manual formacao 2009 portugues

232
MANUAL DE FORMAÇÃO PESSOAL PARA OS MEMBROS DO MOVIMENTO HUMANISTA 1

Upload: tag

Post on 09-Nov-2015

299 views

Category:

Documents


40 download

DESCRIPTION

Manual

TRANSCRIPT

MANUAL DE FORMACION PESSOAL

MANUAL DE FORMAO PESSOAL

PARA OS MEMBROS DO

MOVIMENTO HUMANISTAINDICE

Introduo Geral1. Temas de estudo

Introduo aos temas de estudo

Temas do Humanismo Universalista

1. - Que hoje o Movimento Humanista

2. - O Documento do Movimento Humanista

3. - Antecedentes e pontos fundamentais do Humanismo Universalista

4. - A respeito do Humano

5. - A abertura social do ser humano

6. - A ao transformadora.

Temas sobre a superao do sofrimento

7. - Os temas do sofrimento

8. - Mudana e crise

9. - As virtudes

10. -A verdadeira solidariedade

Temas sobre a no-violncia

11. - As diferentes formas de violncia

12.- A violncia, o estado e a concentrao do poder

13.- A no-violncia ativa

Temas da Psicologia Humanista

14. - Psicologia Humanista (Parte I: O Psiquismo)

15.- Psicologia Humanista (Parte II: Esquema e Aparatos do Psiquismo)

16.- Psicologia Humanista (Parte III: a Conscincia e o eu)

17.- A realidade: paisagens e olhares

18.- Imagem e espao de representao

19.- As experincias guiadas

20.- A ateno

Anexo I: Sobre o Ponto de Vista, Descries, Resumos e Snteses.

2. Prticas de trabalho pessoal

Introduo s prticas de trabalho pessoal

Seminrios

1.- Seminrio N.1 sobre prticas atencionais

Anexo 1: Concluso sobre a ateno

Anexo 2: A ateno

2.- Seminrio N. 2 sobre prticas atencionais

Anexo 1: Aporte sobre a ateno

3.- Seminrio sobre as virtudes

4.- Seminrio sobre prticas de relaxamento

5.- Seminrio sobre os aforismos

6.- Seminrio sobre A experincia

7.- Seminrio sobre Violncia e No-violncia

Retiros

9.- Retiro sobre prticas de Relaxamento

10.- Retiro sobre prticas Psicofsicas

11.- Retiro sobre as Experincias Guiadas

12.- Retiro sobre o Espao de Representao

13.- Retiro sobre o Autoconhecimento

14.- Retiro sobre a Paisagem de Formao

15.- Retiro no 1 sobre Operativa: Catarse

Anexo 1: perguntas

Anexo 2: O psiquismo

Anexo 3: Apresentao do esquema do psiquismo

16.- Retiro no 2 sobre Operativa: Transferncia

Anexo: Anlise pessoal INTRODUO GERAL

O Movimento Humanista trabalha pelo desenvolvimento pessoal em funo da transformao social. Luta pela humanizao do mundo como fora internacionalista, antidiscriminatria, solidria e no-violenta na sua metodologia de ao.

Os aspectos doutrinrios de suas atividades e projetos se apiam na viso do Humanismo Universalista e faz desta viso o ponto de apoio para seu desenvolvimento e para a formao pessoal de seus membros.

Este Manual inclui uma srie de Temas de Estudo e Prticas recomendadas para todos os membros do Movimento que sentem a necessidade de avanar no crescimento e fortalecimento pessoal de forma simultnea ao desenvolvimento de seus projetos de transformao social.

Est organizado em duas grandes sees: 20 temas de estudo e 15 seminrios e retiros de trabalho pessoal.

Os temas desenvolvidos em ambas as sees resumem os aspectos tericos e prticos mais relevantes da doutrina Humanista.

Estes temas de estudo, retiros e seminrios de trabalho pessoal esto pensados para serem feitos nos Centros de Trabalho dos Parques de Estudo e Reflexo; por enquanto estes lugares, com seus espaos abertos e a Sala, resultam inspiradores para a experincia interna e o intercmbio enriquecedor. Quando no se dispe de um de nossos Parques nas proximidades, se considerar como Centro de Trabalho a todo lugar alugado temporariamente para realizar estes trabalhos.

Por ltimo, em cada um dos trabalhos se detalham as referncias bibliogrficas s quais cada pessoa pode dirigir-se com o fim de ampliar e aprofundar os temas tratados.

Equipe de Trabalho:

Vctor Piccininni; Karen Rohn; Gustavo Joaqun; Claudio Miconi; Edgardo Perez Aguirre; Hugo Novotny e Marcos Pampilln.

Centro de Estudos Punta de Vacas

15 de Maro de 2009TEMAS DE ESTUDOINTRODUO AOS TEMAS DE ESTUDO

Os Temas de Estudo incluem 20 temas formativos que resumem os aspectos mais importantes do pensamento e doutrina do Humanismo Universalista.

Foram ordenados em 4 sees temticas:

1. Temas do Humanismo Universalista

2. Temas sobre a superao do sofrimento

3. Temas sobre a no-violncia

4. Temas da Psicologia Humanista

Foram elaborados a fim de servirem como rdeas para a realizao de jornadas de estudo, reflexo e intercmbio entre os membros do Movimento Humanista, e tambm como temas de apoio para os seminrios e retiros que se realizam nos Centros de Estudo e Reflexo e que esto desenvolvidos na segunda seo deste manual (Prticas).

Os Temas de Estudo esto estruturados atendendo a facilitar o esclarecimento e a compreenso dos temas fundamentais do Humanismo Universalista. O aprofundamento dos temas aqui desenvolvidos se pode realizar apoiando-se na bibliografia que se detalha ao p de pgina de cada documento.

A ordem em que so expostos estes trabalhos, no implica uma ordem de importncia, nem uma ordem a ser seguida. Cada grupo de estudo abordar os mesmos atendendo s necessidades dos membros e ao momento de processo de cada um deles.

Estes temas podero ser estudados individualmente ou em equipe. Em todos os casos, recomenda-se o estudo deles seguindo as pautas do material titulado Sobre o Ponto de Vista, Descrio, Resumo e Sntese que se inclui no Anexo 1 deste manual.

TEMAS DO HUMANISMO UNIVERSALISTA

Tema de Estudo N 1

QUE HOJE O MOVIMENTO HUMANISTA?

Por acaso um refgio frente a esta crise geral do Sistema em que vivemos? Ser, talvez, uma crtica sustentada a um mundo que se desumaniza dia aps dia? Ser que uma nova linguagem e um novo paradigma, uma nova interpretao do mundo e uma nova paisagem? Representar uma corrente ideolgica ou poltica, uma nova esttica, uma nova escala de valores? Consistir em uma nova espiritualidade, em uma ao destinada a resgatar o subjetivo e o diverso na ao concreta? Ser que O Movimento a expresso de uma luta a favor dos despossudos, dos abandonados e os perseguidos? Ser que a manifestao dos que sentem a monstruosidade de que os seres humanos no tenham os mesmos direitos nem as mesmas oportunidades?

O Movimento tudo isso e muito mais. a expresso prtica do ideal de Humanizar a Terra e a aspirao de dirigir-se para uma Nao Humana Universal. o germe de uma nova cultura nesta civilizao que se faz planetria, e que ter que mudar seu rumo admitindo e valorizando as diversidades e dando a todo ser humano, pela dignidade que merece pelo simples fato de nascer, iguais direitos e idnticas oportunidades.

O Movimento Humanista a manifestao externa das profundas mudanas que esto operando no interior do ser humano que so a mesma histria: trgica, desconcertante, mas sempre em crescimento. uma dbil voz adiantada que anuncia os tempos que esto alm do ser humano que conhecemos. uma poesia e um arco de cores diversas. um David frente a um insolente Golias. a suavidade da gua frente dureza da rocha. a fora do dbil: um paradoxo e um Destino.

Meus amigos, ainda que no alcancemos imediatamente os resultados que esperamos, esta semente j existe e espera a chegada dos tempos vindouros. Para todos e de corao a corao, o desejo fervoroso da mudana social que se avizinha e a esperana da silenciosa mudana que alm de toda compulso, de toda impacincia, de toda aspirao violenta, alm de toda culpa e de todo sentimento de fracasso, j aninha na ntima profundidade de muitos humanistas.

BibliografiaMensagem pronunciada por Silo (fundador do Movimento Humanista) na reunio internacional realizada no estdio esportivo Obras Sanitrias de Buenos Aires, no dia 4 de Janeiro de 1998.

Tema de Estudo N 2

O DOCUMENTO DO MOVIMENTO HUMANISTA

Os humanistas so mulheres e homens deste sculo, desta poca. Reconhecem os antecedentes do Humanismo histrico e inspiram-se nas contribuies das diferentes culturas, no s daquelas que neste momento ocupam um lugar central. So, alm disso, homens e mulheres que deixam para trs este sculo e este milnio e se projetam para um novo mundo.

Os humanistas sentem que a sua histria muito longa e que o seu futuro ainda mais extenso. Pensam no porvir, lutando por superar a crise geral do presente. So otimistas, crem na liberdade e no progresso social.

Os humanistas so internacionalistas, aspiram a uma nao humana universal. Compreendem globalmente o mundo em que vivem e atuam no seu meio imediato. No desejam um mundo uniforme, mas mltiplo: mltiplo nas etnias, lnguas e costumes; mltiplo nas localidades, nas regies e nas autonomias; mltiplo nas idias e nas aspiraes; mltiplo nas crenas, no atesmo e na religiosidade; mltiplo no trabalho; mltiplo na criatividade.

Os humanistas no querem amos; no querem dirigentes nem chefes, nem se sentem representantes nem chefes de ningum. Os humanistas no querem um Estado centralizado, nem um Para-Estado que o substitua. Os humanistas no querem exrcitos policiais, nem bandos armados que os substituam.

Porm, entre as aspiraes humanistas e as realidades do mundo de hoje, levantou-se um muro. Chegou, pois, o momento de derrub-lo. Para isso, necessria a unio de todos os humanistas do mundo.

I. O CAPITAL MUNDIAL

Eis a grande verdade universal: o dinheiro tudo. O dinheiro governo, lei, poder. , basicamente, subsistncia. Mas, alm disso, a Arte, a Filosofia e a Religio. Nada se faz sem dinheiro; nada se pode sem dinheiro. No h relaes pessoais sem dinheiro. No h intimidade sem dinheiro e at a solido repousada depende do dinheiro.

Mas a relao com essa verdade universal contraditria. As maiorias no querem este estado de coisas. Estamos, pois, perante a tirania do dinheiro. Uma tirania que no abstrata porque tem nome, representantes, executores e procedimentos indubitveis.

Hoje no se trata de economias feudais, nem de indstrias nacionais; nem sequer de interesses de grupos regionais. O que hoje se passa que aqueles sobreviventes histricos acomodam a sua parcela aos ditames do capital financeiro internacional. Um capital especulador que vai se concentrando mundialmente. Desta maneira, at o Estado nacional requer crdito e emprstimo para sobreviver. Todos mendigam o investimento e do garantias para que a banca se encarregue das decises finais. Est chegando o tempo em que as prprias companhias, assim como os campos e as cidades, sero propriedade indiscutvel da banca. Est chegando o tempo do Para-Estado, um tempo em que a antiga ordem deve ser aniquilada.

Paralelamente, a velha solidariedade evapora-se. Em suma, trata-se da desintegrao do tecido social e do advento de milhes de seres humanos desconectados e indiferentes entre si, apesar das penrias gerais. O grande capital domina no s a objetividade, graas ao controle dos meios de produo, como tambm a subjetividade, graas ao controle dos meios de comunicao e informao. Nestas condies, pode dispor a seu gosto dos recursos materiais e sociais tornando irrecupervel a natureza e descartando progressivamente o ser humano. Para isso conta com tecnologia suficiente. E assim como esvaziou as empresas e os estados, esvaziou a Cincia de sentido convertendo-a em tecnologia para a misria, a destruio e o desemprego.

Os humanistas no necessitam abundar em argumentos quando enfatizam que hoje o mundo est em condies tecnolgicas suficientes para solucionar, em curto espao de tempo, o problema de vastas regies no que respeita a pleno emprego, alimentao, sade, habitao e instruo. Se esta possibilidade no se realiza simplesmente porque a especulao monstruosa do grande capital o impede.

O grande capital j esgotou a etapa de economia de mercado e comea a disciplinar a sociedade para enfrentar o caos que ele mesmo produziu. Perante esta irracionalidade, no se levantam dialeticamente as vozes da razo, mas sim os mais obscuros racismos, fundamentalismos e fanatismos. E se este neo-irracionalismo vai liderar regies e coletividades, ento a margem de ao das foras progressistas fica dia-a-dia mais reduzida. Por outro lado, milhes de trabalhadores j tomaram conscincia, tanto das irrealidades do centralismo estatal, como das falsidades da Democracia capitalista. E assim acontece que os operrios se levantam contra as suas cpulas corruptas dos grmios, do mesmo modo que os povos questionam os partidos e os governos. Mas, necessrio dar uma orientao a estes fenmenos, pois de outro modo se estagnaro em um espontanesmo sem progresso. necessrio discutir no seio do povo os temas fundamentais dos fatores de produo.

Para os humanistas existem como fatores de produo o trabalho e o capital, e esto a mais a especulao e a usura. Na atual situao, os humanistas lutam para que a absurda relao que tem existido entre esses dois fatores seja totalmente transformada. At agora, imps-se que o lucro seja para o capital e o salrio para o trabalhador, justificando tal desequilbrio pelo risco que assume o investimento... como se o trabalhador no arriscasse o seu presente e o seu futuro nos vai e vns do desemprego e da crise. Porm, alm disso, est em jogo a gesto e a deciso na orientao da empresa. O lucro no destinado ao re-investimento na empresa, no dirigido sua expanso ou diversificao, deriva para a especulao financeira. O lucro que no cria novas fontes de trabalho deriva para a especulao financeira. Por conseguinte, a luta dos trabalhadores tem de dirigir-se a obrigar o capital ao seu mximo rendimento produtivo. Mas isto no se poder concretizar a menos que a gesto e a direo sejam partilhadas. De outro modo, como se poderiam evitar as demisses massivas, o fechamento e o esvaziamento empresarial? Porque o maior dano est no sub-investimento, na falncia fraudulenta, no endividamento forado e na fuga de capital; no nos lucros que se possam obter como conseqncia do aumento da produtividade. E caso se insistisse no confisco dos meios de produo por parte dos trabalhadores, seguindo os ensinamentos do sculo XIX, deveria ter-se tambm em conta o recente fracasso do Socialismo real.

Quanto objeo de que enquadrar o capital, tal como est enquadrado o trabalho, produz a sua fuga para pontos e reas mais proveitosas, deve esclarecer-se que isto no acontecer durante muito mais tempo, j que a irracionalidade do esquema atual leva-o sua saturao e crise mundial. Essa objeo, alm do reconhecimento de uma imoralidade radical, desconhece o processo histrico da transferncia do capital para a banca, resultando disso que o prprio empresrio vai se convertendo em empregado sem deciso dentro de uma cadeia em que aparenta autonomia. Por outro lado, medida que se acentuar o processo recessivo, o prprio empresariado comear a considerar estes pontos.Os humanistas sentem a necessidade de atuar no s no campo do trabalho como tambm no campo poltico para impedir que o Estado seja um instrumento do capital financeiro mundial, para conseguir que a relao entre os fatores de produo seja justa e para devolver sociedade a sua autonomia arrebatada.

II. A DEMOCRACIA FORMAL E A DEMOCRACIA REAL

O edifcio da Democracia vem ruindo gravemente ao racharem as suas bases principais: a independncia entre poderes, a representatividade e o respeito pelas minorias.

A terica independncia entre poderes um contra-senso. Basta pesquisar na prtica a origem e composio de cada um deles para comprovar as ntimas relaes que os ligam. No poderia ser de outra maneira. Todos fazem parte de um mesmo sistema. De maneira que as freqentes crises de atropelo de uns por outros, de sobreposio de funes, de corrupo e irregularidade, correspondem-se com a situao global, econmica e poltica, de um dado pas.Quanto representatividade, desde a poca da extenso do sufrgio universal, pensou-se que existia um s ato entre a eleio e a concluso do mandato dos representantes do povo. Mas, com o passar do tempo, viu-se claramente que existe um primeiro ato mediante o qual muitos elegem poucos e um segundo ato em que estes poucos traem aqueles muitos, representando interesses estranhos ao mandato recebido. Esse mal j se incuba nos partidos polticos, reduzidos a cpulas separadas das necessidades do povo. A, na mquina partidria, os grandes interesses j financiam candidatos e ditam as polticas que estes devero seguir. Tudo isto evidencia uma profunda crise no conceito e na implementao da representatividade.

Os humanistas lutam para transformar a prtica da representatividade, dando maior importncia consulta popular, ao plebiscito e eleio direta dos candidatos. Porque ainda existem, em numerosos pases, leis que subordinam candidatos independentes a partidos polticos, ou ento, subterfgios e limitaes econmicas para se poder apresentar perante a vontade da sociedade. Toda a constituio ou lei que se oponha capacidade plena do cidado para eleger e ser eleito, burla pela raiz a Democracia real que est por cima de toda a regulao jurdica. E, em se tratando de igualdade de oportunidades, os meios de difuso devem pr-se ao servio da populao no perodo eleitoral em que os candidatos expem as suas propostas, atribuindo a todos exatamente as mesmas oportunidades. Por outra parte, devem impor-se leis de responsabilidade poltica mediante as quais todo aquele que no cumpra com o prometido a seus eleitores arrisque o desaforo, a destituio ou o julgamento poltico. Porque o outro expediente, aquele que atualmente sustentado, mediante o qual os indivduos ou os partidos que no cumpram, sofrero o castigo das urnas nas eleies futuras, no interrompe de modo nenhum o segundo ato de traio aos representados. Quanto consulta direta sobre os temas de urgncia, cada dia existem mais possibilidades para a sua aplicao tecnolgica. No se trata de priorizar as sondagens e as pesquisas manipuladas, trata-se sim de facilitar a participao e o voto direto atravs de meios eletrnicos e computacionais avanados.

Numa democracia real, deve dar-se s minorias as garantias que merece a sua representatividade, mas, alm disso, deve-se levar- ao extremo toda medida que favorea na prtica a sua insero e desenvolvimento. Hoje, as minorias acossadas pela xenofobia e a discriminao, pedem angustiosamente o seu reconhecimento e, nesse sentido, elevar este tema ao nvel das discusses mais importantes responsabilidade dos humanistas, encabeando a luta em cada lugar at vencer os neo-fascismos abertos ou encobertos. Em suma, lutar pelos direitos das minorias lutar pelos direitos de todos os seres humanos.

Mas tambm acontece no conglomerado de um pas, que estados inteiros, regies ou autonomias padecem da mesma discriminao das minorias a merc da compulso do Estado centralizado, hoje instrumento insensvel nas mos do grande capital. Isto dever cessar na medida em que se impulsione uma organizao federativa na qual o poder poltico real volte s mos das ditas entidades histricas e culturais.

Em suma, pr frente os temas do capital e do trabalho, os temas da Democracia real e os objetivos da descentralizao do aparelho estatal encaminhar a luta poltica rumo criao de um novo tipo de sociedade. Uma sociedade flexvel e em constante mudana, de acordo com as necessidades dinmicas dos povos, hoje asfixiados pela dependncia.

III. A POSIO HUMANISTA

A ao dos humanistas no se inspira em teorias fantasiosas sobre Deus, a Natureza, a Sociedade ou a Histria. Ela parte das necessidades da vida que consistem em afastar a dor e aproximar o prazer. Porm, a vida humana acrescenta s necessidades a sua previso do futuro, baseando-se na experincia passada e na inteno de melhorar a situao atual. A sua experincia no um simples produto de selees ou acumulaes naturais e fisiolgicas, como sucede em todas as espcies, sim experincia social e experincia pessoal dirigidas para superar a dor atual e para evit-la no futuro. O seu trabalho, acumulado em produes sociais, passa e transforma-se, de gerao em gerao, em luta contnua pela melhoria das condies naturais, mesmo as do prprio corpo. Por isto, o ser humano deve ser definido como histrico e com um modo de ao social capaz de transformar o mundo e a sua prpria natureza. Cada vez que um indivduo ou um grupo humano se impe violentamente a outros, consegue parar a Histria, converte suas vtimas em objetos "naturais". A natureza no tem intenes, portanto, ao negar-se a liberdade e as intenes de outros, estes so convertidos em objetos naturais, em objetos de uso.

O progresso da humanidade, em lenta ascenso, necessita transformar a natureza e a sociedade eliminando a violenta apropriao animal de uns seres humanos por outros. Quando isto acontecer, passar-se- da Pr-Histria a uma plena Histria humana. Entretanto, no se pode partir de outro valor central que o do ser humano pleno nas suas realizaes e na sua liberdade. Por isso, os humanistas proclamam: Nada acima do ser humano e nenhum ser humano embaixo de outro. Quando se pe como valor central Deus, o Estado, o Dinheiro ou qualquer outra entidade, subordina-se o ser humano criando condies para o seu ulterior controle ou sacrifcio. Os humanistas tm este ponto claro. Os humanistas so ateus ou crentes, mas no partem do seu atesmo ou da sua f para fundamentar a sua viso do mundo e a sua ao; partem do ser humano e das suas necessidades imediatas. E se na sua luta por um mundo melhor, crem descobrir uma inteno que mova a Histria em direo progressiva, pem essa f ou essa descoberta ao servio do ser humano.

Os humanistas colocam o problema de fundo: saber se se quer viver e decidir em que condies faz-lo.

Todas as formas de violncia seja fsica, econmica, racial, religiosa, sexual e ideolgica, graas s quais se tem travado o progresso humano, repugnam aos humanistas. Toda forma de discriminao, manifesta ou velada, um motivo de denncia para os humanistas.

Os humanistas no so violentos, mas acima de tudo no so covardes nem temem enfrentar a violncia porque a sua ao tem sentido. Os humanistas conectam a sua vida pessoal com a vida social. No levantam falsas antinomias e nisso radica a sua coerncia.

Assim est traada a linha divisria entre o Humanismo e o Anti-humanismo. O Humanismo pe frente a questo do trabalho face ao grande capital; a da Democracia real frente Democracia formal; a da descentralizao frente centralizao; a da anti-discriminao frente discriminao; a da liberdade frente opresso; a do sentido da vida frente resignao, da cumplicidade e ao absurdo.

Porque o Humanismo se baseia na liberdade de escolha que possui a nica tica vlida do momento atual. De igual modo, porque acredita na inteno e na liberdade, distingue entre o erro e a m f, entre o equivocado e o traidor.IV. DO HUMANISMO INGNUO AO HUMANISMO CONSCIENTE

na base social, nos locais de trabalho e na moradia dos trabalhadores, onde o Humanismo deve converter o simples protesto em fora consciente orientada para a transformao das estruturas econmicas.

Quanto aos membros combativos das organizaes de grmios e aos membros de partidos polticos progressistas, a sua luta tornar-se- coerente na medida em que eles tendam a transformar as cpulas das organizaes em que esto inscritos, dando s suas coletividades uma orientao que ponha em primeiro lugar, e por cima de reivindicaes imediatistas, as questes de fundo que o Humanismo propicia.

Vastas camadas de estudantes e docentes, normalmente sensveis injustia, iro se tornando conscientes as suas vontades de mudana na medida em que a crise geral do sistema os afeta. E, certamente, o pessoal da Imprensa em contacto com a tragdia cotidiana, est hoje em condies de atuar na direo humanista assim como os setores da intelectualidade cuja produo est em contradio com as pautas que este sistema desumano promove.

So numerosos os posicionamentos que, tendo por base o sofrimento humano, convidam ao desinteressada a favor dos desapossados ou dos discriminados. Associaes, grupos voluntrios e setores importantes da populao mobilizam-se, em ocasies, dando a sua contribuio positiva. Sem dvida que uma das suas contribuies consiste em gerar denncias sobre esses problemas. No entanto, esses grupos no delineiam a sua ao em termos de transformao das estruturas que do lugar a esses males. Esses posicionamentos inscrevem-se mais no Humanitarismo do que no Humanismo consciente. Nelas j se encontram protestos e aes pontuais suscetveis de serem aprofundadas e estendidas.

V. O CAMPO ANTI-HUMANISTA

Na medida em que as foras mobilizadas pelo grande capital vo asfixiando os povos, surgem posies incoerentes que comeam a fortalecer-se ao explorar esse mal-estar, canalizando-o contra falsos culpados. Na base destes neo-fascismos, est uma profunda negao dos valores humanos. Tambm em certas correntes ecologistas desviantes se aposta em primeiro lugar na natureza em vez do Homem. J no predicam que o desastre ecolgico desastre justamente porque faz perigar a humanidade, mas sim porque o ser humano atentou contra a natureza. Segundo algumas destas correntes, o ser humano est contaminado e por isso contamina a natureza. Melhor seria, para eles, que a medicina no houvesse tido xito no combate s doenas e no aumento da expectativa de vida. A Terra primeiro gritam eles histericamente, lembrando as proclamaes do nazismo. Da para a discriminao de culturas que contaminam, de estrangeiros que sujam e poluem, um curto passo. Estas correntes inscrevem-se tambm no Anti-humanismo porque, no fundo, desprezam o ser humano. Os seus mentores desprezam a si mesmos, refletindo as tendncias niilistas e suicidas na moda.

Uma faixa importante de gente perceptiva tambm adere ao ecologismo porque entende a gravidade do problema que este denuncia. Porm, se esse ecologismo toma o carter humanista que lhe corresponde, orientar a luta contra os promotores da catstrofe, a saber, o grande capital e a cadeia de indstrias e empresas destrutivas, parentes prximas do complexo militar-industrial. Antes de se preocupar com as focas, ocupar-se- da fome, da concentrao populacional, da mortalidade/natalidade, das doenas e dos dficits sanitrios e habitacionais em muitas partes do mundo. E destacar o desemprego, a explorao, o racismo, a discriminao e a intolerncia no mundo tecnologicamente avanado. Mundo que, por outra parte, est criando os desequilbrios ecolgicos em favor do seu crescimento irracional.

No necessrio estender-se muito na considerao das direitas como instrumentos polticos do Anti-humanismo. Nela a m f chega a nveis to altos que, periodicamente, promovem a si mesmos como representantes do Humanismo. Nessa direo, tambm no tem faltado a astuta clericada(1) que tem pretendido teorizar com base num ridculo Humanismo Teocntrico(?). Essa gente, inventora de guerras religiosas e inquisies; essa gente que foi algoz (2) dos pais histricos do Humanismo ocidental apropriou-se das virtudes das suas vtimas, chegando inclusive a perdoar os desvios daqueles humanistas histricos. To enorme a m f e o banditismo na apropriao das palavras, que os representantes do Anti-humanismo tentaram mesmo cobrir-se com o nome de humanistas.

Seria impossvel inventariar os recursos, instrumentos, formas e expresses de que dispe o Anti-humanismo. Em todo o caso, esclarecer sobre as suas tendncias mais solapadas contribuir para que muitos humanistas espontneos ou ingnuos revejam as suas concepes e o significado da sua prtica social.VI. AS FRENTES DE AO HUMANISTAS

O Humanismo organiza frentes de ao no campo trabalhista, habitacional, de grmios, poltico e cultural com a inteno de ir assumindo o carter de movimento social. Ao proceder assim, cria condies de insero para as diferentes foras, grupos e indivduos progressistas sem que estes percam sua identidade nem suas caractersticas particulares. O objetivo de tal movimento consiste em promover a unio de foras capazes de influir crescentemente sobre vastas camadas da populao orientando com sua ao a transformao social. Os humanistas no so ingnuos nem se satisfazem com declaraes prprias de pocas romnticas. Nesse sentido, no consideram suas propostas como a expresso mais avanada da conscincia social, nem pensam a sua organizao em termos indiscutveis. Os humanistas no fingem serem representantes das maiorias. Em todo caso, atuam de acordo a seu parecer mais justo apontando s transformaes que acham mais adequadas e possveis neste momento que lhes toca viver.

BibliografiaSilo, Obras Completas, Volume I, Cartas a meus Amigos, Sexta carta a meus amigosTema de Estudo N 3

ANTECEDENTES E PONTOS FUNDAMENTAIS DO HUMANISMO UNIVERSALISTA

Falaremos sobre uma corrente de pensamento que postula a ao transformadora e que comea a ser levada em conta graas s mudanas profundas que esto operando na sociedade. O Humanismo esta corrente. Revisaremos, muito brevemente, seus antecedentes histricos, seu desenvolvimento e a situao em que se encontra atualmente.

Diferena entre corrente e atitude humanista

Devemos estabelecer, previamente, uma diferena entre o humanismo como corrente e o humanismo como atitude. Esta ltima j estava presente em diferentes culturas antes que a palavra humanismo fosse cunhada no Ocidente. A atitude humanista comum s diferentes culturas, em certos perodos de sua histria e se caracteriza por: (1) A localizao do ser humano como valor central; (2) A afirmao da igualdade de todos os seres humanos; (3)O reconhecimento da diversidade pessoal e cultural; (4) A tendncia ao desenvolvimento do conhecimento acima do aceito como verdade absoluta; (5) A afirmao da liberdade de idias e crenas e (6) O repdio da violncia.

Esta atitude o que conta em nosso Novo Humanismo Universalista e so as diferentes culturas as que nos ensinam a amar e praticar esta posio frente vida. Remeto a quem interessar, ao estudo do humanismo nas diferentes culturas (Anurio 1994 do Centro Mundial de Estudos Humanistas, particularmente na contribuio do professor Serguei Semenov, estudioso do humanismo pr-colombiano em Meso-Amrica e na Amrica do Sul).

Devemos fazer tambm uma distino, um tanto pueril, entre os estudos de humanidades que se compartilham nas faculdades ou institutos de estudos e a atitude pessoal no definida pela dedicao profissional, mas pelo posicionamento frente ao humano como preocupao central. Quando algum se define como humanista no o faz com referncia a seus conhecimentos de humanidades ao mesmo tempo em que um estudante ou estudioso dessas disciplinas no por isso se considera humanista. Deslizamos este comentrio porque no faltaram os que ligaram o humanismo com um determinado tipo de conhecimento ou nvel cultural.

No Ocidente, duas so as acepes que costumam ser atribudas palavra "humanismo". Fala-se de "humanismo" para indicar qualquer tendncia de pensamento que afirme o valor e a dignidade do ser humano. Com este significado, pode-se interpretar o humanismo dos modos mais diversos e contrastantes. No seu significado mais limitado, mas colocando-o em uma perspectiva histrica precisa, o conceito de Humanismo usado para indicar esse processo de transformao que se iniciou entre finais do sculo XIV e comeos do XV e que, no sculo seguinte, com o nome de "Renascimento", dominou a vida intelectual da Europa. Basta mencionar Erasmo; Giordano Bruno; Galileu; Nicolas de Cusa; Toms Moro; Juan Vives e Bouill para compreender a diversidade e extenso do Humanismo histrico. Sua influncia se prolongou por todo o sculo XVII e grande parte do XVIII, desembocando nas revolues que abriram as portas da Idade Contempornea. Esta corrente pareceu apagar-se lentamente at que em meados deste sculo comeou a andar novamente no debate de pensadores preocupados pelas questes sociais e polticas.

Os aspectos fundamentais do Humanismo histrico foram, aproximadamente, os seguintes:

1.- A reao contra o modo de vida e os valores do Medieval. Assim, comea um forte reconhecimento de outras culturas, particularmente da greco-romana, na arte, na cincia e na filosofia.

2.- A proposta de uma nova imagem do ser humano, do qual se exaltam sua personalidade e sua ao transformadora.

3.- Uma nova atitude com respeito natureza, qual se aceita como ambiente do homem e j no como um submundo cheio de tentaes e castigos.

4.- O interesse pela experimentao e investigao do mundo circundante, como uma tendncia a buscar explicaes naturais, sem necessidade de referncias ao sobrenatural.

Esses quatro aspectos do Humanismo histrico convergem para um mesmo objetivo: fazer surgir a confiana no ser humano e sua criatividade, e considerar o mundo como reino do homem, reino ao qual este pode dominar mediante o conhecimento das cincias. A partir dessa nova perspectiva se expressa a necessidade de construir uma nova viso do universo e da histria. Da mesma maneira, as novas concepes desse Humanismo histrico levam reformulao da questo religiosa tanto nas suas estruturas dogmticas e litrgicas como nas organizativas que, naquele tempo, impregnaram as estruturas sociais do Medieval. O Humanismo, em correlato com a modificao das foras econmicas e sociais da poca, representa uma revoluo cada vez mais consciente e cada vez mais orientada para a discusso da ordem estabelecida. Mas, a Reforma no mundo alemo, anglo-saxo e a contra-reforma no mundo latino tratam de frear as novas idias re-propondo autoritariamente a viso crist tradicional. A crise passa da Igreja para as estruturas estatais. Finalmente, o imprio e a monarquia por direito divino so eliminados graas s revolues de fins do sculo XVIII e XIX.

Mas, depois da Revoluo francesa e das guerras da independncia americanas, o Humanismo praticamente desapareceu no obstante continuar como fundo social de ideais e aspiraes que encoraja transformaes econmicas, polticas e cientficas. O Humanismo retrocedeu frente a concepes e prticas que se instalam at finalizado o Colonialismo, a Segunda Guerra Mundial e o alinhamento bipolar do planeta. Nesta situao, se reabre o debate sobre o significado do ser humano e a natureza, a justificativa das estruturas econmicas e polticas, a orientao da cincia e a tecnologia e, em geral, a direo dos eventos histricos.

Depois do longo caminho percorrido e das ltimas discusses no campo das idias, fica claro que o Humanismo deve redefinir sua posio no somente quanto a concepo terica, mas tambm como atividade e prtica social. Para isso, nos apoiaremos continuamente no seu Documento Fundacional. O estado da questo humanista deve ser formulado hoje com referncia s condies em que o ser humano vive. Tais condies no so abstratas. Por conseguinte, no legtimo derivar ao Humanismo de uma teoria sobre a Natureza, ou uma teoria sobre a Historia, ou uma f sobre Deus. A condio humana tal que o encontro imediato com a dor e com a necessidade de super-la inevitvel. Tal condio, comum a tantas outras espcies, encontra na humana a adicional necessidade de prever para o futuro como superar a dor e alcanar o prazer. Sua previso a futuro se apia na experincia passada e na inteno de melhorar sua situao atual. Seu trabalho, acumulado em produes sociais passa e se transforma de gerao em gerao em luta contnua para superar as condies naturais e sociais em que vive. Por isso, o Humanismo define o ser humano como ser histrico e com um modo de ao social capaz de transformar o mundo e sua prpria natureza. Este ponto de capital importncia porque ao aceit-lo no se poder afirmar depois, coerentemente, um direito natural, uma propriedade natural, instituies naturais ou, por ltimo, um tipo de ser humano no futuro, tal qual hoje, como se ele estivesse terminado para sempre.

O antigo tema da relao do homem com a natureza adquire novamente importncia. Ao retom-lo, descobrimos esse grande paradoxo no qual o ser humano aparece sem fixidez, sem natureza, ao tempo que advertimos nele uma constante: sua historicidade. Por isso, esticando os termos, pode-se dizer que a natureza do homem sua histria; sua histria social. Por conseguinte, cada ser humano que nasce no um primeiro exemplar equipado geneticamente para responder a seu meio, mas um ser histrico que desenvolve sua experincia pessoal em uma paisagem social, em uma paisagem humana.

Eis aqui que neste mundo social, a inteno comum de superar a dor negada pela inteno de outros seres humanos. Estamos dizendo que uns homens naturalizam a outros ao negarem sua inteno: os transformam em objeto de uso. Assim, a tragdia de estar submetido a condies fsicas naturais impulsiona o trabalho social e a cincia para novas realizaes que superem ditas condies; mas a tragdia de estar submetido a condies sociais de desigualdade e injustia impulsiona o ser humano rebelio contra essa situao na qual se adverte no o jogo de foras cegas, mas o jogo de outras intenes humanas. Essas intenes humanas que discriminam uns e outros so questionadas em um campo muito diferente ao da tragdia natural na qual no existe uma inteno. por isso que em toda discriminao existe sempre um monstruoso esforo para estabelecer que as diferenas entre os seres humanos se devam natureza, seja esta fsica ou social, que realiza seu jogo de foras sem que a inteno intervenha. Far-se-o diferenas raciais, sexuais e econmicas justificando-as por leis genticas ou do livre mercado, mas em todos os casos se haver de operar com a distoro, a falsidade e a m f.

As duas idias bsicas expostas anteriormente: em primeiro lugar, a da condio humana submetida dor com seu impulso por super-la e, em segundo lugar, a da definio do ser humano histrico e social pem o marco da questo para os humanistas de hoje. Sobre esses particulares, remeto ao livro Contribuies ao Pensamento de Silo, no ensaio intitulado: Discusses Historiolgicas.

No Documento fundacional do Movimento Humanista, se declara que h de se passar da pr-histria verdadeira histria humana s quando se eliminar a violenta apropriao animal de uns seres humanos por outros. Entretanto, no se poder partir de outro valor central que o do ser humano pleno em suas realizaes e na sua liberdade. A proclamao: "Nada acima do ser humano e nenhum ser humano embaixo de outro", sintetiza tudo isto. Se colocar como valor central Deus, o Estado, o Dinheiro ou qualquer outra entidade, se subordina o ser humano criando condies para seu ulterior controle ou sacrifcio. Os humanistas temos claro este ponto. Os humanistas somos ateus ou crentes, mas no partimos do atesmo ou da f para fundamentar nossa viso do mundo e nossa ao; partimos do ser humano e de suas necessidades imediatas.

Assim, os humanistas fixamos posies. No nos sentimos sados do nada, mas tributrios de um processo longo e de um esforo coletivo; comprometemo-nos com o momento atual e propomos uma longa luta para o futuro. Afirmamos a diversidade em franca oposio regimentao que at agora foi imposta e apoiada em explicaes de que o diverso pe em dialtica os elementos de um sistema, de maneira que ao respeitar-se toda particularidade d-se liberdade a foras centrfugas e desintegradoras. Os humanistas pensamos o oposto e destacamos que, precisamente neste momento, o avassalamento da diversidade leva exploso das estruturas rgidas. Por isso, que enfatizamos na direo convergente, na inteno convergente e nos opomos idia e prtica da eliminao de supostas condies dialticas em um conjunto dado.

Os humanistas reconhecemos os antecedentes do Humanismo histrico e nos inspiramos nos aportes das diferentes culturas, no somente naquelas que neste momento ocupam um lugar central; pensamos no porvir tratando de superar a crise presente; somos otimistas: acreditamos na liberdade e no progresso social.

BibliografiaConferncia A posio do Novo Humanismo, Silo , S.S. de Jujuy,Argentina, 30-10-1995.

Tema de Estudo N 4

A RESPEITO DO HUMANO

Uma coisa a compreenso do fenmeno humano em geral, e outra muito diferente o prprio registro da humanidade em outros.

1 a. questo: A compresso do fenmeno humano em geral

Quando se diz que o caracterstico do humano a sociabilidade ou a linguagem ou a transmisso de experincia, no se define cabalmente o humano, quando no mundo animal (mesmo que desenvolvido de maneira elementar) encontramos todas essas expresses. Tambm encontramos um tipo de "moral" animal e resultados sociais punitivos para os transgressores, ainda quando de fora do regulamento da espcie, ou por uma imbricao de reflexos condicionados e incondicionados. Conservamos reconhecimentos qumicos de organismos de outra colmia, formigueiro, cardume ou manada, e atraes e rejeies conseqentes. O rudimento tcnico tambm no alheio ao mundo animal, nem o so os sentimentos de afeto, dio, pena e solidariedade entre membros de um grupo ou entre grupos, ou entre espcies. Existem organizaes hospedeiras, parasitas e simbinticas nas que reconhecemos formas fundamentais do que depois veremos peralteado nos agrupamentos humanos...

O que define o humano como tal? O define a reflexo do histrico-social como memria pessoal. Todo animal sempre o primeiro animal, mas cada ser humano um meio histrico e social e , alm disso, a reflexo e o aporte transformao ou inrcia desse meio.O meio para o animal meio natural.

O meio para o ser humano meio histrico e social, transformao do mesmo e, claro, adaptao do natural s necessidades imediatas e s de mais longo prazo. Esta resposta diferida do ser humano frente aos estmulos imediatos, este sentido e direo de seu agir respeito de um futuro calculado (ou imaginrio), nos apresenta uma caracterstica nova frente ao sistema de ideao, de comportamento e de vida dos expoentes animais. A ampliao do horizonte temporal da conscincia humana permite a ela atrasos frente aos estmulos e localizao destes em um espao mental complexo, habilitante para a localizao de deliberaes, comparaes e resultados fora do campo perceptual imediato.

Em outras palavras: no ser humano no existe natureza humana, a menos que esta natureza seja considerada como uma capacidade diferente da animal, de movimentar-se entre tempos fora do horizonte de percepo. Direi de outro modo: se h algo natural no ser humano no o em sentido mineral, vegetal ou animal, mas no sentido de que o natural nele a mudana, a histria, a transformao.

Tal idia de mudana no advm convenientemente da idia de natureza e por isso preferimos no usar esta palavra como se vem fazendo, e com a qual se justificaram numerosas deslealdades para o ser humano. Por exemplo: porque os nativos de um lugar eram diferentes aos conquistadores de outro lugar, foram chamados os "naturais" ou aborgines. Porque as raas apresentaram algumas diferenas morfolgicas ou pigmentarias, foram assimiladas a diferentes naturezas dentro da espcie humana, e assim seguindo. O estabelecido de um modo permanente: raas diferentes estavam estabelecidas dentro de uma ordem supostamente natural, que devia conservar-se de modo permanente.Assim que a idia de natureza humana serviu a uma ordem de produo natural, mas se fraturou na poca de transformao industrial.

Ainda hoje ficam vestgios da ideologia zoolgica do todos os seres humanos, na psicologia, por exemplo, na qual ainda se fala de certas faculdades naturais como a "vontade" e coisas semelhantes.

O direito natural, o Estado como parte do todos os seres humanos projetado, etc.; no contribuiu mais que com sua cota de inrcia histrica e de negao da transformao.

Se a co-presena da conscincia humana trabalha graas sua enorme ampliao temporria, e se a intencionalidade daquela permite projetar um sentido, o caracterstico do ser humano ser e fazer o sentido do mundo, "Nomeador de mil nomes, fazedor de sentido, transformador do mundo... teus pais e os pais de teus pais se continuam em ti. No s um blido que cai, mas uma brilhante seta que voa para os cus. Es o sentido do mundo e quando aclaras teu sentido iluminas a terra. Dir-te-ei qual o sentido de tua vida aqui: HUMANIZAR A TERRA, Que humanizar a terra? superar a dor e o sofrimento, aprender sem limite, amar a realidade que constris..."

Bem, estamos a uma grande distncia da idia de todos os seres humanos. Estamos no oposto. Quero dizer, se o natural tinha asfixiado o humano, graas a uma ordem imposta com a idia do permanente, agora estamos dizendo o contrrio: que o natural deve ser humanizado e que esta humanizao do mundo faz do homem um criador de sentido, de direo, de transformao. Se esse sentido libertador das condies supostamente "naturais" de dor e sofrimento, o verdadeiramente humano o que vai alm do natural: teu projeto, teu futuro, teu filho, tua brisa, teu amanhecer, tua tempestade, tua ira e tua carcia. teu temor e teu tremor por teu futuro, por um novo ser humano livre de dor e sofrimento.

2 a. questo: O prprio registro do Humano em outrosEnquanto registre do outro, sua presena "natural", o outro no passar de ser uma presena objetificada, ou particularmente animal. Enquanto esteja anestesiado para perceber o horizonte temporal do outro, o outro no far sentido mas que para - mim, me constituo e me alieno em meu prprio para-si. Quero dizer: "eu sou para - mim" e com isto fecho meu horizonte de transformao. Enquanto no experimente ao outro fora do para - mim, minha atividade vital no humanizar ao mundo.

O outro deveria ser o meu registro interno, uma clida sensao de futuro aberto que nem sequer termina no sem-sentido coisificador da morte. Sentir o humano do outro sentir a vida do outro em um formoso e multicor arco ris, que mais se afasta na medida em que quero deter, apanhar, arrebatar sua expresso. Tu te afastas e eu me reconforto, se que contribu para cortar tuas correntes, para superar tua dor e sofrimento. E se vens comigo porque te constituis em um ato livre como ser humano, no simplesmente porque tens nascido "humano.

Eu sinto em ti a liberdade e a possibilidade de constituir-te em ser humano. E meus atos tm em ti meu alvo de liberdade.

Ento, nem ainda tua morte detm as aes que puseste em marcha, porque s essencialmente tempo e liberdade. Amo, pois o ser humano, sua humanizao crescente. E em momentos de crises, de coisificao, em momentos de desumanizao, amo sua possibilidade de reabilitao futura.BibliografiaSilo, Obras Completas, volume I, Fala Silo: opinies, comentrios e participao em atos pblicos".

Tema de Estudo N 5

A ABERTURA SOCIAL DO SER HUMANO

Nossa concepo no se inicia admitindo generalidades, mas estudando o particular da vida humana; o particular da existncia; o particular do registro pessoal do pensar, o sentir e o atuar. Esta postura inicial a faz incompatvel com todo sistema que arranque desde a idia, desde a matria, desde o inconsciente, desde a vontade, desde a sociedade, etc. Se algum admite ou rejeita qualquer concepo, por lgica ou extravagante que esta seja, ele mesmo sempre estar em jogo admitindo ou rejeitando. O estar em jogo, no a sociedade, ou o inconsciente, ou a matria. Falamos pois da vida humana. Quando me observo, no do ponto de vista fisiolgico, mas existencial, me encontro posto em um mundo dado, no construdo nem eleito por mim. Encontro-me em situao com respeito a fenmenos que comeando pelo meu prprio corpo so iniludveis. O corpo como constituinte fundamental da minha existncia , alm disso, um fenmeno homogneo com o mundo natural no qual atua e sobre o qual atua o mundo. Mas a naturalidade do corpo tem para mim diferenas importantes com o resto dos fenmenos, como so: 1. - o registro imediato que possuo dele; 2. - o registro que mediante ele tenho dos fenmenos externos e 3. - a disponibilidade de alguma de suas operaes merc a minha inteno imediata.

Natureza, inteno e abertura do ser humano

Mas ocorre que o mundo se apresenta no somente como um conglomerado de objetos naturais, mas tambm como uma articulao de outros seres humanos e de objetos e signos produzidos ou modificados por eles. A inteno que advirto em mim aparece como um elemento interpretativo fundamental do comportamento dos outros e assim como constituo o mundo social por compreenso de intenes, sou constitudo por ele. Sem dvida, estamos falando de intenes que se manifestam na ao corporal. graas s expresses corporais ou percepo da situao em que se encontra o outro que posso compreender seus significados, sua inteno. Por outra parte, os objetos naturais e humanos se mostram como prazerosos ou dolorosos e trato de situar-me frente a eles modificando minha situao.

Deste modo, no estou fechado ao mundo do natural e dos outros seres humanos seno que minha caracterstica , precisamente, a abertura. Minha conscincia se configurou intersubjetivamente j que usa cdigos de razoamento, modelos emotivos, esquemas de ao que registro como meus, mas que tambm reconheo em outros. E, sem dvida, meu corpo est aberto ao mundo quanto a este o percebo e sobre ele atuo. O mundo natural, a diferena do humano, se mostra sem inteno. Sem dvida, posso imaginar que as pedras, as plantas e as estrelas, possuem inteno, mas no vejo como chegar a um efetivo dilogo com elas. At mesmo os animais, nos quais s vezes capto a chispa da inteligncia, se mostram impenetrveis e em lenta modificao dentro de sua natureza. Vejo sociedades de insetos totalmente estruturadas, mamferos superiores usando rudimentos tcnicos, mas repetindo seus cdigos em lenta modificao gentica, como se fossem sempre os primeiros representantes de suas respectivas espcies. E quando comprovo as virtudes dos vegetais e os animais modificados e domesticados pelo homem, observo a inteno deste abrindo caminho e humanizando ao mundo.

A abertura social e histrica do ser humano

-me insuficiente a definio do homem pela sua sociabilidade j que isto no diz da distino com numerosas espcies; sua fora de trabalho tambm no o caracterstico, cotejada com a de animais mais poderosos; nem sequer a linguagem o define na sua essncia, porque sabemos de cdigos e formas de comunicao entre diversos animais. Em troca, ao encontrar-se cada novo ser humano com um mundo modificado por outros e ser constitudo por esse mundo intencionado, descubro sua capacidade de acumulao e incorporao ao temporrio, descubro sua dimenso histrico-social, no simplesmente social. Vistas assim as coisas, posso tentar uma definio dizendo: O homem o ser histrico, cujo modo de ao social transforma a sua prpria natureza. Se admitir o anterior, haverei de aceitar que esse ser pode transformar intencionalmente sua constituio fsica. E assim est ocorrendo. Comeou com a utilizao de instrumentos que postos adiante de seu corpo como prteses externas lhe permitiram alongar sua mo, aperfeioar seus sentidos e aumentar sua fora e qualidade de trabalho. Naturalmente no estava dotado para os meios lquido e areo, no entanto, ele criou condies para deslocar-se neles, at comear a emigrar de seu meio natural, o planeta Terra. Hoje, alm disso, est internando-se no seu prprio corpo, mudando seus rgos; intervindo na sua qumica cerebral; fecundando in vitro e manipulando seus genes. Se com a idia de natureza se quis assinalar o permanente, tal idia hoje inadequada ainda quando aplicada ao mais objetal do ser humano, isto , ao seu corpo. E no que faz a uma moral natural, a um direito natural, ou a instituies naturais encontramos, opostamente, que nesse campo tudo histrico-social e nada ali existe por natureza.

BibliografiaSilo, Obras Completas, Volume I, Cartas a meus Amigos, Quarta carta a meus amigos.

Tema de Estudo N 6

A AO TRANSFORMADORA DO SER HUMANO

Contgua concepo da natureza humana tem operado outra que nos falou da passividade da conscincia. Esta ideologia considerou o homem como uma entidade que agia em resposta aos estmulos do mundo natural. O que comeou em grosseiro sensualismo, aos poucos foi sendo deslocado por correntes historicistas que conservaram no seu seio a mesma idia em torno da passividade. E ainda quando privilegiaram a atividade e a transformao do mundo por sobre a interpretao de seus fatos, conceberam a dita atividade como resultante de condies externas conscincia. Mas, aqueles antigos preconceitos em torno da natureza humana e da passividade da conscincia hoje se impem, transformados em neo-evolucionismo, com critrios tais como a seleo natural que se estabelece na luta pela sobrevivncia do mais apto. Tal concepo zoolgica, na sua verso mais recente, ao ser esta transplantada ao mundo humano tratar de superar as anteriores dialticas de raas ou de classes com uma dialtica estabelecida segundo leis econmicas naturais que auto-regulam toda a atividade social. Assim, mais uma vez, o ser humano concreto fica submerso e objetivado.

Mencionamos acima as concepes que para explicar o homem comeam desde generalidades tericas e sustentam a existncia de uma natureza humana e de uma conscincia passiva. Em sentido oposto, ns sustentamos a necessidade de arranque desde a particularidade humana, sustentamos o fenmeno histrico-social e no natural do ser humano e tambm afirmamos a atividade de sua conscincia transformadora do mundo, de acordo com sua inteno. Vemos sua vida em situao e seu corpo como objeto natural percebido imediatamente e submetido tambm imediatamente a numerosos ditados de sua inteno. Por conseguinte se impem as seguintes perguntas: como que a conscincia ativa? Isto , como que ela pode intencionar sobre o corpo e atravs dele transformar ao mundo? Em segundo lugar, como que a constituio humana histrico-social? Estas perguntas devem ser respondidas a partir da existncia particular para no recair em generalidades tericas segundo as quais se deriva depois um sistema de interpretao. Desta maneira, para responder primeira pergunta ter que apreender-se, com evidncia imediata, como a inteno atua sobre o corpo e, para responder segunda pergunta haver que partir da evidncia da temporalidade e da intersubjetividade no ser humano e no de leis gerais da histria e da sociedade. Em nosso trabalho, Contribuies ao Pensamento, trata-se de dar resposta precisamente a essas duas perguntas. No primeiro ensaio de Contribuies se estuda a funo com que cumpre a imagem na conscincia, destacando sua aptido para movimentar o corpo no espao. No segundo ensaio do mesmo livro, se estuda o tema da historicidade e sociabilidade. A especificidade destes temas nos afasta demais da presente carta, por isso remetemos ao material citado.

BibliografiaSilo, Obras Completas, Volume I, Cartas a meus Amigos, Quarta carta a meus amigos, e Contribuies ao Pensamento.

II TEMAS SOBRE A SUPERAO DO SOFRIMENTOTema de Estudo N 7

OS TEMAS DO SOFRIMENTO

Felicidade e sofrimento

Para ns, um objetivo alcanar uma crescente satisfao consigo mesmo. Isto possvel na medida em que se vo entendendo os fatores que se opem a essa felicidade crescente. A felicidade um estado no qual no h sofrimento. Pode uma pessoa superar progressivamente o sofrimento? Certamente pode. Mesmo que vejamos diariamente o contrrio, ou seja: medida que avanam os anos, muitas pessoas vo aumentando seu sofrimento.

Mas, como se faz para ir alcanando uma felicidade crescente? H uma forma, e esta consiste em compreender como se produz o sofrimento e em comear a agir de maneira diferente qual o gera.

s vezes vemos o sofrimento e a maneira de agir para evit-lo. No entanto, deve antes entender-se a palavra "sofrimento". Muitas pessoas acham que no sofrem, mas que tm problemas com o dinheiro, com o sexo, com sua famlia, com outras pessoas, etc. Acham que simplesmente vivem com tenses, angstias, inseguranas, temores, ressentimentos e todo tipo de frustraes. Pois bem, ao conjunto desses problemas, chamamos "sofrimento".

importante distinguir dor e sofrimento. A primeira fsica e, sobre ela, o progresso da sociedade e da cincia tm muito o que fazer. Por outra parte, o sofrimento mental. s vezes a dor traz sofrimento mental, assim como o sofrimento mental produz dor fsica e doena. Esta distino entre dor e sofrimento uma das primeiras coisas que se comea a compreender no trabalho da Comunidade. Depois aprende-se a buscar as verdadeiras razes do sofrimento e descobre-se a necessidade de mudar a forma de atuar que produz sofrimento.

As trs vias do sofrimento

H duas faculdades muito importantes que o ser humano possui: a memria e a imaginao. Sem elas impossvel realizar atividades na vida diria. Quando alguma delas diminui na sua potncia ou sofre algum tipo de alterao, as atividades cotidianas so dificultadas.

A memria e a imaginao so fundamentais para a vida e, por isso, quando em lugar de ajudar-nos a abrir passo nos encerram no sofrimento, devemos tomar medidas para mudar a situao. A memria pode trazer lembranas negativas continuamente e deixar de nos prestar a ajuda de que necessitamos. O mesmo pode ocorrer com a imaginao, se continuamente nos faz aparecer temores, angstias e medos ao futuro.

Podemos considerar a sensao (o que percebemos em um momento), como outra faculdade decisiva para a vida. Graas a ela vemos, ouvimos, tocamos e enfim, damo-nos conta do que se passa ao nosso redor. H coisas que sentimos que gostamos e outras que nos desagradam. Se sentirmos fome, ou recebermos um golpe, ou experimentarmos excesso de frio ou calor registraremos dor pela sensao. Mas, diferena da dor que fsica, podemos experimentar sofrimento, que mental. Sentimos esse sofrimento quando no gostamos do que vemos do mundo que nos cerca, ou nos parece que no como deve ser.

A memria, a imaginao e a sensao so trs vias necessrias para a vida. Porm, elas podem converter-se em inimigas da vida se trabalham nos dando sofrimento. A memria nos faz sofrer ao lembrar fracassos e frustraes, ao lembrar perda de oportunidades, de objetos, de pessoas queridas. A imaginao nos faz sofrer pelas coisas negativas que pensamos sobre o futuro, nos trazendo temor: temor de perder o que temos, temor solido, doena, velhice e morte. A imaginao faz sofrer quando pensamos na impossibilidade de alcanar no futuro o que desejamos para ns e outras pessoas. A sensao nos faz sofrer quando vemos que nossa situao no como corresponde que seja, quando no somos reconhecidos familiar ou socialmente, quando nos prejudicam em nosso trabalho, quando encontramos impedimentos no que estamos realizando.

Ento, em lugar de falar dessas trs faculdades to importantes, temos que falar das trs vias do sofrimento, porque elas esto funcionando mal. Tambm devemos reconhecer que essas vias se entrecruzam e, quando algo falha em uma, compromete as outras. Aparentemente elas tm entre si contatos em muitos pontos. As prticas de trabalho pessoal do MH trabalham precisamente sobre as trs vias do sofrimento, despejando-as para que a vida se desenvolva sem tropeos.

O sofrimento pela lembrana

A lembrana s vezes traz sensaes agradveis e s vezes traz sofrimento. Qualquer pessoa sofre pelo que perdeu, pelo que fez e saiu errado. Ento, prefere no voltar sobre tudo aquilo. Mas, mesmo que ela no queira, muitas coisas de hoje a fazem lembrar de cenas desagradveis do passado. Ento, trata de evitar essas coisas e isso a limita em muitas atividades. s vezes, no se compreende que numerosos estados de angstia, de ansiedade, de temor, etc. tm a ver com lembranas de situaes negativas ou de coisas desagradveis. Trabalhando adequadamente com a lembrana pode-se solucionar muitos problemas vitais. No se trata de lembrar continuamente coisas negativas, porque isso cria pessimismo na vida. Em todo caso, trata-se de fazer um trabalho com essas lembranas de modo adequado, como o que realizamos em algumas reunies do Movimento.O sofrimento pela imaginao

A imaginao necessria vida. Graas a essa faculdade podemos planejar, fazer projetos e por ltimo chegar a modificar a realidade, aplicando na prtica nossa ao movida por ela. A imaginao uma fora enorme, mas os resultados dependem de como a mesma dirigida. De fato, se a imaginao se canaliza em aes negativas, ela termina provocando desajustes de todo tipo, gerando sofrimento.

Quando uma pessoa teme perder o que tem, ou teme no alcanar o que se prope, sofre pela imaginao. Tambm sofre pela imaginao aquele cujo futuro lhe parece inseguro ou desastroso. tal o sofrimento, que s vezes ele se transforma em dor fsica e doena. Sobre este ltimo ponto, deve considerar-se que numerosas doenas no so mais do que imaginrias e que, com o tempo, se tornam reais. A imaginao negativa produz, alm disso, tenso mental, diminuindo todas as aptides.Essa capacidade que a imaginao tem para levar-nos a atuar mal no mundo ou para influenciar sobre o corpo de modo negativo, pode modificar-se. As Experincias Guiadas se baseiam nesta grande faculdade do ser humano; com elas se trabalha separando a imaginao do sofrimento que at ento a acompanhava.

O sentido da vida

preciso reconhecer que, se estamos desorientados ou no temos uma finalidade, um sentido na vida, nos perdemos nas trs vias e no sabemos o que esclarecer de nosso caminho porque tambm no compreendemos para onde vamos. Certamente, o descobrimento de um sentido na vida o que mais nos ajuda a transformar as trs vias do sofrimento em trs vias positivas para a existncia.

No livro Humanizar a Terra, Cap. VII, Silo afirma:

...Se por acaso te imaginas como um blido fugaz que perdeu seu brilho ao tocar esta terra, aceitars a dor e o sofrimento como a natureza mesma das coisas. Mas, se acreditares que foste lanado ao mundo para cumprir com a misso de humaniz-lo, agradecers aos que te precederam e construram trabalhosamente teu degrau para continuar na ascenso.

Nomeador de mil nomes, fazedor de sentido, transformador do mundo... teus pais e os pais de teus pais se continuam em ti. No s um blido que cai mas uma brilhante seta que voa para os cus. s o sentido do mundo e quando esclareces teu sentido iluminas a terra. Quando perdes teu sentido, a terra se obscurece e o abismo se abre.Te direi qual o sentido de tua vida aqui: humanizar a Terra! Que humanizar a Terra? superar a dor e o sofrimento, aprender sem limite, amar a realidade que constris.

No posso pedir-te que vs alm, mas tambm no ser ultrajante que eu afirme: Ama a realidade que constris e nem sequer a morte deter teu vo!.

No cumprirs com tua misso se no pes tuas foras em vencer a dor e o sofrimento naqueles que te rodeiam. E se conseguires que eles por sua vez empreendam a tarefa de humanizar o mundo abrirs seu destino para uma vida nova.

BibliografiaSilo, Obras Completas, Volume I, Humanizar a Terra, Paisagem Interno: Dor, sofrimento e sentido da vidaSilo, Obras Completas, Fala Silo Arenga da Cura do Sofrimento.Vdeo Comentrios de Silo Cap. 3: A Mensagem www.silo.net .

Tema de Estudo N 8

A MUDANA E A CRISE

(Com base na Carta III, do Livro Cartas a Meus Amigos)

Nesta poca de grande mudana esto em crises os indivduos, as instituies e a sociedade. A mudana ser cada vez mais rpida e tambm as crises individuais, institucionais e sociais. Isto anuncia perturbaes que talvez no sejam assimiladas por amplos setores humanos.

As transformaes que esto ocorrendo tomam direes inesperadas, produzindo desorientao geral a respeito do futuro e do que se deve fazer no presente. Na realidade no a mudana o que nos perturba, j que nela observamos muitos aspectos positivos. O que nos inquieta no saber em que direo vai a mudana, e para onde orientar nossa atividade.

A mudana est ocorrendo na economia, na tecnologia e na sociedade; sobretudo est operando em nossas vidas: em nosso meio familiar e trabalhista, em nossas relaes de amizade. Esto se modificando nossas idias e o que acreditvamos sobre o mundo, sobre as demais pessoas e sobre ns mesmos. Muitas coisas nos estimulam, mas outras nos confundem e paralisam. O comportamento dos demais e o prprio nos parecem incoerentes, contraditrios e sem direo clara, tal como ocorre com os eventos que nos rodeiam.

Portanto, fundamental dar direo a essa mudana inevitvel, e no h outra forma de faz-lo a no ser comeando por si mesmo. Em si mesmo deve dar-se direo a estas mudanas desordenadas cujo rumo desconhecemos.

Como os indivduos no existem isolados, se realmente direcionam sua vida modificaro a relao com outros: na sua famlia, no seu trabalho e onde eles atuarem. Este no um problema psicolgico que se resolve dentro da cabea de indivduos isolados, mas se resolve mudando a situao em que se vive com outros, mediante um comportamento coerente. Quando festejamos sucessos ou nos deprimimos pelos nossos fracassos, quando fazemos planos a futuro ou nos propomos a introduzir mudanas em nossa vida, esquecemos o ponto fundamental: estamos em situao de relao com outros. No podemos explicar o que nos ocorre, nem escolher, sem referncia a certas pessoas e a certos mbitos sociais concretos. Essas pessoas que tm especial importncia para ns e esses mbitos sociais nos quais vivemos nos pem em uma situao precisa desde a qual pensamos, sentimos e atuamos. Negar isto ou no lev-lo em conta cria enormes dificuldades. Nossa liberdade de escolha e ao est delimitada pela situao em que vivemos. Qualquer mudana que desejemos operar no pode ser formulada em abstrato, mas com referncia situao em que vivemos. O comportamento coerente

Se pudssemos pensar, sentir e atuar na mesma direo, se o que fazemos no nos criasse contradio com o que sentimos, diramos que nossa vida tem coerncia. Seramos confiveis ante ns mesmos, mesmo que no necessariamente confiveis para nosso meio imediato. Deveramos alcanar essa mesma coerncia na relao com outros tratando os demais como quisssemos ser tratados. Sabemos que pode existir uma espcie de coerncia destrutiva como observamos nos racistas, nos exploradores, nos fanticos e nos violentos, mas est clara sua incoerncia na relao porque tratam a outros de um modo muito diferente ao que desejam para si mesmos. Essa unidade de pensamento, sentimento e ao, essa unidade no trato que se pede e o trato que se d, so ideais que no se realizam na vida diria. Este o ponto. Trata-se de um ajuste de condutas a essas propostas, trata-se de valores que, tomados com seriedade, direcionam a vida independentemente das dificuldades que se enfrentem para realiz-los. Se observarmos bem as coisas, no estaticamente, mas em dinmica, compreenderemos isto como uma estratgia que deve ir ganhando terreno medida que o tempo passe. Aqui sim valem as intenes, mesmo que as aes no coincidam ao comeo com elas, sobretudo se aquelas intenes so mantidas, aperfeioadas e ampliadas. Essas imagens do que se deseja alcanar so referncias firmes que do direo em toda situao. E isto que dizemos no to complicado. No nos surpreende, por exemplo, que uma pessoa oriente sua vida para alcanar uma grande fortuna; no entanto, esta pode saber antecipadamente que no a alcanar. De todas as maneiras, seu ideal a impulsiona mesmo que no tenha resultados relevantes. Por que ento, no possvel entender que, mesmo que a poca seja adversa a relacionar o trato que se pede com o trato que se d, mesmo que seja adversa a pensar, sentir e atuar na mesma direo, esses ideais de vida podem dar direo s aes humanas?As duas propostas

Pensar, sentir e atuar na mesma direo, e tratar a outros como desejamos ser tratados, so duas propostas to simples que podem ser entendidas como simples ingenuidades por gente habituada s complicaes. No entanto, por trs dessa aparente candura h uma nova escala de valores, em cujo ponto mais alto se pe a coerncia; uma nova moral para a que no indiferente qualquer tipo de ao; uma nova aspirao que implica sermos consequentes no esforo para dar direo aos eventos humanos. Por trs dessa aparente candura se aposta pelo sentido da vida pessoal e social que ser verdadeiramente evolutivo ou marchar desintegrao. No podemos j confiar em que velhos valores dem coeso s pessoas em um tecido social que dia a dia se deteriora pela desconfiana, o isolamento e o individualismo crescentes. A antiga solidariedade entre os membros de classes, associaes, instituies e grupos vai sendo substituda pela concorrncia selvagem qual no escapa o casal nem a irmandade familiar. Neste processo de demolio no se elevar uma nova solidariedade sobre a base de idias e comportamentos de um mundo que se foi, mas graas necessidade concreta de cada um de direcionar sua vida, para o qual ter que modificar seu prprio meio. Essa modificao, se for verdadeira e profunda, no pode ser posta em marcha por imposies, por leis externas ou por fanatismos de qualquer tipo, mas pelo poder da opinio e da ao mnima conjunta entre as pessoas que fazem parte do meio em que cada um vive. Chegar a toda a sociedade a partir do meio imediato

Sabemos que ao mudar positivamente nossa situao, estaremos influindo em nosso meio, e outras pessoas compartilharo este ponto de vista dando lugar a um sistema de relaes humanas em crescimento. Teremos que nos perguntar: por que deveramos ir alm de onde comeamos? Simplesmente por coerncia com a proposta de tratar aos outros como queremos que nos tratem. Ou por acaso no levaramos aos demais algo que foi fundamental para nossas vidas? Se a influncia comea a desenvolver-se porque as relaes e, portanto, os componentes de nosso meio, se ampliaram. Esta uma questo que deveramos levar em conta desde o comeo, porque ainda quando nossa ao comea aplicando-se em um ponto reduzido, a projeo dessa influncia pode chegar muito longe. No tem nada de estranho pensar que outras pessoas decidam somar-se na mesma direo. Depois de tudo, os grandes movimentos histricos seguiram o mesmo caminho: comearam pequenos, como lgico, e se desenvolveram graas ao fato de que as pessoas os consideraram intrpretes de suas necessidades e inquietaes. Atuar no meio imediato, mas com o olhar colocado no progresso da sociedade, coerente com tudo o dito. De outro modo, para que faramos referncia a uma crise global que deve ser enfrentada resolutamente se tudo terminasse em indivduos isolados para quem os demais no tm importncia? Por necessidade de pessoas que coincidam em dar uma nova direo a sua vida e aos eventos, surgiro mbitos de discusso e comunicao direta. Mais adiante, a difuso atravs de todos os meios permitir ampliar a superfcie de contato. Outro tanto ocorrer com a criao de organismos e instituies compatveis com este planejamento.

O meio em que se vive

J comentamos que to veloz e to inesperada a mudana, que este impacto recebido como crise ,na qual se debatem sociedades inteiras, instituies e indivduos. Por isso imprescindvel dar direo aos eventos. No entanto, como poderia faz-lo cada um, submetido como est ao de fatos maiores? evidente que cada um pode direcionar somente aspectos imediatos de sua vida, e no o funcionamento das instituies nem da sociedade. Por outra parte, pretender dar direo prpria vida no coisa fcil, j que cada qual vive em situao; no vive isolado, e sim em um meio. A este meio podemos v-lo to amplo como o Universo, a Terra, o pas, o Estado, etc. No entanto, h um meio imediato que onde desenvolvemos nossas atividades. Tal meio o familiar, o trabalhista, o de amizades, etc. Vivemos em situao com referncia a outras pessoas, e esse o nosso mundo particular do qual no podemos prescindir. Ele atua sobre ns e ns sobre ele de um modo direto. Caso tenhamos alguma influncia, sobre esse meio imediato. Mas ocorre que tanto a influncia que exercemos como a que recebemos esto afetadas, por sua vez, por situaes mais gerais, pela crise e a desorientao.A coerncia como direo de vida

Se quisesse dar alguma direo aos eventos seria preciso comear pela prpria vida e, para faz-lo, teramos que levar em conta o meio no qual atuamos. Mas a que direo podemos aspirar? Sem dvida, que nos proporcione coerncia e apoio em um meio to cambiante e imprevisvel. Pensar, sentir e atuar na mesma direo uma proposta de coerncia na vida. No entanto, isto no fcil porque nos encontramos em uma situao que no escolhemos completamente. Estamos fazendo coisas que necessitamos mesmo que em grande desacordo com o que pensamos e sentimos. Somos colocados em situaes que no governamos. Atuar com coerncia mais que um fato uma inteno, uma tendncia que podemos ter presente de maneira que nossa vida v direcionando-se para esse tipo de comportamento. claro que unicamente poderemos mudar parte de nossa situao, se influmos nesse meio. Ao faz-lo, estaremos direcionando a relao com outros e outros compartilharo tal conduta. Se ao anterior se objeta que algumas pessoas mudam de meio com certa freqncia em razo de seu trabalho ou por outros motivos, responderemos que isso no modifica em nada o formulado, j que sempre se estar em situao, sempre se estar em um meio dado. Se pretendermos coerncia, o trato que dermos aos demais ter que ser do mesmo gnero que o trato que exigimos para ns. Assim, nestas duas propostas encontramos os elementos bsicos de direo at onde chegam nossas foras. A coerncia avana conforme avana o pensar, sentir e atuar na mesma direo. Esta coerncia se estende a outros, porque no h outra forma de faz-lo, e ao estender-se a outros comeamos a trat-los do modo que queremos ser tratados. Coerncia e solidariedade so direes, aspiraes de condutas a alcanar.A proporo das aes como avano para a coerncia

Como avanar em direo coerente? Em primeiro lugar, necessitaremos certa proporo no que fazemos cotidianamente. necessrio estabelecer quais so as questes mais importantes em nossa atividade. Devemos priorizar o fundamental para que as coisas funcionem, depois vermos o secundrio, e assim em diante. Possivelmente ao atender a duas ou trs prioridades tenhamos um bom quadro de situao. As prioridades no podem inverter-se, tampouco podem separar-se tanto que se desequilibre nossa situao. As coisas devem ir em conjunto, no isoladamente, evitando que umas se antecipem e outras se atrasem. Freqentemente nos cegamos pela importncia de uma atividade e, desta sorte, desequilibra-nos o conjunto; no fim o que considervamos to importante tambm no pode realizar-se porque nossa situao geral ficou afetada. Tambm certo que s vezes se apresentam assuntos de urgncia aos que devemos nos dedicar, mas claro que no se pode viver adiando outros que dizem respeito ao cuidado da situao geral em que vivemos. Estabelecer prioridades e levar a atividade em proporo adequada um avano evidente em direo coerncia.

A oportunidade das aes como avano para a coerncia

Existe uma rotina cotidiana dada pelos horrios, os cuidados pessoais e o funcionamento de nosso meio. No entanto, dentro dessas pautas h uma dinmica e riqueza de eventos que as pessoas superficiais no sabem apreciar. H os que confundem sua vida com suas rotinas, mas isto no assim em absoluto j que muito freqentemente devem escolher dentro das condies que o meio lhes impe. A propsito, vivemos entre inconvenientes e contradies, mas convir no confundir ambos os termos. Entendemos por inconvenientes s molstias e impedimentos que enfrentamos. No so enormemente graves, mas sem dvida que, se so numerosos e repetidos, acrescentam a nossa irritao e fadiga. A propsito, estamos em condies de super-los. No determinam a direo de nossa vida nem impedem que levemos adiante um projeto, so obstculos no caminho que vo desde a menor dificuldade fsica a problemas pelos quais estamos a ponto de perder o rumo. Os inconvenientes admitem uma graduao importante, mas se mantm em um limite que no impede avanar. Algo diferente ocorre com o que chamamos contradies. Quando nosso projeto no pode ser realizado, quando os eventos nos lanam em uma direo oposta desejada, quando nos encontramos em um crculo vicioso que no podemos romper, quando no podemos direcionar minimamente a nossa vida, estamos tomados pela contradio. A contradio uma sorte de investimento na correnteza da vida que nos leva a retroceder sem esperana. Estamos descrevendo o caso em que a incoerncia se apresenta com maior crueza. Na contradio, o que pensamos, sentimos e fazemos se opem entre si. Apesar de tudo, sempre h possibilidade de direcionar a vida, mas necessrio saber quando faz-lo. A oportunidade das aes algo que no levamos em conta na rotina cotidiana, e isto acontece porque muitas coisas esto codificadas. Mas em referncia aos inconvenientes importantes e s contradies, as decises que tomamos no podem estar expostas catstrofe. Em termos gerais, devemos retroceder ante uma grande fora e avanar com resoluo quando essa fora se debilitar. H uma grande diferena entre o temeroso que retrocede ou se imobiliza ante qualquer inconveniente e o que atua sobrepondo-se s dificuldades, sabendo precisamente que avanando pode super-las. Ocorre, s vezes, que no possvel avanar porque um problema superior a nossas foras aparece, e arremeter sem clculo nos leva ao desastre. O grande problema que enfrentemos ser tambm dinmico e a relao de foras mudar, porque vamos crescendo em influncia, ou porque a influncia do problema diminui. Quebrada a relao anterior, momento de proceder com resoluo, j que uma indeciso ou uma postergao far com que novamente se modifiquem os fatores. A execuo da ao oportuna a melhor ferramenta para produzir mudanas de direo.A adaptao crescente como avano para a coerncia

Consideremos o tema da direo, da coerncia que queremos alcanar. Adaptarmo-nos a certas situaes est relacionado a essa proposta, porque nos adaptarmos ao que nos leva em direo oposta coerncia uma grande incoerncia. Os oportunistas padecem de uma grande miopia a respeito deste tema. Eles consideram que a melhor forma de viver a aceitao de tudo; pensam que aceitar tudo desde que provenha de quem tem poder uma grande adaptao, mas claro que sua vida dependente est muito longe do que entendemos por coerncia. Distinguimos entre a inadaptao, que nos impede de ampliar nossa influncia, a adaptao decrescente que nos deixa na aceitao das condies estabelecidas, e a adaptao crescente que faz crescer nossa influencia em direo s propostas que viemos comentando.Sintetizemos o dito:

1.- H uma mudana veloz no mundo, motorizada pela revoluo tecnolgica, que est se chocando com as estruturas estabelecidas e com a formao e os hbitos de vida das sociedades e os indivduos. 2.- Esta defasagem gera crises progressivas em todos os campos e no h por que supor que se deter mas, inversamente, tender a se incrementar. 3.- O inesperado dos eventos impede prever que direo tomaro os fatos, as pessoas que nos rodeiam e, definitivamente, nossa prpria vida. 4.- Muitas das coisas que pensvamos e achvamos j no nos servem. Tambm no esto vista solues que provenham de alguma sociedade, instituies ou indivduos que padecem do mesmo mal. 5.- Se decidirmos trabalhar para fazer frente a estes problemas teremos que dar direo a nossa vida, buscando coerncia entre o que pensamos, sentimos e fazemos. Como no estamos isolados, essa coerncia ter que chegar relao com outros, tratando-os do modo que desejamos para ns. Estas duas propostas no podem ser cumpridas rigorosamente, mas constituem a direo que necessitamos, sobretudo se as tomamos como referncias permanentes e aprofundamo-nos nelas. 6.- Vivemos em relao imediata com outros, e nesse meio onde devemos atuar para dar direo favorvel a nossa situao. Esta no uma questo psicolgica, uma questo que possa ajeitar-se na cabea isolada dos indivduos, este um tema relacionado com a situao em que se vive. 7.- Sendo coerentes com as propostas que tratamos de levar adiante, chegaremos concluso de que o positivo para ns e nosso meio imediato deve ser ampliado a toda a sociedade. Junto a outros que coincidem na mesma direo, encontraremos os meios mais adequados para que uma nova solidariedade encontre seu rumo. Por isso, ainda atuando to especificamente em nosso meio imediato, no perderemos de vista uma situao global que afeta todos os seres humanos, e que requer nossa ajuda assim como ns necessitamos a ajuda dos demais. 8.- As mudanas inesperadas nos levam a considerar seriamente a necessidade de direcionar nossas vidas. 9.- A coerncia no comea e termina em si mesmo mas est relacionada com um meio, com outras pessoas. A solidariedade um aspecto da coerncia pessoal. 10.- A proporo nas aes consiste em estabelecer prioridades de vida e operar com base nelas, evitando o desequilbrio. 11.- A oportunidade do acionar leva em conta retroceder ante uma grande fora e avanar com resoluo quando esta se debilita. Esta idia importante aos efeitos de produzir mudanas na direo da vida se estamos submetidos contradio. 12.- to inconveniente a desadaptao em um meio no qual no podemos mudar nada, como a adaptao decrescente na qual nos limitamos a aceitar as condies estabelecidas. A adaptao crescente consiste no aumento de nossa influncia no meio e em direo coerente.

BibliografiaSilo, Obras Completas, Volume I, Cartas a meus Amigos, Terceira carta a meus amigos.

Tema de Estudo N 9

AS VIRTUDES

No momento atual, na vida social e pessoal, tende-se a enfatizar as dificuldades e o negativo de si mesmo e das pessoas que se relacionam com a gente. Esta viso degradante de si mesmo gera uma atitude, uma forma de sentir e de viver muito particular, cujo resultado a curto ou mdio prazo resultar negativo. No negamos que exista um grande nmero de dificuldades s que nos enfrentamos dia aps dia. Mas muito importante reconhecer que esta maneira de enfrent-las conseqncia de um sistema desumano que hoje se impe e que tende a negativizar as pessoas.

Podemos repetir mecanicamente esta atitude, ou descobrir e fortalecer um modo de viver, pensar e sentir diferente, que se apie no mais interessante de cada um. Que se apie nas prprias virtudes.

Entendemos por virtude toda atitude que, levada ao, nos pe em acordo com ns mesmos, independentemente de nossa habilidade para realiz-la, nos deixando um registro de profunda paz.

Se lembrarmos estas situaes, veremos que possivelmente no s estaro ligadas a certas aes, mas a um modo de realiz-las no qual atuamos desde o melhor de cada um.

Se reconhecermos estas atitudes, se conseguimos tingir nosso dirio acionar com este modo de fazer as coisas, reconheceremos no s nossas virtudes, mas tambm as dos demais, e certamente poderemos saltar por cima das dificuldades, modificar situaes, e assim alcanar os objetivos de vida propostos.

Em todo caso, realizar uma lista das prprias virtudes (sejam estas atitudes, modos de comportamento, habilidades, atividades, etc.), e depois imaginar como se poderia potencializar ao mximo sua aplicao no mundo, resulta em um trabalho de muita importncia para a prpria vida e para a dos demais.

Este modo de fazer e sentir as coisas, este posicionamento frente vida baseado nas prprias virtudes, deveria colocar-se em marcha desde agora. a atitude que permite resolver dificuldades, avanar e construir em uma direo de vida coerente e positiva.

Tema de Estudo N 10

A VERDADEIRA SOLIDARIEDADEConsideremos estas idias: Onde h sofrimento e posso fazer algo para alivi-lo, tomo a iniciativa. Onde no posso fazer nada, sigo meu caminho alegremente. Semelhantes idias parecem prticas, mas nos deixam o sabor de falta de solidariedade. Como seguir em frente alegremente deixando para trs o sofrimento, desentendendo-nos do pesar alheio?

Vejamos um exemplo. No meio da calada, um homem cai em violentas convulses. Os transeuntes se concentram, dando instrues contraditrias e criando ao redor do doente um cerco asfixiante. Muitos se preocupam, mas no so efetivos. Talvez quem chame urgentemente ao mdico, ou aquele outro que pe a raia aos curiosos para evitar o aglomeramento, sejam os mais ajuizados. Eu posso ser um dos que tomam a iniciativa, ou talvez um terceiro que consegue algo positivo e prtico em tal situao. Mas se atuo por simples solidariedade criando confuso, ou obstaculizando aos que podem fazer algo prtico, no ajudo, e sim prejudico.

O anterior compreensvel, mas que quer dizer: Onde no posso fazer nada, sigo meu caminho alegremente? No quer dizer que estou muito contente por isso que sucedeu. Quer dizer que minha direo no deve ser entorpecida pelo inevitvel; quer dizer que no devo somar problemas aos problemas; quer dizer que devo positivizar o futuro, j que o oposto no bom para outros nem para mim.

H pessoas que, com uma mal entendida solidariedade, negativizam quem quer ajudar e prejudicam a elas mesmas. Essas so diminuies da solidariedade, porque a energia perdida nesse comportamento deveria haver-se aplicado em outra direo, em outras pessoas, em outras situaes nas quais efetivamente tivesse obtido resultados prticos. Quando falamos de resultados prticos, no nos referimos somente ao brutalmente material, porque at um sorriso ou uma palavra de encorajamento podem ser teis se existe uma possibilidade de que ajudem.

III TEMAS SOBRE A NO-VIOLNCIATema de Estudo N 11

AS DIFERENTES FORMAS DE VIOLNCIA

A violncia uma metodologia de ao.

Assim, Silo no dicionrio do Novo Humanismo define a violncia como: ... o mais simples, freqente e eficaz modo para manter o poder e a supremacia, impor a vontade prpria a outros, para usurpar o poder, a propriedade e ainda as vidas alheias..., para mais adiante expressar:

... A violncia penetrou em todos os aspectos da vida: se manifesta constante e cotidianamente na economia (explorao do homem pelo homem, coao do Estado, dependncia material, discriminao do trabalho da mulher, trabalho infantil, imposies injustas, etc.), na poltica (o domnio de um ou vrios partidos, o poder do chefe, o totalitarismo, a excluso dos cidados na tomada de decises, a guerra, a revoluo, a luta armada pelo poder, etc.), na ideologia (implantao de critrios oficiais, proibio do livre pensamento, subordinao dos meios de comunicao, manipulao da opinio pblica, propaganda de conceitos de fundo violento e discriminador que resultam cmodos elite governante, etc.), na religio (submisso dos interesses do indivduo aos requerimentos clericais, controle severo do pensamento, proibio de outras crenas e perseguio de hereges), na famlia (explorao da mulher, ditado sobre os filhos, etc.), no ensino (autoritarismos de professores, castigos corporais, proibio de programas livres de ensino, etc.), no exrcito (voluntarismo de chefes, obedincia irreflexiva de soldados, castigos, etc.), na cultura (censura, excluso de correntes inovadoras, proibio de editar obras, ditados da burocracia, etc.,).

Quando se fala de violncia, geralmente se faz aluso violncia fsica, por ser esta a expresso mais evidente da agresso corporal. Outras formas como a violncia econmica, racial, religiosa, sexual, etc., em algumas ocasies podem atuar ocultando seu carter, desembocando, definitivamente, no avacalhamento da inteno e a liberdade humanas. Quando estas se evidenciam, se exercem tambm por coao fsica.

Cotidianamente podemos reconhecer que a maior parte destas formas de violncia que se mencionam so exercidas de forma encoberta, por isso dificilmente so identificadas pelas povoaes como tais. Observamos que todos os feitos de violncia fsica encontram sua origem nessas outras formas de violncia. Definitivamente, estas so o germe que termina disparando respostas de violncia fsica.

E quando esta resposta visvel chega, costuma-se tentar aes para revert-la, sem advertir que esta s a conseqncia, o ltimo elo de uma corrente de outras violncias que passam inadvertidas para todos, menos para quem a padece. E essa resposta pode provir do poderoso, exercendo-a sobre aquele que se rebela e a quem j no pode disciplinar, ou se expressa como reao exercida por aquele que padeceu violncias de todo tipo.

A violncia econmica, por exemplo, exercida pelos governos sobre as povoaes, geralmente sobre as camadas mais desempossadas, no mostra seu verdadeiro rosto desde o incio. Os governantes ao invs disso a disfaram, j que necessitam captar a confiana e os votos dos povos, e estes no advertem o germe da violncia que j est instalado.S quando se estende o desespero pela perda de postos de trabalho, se restringe o acesso sade, educao, comeam a crescer a marginao, o trabalho infantil, a desero escolar, para mencionar s algumas, somente ento as populaes reagem e os poderes disciplinam toda tentativa de repdio com represso.

Os poderes estabelecidos sempre tm recursos para utilizar no interior dos pases, ou desde fora para ameaar e extorquir ante a mnima tentativa de desobedincia. Ame-aa de invaso e de guerra para impor condies. Assim a corrente de violncia que se inicia em um lugar, sobre um setor ou sobre um povo, no encontra limite no seu desdobramento no af de concentrao de poder poltico e econmico. Se a isto somamos o ingrediente de que o poder econmico a nvel mundial se apia em um dos negcios mais rentveis como a fabricao de armamentos, o panorama est completo.

S ento se adverte a violncia, que j estava na prpria origem deste processo. Somente ento se compreende que a violncia fsica suscitada tem sua origem na violncia econmica exercida desde o poder.

Porm, nessas alturas, as nefastas conseqncias da violncia fsica que se suscita j no tm remdio, so inevitveis.Tambm no Dicionrio do Novo Humanismo expressa-se que Uma tarefa especial das foras autenticamente humanistas consiste em superar os rasgos agressivos da vida social: propiciar a harmonia, a noviolncia, a tolerncia e a solidariedade

Existe uma atitude de rejeio generalizada pela violncia.

No entanto, nos perguntamos onde est essa sociedade enfastiada de violncia, quando em cada sinal de trnsito vemos um desfile de crianas e adolescentes pedindo esmola, sabendo que esto merc de qualquer oferecimento que se faa em troca de uma moeda.

E em que lugar de sua justificada moral, se pe a imagem de tanto menino que v diariamente, revirando lixo, comendo lixo, juntando papele