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Manual do Prefeito 13 edio IBAM 2009

Manual do Prefeito

13 edio 2009

IBAM Instituto Brasileiro de Administrao Municipal1

Manual do Prefeito 13 edio IBAM 2009

Manual do Prefeito

13 edio

Copyright Instituto Brasileiro de Administrao Municipal IBAM

Todos os direitos reservados. proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem autorizao escrita do IBAM. A violao dos direitos de autor (Lei n 9.610/98) crime estabelecido pelo art. 184 do Cdigo Penal. 1 edio: 1967; 2 edio: 1970; 3 edio: 1972; 4 edio: 1976; 5 edio: 1977; 6 edio: 1982; 7 edio: 1988; 8 edio: 1989; 9 edio: 1992; 10 edio: 1996; 11 2000; 12 edio: 2005; 13 edio: 2009. Esta edio foi revista, aumentada e atualizada por: Alexandre Carlos Albuquerque Santos, Andr Caldeira Brant, Beatriz Fogaa Costa, Cludia Ferraz, Eduardo Domingues, Gustavo da Costa Ferreira, Henrique Gaspar Barandier, Heraldo da Costa Reis, Joo Vicente Laguens, Jos Rildo M. Guedes, Jlio Csar Barbosa Pinheiro, Marcos de Moraes Villela, Marcos Flvio R. Gonalves, Marcus Alonso Ribeiro Neves, Maria da Graa R. Neves, Nilton Almeida Rocha, Pedro Nogueira Diogo, Rosane Biasoto, Rosimere de Souza e Victor Zular Zveibil. Coordenao Tcnica Marcos Flvio R. Gonalves Consultor do IBAM Coordenao Editorial Sandra Mager

Ficha Catalogrfica Catalogaona Fonte pela Biblioteca do IBAM Manual do prefeito / Coordenao tcnica Marcos Flvio R. Gonalves. 13.ed. revista, aum. e atual. Rio de Janeiro: IBAM, 2009. 219p. ; 29,7cm 1. Administrao Municipal-Brasil. 2. Prefeitos. 3. Relaes Intergovernamentais Brasil. 4. Desenvolvimento institucional. I. Gonalves, Marcos Flvio R. (Coord.). II. Instituto Brasileiro de Administrao Municipal352.081 (CDD)

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APRESENTAO INTRODUO SEO I CAPTULO 1 AUTONOMIA E COMPETNCIA DO MUNICPIO SEO I - CAPTULO 2 ATOS DE IMPRIO: PODER DE POLCIA E INTERVENO NA PROPRIEDADE SEO I CAPTULO 3 RELAES INTERGOVERNAMENTAIS SEO I CAPTULO 4 O PREFEITO MUNICIPAL SEO I - CAPTULO 5 A CMARA MUNICIPAL SEO II INTRODUO SEO II CAPTULO 1 DESENVOLVIMENTO ECONMICO SEO II - CAPTULO 2 DESENVOLVIMENTO SOCIAL SEO II CAPTULO 3 DESENVOLVIMENTO URBANO SEO II CAPTULO 4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL SEO III INTRODUO SEO III CAPTULO 1 PARTICIPAO POPULAR SEO III CAPTULO 2 GESTO DE SERVIOS SEO IV - INTRODUO SEO IV CAPTULO 1 PLANEJAMENTO MUNICIPAL SEO IV - CAPTULO 2 RECURSOS HUMANOS SEO IV CAPTULO 3 GESTO FINANCEIRA SEO IV CAPTULO 5 TECNOLOGIA DA INFORMAO POR ONDE COMEAR

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16 32 37 47 69 74 81 97 108 115 121 133 142 146 159 174 208 217

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APRESENTAO

O IBAM est colocando disposio de todos aqueles que possuem interesse em conhecer aspectos da Administrao Municipal a 13 edio do Manual do Prefeito, publicao que desde 1967 vem recebendo atualizaes, revises e adequaes para que sirva de orientao bsica aos que administram o Municpio, que nela encontram conceitos fundamentais, indicao de providncias, referncias legislativas e muito mais informaes sobre o que o Municpio brasileiro. Tratando-se de livro que adota linguagem clara e objetiva, voltada para os agentes polticos, de salientar que seu sucesso duradouro. Isso pode ser explicado, em parte, por sua qualidade, sempre mantida pelo IBAM, que se preocupa em oferecer fonte segura de consulta aos que o folhearem. A trajetria do IBAM permite e corrobora esse cuidado: so mais de 56 anos de existncia, durante os quais foram atendidos, sob diferentes modos, milhares de Municpios, todos os governos estaduais, inmeros ministrios, entidades e rgos pblicos de todas as esferas, inclusive de pases latinoamericanos e africanos. A experincia acumulada faz com que o Manual do Prefeito reproduza os pontos positivos e aponte solues para as deficincias administrativas que seu corpo tcnico encontrou em todos esses anos. Diga-se, a propsito, que embora sua atualizao seja de responsabilidade de determinada equipe, que reflete as diversas correntes de pensamento e de formao presentes no Instituto, h na verdade o aproveitamento de toda aquela trajetria antes mencionada, ou seja, o acervo de conhecimento do IBAM perpassa todo o texto, valorizando seu contedo e garantindo ao leitor norteamento seguro e fundamentado. Seus captulos situam o Municpio no ambiente constitucional, versam sobre atos de imprio, salientam a importncia das relaes intergovernamentais, apontam a competncia e atribuies dos Poderes Legislativo e Executivo, abordam o processo de elaborao legislativa, preocupam-se com o desenvolvimento econmico e social sustentvel, sem esquecer as questes ambientais, tratam da gesto democrtica, onde a participao popular destaque, e finalizam com pginas sobre o desenvolvimento institucional, ou seja, o aperfeioamento da Administrao municipal e o respeito s normas legais que sobre ela incidem, de modo a atender s suas obrigaes e oferecer populao servios de elevado nvel de qualidade. A leitura do livro , certamente, proveitosa para todos os que, de alguma forma, lidam com o Municpio. O IBAM orgulha-se de colocar disposio esse texto e sente-se cumpridor de seus objetivos ao faz-lo.

Paulo Timm Superintendente Geral

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INTRODUOOs captulos que formam esta Seo tratam do marco jurdico relativo ao Municpio, em face do que dispem a Constituio da Repblica e as leis que se aplicam a essa esfera de Governo. A histria moderna dos Municpios brasileiros comea com a Constituinte de 1988. Os seus integrantes atenderam a vrias proposies do movimento municipalista, entre as quais a que integrava, como membro efetivo da Federao, definida no art. 1, o Municpio, com autonomia idntica da Unio, dos Estados e do Distrito Federal, a teor do seu art. 18. Importante, tambm, a redao dos arts. 29, 29-A e 30, os quais consagraram de vez a capacidade de o Municpio elaborar sua lei orgnica, sem interferncia do Estado, e se responsabilizar por uma srie de atribuies, entre estas a de eleger seus agentes polticos, legislar, prestar servios de interesse local e administrar suas rendas. Ao Municpio foi atribuda competncia para legislar sobre assuntos de interesse local, para suplementar a legislao federal e estadual no que couber e a competncia dita comum, exercida pelos diversos entes federativos, representada por longo rol de temas que devem ser objeto de ao por essas esferas. Manteve-se at hoje, nesse aspecto, o que se denomina sndrome da simetria, que remete ao tratamento dado ao Municpio na Constituio. Esta ignora a diversidade da situao dos Municpios, as particularidades histricas, econmicas e culturais, considerando que todos esto aptos a cumprir com o mesmo conjunto de direitos, deveres e obrigaes, em relao s questes institucionais, administrativas e de gesto e, conseqentemente, em relao populao. Embora listados na Constituio, no h, em vrios casos, formalizao do que da alada de cada ente governamental no que respeita aos servios comuns. Note-se que, no fora tal ausncia, possvel que normas de cooperao entre as esferas de Governo tivessem obtido maior clareza a respeito do que cabe a cada um Unio, Estado, Municpio , a implicar no aprimoramento do federalismo brasileiro.

Nem sempre foi assimUm passeio pelo tempo, visitando as diferentes Constituies que o pas teve, permite observar que o Municpio brasileiro sofreu sucessivas alteraes no que respeita sua posio no cenrio federativo. Antes, no perodo imperial, o Pas era unitrio, a Administrao era centralizada e a Constituio do Imprio, datada de 25 de maro de 1824, continha apenas alguns artigos sobre as Cidades e as Vilas (no se utilizava a palavra Municpio). Proclamada a Repblica, a Constituio de 1891 contemplou referncia ao Municpio, de forma indireta, ao determinar que os Estados se organizassem de forma que assegurasse a autonomia do Municpio, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.

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A Constituio promulgada em 1934 inovou em relao ao tratamento dado ao Municpio, que passou a ter sua autonomia, naquilo que respeitasse ao seu peculiar interesse, reconhecida de forma direta e explcita. Falou-se pela primeira vez em autonomia poltica (eleio de seus Prefeitos e Vereadores), financeira (decretao de seus impostos, taxas e outras rendas) e administrativa (organizao de seus servios), porm no lhe coube meno como ente constitutivo da Federao brasileira. A Constituio de 1937 manteve a condio anterior, pois tambm no incluiu o Municpio como componente da Federao, que ficou como nas duas Cartas anteriores. Permaneceu, entretanto, o respeito autonomia municipal, com seus desdobramentos. A redemocratizao do Pas consolidou-se com a Constituio promulgada em 1946. A Federao permaneceu composta pelos Estados, Distrito Federal e Territrios, sem incluir o Municpio, e a autonomia deste manteve-se compreendendo aspectos polticos, administrativos e financeiros. A Constituio de 1967 relativizou a autonomia municipal, especialmente no concernente escolha dos Prefeitos, que se poderia dar pelo voto popular, pelo Governador do Estado (capitais e Municpios considerados estncias hidrominerais) e pelo Presidente da Repblica (Municpios declarados de interesse da segurana nacional). A Emenda Constitucional n 1, de 1969, manteve a competncia estadual para ditar a lei orgnica, repetiram-se as normas sobre autonomia financeira e administrativa e mantiveram-se as limitaes s eleies dos Prefeitos, o que mais tarde veio a ser revogado por meio de emenda, estendendo-se as eleies a todos os Municpios, sem exceo.

Questes ainda pendentes: o atual pacto federativoA Constituio de 1988 organizou a repartio de recursos de modo a dar maior visibilidade dimenso poltico-administrativa ao Municpio, tanto que, por esse e por outros motivos, foi apelidada de Constituio municipalista. O problema, contudo, est na concepo de pacto definido constitucionalmente ou em sua falta de regulamentao? Essa palavra deve ser entendida no s como expresso formal das normas, mas tambm como meio para planejar, organizar, estruturar e colocar em prtica instrumentos que j existem. As competncias comuns podem representar importante meio para compensar a dificuldade derivada da sndrome da simetria, desde que se d a elas a definio do campo de atuao de cada esfera, ou compensaes financeiras pela assuno de servios que no so propriamente da alada municipal, porque exigem normas que o Municpio no pode expedir, ou, ainda, se formalizem pactos estaduais, regionais, intergovernamentais, intermunicipais, enfim acordos, convnios, consrcios, entre e inter as diversas esferas governamentais. O objetivo deve ser o atendimento do que a coletividade precisa. Certo que nem tudo pode ser atendido, por limitaes de todo tipo que exigem a definio de prioridades e a distino entre o que urgente e o que importante, por exemplo. Exigem, acima de tudo, que o gestor tenha clara conscincia do que seja o poder 6

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discricionrio de que detentor e de que o uso que fizer deste poder que vai dar concretude ao diferencial de qualidade de seu mandato. A seriedade e a competncia, todavia, so imprescindveis no setor governamental, que se deve pautar pelo desejo de servir ao pblico. Assim, o aprimoramento da Administrao fundamental, e pode se dar pela conjugao de diferentes modos de interveno, seja pela modernizao da mquina administrativa, seja pela capacitao do quadro de servidores, seja, ainda, pelo uso responsvel dos recursos, respeitando-se os princpios da moralidade, da legalidade, da impessoalidade, da economicidade e da eficincia, entre outros.

A eficincia da AdministraoA eficincia um princpio da administrao voltado para a coordenao do uso de recursos face aos objetivos e resultados pretendidos. Para observ-lo, mister que o gestor, por si e por sua equipe, seja exmio no manejo dos instrumentos administrativos, usando-os mediante adaptaes s situaes especficas com as quais se defronta, sempre de forma criativa e empreendedora. O Municpio importante propulsor da economia, visto que lhe cabe promover o desenvolvimento local e o fomento econmico, e, para isso, deve ter o princpio da eficincia como um de seus lemas. Por depender da articulao de instrumentos administrativos para propiciar o aproveitamento vigoroso do princpio da eficincia, o Municpio deve se institucionalizar, em suas vrias vertentes. Uma hiptese para atender ao papel que cabe ao Municpio a de incentivar o trabalho conjunto, por meio da formao de consrcios, da celebrao de convnios ou de outras formas de cooperao j previstas legalmente, porm pouco praticadas. Nessa linha, caberia pensar em arranjos (formalizados de diferentes maneiras) intraestaduais, contemplando Municpios de um mesmo Estado ou mesorregionais, atingindo mais de um Estado e formado pelos Governos dessa esfera e pelos Municpios da rea de interesse. A formao de arranjos institucionais cooperativos envolvendo a Unio, o Estado ou Estados e Municpios resultaria em alternativa formal para atender ao que pede e espera a populao. So modelos de atuao para alcanar a responsabilidade com o bem pblico, atingir a eficincia preconizada na Constituio, o que, ao fim e ao cabo, significa servir ao pblico, mas servir com proficincia, atendendo s necessidades e contribuindo para melhorar a qualidade de vida, em todos os sentidos sade, cultura, lazer, trabalho, educao, assistncia social, transportes etc. A troca de experincias deve tambm ser incentivada. O IBAM, a propsito, vem construindo, desde 1996, um vasto acervo fruto de diversas iniciativas do prprio Instituto e mais recentemente do programa Melhores Prticas, parceria do Instituto com a Caixa Econmica Federal e com o UN-HABITAT sobre aes que deram certo. Entre essas, encontram-se algumas que exigiram elevado volume de recursos e muita especializao, porm h tambm aquelas que so o resultado de boas idias, criatividade e vontade poltica.

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Comentrios finaisOs agentes polticos Prefeitos, Secretrios, Vereadores devem ser proativos, visto que so atores de ponta na corrida para alcanar transformaes leia-se eficincia. Na rea pblica, nada se pode fazer sem o respaldo legal e so os agentes polticos que fazem as leis. urgente faz-las, sempre, contudo, com o olhar na eficincia, na participao e na satisfao da populao. No basta, todavia, fazer as leis; preciso que a Administrao e a populao as internalizem, ou seja, tomem conscincia de que s o fato de a lei ter sido publicada no bastante para torn-la efetiva, aplicvel, faz-la pegar. Isto somente ocorrer quando as duas pontas estiverem convencidas de que a lei apenas um instrumento para legitimar uma ao, que deve ter um autor e um usurio, ambos com responsabilidades e direitos. Eficincia , por fim, a palavra-chave, o princpio constitucional que se traduz por profissionalizao, planejamento, responsabilidade, eficcia, efetividade e outros tantos conceitos retirados de outros campos do conhecimento, e que resulta naquele cuidado com o bem pblico que leva melhoria da qualidade de vida. A iniciao de programas visando explicar populao o que se tem feito e o que deve ser feito, como pode ela participar, quais os seus direitos e deveres, como utilizar os servios oferecidos, tambm importante para que se conhea melhor a competncia municipal e seus mecanismos e deve estar entre os objetivos da Administrao. A leitura dos captulos que se seguem ir contribuir para o entendimento do que pode e deve o Municpio fazer, visto que apresentam panorama da competncia municipal em face da Constituio e abrem caminho para as sees posteriores deste Manual, nas quais diferentes ngulos da atuao municipal so comentados.

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SEO I CAPTULO 1 AUTONOMIA E COMPETNCIA DO MUNICPIO A Federao brasileira e o MunicpioA Repblica Federativa do Brasil constituda pela unio indissolvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, conforme dispe a Constituio promulgada em 5 de outubro de 1988. A Constituio de 1988 inseriu o Municpio expressamente em seu texto, com o que no mais pairam dvidas sobre a sua integrao como ente federativo autnomo (arts. 1 e 18 da CF). Em face dessa situao e das prerrogativas municipais, diz-se que, no Brasil, a Federao composta pelos Estados, Distrito Federal e Municpios, juntados na Unio, que so as esferas de Governo existentes no Pas. Os Territrios no constituem esfera de Governo, posto que so prolongamentos do Governo Federal. A competncia de cada uma dessas esferas est definida na prpria Constituio, que tambm estabelece o que lhes vedado. Os arts. 21 e 22 enumeram as matrias privativas da Unio; o art. 23 relaciona as matrias de competncia comum; o art. 24 lista os casos de competncia concorrente, enquanto o 1 do art. 25 confere aos Estados a chamada competncia residual ou remanescente e o art. 30 dispe especificamente sobre o que compete aos Municpios. No que respeita ao Distrito Federal, as competncias legislativas dos Estados e Municpios so-lhe conferidas, nos limites de seu territrio, pelo 1 do art. 32. A competncia da Unio tem crescido constantemente desde a primeira Constituio Republicana, de 1891. Isso se deve, em parte, tendncia para a ampliao das atribuies do Governo central e, em parte, caracterstica especfica do Brasil, onde, a partir de 1930, deu-se o crescimento da centralizao de poder nas mos do Governo Federal, embora a atual Carta Poltica tenha distribudo algumas atribuies entre as diversas esferas. Na verdade, so muitas as reas de atuao da Unio, seja porque o assunto lhe privativo, seja porque se trata de matria concorrente da Unio, dos Estados e do Distrito Federal ou mesmo desses e dos Municpios. Acresa-se que o sistema vigente de relaes intergovernamentais abre amplas possibilidade de cooperao entre os Governos para o trato de assuntos de interesse comum. A definio de competncias dos Estados segue tradio observada na maioria das Constituies de pases organizados sob a forma de Federao, segundo a qual cabem aos Estados-membros todos os poderes que, explcita ou implicitamente, no lhes sejam vedados pela Constituio. Essa, alis, tambm a linguagem usada pela Carta de 1988, no 1 do art. 25. Segundo o caput desse artigo, os Estados organizar-se-o e reger-se-o pelas Constituies e leis que adotarem, respeitados os princpios que constam da Lei Maior.

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Significa dizer que os Estados tm competncia para atuar em todos as campos, exceto naqueles que a Carta Magna reservou Unio e aos Municpios. o chamado princpio dos direitos remanescentes. Quase todos os princpios constitucionais estabelecidos para a Unio so aplicveis aos Estados e aos Municpios. Essa simetria obrigatria induz os Estados a reproduzirem a estrutura federal, mesmo naquilo em que esto dispensados de fazlo, o que leva os Municpios a repetir o modelo. De acordo com o princpio federativo, a Constituio assegura a autonomia dos Estados, sem a qual no pode existir Federao. Os Estados possuem o que se chama de autonomia constitucional, isto , o poder de se dar uma Constituio, de se auto-organizar. A autonomia dos Estados, hoje, pouco difere da autonomia municipal, inclusive porque os Municpios tambm possuem competncia para se auto-organizar por lei elaborada pela Cmara, sem depender de sano do Poder Executivo (art. 29). A autonomia estadual protegida contra a interveno federal. Assim, a Unio somente pode intervir nos Estados em casos especficos, enumerados no art. 34 do Texto Constitucional. Um desses casos conveniente salientar - a no observncia dos princpios sensveis ou princpios constitucionais da Unio, entre os quais est a autonomia municipal (art. 34, VII, c). So princpios considerados particularmente importantes para o correto funcionamento da forma republicana e representativa e do regime federativo, e, por isso, so observados compulsoriamente pelos Estados quando de sua organizao. Aos Estados compete criar regies metropolitanas, antes institudas por legislao federal. Por fora do 3 do art. 25 da CF, a criao dar-se- por meio de lei complementar estadual, que definir sua abrangncia. O mesmo dispositivo autoriza os Estados a criar aglomeraes urbanas e microrregies, constitudas por agrupamentos de Municpios limtrofes, para integrar a organizao, o planejamento e a execuo de funes pblicas de interesse comum. Quanto aos Municpios, sua competncia est expressa nos arts. 29, 29-A e 30 da Constituio, que tratam da lei orgnica e das matrias que esto sob sua competncia. O Municpio , pois, autnomo, como alis est expresso no art. 18.

Autonomia municipalEm que consiste essa competncia e, portanto, a autonomia do Municpio? Primeiro, na eleio direta do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores (autonomia poltica). Segundo, na organizao dos servios pblicos de interesse local (autonomia administrativa). Terceiro, na instituio e arrecadao de seus tributos, bem como na aplicao de sua receita (autonomia financeira). Quarto, na competncia para legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive suplementando a legislao federal e estadual no que lhe interessar e for possvel (autonomia legislativa). Quinto, por fim, na capacidade para elaborar a sua lei orgnica (autonomia organizativa). A livre aplicao da receita municipal est condicionada obrigatoriedade de prestao de contas e de publicao de balancetes, nos prazos fixados em lei (art. 30, III).

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O ponto basilar de garantia da autonomia municipal est no art. 29 da Constituio: o Municpio reger-se- por lei orgnica prpria, elaborada pela Cmara Municipal, que a promulgar. Rompeu-se assim com a interferncia do legislador estadual em assuntos de organizao do Municpio. As Constituies passadas atribuam ao Estado tal competncia, hoje objeto de lei municipal, que observar os princpios constitucionais federais e estaduais, estes no que couber. A lei orgnica atender ainda aos preceitos relacionados no art. 29 da Constituio, que recebeu, desde a sua promulgao, diversas emendas que alteraram alguns desses preceitos, especialmente quanto s despesas do Poder Legislativo e remunerao dos agentes polticos (Prefeito, Vice-Prefeito, Secretrios Municipais e Vereadores), acrescentando inclusive um novo artigo, o 29-A. Um dos temas que a Lei Orgnica deve abordar o nmero de Vereadores, que deve ser fixado proporcionalmente ao nmero de habitantes, conforme dispe o artigo 29 da Constituio e a interpretao dada pelo Supremo Tribunal Federal. O Municpio, no exerccio de sua autonomia, pode firmar convnios e instituir consrcios para execuo de matrias de sua competncia em conjunto com outros entes da Federao ou entes privados, utilizando-se, dentre outras normas, da Lei de Parceria Pblico-privada (Lei n 11.079/04), da Lei de Consrcios (Lei n 11.107/05) e do Decreto n 6.170/07, que trata dos convnios com a Unio, regulamentado pela Portaria Interministerial n 127/08. No que diz respeito autonomia financeira, para instituir e arrecadar tributos e gerenciar seus recursos, um ponto importante foi a promulgao da Lei Complementar n 123/2006 (Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte), que, para alguns, interfere na alquota do ISSQN municipal e pode se tornar fonte de discusso quanto ingerncia do legislador federal na autonomia municipal. O STF julgou a constitucionalidade da cobrana de ISS sobre servios de registros pblicos, cartorrios e notariais (item 21 da Lista de Servios da Lei Complementar n 116/2003), confirmando que a competncia municipal para tributar esses servios (ADIn n 3.089-2) no invade a competncia dos Estados para disciplinar e fiscalizar esses servios pblicos. Outro marco bsico da autonomia municipal consiste na competncia constitucionalmente deferida para legislar sobre assuntos de interesse local. O interesse local deve ser compreendido como aquele que seja predominantemente municipal. Tudo o que interessar de modo predominante ao Municpio, em relao ao Estado (regio) e Unio (nacional), ser de interesse local e, conseqentemente, de competncia legislativa municipal. Cabe ainda ao Municpio suplementar a legislao federal e estadual, no que for pertinente, especialmente em relao a algumas matrias listadas no art. 24 da Constituio: direito tributrio, financeiro e urbanstico; oramento; florestas, caa, pesca, fauna, conservao da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteo do meio ambiente e controle da poluio; proteo do patrimnio histrico, cultural, artstico, turstico e paisagstico; 11

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responsabilidade por danos ao meio ambiente e a bens e direitos de valor artstico, esttico, turstico e paisagstico; educao, cultura, ensino e desporto; proteo e defesa da sade; proteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia; proteo infncia e juventude. Tais matrias so de competncia legislativa concorrente para a Unio, que ditar normas gerais, e para o Estado, que expedir normas regionais. O Municpio suplementar com normas de interesse local. Em termos prticos, a autonomia do Municpio significa que o Governo Municipal no est subordinado a qualquer autoridade estadual ou federal no desempenho de suas atribuies e que as leis municipais, sobre qualquer assunto de sua competncia expressa, prevalecem sobre as leis federais e estaduais, inclusive sobre a Constituio Estadual, em caso de conflito.

Competncia do MunicpioComo j foi dito, a parcela de competncia que cabe ao Municpio, na distribuio feita pela Constituio, est consubstanciada nos atributos de sua autonomia e de sua condio como pessoa de direito pblico interno. No que diz respeito ao seu Governo, cabe aos eleitores eleger os seus responsveis, ou seja, o Prefeito, o Vice-Prefeito e os Vereadores. Quanto instituio e arrecadao dos tributos de sua competncia, bem como aplicao de suas rendas, deve o Municpio obedecer a determinados preceitos constitucionais e s normas gerais de direito tributrio e financeiro constantes da legislao federal respectiva, especialmente do Cdigo Tributrio Nacional (Lei n 5.172/66), da Lei n 4.320/64 e da Lei Complementar n 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Quanto organizao dos servios pblicos locais, lcito ao Municpio faz-lo da forma que lhe parea melhor, observadas algumas normas contidas na Constituio da Repblica. Assim, por exemplo, a Prefeitura pode ser organizada em secretarias, departamentos, divises, sees, servios, coordenadorias, segundo o tamanho e as necessidades da Administrao Municipal. Pode o Municpio organizar seu quadro de pessoal, seu sistema de arrecadao de tributos, de fiscalizao de suas posturas e de outras reas que esto sob sua competncia, enfim, de toda a sua administrao como lhe convier, sem ter de obedecer a padres impostos pelo Estado ou pela Unio, salvo raras excees que, entretanto, nunca se referem estrutura administrativa. Saliente-se que a Administrao Pblica, seja direta, indireta ou paraestatal, dever obedecer aos princpios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia, alm de s normas contidas nos arts. 37 e seguintes da Constituio Federal. Ao Municpio compete, enfim, prover a tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse e ao bem-estar de sua populao, cabendo-lhe, entre outras, as seguintes atribuies:

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I - elaborar o seu oramento anual, o plano plurianual de investimentos e a lei de diretrizes oramentrias, no que observar a Lei n 101/2000; II - instituir e arrecadar tributos; III - fixar, fiscalizar e cobrar preos; IV - dispor sobre a organizao, a administrao e a execuo servios; V - organizar os quadros de servidores e instituir o regime jurdico; VI - dispor sobre a administrao e a utilizao dos servios pblicos locais; VII - planejar o uso e a ocupao do solo em seu territrio, especialmente em sua zona urbana; VIII - estabelecer normas de construo, de loteamento, de arruamento e de zoneamento urbano, bem como as limitaes urbansticas convenientes ordenao do seu territrio, respeitadas a legislao federal e estadual pertinentes, especialmente a Lei n 10.257, de 10/07/01, conhecida como Estatuto da Cidade; IX - conceder licena para localizao e funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais, prestadores de servios e quaisquer outros, renovar a licena concedida e determinar o fechamento de estabelecimentos que funcionem irregularmente; X - estabelecer servides administrativas necessrias aos seus servios, inclusive aos dos seus concessionrios; XI - regulamentar a utilizao dos logradouros pblicos e determinar o itinerrio e os pontos de parada dos transportes coletivos; XII - fixar os locais de estacionamento de txis e demais veculos; XIII - regulamentar, conceder, permitir ou autorizar os servios de transporte coletivo e de txis, fixando as respectivas tarifas; XIV - fixar e sinalizar as zonas de silncio e de trnsito e trfego em condies especiais; XV - disciplinar os servios de carga e descarga e fixar a tonelagem mxima permitida a veculos que circulam em vias pblicas municipais; XVI - tornar obrigatria a utilizao da estao rodoviria, quando houver; XVII - sinalizar as vias urbanas e as estradas municipais, bem como regulamentar e fiscalizar sua utilizao; XVIII - realizar, direta ou indiretamente, a limpeza de vias e logradouros pblicos, a remoo e o destino do lixo domiciliar e de outros resduos de qualquer natureza; XIX - ordenar as atividades urbanas, fixando condies e horrios para funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais e de servios, observadas as normas federais pertinentes; de seus

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XX - dispor sobre os servios funerrios e de cemitrios; XXI - regulamentar, licenciar, permitir, autorizar e fiscalizar a afixao de cartazes e anncios, bem como a utilizao de quaisquer outros meios de publicidade e propaganda, exercendo o seu poder de polcia administrativa; XXII - cassar a licena que houver concedido, quanto a estabelecimento que se tornar prejudicial sade, higiene, ao sossego, segurana ou aos bons costumes, fazendo cessar a atividade ou determinando o fechamento do estabelecimento; XXIII - organizar e manter os servios de fiscalizao necessrios ao exerccio do seu poder de polcia administrativa; XXIV - dispor sobre o depsito e a venda de animais e mercadorias apreendidos em decorrncia de transgresso de legislao municipal; XXV - estabelecer e impor penalidades por infrao de suas leis e regulamentos; XXVI - promover, entre outros, os seguintes servios: a) mercados, feiras e matadouros; b) construo e conservao de estradas e caminhos municipais; c) transportes coletivos estritamente municipais; d) iluminao pblica; XXVII - assegurar a expedio de certides requeridas s reparties administrativas municipais, para defesa de direitos e esclarecimento de situaes, estabelecendo os prazos de atendimento; XXVIII - instituir a Guarda Municipal destinada proteo de seus bens, servios e instalaes. Alm das atribuies acima mencionadas, o Municpio possui competncia para atuar em todos os campos previstos no art. 30 da Constituio.

Conceituao jurdica do MunicpioOs contornos gerais dessa conceituao esto inscritos na prpria Constituio Federal, quando erigiu o Municpio em entidade estatal, participante do sistema federativo nacional, como um de seus nveis de Governo, com autonomia prpria para gerir os assuntos de seu interesse. Especificando a qualidade que possui o Municpio e dando fora de direito positivo colocao constitucional, preceitua o Cdigo Civil (Lei n 10.406, de 10/01/02), em seu art. 41, que so pessoas jurdicas de direito pblico interno todos os Municpios legalmente constitudos. oportuno lembrar que os distritos no so pessoas jurdicas, mas simples divises administrativas do territrio municipal. O Municpio, como pessoa jurdica, possui capacidade civil, que a faculdade de exercer direitos e contrair obrigaes.

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A criao e incorporao, a fuso e o desdobramento de Municpios, conforme o 4 do art. 18 da Constituio, com a redao da Emenda Constitucional n 15/96, far-seo por lei estadual, observados os requisitos de lei complementar federal, e dependero de consulta prvia, mediante plebiscito, s populaes dos Municpios envolvidos, aps divulgao dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Em sendo entidade estatal, a criao de Municpio decorre imediatamente da lei, independentemente de qualquer espcie de registro. Criado o Municpio, sua instalao se dar junto com a posse dos seus Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores. O domiclio civil do Municpio o do seu distrito sede. O foro o da comarca ou termo judicirio a que pertencer seu territrio, vez que nem sempre o Municpio sede judiciria. Depende, portanto, da lei estadual de organizao territorial, administrativa e judiciria, que estabelece os limites territoriais da jurisdio e dos juizes. So comuns casos de mais de um Municpio sob a jurisdio de uma determinada comarca.

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SEO I - CAPTULO 2 ATOS DE IMPRIO: PODER DE POLCIA E INTERVENO NA PROPRIEDADE Conceito de poder de polciaNingum possui direitos absolutos. Todos eles devem ser ponderados com os interesses da coletividade e dos outros cidados. Da a possibilidade de o Poder Pblico limit-los e disciplin-los, regulando-lhes a prtica ou a absteno, com vistas satisfao de todos. Poder de polcia , para Caio Tcito, o conjunto de atribuies concedidas Administrao Pblica, com vistas ao disciplinamento e restrio, em benefcio do interesse pblico, dos direitos e liberdades das pessoas 1 . Constitui-se, no dizer de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, na atividade do Estado consistente em limitar o exerccio dos direitos individuais em benefcio do interesse pblico 2 . Considera-se poder de polcia, nos precisos termos da definio legal, contida no art. 78 do Cdigo Tributrio Nacional (Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966, com redao introduzida pelo Ato Complementar n 31, de 29 de dezembro de 1966), a atividade da Administrao Pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ou a absteno de fato, em razo de interesse pblico, concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou autorizao do Poder Pblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. importante que no se confunda a polcia administrativa com a polcia judiciria: enquanto a primeira incide sobre os bens, direitos e atividades das pessoas e, via de regra, se exaure em si mesma, a polcia judiciria atua sobre os indivduos que cometem delitos criminais e preordena a funo jurisdicional penal, sendo atribuio privativa dos rgos de segurana pblica (por exemplo, polcias civil e militar) que, como sabido, no integram a estrutura do Municpio. Possui o Municpio poder de polcia administrativa, incidente sobre os bens, direitos as atividades das pessoas, visando conter abusos e evitar a prtica de atos contrrios ao interesse pblico, o que far nos limites de sua competncia. Decorre, pois, o poder de polcia do Municpio do dever que a Administrao Pblica tem de garantir o bem-estar da coletividade e de proteger os direitos de todos os cidados. Seu fundamento jurdico est na Constituio ou nas leis, conforme o caso. Por meio desse poder, regula-se o comportamento humano, restringem-se direitos e disciplina-se o uso de bens, de tal sorte que, garantindo-se o direito de algum, seja resguardado, ao mesmo tempo, o direito de todos, evitando-se que, usando um direito seu, algum venha a ferir o de outrem. Direito ao sossego; direito manuteno dos bons costumes; direito segurana; direito higiene; direito ordem; direito tranqilidade; direito ao respeito propriedade, direito privacidade. Todos so

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Direito administrativo. So Paulo: Saraiva, 1975, p. 141. Direito administrativo. 12 ed. So Paulo: Atlas, 2000, p. 110.

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interesses pblicos a serem protegidos pelo Poder Pblico por meio do exerccio do poder de polcia. O poder de polcia , pois, muito amplo, atuando em todos os sentidos e em todos os campos da atividade humana. Em mbito municipal, atua, por exemplo, sobre as edificaes, sobre os loteamentos, sobre os costumes, sobre os estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de servios, sobre a fauna, a flora, as guas, a atmosfera; em todas as matrias que digam respeito ao interesse local, enfim.

Regularidade do ato de polciaCondio essencial validade do ato de polcia a sua previso em lei, decorrncia, alis, do princpio constitucional de legalidade (arts. 5, II e 37 da Constituio do Brasil), segundo o qual ningum ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, seno em virtude de lei, ao mesmo tempo que a Administrao somente pode agir autorizada por lei. O ato de polcia h de estar, portanto, acobertado pela lei. Da porque, sem legislao urbanstica pertinente (Cdigos de Obras, de Zoneamento, de Loteamento, de Atividades, antigo Cdigo de Posturas etc.), no pode a Prefeitura, nesse campo, sair obrigando os muncipes a fazer isso ou aquilo, ou a deixarem de fazer. O ato de polcia ter de ser regular, ou seja, estar preso s determinaes legais, no podendo ser praticado sem a sua cobertura. Lei, aqui, material e formalmente lei. Outra condio de validade do ato a competncia. Competncia da Administrao e competncia da autoridade que o pratica. Se o Municpio no tiver competncia para dispor sobre determinada matria, ou para cuidar de determinado assunto, no ter, igualmente, competncia para praticar atos de polcia nesse campo. Do mesmo modo, a Unio e o Estado no podem exercer poder de polcia em questes da competncia municipal. O Municpio tem competncia para policiar, por exemplo, as construes, os loteamentos, a localizao de estabelecimentos (zoneamento) e o uso das praas e logradouros municipais. Assim, pode o Prefeito praticar atos nesse campo. No basta, porm, que o Municpio seja competente. preciso, tambm, que o ato seja praticado por autoridade competente. Autoridade competente a pessoa legalmente investida nas funes de policiar. Um fiscal de obras tem competncia para fiscalizar construes na cidade, sendo essa a sua atribuio primordial. Por isso, pode praticar atos de polcia nessa rea, tais como fiscalizar obras, exigir documentos, embargar construes, interdit-las, multar os responsveis etc. Por outro lado, embora seja o Municpio competente para isto, o professor da rede municipal no poder praticar tais atos, por no estar investido na funo fiscalizadora, no sendo, conseqentemente, autoridade competente. O ato de polcia deve ser praticado sem excessos, sem abuso ou desvio de poder, nos exatos limites da lei aplicvel. O abuso constitui arbtrio e o arbtrio vicia o ato da autoridade. No exerccio de seu cargo ou no desempenho de suas funes, a autoridade pblica haver de ter sempre a preocupao de no infringir quaisquer dos princpios que orientam a atividade da Administrao Pblica, tais como o da Moralidade, Impessoalidade, Eficincia e Publicidade (art. 37, caput da CRFB). Para

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tanto, importante que saiba distinguir o poder discricionrio do poder arbitrrio; em outras palavras, a discricionariedade do arbtrio. Discricionariedade a faculdade que o administrador possui de decidir sobre a convenincia, a oportunidade e o contedo do ato administrativo, dentro dos limites da lei. Assim, por exemplo, no momento em que o Prefeito nega alvar de autorizao para instalao de ponto de txi em determinada localidade, e o faz de acordo com a lei de zoneamento do Municpio e com fundamento no interesse pblico, est praticando um ato discricionrio vlido e legal. Arbtrio ao ilegal da autoridade, praticada, portanto, contra a lei ou fora dela, caracterizando abuso de poder. Utilizando ainda o exemplo acima, praticar abuso de poder a autoridade que negar a algum o aludido alvar por conta de mera inimizade particular, vindo a conced-lo em idnticos termos, na semana seguinte, a pessoa diversa. A discricionariedade, desde que praticada por autoridade legalmente constituda e competente, ato legtimo, vlido; o arbtrio sempre ilegtimo, nulo. Ressalte-se, ainda, que o grau de discricionariedade que a Administrao tem para exercer o poder de polcia diverso em cada campo da atividade do Poder Pblico. Em algumas hipteses, sua atividade plenamente vinculada, ou seja, atendidos os requisitos da lei para o exerccio de um direito pelo particular, a autoridade competente no pode neg-lo; constatada a prtica de determinada infrao administrativa, a autoridade no pode deixar de aplicar a sano prevista em lei. Em outros casos, a lei reserva ao administrador margem de liberdade para consentir ou tomar medidas fiscalizatrias ou sancionatrias com base em seu juzo de convenincia e oportunidade, o que far dentro dos limites da lei e da Constituio. O exerccio do poder de polcia h de ser sempre regular. Considera-se regular o exerccio do poder de polcia quando desempenhado pelo rgo competente, nos limites da lei aplicvel, com observncia do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionria, sem abuso ou desvio de poder (pargrafo nico do art. 78 do CTN).

Autoexecutoriedade e coercibilidadeO ato de polcia autoexecutvel, no sentido de que a Administrao tem a faculdade de decidir e executar diretamente a sua deciso, sem precisar recorrer ao Poder Judicirio, cabendo ao particular, agravado em seus direitos, pleitear a interveno da Justia, com vistas correo de eventual ilegalidade. A Prefeitura pode, portanto, agir de modo sumrio, nos exatos limites da lei, intervindo diretamente sobre direitos individuais, sem prvia autorizao judicial. Com fundamento nesse princpio de autoexecutoriedade, pode a prpria Prefeitura embargar obras, interditar atividades, cassar licenas, apreender produtos e adotar outras sanes de lei. No faria sentido sacrificar-se o interesse pblico, ou at deixlo a descoberto, com a exigncia de prvia manifestao da Justia, sobretudo porque, na maioria das vezes, a demora da ao judicial importaria em eliminar o prprio objetivo do ato, que o de proteger prontamente o interesse comum. Inerente a todo poder de polcia , sem dvida, sua auto-execuo. Notvel exceo autoexecutoriedade dos atos de polcia a cobrana de multas, que so tpicas sanes decorrentes do exerccio da funo de polcia administrativa. Caso o particular no as pague, deve a Administrao recorrer ao Poder Judicirio para executar o valor devido, j que o administrador no pode confiscar, apreender ou 18

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arrecadar bens de particulares a ttulo de compensao por dvidas oriundas da aplicao de sanes pecunirias. Alm de ser auto-executrio, o ato de polcia coercitivo, isto , imposto pela Administrao, que pode servir-se de fora pblica para garantir o seu cumprimento. O ato de polcia sempre manifestao de imposio, de coero, sendo, pois, obrigatrio para todos. Hely Lopes Meirelles ensina que o atributo da coercibilidade do ato de polcia justifica o emprego da fora fsica, quando houver oposio do infrator, mas no legaliza a violncia desnecessria ou desproporcional resistncia, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade 3 .

AlvarsAlvar o instrumento pelo qual o Poder Pblico manifesta a concesso de licena ou de autorizao para a prtica de determinados atos, o exerccio de certos direitos ou a localizao de estabelecimentos, quando dependentes de policiamento pela Prefeitura. O alvar representa sempre um ato de consentimento da Prefeitura pretenso de algum que se encontre sujeito ao seu poder de polcia. O alvar pode ser de licena ou de autorizao. Conceder-se- alvar de licena no caso de o cidado possuir o direito, cabendo Prefeitura apenas tornar vivel esse direito. Da dizer-se ser a licena ato declaratrio de direito e no constitutivo de direito. ato declaratrio porque, atravs dele, a Prefeitura no cria direito algum, apenas reconhece o direito do administrado e torna vivel o seu exerccio. Por isso, o alvar de licena definitivo, no sentido de que no pode ser invalidado, discricionariamente, pela Prefeitura, salvo em casos de expedio ilegal, de descumprimento de norma legal a que o licenciado deveria obedecer no seu exerccio, ou de interesse pblico relevante, nesta ltima hiptese mediante indenizao. Se algum possui um terreno e, no proibido pela lei, nele deseja construir, o direito de construir decorre da lei e no de um alvar da Prefeitura. O alvar ser mero ato vinculado de reconhecimento desse direito, quando exercitado com total obedincia s normas jurdicas. O alvar ser, portanto, de licena. Conceder-se- alvar de autorizao sempre que o interessado no possuir direito algum, passando o alvar a ser ato constitutivo desse direito. sempre precrio, no sentido de que pode ser invalidado a qualquer tempo, sem indenizao. A autorizao decorre do juzo de convenincia e oportunidade da Administrao, que poder conced-la ou no, discricionariamente. Exemplo de autorizao a concedida para montar em logradouro pblico banca de venda de jornais e revistas.

SanesDe nada valeria o poder de polcia municipal se no fosse ele dotado de instrumentos coercitivos, vale dizer, da capacidade de aplicar sanes, seja multa aos infratores das disposies municipais, seja o embargo das construes clandestinas ou em desacordo com as condies do licenciamento, seja a cassao do alvar ou a sua

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Direito administrativo brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1999, p. 122.

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anulao, seja ainda a interdio da atividade. Enfim, a lei dir quais as penalidades aplicveis a cada caso e o procedimento para faz-lo.

Manifestaes do poder de polcia municipalPolcia urbanstica

CONTROLE DAS EDIFICAES E DO PARCELAMENTO DO SOLOAo Municpio compete regulamentar as construes, especialmente em vista de sua localizao, segurana, higiene e esttica. O poder municipal, neste campo, bastante geral, abrangendo tanto as edificaes residenciais, comerciais e industriais, como os trabalhos de reforma e ampliao. Convm salientar que a Unio e o Estado tambm tm competncia para legislar sobre direito urbanstico. Trata-se de matria de competncia concorrente (art. 24, I e VI da Constituio da Repblica). A competncia do Municpio est expressa tanto no art. 182, quanto nos incisos I, II e VIII do art. 30. O parcelamento do solo urbano deve ser objeto de regulamentao municipal, evitando-se que, pelo desejo de lucros fceis, sejam promovidos parcelamentos e vendas de terrenos populao, sem antes serem dotados dos requisitos mnimos indispensveis habitao, ou sem reservar reas necessrias s praas, jardins, escolas e edifcios pblicos. O parcelamento do solo urbano, em seus aspectos gerais, disciplinado pela Lei Federal n 6.766, de 19 de dezembro de 1979, com suas alteraes, mas o estabelecimento de normas especficas de competncia do Municpio, que deve agir conforme as exigncias e necessidades locais. Os assuntos objeto deste item esto tratados com profundidade em captulo especfico deste Manual.

Normas de zoneamentoAs normas de zoneamento destinam-se a promover o aproveitamento racional do territrio do Municpio, determinando as zonas de localizao das indstrias, do comrcio e das residncias, bem como promovendo a distribuio da populao nos diferentes setores ou zonas. um dos principais instrumentos urbansticos ou de planejamento fsico local. O exerccio do poder de polcia no caso dos itens acima deve observar o que dispe o Estatuto da Cidade (Lei n 10.257/01), que regulamenta o art. 182 da Constituio Federal no que respeita ao desenvolvimento urbano, e que objeto de outro captulo, conforme dito acima.

Polcia da higiene pblicaO Municpio pode, no exerccio do seu poder de polcia, impor normas que visem a manter a higiene e a limpeza das vias pblicas, das habitaes particulares e coletivas, da alimentao, incluindo todos os estabelecimentos que fabriquem ou vendam bebidas e produtos alimentcios, os estbulos, cocheiras e pocilgas e delimitando as zonas onde estas atividades podem se instalar.

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importante ressaltar que a funo de polcia da higiene pblica representa cumprimento do dever constitucional de zelar pela sade da populao, sendo a vigilncia sanitria, inclusive, um dos campos de atuao do Sistema nico de Sade (Lei n 8.080/90). Portanto, deve o Municpio, nessa matria, obedecer aos limites de sua competncia, em particular aps a criao do Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria e da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria pela Lei n. 9.782/99.

HIGIENE DAS VIAS PBLICASToda a populao responde pela manuteno da higiene e da limpeza das ruas, praas e logradouros pblicos, devendo colaborar com a Prefeitura, qual incumbe prestar, diretamente ou sob concesso ou permisso, os servios de limpeza pblica. As leis municipais podem fixar toda uma srie de proibies, abrangendo no s o lanamento de lixo e detritos nas vias pblicas, como a lavagem de roupas e de veculos nos locais pblicos e, ainda, o transporte de portadores de molstias infectocontagiosas sem as precaues necessrias.

HIGIENE DAS HABITAESA falta de higiene nas habitaes pode pr em risco a sade no apenas de seus moradores, mas dos vizinhos e de toda a populao do Municpio. Por isso mesmo, da competncia municipal impor obrigaes concernentes ao asseio dos prdios, quintais, ptios e terrenos, remoo do lixo domiciliar, ao escoamento das guas pluviais, utilizao da rede de gua e esgoto, ou, na sua falta, construo de cisternas e fossas spticas.

HIGIENE DA ALIMENTAOO Municpio deve exercer, em colaborao com as autoridades sanitrias do Estado e da Unio, e supletivamente ao delas, a fiscalizao do comrcio e do consumo de gneros alimentcios, especialmente os de primeira necessidade ou facilmente perecveis. A ao municipal visar garantir no somente a qualidade dos alimentos, como a higiene e a limpeza de padarias, bares, cafs e restaurantes, e tambm de matadouros, aougues, mercados e feiras livres.

HIGIENE DOS ESTABELECIMENTOSA instalao de hotis, restaurantes, bares, cafs, sales de barbeiros, cabeleireiros, manicures etc., no territrio do Municpio, deve ser condicionada prvia autorizao, ficando sujeita s regras sanitrias impostas pela Prefeitura. Tratando-se de estabelecimento de utilizao coletiva, ser-lhe-o impostos procedimentos profilticos mais rigorosos, no sentido de impedir os contgios ou o aparecimento de focos endmicos ou etiolgicos.

Polcia de Costumes, Segurana e Ordem PblicaO Municpio responsvel pela manuteno dos bons costumes, da segurana e da ordem pblica em seu territrio, numa ao complementar do Estado, ao qual compete exercer a represso aos crimes e contraveno.

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MORALIDADE E SOSSEGO PBLICOSEm colaborao com as autoridades estaduais, o Municpio deve exercer vigilncia sobre bares, boates, cafs e estabelecimentos congneres, visando assegurar a moralidade e o sossego pblicos e atribuindo aos proprietrios a responsabilidade pela manuteno da ordem no local. Para garantir o sossego pblico, especialmente no perodo noturno, devem ser regulamentados no apenas os horrios de funcionamento dos locais de diverses pblicas, como a utilizao de instrumentos que produzam sons ou rudos excessivos, tais como motores de exploso, aparelhagens sonoras, buzinas, alto-falantes, apitos ou silvos de sereia de fbricas, sinos etc.

TRNSITO E TRFEGOO Municpio competente para fixar medidas que visem a manter a ordem e a segurana, bem como facilitar o trnsito de veculos e pedestres nas vias pblicas municipais. Ao Governo local incumbe estabelecer o sistema de mo e contramo, determinar o trajeto dos veculos de transporte coletivo municipal e estabelecer os pontos de txi e de parada dos coletivos, os horrios de carga e descarga, e regulamentar e fiscalizar o trfego nas estradas municipais. A Lei n 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Cdigo de Trnsito Brasileiro), dispe sobre a competncia municipal quanto a trnsito e trfego, devendo ser examinada para verificar a amplitude da atuao do Municpio.

EMPACHAMENTO DAS VIAS PBLICASO Municpio deve coibir a utilizao indevida das vias pblicas, quer em carter transitrio, como para depsito de materiais, construo de andaimes ou palanques, quer em carter permanente, para localizao de bancas de jornais, quiosques, barracas etc. Tais procedimentos somente devem ser permitidos mediante autorizao expressa e para fim determinado, obedecidas as posturas municipais pertinentes.

FISCALIZAO DE ANNCIOS E CARTAZESA explorao dos meios de publicidade, sobretudo nas vias e logradouros pblicos, fica sujeita fiscalizao da Prefeitura, que verificar sua possvel influncia na perturbao da ordem ou do sossego pblico e os prejuzos que possam causar aos aspectos paisagsticos da cidade, seus panoramas naturais, monumentos tpicos, histricos e tradicionais ou esttica dos edifcios.

MEDIDAS REFERENTES AOS ANIMAIS, S PLANTAS E AOS INSETOSO trnsito de animais nas vias pblicas e sua criao dentro do permetro urbano devem obedecer ao disposto nas leis municipais, no apenas pelos perigos que possam representar para a vida e a sade das pessoas, como pelas perturbaes que causam ordem pblica. O combate s plantas e aos insetos nocivos, pelo interesse pblico que representa, dever do Municpio, que, entretanto, pode torn-lo obrigatrio aos proprietrios de prdios e terrenos, especialmente quando se localizarem neles os focos de transmisso.

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HORRIO DE FUNCIONAMENTO DOS ESTABELECIMENTOSAo Municpio cabe fixar, em regra, o horrio de funcionamento dos estabelecimentos industriais, comerciais e de servios, respeitada a legislao do trabalho, bem como regulamentar o planto das farmcias e o exerccio do comrcio eventual ou ambulante, e estabelecer os dias e locais de funcionamento das feiras livres. A esse respeito, veja-se a Smula 645 do Supremo Tribunal Federal, que confirma a competncia municipal.

Polcia de Pesos e MedidasA competncia legislativa sobre padres de pesos e medidas privativa da Unio, por fora de dispositivo constitucional. O Decreto-lei n 240, de 28 de fevereiro de 1967, reserva ao Instituto Nacional de Metrologia e Qualidade Industrial INMETRO a competncia exclusiva para examinar, inicialmente, e aferir, periodicamente, qualquer medida ou instrumento de medir, dispondo ainda que os Estados e os Municpios somente poderiam desempenhar qualquer atividade metrolgica por expressa delegao do INMETRO. A viabilidade tcnica desse procedimento duvidosa num pas das dimenses do Brasil. O Municpio deveria assumir essa fiscalizao, ainda que no esteja rigorosamente aparelhado. Mais importante que a preciso tcnica, absoluta, a presena fiscalizadora do Poder Pblico para coibir os casos mais freqentes e grosseiros de fraudes.

Polcia FunerriaNesse campo, cabe ao Municpio a administrao dos cemitrios, bem como as disposies sobre sepultamento, exumao, cremao e trasladao de cadveres. A administrao dos cemitrios e a prestao de servios funerrios podem ser entregues a particulares, mediante concesso, permisso ou autorizao do Poder Pblico municipal.

Guarda MunicipalEstabelece o 4 do art. 144 da Carta de 1988 que o Municpio pode instituir guarda municipal, destinada proteo de seus bens, servios e instalaes, conforme dispuser a lei. Tais guardas no tm funes inerentes s polcias civis e militares, de sorte que no exercem funes de polcia judiciria nem de apurao de infraes penais e tampouco podem assumir policiamento ostensivo e de preservao da ordem pblica, embora muito se discuta hoje o assunto, inclusive com a expedio de lei federal que autoriza o uso de armamento pela guarda municipal. A funo da guarda municipal basicamente de polcia administrativa, com objetivo de dar proteo ao patrimnio e aos servios do Municpio. Com a expedio do Cdigo de Trnsito Brasileiro, a guarda municipal vem atuando tambm no controle do trnsito, inclusive cabendo-lhe a aplicao de multas nos limites da competncia municipal quanto ao assunto. Em 2003, a Lei n 10.826, conhecida como Estatuto do Desarmamento, alterada pela Lei n 10.867/04, autorizou que os integrantes das guardas municipais das capitais

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dos Estados, dos Municpios com mais de 500.000 habitantes e daqueles com populao entre 50.000 e 500.000 habitantes portassem armas. Neste ltimo caso, o porte somente pode ocorrer quando em servio, segundo os termos da lei. Trata-se de norma que visa a integrar as guardas municipais no sistema de segurana.

Interveno na propriedade privada IntroduoAntes de entrar no mago do tema em epgrafe, cabe registrar os fundamentos que legitimam o Estado a intervir no domnio econmico, limitando o uso ou retirando a propriedade privada de seu legtimo titular. Basicamente, dois so os princpios que legitimam essa interveno. O primeiro tem origem na soberania do Estado, que, comumente, se exerce sobre pessoas (jus imperium) e bens (domnio eminente). O segundo abrange a preponderncia do interesse coletivo sobre o individual. No uso dessa faculdade, o Poder Pblico intervm na propriedade privada, tendo sempre em vista a consecuo do bem comum. De dois modos se apresenta essa interveno: indiretamente, pelas limitaes administrativas, ou diretamente, pela requisio, pela ocupao temporria, pela servido administrativa, pelo tombamento e pela desapropriao, entre outras formas. A desapropriao, por ser a mais drstica forma de transferncia compulsria da propriedade particular para o Poder Pblico, receber maior ateno.

Desapropriao Conceito o procedimento pelo qual o Poder Pblico, por ato unicamente seu, fundado em interesse pblico, retira compulsoriamente um bem do patrimnio privado ou pblico e o transfere ao domnio pblico, mediante indenizao prvia, justa e em dinheiro.

LEGISLAOTrata-se de tema regulamentado pelo art. 22, inciso II, da Constituio Federal. Logo, sabena comum que a matria sobre desapropriao de mbito do direito substantivo e processual, da competncia legislativa da Unio, e sobre ele no se admite competncia supletiva dos Estados-membros 4 . Por conseguinte, os Municpios e os Estados-membros no podem legislar sobre o assunto. So muitos os dispositivos constitucionais e legais pertinentes, entre os quais destacam-se: Constituio Federal de 1988, arts. 5, inciso XXIV; 22, inciso II; 182 e 184; Decreto-lei n 3.365, de 21.06.41; Decreto-lei n 7.062, de 22.01.44; Lei n 2.786, de 08.12.60; Lei n 4.132, de 10.09.62; Lei n 8.629, de 25.02.93; Lei Complementar n 76, de 06.07.93; Lei Complementar n 88, de 23.12.96, alm de outros diplomas que alteram ou complementam os acima.

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FERREIRA, Pinto. Comentrios Constituio brasileira. V. II, So Paulo: Saraiva, 1990, p. 22).

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PROCEDIMENTO EXPROPRIATRIOFase declaratria a fase durante a qual o Poder Pblico manifesta sua inteno de adquirir determinado bem. Esta declarao, no caso de desapropriao por utilidade pblica, feita atravs de lei ou decreto (arts. 6 e 8 do Decreto-lei n 3.365/41), e na desapropriao por interesse social feita por decreto (art. 1 da Lei n 4.132/62). Inicia-se, basicamente, com a declarao de utilidade ou necessidade pblica ou de interesse social, mas s se torna efetiva com a indenizao. Logo, o ato declaratrio no se confunde com a desapropriao em si, que s se concretiza com a indenizao. Na verdade, a declarao tem por escopo primordial demonstrar que determinado bem pretendido pela Administrao Pblica, submet-lo fora expropriatria do Estado, delimitar em que condies encontra-se o bem e conferir ao Poder Pblico o direito de penetrar no imvel, nos termos do art. 7 do Decreto-lei n 3.365/41. Lembre-se que a penetrao acima descrita visar apenas a realizao de medies, a obteno de dados ou informaes para estudos, ou coisas afins, sem que sejam molestados os proprietrios, sob pena de responsabilidade. Fase executria Pode ser efetivada por acordo ou judicialmente. No primeiro caso, d-se quando, aps a declarao de utilidade pblica ou de interesse social, o expropriado aceita a oferta do expropriante sem que tenha necessidade de recorrer s vias judiciais. Assim, uma vez obtido o acordo, o Poder Pblico pagar ao proprietrio o preo ajustado, procedendo-se escritura pblica. Em verdade, nesta hiptese, a desapropriao processar-se- sob forma de uma compra e venda, qualificada apenas pela manifestao prvia da vontade de desapropriar. O segundo caso surge quando proposta a ao expropriatria. Nessa hiptese, pode haver acordo, se o expropriado aceita a oferta do expropriante, mas acordo em juzo, com homologao pelo Juiz. De outra parte, no havendo possibilidade de acordo, fato geralmente decorrente do desentendimento quanto ao preo do bem, a Administrao ou o expropriado devem provocar a manifestao da Justia, cabendo a esta determinar o valor exato a ser pago. Imisso provisria na posse Ocorre quando a Administrao tem urgncia em imitir-se na posse do bem. Dessa forma, no incio da lide, requer o Poder Pblico que o Juiz competente defira a imisso provisria, mediante depsito prvio de quantia obtida nos termos do art. 15 e seu 1 do Decreto-lei n 3.365/41, ou, em se tratando de imisso provisria na posse de prdios residenciais urbanos, nos termos do Decreto-lei n 1.075/70. importante lembrar que no se trata de transferncia definitiva da posse. Esta s ocorrer com o pagamento final da indenizao fixada pelo Juiz aps o arbitramento. A imisso definitiva na posse do bem somente se dar com o pagamento total do preo. Entretanto, concedida a imisso provisria, o expropriado deixar de fruir as vantagens do bem, desobrigando-se tambm de seus encargos civis, administrativos e tributrios, passando ao expropriante o direito de us-lo e dele gozar livremente.

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Prazo decadencial e caducidade da declarao Expedido o decreto expropriatrio, o Poder Executivo ter um prazo para efetivar a desapropriao, mediante acordo ou no. Esse prazo ser de cinco anos, em se tratando de hiptese de necessidade ou utilidade pblica, e de dois anos, no caso de interesse social. Tais prazos so decadenciais e comeam a correr da data da expedio do respectivo decreto. Esgotado o prazo sem que a desapropriao tenha sido efetivada, o decreto expropriatrio caducar, ex vi do art. 10 do Decreto-lei n 3.365/41.

PRESSUPOSTOS DA DESAPROPRIAOA Constituio da Repblica arrola trs pressupostos para o exerccio do poder expropriatrio: necessidade pblica, utilidade pblica e interesse social (arts. 5, inciso XXIV, 182 e 184). De incio, no se pode deixar de registrar que o fundamento nodal de toda desapropriao a finalidade pblica. Jamais poder-se- admitir uma desapropriao por interesse individual ou particular. Logo, toda desapropriao h de satisfazer interesse social e coletivo. Segundo prescreve o inciso XXIV do art. 5 da Constituio, a desapropriao pode dar-se por necessidade ou utilidade pblica ou por interesse social. Por necessidade pblica, entende-se a desapropriao efetivada para resolver problemas urgentes, inadiveis ou fundamentais do Estado. Por utilidade pblica, quando a utilizao do bem for til ou vantajosa ao interesse pblico, mas no imprescindvel. J a desapropriao por interesse social opera-se quando a retirada unilateral do bem visa a solucionar problemas de bem-estar social ou promover a justa distribuio da propriedade. O desrespeito a tais pressupostos jurdicos vicia irremediavelmente o ato. Ensina Hely Lopes Meirelles que a finalidade pblica ou o interesse social a exigncia constitucional para a legitimidade da desapropriao, no podendo haver desapropriao para atendimento de interesses privados, seja de pessoas fsicas, seja de organizaes particulares: O interesse h de ser do Poder Pblico ou da coletividade: quando o interesse for do Poder Pblico, o fundamento da desapropriao ser necessidade ou utilidade pblica; quando for da coletividade, ser interesse social. Da resulta que os bens expropriados por utilidade ou necessidade pblica so destinados Administrao expropriante ou a seus delegados, ao passo que os desapropriados por interesse social normalmente se destinam a particulares que iro explor-los segundo as exigncias da coletividade, embora em atividade da iniciativa privada, ou us-los na soluo de problemas sociais de habitao, trabalho e outros mais 5 (grifos do original). So casos de necessidade pblica: a segurana nacional; a defesa do Estado; o socorro pblico em caso de calamidade; a criao e melhoramento de centros de populao e seu abastecimento regular de meios de subsistncia.

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Direito administrativo brasileiro. So Paulo: Malheiros, 1999, p. 542.

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So casos de utilidade pblica, entre outros: assistncia pblica, obras de higiene e decorao, casas de sade, clnicas, estaes de clima e fontes medicinais; explorao ou conservao de servios pblicos; abertura ou conservao de vias ou logradouros pblicos; execuo de planos de urbanizao; loteamento de terrenos, para sua melhor utilizao econmica, higinica ou esttica; construo ou ampliao de distritos industriais (Lei n 6.602/78); funcionamento dos meios de transporte coletivo; preservao e conservao de monumentos histricos e artsticos, de arquivos e documentos; proteo de paisagens; construo de edifcios pblicos, monumentos, cemitrios, estdios etc. So casos de interesse social: construo de casas populares; aproveitamento de bem improdutivo ou explorado sem correspondncia com as necessidades de habitao, trabalho e consumo dos centros de populao a que deva ou possa suprir por seu destino econmico; proteo do solo e preservao de cursos e de mananciais de gua e de reservas florestais. O Municpio pode desapropriar o bem quando ele no atende funo social da propriedade, conforme dispe o art. 182 da Constituio. Trata-se de hiptese justificada pelo interesse social, devendo a Administrao ater-se s condies estipuladas na Carta Magna e no Estatuto da Cidade. Indenizao A indenizao, por fora do que dispe o art. 5, XXIV da Constituio Federal, deve ser prvia, justa e em dinheiro. A indenizao deve ser prvia, no sentido de ser paga antes de o Poder Pblico entrar na posse do bem expropriado, ou ser feito o depsito em juzo, em caso de urgncia. Deve ser justa, isto , refletir o valor real e atual do bem, poca do pagamento. Assegura a Constituio que o patrimnio do expropriado fique indenizado, embora o bem imvel que nele exista seja trocado pelo bem dinheiro. Assim, diz-se que a indenizao justa quando h a recomposio do patrimnio do expropriado, e tal se d quando de um lado figura o bem expropriado e, do outro, todos os prejuzos emergentes e lucros cessantes decorrentes da transferncia da propriedade. Deve ser em dinheiro (vale dizer, em moeda corrente). A prpria Constituio no admite que se pague um tosto a menos, no se aceitando a indenizao em ttulos da dvida pblica, ou qualquer outro modo que no o pagamento em moeda nacional. Alerte-se, apenas, para as excees a esta regra, previstas nos arts. 182 e 184 do Texto Constitucional. Bens expropriveis O art. 2 do Decreto-lei n 3.365/41 deixa claro que todos os bens podem ser sujeitos a desapropriao, sejam mveis ou imveis, inclusive coisas imateriais, como o caso dos direitos reais. O Municpio somente pode desapropriar bens particulares. No pode desapropriar bens do Estado-membro, da Unio ou mesmo de suas autarquias, fundaes ou sociedades de economia mista. Alis, outra no posio do Superior Tribunal de Justia, verbis:

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Desapropriao. Municpio. Sociedade de economia mista. Por lei, tendo a Unio Federal participao majoritria na sociedade de economia mista, patenteado est o seu interesse. No pode, por conseqncia, o Municpio desapropriar rea da sociedade sob pena de desrespeito ao estruturamento hierrquico do Estado (RDA 187:249). Em geral, a desapropriao feita em benefcio da prpria Administrao direta. Entretanto, nada impede que seja em favor de uma autarquia, sociedade de economia mista, empresa pblica ou de um concessionrio ou delegado do Poder Pblico, que exera atividade de utilidade pblica. A desapropriao poder abranger a rea contgua necessria ao desenvolvimento da obra a que se destina. Se, por hiptese, isto ocorrer, a rea contgua deve ser includa no ato declaratrio de utilidade pblica (art. 4 do Decreto-lei n 3.365/41). Poder tambm abranger as zonas que se valorizam extraordinariamente, em conseqncia da realizao do servio. Em ambas as hipteses, a declarao de utilidade pblica deve compreend-las, mencionando-se quais as indispensveis continuao da obra e as que se destinam revenda. Desvio de finalidade Todo ato administrativo tem, como um de seus elementos, a finalidade: o fim pblico que o ato visa atingir. Na desapropriao no diferente. Assim, sem finalidade pblica, traduzida pela necessidade ou utilidade pblica, ou pelo interesse social, no pode haver desapropriao. D-se o desvio de finalidade quando o bem expropriado toma destinao diversa daquela que atenderia ao interesse pblico, como o caso da transferncia do bem a particular, sem serventia pblica. Vale acrescentar que o bem expropriado para determinada finalidade pblica pode ser usado em outra finalidade (em vez de hospital, optou-se por construir escola), desde que igualmente pblica ou, ento, social ou coletiva. Dessa forma, para a maioria dos autores s h desvio de finalidade quando o interesse pblico (construo de posto mdico) substitudo por interesse privado ou motivo de natureza pessoal (construo do busto de personalidade do Municpio, por exemplo). Por fim, se a desapropriao for ilegtima, qualquer que seja o motivo (desvio de finalidade, inexistncia de interesse pblico etc.), o interessado poder obter na Justia a sano que o ato merece, qual seja, sua nulidade.

Demais Formas de IntervenoJ se viu que inmeras so as formas de interveno na propriedade privada. Entre elas destacam-se ainda: as limitaes administrativas, a requisio, a ocupao temporria, as servides administrativas e o tombamento. Por limitao administrativa entende-se a interveno feita pelo Poder Pblico na propriedade privada de forma genrica, abstrata e gratuita, impondo, geralmente, um dever de absteno, ou seja, uma obrigao de no fazer.

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plenamente legtimo o exerccio por parte do Municpio de seu poder para criar respeitado o princpio da legalidade restries ao exerccio das faculdades outorgadas ao titular de domnio sobre bens. A aplicao da limitao administrativa simplesmente impede ao proprietrio do bem o exerccio de uma ou mais daquelas faculdades que compem o direito real sobre a coisa durante o perodo de tempo no qual a dita limitao estiver em vigor. Logo, a propriedade no afetada na sua exclusividade, mas no seu carter de direito absoluto, pois o proprietrio no reparte, com terceiros, os seus poderes sobre a coisa, mas, ao contrrio, pode desfrutar de todos eles, da maneira que lhe convenha, at onde no esbarre com bices opostos pelo poder pblico em prol do interesse coletivo 6 . A requisio administrativa consiste, basicamente, na utilizao temporria pelo Poder Pblico de bens mveis, imveis ou servios privados, com o propsito de atender a necessidades urgentes e iminentes da Administrao, tais como calamidade pblica, perturbao social etc. Por tratar-se de procedimento unilateral e auto-executrio, dispensa autorizao judicial. Segue-se que a indenizao, no caso de dano (art. 5, XXV, da CF de 1988), feita a posteriori. A no concretizao de perigo pblico iminente desfigura o instituto, tornando a requisio um ato arbitrrio da Administrao responsvel por sua decretao. J a ocupao temporria a forma de limitao do Estado propriedade privada que se caracteriza pela utilizao transitria, gratuita ou remunerada, de imvel de propriedade particular, para fins de interesse pblico 7 . Difere da requisio pelo fato de a ocupao ser feita sempre em bem imvel e de poder ser ou no gratuita. No se admite em hiptese alguma eventuais alteraes prejudiciais propriedade particular ocupada. Como exemplos, pode-se mencionar o uso temporrio de prdios particulares pela Justia Eleitoral, no perodo de eleio; a ocupao de casas ou terrenos particulares no caso de incndio ou inundao; o isolamento de determinada rea, nos casos de possvel propagao de molstias contagiosas, como a malria, clera, meningite etc. Por envolver bem imvel de propriedade privada, entende o Supremo Tribunal Federal que a ocupao temporria deve ser precedida de ato declaratrio de utilidade pblica (STF, RDA, 135:192). Outro modo de interveno direta na propriedade a servido administrativa. Trata-se de restrio ao direito real de gozo, institudo sobre imvel de propriedade particular, com base em lei, acordo ou sentena judicial, por entidade pblica. A servido ser indenizvel, desde que, v.g., o prdio serviente ou seu proprietrio sofra qualquer prejuzo. Em no havendo prejuzo algum, permanente ou temporrio, a servido administrativa imposta gratuitamente. O tombamento um procedimento administrativo de competncia privativa do Chefe do Poder Executivo, dividido, geralmente, em duas fases: a primeira consiste na declarao, por decreto executivo, de que determinado bem possui valor histrico, artstico, cultural ou paisagstico, devendo, por isso, ser preservado. A segunda a

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DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 12a. ed. So Paulo: Atlas, 2000, p. 126. DI PIETRO. Idem, p. 126.

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inscrio no Livro do Tombo, onde devem estar especificados todos os atos inerentes ao tombamento. O tema est presente em mais de um dispositivo da Constituio Federal (arts. 23, I, III e IV; 30, IX; e 216). No pode o Municpio, no entanto, legislar sobre a matria. A essa concluso chega-se no somente pela leitura do art. 24, inciso VII, como tambm da parte final do art. 30, IX, todos da Lei Maior. Inobstante o acima exposto, pode o Municpio efetuar a qualquer momento o tombamento em defesa de seu patrimnio histrico, arqueolgico, ecolgico, paleontolgico ou artstico, de suas paisagens ou de sua cultura, desde que observe a legislao federal e estadual respectiva, sendo aquela composta, basicamente, pelo Decreto-lei n 25, de 30/11/37. O tombamento no interfere, em princpio, no domnio e na posse do bem, tampouco pode constituir-se em retirada do seu direito de uso, sendo apenas limitao ao direito de propriedade, naquilo que for necessrio preservao do bem.

Efeitos da interveno na atuao urbansticaA Constituio de 1988 trouxe grandes inovaes sobre o presente assunto, sobretudo no que diz respeito poltica urbana municipal, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Em razo das variadas alteraes no sistema de diviso de competncias legislativas e administrativas dentro da Federao brasileira, tem-se que a competncia para legislar sobre matria urbanstica ficou dividida nos arts. 21, XX; 24, I; 30, VIII; e 182). O legislador, no entanto, atento necessidade de deixar ao nuto do administrador local e regional a competncia sobre direito urbanstico, fez inscrever no Texto Constitucional ( 1 do art. 24 e inciso I do art. 30) um postulado de irrecusvel importncia, qual seja, delegou ao legislador estadual e municipal a competncia para suplementar, dentro de seu mbito de atuao, as normas de carter genrico editadas pela Unio. Dessa forma, perfeitamente possvel ao Municpio editar normas locais que venham a atender s peculiaridades das comunas, desde que se coadunem com as normas gerais vigentes, ex vi da lei federal sobre parcelamento do solo urbano e do Estatuto da Cidade. O parcelamento do solo urbano encontra-se regulado pela Lei n 6.766, de 19/12/79, alterada pela Leis n 9.785, de 29/01/99, e 10.932, de 03/08/04, e alcana, apenas, o parcelamento do solo para fins urbanos, em zonas urbanas ou de expanso urbana definidas em lei municipal. De outra parte, no parcelamento em zonas rurais, no tem aplicao a Lei n 6.766/79. Sobre as mesmas incidir a legislao federal, mais especificamente o Estatuto da Terra (Lei n 4.504/64) e o Decreto n 59.428/66, que em seus dispositivos estabelecem as hipteses em que se verificar a possibilidade de loteamentos rurais destinados urbanizao, industrializao e formao de stios de recreio. Cumpre lembrar que so formas de parcelamento do solo o loteamento, o arruamento, o desmembramento, o desdobramento e o reparcelamento. O loteamento, por envolver a subdiviso de gleba em lotes destinados a edificao, com abertura de 30

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novas vias de circulao, de logradouros pblicos ou modificaes de vias j existentes, constitui uma das formas de parcelamento urbanstico mais utilizadas na atualidade. Por fim, no se pode deixar de lembrar que o Poder Pblico municipal possui em suas mos um dos instrumentos mais eficazes para a execuo de sua poltica de desenvolvimento e expanso urbana, qual seja a elaborao de seu plano diretor (CF, art. 182) e da legislao que o complementa, conforme ordena o Estatuto da Cidade, devendo ser lido o captulo deste livro dedicado ao assunto.

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SEO I CAPTULO 3 RELAES INTERGOVERNAMENTAIS Relaes entre os nveis de GovernoA Constituio de 1988 propiciou novo padro nas relaes que se estabelecem entre os trs entes que compem a Federao. At ento, a concentrao de poderes e recursos em mos da Unio fazia com que o pas historicamente se defrontasse com uma Federao pouco equilibrada, onde Estados e Municpios tinham de assumir um comportamento de dependncia, especialmente financeira, frente ao Governo Federal. A necessidade de articulao entre as diferentes esferas de Governo sempre se fez presente, mas ocorria de forma distorcida. A partir de 1988, teve-se uma oportunidade histrica de consolidar as relaes intergovernamentais, de modo a assegurar a operacionalizao adequada dos mecanismos indispensveis ao funcionamento do sistema federativo de Governo. Afinal de contas, o federalismo brasileiro tem-se concretizado, desde 1934, por acordos e pactos, negociaes entre os diferentes Governos, substituindo o antigo federalismo dual e isolacionista pelo chamado federalismo cooperativo. As regras de distribuio de recursos pblicos definidas na Constituio por si s indicam como se do as relaes financeiras entre a Unio, os Estados e os Municpios. Entretanto, deve-se recordar que as relaes intergovernamentais no se restringem apenas s de carter financeiro. H relaes de cunho tcnicoadministrativo e poltico-institucional que assumem papel relevante no ordenamento do sistema. Cabe, tambm, destacar que as relaes verticais entre esferas de Governo devem ser complementadas com articulaes no plano horizontal. Tratam-se das relaes entre as unidades da mesma esfera de Governo, sejam Estados ou Municpios. Isso pode complementar as relaes verticais e propiciar a cooperao intergovernamental para prestao de servios populao mais justa e equnime, num trabalho conjunto de Governos.

Novos encargos, novas relaesA descentralizao financeira estabelecida pela Constituio em vigor trouxe novos recursos para os Governos municipais. Dessa maneira, as relaes financeiras entre a Unio, os Estados e os Municpios se alteraram substancialmente, provocando mudanas tambm nas articulaes poltico-institucionais e tcnico-administrativas. Alm disso, a prpria Constituio, em vrios de seus dispositivos, trata da distribuio de encargos entre os nveis de Governo, o que se reflete diretamente nas relaes intergovernamentais. No ttulo destinado organizao do Estado, tm-se as competncias da Unio, dos Estados e dos Municpios. No captulo referente Unio feita meno s competncias comuns aos trs nveis de Governo. Incluem-se a questes que abrangem vrias atividades governamentais, tais como: preservao do patrimnio pblico, sade, assistncia pblica, proteo e garantia aos portadores de deficincia, patrimnio histrico e cultural, acesso cultura, educao e cincia, proteo ao meio ambiente, produo agropecuria e abastecimento alimentar, construo de moradias e saneamento bsico, combate pobreza, direitos de

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pesquisa e explorao de recursos hdricos e minerais, educao para o trnsito e turismo. preciso que o Municpio atente para o fato de que a institucionalizao do sistema de competncias concorrentes no pode correr o risco de provocar superposies de comandos e de recursos, a no responsabilizao das agncias governamentais pela inexistncia ou inadequao dessas atividades e os conflitos interinstitucionais. Vale lembrar que o Texto Constitucional prev legislao complementar sobre a normatizao para a cooperao entre a Unio e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios..., mas at a edio deste trabalho a lei complementar no foi elaborada. Isso significa que, em muitas reas de atuao comuns aos trs nveis de Governo, continua a impossibilidade de se definir, no caso de inexistncia ou de insuficincia desses servios em muitos Municpios, sobretudo nos seus Distritos, qual nvel de Governo responsvel pelo problema. Como o Governo municipal est mais prximo do cidado, comum a demanda por esses servios, que lhe feita constantemente, sem que possa ser atendida. imprescindvel que os Governos municipais e estaduais se organizem de forma articulada para a defesa de seus interesses quando da elaborao dessa legislao. Quando trata das competncias municipais, a Constituio expressa, de forma bem clara e explcita, as relaes entre os nveis de Governo. Nas reas de sade e educao, cujos servios so prestados pelo Municpio, so feitas referncias diretas cooperao tcnica e financeira da Unio e do Estado. No ttulo da Ordem Social, a relao intergovernamental se apresenta ntida no caso dos servios de assistncia social. Aparece a certa distribuio de funes entre os nveis de Governo, cabendo Unio os papis de coordenao, ficando a execuo a cargo dos Governos Estaduais e Municipais. Ressaltam dois aspectos importantes, como no poderia deixar de ser, nos dispositivos constitucionais mencionados: a assistncia tcnica e a cooperao financeira. Ambas so questes definitivas para as relaes intergovernamentais. A assistncia tcnica sempre foi atividade de crucial importncia nas relaes que se estabelecem entre as unidades governamentais. Agora, mais do que nunca, assume posio especial, na medida em que Estados e Municpios se defrontam com novas responsabilidades repassadas pelo Governo Federal. Para o Municpio do maior interesse exigir a prestao dessa assistncia por parte dos Governos estadual e federal, de forma a possibilitar o aprimoramento de seus quadros tcnicos e administrativos e, assim, poder cumprir, adequadamente, suas responsabilidades. Com isto, poder garantir no apenas a continuidade da prestao de servios populao, mas tambm a melhoria da qualidade dos mesmos. O segundo ponto, da cooperao financeira, remete questo dos convnios, instrumento atravs do qual se processam as chamadas transferncias negociadas. Vejam-se, a propsito, outros captulos deste Manual em que essas questes so abordadas. Reafirma-se, aqui, a importncia de o Municpio se organizar para a defesa de seus interesses, evitando o uso inadequado dos convnios, para que a cooperao financeira parta de bases slidas e seguras, garantindo o fluxo regular, justo e democrtico de recursos.

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Ainda com respeito questo financeira, vale mencionar aspecto importante das relaes intergovernamentais. Trata-se do recurso ao crdito, que deve ser considerado instrumento importante para a continuidade dos programas de investimentos. A esto as agncias governamentais que dispem de recursos para emprstimos ao Municpio, como a Caixa Econmica Federal - CEF, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social - BNDES e o Banco do Brasil, fontes importantes de financiamento, notadamente para os programas da rea social e de infra-estrutura urbana. Do lado internacional, os projetos com o Banco Mundial - BIRD e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID so alternativas que, de forma articulada com os Governos estaduais, se apresentam s Administraes municipais de maior porte. preciso alertar, contudo, para o fato de que o recurso ao crdito no pode ser usado de forma indiscriminada e no planejada pelo Municpio. Uma avaliao precisa da capacidade de endividamento e, principalmente, da capacidade de pagamento dos emprstimos fator de absoluta relevncia para a utilizao desse tipo de mecanismo de financiamento. evidente que isso deve estar associado definio de prioridades da alocao desses recursos, de forma a ter-se endividamento municipal conseqente, que se reflita em benefcios ao atendimento s necessidades da populao.

Cooperao intermunicipalComo dito anteriormente, as relaes entre os nveis de Governo podem encontrar apoio substantivo na cooperao intermunicipal. fenmeno relativamente espalhado pelo Pas a associao de Municpios. A reunio de Municpios vizinhos, organizados em associaes microrregionais, com objetivo de aglutinao de esforos, fato de reconhecida importncia no desenvolvimento da conscincia municipalista no Brasil. As responsabilidades advindas da implantao da ordem constitucional ressaltam a necessidade de organizao dos Municpios no sentido de enfrentar as demandas da populao. As funes desempenhadas pelas associaes podem ser de grupos de presso, de prestao de servios e de articulao com outras esferas de Governo. A organizao de determinado nmero de Municpios em torno de entidade nica pode significar excelente instrumento de presso para o encaminhamento de reivindicaes de ordem tcnica, financeira ou poltico-institucional. Ao mesmo tempo, fator de coeso que estimula a conscincia do papel desempenhado pelas Administraes municipais enquanto agentes de desenvolvimento do pas. A prestao de servios a partir de associaes municipais pode se dar em vrias frentes. A formao de equipes tcnicas com quadros qualificados, a aquisio e manuteno de equipamentos para o uso das Municipalidades associadas ou mesmo a prestao de servios nas reas sociais (escolas tcnicas, hospitais e clnicas especializadas, por exemplo) certamente so fontes de economia de recursos e de possibilidades de ampliao e melhoria das funes governamentais. Como articuladoras entre os Governos Municipais e as outras instncias de Governo, as associaes municipais podem desempenhar papel de extrema valia. Ao encaminhar demandas e participar da elaborao e implementao de planos estaduais e regionais, as associaes esto contribuindo para a integrao do planejamento e a adequao do mesmo s realidades e aos interesses locais.

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No h frmulas prontas para a formao de grupos organizados de Municpios. Dependendo dos interesses e convenincias, h outras formas, como os consrcios, que se dedicam mais precisamente prestao de determinados servios temporrios ou permanentes.

Os consrciosOs consrcios intermunicipais comearam a surgir na dcada de 1990, como forma de arranjo institucional que viabiliza parcerias na soluo de problemas comuns dos Municpios sem que estes percam sua autonomia. As demandas criadas pelos programas de desenvolvimento local e pelos programas setoriais envolvendo articulao de territrios encontraram no consrcio boa soluo tanto do ponto de vista poltico quanto do ponto de vista administrativo. No campo do desenvolvimento local, os consrcios possibilitaram a formulao e a gesto integrada de planos de ao de desenvolvimento econmico e social, identificando e explorando as potencialidades dos diferentes Municpios e funcionando como agentes catalizadores de recursos, estimuladores da formao do capital social e articuladores da consolidao de cadeias produtivas no territrio. Programas de Governo voltados para o desenvolvimento sustentvel, tanto em mbito federal quanto em mbito estadual, tm incentivado a formao de consrcios, porque privilegiam recortes territoriais micro ou mesorregionais, onde existe a possibilidade de obter sinergia na ao de um conjunto de Municpios. Alm desta atuao mais abrangente, os consrcios podem servir tanto a aes pontuais quanto a aes de longo prazo em determinados setores ou em atendimento a demandas mais especficas. O caso mais caracterstico o da prestao de servios de sade. Os altos investimentos e os fluxos de utilizao de servios mdicos so compatibilizados, trazendo benefcios para o conjunto de Municpios. O prprio Sistema nico de Sade SUS consolidado na Constituio de 1988, com sua exigncia de recursos humanos e financeiros, tecnologia e infra-estrutura, impulsionou a formao de consrcios como a estrutura mais adequada para sua gesto. Servios de abastecimento e nutrio, transporte, informtica e capacitao tambm experimentaram reduo de custos e ganhos em racionalidade quando prestados de forma consorciada. Obras pblicas que interessam a vrios Municpios e que possam ter recursos compartilhados so outro espao de atuao natural dos consrcios. Finalmente, cabe mencionar a ao dos consrcios na rea de meio ambiente, onde podem se envolver com as questes de saneamento bsico e lixo ou mesmo o manejo integrado dos recursos de uma bacia hidrogrfica. Os consrcios, quaisquer que sejam seus objetivos e escopo, esto sujeitos aos princpios do caput do art. 37 da Constituio (legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficincia), aos controles externos do Poder Legislativo e Tribunal de Contas, por fora do art. 70 da Constituio, e s