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CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL Autorização nº 47 da DN PSP MANUAL DE FORMAÇÃO UFCD: BAS02 Crime, Procedimento Penal e Meios de Prova Edição: Abril 2020

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CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL Autorização nº 47 da DN PSP

MANUAL DE FORMAÇÃO

UFCD: BAS02

Crime, Procedimento Penal e Meios de Prova

Edição: Abril 2020

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Nota de Direitos de Autor

• O presente manual encontra-se protegido por direitos de autor pela PSG –

Serviços Integrados, Lda.

• Destina-se a uso exclusivo dos formandos da PSG – Serviços Integrados, Lda,

não sendo permitido a sua reprodução e/ou difusão sem autorização expressa do

autor.

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Conteúdo I – Objectivos Gerais ..................................................................................................................................... 4

II – Objectivos Específicos............................................................................................................................. 4

III – Noção de Crime ..................................................................................................................................... 4

3.1. Princípios do Direito Penal ................................................................................................................ 5

3.1.1. Princípio da Legalidade ou reserva legal .................................................................................... 5

3.1.2. Princípio da não retroactividade ................................................................................................ 5

3.1.3. Princípio da culpa ....................................................................................................................... 6

3.1.4. Princípio in dúbio pro reu ........................................................................................................... 7

3.1.5. Princípio da presunção de inocência .......................................................................................... 7

3.2. Tipos de Crime – sua composição (estatuição e previsão) e sanção penal ....................................... 8

3.3. Elementos constitutivos de um crime ............................................................................................... 8

3.3.1. Acção .......................................................................................................................................... 8

3.3.2. Tipicidade ................................................................................................................................... 9

3.3.3. Ilicitude ....................................................................................................................................... 9

3.3.4. Nexo de Causalidade ................................................................................................................ 13

3.3.5. Culpa ......................................................................................................................................... 13

3.3.6. Imputabilidade ......................................................................................................................... 19

3.4. Formas de Crime .............................................................................................................................. 20

3.4.1. Consumação ............................................................................................................................. 20

3.4.2. Tentativa ................................................................................................................................... 20

3.4.3. Desistência ................................................................................................................................ 21

IV – Crimes contra a propriedade ............................................................................................................... 22

4.1. Crime de Furto ................................................................................................................................. 23

4.2. Crime de Roubo ............................................................................................................................... 24

4.3. Crime de Dano ................................................................................................................................. 25

4.4. Crime de Burla ................................................................................................................................. 25

V – Identificação dos crimes quanto à sua natureza .................................................................................. 26

VI – Procedimento Penal (auto de notícia; detenção; flagrante delito; prisão preventiva; habeas corpus)

.................................................................................................................................................................... 28

6.1 – Os sujeitos processuais .................................................................................................................. 28

6.2 - Auto de notícia ............................................................................................................................... 29

6.3 – A detenção ..................................................................................................................................... 30

6.4 – Flagrante Delito ............................................................................................................................. 30

6.5 – Prisão Preventiva ........................................................................................................................... 31

6.6 – Exames e Perícias ........................................................................................................................... 33

VII – Meios de prova ................................................................................................................................... 35

7.1 – Gravações e escutas telefónicas .................................................................................................... 35

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7.2. A prova em processo-crime ............................................................................................................. 37

7.2.1. Prova Testemunhal ................................................................................................................... 37

7.2.2. Prova por acareação ................................................................................................................. 38

7.2.3. Prova por reconhecimento (pessoas e objetos) ....................................................................... 38

7.2.4. Prova Pericial ............................................................................................................................ 39

7.2.5. Prova Documental .................................................................................................................... 39

VIII – A Segurança Privada num contexto de crime.................................................................................... 41

Qual o seu papel? ................................................................................................................................ 41

Conclusão ................................................................................................................................................... 42

Legislação ................................................................................................................................................... 42

CC ............................................................................................................................................................ 42

CP ............................................................................................................................................................ 42

CPP .......................................................................................................................................................... 42

CRP ......................................................................................................................................................... 42

Regime Jurídico do Maior Acompanhado .............................................................................................. 42

Abreviaturas ............................................................................................................................................... 43

Bibliografia.................................................................................................................................................. 44

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I – Objectivos Gerais – Conhecer a noção de crime;

– Saber quais os princípios que norteiam o Direito Penal;

– Conhecer os tipos de crime no quadro criminal português;

– Conhecer os elementos constitutivos de um crime;

– Conhecer as causas de exclusão da ilicitude;

– Conhecer as causas de exclusão da culpabilidade;

– Conhecer os crimes existentes contra o património/ propriedade.

II – Objectivos Específicos – Medidas Cautelares e de Polícia;

– Conhecer o conceito de prova;

– Enumerar e distinguir os vários tipos de provas;

– Papel da Segurança Privada no contexto de um crime.

III – Noção de Crime

A palavra crime deriva do vocábulo latino crimen.

O conceito material de crime constitui uma expressão dos princípios

constitucionais de Direito Penal, agrupando, pois, as caraterísticas que uma

conduta tem de possuir, em nome desses princípios, para poder ser qualificada

como criminosa. Assim, a incriminação tem de ser indispensável para promover

a defesa de bens jurídicos essenciais (princípio da necessidade1), a conduta

incriminada deve possuir ressonância ética negativa (princípio da culpa2) e a

criminalização, sempre resultante de lei formal, deve reunir o consenso da

comunidade (princípio da legalidade3).

Em sentido material crime é todo o comportamento humano que lesa ou

ameaça lesar bens jurídicos fundamentais.

1 Consagrado no art. 18 n.º 1 da CRP. 2 Princípio que se infere da essencial dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade – artigos 1º e 27º, nº 1, da CRP. 3 O princípio da legalidade concretiza-se, formalmente, na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República - artigo 165º, nº 1, alínea c), da CRP -, mas requer, em sentido material, um consenso em torno da previsão de crimes.

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3.1. Princípios do Direito Penal

3.1.1. Princípio da Legalidade ou reserva legal

Traduz-se no princípio jurídico fundamental e constitucional de acordo

com o qual ninguém pode ser obrigado a fazer ou obrigado a abster-se de fazer

determinada coisa senão em virtude de lei escrita.

O princípio da legalidade processual estipula que a marcha do processo

não é determinada pelas partes nem pelo juiz, mas apenas pela lei.

Em direito Penal, para além da obrigatoriedade da lei escrita, existem uma

série de outros factores. Entre os quais o Princípio nullum crimen, nulla poena

sine lege, ou seja, princípio de que não há crime nem pena sem lei.

A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – nullum crimen nula

poena sine lege certa; proíbe-se a retroactividade da lei penal – nullum crimen

nulla poena sine lege previa; Proíbe-se a interpretação extensiva das normas

penais incriminadoras – nullum crime nulla poena sine lege strica; Proíbe-se a

integração de lacunas por analogia e impõe-se a retroactividade das leis penais

mais favoráveis.

Para além disto, este princípio impõe particularidades no âmbito da

competência para a criação de normas penais incriminadoras e normas penais

favoráveis.

O princípio impõe a exigência da intervenção judicial ou da imediação

judicial na aplicação ou na apreciação da responsabilidade criminal do agente.

O princípio da legalidade impõe ainda que ninguém pode ser punido / condenado

duas vezes pelo mesmo crime (ne bis in idem).

3.1.2. Princípio da não retroactividade

Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança privativa da liberdade

mais grave do que as previstas no momento da conduta, aplicando-se

retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.

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Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem

uma lei anterior ao momento da prática do facto que declare esse

comportamento como crime e estabeleça para ele a correspondente sanção.

Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto.

Mas a aplicação externa ou exacerbada deste princípio poderia levar a situações

injustas. Donde o princípio geral em matéria penal é de que as leis penais mais

favoráveis aplicam-se sempre retroactivamente.

Qual é a lei que no momento do julgamento o juiz devia aplicar ao

arguido? É a lei do momento da prática do facto, que é a mas favorável, do que

a lei posterior, ainda que essa lei tenha revogado aquela. Existe ultra-actividade

da lei penal, porque se aplica sempre a lei penal de conteúdo mais favorável ao

arguido.

O momento da prática do facto é sempre aquele em que, no caso de se

tratar de um crime por acção, o agente actuou, ou, no caso de se tratar de um

crime omissivo, no momento em que o agente deveria ter actuado.

3.1.3. Princípio da culpa

O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de

um Estado de Direito, proíbe que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que

a medida da pena ultrapasse a da culpa.

Ora um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas

fixas já que, é em função dela que, em cada caso, se há-de graduar a medida

concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele

tipo de comportamento.

Sucede que no caso vertente o que o legislador impõe é um limite mínimo

e um máximo, ditado naturalmente pela culpa, tendo em conta os bens jurídicos

e os valores económico-sociais em causa com este tipo de criminalidade.

Na verdade num Estado de direito, social e democrático, a assunção pelo

Estado da realização do bem-estar social, através da concretização de uma

democracia económica, social e cultural, com respeito pelos direitos e liberdade

fundamentais, legitima-se pela necessidade de garantir a todos uma existência

em condições de dignidade.

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3.1.4. Princípio in dúbio pro reu

Por sua vez o princípio in dubio pro reo constitui um princípio geral de

direito (processual penal) relativo à apreciação da prova/matéria de facto.

A livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; enquanto

o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de

dúvida razoável. Constituindo, pois, como que a face e o verso da realidade: a

livre convicção cessa perante a dúvida razoável e a dúvida não pode aceitar-se

quando não for razoável.

O que o princípio significa é que o arguido não precisa de provar a sua

inocência (ela é presumida à partida), além de não ter sequer que fazer prova

em tal sentido, muito menos pela sua palavra (o direito de defesa do arguido

abrange o direito de se calar, de não responder a perguntas, de guardar silêncio

sobre a matéria do facto). E significa ainda que, em caso de dúvida, o arguido

deve ser absolvido, por outras palavras, a dúvida sobre a matéria da acusação

ou da suspeita não pode virar-se contra o arguido, não pode prejudicá-lo, em vez

de o favorecer .

3.1.5. Princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado pela

primeira vez na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789, por

contraposição ao processo de cariz inquisitório em que o acusado muitas vezes,

confrontado com provas formais, tinha que provar a sua inocência, aparece hoje

consagrado, urbi et orbi, em todas as grandes Convenções Internacionais,

directamente ou no quadro do direito ao processo justo equitativo – due process,

fair process – cfr., nomeadamente, nas compilações que nos são mais próximas,

o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o já citado artigo 32º,

n.º 2 da Constituição. Entre nós, ao ser constitucionalizado e de aplicação

directa, a sua restrição apenas poderá ser legítima se for exigida pela

salvaguarda de outro direito fundamental.

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3.2. Tipos de Crime – sua composição (estatuição e previsão) e sanção penal

O Direito Penal como ramo do Direito que sanciona atos gravemente

ilícitos (crimes) com sanções de máxima gravidade (penas).

As penas correspondem ao tipos legais de crimes compostos por:

– Previsão - Comportamento delituoso;

– Estatuição - Medida legal da pena cominada para o

comportamento caracterizado na dita previsão;

3.3. Elementos constitutivos de um crime

Os elementos constitutivos do crime têm que se verificar

cumulativamente. Caso não se verifique um deles, não há crime.

3.3.1. Acção

3.3.1.1. Acção e Omissão

A ação é um comportamento humano, observado pelo Direito, ou seja, é

o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade, com reflexos

no mundo exterior.

É necessário que ação seja voluntária e consciente, não se considerando

ação o ato meramente reflexo ou inconsciente.

Não pode ser considerado uma ação:

✓ Forças da natureza;

✓ Os comportamentos de animais;

✓ Simples pensamentos ou de atitudes interiores;

✓ Actos de sonambulismo ou de hipnose;

Porquê? Porque o individuo quando pratica um acto de sonambulismo não

tem capacidade para dominar a sua vontade.

No Direito Penal, a palavra ação é empregada em sentido amplo,

abrangendo tanto a ação propriamente dita como a omissão.

Os crimes podem ser praticados por ação ou por omissão.

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Os crimes por acção consistem num fazer, numa ação positiva.

Exemplo: Abel quer matar Bento, planeia a situação e quando vê Bento

mata-o.

Os crimes por omissão consistem na abstenção da ação devida.

Tanto se omite quem não faz nada como quem se ocupa em coisa diversa.

Exemplo: atropelamento e fuga comete o crime de omissão de auxílio

(art.º 200º CP).

3.3.2. Tipicidade

O crime tem que ser previsto e descrito na lei, pois só pode ser punido

criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao

momento da sua prática.

“Não há crime nem pena sem lei”.

3.3.3. Ilicitude

A ilicitude consiste na ofensa material de certos bens jurídicos, bens

merecedores de tutela penal.

É tudo aquilo que é contrário à lei.

3.3.3.1. Causas de Exclusão da ilicitude

3.3.3.1.1. Legitima Defesa

A legítima defesa é uma das causas de exclusão da ilicitude. Provada a

sua verificação, a ilicitude do facto tem que ser excluída. Isto significa que o

agente que praticou um facto típico não deve ser punido por tal, concluindo-se

pela inexistência de ilicitude e, como tal, de responsabilidade criminal.

É pressuposto da legítima defesa a existência de uma agressão atual, ilícita,

tem que proteger bens jurídicos fundamentais da pessoa ou de terceiros e

proporcionalidade.

Por agressão entende-se a lesão ou pôr em perigo interesses ou bens

juridicamente tutelados, proveniente de uma ação humana.

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Ilícita, porque o ato terá que ser contrário à lei. E a proporcionalidade tem a

ver com a força que é empregue, terá que ser igual à força sofrida.

Exemplo: Abel leva um soco de Bento e logo a seguir Bento leva um soco de

Abel. Tem que ser uma reação imediata de Abel, pois caso contrário não se

está perante a legítima defesa.

3.3.3.1.2. Estado de Necessidade Justificante

No Estado de necessidade justificante a ação de afastamento do perigo

atinge, em regra, interesses de terceiros, no sentido de estranhos à situação de

necessidade.

Diz o art. 34º Do CP que não é ilícito o facto praticado como meio adequado para

afastar um perigo atual que ameace interesses juridicamente protegidos do

agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:

a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo,

salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;

b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente

ao interesse sacrificado; e

c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção

à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.

Exemplo: António e Bento estão dentro de um helicóptero a ver as vistas

do Alentejo. Durante o voo à uma avaria no helicóptero (que não pode ser

imputada a nenhum dos que estão dentro do helicóptero), e só existe um

paraquedas. António agarra no paraquedas e Bento morre.

3.3.3.1.3. Conflito de Deveres

A exclusão da ilicitude, resultante do conflito de deveres, só ocorre nos

termos do art. 36.º do CP. Na realidade, o conflito de deveres (previsto no seu

n.º 1 do artigo 36.º daquele diploma legal) estabelece que “Não é ilícito o facto

de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens

legítimas de autoridade, satisfazer dever ou ordem de valor igual ou superior ao

do dever ou ordem que sacrificar”. Para que tal conflito tenha relevância jurídica

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para afastar a ilicitude, é necessário que a opção pela prática do crime tenha

sido determinada pela inexistência de outro meio, menos gravoso, por forma a

evitar a lesão do bem jurídico ameaçado. Se colidirem dois deveres de igual

valor, a que um agente está obrigado, tais como o dever legal de entregar

impostos e o dever contratual de pagar os salários aos trabalhadores, este

poderá optar por um deles, sendo certo que só tem a possibilidade de cumprir

apenas um. Quando colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de

natureza superior, está justificado que o agente que não cumpra o dever de

natureza inferior, satisfazendo o dever de natureza superior. Está aqui inerente

a ideia de ponderação de interesses, referida anteriormente no âmbito do direito

de necessidade. O fundamento primeiro da causa de exclusão da ilicitude do

conflito de deveres encontra-se na impossibilidade de cumprimento, tempestivo

ou simultâneo, de deveres de agir que se mostram em conflito — ad impossibilita

nemo tenetur — e na consequente necessidade de dar prevalência a um e

sacrificar o outro.

A hierarquização de deveres é uma estratificação de interesses ou bens

jurídicos tutelados por meio dos mesmos, impondo-se ao agente, em caso de

colidirem deveres jurídicos de importância diferente, sacrificar o menos valioso,

de acordo com o princípio fundamental da ponderação de bens conflituantes e

de prevalência do preponderante. Nos casos em que entre os deveres em

conflito não se possa estabelecer uma hierarquia, outra alternativa não resta

senão a de eleger uns em detrimento de outros, reconhecendo-se plena

liberdade de escolha ao agente em causa, quando a ordem jurídica exige o

cumprimento de vários deveres incompatíveis, não dando ao respectivo

destinatário critério de escolha, tem de contentar-se com o cumprimento de

qualquer deles.

Exemplo: No caso de violação o agressor encontra em cima da vítima

para a tentar violar. A vítima para se defender consegue agarrar numa pedra e

bate com a mesma na cabeça do agressor. O agressor morre.

3.3.3.1.4. Exercício de um Direito ou Cumprimento de um Dever

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O agente que praticar um facto prenunciado num tipo incriminador – o

chamado facto típico - no cumprimento de um dever ou no exercício de um

direito, não é punido perante a ordem jurídica em vigor. O facto típico é praticado

tendo em vista a circunstância prevista numa determinada norma permissiva - a

causa de justificação. Com efeito, o facto concreto é valorado nos moldes

juridicamente relevantes - circunstâncias justificativas determinadas pela lei - em

que é praticado, 9 afastando-se, em razão dessas circunstâncias, o interesse

jurídico tutelado pelo tipo incriminador. Tratamos assim casos com uma ilicitude

aparente. O agente age em conformidade com a lei, não obstante a tipicidade

penal do seu comportamento. Embora o tipo legal incriminador afirme a ilicitude

do facto, essa qualidade é excluída quando o facto, além dos elementos

previstos no tipo, é exercido sob as condições que constituem uma causa de

justificação. O escopo prosseguido pela norma permissiva é considerado

superior ao escopo pretendido pelo tipo incriminador porque este deixa de ser

relevante perante a ordem jurídica penal vigente. Concorrem, num mesmo

momento, o facto previsto incriminador e a circunstância que incorpora uma

causa de justificação.

Exemplo: Matar outra pessoa, diz o nosso Código Penal que se constituí

como crime de homicídio. Mas um soldado quando está em guerra mata o

“inimigo” e não é acusado de nenhum crime de homicídio.

3.3.3.1.5. Consentimento do ofendido

O consentimento do ofendido exclui a ilicitude da conduta, desde que

presentes alguns requisitos, que estão explanados no artigo 36º do CP, a saber:

✓ O consentimento exclui a ilicitude do facto quando se referir a

interesses jurídicos livremente disponíveis e o facto não ofender os

bons costumes.

✓ O consentimento pode ser expresso por qualquer meio que

traduza uma vontade séria, livre e esclarecida do titular do

interesse juridicamente protegido, e pode ser livremente revogado

até à execução do facto.

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✓ O consentimento só é eficaz se for prestado por quem tiver mais

de 16 anos e possuir o discernimento necessário para avaliar o seu

sentido e alcance no momento em que o presta.

A invasão da esfera jurídica alheia pelo autor da ação supostamente

danosa, desde que por ele consentida, seria lícita, afastando pressuposto

indispensável do dever de indemnizar, qual seja, a ilicitude.

A tentativa diz o artigo 38º n.º 4 é punível quando o consentimento não for

conhecido pelo agente.

Exemplo: Quando alguma pessoa nos agride fisicamente constitui-se o

crime de ofensas corporais (simples ou qualificadas consoante a gravidade).

Contudo quando vamos fazer análises e nos espetam a agulha para tirar sangue,

não pode se constituir o crime de ofensas corporais, porque damos o nosso

consentimento (é por esse motivo que assinamos sempre a credencial antes de

nos tirarem sangue).

3.3.4. Nexo de Causalidade

É o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela

produzido. Examinar o nexo de causalidade é descobrir quais condutas,

positivas ou negativas, deram causa ao resultado previsto em lei.

Assim, para se dizer que alguém causou um determinado fato, é

necessário estabelecer a ligação entre a sua conduta e o resultado gerado, isto

é, verificar se de sua ação ou omissão adveio o resultado.

Exemplo: O facto de alguém realizar trabalho repetitivo e penoso e após certo

período desenvolver uma doença não é suficiente para ter direito a uma

indemnização. Para tal, é necessário que o trabalhador comprove o nexo

causalidade entre a doença e a atividade desenvolvida.

3.3.5. Culpa

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A culpa é o juízo que permite imputar4 a prática de um crime a um sujeito.

3.3.5.1. Tipos de Culpa (dolo e negligência)

✓ Dolo ( culpa grave): se o sujeito sabe que o facto constitui crime e quer

praticá-lo (Artigo 71ºn.º2 do CP).

✓ Negligência (culpa leve ou mera culpa): Se o sujeito pratica o crime

porque não procede com o cuidado a que está obrigado e de que é capaz.

A negligência só é punida quando a lei expressamente o prevê (art.º 13º

CP).

Relativamente ao dolo ele pode ser de três tipos:

▪ Dolo Directo – é a intenção directa do agente, ou seja, é aquele em que

o fim subjectivo do agente é o facto tipicamente ilícito (Artigo 14º nº1 do

CP).

Exemplo: Abel quer matar Bento. Assim que o vê dá-lhe um tiro.

▪ Dolo Necessário – O facto tipicamente ilícito não constitui o fim que o

agente se propõe, mas é consequência necessária da realização pelo

agente do fim que se propõe (Artigo 14º nº2 do CP).

Exemplo: Abel quer envenenar Bento. Sabe que Bento tem o costume de

beber pela garrafa amarela que está sempre na janela de Bento. Abel vê

uma oportunidade e sem ninguém ver mete veneno na garrafa para matar

Bento.

Todavia aquilo que Abel não sabia é que Carlos tinha o costume de beber

pela garrafa de Bento. Carlos bebeu primeiro pela garrafa de Bento e

morre.

4 Significa atribuir responsabilidade.

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▪ Dolo Eventual – (Artigo 14º nº3 do CP) – O Agente prevê o facto como

consequência possível da sua conduta e mesmo assim, age, assumindo

o risco, conformando-se com a sua realização.

Exemplo: Abel quer envenenar Bento. Sabe que Bento tem o costume de beber

pela garrafa amarela que está sempre na janela de Bento. Abel vê uma

oportunidade e sem ninguém ver mete veneno na garrafa para matar

Bento.

Mas Abel sabia que o Carlos tinha o costume de beber pela garrafa de

Bento, e ainda assim agiu conformando-se com o facto de Carlos também

poder morrer também.

3.3.5.2. Causas de Exclusão da Culpabilidade

3.3.5.2.1. Excesso de Legitima defesa

O excesso da legítima defesa, consagrada no artigo 33º do CP pressupõe

a verificação de todo o condicionalismo da legítima defesa, reportando-se ao

excesso dos meios empregados que, sendo determinados por perturbação,

medo ou susto não censuráveis, pode isentar o agente da pena por falta de

culpa.

Os requisitos para que haja excesso de legítima defesa são:

a) Agressão atual, no sentido de estar em desenvolvimento ou eminente;

b) Que nessa agressão que a força seja sensivelmente superior àquela que

ocorreu ou que está na iminência de ocorrer;

c) Ilícita, no sentido de o seu autor não ter o direito de a fazer

d) Na defesa de direitos do agente ou de terceiros constitucionalmente

consagrados (animus defendendi).

O excesso nos meios empregados pelo agente têm que ser resultantes da

perturbação profunda que a agressão provoca no agente. Deverá se imputar a

uma culpa mitigada (ao menos em princípio), suscetível de permitir ao juiz que

atenue a pena (art. 33.º, n.º 1 do CP), ou não sendo censurável poderá conduzir

à não punição do agente (art. 33.º, n.º 2 do CP).

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Mas não é qualquer perturbação, medo ou susto que é susceptível de afastar a

punição em caso de excesso de legítima defesa, o que só sucederá quando os

mesmos não forem censuráveis.

A necessidade da defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das

circunstâncias em que ocorre a agressão e, em particular, com base na

intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir.

Exemplo: Em momentos anteriores Abel, vira o seu domicílio invadido,

violado e danificado por 8 pessoas, armados de paus, ferros e tacos de basebol,

fora agredido por eles e assistiu impotente à agressão da sua mulher e à

produção de vultosos danos. Todavia Abel conseguiu munir-se de uma pistola e

efetuou disparos para o ar, com o intuito de amedrontar os demais indivíduos

levando-os a abandonar o seu domicílio.

Os indivíduos fugiram mas como pensaram que se tratava de uma pistola

de alarme preparavam-se para entrar de novo na residência de Abel. Abel ainda

tentou fechar a porta da sua residência mas não teve sucesso.

Confrontado com os indivíduos dentro de casa outra vez Abel voltou a

efetuar dois disparos para o ar, que, no entanto, se revelaram infrutíferos. Então

resolveu disparar mais 2 tiros que atingiram os dois indivíduos que encabeçavam

o grupo colocando em fuga todos os restantes.

Nesta situação não há excesso de legítima defesa.

3.3.5.2.2. Obediência Indevida desculpante

Consagra o artigo 37º do CP que age sem culpa o funcionário que

cumpre uma ordem sem conhecer que ela conduz à prática de um crime, não

sendo isso evidente no quadro das circunstâncias por ele representadas.

Confere ao individuo que pratica um crime no âmbito do cumprimento de

uma ordem a possibilidade de ser desculpado no seu ato caso desconheça a

ilicitude ou o caracter proibido do mesmo.

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Exemplo: Na Academia militar o Tenente António manda a administrativa

Berta ir buscar o processo do Alferes Carlos. Berta assim o fez. Quando entregou

o mesmo ao Tenente António, ele olha para o mesmo e diz a Berta para o destruir

porque não tinha interesse. Berta cumpre a ordem. O que Berta não sabia é que

o Alferes estava sob investigação e o que ela tinha feito tinha sido um crime.

3.3.5.2.3. Estado de necessidade desculpante

São pressupostos do estado de necessidade desculpante a verificação de

uma situação de perigo atual para bens jurídicos de natureza pessoal (vida,

integridade física, honra e liberdade) do agente ou de terceiro.

O facto ilícito praticado tem de ser “adequado”, ou seja, idóneo a afastar o perigo

que não seria remível por outro modo.

Para além destes elementos objetivos relacionados com o perigo, o bem

jurídico ameaçado e a adequação do facto é necessário que o juiz verifique que

não era razoável exigir do agente, segundo as circunstâncias do caso,

comportamento diferente.

Torna-se ainda indispensável que o agente pratique a ação para

determinar com ela a preservação do bem jurídico ameaçado, isto é, o animus

salvandi, o que bem se compreende pois está em causa a prática de um facto

ilícito e, por conseguinte, juridicamente desaprovado.

Exemplo: Abel assaltante, entra nas instalações onde Bento, Segurança

Privado exerce as suas funções, aponta uma arma à cabeça de Bento, que se

encontra descarregada, ordena que seja aberto o cofre e que retire todo o

dinheiro que lá se encontra, ameaçando-o de que caso contrário, dispara a arma

na cabeça de Bento. Bento desconhecendo que a arma está descarregada e

receando ser morto por Abel, abre o cofre e retira todo o dinheiro.

3.3.5.2.4. Erro

O erro em Direito Penal é uma ausência ou falsa representação da

realidade, como afirma a doutrina5 e se infere da noção de dolo (art. 14.º do CP)

5 Referências em Teresa Beleza e Frederico Costa Pinto, O regime legal do erro (cit. nt. 2), 10 e ss.

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- que pressupõe uma exacta consciência (intelectual) da situação fáctica do

crime - e do âmbito do erro sobre a ilicitude (art. 17.º do CP) - configurado sobre

a actuação “sem consciência da ilicitude do facto”. O objecto do erro relevante

coincide com o objecto do dolo ou com o substrato da consciência da ilicitude.

São objecto idóneo do erro de tipo (que leva à exclusão do dolo) os

elementos do facto ilícito. Ficam de fora deste círculo os pressupostos e

elementos do tipo de culpa, as motivações do agente, os elementos autónomos

da punibilidade (condições objectivas de punibilidade e causas de não

punibilidade), a sanção e os pressupostos processuais6.

O art. 16.º do Código Penal prevê cinco modalidades de erro que variam

em função do objecto da errada representação do agente, tendo todas no

entanto a mesma consequência: é excluída a imputação dolosa do facto, ficando

ressalvada a responsabilidade por negligência (art. 16.º, n.º 3 CP) sujeita a duas

condições: se existir tipo legal negligente para o facto e caso se comprove a

concreta negligência do agente (à luz do art. 15.º CP).

Dessas cinco modalidades só duas têm como objecto elementos do facto

típico: (1) o erro sobre elementos de facto e (2) o erro sobre elementos

normativos de um tipo de crime. Mas, além disto, são tratados sob o mesmo

regime (de exclusão do dolo ou, melhor, da imputação dolosa do facto) os casos

de (3) erro (intelectual) sobre a existência de proibições cujo conhecimento seja

razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da

ilicitude do facto (art. 16.º, n.º 1, terceira parte, do CP) e os casos de (4) erro

sobre pressupostos das causas de justificação e (5) e de erro sobre

pressupostos das causas de desculpa (art. 16.º, n. 2 do CP).

Verificada uma situação desta natureza o facto não é imputável ao agente

a título doloso. Ou seja, o erro produz o seu efeito jurídico (exclusão da

imputação dolosa) uma vez identificado, sem esse efeito estar condicionado por

qualquer outro critério.

O art. 17.º do Código Penal regula o erro sobre a ilicitude, configurando a

relevância do mesmo como uma eventual causa de desculpa do agente. A falta

de consciência da ilicitude do facto (que pode resultar quer de uma ausência de

6 Para uma análise da questão na doutrina portuguesa, veja-se Teresa Beleza e Frederico da Costa Pinto, O regime legal do erro (cit. nt. 2), pp. 10 e ss.

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consciência da ilicitude, quer de uma representação deficiente da mesma que

redunda numa forma de ausência de consciência do ilícito) pode excluir a culpa

se for não censurável (art. 17.º, n.º 1 CP). Caso tal falta de consciência da

ilicitude seja censurável mantém-se a responsabilidade por crime doloso,

podendo a pena ser especialmente atenuada (art. 17.º, n.º 2 CP).

Exemplo: António, Bento e Carlos vão todos para a caça. Iam caçar

veados e consequentemente estavam deviamente “mascarados” para conseguir

enganar a caça. Durante a caçada Carlos sem se aperceber ultrapassa a linha

de fogo e António quando vê as hastes, julga que é um veado e atira. Quando

chega ao pé do animal vê que na verdade tinha morto Carlos.

Diz-se que António quando agiu, estava em erro sobre o objeto.

3.3.6. Imputabilidade

Em Direito, chama-se de imputabilidade penal a capacidade que tem

a pessoa que praticou certo ato, definido como crime, de entender o que está

fazendo e de poder determinar se, de acordo com esse entendimento, será ou

não legalmente punida.

Que ou quem não pode ser responsabilizado por um facto punível, por n

ão ter as faculdades mentais e a liberdade necessárias para avaliar o acto qua

ndo o praticou.

A inimputabilidade pode ser absoluta ou relativa7.

7 O regime jurídico relativamente a esta matéria foi alterado pela Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto que veio a introduzir a figura jurídica do maior acompanhado, em substituição dos regimes de interdição e de inabilitação. O que o legislador pretendeu foi definir judicialmente tipos de actos para cuja prática válida o maior, considerado capaz de gozo e de exercício, necessita da intervenção de um acompanhante, porque, por razões de saúde, de deficiência ou de comportamento, não está em condições de exercer devidamente, por si só, os seus direitos ou deveres. É, em geral, um regime próximo da inabilitação, no que toca à definição do âmbito da incapacidade e da forma de suprimento. As razões de saúde, de deficiência ou de comportamento que impeçam o exercício “pleno, pessoal e consciente” dos direitos ou o cumprimento dos deveres, ainda que temporariamente. Pelo seu carácter aberto, podem abranger mais situações do que as que possibilitavam a interdição ou a inabilitação; carecem, aliás, de concretização caso a caso. São meios subsidiários em relação aos “deveres gerais de cooperação e assistência que no caso caibam”, por exemplo, decorrentes de relações familiares (140º do Código Civil).

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Se for absoluta, isso significa que não importam as circunstâncias, o

indivíduo definido como "inimputável" não poderá ser penalmente

responsabilizado por seus atos na legislação convencional, ficando sujeitos

às normas estabelecidas em legislação especial.

Se a inimputabilidade for relativa, isso indica que o indivíduo pertencente

a certas categorias definidas em lei poderá ou não ser penalmente

responsabilizado por seus atos, dependendo da análise individual de cada caso

na Justiça, segundo a avaliação da capacidade do acusado, as circunstâncias

atenuantes ou agravantes, as peculiaridades do caso e as provas existentes.

Apenas pessoas com mais de 16 anos são penalizadas.

3.4. Formas de Crime

3.4.1. Consumação

No que concerne à consumação, pode fazer-se uma distinção

interessante entre perfeição e consumação, isto é, uma distinção entre

consumação formal e consumação material.

A primeira (perfeição ou consumação formal) ocorre quando se

preencherem todos os requisitos mínimos, isto é, aquilo que seja necessário e

suficiente para a existência do crime. A segunda, isto é, a consumação ou

consumação material, verificar-se-á quando o delito já perfeito atinge a sua

máxima gravidade concreta.

Em princípio, haverá, na maior parte das vezes, uma coincidência

absoluta entre a consumação formal (perfeição) e a consumação material, ou

seja, quando a ação se conforma como crime, atinge simultaneamente a sua

gravidade máxima, exaure-se a ação criminosa. No entanto, há exceções, por

exemplo, o furto com actos sucessivos. Isto é, o furto consuma-se formalmente

– é um crime perfeito - com a apropriação da primeira coisa, mas só se exaure

com a apropriação das restantes.

3.4.2. Tentativa

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A tentativa consiste na realização incompleta do comportamento típico de

um determinado tipo de crime previsto na lei e a sua incriminação corresponde

à extensão (por mor da relação de emergência que intercede entre o crime

tentado e o crime consumado) da punibilidade às realizações incompletas do tipo

de crime que o agente decidiu realizar.

O art. 23º n.º 2 do CP consagra que a tentativa é punível com a pena

aplicável ao crime consumado especialmente atenuada8.

Ou seja, é criada uma moldura penal abstrata para a tentativa, desta forma

institucionalizando-se ou autonomizando-se a tentativa e, em consequência, há

lugar à construção de uma entidade típica autónoma, a significar que há uma

autónoma correspondência entre tipicidade e penalidade.

Segundo o CP, art. 22.º/1, há tentativa quando o agente pratica atos de

execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-

se.

3.4.3. Desistência

De acordo com o art. 24.º, n.º 1 a tentativa deixa de ser punível, quando

o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução ou impedir a

consumação. Estes dois primeiros casos são casos de tentativa inacabada.

Na tentativa inacabada o agente tem em mente um plano já definido,

começa a execução, mas pára no meio, por um motivo qualquer, desistindo,

sem fazer tudo o que desejava fazer, ou não faz tudo o que, na sua opinião, era

necessário fazer para a consumação.

Exemplo: O psicopata P está à espera da sua próxima vítima. De repente,

aparece T, que está a voltar para casa depois de um longo dia de trabalho. P

ataca-o, dando-lhe duas navalhadas. De acordo com a sua experiência e da sua

maneira muito requintada de assassinar, P sabe que são no mínimo três

8 Conforme o CP, arts. 72.º/1 (nos casos expressamente previstos na lei, como a tentativa por força do CP,

art. 23.º/2) e 73.º (os termos da atenuação especial).

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navalhadas necessárias para causar a morte de T. Apesar disso, P pára

repentinamente.

No exemplo, P deu 2 navalhadas em T. O seu plano era matá-lo com três

facadas, o que não fez, interrompendo assim a execução do seu acto criminoso.

Este é um exemplo de execução incompleta (tentativa inacabada).

Em primeiro lugar, poder-se-ia entender a desistência voluntária no

sentido imediato, psicológico, da expressão. Mas isso não faria muito sentido,

porque normalmente qualquer desistência neste sentido será voluntária. Isso só

deixaria de fora da voluntariedade situações em que já não fizesse sequer

sentido a desistência, na medida em que a tentativa se tinha gorado por si, e

portanto não havia sequer hipótese de continuar a execução.

Exemplo: A jovem T foi à garagem buscar o seu carro para ir ao teatro.

De repente, é atacada por U que quer violentá-la. T, que apesar de ser jovem e

não aparentava ser muito forte, era telespectadora assídua do campeonato de

lutas “Tudo é Permitido”, exibido toda a semana na televisão. T defendeu-se,

dando-lhe um belíssimo chute no meio das pernas. U perde a vontade e vai

“voando” para casa receando graves consequências.

Já que U não chegara a violentar T, ele será responsabilizado pelo crime

de violação na forma tentada, arts. 164.º, n.º 1, 22.º, 23.º CP. Como ele não

desistiu desistiu voluntariamente de continuar a execução, mas sim “por motivos

de força maior”, não poderá haver isenção de pena conforme o art. 24.º, n.º 1

CP.

O facto de U ser responsabilizado por tentativa de violação não impede

dele ser responsabilizado também por coação sexual. Pois com o apalpar dos

seios já fora preenchido o tipo do art. 163.º, n.º 1 CP. Contudo punição por

tentativa de violação consome punição por coação sexual – que assim é afastada

(consumo de normas).

IV – Crimes contra a propriedade

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4.1. Crime de Furto

“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa,

subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos

ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.”9

O crime de furto consuma-se quando a coisa sai da esfera de domínio do

seu dono e o agente adquire um mínimo de estabilidade no domínio de facto

correspondente ao seu apossamento - uma estabilidade que lhe assegure a

possibilidade plausível, ainda que não absoluta, de fruição e disposição da coisa

subtraída.

Comete, por isso, o crime de furto na forma tentada aquele que retira um

produto da prateleira de um supermercado, que oculta com a intenção de o fazer

seu sem o pagar, mas que, antes de passar e se afastar da linha das caixas, é

surpreendido e descoberto.

A «subtração» (elemento fundamental no furto) não é uma «apropriação»

(o exercício dos poderes que formam o conteúdo do direito de propriedade),

mas tão só a perda dos poderes de facto do detentor originário e a constituição

de uma nova detenção por parte do agente do crime.

A investidura nessa situação de nova detenção (por parte do agente do

crime) dever-se-á considerar realizada quando o agente passa a controlar, de

facto, a coisa, passa a tê-la sob o seu domínio, em exclusividade, o que

pressupõe que a coisa foi retirada do poder de facto do anterior detentor, que

sobre ela deixou de ter a possibilidade de controle.

O arguido, ao colocar os objetos de cobre no interior de um carro de mão

e ao transportá-los para o laranjal contíguo ao empreendimento turístico do qual

foram removidos, retirou os mesmos da esfera patrimonial da sua proprietária,

tendo eles entrado na esfera patrimonial do arguido, pelo que este incorreu na

prática de um crime de furto na forma consumada (e não na forma tentada),

9 Artigo 203º do CP.

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sendo irrelevante a circunstância de, pouco depois, o arguido ter sido

surpreendido por agentes de autoridade.

4.2. Crime de Roubo

“Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra

pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal

alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo

iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade

de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo

menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou

b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos

nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto

no n.º 4 do mesmo artigo.

3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com

pena de prisão de 8 a 16 anos.”10

Na esfera de proteção do crime de roubo pode estar contemplada uma

pluralidade de ilícitos puramente instrumentais (crime-meio), os quais, por via de

regra, estão numa relação de concurso aparente com o crime-fim.

As condutas que conlevam da tipicidade das condutas engolfadas no nos crimes

de roubo e sequestro assumem-se como um dos exemplos mais frequentes de

relacionamento instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que «um ilícito

singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e

nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos».

Nos casos em que um crime se apresenta como meio da realização típica de

outro crime a solução passa por reconhecer que existe concurso aparente e

prevalece o crime dominante: o crime-fim.

O crime de sequestro é um crime de execução permanente e não

vinculada, em que se tutela o bem jurídico liberdade de locomoção, sendo a

10 art. 210 CP.

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privação da liberdade e o constrangimento daí resultante uma das possibilidades

de execução do crime de roubo. Quando a subtracção ou a entrega por

constrangimento de coisa móvel é precedida ou contemporânea de privação da

liberdade ambulatória, o critério reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência

para discernir entre as situações de concurso real e de concurso aparente passa

pela ultrapassagem, ou não, da medida naturalmente associada à prática do

crime de roubo. Para tanto, a perspectiva que nos deve nortear encontra-se na

vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e. no desígnio criminoso.

Pratica o crime de roubo agravado quem, utilizando uma arma, ainda que

simulada, fictícia ou de simples alarme, provoque, pelo medo que causa à vítima

e pela consideração de que tal medo é o previsível, ou o normal, no homem

comum e de são entendimento, a apropriação ilícita de coisa móvel alheia.

4.3. Crime de Dano

No crime de dano, p. e p. no artigo 212º n.º 1 do CP, é ofendido, tendo

legitimidade para apresentar queixa nos termos do artigo 113º n.º 1 do mesmo

diploma, o proprietário da coisa destruída no todo ou em parte, danificada,

desfigurada ou inutilizada, e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa,

for afetado no seu direito de uso e fruição.

4.4. Crime de Burla

O crime de burla é uma forma evoluída de captação do alheio em que o

agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vitima se

deixa espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:

✓ Intenção ilegítima do agente obter para si ou para terceiros

enriquecimentos ilegítimo;

✓ Por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;

✓ Determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a

outrem, prejuízo patrimonial.

É usada astucia quando os factos invocados dão a uma falsidade a

aparência de verdade, ou o burlão refira factos ou altere ou dissimule factos

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verdadeiros, e atuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa-fé

do burlado de forma a convencê-lo a praticar atos em prejuízo do seu património

ou de terceiro.

Esses atos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, podendo

limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação

e da vítima concreta, ou tratar-se de processos rebuscados ou engenhosos,

envolvendo contratos verdadeiros ou falsos e ações judiciais.

V – Identificação dos crimes quanto à sua natureza

O início de um processo-crime não depende sempre de uma queixa. No

sistema português, a iniciativa de investigar um crime e a decisão de o levar a

julgamento pertencem em regra a entidades públicas agindo no interesse da

comunidade e não a privados, nomeadamente ao ofendido. Assim, é ao

Ministério Público que cabe promover o processo penal, e tem o dever de o fazer

sempre que receba notícia da prática de um crime.

Estas regras têm limitações nos crimes particulares e nos crimes

semipúblicos. Por serem crimes de reduzida importância (por ex., certas ofensas

corporais e danos patrimoniais ligeiros, pequenos furtos, injúrias, difamações) ou

crimes cuja apreciação em tribunal, com a publicidade inerente e o possível

confronto com o agressor, poderia representar, para o ofendido, uma «segunda

vitimização» (será o caso do furto entre parentes ou de certos crimes sexuais),

a lei entendeu que só devem ser objeto de um processo quando seja

apresentada queixa pelo ofendido, pelos seus representantes ou pelos seus

sucessores.

Por outro lado, o facto de o Ministério Público acabar por entender que

não houve crime não impede necessariamente o processo de continuar.

Embora a regra seja a de que é ao Ministério Público que compete deduzir

acusação e só possa fazê-lo se recolher indícios suficientes de que certa pessoa

cometeu um crime, há uma exceção nos crimes particulares. Nestes, além de o

processo depender de uma queixa, o seu prosseguimento depende de uma

acusação particular. O queixoso pode fazê-lo ainda que o Ministério Público

considere não ter havido crime ou não ter sido o arguido o seu autor.

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Em segundo lugar, qualquer que seja o crime em causa, se

o processo estiver a ser tramitado na forma comum (mas não numa forma menos

solene), pode requerer-se a instrução, uma fase intermédia entre o inquérito e o

julgamento, que visa a comprovação, por um juiz, da decisão de deduzir

acusação ou arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a

julgamento. Esta fase tem lugar apenas se for requerida pelo arguido (caso ele

tenha sido acusado no fim do inquérito) ou pelo assistente (caso o processo

tenha sido arquivado ou o Ministério Público tenha deduzido acusação, mas não

por todos os factos que o assistente entende deverem ser levados a julgamento).

No último caso, o juiz de instrução pode decidir pelo prosseguimento do processo

apesar de o Ministério Público ter entendido que isso não deveria acontecer.

Assim sendo temos:

a) Crimes Públicos: são aqueles em que o Ministério Público exerce

oficiosa e livremente a acção por sua iniciativa.

Exemplo: Crime de homicídio (artigo 131º do Código Penal) ou crime

de violência de doméstica.

b) Crimes Semipúblicos: Depende de queixa. Quem pode apresentar a

queixa é sempre o ofendido ou outras pessoas a quem atribui

legitimidade, como por exemplo o advogado.

Exemplo: Crime de Furto (artigo 203º do Código Penal).

c) Crimes Particulares: Depende sempre de queixa, da constituição de

assistente e dedução da acusação particular.

Exemplo: Crime de difamação (artigo 180 do Código Penal) ou Crime

de Injúria (artigo 181º do Código Penal).

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VI – Procedimento Penal (auto de notícia; detenção; flagrante

delito; prisão preventiva; habeas corpus)

6.1 – Os sujeitos processuais

Um processo penal é uma sequência de actos destinados a apurar se

houve um crime e, em caso afirmativo, que consequências jurídicas deve ter a

sua prática.

Participantes processuais são todas as pessoas e entidades que, de

alguma forma, actuam no processo. Já o conceito de sujeitos processuais

abrange apenas os participantes que podem condicionar concretamente a

tramitação do processo.

São sujeitos processuais:

- o tribunal, a quem incumbe decidir a causa e, se for caso disso, aplicar

pena ou medida de segurança;

- o juiz de instrução, a quem cabe praticar, ordenar ou autorizar, durante

as fases preliminares do processo, os actos potencialmente mais gravosos para

os direitos fundamentais dos visados, bem como, se a fase de instrução for

requerida, decidir se o caso deve ou não chegar a julgamento;

- o Ministério Público, a quem cabe instaurar e dirigir o inquérito, bem

como, sendo caso disso, deduzir acusação;

- os órgãos de polícia criminal, a quem incumbe coadjuvar as autoridades

judiciárias com vista à realização das finalidades do processo;

- o arguido, isto é, a pessoa cuja responsabilidade penal está a ser

apurada e a quem, por isso, se reconhece um amplo direito de defesa;

- o seu defensor;

- o assistente, que é, em regra, a vítima ou um seu descendente, a quem

cabe apresentar queixa e, no caso de crimes particulares, deduzir

acusação, bem como, em qualquer caso, colaborar com o Ministério Público;

- a parte civil, ou seja, a pessoa a quem a prática do crime causou danos

de natureza civil.

Meros intervenientes ou participantes processuais são as testemunhas,

os peritos e consultores técnicos, os funcionários judiciais, etc.

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6.2 - Auto de notícia

Se uma autoridade judiciária ou policial presenciar um crime, deve redigir

ou mandar redigir um auto de notícia — uma modalidade de auto em que ficam

registados os factos que constituem o crime, o dia, a hora, o local e as

circunstâncias em que foi cometido, a identificação (se possível) dos seus

autores e das vítimas, e os meios de prova cuja existência tenha sido possível

apurar (nomeadamente eventuais testemunhas).

O auto de notícia é remetido ao Ministério Público e vale como denúncia,

obrigando-o a instaurar um processo penal, tanto se o crime for público quanto

se, caso seja particular, a autoridade que redigiu o auto tiver legitimidade para

apresentar queixa ou acusação particular (por ter sido também vítima do crime).

O auto de denúncia é outra modalidade de auto em que uma autoridade

judiciária ou policial regista a notícia da prática de um crime que não presenciou

mas de que tomou conhecimento. Este auto contém, na medida do possível, os

mesmos elementos que devem constar de um auto de notícia.

Se o auto de denúncia não tiver sido lavrado pelo próprio Ministério

Público, deve ser-lhe transmitido no prazo máximo de 10 dias. Em qualquer caso,

a consequência é a imediata instauração de um processo penal por parte do

Ministério Público, excepto se o crime em causa for semi-público ou particular.

Neste caso, o processo só terá lugar se, no prazo legalmente previsto, for

apresentada queixa pela pessoa com legitimidade para tal (geralmente a vítima

do crime).

Refira-se que as entidades policiais estão obrigadas a denunciar todos os

crimes de que tomarem conhecimento. O mesmo sucede com os funcionários,

mas neste caso apenas quanto a crimes de que tomarem conhecimento no

exercício das suas funções e por causa delas. Para as demais pessoas, a

denúncia é meramente facultativa.

A denúncia não está sujeita a formalidades especiais, pelo que pode ser

feita verbalmente ou por escrito. No primeiro caso, deve ser reduzida a escrito e

assinada pela entidade que a receber e pelo denunciante, devidamente

identificado.

As denúncias podem ser feitas de modo anónimo, mas só darão origem à

instauração de um processo se delas resultarem indícios da prática de crime ou

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se elas próprias constituírem crime (por exemplo, o crime de denúncia

caluniosa).

6.3 – A detenção

A detenção, sendo um ato que envolve a privação da liberdade de uma

pessoa, ainda que por um período curto, está sujeita a exigentes condições pela

Constituição da República Portuguesa e por instrumentos internacionais de

proteção dos direitos humanos.

A lei regula em pormenor as condições em que os órgãos de polícia

criminal podem deter uma pessoa. A detenção só pode ter lugar para uma das

seguintes finalidades:

- para, no prazo máximo de 48 horas, julgar a pessoa em processo

sumário — o que só é possível se tiver sido apanhada em flagrante delito por um

crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos;

- para, no mesmo prazo, levá-la à presença de um juiz competente para

primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de

coacção; ou

- para, no menor intervalo possível, nunca superior a 24 horas,

apresentá-la a uma autoridade judiciária (Ministério Público ou juiz) em acto

processual (por exemplo, audiência de julgamento).

6.4 – Flagrante Delito

Note-se que o conceito de flagrante delito não abrange apenas os casos

em que a pessoa ainda está a cometer o crime, mas também aqueles em que

acabou de o cometer ou em que, logo após o crime, foi perseguida por qualquer

pessoa ou encontrada com objetos ou sinais que mostrem claramente que

acabou de o cometer ou nele participar.

Por outro lado, a detenção em flagrante delito pode fazer-se não apenas

por uma autoridade pública — que tem o dever de a fazer caso se depare com

uma situação desse tipo — mas também por qualquer cidadão, se nenhuma

autoridade estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil.

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Fora do flagrante delito, a regra é que uma detenção só pode ser

ordenada por um juiz ou em certos casos pelo Ministério Público. Quanto à

polícia, só pode deter uma pessoa fora de flagrante delito se se tratar

de crime em que seja admissível a prisão preventiva (nomeadamente crime

punível com pena de prisão superior a 5 anos), se existir perigo de fuga ou de

continuação de atividade criminosa e se a situação for urgente, tornando

impossível uma atuação do Ministério Público ou do juiz em tempo útil.

Sempre que uma autoridade policial proceder a uma detenção, deve

comunicá-la de imediato ao juiz que tiver emitido o mandado de detenção, no

caso de a mesma visar garantir a presença do detido em ato processual, ou ao

Ministério Público, nos demais casos.

6.5 – Prisão Preventiva

Um cidadão pode estar na cadeia em prisão preventiva ou a cumprir uma

pena de prisão definitiva. Há diferenças importantes entre estas duas situações.

A prisão para cumprimento de pena ocorre após uma condenação contra

a qual já não é possível interpor recurso ordinário, ou seja, após um veredicto

final de condenação.

A prisão preventiva, por contraste, ocorre durante o processo, num

momento em que o arguido não foi condenado nem é certo que venha a sê-lo. É

uma medida de coacção destinada a garantir o normal desenvolvimento do

processo e cuja aplicação exige, além de outros requisitos, tratar-se de

criminalidade especialmente perigosa ou de crime punível com pena de prisão

superior a 5 anos, bem como a existência de «fortes indícios» de que o crime foi

cometido pelo arguido.

Também se pode ordenar a prisão preventiva de uma pessoa que se

encontre irregularmente no território nacional ou contra a qual haja um processo

de extradição ou de expulsão. Nesse caso, como nos outros, sendo a medida de

coacção mais grave, a prisão preventiva só tem lugar quando nenhuma medida

mais leve for suficiente.

Diferente da prisão preventiva é a detenção. Também envolve uma

privação de liberdade e não pode exceder — desde logo, em termos de duração

— o estritamente necessário. É, contudo, uma medida cautelar e de polícia, que

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pode ser ordenada não apenas pelo juiz mas também pelo Ministério Público,

pela polícia (situação mais habitual) e até, em caso de flagrante delito, por

qualquer pessoa que assista à prática de um crime.

Ninguém pode ficar detido mais de 48 horas sem ser presente a um juiz.

Já a prisão preventiva tem prazos máximos bastante mais alargados, dados os

fins a que se destina, podendo prolongar-se por vários anos.

A própria ideia de Estado de direito impõe que uma pessoa detida goze

de um amplo conjunto de direitos. Desde logo, tem o direito de ser informada,

imediatamente e de forma compreensível, das razões da sua detenção e dos

direitos que lhe assistem. Deve ser presente a um juiz no prazo máximo de 48

horas, a fim de que este a restitua à liberdade ou imponha uma medida de

coacção adequada. O juiz tem de conhecer as causas que determinaram a

detenção e comunicá-las ao detido, interrogando-o e dando-lhe oportunidade de

se pronunciar sobre elas.

Para reagir contra uma detenção ilegal, o detido tem o direito de requerer

a providência de habeas corpus, solicitando ao juiz de instrução que ordene a

sua imediata apresentação judicial, com base num ou mais dos seguintes

fundamentos: ter-se excedido o prazo de 48 horas após a detenção para a

apresentação a um juiz; a detenção manter-se fora dos locais legalmente

permitidos (definidos em legislação especial); a detenção ter sido realizada ou

ordenada por entidade incompetente; a detenção ser motivada por facto pelo

qual a lei não a permite (por exemplo, uma detenção em flagrante delito por um

crime punível com mera pena de multa).

O cidadão deve ser libertado logo que se torne manifesto que a detenção

se deveu a erro sobre a sua pessoa ou que foi realizada fora dos casos em que

era legalmente admissível ou se tornou desnecessária. Por outro lado, uma

pessoa detida tem obrigatoriamente de ser constituída arguida, o que significa

que adquire todos os direitos inerentes a essa qualidade, incluindo os de

permanecer em silêncio e de ser assistido por defensor e comunicar em privado

com ele. A assistência por defensor é obrigatória sempre que for interrogado.

A estes direitos do detido, somam-se outros: contactar imediatamente

advogado ou defensor e comunicar com ele, oralmente ou por escrito, a qualquer

hora do dia ou da noite; informar imediatamente um familiar ou uma pessoa da

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sua confiança sobre a situação em que se encontra; se for estrangeiro, contactar

imediatamente com as autoridades consulares do seu país; ser ajudado, tanto

quanto possível, na resolução de problemas pessoais urgentes,

designadamente os relacionados com os cuidados e a guarda de menores ou

idosos na sua dependência, deixados sem vigilância em virtude da detenção; ser

informado imediatamente do falecimento ou da doença grave de parente

próximo.

Para se aplicar a prisão preventiva é necessário a verificação dos

seguintes requisitos cumulativamente:

a) Perigo de perturbação do inquérito ou da instrução: em bom rigor

verificado o requisito geral previsto na alínea b), do artigo 204.º, do

CPP, a prisão preventiva só possa aplicar-se depois de aplicada e não

cumprida uma das restantes medidas de coacção, e mesmo aqui, se

o Juiz assim o entender.

b) Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas: este

requisito só por si, impõem a aplicação de uma medida de coacção –

obviamente, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou

da personalidade do arguido. O que não se pode aceitar é que essa

situação, do mesmo modo, só por si, possa impôr ou permitir que se

aplique, desde logo, a prisão preventiva.

c) Perigo de continuação da actividade criminosa: (nem se verificar

nenhum dos outros requisitos gerais previstos neste artigo) não é

compreensível que, por virtude de perigo de perturbação da ordem e

da tranquilidade públicas, seja permitido aplicar-se, desde logo, a

prisão preventiva.

6.6 – Exames e Perícias

Os exames são meios de obtenção de prova mediante os quais se

inspecionam os vestígios que o crime possa ter deixado e os indícios relativos

ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou

sobre as quais foi cometido. São executados por órgãos de polícia criminal ou

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por autoridade judiciária (Ministério Público ou juiz), podem incidir sobre

pessoas, lugares e coisas e podem ter lugar mesmo antes de um processo penal

ser instaurado, a fim de evitar que os vestígios se apaguem ou alterem. Se

alguém pretender esquivar-se ou de alguma forma obstar a qualquer exame que

deva ser realizado ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser

obrigado por decisão de uma autoridade judiciária.

As perícias são meios de prova e realizam-se quando a perceção ou a

apreciação dos factos exijam especiais conhecimentos técnicos, científicos ou

artísticos. Realizam-se em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial

apropriado (por ex., no Instituto Nacional de Medicina Legal, tratando-se de

perícias médico-legais ou forenses). Quando tal não for possível ou conveniente,

são levadas a cabo por um perito nomeado a partir das listas de peritos

existentes em cada comarca ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em

tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na

matéria em causa. Se a perícia for especialmente complexa ou exigir

conhecimentos de matérias distintas, pode ser realizada por vários peritos, em

moldes colegiais ou interdisciplinares.

A diferença essencial entre exames e perícias está no facto de os

primeiros serem meios de obtenção de prova e as segundas serem meios de

prova. Os primeiros visam recolher elementos (os vestígios) que possam vir a

constituir meios de prova — por ex., a deteção de um corpo carbonizado no

interior de um automóvel. As segundas constituem meios de prova e, portanto,

podem servir de base, nomeadamente à decisão final de absolvição ou

condenação do arguido.

Nas perícias, o que constitui meio de prova não são os vestígios ou factos

em si mesmos, mas a interpretação qualificada que deles é feita por instituições

ou pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou

artísticos — por ex., a análise das causas que provocaram a explosão de um

automóvel. A especificidade de conhecimentos que as perícias pressupõem

explica ainda que a prova pericial esteja em princípio subtraída à livre apreciação

do juiz, o qual só poderá divergir do juízo contido no parecer dos peritos se

fundamentar devidamente essa sua discordância.

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VII – Meios de prova

Os meios de prova são os elementos que permitem afirmar a realidade

dos factos relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade

ou não punibilidade do arguido e a determinação da sanção aplicável. É com

base nestes elementos que as autoridades competentes, em especial os

tribunais, baseiam algumas das suas decisões, incluindo a de condenação ou

absolvição do arguido. A prova é apreciada segundo as regras da experiência e

a livre convicção da entidade competente.

Os meios de utilização mais comum são: a prova testemunhal; as

declarações do arguido, do assistente e das partes civis; a prova por acareação

(um confronto entre sujeitos que prestaram declarações contraditórias); a prova

por reconhecimento (a identificação e/ou descrição de uma pessoa por parte de

outra); a reconstituição do facto (a reprodução, tão fiel quanto possível, das

condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o crime e a repetição do

seu modo de realização); a prova pericial; e a prova documental.

Diversamente, os meios de obtenção de prova são as diligências

realizadas pelas autoridades para recolher a prova. Alguns dos meios de

obtenção de prova mais tradicionais são os exames, as revistas e buscas, as

apreensões e as escutas telefónicas.

No processo penal português, são admissíveis todas as provas que não

forem proibidas por lei. E a lei, em conformidade com a Constituição, proíbe as

provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade

física ou moral das pessoas, bem como, ressalvados alguns casos previstos

na lei (por exemplo, as buscas domiciliárias ou as escutas telefónicas), as provas

obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência

ou nas telecomunicações sem o consentimento da pessoa visada.

7.1 – Gravações e escutas telefónicas

A Constituição protege o direito à palavra, e o Código Penal prevê

como crime a gravação não consentida de palavras proferidas por outra pessoa

e não dirigidas ao público (crime de gravações e fotografias ilícitas). O mesmo

crime comete quem utilizar ou permitir que se utilizem tais gravações.

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A Constituição consagra também o direito à reserva da intimidade da vida

privada e a inviolabilidade da correspondência e dos outros meios de

comunicação. O Código Penal, dando expressão a esses direitos, prevê como

crime a intercepção, gravação, registo, utilização, transmissão ou divulgação de

conversas e de comunicações telefónicas, se estas condutas forem praticadas

sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas

visadas.

Não é líquido que este crime abranja conversas orais mantidas na Internet

(através de programas como o Skype ou o Messenger), mas estes casos estão

seguramente abrangidos pelo crime de violação de correspondência ou de

telecomunicações, o qual consiste, nomeadamente, na intromissão (por

exemplo, mediante captação e/ou registo), sem consentimento, no conteúdo de

«telecomunicação», desde que seja feita com intenção de devassa. Abrangidas

por este crime, estão também as conversas escritas em mensagens

instantâneas, seja por SMS seja por qualquer outra forma de telecomunicação,

o que inclui as mensagens instantâneas enviadas através da Internet.

Todos os crimes indicados são sancionados do mesmo modo:

com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.

“Por exemplo, se um crime de tráfico de droga ocorre no interior de uma

residência, não é possível vigiar os suspeitos. Ou se um crime é falado

exclusivamente por telefone…”

Como é que as autoridades judiciárias devem agir?

Todas as escutas telefónicas carecem de autorização judicial. O polícia

deve comunicar a necessidade de fazer as escutas ao procurador do Ministério

Público (MP) que coordena a investigação. E este deve apresentar o pedido ao

juiz. Sem a sua aprovação, não podem ser feitas escutas.

Com a autorização judicial, é pedida à operadora móvel (MEO, Vodafone,

NOS…) que faça uma duplicação de linha do número do suspeito. Esta linha

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entra num computador central que grava a conversa. O computador central está

localizado nas instalações da Polícia Judiciária, no Porto e em Lisboa.

A cada telefone escutado, ou seja a cada alvo, é atribuído um código. A

Polícia Judiciária dispõe de técnicos informáticos que dominam esse

computador. A PJ sabe que esse processo é atribuído a um polícia específico,

ao qual é atribuída uma password para aceder ao computador. E às escutas.

A Polícia Judiciária de Lisboa dispõe de uma sala de cerca de 20 metros

quadrados com cerca de 20 computadores que servem as forças de seguranças.

O grosso das escutas é da PSP, mas também há GNR, SEF e outras forças que

recorrem menos a este meio de prova. E nem sempre é fácil “ter vez” quando se

precisa.

7.2. A prova em processo-crime

Constituem objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para

a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do

arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.

São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas:

• Mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou

moral das pessoas (…)

• Não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na

vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações

sem o consentimento do respetivo titular.

7.2.1. Prova Testemunhal

Qualquer pessoa que não se encontre interdita por anomalia psíquica

tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos termos

previstos na Lei.

A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento

direto e que constituam objetos de prova.

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Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas,

o juiz pode chamar estas a depor.

Se não o fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir

como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for

possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de

serem encontradas.

Salvo quando a Lei dispuser de forma diferente, incumbem à

testemunha os deveres de:

a) Se apresentar, no tempo e no lugar devidos, à autoridade por

quem tiver sido legitimamente convocada ou notificada, mantendo-se à

sua disposição até ser por ela desobrigada;

b) Prestar juramento, quando ouvida por autoridade judiciária;

c) Obedecer às indicações que legitimamente lhe forem dadas

quanto à forma de prestar depoimento;

d) Responder com verdade às perguntas que lhe forem dirigidas.

7.2.2. Prova por acareação

É admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente,

entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente sempre que houver

contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta

da verdade.

A acareação tem lugar oficiosamente ou a requerimento.

A acareação é um meio de prova admissível que depende de duas

condições:

a) haver contradição entre as declarações; e

b) a diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade.

7.2.3. Prova por reconhecimento (pessoas e objetos)

Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer

pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com

indicação de todos os pormenores de que se recorda.

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A prova por reconhecimento é diferente quando se trata da fase de

investigação ou na fase de julgamento.

Na fase da investigação os indiciados são colocados numa linha de

reconhecimento com um número à frente e o ofendido numa sala escura através

de um vidro tenta identificar quem o agrediu. Nesta fase o legislador diz que na

linha de reconhecimento é necessário estar pelo menos três pessoas que tenha

exatamente as mesmas características físicas que a pessoa que está a ser

indiciada da prática do crime. Assim: se o meu arguido for um anão, as outras

pessoas que têm de estar na linha de reconhecimento têm que ser anões

também.

Na fase de julgamento existe menos formalidade. O juiz pergunta ao

ofendido se conhece a pessoa que o agrediu. O ofendido olha para onde os

arguidos estão sentados e aponta para o mesmo.

Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer

objeto relacionado com o crime, procede-se de harmonia com o disposto no n.º

1 do artigo anterior, em tudo quanto for correspondentemente aplicável. - Artigo

148º do Código de Processo Penal.

7.2.4. Prova Pericial

A prova pericial tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos

exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. – Artigo

151º do Código de Processo Penal.

A perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial

apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado

de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca,

ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de

honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa. – Artigo

152º do Código de Processo Penal.

7.2.5. Prova Documental

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É admissível prova por documento, entendendo-se por tal a declaração,

sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos

termos da lei penal.

As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio

de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas

só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas,

nos termos da lei penal.

A videovigilância visa finalidades sociais de proteção de pessoas e bens.

É uma medida preventiva e de dissuasão em relação à prática de infrações

penais.

As imagens dos arguidos obtidas através de sistema de videovigilância

instalado por exemplo na ourivesaria onde foi praticado o furto julgado nos autos,

e com vista a prevenir a segurança desse estabelecimento, não se traduziram

em qualquer ato de intromissão na vida privada alheia, podendo ser validamente

utilizadas como meio de prova.

A obtenção dos fotogramas através do sistema de videovigilância

existentes num estabelecimento comercial, para proteção dos seus bens e da

integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse

sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibitivo

de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso

de documentar a prática de uma infração criminal, e não diga respeito ao núcleo

duro da vida privada da pessoa visionada.

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VIII – A Segurança Privada num contexto de crime

Qual o seu papel?

• 1.º - Socorrer ou promover o socorro de eventuais vítimas;

• 2.º - Acionar a Polícia territorialmente responsável;

• 3.º - Até à chegada da Polícia, zelar para que os autores do crime não

abandonem o local. Solicitar às eventuais testemunhas, que aguardem a

chegada da Polícia (na impossibilidade facultar o contacto);

• 4.º - Não permitir que os suspeitos se limpem, lavem, tirem ou troquem

de roupa;

• 5.º - Isolar o local, com o intuito de preservar eventuais vestígios;

• 6.º - Prestar à Polícia toda a colaboração solicitada.

Se for indispensável que aceda ao local do crime:

1.º - Caminhar cuidadosamente;

2.º - Não fumar;

3.º - Não utilizar o telefone (fixo) nem o WC;

4.º - Mexer ou tocar apenas no indispensável e de forma cuidada.

Em suma, não contamine, altere, destrua ou acrescente vestígios no local.

Se for indispensável que recolha vestígios tenha em conta:

• 1.º - Em especial os biológicos, não devem ser condicionados em sacos

de plástico, a condensação pode adulterá-los. Preferencialmente em

sacos de papel ou algodão;

• 2.º - Mantenha-os em local seco, em temperatura ambiente e protegidos

de contaminação por outros objetos, até à entrega à polícia;

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Conclusão

Legislação

CC http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=775&tabela=leis

CP http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=109&tabela=leis

CPP http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=199&tabela=leis

CRP http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=4&tabela=leis

Regime Jurídico do Maior Acompanhado http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2925&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so

_miolo=

Nota: O site da procuradoria geral distrital de lisboa encontra-se atualizado ao

dia. Daí que sempre que acedam ao site ele irá mostrar a lei em vigor. Já as

outras leis terão de ter o cuidado de ver se as mesmas se encontram atualizadas.

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Abreviaturas

CC – Código Civil

CNPD – Comissão Nacional de Proteção de Dados

CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

CRP – Constituição da República Portuguesa

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Bibliografia

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