pelos idos de 1950...

Lá chegando, nosso amigo Valdivino, visitou como bom romeiro, em primeiro lugar, o Senhor do Bonfim. Simples como o povo do Calambau Velho, pôs-se a andar pelas ruas da cidade, e num beco estreito, viu uma multidão se aglomerando numa porta. Aproximou-se curioso quando um sujeito anunciou:

_ “Venham, Senhores e senhoras! Venham ver o bicho que já comeu terra mas agora não come mais! É só Cr$ 1,00 (um cruzeiro), entrem pra ver!”

Valdivino curioso, meteu a mão no bolso, pagou e entrou puxando a fila. Andou por um corredor escuro e lá na frente, numa sala, um homem mostrava o tal “bicho”, que estava coberto com um lençol, pra quem chegava:

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056_ “Vejam meus Senhores e minhas Senhoras! Aí está o

bicho que já comeu terra e agora não come mais!”Puxou o lençol que cobria o “bicho” e lá estava ele: UM

VELHO ARADO, QUEBRADO E DESMONTADO!...

O RESGUARDO

Zé Jorge era muito safado. Bebedor inveterado, na casa dos sessenta anos, não se cansava de falar sobre suas “qualidades” de machão.

A mulher, Sá Ana, na casa dos cinquenta e tantos não dava orência aos casos do marido.

Certo dia, na rodada de pinga num boteco, Zé Jorge, eufórico, convidou uns amigos pra comer uma galinhada em sua casa.

Os amigos duvidaram, e o Ladico até argumentou que na casa do amigo não havia galinheiro!

Zé Jorge, estufando o peito, falou:_ “Posso não ter galinheiro, Ladico! Mas no sábado, às

nove da noite, nós vamos comer uma galinhada lá em casa! Conto com a presença d’ocês tudo!”

No outro dia, sexta-feira, Zé Jorge levantou pensando onde arranjar as “penosas” para o sábado.

Depois de matutar bastante, teve a ideia! Foi correndo à casa de Sá Vitalina, lá no Maquixe, que além de ser comadre, tinha um galinheiro “recheado” de “penosas”!

Lá chegando, de tardinha, foi logo falando pra comadre Sá Vitalina:

_ “Êh, comadre! Tô aperreado hoje, mas tô feliz! Lá em casa chegou mais um infante, um mininão, só vendo!”

Sá Vitalina, não entendendo direito, perguntou:_ “Chegou mais um “o quê”, compadre Zé Jorge?”_ “Um infante! Mais um minino, comadre! Mais um filho!”Sá Vitalina, pondo as mãos à cabeça, falou incrédula:_ “Mas é impossível, compadre! Como é que a comadre

Sá Ana, naquela idade... Não é possível!...”

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057_ “Mas é a verdade comadre! Não sei como! Tava

escondido debaixo da saia dela!... A comadre sabe!... Aquelas saias compridas... Até eu num sabia até onte!... Mas, óia, comadre. Tô com pressa e vim pra avisá e pedi pra comadre duas galinhas, “muncado” de farinha de milho e dois litros de pinga!... Eu preciso comemorá e cuidar do resguardo da Ana com a sopa de galinha!...”

_ “Tá certo compadre! Vai lá no galinheiro, pega logo treis galinhas enquanto eu ajeito a farinha e a pinga, que vai no garrafão mesmo, só que é pro compadre devolvê o casco depois!...”

Mais tarde, ao chegar em casa, Ana, vendo aquela fartura, perguntou:

_ “Onde ocê arrumou tudo isso, home? Olha só o que ocê aprontou dessa vez! Num é trem roubado não, Izé?!...”

_ “Que isso muié! As galinhas eu comprei no Sô Zé Vicente, lá do fim da rua, a farinha e a pinga eu comprei com o “cobre” que eu ganhei descarregando o caminhão de Sô Benigue!...”

Dia seguinte, sábado, a galinhada foi das boas!...No domingo, Sá Vitalina topou com a comadre Sá Ana,

na Missa das onze e foi logo falando:_ “Comadre Sá Ana, cê num tá doida não?! Cadê o

resguardo, muié?! Nessa idade!... Cê tá é doida!...”Sá Ana, sem entender, falou:_ “Resguardo?!... Que isso comadre?!... Ficou doida é

ocê?!... Eu cá sou muié de ainda pari filho?! Além do mais o que Izé fala sobre seus “dotes” de machão, é pura “rastação-de-papo”!... Eu ter filho?!... Nessa idade?!...”

_ “Mas compadre Zé Jorge teve lá em casa e falou que ocê tinha ganhado mais um infante...”

E Sá Ana foi logo completando a fala da amiga:_ “... E te pediu galinha e farinha pro resguardo... E pinga

pra comemorá... Ele é muito safado!... Ele vai me pagá!... Ora, se vai!...”

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O CARNAVAL

Era Carnaval.

A rapaziada entrou no boteco do Zé Cirilo fazendo o maior barulho, fantasiados.

Depois que eles saíram, Manuel da Cachaça, rindo matreiramente, falou:

_ “Tô me “alembrando” do tempo antigo, quando carnaval era coisa proibida pelo Padre aqui em Calambau. Hê! Hê! Hê! Mas tinham uns corajosos! Gente igual a Zico de Gusta e Teco Paula! Eles não eram brincadeira! Era chegar o Carnaval, os dois vestiam aquela roupa de saco de Mauá, que já estava até parando em pé, que nem aquela fantasia de baralho que o Irmão Diogo vestia todos os anos, pra desfilar no Carnaval, cês tão lembrados? Pois bem, o Padre faltava só excomungar os dois e eles nem ligavam! Cachaça na cuca, violão e pandeiro, roupa de saco e o povoado inteiro, principalmente por parte das beatas, reprovando sem parar!

Então o Padre, vendo que não adiantava nada, foi à Piranga e denunciou os dois com o Delegado, um tal de Zé de Té!

Ao receberem a intimação, os dois, não se amedrontaram!

Por ser o último dia de Carnaval, prepararam uma “seresta” pro Padre!

De noite, bem tarde, com a cidade sem luz, foram pra frente da Casa Paroquial.

Zico de Gusta no violão e Teco Paula no pandeiro:_ “A denúncia tá formada pelo tal Padre José, Agora é tomá cuidado Com o tal de Zé de Té!”A janela da Casa Paroquial se abriu! A lanterna de seis

pilhas varreu a escuridão da rua, fazendo com que os dois saíssem em correria, procurando esconderijo!...”

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COMPADRE “CRISTO” E COMPADRE “CENTURIÃO”(Dedicado ao amigo Chiquinho Fernandes)

Os dois compadres, todos os anos participavam, como atores, das encenações da Semana Santa.

Naquele ano os dois estavam “meio brigados” e um deles foi interpretar o papel de Cristo, enquanto o outro foi ser o Centurião romano.

Na praça principal havia um lote vago, morrado, no alto do qual sempre se encenava o Calvário.

O cortejo seguia subindo o morro.“Compadre Cristo” na frente carregando a cruz e o

“Compadre Centurião”, ao seu lado, surrando-o com um chicote de barbante!

Então o “Compadre Cristo” falou:_ “Compadre, cê tá batendo com força, “diminói” a

força!...”O “Compadre Centurião” retrucou dando mais uma

chicotada:_ “Jesus sofreu muito mais e ocê moleza, num tá

aguentando umas “lambadinhas” de nada? Toma mais uma pra aprender!”

“Compadre Cristo” tornou a falar:_ “Compadre, eu não tô brincando... Se ocê me bater

mais uma vez com força, eu largo a cruz e lhe dou uma surra!...”O “Compadre Centurião” riu e disse:_ “Cristo não reagiu aos ferimentos recebidos, e o

compadre agora é como o Cristo, não pode reagir! Toma mais uma, seu safado!...”

Foi bater e o “Compadre Cristo” parar! Jogou a cruz ao chão, agarrou o “Compadre Centurião” pelo pescoço, deu-lhe um murro no queixo, tomou-lhe o chicote, botando-o a correr morro abaixo, gritando:

_ “Seu “fedaputa”! Centurião de merda! Vai bater na sua mãe!...”

O povo, surpreso, aplaudia, enquanto alguns mais exaltados gritavam:

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060_ “Muito bem, Jesus! Mete o couro neste safado!!!...”

O DOCE DE LARANJA

O cheiro agradável do doce de goiaba que se fazia em alguma casa vizinha ao Boteco de Zé Cirilo impregnava o ar, fazendo a gente pensar em queijo mineiro bem maduro ou verdinho.

Manuel da Cachaça, respirando fundo falou:_ “Êta cheirinho bão Sô! Isto me alembra o doce de

laranja na calda com côco, que Sá Marculina fazia! Hê, Hê, Hê! Todo mundo vivia elogiando o doce dela! Mas foi eu e minha Dora que descobrimo a receita! Foi muito engraçado! Hê, Hê, Hê!”

Manuel sorveu a pinguinha, raspou a garganta com aquele “rãm-rãm” característico, retirou o canivete e a palha e enquanto preparava o cigarro, começou a contar:

_ “Um dia, eu e minha finada Dora, que Deus a tenha, viemos até a Rua pra assistir a Santa Missa. Na volta, quando a gente passava em frente à casa de Sá Marculina, ela, chegando na janela, gritou pra gente:

_ “Oi! Passando de “vento-batido”? Faz favor de voltar! Uai! Onde já se viu isto?!”

Paramos e enquanto nos caminhava para a porta da casa, Dora foi se desculpando, dizendo que a gente tava com pressa, pois os meninos tinham ficado sozinhos em casa.

Mas não adiantou! Tivemos que entrar e acabamos demorando mais do que devia!

Na horinha de sair, Sá Marculina falou:_ “Cês num vai sair sem comer do doce de laranja com

côco! Tá um manjar de rico nenhum botá defeito! Cês vão prová e vão gostá! Vem cá pra cozinha! Já, já, eu sirvo ocês!”

Fomos até a cozinha e sobre o fogão havia um taxo enorme, cheio de doce de laranja na calda. Sá Marculina nos serviu e depois de obrigar a gente a servir umas duas vezes, foi que Dora, já lavando os pratos, pediu a receita.

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061Aí, Sá Marculina desatou a língua e se pôs a falar sobre o

doce. Falou mais ou menos uns vinte minutos explicando tudo, e quando nós já tava na rua foi que ela arrematou a receita:

_ “Olha, Dora. O que dá mais trabalho mesmo neste doce é chupar as “murchas” das laranjas, “guspi” as sementes e mastigar o côco, pra ele ficar bem picadinho! Só isto é que dá muito trabalho!...”

Me alembro que da Rua até em casa, Dora foi clamando que o estômago tava “embrulhando”... Eu, nem conversava! Só “GUSPIA”!...”

O ENTERRO(Dedicado ao amigo Murilo Carneiro, que me contou este caso,

nos bons tempos da MINASCAIXA)

O enterro seguia pelas ruas de uma cidade vizinha rumo ao cemitério.

Estranhei o fato do pessoal não demonstrar tristeza, todos estavam com as feições tranquilas e não havia, como sempre, os familiares chorando atrás do caixão.

O caixão media aproximadamente um metro e estava coberto com a bandeira de um time de futebol da cidade. Várias pessoas vestiam camisas do time.

O mais curioso foi quando entoaram o hino do time. Aí entrei no cortejo e segui até ao cemitério, com o fim único de satisfazer a minha curiosidade.

Lá chegando puseram o caixão sobre a mesa da capelinha de velório.

Procurei para ver se havia um padre ou ministro pra proceder a encomendação, mas não havia.

Aí alguém falou:_ “seria bom abrir o caixão para as pessoas se

despedirem dela! Afinal ela vai deixar saudades!”Minha curiosidade aumentou! Aproximei-me para ver

melhor quando destamparam o caixão!

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062Minha surpresa foi maior quando vi o “defunto”!_ “Minha Nossa! O que é isso?!” Falei alto,

demonstrando a minha surpresa!Lá estava, esticada, uma perna esquerda, amputada

acima do joelho, calçada de meia de jogador e de chuteira!Foi então que vi um sujeito sentado numa cadeira de

rodas, com a perna esquerda amputada, trajando a camisa do time, chorando muito.

Então, um senhor de meia idade, iniciou um discurso, ou melhor, um panegírico!

_ “Meus amigos! Estamos aqui para sepultar a perna do nosso grande jogador, “Esquerdinha de Ouro”, que tantas alegrias nos proporcionou enquanto foi viva! Me lembro de uma decisão de nosso time contra a U.S.E de Calambau, quando, no último minuto do jogo, esta perna nos tirou do sufoco, fazendo um gol inesquecível! De outra feita, esta mesma perna liquidou as esperanças do Renovação de Presidente Bernardes, quando, também no momento final do jogo, marcou o gol da vitória! Eu poderia ficar aqui falando das virtudes desta perna por muitas horas, mas vejo que o ex-dono dela está cansado e por isso vou terminar esta cerimônia! Obrigado pelos momentos alegres que você nos deu! Vai com Deus! Requiescat in Pace!...”

A multidão aplaudiu! As pessoas davam os pêsames ao jogador que ficara perneta!

Quando o caixão baixou à sepultura, uma senhora puxou o canto:

“... SEGURA NA MÃO DE DEUS...”Um dos presentes cutucou a mulher, falando em voz

baixa:_ “Não é mão, não! É perna!...”A mulher coçou a cabeça, pensou um pouquinho e logo

continuou:“...SEGURA NO PÉ DE DEUS...”

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063

O ESCÂNDALO

Pulixinha de Freitas era uma figura muito querida aqui em Calambau. Muitos de vocês devem se lembrar dele.

Baixinho, magro, conversa macia e educada. Era músico integrante da Banda de Santo Antônio e vivia de fazer serviços caseiros. Participava assiduamente dos teatros de Sô Mathias, onde cantava e dançava divertindo a todos. O único problema com Pulixinha era o de “gostar” demasiadamente de cachaça! Bebia muito, é verdade! Mas não brigava com ninguém, era o “bêbado da boa paz”!

Manuel da Cachaça interrompeu a narração para preparar o cigarro de palha. Zé Cirilo serviu-lhe a pinguinha.

Naquela noite havia pouca gente no boteco. Somente eu, Zé Fernandinho, Tarcísio da farmácia e um viajante de Ubá que já se tornara amigo do Zé Cirilo.

Manuel tomou a pinguinha, acendeu o cigarro, raspou a garganta e continuou:

_ “Quando Pulixinha era menino foi que assucedeu este caso: Certo dia tava eu conversando em frente à casa dele. Pulixinha brincava num monte de areia.

Dona Cota, vindo da praça, parou e disse:_ “Lá atras da Igreja a coisa tá boa! Dona Mônica tá

“repartindo” escândalo da janela! Cês precisam ver! Tá até engraçado!”

_ “É mesmo, Dona Cota? Mas qual a razão dela “repartir” escândalo?” Perguntei enquanto observava Pulixinha, que do monte de areia não perdia nada da conversa.

_ “Não sei, Manuel. Acho que é coisa dela com o sacristão! Coisas de Igreja, só pode ser! O certo é que ela tá lá, repartindo escândalo! E dos grandes!”

Pulixinha não pensou duas vezes! Sebo-nas-canelas em direção à casa de Dona Mônica!

Lá chegando, não viu ninguém! Bateu na porta e chamou por Dona Mônica.

Ela, chegando-se à janela, gritou:

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064_ “O que ocê quer, Pulixinha? Tô muito ocupada e já tive

um dia de “ficar com a vó atrás do toco” e ainda vem ocê me amolar! Que que ocê quer? Fala logo, menino!”

Pulixinha, assustado com a brabeza da mulher e sem nada entender, disse:

_ “Olha, Dona Mônica. Eu quero é que a senhora me dê um pedaço de “escândalo”! Num precisa de ser muito, não! Dona Cota disse que a senhora tava repartindo “escândalo” pra todo mundo e eu vim pegar um pedaço pra mim também!...”

O EXORCISMO

A notícia correu pelo povoado com a rapidez de fogo em pasto seco! Zé Arcanjo estava com o demônio no corpo! Estava possuído pelo “coisa-ruim”! Só o padre é quem poderia tirar o “Dito-Cujo” do corpo do pobre homem, praticando um exorcismo!

O padre chamou o sacristão, muniu-se de água-benta, do Breviário, do Crucifixo e do Cordão de São Francisco!

Os dois partiram naquela tarde embaçada e chuvosa, rumo ao casarão dos Arcanjos, que ficava perto da Igreja Velha.

Lá chegando, todos estavam muito assustados! Zé Arcanjo estava preso no quarto da sala e rosnava, gritava, ria e falava em língua estranha com voz cavernosa!

O padre disse ao sacristão que ficasse do lado de fora, na sala, e que orasse muito, mas que não entrasse no quarto, de forma nenhuma!

Munido do crucifixo, o padre adentrou-se no quarto, fechando a porta em seguida.

Do lado de fora o sacristão podia ouvir o barulho das chicotadas que o padre dava em Zé Arcanjo com o cordão de São Francisco!

A curiosidade tomou conta do sacristão, que olhando do buraco da fechadura tentava ver o que se passava lá dentro!

Foi então que o demônio, falou pro padre, na voz de Zé Arcanjo:

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065_ “Para de bater, padre! Eu vou sair! Mas vou entrar no

traseiro daquele que tá olhando do buraco da fechadura!”O sacristão, ao ouvir aquilo, botou as mãos na bunda e

correu pra Igreja!Lá chegando, correu pra se esconder no confessionário,

ficou lá dentro, mas não se sentiu seguro! Saiu em direção ao sacrário, onde ardia a lâmpada de azeite! Ali ficou, mas teve medo do escuro da igreja!

Então ele teve a ideia! Correu pra pia de água-benta, meteu a bunda lá dentro molhando todo o traseiro, ali ficando até o padre retornar da casa de Zé Arcanjo!

Mais tarde, na sacristia, o padre, vendo a calça molhada do sacristão, perguntou:

_ “Que é isso, homem? Mijou na calça?”O sacristão respondeu:_ “Não, Sô Padre! É água-benta! O senhor não ouviu

quando o “Coisa-ruim” falou que saía mas que entrava no traseiro de quem tava olhando? Pois é, eu me preveni contra ele! E tô indo pra casa, que já tô morto de medo!”

O padre riu e quando o sacristão se afastou da igreja, ele chegou à porta e gritou:

_ “Olha, toma cuidado! Água-benta também seca!...”

O PORCO “OCADO”

Engraçado foi quando Sá Mariana deixou um leitãozinho com Sô Correia, pra engordar à meia, quando ela mudou pra rua.

Sempre que ele vinha à cidade ela perguntava pelo porquinho e ele sempre dizia que tava indo tudo bem, que ele tava engordando.

Um ano depois ela voltou à roça e ao chegar no chiqueiro, não vendo porco, perguntou:

_ “Uai, Sô Correia?! Cadê o porco?!”Ele, bem tranquilo, enrolando o cigarro de palha,

respondeu:

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066_ “Ah, comadre! Num deu não! O danado do porco,

cumia, cumia e não engordava! Matei ele! Num deu lucro! O danado tava “ocado”!...”

O QUINTO MISTÉRIO

_ Sôs Moços, este caso assucedeu, se não me engano, no ano de 1977 ou 1978.”

Manuel da Cachaça acendeu o cigarro, tomou a pinguinha, raspou a garganta e continuou:

_ “Nas eleições municipais de 1976, o Partido da Situação, ou seja, o Partido do Acordo Político – antigo PSD e PR – foi derrotado! Venceu a oposição, para surpresa geral!...”.

No ano seguinte, após a posse do novo Prefeito, os Acordistas começaram por fazer, desde o início, forte oposição ao Prefeito.

Alguns meses depois, aconteceu um período de grande estiagem, com muito sol e nada de chuva!

A situação tava ficando crítica! Os pastos rareando, as cabeceiras de água minguando, enfim, uma calamidade!

Alguns devotos chegaram a ir à Casa Paroquial e até pediram ao Vigário pra colocar a “Túnica do Senhor dos Passos” pendurada no adro da Igreja, pois segundo crença popular, atraía chuva!

Tudo foi feito e nada da chuva cair!Num domingo, na Missa das onze horas – a mais

frequentada pelo povo da zona rural e pelos políticos locais – o Vigário anunciou que logo após a Missa, haveria uma procissão pelas ruas da cidade, com a finalidade de pedir a Deus que mandasse a tão esperada chuva!

O Vigário deu o trajeto da procissão: Sairia da Igreja, contornaria toda a Praça Cônego Lopes, indo para a Praça Três de Outubro, lá atrás da Igreja, onde haveria uma bênção, retornando em seguida para a Igreja.

Começou a procissão. O Vigário iniciou a contemplação do Terço.

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A procissão contornou a Praça Cônego Lopes, passou em frente à Prefeitura Velha, tomando o rumo da Praça Três de Outubro.

Todos os líderes políticos estavam presentes, menos o Prefeito.

Heraldo, político “Acordista”, cutucou Sô Benito, perguntando:

_ “Cadê o homem? Não estou vendo ele na procissão!”_ “Que homem, Heraldo?”_ “O Prefeito! Ele gosta tanto de aparecer! Tô

estranhando!...”_ “Ora, ele deve ter viajado!”_ “Sei lá... Eu vi uns funcionários da Prefeitura com

caixas de foguetes lá na “boca da ponte”... Essa procissão de última hora... Esse Vigário... Sei lá!...”

_ “Tira isso da cabeça, Sô! Essa procissão é pra pedir chuva! Trata de rezar que você tem muita vaca e tá ficando sem pasto!” Retrucou Sô Benito já impaciente.

_ “Sei lá... Sei lá...” Ainda disse Heraldo com desconfiança.

A procissão seguia. Pela expressão das beatas rezadeiras, a chuva cairia logo!

A procissão chegou à Praça Três de Outubro – atrás da Igreja – o Vigário preparava pra contemplar o Quinto Mistério do Terço, quando de repente, teve um barulhão doido! Parecia que era trovoada!

Algumas mulheres chegaram a gritar que era milagre! Que era a tão esperada chuva!

Foi então, que entrou na Praça a Máquina Patrola, toda enfeitada, conduzindo o Prefeito sorridente, portando uma faixa que dizia: “O POVO QUIS! OS VEREADORES DO PREFEITO PEDIRAM! E ELA AÍ ESTÁ!”

O Vigário, radiante, jogava Água-benta na Máquina! O Prefeito, oportunista, iniciou um discurso!

Os Acordistas se debandaram da procissão e na “boca da ponte” o foguetório teve início!

Heraldo, andando depressa, dizia:

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_ “Eu não falei?! Eu sabia que “debaixo desse angu tinha torresmo e ovo”!...”

Manuel da Cachaça riu matreiramente e concluiu o caso:

_ “É por isso que o povo chamava a Máquina da Prefeitura de “QUINTO MISTÉRIO”! O Mistério do Terço que o Vigário não contemplou naquela procissão!...”

O RABO DO PORCO

Compadre Xisto tinha uma panela de pedra de trinta litros, na qual sempre armazenava a carne de um porquinho na gordura. Era um velho costume de família, uma tradição que ele seguia religiosamente. Quando a carne acabava ele logo matava outro porquinho pra comadre Maria empanelar!

Tomar uma pinga na casa do compadre Xisto era mais que um prazer, era uma tentação! Tão logo a gente sentava no banquinho em frente à casa, debaixo da mangueira e começava a bater papo, comadre Maria jogava a carne na beca e logo, logo, o tira-gosto chegava com o litro de pinga! Êta coisa boa, Sô! Era beber, comer e lamber beiço!

Numa tarde dessas, tava eu lá batendo papo com o compadre quando a comadre chegou com o tira-gosto e a pinga. Servi da cachaça e quando ia pegar o tira-gosto, o compadre pegando o rabinho do porco, tostadinho, falou:

_ “Olha aqui compadre, é o sinal!”Sem entender, perguntei:_ “Que sinal, compadre?”Ele, mordiscando o rabinho respondeu:_ “O sinal de que o porco tá acabando! QUANDO A

MARIA ESQUENTA O RABO PRÁ ME DÁ É PORQUE TÁ NA HORA DE MATÁ OUTRO PORCO!...”

Depois é que fui entender que quando a comadre Maria empanelava as carnes, o primeiro pedaço que ela depositava na panela era o rabinho do porco, portanto, o último a ser comido, sinal evidente de que a carne estava no fim!...

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O REGISTRO DE NASCIMENTO

Depois de umas rodadas de pinga, Manuel da Cachaça, rindo matreiramente, começou a contar:

_ “Sôs moços, tô me alembrando de quando Sô Zé Correia foi registrar o nascimento de seu filho Feliciano. Foi muito engraçado, presta atenção:

Sô Zé Correia foi ao Cartório de Sô Rodolfo pra registrar a criança. Lá chegando, explicou pra Sô Rodolfo o que desejava.

Sô Rodolfo abriu o Livro de Registros, ajeitou os óculos na ponta do nariz e perguntou:

_ “Sô Zé Correia, a criança, o sexo, é masculino ou feminino?”

Sô Zé Correia, já meio surdo, pondo a mão em concha no ouvido pediu pra Sô Rodolfo repetir a pergunta.

Sô Rodolfo, impaciente como sempre, repetiu:_ “A criança, é masculino ou feminino?”Sô Zé Correia, com voz grossa respondeu:_ “Oh, Sô Rodolfo! Num é MARCULINO e nem

FIRMINO! É FUNCIANO!!!...”

O RELÓGIO

Sô Fernando, quantas horas, por favor?” Manuel fez a pergunta antes de virar a dose da “branquinha”. Olhei o relógio, balancei o braço e respondi:_ “Xiii, Sô Manuel, o relógio parou!...”

Manuel limpou o bigode branco e disse:_ “Cê tinha que ter um relógio igual ao do seu avô Nico

Quintão. Ôh relógio danado de bão, Sô!”Curioso, corrigi, perguntando:_ “Sô Nico Quintão? Era meu bisavô! Mas o que

aconteceu com o relógio dele?”

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070_ “Bem, Sô Nico tinha um relógio de bolso, todo de ouro!

Uma “coisa de doido” de tão bonito e bão! A corrente era também toda de ouro! Coisa de fazer inveja! Cês precisava ver!

Num é que um dia, ele já ia pra casa, ali onde morava Sô Caquim Peixoto. Ao passar na ponte, que era de madeira, ele tirou o relógio pra ver as horas. Aí ele tropeçou e caiu soltando o relógio, que por falta de sorte soltou da corrente caindo no rio! Sô Nico ficou muito chateado com a perda do relógio, mas com o tempo se esqueceu do acontecido!...

Passado mais ou menos uns dez anos, Zé Prego, que trabalhava pra ele, foi pescar debaixo da ponte.

Ele resolveu subir num dos pilares de madeira da ponte pra amarrar uma linhada e deixar armada até mais tarde.

Foi então que ele viu uma coisa brilhando entre duas pranchas de madeira! Aproximou-se mais e reparou o objeto. Lá estava, entre dois grossos pranchões um relógio de ouro! Com o coração disparado, pegou o relógio e saiu correndo em direção à venda de Sô Nico, gritando:

_ “Ô Sô Nico! Olha aqui! Achei seu relógio! Tá aqui!”Sô Nico, que estava limpando um molequinho de ferro,

“cumedô” de moedas, que ficava no balcão, logo acudiu:_ “Que que foi Zé Prego? O que ocê achou?”Zé Prego, sem fôlego, respondeu mostrando o relógio:_ “Seu relógio! Achei seu relógio!”Sô Nico, pegou o relógio, olhou bem e falou:_ “É ele mesmo... É o meu relógio... Olha... e ele tá

funcionando... Cê deu corda nele, Zé Prego?”_ “Não, num dei não senhor! Tá do jeito que eu achei

ele!”Sô Nico, balançando a cabeça como quem não acredita,

falou:_ “Tem que ter uma explicação!... Isto é impossível!...

Vamos até o lugar onde ocê achou ele!”Os dois foram até a ponte e Zé Prego pôs o relógio do

jeito em que estava antes, no mesmo lugar!Sô Nico ficou observando tudo em volta enquanto falava:

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_ “Não é possível!... Tem que ter uma explicação!... Um relógio sumido faz tempos... ainda funcionando... e certinho?!... Marcando certinho?!... Tem que ter explicação!...”

Aí Zé Prego gritou pra ele:_ “Cuidado, Sô Nico! Já vai aí uma baita cobra! E pelo

visto é bem velha! Toma cuidado!”A cobra passou deslizando na madeira. Era uma jararaca

e de fato, bem velha!Sô Nico saltou ao chão e falou:_ “Tá explicado, Zé Prego! A explicação é muito simples!

Veja bem! Aquela jararaca mora numa fenda da madeira da ponte! Todos os dias ela sai pra tomar sol ou entrar na água! Quando ela passa no lugar em que está o relógio, a barriga dela, que é raspenta, passa sobre o pino de dar corda! Entendeu?! Como ela faz isto várias vezes num dia, o relógio nunca para! Cê concorda comigo?!...”

Manuel parou pra acender o cigarro. Deu uma tragada e arrematou:

_ “Se os moços não tão acreditando é só perguntar ao finado Sô Nico e ao finado Zé Prego... É a pura verdade!...”

O RESTO É FEMA!...

Sô Antônio Maurício arreou o burro e tocou pra rua, pra receber o dinheiro da venda do porco, que a mulher engordara com muito trabalho!

Depois de pegar o dinheiro, resolveu ir à barbearia de Sô Benvindo, que ficava ali na Rua Nova (Siqueira Afonso).

Terminado o corte, Sô Benvindo convidou Sô Antônio pra jogar um carteado, com outros amigos, em sua casa.

Sô Antônio relutou! Ele já havia jurado que não pegava mais em cartas, mas a paixão pelo jogo foi mais forte e ele topou!...

Jogou! Jogou bastante e perdeu tudo!...

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072Levantou-se, despediu-se dos parceiros, montou no burro

e tocou estrada afora, enquanto ia conversando com o animal:_ “Êh, cê tá relinchando, seu burro... Tá rindo de mim...

Pode rir!... Cê tá certo!... Cê é burro, mais eu sou mais burro que ocê!... Pode rir!... Eu mereço!... Só quero ver quando a mulher perguntar pelo dinheiro do porco!... Sou mais que um burro, sou uma besta!...”

Chegando em casa, soltou o animal e se preparou pra reprimenda da mulher!

Ela, vendo-o com aquela cara de quem comeu e não gostou, foi logo perguntando:

_ “Que cara é essa, home? Que que aconteceu?! Não recebeu o dinheiro do porco?!...”

Ele, coçando a cabeça, foi logo dizendo:_ “Pior que isso! Sou uma besta! Cê pode falar o que

quiser! Perdi tudo no jogo! Sou um azarado desgraçado!...”A mulher, pondo-lhe a mão no ombro, falou

carinhosamente:_ “Que é isso?! Vai jantar! Porco a gente engorda outro!

É fácil! Pior é se tivesse gastando com doença! Preocupa, não!...”

Dias depois, ao contar o caso a um amigo, ele arrematou dizendo:

_”Sabe, meu amigo! Mulher é aquela que eu tenho lá em casa! O resto é fema!...”

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073O SANTO PELADO

Sô Monteiro morava lá no Bico de Pato. Homem decidido, voz grossa, tinha resposta pra tudo e não se curvava pra nada!

Um dia, muito desgostoso com certos problemas, foi à Igreja rezar, pedindo ajuda ao santo de sua devoção, que era São José.

O sacristão sabia que todas as vezes que Sô Monteiro vinha à rua, tinha que ir à Igreja rezar pra São José e sempre rezava em voz alta, sempre pedindo muitos favores. Rapidamente ele se escondeu debaixo do altar em que estava São Sebastião, próximo a São José.

Sô Monteiro entrou na Igreja, tirou o chapéu, fez o Sinal-da-cruz e começou a pedir:

_ “São José, eu sei que ocê deve tá cansado de minhas pedição, mas sempre tem arresolvido as coisas pra mim. Agora tô percisando de um grande favor seu! Sabe o Altino? Aquele sovina dos infernos? Pois bem, meu Santo, eu percisei de uns cobre dele emprestado, e agora, tô aí mais apertado que cinturão de sordado! Tô que não guento mais! Cê percisa de me ajudá!”

O sacristão, com voz grossa, falou debaixo do altar de São Sebastião:

_ “Vai trabalhar, ô vagabundo! Não tem vergonha de pedir dinheiro pra Santo, não?!”

Sô Monteiro, olhando pra São Sebastião, respondeu no ato:

_ “Olha lá, Sô! Num tô te pedindo nada, não! Ôh, Santo Pelado! Nem roupa ocê tem?!...”

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074

O SUSTO DE CHICO TROPEÇO

Chico Tropeço morava lá pros lado do Salto.Sujeitinho franzino e baixo, tinha o rosto repuxado, que

lhe dava a expressão de estar sempre rindo. Era um “cachacista militante”, desses que quando vêm à rua, na volta, dormem na estrada.

Um dia ele veio à rua. Como de costume, bebeu o dia todo! Na hora de ir pra casa, passou na venda do Brás, lá atrás da Igreja, bebeu mais uma dúzia de doses de pinga, comprou trezentos gramas daquela linguiça grossa que o povo chama de “Maria Rosa” ou “rachacu” e se mandou estrada afora!

A noite estava muito escura e catrambando ele chegou até próximo de sua casa.

Antes de abrir a porta, resolveu urinar. Abriu a braguilha e quando puxou o “dito cujo” pra fora, levou o maior susto! Ele saiu inteirinho na mão dele!...

Com a vista embaralhada pelo efeito da cachaça ele pôs-se a gritar:

_ “Ô muié, acode! Trás a lamparina! Depressa!”A mulher logo acudiu de lamparina na mão, perguntando:_ “O que foi Chico? Cobra te mordeu?”Chico, balançando a mão, gritava: _ “Pior que isso, muié! Olha aqui na minha mão! Tô

inválido! Meu “membro” rancou, muié! Olha só! Chega a lamparina aqui! Pior é que a cachorra comeu um pedaço dele! Corre atrás dela!”

A mulher aproximou a lamparina, observou bem, apertou o “negócio” e depois disse:

_ “Cê tá bebo memo, hein Chico?! Isso é “rachacu” que ocê comprou na rua, homem! Seu borço tá rasgado! É isso que aconteceu! Vamo dormi! Se bem que se seu “membro” tivesse rancado, pouca farta ia fazê! Cachaça já acabou com ele memo!...”

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075

O TEATRO

Arthur Felício fora convidado a participar do elenco de atores do Teatro de Sô Mathias de Moura.

Por ser muito tímido e não estar acostumado com o público, deram-lhe um papel secundário, daqueles que a personagem só faz uma entrada em cena e diz, quando muito, apenas uma frase.

A peça a ser passada era um drama religioso, que contava a estória do Imperador Romano, Juliano.

A cena da qual Arthur participaria era simples: Ele era um soldado romano, que entraria em cena ao ser chamado pelo carcereiro e diria apenas esta frase: “EIS-ME AQUI, SENHOR CARCEREIRO!”

Os ensaios foram exaustivos! Sô Mathias era rigoroso! Arthur, com dificuldades “decorou” o papel!

O Teatro era no prédio da Prefeitura Velha, na Praça Cônego Lopes.

Salão cheio! Na primeira fila estavam Padre Grossi e Inhô de Juca, que tocavam bandolins durante as apresentações!

Abriu-se o pano! Sô Mathias se apresentou ao público e fez uma síntese da peça, fazendo em seguida a apresentação dos atores, chamando-os pelos nomes.

Oto Silva, o dentista local, como não estava trabalhando na peça, ficou no “ponto”, isto é, acompanhando os diálogos e dando as “dicas” aos esquecidos.

Com o Arthur, ele nem se preocupou, pois o papel dele, tão pequeno, era difícil de se esquecer!

Iniciou-se a peça! O público seguia com atenção o desenrolar dos acontecimentos! Padre Grossi e Inhô de Juca tocavam uma valsa suave dando mais sentimento ao desenrolar do drama!

Chegou o momento em que o Arthur entraria em cena!O carcereiro gritou:_ “Soldado! Soldado!”

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076Nos bastidores, Arthur tremia, e foi preciso um empurrão

de Sô Mathias para ele entrar! E ele entrou! Chegou frente ao carcereiro e começou a esfregar as mãos!

O carcereiro repetia a deixa:_ “Soldado! Soldado!”Arthur, levando as mãos à cabeça, falou alto:_ “Xiii!... Esqueci tudo!...”Oto, que estava no “ponto” não resistiu e soltou uma

sonora gargalhada!A plateia explodiu! E as vaias, assobios e gargalhadas

encheram o ar! Sô Mathias, nervoso, fechou o pano, enquanto dizia para o Arthur que continuava com as mãos à cabeça:

_ “Lerdo! Lerdo! Lerdo!...”

O TÍTULO ELEITORAL

Sô Felipe era um “perrista” apaixonado! Mas tinha uma vantagem a favor do PSD: Era analfabeto! Não tinha Título de Eleitor! Não podia votar!

Na segunda eleição municipal aqui realizada, Zizinho Peixoto, Oficial do Cartório local, jogou uma conversa em cima de Sô Felipe:

_ “Me diga uma coisa, Sô Felipe! Por que até hoje o PR ainda não fez o seu Título de Eleitor?”

Sô Felipe respondeu:_ “Ora, é porque eu não sei escrever! É só por isso!”Zizinho, esperto, não perdeu tempo pra por “minhocas”

na cabeça do homem:_ “Mas só por causa disso? Eu, hein?!... Parece que

eles não estão muito preocupados com o seu apoio, Sô Felipe!”_ “Como assim?! Cê pode explicá melhor, Sô

Zizinho?!...”Zizinho serviu uma dose de pinga e passou o copo pra

Sô Felipe. Estavam no Boteco de Sérvulo Fernandes, lá atrás da Igreja.

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077_ “Olha, Sô Felipe. Eu trabalho no Cartório e tenho visto

muito Título de Eleitor analfabeto... Cê sabe... Pra tudo tem um jeitinho...”

Sô Felipe tomou a pinguinha, olhou pra Zizinho e falou:_ “Éh... Cê tem razão... Eu já vi muita gente que nem

sabe rezá uma “Ave Maria” ou um “Crendeuspadre” ter Título de Eleitor... E eu, que sei rezá até nos “latinorum” da Igreja, ainda não tenho... Éh... Pensano bem, cê tá com razão... Olha, Sô Zizinho, vou te falá uma coisa, prô cê e pro Sô Sérvulo! Se ocê me arranjá o Título, adeus PR!...”

Foi “jogar sapo n’água”! Com mais umas rodadas de pinga, Sô Felipe já dava viva Ninico, PSD e Padre Pedro Maciel, deputado “pessedista”, filho da Terra!

O fato foi levado ao conhecimento de Ninico Carneiro, que era candidato do PSD à Prefeitura. Este, sempre muito ponderado, falou:

_ “Compadre Zizinho. Será que vale a pena correr o risco? Às vezes o homem nem vai votar direito... Pense bem!...”

Zizinho, sempre muito atirado, retrucou:_ “Olha, compadre. Já pensei em tudo! Se ele não votar

direito, não tem importância! Só a raiva que os PR vão passar vale o risco!”

E assim foi feito! Zizinho redigiu o requerimento ao Juiz Eleitoral e assinou com a mão esquerda, visto que Sô Felipe não sabia nem pegar na caneta!

Quando os políticos do PR tomaram conhecimento do fato, não perderam tempo! Foram à Piranga, sede da Comarca, viram a relação dos novos Títulos do município de Presidente Bernardes e impugnaram o de Sô Felipe, juntamente com o de Sá Geralda, uma eleitora lá do Seringa, que tal qual Sô Felipe, não sabia nem desenhar o nome!

Zizinho Peixoto, ao tomar conhecimento, não perdeu tempo! Conversou com a Oficial do Cartório Eleitoral da Comarca, que era sua amiga e acertou com ela as leituras da Cartilha Escolar que serviriam de teste aos eleitores impugnados! Para Sô Felipe seria a leitura “O PAPAGAIO” e para Sá Geralda, seria a leitura “A ONÇA”. Isto posto, sem

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078perder tempo, Zizinho, juntamente com a turma do PSD, providenciou para que Sô Felipe e Sá Geralda decorassem as leituras.

Chegou o dia marcado pelo Juiz para examinar se os eleitores eram ou não analfabetos!

Os exames seriam feitos lá no prédio do Patrimônio – Prefeitura Velha – na Praça Cônego Lopes.

A sala estava cheia! De um lado a turma do PR e do outro a do PSD!

Sô Felipe estava sentado, na maior tranquilidade! Usava um paletó escuro e calça de gabardina marrom.

Sá Geralda, tremia e esfregava as mãos que suavam sem parar!

O Juiz chegou – acompanhado da Oficial do Cartório Eleitoral – para alívio de Zizinho Peixoto e Ninico.

Cumprimentou a todos e mandou que se iniciasse o exame com Sô Felipe.

A Oficial pegou o requerimento de Sô Felipe, passou-o ao Juiz que após lê-lo, perguntou a Sô Felipe:

_ “Este requerimento foi assinado pelo senhor?”Sô Felipe levantou-se e pediu ao Juiz para ver o

requerimento. Num canto da sala Zizinho coçou a cabeça olhando pra Ninico.

O Juiz passou o papel para Sô Felipe, que tirando os óculos do bolso do paletó, colocou-os na ponta do nariz, afastou um pouco o papel, semicerrou os olhos e falou:

_ “Sim... Sim senhor... Esta assinatura é minha!...”Zizinho Peixoto enxugou a testa molhada de suor com

um lenço. Olhou para Ninico e falou baixinho:_ “Ele é um artista... Pode até trabalhar no Teatro do

Mathias...”O Juiz ordenou à Oficial do Cartório Eleitoral que

passasse a Cartilha ao Sô Felipe para que ele procedesse à leitura.

Sô Felipe pegou o livro já aberto na página combinada. Ajustou os óculos, raspou a garganta e começou a ler, com voz grossa, alto e devagar:

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079_ “O PA-PA-GAIO. O PA-PA-GAIO É UM PÁSSA-RO

QUE TEM AS CÔ-RES DA BAN-DEI-RA NACI-O-NAL. ELE TEM AS CÔ-RES VER-DE E A-MA-RE-LO. O PA-PA-GAIO FAZ: PU-RU-PA-CO, PA-PA-CO, PA-CO!”

O Juiz falou:_ “Muito bem, Seu Felipe! Muito bem! A denúncia não

procede! Você fica com o Título!”Zizinho, não se contendo, puxou palmas e do lado do

PSD, houve muita comemoração!Sô Felipe, ao invés de entregar a cartilha à Oficial do

Cartório Eleitoral, entregou-a ao Juiz. Este, pediu silêncio e chamou Sá Geralda.

Ninico cutucou Zizinho Peixoto, falando baixo:_ “E agora, compadre... Como é que vai ser?!... O livro

está com o Juiz?!...”Zizinho respondeu:_ “Agora seja o que Deus quiser!... Se sair na página

marcada!...”O Juiz folheou a cartilha, parou numa página e mandou

Sá Geralda ler. Ela, visivelmente nervosa, ainda teve a coragem de pedir os óculos emprestados a Sô Felipe.

Zizinho Peixoto falou pra Ninico:_ “Eu não aguento mais isso!... Não quero nem ver...

Vou lá pra fora!...”E os dois saíram de “fininho”, enquanto Sá Geralda

começava:_ “A ONÇA. A OONÇA É É UM A-NI-MAL SE-ELVA-

GEM QUE VIVE NAS FLO-RES-TAS E NAS MAA-TAS. A ONÇA É...”

Aí o Juiz tomou-lhe a cartilha interrompendo a leitura, dizendo:

_ “Onça é a senhora! A leitura aqui é o TATÚ! Ôh, Zizinho Peixoto! Como é que você faz uma coisa dessas?!!!”

A turma do PR explodiu em risadas e do lado de fora, apesar de tudo, Zizinho e Ninico também riram!...

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080

O VELÓRIO

O corpo estava lá no meio da sala, sobre a mesa grande, forrada com um pano preto. Na cabeceira da urna, duas velas acesas e no centro um crucifixo. As “veloristas”* rezavam...

De repente a turma chegou! Invadiram a sala e começaram a comentar sobre o falecido:

_ “Boa pessoa... Morreu novo!...”_ “Qual o que, Sô! Oitenta e oito anos... É mole?!...”_ “E ele não era tão boa pessoa assim, não! Lembra-se

de...”_ “Cala a boca! Num tá vendo a filha dele aí não, Sô?!”_ “É filha dele? Não conhecia... Mas que ele tá

queimando nos infernos, tá!... E ele é dos PR bravo, sorte dos PSD!...”

_ “Será que não tem cachaça neste velório?!”_ “Tem sim! Tá lá na cozinha! E tem muita linguiça

pendurada na fumaça!”_ “Ô turma, vão lá pra dentro?”Todos fizeram o Sinal-da-cruz e foram para a cozinha.Daí a pouco a casa toda cheirava a linguiça assada... a

cozinha virou um antro de risadas!_ “Conta aquela do Padre...”_ “Aquela é velha... Conta outra mais nova!”_ “A linguiça tá queimando! Toma cuidado! Olha o

lampião!” _ “Êpa! Passaram a mão na minha bunda! Pode pará!”_ “Cadê o violão? O morto gostava muito de violão!...”_ “Isso aí, não! Cê ficou doido, Sô?! Violão numa hora

dessas!...”_ “Silêncio! Silêncio! Olha o respeito!”_ “Xiii!... Apagaram o lampião!... Tira a mão daí, Sô!...”_ “Taquí o fósforo! Acenda logo!”_ “Cadê o garrafão de pinga? Já acabou?!”_ “Farode e Sá Onça saíram com ele...”

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081_ “Virgem Maria!... Olha lá debaixo da mesa do

defunto!... Que falta de respeito dos dois!... Bebendo cachaça ali?!..."

_ “Silêncio!... Olha quem chegou! O Cabo, o Sargento e o Delegado! E tão vindo pra cá!...”

_ “Vão margar o bico... A pinga num tá aqui!...”Eles chegam à cozinha e o Delegado pergunta:_ “Cadê a pinga?”Sô Zaca, apontando pra debaixo da mesa do defunto:_ “Tá lá!”_ “Puxa vida! Que falta de respeito! Que pouca-vergonha

dos dois! Vou enquadrá-los no Artigo 209 do CPB – Perturbação de cerimônia funerária!...” Arrematou o Delegado!!! ......................................................................................................

Cês podem não acreditar, mas velório no interior, tem muito disto!...

• VELORISTAS: Segundo meu amigo Zé Valente, motorista, gente fina, são as carpideiras, mulheres que frequentam velórios pranteando o morto.

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082

O VELÓRIO II

A cachaça corria solta pela noite afora, no velório de Gezuíno. Entre os presentes, podia-se contar com Batista, Gudinho, Panqué, Teodoro, Mandi, Torresmo, “Tá até doce”, e muitos outros cachacistas militantes que marcaram época.

Lá pelas tantas, depois que Sô Quinca Leandro já havia feito todas aquelas perguntas e adivinhações, que só ele sabia fazer, foi que o Batista, dando aquela risada, falou:

_ “Pois bem, vou fazê uma pergunta prô cês! Vê se o sinhô adivinha, Sô Quinca! Hã... Vai lá: Qualé a deferença entre o Bêbo daqui e o do Rio de Janeiro? Hã... Adivinha cambada?! Vão vê?!”

Todos deram respostas, mas ninguém acertava e Batista tava lá, rindo à valer!

_ “Fala Batista! Conta pra gente!” E ele nada! Só ria e dizia que contaria na hora de ir pra casa!

Muita gente foi embora sem ouvir a resposta.Lá pras três da madrugada, quando a cachaça acabara,

foi que Batista, chegando-se à porta, falou para os presentes:_ “Tô ino imbora. Se até agora ocês num adivinharam a

resposta, eu vou dizê: A deferença entre o bêbo daqui e o do Rio de Janeiro é que o daqui bebe e paga e o do Rio deixa pra JACARÉPAGUÁ! Hã! Hã! Hã!...”

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ÔH, PR DISGRAÇADO, SÔ!...

Sô Antônio Maurício, “pessedista” apaixonado, num certo dia de eleição, viu Sérvulo Fernandes, do outro lado da Rua São José, em frente a Loja de Sô Olívio Quintão, líder político do PR, puxando um eleitor relutante, pela manga do paletó.

Sô Antônio Maurício, não perdeu tempo e se aproximando, perguntou ao Sérvulo:

_ “Algum problema aí, Sô Servo?”Sérvulo, soltando o eleitor, respondeu:_ “Eh, Sô Antônio. Eu tô aqui pelejando com este moço,

pra ele votar com a gente, mas o danado tá doido pra ir pro outro lado da rua, em direção à casa de Sô Olívio...”

Sô Antônio Maurício, com voz grossa, falou:_ “Deixa pra lá, Sô Servo! Comigo é assim: Se fô PSD,

arrasta de qualquer maneira, mas se fô do PR, num quero nem vê! Num serve nem pra fazê sabão!...”

Vendo que o tal eleitor adentrou-se na loja de Sô Olívio, concluiu:

_ “Ôh, PR disgraçado, Sô! Me dá inté nojo!...”

…...................................................................................................

De outra feita, estava Sô Antônio Maurício na loja de Zé Fernandes, lá na Rua São José, onde hoje é a Prefeitura, quando começou um “ajunta-ajunta” de “perristas” na loja de Sô Olívio, seguido de um foguetório na “boca da ponte”.

Zé Fernandes, curioso, perguntou pra Sô Antônio:_ “O que será que está acontecendo lá?”Sô Antônio Maurício, mais curioso ainda, respondeu:_ “Deixa comigo, Sô Zé! Dispistado eu vou até lá pra

saber...”Disse e subiu a rua em direção à loja de Sô Olívio. Lá

chegando, meteu as mãos nos bolsos do paletó, parou em frente a uma das portas da loja, que estava fechada, e esticando o pescoço, pôs-se a escutar o que lá dentro comemoravam.

Page 85: Manuel da cachaca contos casos de boteco

084De repente, alguém cutucou-o por trás, ao voltar-se, deu

de cara com Lico de Moura, “perrista” de “amargar” e valentão, que lhe perguntou:

_ “Que que ocê tá xeretando aí, homem?!”Não sabendo o que responder, Sô Antônio Maurício

disse:_ “Eu?! Eu tô é “breganhando” égua, Sô! Uai!...”Lico olhou pra Sô Antônio que se afastava ligeiro e disse:_ “Pois vai “breganhar” égua na P.Q.P!...”

PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO

Dona Mônica morava num casarão lá atrás da Igreja. Senhora muito religiosa, encarregava-se dos afazeres da Igreja com o mesmo afinco com que cuidava de sua casa.

Entre tais afazeres, estava o de ensinar aos meninos que pretendiam ser coroinhas, a difícil arte de responder a missa em latim, bem como todo o ritual necessário à sua celebração.

Eu mesmo fui “aluno” dela quando menino e me lembro muito bem de suas “aulas”: o altar improvisado na sala de visitas e ela lá na frente, celebrando:

_ “INTROIBU DE ALTAREDEI.” Dizia ela._ “ADIDÉO CULETIFICA JUVENTUTAM MÉA.” Respondíamos, num latim “pelejado” e decorado!O Vigário, já cansado, não se importava com o latim dos

meninos. Para ele o importante era celebrar regularmente a Santa Missa, a intenção é que valia!

Um dia ele adoeceu e enquanto se recuperava, a Paróquia ficou aos cuidados de um padre novo, ordenado de pouco.

Primeira missa dominical do novo padre! Igreja cheia!Ele começou a celebração falando aquele latim bonito,

que nem romano:_ “ET INTROÍBO AD ALTÁRE DEI.”

Page 86: Manuel da cachaca contos casos de boteco

085Bastião Olímpio, coroinha escalado para aquele dia, foi

logo respondendo:_ “DIDÉO CULETICA JUVENTUTA MÉIA.”_ “DÓMINUS VOBÍSCUM.”_ “É DISCONDE ISPIRITUTUA...”Terminada a missa, na sacristia, o Padre perguntou ao

Bastião quem havia ensinado a ele responder a missa em latim, no que ele confirmou ser Dona Mônica.

O padre chamou o sacristão e falou sobre a necessidade de melhorar o latim dos coroinhas. Este, que há tempos tinha vontade de assumir o lugar de Dona Mônica, disse:

_ “É verdade, padre. Eu venho observando isso. Já estou preparado para assumir esta função, mas o vigário diz pra deixar do jeito que está!...”

Mais tarde o padre foi à casa de Dona Mônica. Ela não sabia o que fazer para agradar o novo padre!

Depois de um café com leite, bolinho de sonho, rosquinha, biscoito de polvilho, pão de ló, manteiga e queijo, o padre foi para a sala de visitas e, com muito jeito, falou com Dona Mônica sobre a necessidade de melhorar o latim dos coroinhas:

_ “Dona Mônica, tenho observado que o latim dos coroinhas precisa ser melhorado. A senhora há de convir que...”

Dona Mônica, mulher de temperamento forte, que não deixava nada para depois, interrompeu bruscamente o padre, dizendo:

_ “Olha aqui, Seu Padre! O senhor está começando agora e eu já tenho trinta anos de latim de missa! Não venha querer ensinar o PADRE-NOSSO ao vigário!...”

Page 87: Manuel da cachaca contos casos de boteco

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PO-CO-TÓ, PO-CO-TÓ,PO-CO-TÓ

Sô Zé Praxímedes, viúvo a mais de quatro anos, estava sentado na soleira da porta do Boteco de Sô Berico, que ficava na Praça Cônego Lopes, quando Sô Bejo, entrou a galope na Praça, montado em sua égua baia.

Zé Praxímedes, ao ver Sô Bejo, falou pra Sô Berico:_ “Óia lá, Sô Berico! Sô Bejo chegou em sua égua baia!

Toda vez que ele enviúva, já é a terceira vez, com pouco tempo ele se apruma e lá vem em sua égua fazendo alvoroço: Palalá, Palalá, Palalá!... Aposto que ele vai falar nos “proclames” do novo casamento, óia só!...”

E não deu outra! Sô Bejo entrou no Boteco, pediu uma pinga e foi logo falando no namoro que encetou com uma viúva lá da Barra e dos “proclames” que já estavam na Igreja. Antes de sair arrematou, dizendo pra Zé Praxímedes:

_ “Cê tem que dá um jeito, Sô Praxímedes! Homem não foi feito pra viver sozinho! É coisa da natureza!...”

Quando saiu, Sô Berico argumentou:_ “É mesmo, Sô Praxímedes!... Sô Bejo tem razão! Cê já

passou da hora de arrumar outra companheira!...”Zé Praxímedes, coçando a barba branca, retrucou:_ “Tadinho de eu, Sô Berico! Meu cavalinho “Cotôco” num

é igual a égua de Sô Bejo que faz Palalá, Palalá, Palalá, não!... “Cotôco”, cá, ultimamente, só sabe fazê é PO-CO-TÓ, PO-CO-TÓ, PO-CO-TÓ!...”

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087QUEM TEM VÍCIO, TEM DESCULPA

Já dizia Marieta dos Prazeres, beberrona inveterada, cheia de tretas:

_ “Eu cá bebo, masco fumo, pito e peco! E daí?! Médico morre e Padre também vai pro inferno?!...”

SABEDORIA POPULAR DO MANUEL

(Os provérbios populares são uma demonstração da sabedoria dos antigos. Abaixo seguem alguns que, ainda hoje,

frequentemente são usados em nossa região.)

_ “Passarinho que acompanha João de Barro vira servente de pedreiro!”_ “Macaco velho não mete a mão na cumbuca!”_ “Mais vale um canarinho solto de que dois na gaiola!”_ “Pra Mineiro, um é pouco, dois é bão, três é comício!”_ “Devagar com o andor que o santo é de barro!”_ “Quem vai na frente bebe água limpa!” ( Não confundir com a cachaça “Água Limpa”, do nosso amigo, “Toninho Litrinho.”)_ “Pra encontrar o diabo não precisa madrugar!”_ “Quem tem taxo pequeno não cozinha cabeça de boi!”_ “Passarinho que muito anda vira papá de gato!”_ “Formiga quando quer se perder cria asas!”_ “Boi em curral estranho é vaca!”_ “Em festa de jacu, inhambu não entra!”_ “Mulher trintou e não casou, danou!”_ “A escola da vida não tem férias!”_ “A esmola quando é grande o santo desconfia!”_ “Dor de barriga não dá uma vez só!”_ “É como diz o ditado: Pobre só dorme de um lado. Quando Deus dá a farinha o Diabo vem e rouba o saco!”_ “Para alguns os bois dão leite!”_ “Com mulher de bigode, nem o diabo pode!”_ “Pão comido é esquecido!”

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_ “Remenda o pano que ele dura um ano!”_ “De pequenino é que se torce o pepino!”_ “Quem tem tempo faz colher de pau e ainda borda o cabo!”_ “A ocasião faz o ladrão!”_ “O uso do cachimbo põe a boca torta!”_ “Angu com torresmo, linguiça na brasa, feijoada com couve e Cachaça de Calambau... Êta vidinha danada de boa, Sô!...”.......................................................................................................(As chamadas “Adivinhas”, perguntas, muitas vezes feitas em

versos, fazem parte do folclore universal. Ao pesquisar algumas, lembrei-me do velho “Quinca Leandro”, no Boteco da Biri, fazendo suas perguntas e adivinhações, enquanto a gente “biritava” umas cachacinhas acompanhadas do tradicional

amendoim torrado da Biri... Bons tempos aqueles!... Quanta saudade bate no peito da gente!...)

“Tem dente,não come,tem barba,

não é homem.”(Resposta: Alho)

“Duas irmãs no nome,mas não no parecer,uma a gente come

e a outra não é de comer. O que é?”(Resposta: Lima fruta e lima de ferreiro)

“Menina vamos fazeraquilo que Deus consente,

juntar o pelo com o pelodeixar o pelado dentro. O que é?”

(Resposta: Dormir – “juntar o pelo com o pelo” é juntar os cílios; “o pelado dentro” é o olho)

“Assassinado morreu,seu pai não tinha sogra,

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sua mãe nunca nasceue sua avó era virgem

até que o neto morreu. O que é?”(Resposta: Abel, filho de Adão e Eva)

“Come farinha,come feijão.

Mas quem governaÉ o cão. O que é?”

(Resposta: A espingarda. A farinha é a pólvora e o feijão é o chumbo)

“Fininha como um cabelo,luzente como uma espada,brinca nas mãos da menina,

mas pelo pé amarrada. O que é?”(Resposta: A agulha)

“Uma caixinhade bom parecer,não há carapina

que saiba fazer. O que é?”(Resposta: O amendoim, jatobá, ovo)

“Está sempre em nossa frente e nunca enxergamos?”(Resposta: O futuro)

“Que antes de ser já era?”(Resposta: Deus)

“Nasce em pé e corre deitada?”(Resposta: Chuva, a canoa)

“Quanto maior, mais baixo?”(Resposta: Rabo de cavalo, a sanfona)

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090“Quem tem procura e quem não tem não quer. O que é?”

(Resposta: Pulga)“Se tem cabeça não tem olho, se tem olho não tem cabeça. O

que é?”(Resposta: Alfinete e agulha)

“O que mais cheira no mundo?”(Resposta: Nariz)

“Qual é a voz que ninguém gosta de ouvir?”(Resposta: Voz de prisão)

“Se 3 gatos matam 3 ratos em 3 minutos, quanto tempo 100 gatos precisam para matar 100 ratos?”

(Resposta: 3 minutos)

(Não se sabe onde as “Adivinhas” surgiram pela primeira vez. Nenhum povo da terra as desconhece. Perguntas e adivinhações fazem parte do nosso folclore. Infelizmente, nos dias de hoje, as crianças não brincam mais de adivinhar. As tradições vão desaparecendo, dando lugar ao que é moderno. Faz parte da evolução, mas, manter as tradições é uma questão cultural, pois afinal, povo sem tradição é povo sem história, e povo sem história, não existe!)[Fonte: “Folclore: Teoria e Método” – Saul Martins – Imprensa Oficial de Minas Gerais – 1986]

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SERÁ QUE FAZ MAL?

Nêgo Tinto certo dia foi a Senador Firmino fazer uma compra na Casa Fernandes, famosa casa comercial da época, conhecida em toda a região.

Naquele tempo não havia linha de ônibus daqui para Ubá e por tal, Nêgo Tinto foi de charrete.

Na volta, quando estava nas proximidades da casa de sua comadre Ermínia, foi pego pela chuva.

Não podendo prosseguir resolveu ficar na casa da comadre.

Já era noite quando bateu à porta da casa.Dona Ermínia acolheu o compadre, arrumou-lhe o quarto

e pôs a água na bacia pro compadre lavar os pés antes de dormir, como era o costume da época.

Nêgo Tinto estava com muita fome e não sabia como falar isso à comadre. Então, teve a ideia!

Antes de por os pés na água, disse à comadre:_ “Ôh, comadre! Será que lavar os pés com o estômago

vazio num faz mal, não?!...”

SÔ BINA

Sô Bina morava lá pros lado do Maquixe. Era uma figura folclórica! Engraçado no falar e no andar! Homem simples, enfiado nas roças, Sô Bina pouco viajava.

De uma viagem em que foi ao Rio de Janeiro em companhia de Totone Bento, assucedeu um caso engraçado.

Ao chegar em Ubá, enquanto esperava o ônibus, que só sairia às sete da noite, Sô Bina resolveu dar umas voltas pela praça, não se afastando muito da Rodoviária, com medo de se perder.

Entrou em uma lanchonete e lá ficou, de chapéu de palha, calça pega-frango listrada, palha de milho no bolso traseiro da calça, a imagem do homem simples da zona rural.

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E foi então que um garçom, observando aquele roceiro, perguntou-lhe:

_ “O senhor deseja alguma coisa? Quer tomar um café com leite, comer um pão com manteiga ou qualquer outra coisa?”

Sô Bina, mais que depressa, estranhando a bondade daquele moço, logo aceitou.

Tomou café com leite e comeu pão com manteiga. O moço lhe ofereceu pastel, queijo, brevidade, e tudo mais que se pode pensar num bom lanche.

Enquanto comia, Sô Bina pensava:_ “Êta gente boa essa aqui de Ubá. Lá no Calambau

num tem disso, não! Lá ninguém ferece nada pra gente não! É tudo uns munheca de samambaia!...”

Quando terminou, Sô Bina procurou o garçom e lhe disse:

_ “Sô Moço, Deus lhe pague! Cê é um moço muito bão! Tô sastifeito! Muito brigado!”

O garçom, olhando pra Sô Bina, sem nada entender, retrucou:

_ “Qualé, meu?! Sua conta tá aqui! Vai logo pagar no caixa!”

Sô Bina, surpreso, logo respondeu:_ “Eu?! Eu pagar?! Num pago, não! Eu num pedi

nada?! Foi vancê que me FRECEU?!...”Disse e saiu, deixando o pobre garçom no prejuízo!...

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TEMPO BÃO É TEMPO DE ELEIÇÃO(depoimento de uma eleitora no ano de 1988...)

Eu tava doente e Sô Benigue, home muito bão, mandou o Cabral me levá lá em Piranga, na “embulança” da Prefeitura.

Lá eu consultei e o Dotô me receitô uns remédio. Cabral, moço bão, me esperou e me trouxe de volta pra Presidente.

Como eu num tinha o dinheiro pra comprá os remédio, procurei Dona Cidinha, irmã de Sô Beraldo e ela me deu mil cruzado pra comprá os remédio na Farmácia de Sô Zé Celmino.

Como eu num tinha cumido nada até naquela hora, arresolvi ir na casa da Dona Cici de Sô Zé Carneiro, que é uma dona muito caridosa pra pedir a ela um prato de cumida.

No caminho, topei com Sô Parmiro, que se pôs de pronto pra me ajudá! Ô home bão! Pagou uma jantinha pra mim lá no PASSATEMPO de Sô Diploma!

Aí eu pensei em procurá novamente o Sô Benigue pra ele mandá me levá em casa. E quando eu saí do PASSATEMPO topei com uma dona que eu num conheço direito que me disse que era esposa de Sô Rialino. Ela me perguntou se eu queria alguma coisa e foi me levano até a esquina de Sô Olívio onde Sô Rialino esperava com a “Kombida”. Foi então que Sô Vicente da SOAREZA me viu e gritou:

_ “Maria, vamos fazer uma entrega lá perto da sua casa e tem um lugar para você no carro! Estamos saindo, venha!”

De noitinha, deitadinha em minha cama, eu fiquei pensano... pensano:

“TEMPO BÃO É TEMPO DE ELEIÇÃO... TODO MUNDO OLHA PRÁ GENTE!...”

Page 95: Manuel da cachaca contos casos de boteco

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VIM SECO E TÔ VOLTANDO ENXUTO

Sô Quinca ficava enfiado nas roças lá da Boa Esperança de segunda a sexta-feira. No sábado vinha ele pra rua. Passava na casa de seu amigo Geraldino da Diva, onde sempre deixava meio saco de arroz pra limpar, tomava uma pinguinha e ia pra casa levando o arroz que deixara na semana anterior.

Geraldino da Diva sempre brincava, dizendo:_ “E aí, compadre. Vai botá a “escrita em dia”, hoje, com

a comadre, hein?!...”Sô Quinca ria e montando na égua respondia:_ “Se os “minino” der folga, compadre... Se eles durmi!...”Na segunda-feira, passou Sô Quinca em frente à casa do

Geraldino, indo pra roça. Este, na porta, rindo perguntou:_ “E então, compadre?! Acertou a “escrita?!”_ “Qual o quê, compadre! Num deu não! Os “minino”

atrapaiou! Vim seco e tô voltando enxuto! Até semana que vem, compadre!...”

_ “Inté, compadre!...”

A INTIMAÇÃO

(Dedicado ao amigo Tancredo Diogo, 20 anos de MINASCAIXA e tantos outros de Delegacia...)

E aconteceu com aquele ex-funcionário da Minascaixa, que foi designado para prestar serviços na Delegacia de Polícia de Presidente Bernardes, no ano de 1996.

Primeiro dia de serviço:O Delegado assinou vários “Mandados de Intimação” e

pediu ao novo funcionário que os encaminhasse, marcando as audiências para a próxima semana.

Page 96: Manuel da cachaca contos casos de boteco

095No dia seguinte, o nosso amigo ex-Minascaixa iniciou a

remessa das intimações.Num dado instante ele constatou que um seu compadre,

lá da Itapeva, estava sendo intimado.Ele leu a Intimação e reparando nos termos duros e

secos da mesma, sentiu que não ficaria bem para ele, mandar tal documento ao seu compadre, ainda mais sendo aquele ano, ano de Eleição Municipal!

Isto posto, sentou-se à máquina e datilografou aquela famosa “Carta-Intimação”:

“Prezado compadre Fulano de Tal,Ossos do ofício obrigam-me a convidar o prezado

compadre e correligionário a comparecer nesta Delegacia, no próximo dia 29 de Setembro de 1996, às 13:30 H, para tratar de assuntos de seu real interesse.

Como o prezado compadre deverá vir no caminhão do leite e somente será atendido na parte da tarde, não precisa se preocupar com o almoço. Já falei com a patroa para preparar aquele franguinho com quiabo, para o almoço do compadre!

Quanto ao assunto a ser tratado aqui na Delegacia, não precisa se preocupar; soltar “foguetinhos” em casa de adversário, nunca fez mal a ninguém! Tudo vai dar certo! Pode confiar em mim!

Dê um abraço na comadre e no meu afilhado.Até semana que vem!

(a) Sicrano de Tal

P.S.: E não se esqueça, no dia 03 de Outubro, 3º Quadrinho na cabeça!...” (Ainda não havia urna eletrônica).

Na semana seguinte, quando o tal compadre chegou à Delegacia, o Delegado perguntou-lhe se trouxera a Intimação, ao que o intimado respondeu:

_ “Ah!... A carta que o compadre me mandou?! Tá aqui!...”

Page 97: Manuel da cachaca contos casos de boteco

096

Retirando a carta do bornal, entregou-a ao Delegado!...

INHOZINHO DE LICO LIMA E SEUS CONSELHOS

Inhosinho de Lico Lima, gente finíssima, apreciador de uma boa cachacinha, apresentou-me certo dia alguns sábios conselhos sobre como apreciar uma boa cachaça sem que a “Dona Patroa” percebesse:

CONSELHOS ESPECIAIS PARA BEBER SEM QUE A “DONA PATROA” PERCEBA:

1º) Adquira o hábito de criar um canário de estimação na gaiola e todas as manhãs tratar dele, bem cedinho. Com o tempo você passa a colocar água num bebedouro e “Cachaça de Calambau” em outro. De manhã, assobiando, vá tratar do canarinho, dê uma olhada de um lado para o outro e beba a primeira do dia no bebedouro do bichinho! A “Dona Patroa” nem vai desconfiar! Tome cuidado para não confundir os bebedouros, pois tal qual “Quinca Berro D’água” o grito sai: “É ÁGUAAA!!!” Corre-se também o risco do canário ficar pinguço e não deixar sobrar pro outro dia!...

2º) Quando for a uma festa em casa de amigos, pegue uma lata de cerveja vazia, coloque umas doses de pinga dentro e fique rodando pela sala bebericando como se fosse a cervejinha. Mas cuidado com o amigo que gosta de bicar na lata alheia, pois ele pode gritar: “É PINGAAA!!!” E se “Dona Patroa” ouvir!!!...

3º) Se você gosta de beber um conhaque, uma catuaba ou jurubeba, compre um SPRAY BUCAL, da ÁPIS CAMPESTRE de nosso amigo Zé Abelha, esvazie o mesmo e encha com a bebida de sua preferência. Vez ou outra você solta o esguicho na garganta e “...Ah!!! Coisa boa, Sô!!!...” Cuidado! Não deixe o Spray no armário do banheiro, pois “Dona Patroa” pode pensar que é própolis e... OH!!!...

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097......................................................................................................

NOTA: Qualquer semelhança entre INHOZINHO DE LICO LIMA e o saudoso amigo NOZINHO DE CHICO LIMA – Almerindo Anselmo Gomes - não é mera coincidência! Quanta saudade, amigo,você que eu conheci no Carnaval de 1968, quando começou a frequentar Calambau e a se integrar de vez à nossa turma!... Onde estiver receba o meu abraço e minha oração de amigo!!!

OLERITE

(Meu saudoso amigo Zé Fernandinho que me perdoe, mas este eu tirei do “baú” de lembranças da MINASCAIXA)

O Posto da Minascaixa funcionava numa sala da Prefeitura Municipal de Piranga.

Zé Fernandinho estava no caixa e Zé Agostinho atendendo no balcão.

Chega uma professora e pergunta:_ “Ô moço, você sabe me informar se o OLERITE

(HOLLERITH) está aí?”Fernandinho olha pra Zé Agostinho que dá de ombros

como quem nada sabe. Coçando a barba ele responde:_ “Olha, eu não sei! É bom a senhora dar uma olhada aí

pra dentro da Prefeitura, às vezes ele está rodando por aí!...”A professora sai sem nada entender. Pouco depois

chega Murilo, o gerente. Zé Fernandinho pergunta:_ “Murilo, você que conhece bem este povo de Piranga,

sabe quem é OLERITE? Chegou uma dona procurando por ele aqui...”

Murilo, rindo:_ “E o que você falou?”_ “Eu mandei ela procurar por aí!... Por que?”Murilo, pegando um monte de contracheques dos

funcionários estaduais:_ “Hollerith é isto aqui, Zé! É folha de pagamento! É o

contracheque! O demonstrativo de pagamento!...”

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098Zé:_ “Xiiii!...”

UMA ESTÓRIA PRÁ CRIANÇA

(Certo dia, conversando com meu sogro, Antônio de Freitas Soares – Idu – que possuía uma extraordinária memória, contador da maior parte dos casos deste livro, ele me disse que quando era menino, aqui, no então pequeno povoado de Calambau haviam os contadores de estórias. Todas as noites, segundo ele, ouvir as estórias era como hoje, assistir a uma novela na TV. Havia os que contavam casos de assombração, segundo Idu, Adeícola de Freitas era um especialista neste tipo de contos, os que contavam estórias de bichos (fábulas), fadas, Mil e Uma noites (orientais), Cangaceiros, etc. Lembro-me que ele falou sobre um contador de estórias, cujo nome me foge à memória, que se empolgava tanto ao contar a estória do rei Carlos Magno e o guerreiro Rolando, que à medida em que se desenrolava o combate, ele ia riscando a parede da casa com uma faca, como se estivesse lutando, até que a mulher dele gritasse: “Guarda a faca! Olha a parede!”, quando então ele sentava-se, retornava à narração, para logo em seguida empolgar-se com a luta! Ao escrever sobre este tema, lembro-me de minha avó “Cocota”, que nos contava estórias, também de assombração, deixando os nossos cabelos arrepiados de medo! A estória que se segue, foi uma adaptação que fiz para o Manuel da Cachaça, de uma estória, que, provavelmente, Idu a ouviu de um velho contador de estórias do Velho Calambau!...)

Numa tarde cheguei ao Boteco do Zé Cirilo acompanhado de meu filho, à época, com seis anos de idade.

Manuel da Cachaça estava sentado em seu banquinho, tranquilo, fumando seu cigarrinho de palha. Não havia mais ninguém no Boteco, a não ser Manuel e Zé Cirilo.

Page 100: Manuel da cachaca contos casos de boteco

099Pedi ao Zé que me servisse uma cachacinha e um

refrigerante para o meu filho. Ofereci uma ao Manuel e sentei-me ao seu lado, comendo amendoim torrado.

Meu filho, sentado no passeio do boteco, observava uns cachorros no meio da rua.

Estávamos ali, naquela tarde de domingo, conversando despreocupadamente quando meu filho me perguntou inocentemente:

_ “Pai, por que cachorro vive cheirando o rabo um do outro?”

Todos rimos e antes que eu dissesse alguma coisa, Manuel da Cachaça falou:

_ “Menino, senta aqui perto de mim que eu vou contar a estória que responde a sua pergunta.”

Meu filho sentou-se num tamborete ao lado do Manuel e ele iniciou a estória:

_ “Quem me contou esta estória foi minha avó, que Deus a tenha, quando eu tinha a sua idade. Isto foi a muito tempo... Muito tempo mesmo...

Quando os bichos falavam, foi marcada uma Grande Festa, organizada pelo Leão, o Rei dos Animais.

Convidaram São Pedro para tomar conta da portaria, devido a sua grande experiência como porteiro, e como muitos bichos não tinham asseio, exigiram que bicho com o rabo sujo não poderia entrar.

Chegou o dia da Festa. São Pedro, sentado na portaria, fiscalizava todos que por ali passavam.

Dom Boi, Dom Porco, Dom Cabrito, Dona Égua, Dom Macaco, Dona Cabra, todos afinal, iam passando e São Pedro, levantava-lhes o rabo, fiscalizando se estavam limpos.

Estava indo tudo bem até chegar a cachorrada, latindo e empurrando uns aos outros.

São Pedro gritou:_ “Ordem na fila! Vamos parar com a cachorrada! Um

atrás do outro! Em silêncio!”Do primeiro ao último cachorro, nenhum pode entrar!

Todos estavam com o rabo sujo!Aí o Chefe dos Cachorros foi dialogar com São Pedro:

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100_ “São Pedro, sei que o senhor está certo! Ordem dada,

ordem respeitada! Mas pense bem, viemos de tão longe para esta Festa e a condução de volta é só amanhã, e tem muita cachorra com cachorrinho... Vai ser uma judiação... Eu tenho uma ideia, se o senhor aprovar, tá resolvido!”

São Pedro quis saber qual a ideia e o Chefe dos Cachorros explicou:

_ “Arranje um lugar que a gente possa guardar o rabo! Nós vamos entrar sem o rabo! Depois da Festa a gente pega eles de novo!”

São Pedro concordou e disse:_ “Tudo bem, vou abrir uma exceção pra vocês, levando

em consideração o problema das cachorras com os cachorrinhos! Tem uma mesa aí no canto, podem deixar os rabos nela! Depois da Festa é só pegar de novo! Mas sem barulho, devagar!”

Manuel interrompeu a estória para acender o cigarro que havia apagado. Meu filho tinha os olhos presos naquele preto velho sorridente.

_ “Pois bem, menino, voltemos à Festa dos Bichos. Depois que a cachorrada entrou sem os rabos, foi a maior gozação no Salão! Todos sem rabo! E não demorou muito a gozação virou provocação e a provocação virou briga! E que briga! Dentadas, pontapés, chifradas, coices, tinha de tudo!

Aí a Polícia dos bichos chegou! Apitos no ar e cassetetes caindo no lombo dos brigões!

São Pedro abriu as portas e deixou a bicharada passar fugindo!

No corre-corre, os cachorros iam pegando qualquer rabo sobre a mesa e houve até quem saísse com dois rabos na mão!”

Meu filho ria a valer juntamente com o Manuel. Este, depois de tomar uma pinguinha, concluiu a estória:

_ “É por isso, menino, que os cachorros estão sempre cheirando o rabo um do outro. Eles estão sempre procurando o rabo que foi trocado naquela Festa! Você pode ver que tem cachorro nabuco, isto é, sem rabo! São aqueles que não

Page 102: Manuel da cachaca contos casos de boteco

101pegaram nem rabo dos outros na hora de fugir da briga, entendeu?!”

Quando estávamos no carro, prestes a sair, meu filho gritou para o Manuel:

_ “Sô Manuel, domingo que vem o senhor me conta outra estória?”

Manuel riu acenando afirmativamente com a cabeça, dizendo:

_ “Claro, menino. Domingo que vem eu conto a estória de como os bichos deixaram de falar!...”

O EXAME DE FEZES

No ano de 1972, sendo Prefeito Municipal, Silvério Vidigal, nosso município recebeu, pela primeira vez, uma turma de universitários do Projeto Rondon. Um pessoal alegre, gaúchos e catarinenses, que fizeram muitas amizades por aqui.

Fora feito um mutirão para que o pessoal da cidade e da zona rural fizessem exame de fezes, coisa rara naquele tempo, visto que o sistema de saúde ainda era muito precário no interior.

Alguns alunos e professores do Ginásio Estadual participaram ativamente ajudando os universitários.

Lembro-me de Lucinha e Bebete ajudando, principalmente recebendo as “mercadorias”. Chegava “cocô” em todo tipo de embalagem: copo de vidro, latinha de maça de tomate, de sardinha, caixinha de fósforos, etc, etc... E elas lá, recebendo e torcendo o nariz!

Aí chegou um cidadão com uma vasilha enrolada em jornal. Entregou para Lucinha, que desembrulhou com cuidado. Era uma lata de goiabada, com cinco cocôs separados em montinhos!

Então o cidadão disse, apontando para cada montinho:_ “Esse aqui é o meu e este outro é o da patroa! Aquele

ali é do meu filho e este aqui da minha filha! Agora, este mais preto aqui é da minha sogra! Cuidado pra não misturar!!!”

Page 103: Manuel da cachaca contos casos de boteco

102MAIS UM “FIO”!

Vicente de Sô Dica estava no Boteco da Biri, bebendo cachaça, feliz da vida! A mulher acabara de ganhar mais um filho! Macho! As coisas iam melhorar!

Logo que entrei ele foi me falando, com o sorriso aberto:_ “Tô feliz hoje! Toma uma por minha conta!”Curioso perguntei-lhe a razão de tanta felicidade, no que

ele só repetia:_ “Ganhei mais um! Ganhei mais um!”_ “Ganhou mais um o quê, Vicente?!”_ “Mais um braço pro serviço! Mais um capinadô de roça!

A muié pariu mais um fio! E é home! O patrão vai tê que aumentá minha roça! Ora se vai!!!...”

.......................................................................................................

Passados tantos anos eu fico pensando que se fosse hoje, Vicente de Sô Dica diria:

_ “A BOLSA FAMÍLIA VAI AUMENTÁ! SE DEUS QUISÉ! ORA SE VAI!!!...”

O LEITE

(Este quem me contou foi meu amigo Valdivino de Oliveira, sindicalista, gente fina)

Pedro Nolasco foi ao Rio de Janeiro visitar uma irmã que estava doente. Ao chegar em Juiz de Fora, juntamente com a mulher, foi ao guichê de passagem, onde solicitou duas passagens para o Rio de Janeiro. O funcionário consultou a lista e disse:

_ “Passagens para o Rio só se comprar leito.”Pedro Nolasco, sem entender direito, saiu e falou com a

mulher:

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103_ “Eu vou continuar aqui na fila. Ocê vai lá no bar e

compra um saquinho de leite. Tá aqui o dinheiro!”A mulher foi até ao bar e pouco depois voltava com o

saquinho de leite. Pedro Nolasco, chegando novamente no guichê disse ao funcionário:

_ “Sô Moço, tá aqui o leite que ocê mandou comprar! Pode me dar as passagens pro Rio de Janeiro!”

O funcionário, sem entender nada, respondeu:_ “Que leite?! Eu falei “leito”, de Ônibus Leito!!!”

O AUTOMÓVEL DE SÃO JORGE

Sô Zeca, velho comerciante domiciliado à Praça Cônego Lopes, havia comprado umas imagens de santos para vender em seu comércio. Ele comprara uma imagem de São Jorge, uma de São Pedro, duas de São José e duas de Santo Antônio, Padroeiro da cidade.

Com poucos dias lá se foram as imagens, restando apenas a de São Pedro.

Num sábado, Sá Cornélia, lá do Baía, chegou em sua loja com um bilhete de Sá Joanita, encomendando uma imagem de São Jorge.

Sô Zeca coçou a cabeça pensando: “A freguesa é “boa de paga”, não posso perder a venda e o São Jorge já foi vendido...” Olhou pra imagem de São Pedro, pensou mais um pouco e embrulhou o Santo mandando-o para a freguesa.

No domingo, Sá Joanita veio à Missa e depois foi ao comércio de Sô Zeca para devolver o Santo. Lá entrando foi dizendo:

_ “Ô Sô Zeca, vim devolver o santo! Cê me mandou santo errado! Eu pedi São Jorge e foi este, que não conheço!

Sô Zeca, muito esperto, respondeu:_ “Mas este é São Jorge, Sá Joanita! A senhora é que

está enganada!”Sá Joanita, com teimosia:

Page 105: Manuel da cachaca contos casos de boteco

104_ “Não é não, Sô Zeca! Cadê o cavalo dele? São Jorge

tem cavalo!!!”Sô Zeca, com convicção, arrematou a teimosia da

freguesa:_ “Ôh, Sá Joanita! Vocês ficam enfiados lá na roça e não

sabem das mudanças! Não lêem jornais, não ficam informados! São Jorge tinha cavalo! Depois que os americanos pisaram na lua ele vendeu o cavalo e comprou um automóvel! Olha a chave na mão dele!!!...”

A MULHER DE BRANCO(Assombração de Compadre Zé Lucila)

Ela subiu a rua São José, com seus passos cadenciados e perfeitos, esbanjando simpatia e beleza, na altura de seus 1,80 m. Trajando a tradicional roupa branca de médica ou enfermeira, portando a inseparável maleta preta, com o cabelo negro caindo sobre os ombros, chamou a atenção de todos, desde quando surgiu na curva da Rua São José, próximo ao Bar e Mercearia do Otacílio Salomé e o Artesanato do Denício Pinto.

Idu chegou-se à porta da Casa Comercial SOVIPEL e ao vê-la chamou Robertinho dizendo:

_ “Vem cá, Robertinho. Veja quem já vem chegando!”Robertinho chegou à porta e disse:_ “Deve ser uma médica ou enfermeira e por sinal muito

bonita!”Idu completou:_ “É a assombração do compadre Zé Lucila! Só pode

ser!”_ “Como assim Idu?! Assombração do compadre Zé

Lucila? Que estória é essa?” Perguntou Robertinho._ “Compadre Zé Lucila conta que quando era rapaz certa

noite viu uma mulher alta, toda de branco, em frente ao cemitério velho. A gente sempre falava que ele devia estar bêbado quando viu a tal mulher, mas ele jura, até hoje que viu

Page 106: Manuel da cachaca contos casos de boteco

105uma mulher de branco de dois metros, em frente ao cemitério! Olhando esta que está passando me lembrei do fato! Veja bem: ela é alta e está toda de branco! E se for médica ou enfermeira, está vindo do Posto de Saúde, que fica ao lado do cemitério velho. E então? É ou não é a Assombração do Compadre Zé Lucila?!”

Tarcisio Catirina, que estava empalhando litros de cachaça, com capa de bananeira arrematou:

_ “E uma assombração dessa pode me pegar que eu não tenho medo!!!”

A ELEITORA E A LEITOA(Dedicado aos amigos vereadores, Lite e Zé Padre, que sempre

passam por cada uma...)

Com os políticos sempre acontece um caso engraçado. Um vereador amigo meu, muito atuante aqui em Presidente Bernardes, não fugiu à regra, assucedendo com ele uma confusão de leitoa com eleitora, e eleição com leitão, que deixou ele à toa!

Certa vez uma eleitora pediu pra ele ajudar a resolver uma demanda na Justiça do Trabalho lá em Conselheiro Lafaiete. E o meu amigo vereador, dinâmico como sempre, esmerou a fundo pra resolver a questão. E tudo deu certo, a eleitora ganhou a questão e recebeu uma boa “bolada” em dinheiro, como se expressa.

Ao deixar a eleitora em sua casa, na zona rural, esta, despedindo perguntou quanto tinha que pagar, no que ele respondeu:

_ “A viagem não é nada! É só ser minha eleitora na eleição!”.

_ “Ah, tá bão! Então qualquer dia a gente faz a leitoa ou o leitão!”

O vereador foi embora sem pensar no assunto e dias depois foi chamado pra comer a leitoa na casa da eleitora.

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106Aproximando o dia da eleição municipal, ele resolveu

visitar a eleitora, pensando no voto. Lá chegando, de cara deu com uma faixa de um outro vereador, pregada na frente da casa, mesmo assim, como bom político, gritou pela dona da casa, que logo o recebeu satisfeita. Conversa-vai, conversa-vem, e o Vereador tocou no assunto:

_ “Estou vendo que a senhora já escolheu um vereador pra votar, mas a senhora me prometeu o voto na eleição, não está lembrada?” E ela respondeu:

_ “Não, não prometi, não! Eu cumpri o que tratei com ocê! Lembra que eu perguntei o preço da viagem e ocê disse que não era nada, que era só uma leitoa ou leitão? Pois é, aquela leitoa que ocê comeu aqui foi a paga do voto!!!”

Pra encerrar, Manuel da Cachaça riu matreiramente e disse:

_ “Moral da estória: Leitoa ou leitão na casa da eleitora, nem sempre é voto na eleição!!!”

SÔ CHIQUINHO E O SERMÃO DA SEXTA-FEIRA SANTA

Sô Chiquinho morava num casarão sem reboco, de dois andares, na Praça União, ao lado do Cemitério velho, onde hoje é o Posto de Saúde. Pessoa prosaica, músico integrante da famosa “Banda Santa Cecília”, que na década de 50 abrilhantou muitas das nossas festividades, juntamente com a não menos famosa, “Banda de Santo Antônio”.

Tocava qualquer instrumento musical, mas no pistom era um verdadeiro mestre. Além de músico, Sô Chiquinho era também ferreiro, e dos bons, daí o fato de ser conhecido por “Sô Chiquinho Ferreiro”.

Mas apesar das boas qualidades que tinha, Sô Chiquinho tinha uma fraqueza, a de gostar exageradamente da boa cachacinha, principalmente da “Água Limpa” fabricada por Sô Juquinha.

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107Quando tomava seus “golos”, costumava pegar o pistom,

ir para a janela da sala e tocar uma música, que podia ser samba canção, bolero, tango, dobrados, marchas militares,toque de silêncio, que muitas vezes se ouvia nas madrugadas.

Foi numa Semana Santa que Sô Chiquinho aprontou a melhor de sua vida, resultado de uma “carraspana” provocada pela “Água Limpa”, que bebera além da conta.

Tradicionalmente a Procissão do Enterro, na Sexta-Feira Santa, saía da Capelinha do Cemitério velho, onde o corpo do Senhor Morto ficava depositado, tomando o rumo da Igreja Matriz na Praça Cônego Lopes. Em frente à escadaria do Cemitério sempre ocorria a pregação do Sermão do Enterro, na Praça União, onde o povo se aglomerava.

Sô Chiquinho chegou à janela de sua casa com o pistom na mão e antes do pregador começar a falar ele tocou um comovente toque de silêncio que fez muita gente até chorar. O Padre iniciou a pregação:

_ “Amados irmãos e irmãs em Nosso Senhor Jesus Cristo. Aí está o corpo daquele que veio ao mundo para nos salvar... etc... etc... etc...”

Depois de falar por uns vinte minutos seguidos, o pregador, preste a terminar disse:_ “... Dois mil e quinhentos anos antes de Cristo as Escrituras Sagradas já previam este acontecimento...”

Aí então Sô Chiquinho deu um toque rápido com o pistom e gritou da janela:

_ “Padre Bobo, dois mil e quinhentos anos antes de Cristo?! Onde já se viu isto?! Padre bobo, dois mil e quinhentos anos antes de Cristo, se foi Cristo que fez o mundo?!!!...”

Em seguida pôs o pistom na boca e terminou com aquele famoso: “PAM PA RA RAM PAM PAM PAM” fechando a janela em seguida!

Não é preciso dizer que o Sermão acabou e a procissão seguiu rápido para a Igreja!

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O CAFÉ COM LEITE

(Dedicado a Francisco de Freitas Soares, Quequé Soares, outro grande contador de casos que se foi.)

Dedé Soares era um crítico impossível. As ideias e as respostas sempre na ponta da língua, andavam sempre juntas e, quando menos se esperava, lá vinha ele com uma das suas!

Um dia ele estava na venda do Idú. Aí chegou Zé Marcílio, um sitiante lá pros lados da Itapeva. Zé Marcílio era conhecido pelas mentiras que contava. Era o maior “cascateiro” da região.

Conversa-vai, conversa-vem, entre uma pinguinha e um tira-gosto de salame picado, Zé Marcílio começou a “arrastação” de papo:

_ “Vô falá prô cês, meus amigos. Cês pode inté num acreditá! Tô com um gado apurado! Umas vacas holandesas de primeira linha! Um gado que tem aquilo que os entendidos chamam de “pé de grilo” (pedigree)! Cês percisam vê! Dá inté gosto!”

Olhando pra Dedé, que encostado ao balcão, escutava a “cascata”, ele continuou:

_ “Sô Dedé, vou te contar. Outro dia, lá em Senador Firmino, eu fiz uma aposta com uns sitiantes de lá! Cê sabe que eu entrego o meu leite lá na fábrica do dotô Zé Servo. Pois bem, eu mandei que colocassem os leites dos outros produtores em baldes iguais aos que estavam os de minha produção e pedi que misturassem as vasilhas. Aí eu chamei ês pra apostá! Tá aqui no bolso o dinheiro que ganhei! Foi conta de corrê os “zóios” nos baldes, e lá eu vi, aquele leite branquinho e gordo, que só podia ser de minhas vacas!”

Dedé Soares, balançando a cabeça, falou calmamente:_ “Ah, Zé Marcílio. Isto não é nada em vista da raça de

gatos que eu tenho lá em casa! Você pode não acreditar, mas é a pura verdade! Os danados fazem uma coisa incrível, que se você ver, nem vai acreditar!”

Zé Marcílio, já demonstrando impaciência, perguntou:

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109_ “Mas que diabo faz os seus gatos que é mais que

minhas vacas?”Dedé, com aquele sorriso crítico, respondeu:_ “Traz os leites de suas vacas, mistura com café e dá

pros meus gatos pra você ver! Os danadinhos bebem o leite e só deixam o café!...”

FELIZ 77!!!...

Noite de 31 de Dezembro de 1976! Réveillon na Praça Cônego Lopes! Ciro Moura e companhia percorriam a Praça com saxofone e batucada!

“Lurincim”, muito bêbado, importunava a todos: Se tentava cantar, gritavam “silêncio!”; se tentava tomar uma pinga, tomavam-lhe o litro; se chegava perto da batucada, “baquetada” na cabeça! Isso tudo sem contar com as “garradas” por trás e tapas na orelha, num verdadeiro inferno!

Já cansados de farrear, a turma sentou-se no passeio do antigo prédio da TELEMIG, que ocupava toda a área onde hoje é o “Jardim Dois Irmãos”, em frente ao Bar de Hugo. “Lurincim” foi saindo de mansinho... Ciro Moura, vendo-o afastar-se, gritou:

_ “Ôpa! Não vai saindo de fininho, não! Não vai nem desejar um Feliz Ano Novo pra gente, não!?”

“Lurincim” voltou-se para a turma. Retorceu o rosto como lhe era peculiar, e com a inconfundível voz, fanhosa, retrucou:

_ “Desejar Feliz Ano Novo prô cês!?... Nem morto! Tô aqui doido pra tomar uma pinga e ninguém me dá! Só tô ganhando tapa na “oreia” e chute na bunda! Vou desejar prô cês é um ano de muito “fragelo”, muita “disgraça” e muita enchente! Aqui prô cês, oh! Vai tudo tomar no “centro do “holofote”!!!...”

Andou um pouquinho e voltou-se novamente para a turma que “rolava” de tanto rir e disse, batendo com as mãos em atitude de “vai-se-ferrar”:

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110_ “Feliz Ano Novo eu desejo é pro Realino que mandou o

ferro nô cês tudo, ganhando a Prefeitura! Feliz 77 cambada de derrotados!!!...”

Coincidentemente, 77 era o número da vitória de Realino na eleição municipal!

VÃO DANÇAR CONOSCO?!

Sô Neném, fazendeiro prosaico lá das Três Barras, não perdia a “Semana do Fazendeiro”, tradicional evento, anualmente promovido pela Universidade Federal de Viçosa.

De gestos largos, falante e bom de prosa, não perdia as palestras e os forrós organizados pelos promotores do evento.

Numa noite estava ele no Salão de Forró, procurando uma dama pra dançar, quando viu duas moças conversando junto à pista de dança.

Aproximou-se delas com seus modos finos e galantes e curvando-se em mesuras, perguntou-lhes:

_ “Vão dançar conosco, Sás Moças?”Sorridentes, elas responderam:_ “Sim, mas e o outro?!”Então, Sô Neném arrematou a conquista:_ “Não tem outro, Sás Moças! É só conosco mesmo!...”

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111

COISAS DO TEATRO DE SÔ MATHIAS DE MOURA

Na primeira vez que o Levindo, nosso saudoso “Patiagua”, participou, como ator, em um drama no Teatro de Sô Mathias de Moura, aconteceu um fato engraçado:

Ele interpretava o papel de um assaltante de estrada. No “script” constava o seguinte: “CENA 1: Ao abrir-se o pano, o assaltante salta sobre a vítima com uma faca na mão.” No papel de Patiagua estava escrito: “CENA 1: Salta sobre Mariano com a faca na mão.”

Abriu-se o pano. As luzes semiapagadas davam mais ênfase à cena!

Gecelmino Henriques, que fazia o papel de Mariano, caminhava pelo palco.

De repente, Patiagua entra em cena gritando:_ “SALTA SOBRE MARIANO COM A FACA NA MÃO”.Imaginem só a nervosia de Sô Mathias e a cara de Oto

Silva rindo no “ponto”!…............................................................................................

De outra feita, o Tadeu Peixoto deu “um branco”, no palco, esquecendo o papel. Aproximou-se dos bastidores e falou baixo pra Oto Silva:

_ “Esqueci o papel, sopra aí...”Oto, muito moleque, encheu o pulmão de ar e..._ “FUUU!...”Soprou o ar na cara do Tadeu!...

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OSSOS DO OFÍCIO

Meu compadre Jesuíno, que foi coveiro muito tempo, que Deus o tenha, certa vez ficou numa situação difícil.

Ele, coveiro público do município, ganhava seu salário por mês na Prefeitura e mais uns trocadinhos, que geralmente os parentes do morto, quando mais abastados, sempre davam.

Um dia, vendo que estava tendo muito serviço diário de cavar cova e enterrar gente, procurou o Prefeito e fez uma proposta:

_ “Olha, Sô Prefeito. Eu queria que o Sinhô me pagasse por cabeça! Isto mesmo! Se eu enterrar tantos defunto no mês, recebo tanto em dinheiro! Que que o Sinhô acha?”

O Prefeito concordou com o pedido do coveiro e ajustaram o preço “por cabeça” de defunto enterrado.

Jesuíno iniciou o mês com o “pé direito”! Três defuntos num só dia! Se continuasse nesse pé, ele ganharia bem mais que o salário da Prefeitura, sem contar com as gorjetas!...

Naquele mês foi tranquilo!... Ele praticamente dobrou o salário!...

Foi então que chegou um “raizeiro” na cidade. Estes “garrafeiros” ambulantes, que vendem “porções mágicas” capazes de levantar até defunto!

E o resultado das raízes apareceram no mês seguinte! Coincidência ou não, só morreram três pessoas! Um que caiu numa ribanceira com o jeep, outro que afogou na cachoeira do Zé Bento e outro que enforcou no “Bico-de-Pato”!...

Aí Jesuíno começou a botar a culpa no tal “raizeiro”! Desesperado procurou outra vez o Prefeito pra desfazer o trato. O Prefeito concordou e Jesuíno, satisfeito, foi pra venda de Sô Antônio Tuninho, que ficava na Praça União, bem em frente ao cemitério velho, comemorar bebendo cachaça:

_ “Eh, Sô Antônio Tuninho. Se as raízes do tal home for mesmo boa, tô feito! Vai sobrar tempo até pra plantá roça!”

Aí chegou o Batista, seu auxiliar no cemitério, que falou:_ “Fica aí bebendo cachaça não, Sô! Tamo cheio de

serviço! O padre acaba de anunciá lá no alto-falante da Igreja

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113que amanhã tem três enterro!!!...”

Nervoso, Jesuíno deu um murro no balcão, dizendo:_ “ôh, raizeiro enganadô! Ôh, sujeitinho incompetente!!!”

O VOTO

Sô Virgino era um “perrista” apaixonado! Era amigo de todos, mas na hora do voto, o coração perrista batia forte e lá ia voto pra Dr. Ciro, Sô Juquinha, Sô Olívio e quem mais eles mandassem!...

Quando Dr. Ciro Maciel chegava na cidade, Sô Virgino, que era quitandeiro, fazia aquela queca enorme, com um “PR” em relevo e mandava pra servir no café do deputado!

Naquela época o voto era dado em pacotes de cédulas. O eleitor levava o seu “pacotinho” já pronto e colocava na urna!

A troca de pacotinhos era comum e muitos vereadores trocavam até pacotes de próprios companheiros!...

Sô Virgino foi votar.Vestiu aquele paletó de bolso largo – um convite para se

meter a mão e trocar o pacotinho de cédulas – pôs o chapéu, olhou os pacotinhos e lá se foi em direção à Seção de votação.

Quando chegou sua hora de votar ele resolveu conferir o pacotinho. Entrou na cabine de votação e daí a pouco saiu com a mão cheia de cédulas dizendo:

_ “Ah, não!... Tá tudo errado!... Olha cá, Sô!... Meu pacote não tinha voto pra Zé Fernandes pra vereador, agora tem!... Não tinha voto pra Ninico Carneiro pra Prefeito, agora tem!... Não tinha voto pra Cacau pra Juiz de Paz, agora tem!... Não tinha voto pra Padre Pedro, agora tem!... Num voto mesmo! Não quero nem vê! Ôh, gente danada essa do “pessidê”, Sô!...”

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O CAFEZINHO DO DEPUTADO

Este caso, o Manuel da Cachaça contava rindo a valer._ “Sôs moços, vou contar um caso engraçado que

assucedeu com um vereador e um Prefeito daqui, cujos nomes não vou citar pra não virar fofoca! Pra dizer a verdade, é mais uma piada do que um caso. Um dia, o Prefeito, querendo fazer “média” com um vereador de seu partido, um sujeito simplório da zona rural, chamou ele e disse:

_ “Vou a Belo Horizonte e quero que você vá comigo! Já combinei com o alfaiate, passa lá pra tirar as medidas do terno. Daqui a quatro dias viajaremos! Mas tem umas recomendações! Nós vamos visitar o nosso deputado! Procure fazer tudo do jeito que eu fizer quando estiver na mesa! Olhe, nada de soprar a xícara, como você tem o costume, tá certo?!”

O vereador prometeu que ficaria de olho no que ele fizesse pra não dar “mancada”!

Quatro dias depois tavam eles em Belo Horizonte! Êh, trem de doido, Sô! O vereador me contou que nunca tinha visto nada igual! Cada casaréu alto que o pescoço dele até doía de olhar pra cima!

Chegaram na casa do deputado. Ele nunca viu tanto conforto! Tinha até mordomo! Quando foram pra sala e o tal mordomo, um pretinho de paletó branco e gravatinha preta, trouxe o café numas xícaras largas, de porcelana inglesa, o prefeito olhou pro vereador com medo dele assoprar o café.

O danado do café tava pelando! Soprar o vereador não podia, era falta de educação! Ele provou o primeiro gole e ficou com a boca sapecada!

Aí ele teve a ideia e perguntou pro deputado:_ “Doutor, me a desculpe. Mas com quantos votos Vossa

Mercê foi eleito, mesmo?”O deputado, rindo, respondeu:_ “Olha, meu amigo, foram quase cem mil votos!...”O vereador, esperto, aproveitou e soltou três assovios,

Page 116: Manuel da cachaca contos casos de boteco

115 fininhos, com a boca colada na xícara de café:

_ “FIIIU!... FIIIU!... FIIIU!... É um bocado de voto, Sô Doutor! FIIIU!...”

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MISTO QUENTE

Manuel da Cachaça ao me ver entrar no Boteco do Zé Cirilo riu matreiramente e disse:

_ “Sô Fernando todas as tardes aqui chega pra ouvir meus casos. Fica aí anotando tudo pra por num livro. Ri de tudo e de todos, mas hoje eu vou contar um caso que assucedeu com ele. Quem me contou foi Sô Tadeu, seu irmão, violeiro, seresteiro, que mora lá nas Barbacena...”

Então, eu brinquei:_ “Cuidado com o que você vai dizer, Sô Manuel! Você

sabe que trabalho na delegacia!...”_ “Qualquer coisa, Sô Fernando, o processo é por conta

de Sô Tadeu seu irmão! Hê, hê, hê! Mas, segundo Sô Tadeu, certa feita, acho que no ano de 1985, cês dois foram à Festa da Cidade de Porto Firme assistir um show dos amigos do TRIO TRIÂNGULO, que por muitos anos animaram a nossa Festa da Cana. Disse Sô Tadeu que ocês beberam o que podia e o que não devia e na volta, na encruzilhada do Bananeiras ele parou o carro, cutucou te acordando e perguntou:

_ “Ô Fernando! Acorda! Tem muito tempo que não passo por estas bandas e tô em dúvida! Sigo pra esquerda ou direita?”

Esfregando o olho, o senhor respondeu:_ “Vá em frente Tadeu! Siga direto em frente!”Sô Tadeu ainda insistiu:_ “Mas ali não é a encruzilhada que vai pra Bananeiras?”_ “Já falei que é pra seguir em frente! Você mora lá em

Barbacena e já não se lembra mais de nossas encruzilhadas! Siga direto em frente!”

Seguiram em frente e é claro que foram sair no Bicudo, no sentido de Piranga. Aí Sô Tadeu disse:

_ “E então, ô conhecedor de estradas?! Saímos no Bicudo! Você estava errado!”

Sô Fernando, com tranquilidade:_ “Eu fiz isso de propósito! Foi só pra gente ir até Piranga

e tomar mais umas cervejas com o mano Valter!”

Page 118: Manuel da cachaca contos casos de boteco

117E foram pra Piranga onde beberam mais umas cervejas e

biritas. Na volta, Sô Fernando dormiu e só acordou em frente de sua casa com Sô Tadeu cutucando ele:

_ “Acorda, Fernando! Já chegamos!”Sô Fernando abriu a porta do carro esfregando os olhos

sonolento. Sô Tadeu estendeu a mão entregando uma fita cassete, dizendo:

_ “Aqui, toma sua fita cassete!”Sô Fernando olhou bem pra fita e disse:_ “Cê tá doido, sô! Não aguento comer estas coisas

agora, não! Até logo!”Sô Tadeu não insistiu e foi para a casa de Sô Benigno,

seu pai. Sô Fernando, até hoje jura que Sô Tadeu lhe mostrou foi um MISTO QUENTE!!!...

A risada foi geral no Boteco do Zé Cirilo...

.......................................................................................................

Quando eu ia saindo do Boteco, Manuel da Cachaça, maliciosamente comentou:

_ “Tem um outro caso, Sô Fernando, que já me contaram... Hê, Hê, Hê!... É daquele dia que ocê veio do Sítio do Mário Lúcio, junto com Sô Chiquinho de Zé Fernandes e outros, e ao entrar no Bar de Hugo, foi logo pedindo ao Zé Maria um “BREQUENDEQUE”!!!...”

_ “Manuel, Manuel! Já lhe falei que trabalho na Delegacia como Escrivão de Polícia! Cuidado com os Artigos 138, 139 e 140 do CPB!!!...”

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118LOUVADO DA CACHAÇA

Este “Louvado” foi recitado por Manuel da Cachaça, no Boteco do Zé Cirilo. Lembro-me muito bem desse dia! Meu irmão Tadeu, violeiro de “mão cheia”, fazia o fundo musical tocando uma sertaneja, enquanto Manuel da Cachaça ia recitando, com sua voz macia e arrastada, de improviso, este “Louvado”, que escolhi para encerrar estes casos:

Vou fazer, com autoridade,A louvação da cachaça,

Que se pra uns traz desgraça,Pra outros traz felicidade!

No inverno é cobertor, É refresco no verão,

Na tristeza espanta a dorE faz bem ao coração!

Vou fazer a louvaçãoDas que devem ter “Louvado”,Louvando a que bem merece,

Deixando a ruim de lado!

Diversos nomes ela tem,Segundo o regionalismo,Mal não faz a ninguém,

Se bebida com otimismo!

Do rico e pobre é companheira,Do doutor ao lavrador,

A cachaça, que matreira...Entra em sala de Governador!...

Se é bebida nacional,Eu afirmo com certeza,

Sendo ela “CALAMBAU”,É sinônimo de fineza

Page 120: Manuel da cachaca contos casos de boteco

119E por toda “ZONA DA MATA”

Ninguém nos serve outra igual!

Vou fazer a louvação,Das que devem ter “Louvado”,Louvando a que bem merece,

Deixando a ruim de lado!

Nas Cruzes é “VITAMINA”,A cachaça do Pereira.

No Zé Braz é “CATAS ALTAS”,Na Baía é “FAZENDEIRA”,Vizinha da “PONTE ALTA”

Temos a “ÁGUA LIMPINHA”,“ÁGUA LIMPA” é a primeira,

Desde os tempos de Sô Juquinha!

Na Barra do Xopotó,Ieié nos serve “JUÍZO”, E do outro lado do rio,

Alberto, tradicional,serve “ENGENHO CALAMBAU”,

Mas pra melhorar o astral, Tão nos serve “FAZENDINHA”E Zé Antônio “FUMACINHA”!

Vou fazer a louvação,Das que devem ter “Louvado”,Louvando a que bem merece,

Deixando a ruim de lado!

Sô Luiz Lopes tem “ALVORADA”, Tito “BOA ESPERANÇA”,

Pra não brigar com a namoradaRecomendo “GENUÍNA”

E no rebate, a “CAÇULINHA”.E pra fugir da saideira

Page 121: Manuel da cachaca contos casos de boteco

120Recomendo na primeiraEsta cachaça gostosa

Que é do Maximiano “SIQUEIRA”

Tô me alembrando minha gente,Da cachaça do Agenor,

Que apesar de ser “SEM NOME”,É pureza de sabor.

Mas pra não perder caminhada, “JOÃO ANDANTE” é a ideal,

Tomando cuidado com a picadaDa “COBRA DE VIDRO” engarrafada

E da onça no “TAQUARAL”...

Agora presta atenção:Esta é bem diferente,

Sendo pura ou com limão,Seu sabor agrada a gente,

É a cachaça “PSIU”De Onofre Acácio Vicente!

Louvadas sejam as cachaças,Fabricadas em nossa terra,

Pois em toda região, basta provar, ninguém erra!

Já chega de louvação,Eu peço sua atenção:Aqui não há saideira,

A última é igual a primeira!Enquanto houver tira-gosto,

Sempre uma irá descer,Se for de frango o pescoço,Vai mais duas, pode crer!

Por mais que louvemos a pinga,Nunca a louvaremos bem,

Page 122: Manuel da cachaca contos casos de boteco

121Se aqui ela é coisa fina,Lá fora é boa também,

Louvado seja o tira-gostoE a Santa Cana, Amém!

Page 123: Manuel da cachaca contos casos de boteco

122UM POUCO SOBRE AQUELES A QUEM DEDIQUEI ESTE

LIVRO

(ROQUE SOARES E ZINHO DIOGO)

Não se pode falar de um sem se lembrar do outro. Eram companheiros. Mais que companheiros, eram amigos! Nunca os vi metidos em confusões. Eram sempre alegres!

Filhos de boas famílias, Roque trabalhava no comércio e Zinho era pedreiro e músico dos bons!

Pertenceram ao que chamo de ESCOLA ANTIGA DE CALAMBAU, isto é, viveram a infância e a juventude, na época em que aqui havia duas Bandas de Música (respeitadas em toda a região), Grupos Teatrais (os famosos dramas do Sr. Mathias de Moura e Companhia) e um bom futebol.

Apesar de mais velhos que eu, tive o prazer de ter desfrutado da amizade deles.

Ambos frequentavam minha casa. Roque era tio de minha esposa e Zinho, primo. Éramos vizinhos.

Num domingo, que guardo na memória, eu os recebi em minha casa...

Até hoje não me perdoo por não ter gravado, em fita K7 ( o que se usava na época), aquele encontro.

Eu havia preparado um bom tira-gosto, algumas cervejas e um litro de ÁGUA LIMPA, já bem curtida. Estávamos no terraço de minha casa.

Depois de alguns tragos Zinho pediu-me o violão. Ele era um exímio violonista.

Dedilhando modinhas antigas ele e Roque puseram-se a lembrar muita coisa do passado...

Vale dizer que ambos tinham um senso crítico aguçado! A verve sátira aparecia logo em suas modinhas, e eles criticavam a todos, aos amigos e à sociedade em geral. Se eram eles os autores das modinhas, eu não sei, mas que eles as sabiam de cor, isto sabiam!

Foi Roque quem iniciou a cantoria:_ “Zinho, você se lembra daquela musiquinha pra mexer

com Bernadete? Aquela do “LOUVANDO A MARIA”?”

Page 124: Manuel da cachaca contos casos de boteco

123“Lá vem Bernadete

Com Corjésus na cinturaPedindo a Lorico

Um copo de gorduraAve, Ave,

Avestruz...”

_ “E quando nosso amigo Coreréu foi tirar Carteira de Motorista em Ubá?”

“Coreréupensou em carteira

foi pro UbáMas ficou na barreiraPorque mil cruzeiros

Não é brincadeiraA gente não acha

Com a bunda na poeira...”

_ “E no Bar de Chico Borges, lá na praça?”

“Chico Borgestrás um Toddy pra nós

Chico BorgesTrás um Toddy pra nós...”

(Esta música era interessante, a letra era apenas esta. Mas ela tinha um crescente com a imposição da voz que aumentava de tom e diminuía à medida que se cantava)

_ “E quando estavam construindo a ponte?”“Vamos Sô Héliopro Belorizonte

buscar dinheiro prafazer a ponte...”

Muitas vezes não havia rima, mas na maneira de cantar é que estava a sutileza, a sátira.

_ “Agora é a do “camundongo”, vai lá, Zinho!”

Page 125: Manuel da cachaca contos casos de boteco

124“O camundongo

é um bicho macorongofez o ninho

na pontiiinhada lata de farinha...”

E Zinho completava:“E o pé da mesa

precisa de uma limpezatambém canta uma coruuuja

com a bicancatoda suja...”

Aí Zinho dizia:_ “E aquela Roque. A que mexia com o colete curto do

sacristão?”E Roque ia logo cantando, no ritmo de “OS ANJOS

TODOS OS ANJOS”...“Colete

colete curtocolete

colete curto”

E a resposta do Sacristão:

“Colete curtoé o nariz da vó!

Colete curtoÉ a P... Q... P...”

_ “E o “foxtrote” de Sô Chiquinho?”

“Sá Chica PolaSeu café demora

Tá chegando a horaE eu já vou embora...

Sá Chica Pola

Page 126: Manuel da cachaca contos casos de boteco

125Eu já vou emboraSeu café demora

E eu vou pra Sãopola...”

“Sá BelmiraSá BelmiraSá Belmira

Manda Angélica buscá biscoitoSe Angélica num quisé

Manda Izé buscá café...”

_ “E aquela pra mexer com Antônio Paca, quando ele foi a Ubá?”

“Antônio Paca robô galo de Tatá

enfiô dibaixo do braçopra Sá Chica cuzinhá...

Antônio PacaPassa n’água sem moiá

Antônio Paca é danado pra danáAntônio Paca é prefeito de Ubá...”

_ “E agora, Roque, é pra matar a saudade... “PULIXINHA DE FREITAS”...”

“Eu me chamo PulixinhaNamorado das meninas

Eu não bebo mais cachaçaQue a cachaça mata

A gente

Esta águaTão clarinha

Que faz a gente miarEsta água

Tão clarinhaQue faz a gente cantar

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126

Cai, cai, cai, cai...Segura senão você cai

Cai, cai, cai, cai...Segura senão você cai

Vou falar com Sô JuquinhaPra parar de fabricar

Esta água tão clarinha,Que faz a gente cantar

Cai, cai, cai, cai...Segura senão você cai...”

_ “E aquela Roque, de quando você “marrou” um fogo doido?!...” Perguntou Zinho com malícia...

E Roque rindo:_ “Só eu?!... Olha a COBRA DE VIDRO...”

“Cobra de vidro picouCobra de vidro taí

Cobra de vidro picouCobra de vidro taí...

Sá Onça pegou Ti JorgeNo alto do taquaral

Sá Onça pegou Ti JorgeNo alto do taquaral

Ti Jorge pôs-se a gritarCobra de vidro picou...”

_ “Agora, Zinho. Aquela sua, SEGURA O BOI...”

“Segura o boiSegura o boiSegura o boi

Que a onça qué me pegá...Segura o boi...

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127Menina vou te contá

O que diz meu coraçãoPra vancê casá comigoJá não falta nada não...

Segura o boi...

Uma coisa eu aprendiVancê tem que concordáSapo num tem pescoço

Galinha num tem tundá...

Segura o boi...”

E os versos se sucediam. Era um tipo de desafio. Eles eram capazes de ficar horas cantando, inventando versos...

Não me esquecerei nunca daquela tarde de domingo...Roque e Zinho não morreram, continuam vivos em nosso

folclore...Hoje as músicas antigas estão sumidas... Aqui já não se

faz mais serenatas. A voz e o violão estão mudos!... Será este o preço do progresso ou estamos perdendo os nossos valores culturais?!...

Mas eu sei que lá em cima, os antigos seresteiros de nossa Terra continuam cantando, e vez ou outra, eles vêm até ao nosso meio e nos fazem cantar as velhas músicas, que encheram as suas noites de luar...

Saudades do bandolim de Inhô de Juca, do saxofone de Zizinho Peixoto, de Levindo Chagas, do violão de Sonhô de Vicente Ferreira, da clarineta de Mathias de Moura, de João de Moura tocando sua valsa “Saudades de onde nasci” e de tantos outros que se foram e que um dia encheram de sons maravilhosos as ruas do nosso pequeno Calambau!...

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128(ZÉ FERNANDINHO)

Você nos fez uma grande surpresa, meu amigo!Quando comecei a escrever este livro, não podia

imaginar que isto aconteceria.Gostaria tanto que você o lesse, para ouvir a sua opinião

de amigo!Mas, como diria Manuel da Cachaça:_ “Assucedeu o que não podia assuceder! Seja o que

Deus quiser!”Você, José, que frequentou o Boteco do nosso amigo Zé

Cirilo, me daria razão em escolhê-lo como o ponto preferido do Manuel da Cachaça!

A carta que segue, diz tudo que preciso falar sobre você. Ela foi escrita, na Delegacia, exatamente um dia após a sua “viagem”...

CARTA A UM AMIGO DISTANTE

Calambau, 18 de Outubro de 1994.

Meu amigo José,

Ontem você “viajou” e sei que não volta mais. Tenho certeza de que para onde você foi, o lugar é tão bom, que vai compensar as saudades dos amigos e da nossa cidade, que você tanto amava e queria rever...

Por minha mente passam cenas, como num vídeo-tape rápido, dos momentos alegres que juntos vivemos...

Relembro os anos 60...As viagens a Senador Firmino, as noitadas no Bar do

Raimundinho, as ceias no Bar de Hugo, cuba-libre, cerveja, serenatas... A juventude falava alto em nosso peito e enfrentávamos a estrada, com poeira ou lama, com disposição e alegria, cantando as músicas da época...

Somente quem viveu esta emoção pode sentir o que sinto agora. Os amigos que desta aventura participaram, tenho certeza, também sentem o mesmo!

Depois os anos 70...

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Anos de realizações pessoais: MINASCAIXA, casamento, filhos... Uma nova época começava e nós sempre na mesma estrada.

Você, José, era sempre o mais alegre da nossa turma, nos aniversários ou nos congraçamentos anuais da MINASCAIXA.

Você meu amigo, com sua mania de se vestir de Papai Noel, divertia nossos filhos, trazendo às costas o saco de presentes, que repartia com carinho a cada um, ou às vezes, sentado no reboque do seu carro, jogando balas e presentes para a meninada, pelas ruas da cidade...

No fundo, meu amigo, você nunca deixou de ser o menino que um dia foi, brincando livre pelas ruas do Velho Calambau...

De você, guardarei sempre o seu sorriso alegre e franco, pois creio que esta é a melhor lembrança que se pode guardar de um amigo.

Tal como seu pai, o vazio que você nos deixa, dificilmente será preenchido...

O “sete-e-meio” e o bate-papo no Zé Cirilo, já não serão os mesmos...

Já dizia o poeta:“Amigo é coisa pra se guardar, no lado esquerdo do peito, dentro do coração...”

Ia me esquecendo: Dê um abraço em seu pai e nos demais amigos que encontrar...

Até um dia, José.Até...Seu amigo que nunca o esquecerá,

Fernando

“Não morre quem nos outros vive;Não morre quem nos vivos vive.”

(W. Berardinelli)

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ANTÔNIO DE FREITAS SOARES – IDU

Na apresentação deste livro eu disse que os casos contados por Manuel da Cachaça, em sua maioria, foram recolhidos de Antônio de Freitas Soares – Idu – meu sogro, sem dúvida alguma o maior contador de “causos” desta terra, no tempo em que trabalhei na Casa Comercial SOVIPEL (Soares, Viveiros e Peixoto Ltda.), da qual ele também era sócio, juntamente comigo e José Gregório de Viveiros (Lolô). Homem de extraordinária memória, Idu contava casos com riqueza de detalhes, dando-lhes, com seu estilo crítico, um humor inusitado.

O texto a seguir, de autoria de Murilo Vidigal Carneiro, diz tudo sobre esta pessoa que soube marcar sua passagem pela vida, com humor, seriedade e honradez.

IDU

“Antônio de Freitas Soares é o seu nome . Compadre em dose dupla de meus pais. Meu pai é padrinho do João Nelson e ele padrinho de nossa irmã Jane (falecida poucos dias depois de nascida).

O meu primeiro convívio com Idu foi quando vim da fazenda para a cidade. Eu ficava na casa de minha avó, Dona Augusta, para estudar nas Escolas Reunidas “Cônego Lopes”.

- Murilo, dizia a minha avó, vá à venda do Idu e encomenda, para amanhã, 2 kg de entrecosto (como era chamada a costela de porco). Outras vezes era suã, toucinho, lombo, etc. Foi ali, na venda , que eu conheci o Sebastião e o Roque , seus irmãos.

Muitas vezes eu vinha da fazenda, a cavalo, buscar as encomendas de minha mãe. Ela escrevia um bilhete no qual relacionava os produtos, geralmente: farinha de trigo , sal amoníaco, pó Royal, açúcar, etc.

Comecei, naquela época, a ouvir os seus casos. Era um arquivo ambulante da nossa história, folclore, tradições e tudo o mais relacionado à nossa gente.

Morou, uma parte de sua infância na zona rural, “no Baía”

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131(como dizemos ao nos referirmos a algum lugar). Foi nessa época que o Idu tomou raiva de vaca. Eles moravam próximo à fazenda do Manoel Costa, que, mais tarde, passou a pertencer ao meu pai José Carneiro. Acontece, que como disse o Idu, ele tinha, apenas, três pares de roupa: dois para uso durante a semana e um , melhor, para uso aos domingos. Certo dia, sua mãe lavou a sua melhor roupa e pendurou-a na cerca da horta para secar. Não é que , à noite, as vacas do Manoel Costa saíram do pasto e comeram a sua roupa de ir à missa? Desde então, Sô Idu passou a ter raiva de vacas. Delas, não queria saber nem da carne!

São inúmeros os casos do Sô Idu, que além de um excelente contador de estórias, foi um cidadão atuante na nossa cidade:

-O Idu que, “no Baía”, assistiu aos valentões locais desafiarem o lobisomem, que no final das contas era o cachaço (porco) do João Firmino de Moura, fazendeiro da região.

-O Idu que comeu o papagaio que ganhou de presente do seu padrinho João Idelfonso. Quando o seu padrinho veio visitar os compadres e perguntou pelo papagaio, a Dona Maria, sua mãe, teve que inventar uma desculpa para não dizer o que realmente aconteceu.

-O Idu que com o seu irmão Quequé, conseguiu prender um urubu dentro de um boi que havia morrido há vários dias. O urubu conseguiu sair e espalhou sobre os dois irmãos aquela carniça fedorenta...

-O Idu, jogador da U.S.E. que saía de Calambau a cavalo, para jogar em Cipotânea, Rio Espera, Piranga, Senhora de Oliveira, Brás Pires e outras cidades.

-O Idu, presidente da U.S.E.,no início dos anos 60. Em 62, fui seu Diretor Esportivo, e em 63 o sucedi como Presidente

-O Idu político. Por várias vezes foi Vereador. Muito atuante, foi esteio nas memoráveis campanhas do Partido Social Democrático (PSD) que elegeu por três vezes o Prefeito Antônio Quintão Carneiro.

-O Idu que se iniciou no comércio, ainda novo. Enfrentando os fortes concorrentes do comércio local teve que “arrancar minhoca no asfalto”. Foi em frente e venceu. Junto com

Page 133: Manuel da cachaca contos casos de boteco

132ele, também , os seus irmãos Sebastião e Roque que faziam parte de sua equipe. Foi presidente da Associação Comercial local, filiada à Associação Comercial de Viçosa.

-O Idu que quase sempre iniciava uma conversa assim: - Outro dia, eu falei com a Terezinha (sua esposa)... e ,então, discorria sobre o assunto.

-O Idu que merece ter alguém que escreva tudo o que ele foi, seus casos, sua luta, enfim, o seu exemplo de vida.

− O Idu, o amigo de todos e que a todos encantou com o seu jeito de ser”.

( Murilo Vidigal Carneiro - 05/12/2006)

(Idu faleceu no dia 13/06/2006, aos 85 anos de idade)

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UM POUCO SOBRE A NOSSA HISTÓRIA E CULTURA

Presidente Bernardes, também conhecida por Calambau, é uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Situa-se no Vale do Piranga, na Zona da Mata e pertence à comarca de Piranga. Possui uma área de 236,7 Km² de extensão territorial, limitando-se com os seguintes municípios: Porto Firme, Piranga, Brás Pires, Senador Firmino, Paula Cândido e Senhora de Oliveira, distando-se a 190 Km de Belo Horizonte.

Sua economia resume-se no comércio e na agricultura, limitando-se ao plantio de milho, arroz, feijão, cana-de-açúcar e café, em pequena escala e na pecuária leiteira, também de pequeno porte. Graças ao trabalho desenvolvido, ao longo dos anos, pelos órgãos assistenciais do Governo, principalmente pela EMATER-MG, Departamento Municipal de Agropecuária, Abastecimento e Meio Ambiente e o fortalecimento da Associação dos Pequenos Produtores Rurais “José Pedro Fernandes”, o agricultor local já despertou para as práticas modernas de agricultura, o que vem melhorando em muito o setor agrícola. Conta ainda o trabalhador rural com a assistência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Presidente Bernardes, que desde a década de 1970 vem prestando bons serviços aos associados.

A única indústria do município é a fabricação de cachaça, em pequenos alambiques, espalhados pela zona rural. O Comércio, como na maioria das pequenas cidades do interior, ainda é bem tradicional, mas, já demonstrando modernização, graças à informática, que vem mudando a atitude dos comerciantes, adequando-os aos novos tempos.

A cidade, que num passado recente era assistida por duas agências bancárias, Minascaixa e Banco Nacional, hoje é atendida pelo Banco Postal (BRADESCO) integrado à Agência de Correios.

O Setor de Saúde do Município atende suficientemente a população, contando ainda com o Hospital Municipal Santo Antônio, que da mais conforto e tranquilidade a todos.

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134Na área da Educação, o município conta com duas

escolas estaduais na cidade: Escola Estadual Governador Clóvis Salgado (1º ao 5º ano) e Escola Estadual Padre Vicente Carvalho (1º e 2º Grau) e uma Escola da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) mantida pelo município e uma Creche Municipal (CRECHE VOVÓ ETELVINA). Uma Escola Estadual no Povoado de São Nicomedes: Escola Estadual Antônio Lucas Martins (1º Grau).

As zonas rurais são atendidas por treze Escolas Municipais do pré-primário ao 5º ano.

O asfalto chegou com o Programa do “Pró-Acesso”, do Governo Estadual, ligando o município à BR-482. A telefonia fixa é atendida pela concessionária TELEMAR (código de área 32) e a móvel (celular) pela operadora CLARO, sendo a energia elétrica pela concessionária CEMIG.

A população (cerca de 6000 habitantes) é de gente simples e religiosa, característica transmitida de geração em geração.

Como eventos principais a cidade comemora, no dia 13 de junho a Festa de seu Padroeiro, Santo Antônio. No segundo final de semana do mês de julho, acontece o BIKECANA – considerado o maior passeio ciclístico de Minas Gerais, 120 quilômetros de percurso – saindo de Ressaquinha, passando por Senhora dos Remédios, Alto Rio Doce, Cipotânea, Brás Pires, chegando a Presidente Bernardes, onde acontece uma grande festa com desfile dos participantes pelas ruas da cidade e concentração na Praça Cônego Lopes. Mais informações sobre este evento podem ser obtidas no site www . bikecana . com . br .

Como festejo principal, no quarto final de semana do mês de Julho acontece a FESTA DA CANA & FESTIVAL DA CACHAÇA, que desde 1984 vem atraindo mais e mais visitantes ao município. Este Festival é patrocinado pela Prefeitura Municipal e conta com a participação dos produtores de aguardente do município e comércio local, consolidando cada vez mais a tradição de que aqui se faz a melhor cachaça da região.

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135Como agremiações de caráter cultural destacam-se: A

Corporação Musical Santo Antônio, cuja origem remonta às épocas de Padre Chiquinho (década de 1940); A Banda de Congo e o Grupo de Capoeira Anaconda. Recentemente instalou-se no município um Escritório do Circuito Turístico Nascente do Rio Doce, que vem desenvolvendo uma política voltada ao Turismo de Forma Sustentável, envolvendo os artesãos locais e da região.

A NOSSA HISTÓRIA

Por volta de 1710 aqui chegou o Bandeirante paulista, natural de Taubaté, João de Siqueira Afonso, a procura de ouro e de índios para o serviço escravo.

A região era rica em ouro, que surgia no leito do Rio Guarapiranga (atual Rio Piranga) e nos córregos e ribeirões afluentes. Nas margens do Guarapiranga surge então um núcleo de povoamento.

Esta região foi primordialmente habitada pelos índios botocudos. Raça de índios fortes, de cor acobreada, cor característica dos índios do Continente Americano. Formavam uma grande nação constituída de diversas tribos nômades, que se espalharam pelo sul da Bahia e pelo Estado do Espírito SantoEm Minas Gerais ocupavam, principalmente, todo o vale e bacia do Rio Doce. Foram os Bandeirantes Paulistas e Portugueses que lhes deram o nome de botocudos, em razão dos adornos (rodelas de pau) que usavam nos lábios inferiores e nas orelhas.

Algumas tribos eram guerreiras, outras mansas, mas tinham como característica, o sentimento pátrio de preservação do vale que ocupavam, pois, como escreveu o pesquisador Guido Marlière: “As tribos que se achavam estabelecidas em um vale, repelem a todo o transe as outras que ali penetram em procura de frutos naturais, de caça e peixe”. Daí se pode concluir as dificuldades que os Bandeirantes encontraram para se apossar do lugar.

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136E foram estes primeiros habitantes que deram o nome de

Calambau ao sítio onde hoje se encontra assentada a cidade. Segundo o historiador Napoleão Reys, a palavra vinha de Kara e Ambaua, que na língua dos botocudos significava: Lugar onde o mato não era fechado, era ralo. Já o historiador Alfredo de Carvalho, afirmava que o topônimo vem de Carambás ou Caram-ba-y, que significa rio curvo ou tortuoso. Pedro Maciel Vidigal, historiador e pesquisador, natural de Calambau, dizia: “Não há qualquer contradição entre essas duas etimologias. Uma completa a outra. Assim sendo, a palavra Calambau significa lugar onde o rio faz curvas e o mato é ralo”.

OS PRIMEIROS HABITANTES BRANCOS

Os primeiros habitantes brancos eram portugueses e paulistas, sendo que os portugueses eram em maior número. Das famílias que aqui chegaram e se espalharam por toda a região destacamos: Velho Cabral, Cabral da Câmara, Carneiro, Flores, Gonçalves da Cunha, Alves Pereira, Alves Guimarães, Moura, Miranda, Oliveira Leal, Costa, Fernandes, Pires da Silva, Ferraz, Fonseca, Siqueira, Ramalho, Carneiro de Miranda, Freitas, Mendes Peixoto, Fernandes de Souza, Gomes Pereira, Correia dos Santos, Teixeira Guimarães, Moreira, Soares, Gouveia, Araújo Quintão, Vidigal, Coelho Duarte, etc.

Com a expansão da mineração no rio e seus afluentes, necessário se fez a compra de escravos, pois o índio botocudo, como se sabe, não era fácil de se submeter ao trabalho imposto pelos brancos. E foi assim que os negros africanos, escravos, aqui chegaram provenientes de Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé, Benguela, Sudão e Congo.

A primeira capela, devidamente documentada conforme consta nos arquivos da Cúria Metropolitana de Mariana, foi aqui construída por volta de 1738 por iniciativa de ANA CABRAL DA CÂMARA, piedosa senhora, que exerceu sobre ela o Direito de Padroado, ou seja, o direito de ser a Padroeira Terrestre da referida Capela. Como Padroeiro Celeste foi escolhido Santo Antônio. Supõe-se que esta primeira Capela tenha sido

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137construída na Rua do Cruzeiro, provavelmente onde fica a Casa da Pastoral da Saúde, local onde tinha sido erguido o primeiro Cruzeiro da cidade, que se manteve de pé até a década de 1950. Em 1755 foi construída uma nova Capela, pela mesma senhora, no local onde hoje se encontra a Igreja Matriz de Santo Antônio, ou seja, Praça Cônego Lopes, no antigo Largo da Matriz.

O primeiro padre nomeado para o Curato de Calambau foi o Padre Manuel Francisco do Carmo, que aqui chegou por volta de 1861, e o primeiro Pároco para aqui nomeado foi Padre José Januário Carneiro, em 1868.

Em 22 de julho de 1868, o Dr. José da Costa Machado de Souza, Presidente da Província de Minas Gerais, elevou Calambau à categoria de Freguesia.

Em 23 de Outubro de 1878, a Assembleia Provincial de Minas Gerais, decretou a Lei nº 2468, criando uma cadeira de Instrução Primária na Freguesia de Calambau.

As primeiras professoras que aqui ensinaram foram: Maria da Glória Duarte Guedes, Alzira Ribeiro, Macrina Saturnina do Couto e Judith Ildefonso Palermo.

Em 16 de Julho de 1944, o Dr. Benedito Valadares Ribeiro, Governador de Minas Gerais, criou as “Escolas Reunidas Cônego Francisco Lopes”.

A EMANCIPAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

No dia 16/02/1953, por iniciativa do Padre José Nicomedes Grossi, pároco à época, reuniu-se um grupo de cidadãos do então Distrito de Calambau para dar os primeiros passos rumo à sua Emancipação Político-administrativa em relação ao município de Piranga, ao qual pertencia. Desempenharam papel importante no Processo de Emancipação os seguintes cidadãos: Padre José Nicomedes Grossi (Presidente da Comissão); José Pedro Fernandes (Vice-Presidente); José Maria Peixoto (1º Secretário); Antônio Quintão Carneiro (2º Secretário) e Francisco Quintão Vidigal, estes integravam a Comissão, além de contar com o apoio do Deputado Estadual Ciro Maciel, da cidade de Piranga e de vários outros participantes, principalmente

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138comerciantes, fazendeiros e do eminente filho da terra, o Político e Historiador, Padre Pedro Maciel Vidigal, que abraçaram a causa com entusiasmo. O Processo arrastou-se por cerca de dez meses, cheio de controvérsias, prós e contras, e no dia 13 de Dezembro de 1953, o Distrito de Calambau foi elevado à categoria de município, pela Lei Estadual nº 1.039, passando a denominar-se Presidente Bernardes, em homenagem ao ilustre mineiro, Arthur da Silva Bernardes, que foi Presidente (Governador) do Estado de Minas Gerais e Presidente da República (1922/1926). Vale aqui ressaltar que a mudança do topônimo não foi recebida de braços abertos por toda a população. Uma grande parte reagiu contra a mudança, desejando que fosse mantida a denominação de Calambau, o topônimo indígena com que entrou na História e na Geografia de Minas Gerais, conforme constava no Processo de Emancipação, encaminhado à CEDAJE (Comissão Especial da Divisão Administrativa do Estado). Até hoje os reflexos políticos desta mudança se fazem sentir em Presidente Bernardes, e ao que se vê, esta polêmica continuará atravessando gerações, mas, contudo, sem prejudicar o desenvolvimento local.

Em 1985, numa atitude histórica, o Prefeito Municipal Geraldo de Oliveira Maciel, sancionou a Lei Municipal nº 354/85, aprovada pela Câmara dos Vereadores, restituindo ao município o antigo topônimo de Calambau. No entanto, no mandato seguinte, esta Lei foi revogada, voltando o município a se chamar Presidente Bernardes.

A instalação do município se deu no dia 1º de Janeiro de 1954, sendo administrado pelo Intendente José Emílio Duarte, até 3 de Fevereiro de 1955.

Em 3 de outubro de 1954, realizou-se a primeira eleição no município de Presidente Bernardes. Concorreram ao pleito dois partidos políticos: O Partido Republicano (PR), com o candidato José Pedro Fernandes - “Juquinha da Água Limpa” - fazendeiro influente no município; e o Partido Social Democrático (PSD), com o candidato Antônio Quintão Carneiro – Ninico Carneiro – Técnico Agrícola recém-formado pela Escola Superior Agrotécnica de Viçosa (atual Universidade Federal de Viçosa). O candidato vencedor foi o do PR, José Pedro Fernandes.

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139Os primeiros vereadores eleitos no município foram:

Antônio de Freitas Soares, Antônio Pereira Paiva, Benjamim Justiniano Teixeira, Joaquim José Pereira, Joaquim Barnabé Fernandes, José Arsênio Fernandes, José Soares Vidigal Filho, Nilton Fernandes Pinto e Pedro Vidigal Guimarães.

Em 16 de março de 1955 foi criado o Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, sendo sua primeira Diretora, a professora Maria de Lourdes Carneiro Peixoto, minha saudosa mãe.

Como obras marcantes deste primeiro Governo Municipal destacamos: A criação de onze escolas rurais, a construção do prédio onde funciona a Escola Estadual Governador Clóvis Salgado e a construção da ponte de concreto sobre o Rio Piranga (as duas últimas obras foram construídas com recursos conseguidos pelo Deputado Ciro Maciel).

Em 21 de Janeiro de 1962, sendo Prefeito Municipal o Sr. Antônio Quintão Carneiro (2º Prefeito eleito do Município), o Ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, Senador da República à época, aqui esteve para inaugurar várias obras na cidade, cujos recursos foram conseguidos junto ao Governo Federal e Companhia Vale do Rio Doce, pelo Deputado Federal Pedro Maciel Vidigal, filho da terra, destacando-se a inauguração do Jardim JK, na Praça Cônego Lopes e o prédio onde funciona a Escola Estadual Padre Vicente Carvalho. Como obras principais deste segundo Governo Municipal destacamos: A construção do prédio citado acima, a construção da Adutora dos Guirras (que até hoje abastece de água a cidade), construção do Jardim JK, calçamento da Praça Cônego Lopes e várias ruas da cidade e a criação do Ginásio Municipal Santo Antônio (Lei Municipal nº 90), sendo seu primeiro Diretor o saudoso Padre Vicente Carvalho Filho.

No dia 25 de Novembro de 1965, o Governador Magalhães Pinto, atendendo pedido do Deputado Pedro Maciel Vidigal, sancionou a Lei nº 3.590, criando o Ginásio Estadual de Presidente Bernardes, hoje Escola Estadual Padre Vicente Carvalho - homenageando o seu fundador - sendo seu primeiro Diretor o Pe. José Viana Moreira.

Prefeitos que administraram o município até a presente

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140data: José Pedro Fernandes (1955/1958); Antônio Quintão Carneiro (1959/1962); José Soares Vidigal Filho (1963/1966); Antônio Quintão Carneiro (1967/1970 – 2º mandato – Onofre Martins Fernandes, Vice-Prefeito, assumiu o cargo de Prefeito de 17/02/1969 a 17/02/1970); Silvério Quintão Vidigal (1971/1972); Antônio Quintão Carneiro (1973/1976 – 3º mandato); Realino de Almeida (1977/1982); Geraldo de Oliveira Maciel (1983/1988); Realino de Almeida (1989/1992 – 2º mandato); Izaltino Vital de Souza (1992/1996); Geraldo de Oliveira Maciel (1997/2000 – 2º mandato); Olívio Quintão Vidigal Neto (2001/2004); Olívio Quintão Vidigal Neto (2005/2008 – 2º mandato); Izaltino Vital de Souza (Prefeito atual. Assumiu o Governo do Município em 2009 – 2º mandato). Todos os prefeitos que governaram o município, cada um ao seu tempo, procuraram construir obras que beneficiassem a população.

PADRE GROSSI E A CONSTRUÇÃO DA NOVA MATRIZ

A maior obra aqui edificada é sem dúvida alguma, a Igreja Matriz de Santo Antônio, obra esta idealizada e realizada pelo Pároco, à época, Padre José Nicomedes Grossi, posteriormente, Dom José Grossi, Bispo de Bom Jesus da Lapa – BA, que faleceu em 21/06/2009, sendo sepultado nesta Igreja, numa justa homenagem ao seu construtor.

O início das obras da Nova Matriz deu-se no dia 1º de Março de 1950, data em que começaram a abrir os alicerces, com enxadões, enxadas e cavadeiras.

A construção foi projetada e edificada pelo arquiteto Rafael Juliano, italiano, natural de Campobasso. As pinturas de seu interior foram feitas pelo pintor espanhol, Ramon Domingos Garcia, natural de Salamanca, formado pela Escola de Belas Artes de San Fernando, em Madri. Suas obras são conhecidas em vários países e várias cidades, tais como: Salamanca, Sevilha, Madri, Buenos Aires, etc. Na Matriz de Santo Antônio ele pintou vinte e três quadros, que hoje estão sendo totalmente recuperados pelo Artista Plástico, Benedito Carmo Soares, filho desta terra, do qual falaremos mais à frente.

Foram encomendados sete sinos com as sete notas da

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141escala natural (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) à Companhia Artística Paulistana, sediada à Rua Abílio Soares, São Paulo-SP. O maior deles é de 500 quilos e o menor é de 110 quilos, sendo o total de 2000 quilos. Todos são acionados por três motores e conjugados com o relógio mestre colocado na Sacristia e o relógio da fachada da Matriz. O relógio mestre foi comprado na França pela Companhia Tagus, situada à Rua Cardeal Arcoverde, em São Paulo-SP.

Os vitrais da Nova Matriz foram fabricados pela Firma Vitrais Galeano, de São Paulo. São em número de 44 vitrais coloridos, narrando a vida e os milagres de Santo Antônio. O Altar-mor de mármore e a mesa da comunhão foram fabricados pelos irmãos Longo em Amparo-SP. Os altares laterais de madeira que estavam na Velha Matriz, de belo estilo colonial, foram colocados nas naves laterais direita e esquerda da Nova Matriz. São os mesmos da Segunda Capela, construída no ano de 1755, por Ana Cabral da Câmara, no Largo da Matriz. O Altar da Capela do Santíssimo Sacramento é de madeira, também da Velha Matriz. O Altar de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores é de madeira, de estilo simples. A Pia Batismal é de belo estilo, fabricada em pedra-sabão. Pertencia à primeira Matriz de 1738, também construída por Ana Cabral da Câmara.

De estilo gótico românico, a Matriz de Santo Antônio ocupa uma área de mais de mil metros quadrados de construção coberta, enfeitando a Praça Cônego Lopes, sendo o “Cartão Postal” da cidade.

A CIDADE, SEUS FILHOS E SUA ARTE

Cidade pequena, pequenina mesmo, mas aconchegante, entre as montanhas de Minas, se faz conhecida pela sua história, sua cachaça de qualidade e pelos seus filhos.

Se as montanhas impedem os homens de ver longe, elas têm a singular capacidade de fazer nascer neles, a criatividade, a arte e o desejo de se expandir.

Esta é uma terra de artistas, de pessoas cultas, de pessoas, que mesmo na sua simplicidade, têm o dom de dar

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142forma, de transformar a matéria, de colocar na pauta a inspiração musical, de colocar na tela a inspiração artística, no papel a inspiração literária e na madeira a perfeição da escultura.

Vale, aqui, falar um pouco sobre estas pessoas: • BENEDITO CARMO SOARES (LILIU): Professor, artista

plástico, pintor, com curso de aperfeiçoamento na França. Pesquisador da arte, consagrado pela harmonia e profundidade de seus quadros. Projetou-se, inicialmente, com um estilo “místico-surrealista”. Liliu de Calambau, como assina suas obras, é hoje um profissional reconhecido pelos seus trabalhos, dedicando-se à pintura Clássica e Sacra, cujos quadros assemelham-se em perfeição às obras dos Grandes Mestres do Renascimento, que podem ser vistas, em Igrejas, Mosteiros e prédios públicos espalhados pelo Brasil. Atualmente Liliu está envolvido no trabalho de restauração das pinturas de Ramon Domingos Garcia, na Igreja Matriz de Santo Antônio, em Presidente Bernardes.

• JOSÉ ROMUALDO QUINTÃO: Pintor Naif. Autodidata. Desde a década de 1960 expõe seus trabalhos, já por diversas vezes premiados. Seus quadros podem ser vistos em diversos museus do Brasil e do exterior (Museu Etnológico de Hamburgo – na Alemanha). Reside em Belo Horizonte. Mais informações sobre a arte de Quintão, consulte o site (www . jrquintaoartenaif . com ).

• ANTÔNIO QUINTÃO CARNEIRO: Artesão, autodidata, cujos trabalhos com pedras semipreciosas, são reconhecidos internacionalmente. Seu artesanato é pioneiro no Brasil. Reduz a pó as pedras semipreciosas e com a mistura das mais variadas cores, reproduz belos quadros que encantam a todos. Em seu ateliê, juntamente com sua esposa Dona Glória, Ninico, como é conhecido, realiza este trabalho inédito, carregado de cor, vida e beleza! Ninico, por três vezes foi Prefeito em Presidente Bernardes e por sinal, um dos mais progressistas! Hoje seu filho, José Maria Carneiro Neto, substitui os pais na produção dos belos quadros, que saem idênticos, comprovando que a arte é mesmo coisa

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143 de família.

• JOSÉ ISIDORO DE PAIVA: Conhecido pelo apelido de “Dé Paiva”. É santeiro, escultor, entalhador. “Dé Paiva” tem aquele dom especial que nasce com o artista, sem ter feito nenhum curso para executar suas obras, com facilidade dá forma à madeira, fazendo surgir imagens, principalmente de santos com a perfeição dos mestres do barroco mineiro.

• JOÃO CÂNDIDO DOS SANTOS: Entalhador e escultor. Seus trabalhos eram feitos em madeira. Raras são as casas, aqui em Presidente Bernardes, que não têm algum trabalho por ele executado. Reproduzia sempre miniaturas de bois, cavalos arreados com o cavaleiro e miniaturas de carros de bois, que são conhecidos em toda a região. Já falecido.

• JOÃO FIRMINO DE MOURA: Músico, Maestro, compositor de vários dobrados e valsas, conhecidos e executados por todo o Brasil. João de Moura foi Maestro da Banda de Música da Universidade Federal de Viçosa. Um homem que pelo seu trabalho engrandeceu a sua Terra Natal. Já falecido.

• PEDRO MACIEL VIDIGAL: Escritor, Historiador, Genealogista, Pesquisador, Político. Homem de vasta cultura. Foi deputado estadual e federal. Muito fez por sua Terra Natal. Grande parte dos melhoramentos de vulto, na cidade, foram por ele conseguidos, junto aos Governos, Estadual e Federal. Publicou vários livros e trabalhos, sendo os mais importantes: “OS ANTEPASSADOS VOL. I: A SUA TERRA” (onde conta a história de Calambau), “A DESCENDÊNCIA DE AMADOR BUENO NO VALE DO RIO DOCE”,“AS LIÇÕES DA SABEDORIA GREGA”,“RETRATOS LITERÁRIOS” e “NO HORIZONTE DA IMORTALIDADE”. Padre Pedro, como era conhecido, era amigo íntimo do Presidente Juscelino Kubstchek de Oliveira, que aqui esteve, em 1962, quando Senador da República. A visita mais importante que a cidade já recebeu. Padre Pedro

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144 faleceu em 2004, aos 95 anos.

• MARISA VIDIGAL CARNEIRO RIBEIRO: De estilo Naif, suas telas representam sempre cenas de procissões, congada, festa junina, circo, enfim, lembranças de sua infância passada no pequenino Calambau. Em seu site vamos encontrar como ela próprio se define: “A família, religião, tradição e cultura de minha terra sempre reforçaram o meu sentimento nativista. Foi convivendo com dois renomados artistas, Quintão (pintor Naif) e Liliu de Calambau (transfere para a tela toda a sua espiritualidade) que me senti inspirada a registrar na tela o meu povo, sua cultura e tradições. Atualmente, resido e trabalho em Curitiba-PR, onde desenvolvo trabalho de Arte e Pesquisa em meu próprio atelier”. Mais informações veja o site (www . marisavidigalartnaif . com ).

Muitos outros artistas tem Calambau. Vale aqui ressaltar as famosas colchas de tear manual, cujas principais tecedeiras se encontram na região denominada “Guirras”, na zona rural. Este artesanato predomina nas famílias Pinto e Souza, que são naturais de Capela Nova-MG, cidade famosa neste tipo de artesanato.

A CIDADE E SEUS CASARÕES COLONIAIS

A cidade de Presidente Bernardes se destaca na região pela grande existência de casarões da arquitetura colonial mineira dos Séculos XIX e XX, na Praça Cônego Lopes, ruas da cidade e na zona rural do município.

Graças à consciência de preservação dos casarões, por parte de seus proprietários, o município conserva o que é de mais rico para um povo: “a sua História”. Esse diferencial é um grande potencial para atrair turistas ao município, e consequentemente, mais recursos ao comércio local. “Preservar nosso Patrimônio é manter viva uma realidade do passado. Vamos preservar nossos velhos casarões!”

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Presidente Bernardes e seus casarões atuais. Vamos preservá-los!

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AS NOSSAS BOAS CACHAÇAS

Há mais de um século, no município, vem-se produzindo as melhores cachaças da região, em pequenos alambiques espalhados pelas zonas rurais. Embora se tenha notícia de que no Século XVIII aqui já se produzia cachaça (Fazenda Bananeiras – Sec. XVIII), tomamos como marco desta tradição, o Século XIX, quando, na Fazenda da Água Limpa, no ano de1882, conforme registros, iniciou-se a produção regular de cachaça, visando suprir, principalmente, os mercados de Ouro Preto, Mariana e São João Del Rei. Daqui a cachaça saia em lombo de burros, levada por tropas, que traziam na volta, sal, querosene, tecidos, mantimentos que aqui não eram produzidos, bem como produtos manufaturados.

Com pouco tempo vários outros alambiques surgiram e a nossa cachaça foi ganhando fama por toda a região onde eralevada. Até hoje, o município tem fama de produzir boa cachaça, fazendo valer a máxima que diz: “CACHAÇA BOA É DE CALAMBAU”, numa alusão ao antigo nome da cidade, que confirma a tradição das nossas cachaças. Por essa razão, em 1984, a Prefeitura Municipal, juntamente com o Grupo PRÓ-TERRA (do qual fui membro fundador) e Produtores de Cachaça, uniram-se e criaram a FESTA DA CANA & FESTIVAL DA CACHAÇA, um dos mais antigos Festivais de Cachaça de Minas Gerais, que todos os anos atrai milhares de turistas ao município. Um brinde a você que aprendeu a saborear as nossas boas cachaças!

Aqui termina este livro. Penso que, de uma forma ou de outra, contribuí para difundir a cultura, o folclore e a arte de minha Terra Natal.

Os casos de Manuel da Cachaça não terminam aqui. Eles surgem todos os dias, nas ruas, nos botecos ou em qualquer lugar onde se reúnam pessoas.

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147Eu, de minha parte, continuarei a registrá-los e, a

qualquer tempo, talvez volte com o MANUEL DA CACHAÇA II.Um grande abraço.

Fernando

Festival da Cachaça - Chegada das Cachaças

Nossas Boas Cachaças

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148SOBRE O AUTOR

Nasci em Calambau, atual Presidente Bernardes, Minas Gerais, aos 04/02/1950. Fiz o 1º e o 2º grau no Ginásio Estadual de Presidente Bernardes, hoje, Escola Estadual Padre Vicente Carvalho. Em 1970 iniciei o Curso Técnico – Curso de Edificações – na antiga Escola Técnica Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, não chegando a me formar. Em 1972 prestei concurso público para a Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais – MINASCAIXA – sendo admitido em 02/06/1972, na Agência de Presidente Bernardes, onde exerci o cargo

de Chefe de Setor de Contabilidade, até 15/03/1991, quando, “na calada da noite”, os interesses políticos e econômicos “liquidaram” a MINASCAIXA. Sou o mais novo de uma família de cinco irmãos, casado com a professora de Historia, Maria Célia Soares Peixoto, pai de dois filhos, Fernanda e Raul e “vovô” da Maria Clara. Após o fechamento da MINASCAIXA, fui absorvido no Serviço Público do Estado de Minas Gerais, admitido no quadro da Policia Civil e lotado na Delegacia de Policia de Presidente Bernardes, onde desempenhei as funções de Escrivão de Policia e Vistoriador de Veículos até a data de 08/06/2009, quando me afastei para fins de aposentadoria. Desde menino sempre gostei de ler, escrever e desenhar, dons que herdei de minha mãe. O sonho deste livro é antigo e o “empurrão” foi realmente dado pelo saudoso amigo Marcus Silvério Machado, como narrei na introdução deste. Agradeço a minha esposa pela ajuda na pesquisa histórica e aos caros conterrâneos, pelos “casos”, ou “causos”, como diz o bom mineiro. A intenção deste livro é apenas preservar um pouco da nossa cultura popular, que aos poucos vai se perdendo na memória do povo. Não sou um intelectual, sou apenas, ou tento ser, um contador de estórias, casos ou “causos”, como queiram.

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ÍNDICE

002 – APRESENTAÇÃO004 – PREFACIANDO

006 – MANUEL DA CACHAÇA009 – A ESCRITURA

010 – A “BOCA DA ENCRENCA”012 – A CAÇADA

013 – JOÃO DA CRUZ E O “ECRIPES” DA LUA015 – TÁ NA MESA... É SÓ SERVIR!...

016 – A CADEIA018 – A CANTADA

020 – A “DISGRAÇA” DE SÁ MARIETA020 - “LARI LARÔ”

021 – A DISTRAÇÃO DE COMADRE JOANA022 – A DOR DE DENTE025 – A MISSA CANTADA

026 – A PESCARIA DE CHISPIM028 – A SEMANA SANTA

028 – A SERENATA030 – A SIMPLICIDADE DE SÔ MANUEL

031 – A VISITA DO COMPADRE CANDIDATO032 – AO BOBO?!...

033 – AS CAMISINHAS FURADAS034 – AS LUZES DA PONTE

037 – AS RAPADURAS038 – COISAS DE BÊBADOS

040 – AS ENXADAS DA POLÍTICA042 – COPARRA

042 – EFEMÉRIDES CACHACISTAS043 – EU COMO... CÊ COME... TERRA COME!...

044 – GARRAPIA046 – MANEZINHO DO PR

047 – MINEIRINHO FOLGADO048 – A PRESA

049 – MISERICÓRDIA! MIJÁ NA CORDA!050 – A DENTADURA NOVA

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150051 – INÁCIO

052 – A RODA DA CARROÇA VELHA053 – NO ELEVADOR

054 - “NOSCO”054 – O AGOURENTO

055 – O BICHO QUE JÁ COMEU TERRA056 – O RESGUARDO

058 – O CARNAVAL059 – COMPADRE “CRISTO” E COMPADRE “CENTURIÃO”

060 – O DOCE DE LARANJA061 – O ENTERRO

063 – O ESCÂNDALO064 – O EXORCISMO

065 – O PORCO “OCADO”066 – O QUINTO MISTÉRIO068 – O RABO DO PORCO

069 – O REGISTRO DE NASCIMENTO069 – O RELÓGIO

071 – O RESTO É FEMA!...073 – O SANTO PELADO

074 – O SUSTO DE CHICO TROPEÇO075 – O TEATRO

076 – O TÍTULO ELEITORAL080 – O VELÓRIO

082 – O VELÓRIO II083 – ÔH, PR DISGRAÇADO, SÔ!...084 – PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO

086 – PO-CO-TÓ, PO-CO-TÓ, PO-CO-TÓ087 – QUEM TEM VÍCIO, TEM DESCULPA087 – SABEDORIA POPULAR DO MANUEL

091 – SERÁ QUE FAZ MAL?091 – SÔ BINA

093 – TEMPO BÃO É TEMPO DE ELEIÇÃO094 – VIM SECO E TÔ VOLTANDO ENXUTO

094 – A INTIMAÇÃO096 – INHOSINHO DE LICO LIMA E SEUS CONSELHOS

097 – OLERITE098 – UMA ESTÓRIA PRA CRIANÇA

Page 152: Manuel da cachaca contos casos de boteco

151101 – O EXAME DE FEZES

102 – MAIS UM “FIO”!102 – O LEITE

103 – O AUTOMÓVEL DE SÃO JORGE104 – A MULHER DE BRANCO105 – A ELEITORA E A LEITOA

106 – SÔ CHIQUINHO E O SERMÃO DA SEXTA-FEIRA SANTA108 – O CAFÉ COM LEITE

109 – FELIZ 77!!!...110 – VÃO DANÇAR CONOSCO?!

111 – COISAS DO TEATRO DE SÔ MATHIAS DE MOURA112 – OSSOS DO OFÍCIO

113 – O VOTO114 – O CAFEZINHO DO DEPUTADO

116 – MISTO QUENTE118 – LOUVADO DA CACHAÇA

122 – UM POUCO SOBRE AQUELES A QUEM DEDIQUEI ESTE LIVRO

133 – UM POUCO SOBRE A NOSSA HISTÓRIA E CULTURA148 – SOBRE O AUTOR

149 – ÍNDICE

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culturacpb.blogspot.com

Fontes de pesquisa histórica:

- Os Antepassados – 1º Volume – A sua Terra(Pedro Maciel Vidigal)

- Biografia de Dom José Nicomedes Grossi(Dom José Nicomedes Grossi)