manual de mecanismos de resistência aos antibióticos

17
© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016 1 Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos Seção 3: Antibióticos ativos sobre a síntese do DNA Dr. Rafael Vignoli Professor Associado com Agregação do Departamento de Bacteriologia e Virologia Universidad de la República Integrante do Sistema Nacional de Investigadores do Uruguai (Nível I) Uruguai Tabela de conteúdo Seção 3: Antibióticos ativos sobre a síntese do DNA ..............................................................................................1 Tabela de conteúdo .................................................................................................................................................1 Quinolonas...............................................................................................................................................................2 1. Estrutura química ................................................................................................................................................2 2. Evidência do impacto da resistência de baixo nível às fluoroquinolonas .........................................................10 3. Referências ........................................................................................................................................................14

Upload: others

Post on 05-Jul-2022

7 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

1

Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

Seção 3: Antibióticos ativos sobre a síntese do DNA

Dr. Rafael Vignoli Professor Associado com Agregação do Departamento de Bacteriologia e Virologia

Universidad de la República Integrante do Sistema Nacional de Investigadores do Uruguai (Nível I)

Uruguai

Tabela de conteúdo

Seção 3: Antibióticos ativos sobre a síntese do DNA .............................................................................................. 1

Tabela de conteúdo ................................................................................................................................................. 1

Quinolonas............................................................................................................................................................... 2

1. Estrutura química ................................................................................................................................................ 2

2. Evidência do impacto da resistência de baixo nível às fluoroquinolonas ......................................................... 10

3. Referências ........................................................................................................................................................ 14

Page 2: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

2

Quinolonas

As quinolonas constituem uma extensa família de antibióticos de origem completamente sintético, cujo primeiro

integrante, o ácido nalidíxico, foi desenvolvido em 1962 a partir da cloroquina1. Em 1963, foram publicados os

primeiros resultados de ensaios clínicos em humanos com infecções urinárias2, sendo iniciada a sua

comercialização em 19671.

Embora a origem sintética pudesse indicar que a ocorrência de resistência seria esporádica, já os primeiros

estudos mostravam valores próximos a 13% para E. coli2.

1. Estrutura química

A estrutura básica das quinolonas é um duplo anel, apresentando tipicamente um nitrogênio na posição 1, um

grupo carboxila na posição 3, e carbonila na posição 4 (ver Figura 1)3.

Figura 1: Esquema geral das fluoroquinolonas. É representado o núcleo comum, incluindo o nitrogênio na posição 1, o grupo carboxila na posição 3, o carbonila na 4, e um átomo de flúor (F) na posição 6 (ver texto).

Page 3: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

3

A adição de flúor ao carbono 6 deu origem às fluoroquinolonas, diminuindo a probabilidade de aparecimento

de mutantes resistentes e aumentando a atividade sobre bacilos Gram-negativos e Gram-positivos1,3.

A introdução de diversos substituintes nas posições 1, 7 e 8 modifica o espectro de atividade e as propriedades

farmacocinéticas e farmacodinâmicas das novas quinolonas. Alguns dos substituintes utilizados e as

propriedades que eles conferem são mostrados na Figura 1.

Sítio-alvo das topoisomerases

As quinolonas atuam inibindo a ação das DNA girases e as topoisomerases do tipo IV bacterianas.

Para compreender melhor o mecanismo de ação e algum dos mecanismos de resistência às quinolonas, o

funcionamento dessas enzimas será descrito brevemente.

As DNA topoisomerases catalisam mudanças na topologia do DNA, permitindo a transição entre formas

relaxadas e sobre-enroladas do DNA. Embora a presença destas enzimas seja universal nos seres vivos, as

diferenças estruturais entre os procariontes e eucariontes permitem que as quinolonas ajam seletivamente

sobre as primeiras4. As DNA topoisomerases dividem-se em tipo I e II, dependendo se clivam uma ou as duas

fitas do DNA, respectivamente.

Durante o relaxamento das fitas do DNA, as topoisomerases utilizam a energia liberada durante a própria reação,

enquanto é necessário a hidrólise da ATP para ocorrer a introdução de um sobre-enrolamento negativo4. As

únicas topoisomerases capazes de realizar essa tarefa são as do tipo II4.

Em procariotas podem ser reconhecidos dois tipos de topoisomerases do tipo II e elas recebem os nomes de

girase e topoisomerase IV4,5. Ambos os casos são formados por tetrâmeros compostos por duas subunidades

codificadas (para os casos de enterobactérias) pelos genes gyrA e gyrB ou parC e parD, respectivamente.

Enquanto as girases controlam os sobre-enrolamentos do DNA e reduzem a tensão topológica gerada pela

translocação nos complexos de replicação e transcrição ao longo do DNA, as topoisomerases IV liberam fitas do

DNA concatenadas após a replicação4, 5.

Page 4: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

4

A seguir, é descrito o modelo proposto para o funcionamento da DNA girase em E. coli (o modelo das duas portas

de Roca e Wang)6.

Figura 2. Esquema do mecanismo de sobre-enrolamento da DNA girase, tomado e modificado de Costenaro e col.7. Passo 1: são representadas as subunidades da girasse, tal como apresentadas na solução. As duas subunidades de GyrA estão como dímeros, enquanto as subunidades de GyrB são vistas como monômeros. É representado um fragmento do DNA, onde é apontado o segmento G (a ser clivado) para a introdução do sobre-enrolamento positivo por passagem do segmento T. Passo 2: captura do DNA em torno da enzima, apresentando o segmento T sobre o segmento G, com um entrecruzamento positivo. Passo 3: uma vez formados os dímeros de GyrB, ocorre a ligação de ATB e o captura do segmento T, enquanto o segmento G é transitoriamente clivado. Passo 4: a hidrólise de uma molécula de ATP permite a rotação de GyrB, isto produz a passagem do segmento T através do segmento G clivado. Passo 5: a religação do segmento G introduz dois novos sobre-enrolamentos negativos no ADN. A reação culmina com a hidrólise de uma nova molécula de ATP, permitindo a liberação do segmento T, liberando a enzima. O asterisco aponta o sítio de clivagem do DNA, e o círculo indica o envelope de ligação do ATP.

Page 5: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

5

São reconhecidas três interfases na DNA girase, que podem ser encontradas em conformação aberta ou fechada,

sendo elas: a) o domínio N-terminal de GyrB ou porta N; b) a interfase GyrA-GyrB-ADN ou porta ADN, e o

extremo C-terminal de GyrA ou porta de saída. A explicação do funcionamento da girase é mostrada na Figura

2.

2.IV.C. Mecanismo de Ação

As quinolonas, que não podem ligar-se ao DNA nem às girases separadamente, atuam formando um complexo

ternário ADN-girase-quinolona, uma vez clivado o DNA, mas antes de sua religação. A interação com o DNA seria

por intercalado, de forma que os anéis aromáticos das quinolonas se ligam ao sítio da clivagem do DNA. Assim,

produzem o desalinhamento de ambos os extremos do DNA, impedindo a religação4.

Por outro lado, interage com discretas regiões de ambas as subunidades das girases (aproximadamente 40

aminoácidos), impedindo a sua liberação do DNA. O resultado final é a estabilização e o acúmulo dos complexos

ternários8, 9.

A interrupção do funcionamento da forquilha de replicação e a clivagem do DNA, sem posterior religação, levam

às quinolonas a alcançar seu efeito bactericida sobre os microrganismos sensíveis4.

2.IV.D. Mecanismos de resistência às quinolonas:

Os mecanismos de resistência primeiramente descritos para as quinolonas foram: alterações nos sítios-alvo e

diminuição do seu acúmulo no interior bacteriano, devido à impermeabilidade da membrana e/ou

hiperexpressão das bombas de efluxo10. Em ambos os casos, os mecanismos de resistência estavam codificados

ao nível do cromossomo bacteriano e não eram transferíveis horizontalmente.

2.IV.D.a. Alterações do sítio-alvo:

Embora as quinolonas, como foi mencionado, interagem tanto com as topoisomerases quanto com o DNA, a

resistência às quinolonas se relaciona usualmente à ocorrência de mutações nos genes que codificam para as

diversas topoisomerases, particularmente numa pequena região dos referidos genes denominada RDRQ (Região

Determinante de Resistência às Quinolonas), QRDR, em inglês. Para o caso de GyrA, a RDRQ envolve mudanças

Page 6: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

6

aminoacídicas entre as posições 51 a 106; entretanto, as mutações em parC envolvem as posições 23 a 176.

Ainda que as RDRQ compreendam em torno de 50 a 150 nucleotídeos, respectivamente, a maioria das mutações

descritas ocorre nas posições 83 e 87, em GyrA, e 80 e 84, em ParC11. Para o caso das quinolonas não fluoradas,

como o ácido nalidíxico, alcança uma mutação para conferir alta resistência; no entanto, para as

fluoroquinolonas, é requerido o acúmulo de duas mutações em gyrA e, ao menos, mais uma em parC10.

2.IV.D.b. Diminuição na captação de quinolonas:

A diminuição da passagem das quinolonas para o interior da bactéria está usualmente associada a dois fatores:

o aumento da impermeabilidade a esses antibióticos e/ou a hiperexpressão das bombas de efluxo naturalmente

presentes nos microrganismos.

2.IV.D.b.i. Alterações na permeabilidade:

Estão associadas à diminuição na expressão de porinas, fundamentalmente OmpF, em E. coli, e proteínas

homólogas, em outras enterobactérias, como K. pneumoniae12.

2.IV.D.b.ii. Bombas de efluxo:

As bactérias têm um amplo número de bombas de efluxo, fundamentalmente associadas à membrana interna,

que lhes permite eliminar diversas substâncias tóxicas para fora do citoplasma. São cinco as famílias de bombas

de efluxo reconhecidas, e elas são denominadas, em inglês, MATE (Multidrug And Toxic-Compound Extrusion),

MFS (Major Facilitator Superfamily), SMR (Small Multidrug Resistance), RND (Resistance Nodulation Division) e

ABC (ATP binding cassette) (ver Figura 3).

Mesmo que a AcrAB-TolC seja a bomba de efluxo que mais contribui para a resistência às quinolonas em E. coli,

as cinco famílias foram associadas, em maior ou menor medida, à resistência a esses antibióticos, seja na

expressão no estado basal seja nas condições de hiperexpressão por alteração dos mecanismos regulatórios13,14.

À exceção da família SMR, onde foi identificada apenas uma bomba pertencente a este grupo que expulsa

quinolonas (Mmr, em Mycobacterium smegmatis), as outras quatro famílias têm sido encontradas em diversos

microrganismos, incluindo a família Enterobacteriaceae14.

Page 7: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

7

Na Figura 3, é representado um esquema das cinco famílias de bombas (modificado e adaptado de Piddock 2006

e Li et al 201513,15, incluindo, em cada caso, um exemplo das bombas envolvidas na resistência às quinolonas.

Figura 3: Esquema das cinco famílias de bombas de efluxo. MATE (Multidrug and Toxic-Compound Extrusion), MFS (Major Facilitator Superfamily), SMR (Small Multidrug Resistance), RND (Resistance Nodulation Division) e ABC (ATP binding cassette). O fluxo das moléculas está representado com as setas negras, os antibióticos estão representados como “pílulas vermelhas”. Os exemplos colocados para cada grupo foram reportados como responsáveis por exportar quinolonas. Para uma descrição mais detalhada dos compostos excluídos por cada tipo de bomba, ver Poole K 200514.

2.IV.D.c. Mecanismos transferíveis de resistência às quinolonas:

Depois da introdução das fluoroquinolonas no arsenal de antimicrobianos, em 1980, só em 1998 que foi descrito

o primeiro caso de resistência transferível às quinolonas16. Esse gene foi chamado qnr, por quinolone-resistance,

e foi o primeiro de uma longa série de alelos e variantes que, hoje em dia, abrange mais de cem alelos,

distribuídos em sete variantes diferentes de qnr (http://www.lahey.org/qnrStudies).

ATP

Binding

Cassette

Page 8: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

8

Do ponto de vista mecanístico, são três os mecanismos diferentes de resistência transferível às quinolonas

reconhecidos:

a) Resistência por proteção ou mascaramento do sítio-alvo.

b) Resistência por inativação enzimática.

c) Bombas de efluxo.

a) Resistência por mascaramento do sítio-alvo:

Como já comentado, este foi o primeiro mecanismo descrito; corresponde a uma proteína codificada pelo gene

qnr, presente em plasmídeos conjugativos e, entre estes, associado a integrons da classe 117. Sua presença é

capaz de quadruplicar os níveis de concentração inibitória mínima (CIM) para uma cepa sensível18.

O produto do gene qnr é uma proteína (Qnr) de 218 aminoácidos, pertencente a uma família de proteínas de

pentapeptídeos repetidos. Esta proteína se liga especificamente à DNA-girase e à topoisomerase IV e, segundo

se propõe, desta forma evita a formação do complexo DNA-girase, requerido para que as quinolonas exerçam

seu efeito19,20. Mesmo que a proteção conferida por esta proteína seja de baixo nível, a importância clínica deste

mecanismo é explicada pela sua capacidade de complementar a resistência cromossômica às quinolonas,

conferida por mutações nas topoisomerases, diminuição na expressão de porinas e hiperexpressão de diversas

bombas de efluxo, mediado por mutações nos genes reguladores21. Adicionalmente, facilitaria a seleção de

mutações cromossômicas para concentrações de quinolonas que de outro modo resultariam letais, na ausência

do gene mencionado.

O gene anteriormente descrito passou a ser chamado qnrA, uma vez que, mais tarde, foram identificados em

espécies de enterobactérias outros membros da família dos pentapeptídeos repetidos codificados em

plasmídeos, como QnrB22, QnrC23,QnrD24 e QnrS25.

Em 2008, foi descrito um novo gene, pertencente à família qnr, associado a superintegrons de Vibrio cholerae,

e foi denominado qnrVC26. À diferença dos demais grupos de genes qnr, os derivados de qnrVC têm duas

Page 9: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

9

características particulares: por um lado, apresentam uma estrutura de gene cassete, com um sítio attC para

reconhecimento de intI126 e, por outro, apesar de terem essa estrutura, apresentam seu próprio promotor27.

Como já foi comentado, foram descritos até o momento mais de 100 alelos, distribuídos em sete variantes de

qnrA, 88 de qnrB, 1 qnrC, 2 qnrD, 9 qnrS e 7 qnrVc (http://www.lahey.org/qnrStudies).

b) Resistência por inativação enzimática:

Um segundo mecanismo de resistência transferível às quinolonas é o conferido pelo gene aac(6’)-Ib-cr, resultado

de duas mutações (códons 102 e 179) no gene aac(6’)-Ib. Este último, codifica para uma aminoglicosídeo

acetiltransferasa que fornece resistência à canamicina, amicacina, tobramicina e fluoroquinolonas28. A

modificação enzimática das fluoroquinolonas ocorre pela acetilação do nitrogênio no anel piperazínico.

Ciprofloxacina e norfloxacina são os únicos compostos que possuem um grupo piperazínico não substituído,

sendo as únicas fluoroquinolonas modificadas por esta nova enzima. Baseado neste fato mencionado

anteriormente, pode ocorrer co-seleção de resistência a duas classes diferentes de drogas conduzida por uma

mesma enzima28.

Os níveis de resistência conferidos por este mecanismo são semelhantes aos descritos para qnr, chegando a

quadruplicar os níveis de resistência à ciprofloxacina, com relação à mesma cepa antes de incorporar o gene

aac(6)'-Ib cr. Da mesma forma como foi descrito para os genes qnr, a presença destes genes, embora confira

baixos níveis de resistência, favorece a seleção de mutantes resistentes, por modificações em diversos genes

que conferem níveis mais altos de resistência.

O acúmulo destes mecanismos transferíveis em um mesmo microrganismo começa a ser mais frequente,

fundamentalmente em K. pneumoniae produtor de CTX-M-1529,30. Os dois mecanismos juntos em um mesmo

plasmídeo são capazes de conferir valores de resistência absoluta à ciprofloxacina, elevando os valores de CIM

para ciprofloxacina a 1 mg/L.

Page 10: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

10

c) Bombas de efluxo:

Estritamente falando, a primeira bomba de efluxo transferível capaz de conferir sensibilidade diminuída às

quinolonas foi oqxAB, sendo descrita em 2003, em E. coli resistente ao olaquindox31. Entretanto, até 2007 não

houve atividade sobre fluoroquinolonas32. OqxAB é uma bomba pertencente à família RND, que utiliza TolC

como componente da membrana externa. Contudo, confere resistência de um modo dependente dos seus

níveis de expressão33.

Em 2007, foi descrita no Japão e França a segunda bomba de efluxo transferível que causa diminuição da

sensibilidade às fluoroquinolonas. O gene codificador recebe o nome de qepA34,35, e a proteína codificada é

chamada QepA. Por semelhança de sequências e funcionalidade, esta proteína pertence ao grupo das bombas

MSF (Major Facilitator Subfamily), apresentando uma alta especificidade do substrato por norfloxacina,

ciprofloxacina e enrofloxacina. A presença de QepA pode produzir aumento de até 40 vezes nos níveis de

resistência a estes antibióticos35, dependendo dos níveis de expressão.

2. Evidência do impacto da resistência de baixo nível às fluoroquinolonas

Em modelos de infecção urinária em ratos, quando ocorre infecção com E. coli que apresenta CIM para

ciprofloxacina tão baixa como 0,19 mg/l, mediada pela presença de genes qnr, acontecem falências terapêuticas,

quando tratada com ciprofloxacina em doses equivalentes às fornecidas em humanos36.

Por outro lado, utilizando o mesmo modelo, CIM para ciprofloxacina tão baixa como 0,06 mg/l foi associada a

falências terapêuticas, na presença da enzima Aac(6’)Ib-cr37. Neste caso, os autores evidenciam um clearence

de ciprofloxacina aumentado, ao nível renal, que é atribuído à ação da Aac(6’)Ib-cr, sem observar diminuição

detectável na concentração plasmática da ciprofloxacina. Levando em consideração esta evidência, não só seria

necessário poder determinar os valores de CIM para fluoroquinolonas, mas também conseguir fazer uma

aproximação ao mecanismo de resistência envolvido.

Page 11: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

11

Diagnóstico laboratorial

Existem importantes discrepâncias entre os guias CLSI e EUCAST, como pode ser visto na Tabela 1. Entretanto,

de modo diferente do que ocorre com as oximino-cefalosporinas, neste caso, ambas as instituições utilizam as

mesmas cargas em disco, portanto, é possível utilizar uma ou outra regra indistintamente.

Tabela 1. Guias CLSI e EUCAST (2016) para a interpretação da sensibilidade às quinolonas em enterobactérias.

Como pode ser visto, existem pontos de corte diferenciais para Salmonella spp. em ambas as recomendações.

Esses pontos de corte estão baseados no ECOFF destes microrganismos, que é de 0,064 mg/l.

http://mic.eucast.org/Eucast2/SearchController/search.jsp?action=&BeginIndex=50&Micdif=mic&NumberIndex=50&Antib=47&Specium=-1.

De acordo com a evidência comentada anteriormente, com base em modelos de infecções em ratos, inclusive

nas infecções urinárias (ao menos, as altas), deveriam ser levados em consideração também os pontos de corte

estabelecidos para Salmonella spp.

Deve-se levar em consideração que, ao trabalhar com equipamentos automatizados, eles não dão valores tão

baixos de CIM como os requeridos para poder determinar esses níveis de suscetibilidade. Nesses casos, será

necessário realizar determinações adicionais de sensibilidade, ao menos no caso das infecções graves. Neste

S ≤ R > S ≥ R < S ≤ RI R ≥ S ≥ RI R ≤

Ciprofloxacin 5 0.5 1 22 19 1 2 4 21 16-20 15

Ciprofloxacin, Salmonella spp. 5 0.06 0.06 0.06 0.12-0.5 1 31 21-30 20

Pefloxacin (screen), Salmonella spp. 5 24 24 24 23

Levofloxacin 5 1 2 22 19 2 4 8 17 14-16 13

Moxifloxacin 5 0.5 1 20 17

Nalidixic acid 30 16 32 19 14-18 13

Norfloxacin 10 0.5 1 22 19 4 8 16 17 13-16 12

Ofloxacin 5 0.5 1 22 19 2 4 8 16 13-15 12

CIM breakpoint (mg/L) Diámetro del disco

Reglas EUCAST Reglas CLSI

Fluoroquinolonas CIM breakpoint

(mg/L)

Carga del

disco (µg)

Diámetro

Page 12: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

12

contexto, pontos de corte de 0,125mg/l para ciprofloxacina têm sido propostos para definir uma categoria de

resistência intermediária para este microrganismo38.

No entanto, essas limitações de alguns sistemas automatizados, analisando amplamente o perfil de sensibilidade

de um microrganismo, em alguns casos é possível se aproximar bastante de um resultado seguro, se levarmos

em consideração o limite inferior de reporte do aparelho em uso, os pontos de corte e os ECOFF. Na Tabela 2,

podem ser observadas as comparações desses valores para o caso de E. coli.

Tabela 2. São mostrados os ECOFF para E. coli de diversos antibióticos, os pontos de corte (PC) do EUCAST e CLSI e o limite inferior de CIM que detecta um equipamento automatizado. Se no PC aparecer um único valor, é que eles são coincidentes. Caso haja discrepâncias, o valor do CLSI é mostrado entre parênteses. Estão coloridos em verde aqueles PC que coincidem com os ECOFF e os limites do aparelho que cobrem esses valores; em amarelo, aqueles que não cobrem esses valores, mas não estão mais afastados que duas a quatro diluições, e em vermelho, os valores maiores.

Como pode ser observado na Tabela 2, o problema principal é com a ciprofloxacina. De acordo com os

mecanismos de resistência analisados, a resistência às quinolonas pode envolver ácido nalidíxico, ciprofloxacina

e amicacina (dentre os antibióticos presentes neste painel). Tanto os valores ECOFF para ácido nalidíxico ou

Page 13: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

13

amicacina parecem estar um pouco altos, se julgarmos pelos valores de CIM desses antibióticos, encontrados

em microrganismos produtores de Aac(6’)Ib-cr e qnr, respectivamente. Contudo, se os valores de CIM para o

ácido nalidíxico e amicacina são ≤2 mg/l, muito provavelmente a CIM para ciprofloxacina estará abaixo dos

valores ECOFF.

Finalmente, foram desenhados um par de diagnósticos fenotípicos para a detecção de aac(6´)Ib-cr; o primeiro,

para detectá-la em isolados com alta resistência às fluoroquinolonas, foi proposto por Wachino e cols. em

201139. Com essa finalidade, são utilizados dois tubos com LB + 8 mg/l de norfloxacina; o primeiro é adicionado

ao isolado suspeito de apresentar a enzima, e o outro é deixado sem nada. São colocados para incubar durante

toda a noite. No outro dia, pinga-se 10 µl de cada caldo em dois discos de papel de 6 mm de diâmetro, os quais

são colocados em uma placa de Mueller-Hinton semeada com McFarland 0,5 de uma cepa de E. coli ATCC 25922.

Após 24 horas de incubação, será observado um halo de inibição de uns 18 mm de diâmetro ao redor do disco

que contém caldo sem bactéria, enquanto uma diminuição do halo (que poderá alcançar 6 mm) será observada,

se o isolado estudado apresentar a enzima pesquisada, como pode ser observado na Figura 4.

Figura 4. Teste para a detecção de aac(6’)Ib-cr proposto por Wachino e

cols.39

Disco A pingado com caldo com cepa produtora de aac(6’)Ib-cr, B) disco

semeado com caldo sem microrganismos.

Para mais explicação, ver o texto.

Devido a que estes testes são realizados apenas sobre microrganismos resistentes às fluoroquinolonas, a sua

utilidade é mais de caráter epidemiológico que clínico.

Em 2013, Andres e cols.40 propuseram a realização de um teste realizado diretamente no antibiograma por

difusão em disco. Uma diferença de 5 mm ou mais a favor do diâmetro do halo de levofloxacina, com relação ao

de ciprofloxacina (ambos os discos de 5 µg), evidencia a presença de aac(6’)Ib-cr.

Page 14: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

14

3. Referências

1. Emmerson AM, Jones AM. The quinolones: decades of development and use. Journal of Antimicrobial

Chemotherapy 2003; 51: 13-20.

2. Ward-Mcquaid JF, Jichlinski D, Macis R. Nalidixic Acid in Urinary Infections. Br Med J 1963; 2: 1311-4.

3. Strahilevitz J, Hooper D. Quinolones. In: Mandell GL, Bennett JE, Dolin R, eds. Mandell, Douglas and

Bennett´s Principles and Practice of Infectious Diseases. Philadelphia,Churchill, Livingstone-ELSEVIER

2009; 487.

4. Collin F, Karkare S, Maxwell A. Exploiting bacterial DNA gyrase as a drug target: current state and

perspectives. Appl Microbiol Biotechnol 2011; 92: 479-97.

5. Drlica K, Zhao X. DNA gyrase, topoisomerase IV, and the 4-quinolones. Microbiology and Molecular

Biology Reviews 1997; 61: 377-92.

6. Roca J, Wang JC. DNA transport by a type II DNA topoisomerase: evidence in favor of a two-gate

mechanism. Cell 1994; 77: 609-16.

7. Costenaro L, Grossmann JG, Ebel C et al. Modular structure of the full-length DNA gyrase B subunit

revealed by small-angle X-ray scattering. Structure 2007; 15: 329-39.

8. Aedo S, Tse-Dinh YC. Isolation and quantitation of topoisomerase complexes accumulated on

Escherichia coli chromosomal DNA. Antimicrob Agents Chemother 2012; 56: 5458-64.

9. Zhang H, Guo J, Li D et al. Confirmation of quinolone-induced formation of gyrase-DNA conjugates

using AFM. Bioorg Med Chem Lett 2013; 23: 4622-6.

10. Ruiz J. Mechanisms of resistance to quinolones: target alterations, decreased accumulation and DNA

gyrase protection. Journal of Antimicrobial Chemotherapy 2003; 51: 1109-17.

11. Kim ES, Hooper DC. Clinical importance and epidemiology of quinolone resistance. Infect Chemother

2014; 46: 226-38.

12. Domenech-Sanchez A, Martinez-Martinez L, Hernandez-Alles S et al. Role of Klebsiella pneumoniae

OmpK35 Porin in Antimicrobial Resistance. Antimicrob Agents Chemother 2003; 47: 3332-5.

13. Li XZ, Plesiat P, Nikaido H. The challenge of efflux-mediated antibiotic resistance in Gram-negative

bacteria. Clin Microbiol Rev 2015; 28: 337-418.

Page 15: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

15

14. Poole K. Efflux-mediated antimicrobial resistance. J Antimicrob Chemother 2005; 56: 20-51.

15. Piddock LJ. Clinically relevant chromosomally encoded multidrug resistance efflux pumps in bacteria.

Clin Microbiol Rev 2006; 19: 382-402.

16. Martínez-Martínez L, Pascual A, Jacoby GA. Quinolone resistance from a transferable plasmid. The

Lancet 1998; 351: 797-9.

17. Wang M, Tran JH, Jacoby GA et al. Plasmid-mediated quinolone resistance in clinical isolates of

Escherichia coli from Shanghai, China. Antimicrob Agents Chemother 2003; 47: 2242-8.

18. Wang M, Sahm DF, Jacoby GA et al. Emerging plasmid-mediated quinolone resistance associated with

the qnr gene in Klebsiella pneumoniae clinical isolates in the United States. Antimicrob Agents Chemother

2004; 48: 1295-9.

19. Tran JH, Jacoby GA, Hooper DC. Interaction of the plasmid-encoded quinolone resistance protein QnrA

with Escherichia coli topoisomerase IV. Antimicrob Agents Chemother 2005; 49: 3050-2.

20. Tran JH, Jacoby GA, Hooper DC. Interaction of the plasmid-encoded quinolone resistance protein Qnr

with Escherichia coli DNA gyrase. Antimicrob Agents Chemother 2005; 49: 118-25.

21. Vinué L, Corcoran MA, Hooper DC et al. Mutations That Enhance the Ciprofloxacin Resistance of

Escherichia coli with qnrA1. Antimicrobial Agents and Chemotherapy 2016; 60: 1537-45.

22. Quiroga MP, Andres P, Petroni A et al. Complex class 1 integrons with diverse variable regions,

including aac(6')-Ib-cr, and a novel allele, qnrB10, associated with ISCR1 in clinical enterobacterial isolates from

Argentina. Antimicrob Agents Chemother 2007; 51: 4466-70.

23. Wang M, Guo Q, Xu X et al. New plasmid-mediated quinolone resistance gene, qnrC, found in a clinical

isolate of Proteus mirabilis. Antimicrob Agents Chemother 2009; 53: 1892-7.

24. Cavaco LM, Hasman H, Xia S et al. qnrD, a Novel Gene Conferring Transferable Quinolone Resistance in

Salmonella enterica Serovar Kentucky and Bovismorbificans Strains of Human Origin. Antimicrob Agents

Chemother 2009; 53: 603-8.

25. Hopkins KL, Wootton L, Day MR et al. Plasmid-mediated quinolone resistance determinant qnrS1

found in Salmonella enterica strains isolated in the UK. Journal of Antimicrobial Chemotherapy 2007; 59: 1071-

5.

Page 16: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

16

26. Fonseca EL, Dos Santos Freitas F, Vieira VV et al. New qnr gene cassettes associated with

superintegron repeats in Vibrio cholerae O1. Emerg Infect Dis 2008; 14: 1129-31.

27. da Fonseca EL, Vicente AC. Functional characterization of a Cassette-specific promoter in the class 1

integron-associated qnrVC1 gene. Antimicrob Agents Chemother; 56: 3392-4.

28. Robicsek A, Strahilevitz J, Jacoby GA et al. Fluoroquinolone-modifying enzyme: a new adaptation of a

common aminoglycoside acetyltransferase. Nat Med 2006; 12: 83-8.

29. Bado I, Gutiérrez C, García-Fulgueiras V et al. CTX-M-15 in combination with aac(6')-Ib-cr is the most

prevalent mechanism of resistance both in Escherichia coli and Klebsiella pneumoniae, including K.

pneumoniae ST258, in an ICU in Uruguay. J Glob Antimicrob Resist 2016; 6: 5-9.

30. Cruz GR, Radice M, Sennati S et al. Prevalence of plasmid-mediated quinolone resistance determinants

among oxyiminocephalosporin-resistant Enterobacteriaceae in Argentina. Mem Inst Oswaldo Cruz 2013; 108:

924-7.

31. Sorensen AH, Hansen LH, Johannesen E et al. Conjugative plasmid conferring resistance to olaquindox.

Antimicrob Agents Chemother 2003; 47: 798-9.

32. Hansen LH, Jensen LB, Sorensen HI et al. Substrate specificity of the OqxAB multidrug resistance pump

in Escherichia coli and selected enteric bacteria. J Antimicrob Chemother 2007; 60: 145-7.

33. Rodríguez-Martínez JM, Díaz de Alba P, Briales A et al. Contribution of OqxAB efflux pumps to

quinolone resistance in extended-spectrum-β-lactamase-producing Klebsiella pneumoniae. Journal of

Antimicrobial Chemotherapy 2013; 68: 68-73.

34. Yamane K, Wachino J-i, Suzuki S et al. New Plasmid-Mediated Fluoroquinolone Efflux Pump, QepA,

Found in an Escherichia coli Clinical Isolate. Antimicrobial Agents and Chemotherapy 2007; 51: 3354-60.

35. Perichon B, Courvalin P, Galimand M. Transferable resistance to aminoglycosides by methylation of

G1405 in 16S rRNA and to hydrophilic fluoroquinolones by QepA-mediated efflux in Escherichia coli.

Antimicrob Agents Chemother 2007; 51: 2464-9.

36. Jakobsen L, Cattoir V, Jensen KS et al. Impact of low-level fluoroquinolone resistance genes qnrA1,

qnrB19 and qnrS1 on ciprofloxacin treatment of isogenic Escherichia coli strains in a murine urinary tract

infection model. Journal of Antimicrobial Chemotherapy 2012; 67: 2438-44.

Page 17: Manual de Mecanismos de Resistência aos Antibióticos

© Curso on-line “Interpretação do Antibiograma na prática clínica diária” 2016

17

37. Guillard T, Cambau E, Chau F et al. Ciprofloxacin Treatment Failure in a Murine Model of

Pyelonephritis Due to an AAC(6')-Ib-cr-Producing Escherichia coli Strain Susceptible to Ciprofloxacin In Vitro.

Antimicrobial Agents and Chemotherapy 2013; 57: 5830-5.

38. Rodriguez-Martinez JM, Machuca J, Calvo J et al. Challenges to accurate susceptibility testing and

interpretation of quinolone resistance in Enterobacteriaceae: Results of a Spanish multicentre study. Journal of

Antimicrobial Chemotherapy 2015; 70: 2038-47.

39. Wachino J-i, Yamane K, Arakawa Y. Practical Disk-Based Method for Detection of Escherichia coli

Clinical Isolates Producing the Fluoroquinolone-Modifying Enzyme AAC(6′)-Ib-cr. Journal of Clinical

Microbiology 2011; 49: 2378-9.

40. Andres P, Lucero C, Soler-Bistué A et al. Differential Distribution of Plasmid-Mediated Quinolone

Resistance Genes in Clinical Enterobacteria with Unusual Phenotypes of Quinolone Susceptibility from

Argentina. Antimicrobial Agents and Chemotherapy 2013; 57: 2467-75.