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Manual de DIREITO DO CONSUMIDOR Direito Material e Processual VOLUME ÚNICO 7 a edição revista, atualizada e ampliada FLÁVIO TARTUCE DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES

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Manual de DIREITO DO

CONSUMIDORDireito Material e Processual

VOLUME ÚNICO

7aedição

revista, atualizada e ampliada

FLÁVIO TARTUCEDANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES

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1O CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR E SUA POSIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

Sumário: 1.1. Primeiras palavras sobre o Código de Defesa do Consumidor. O CDC e a pós-modernidade jurídica – 1.2. O Código de Defesa do Consumidor como norma principiológica. Sua posição hierárquica – 1.3. O Código de Defesa do Consumidor e a teoria do diálogo das fontes – 1.4. O conteúdo do Código de Defesa do Consumidor e a organização da presente obra.

1.1. PRIMEIRAS PALAVRAS SOBRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O CDC E A PÓS-MODERNIDADE JURÍDICA

O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, conhecido e denominado pelas iniciais CDC, foi instituído pela Lei 8.078/1990, constituindo uma típica norma de proteção de vulneráveis. Por determinação da ordem constante do art. 48 das Disposições Finais e Transitórias da Constituição Federal de 1988, de elaboração de um Código do Consumidor no prazo de cento e vinte dias, formou-se uma comissão para a elaboração de um anteprojeto de lei, com-posta por Ada Pellegrini Grinover (coordenadora), Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe e Zelmo Denari. Também houve uma intensa colaboração de Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin,

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Eliana Cáceres, Marcelo Gomes Sodré, Mariângela Sarrubo, Nelson Nery Jr. e Régis Rodrigues Bonvicino.1

Como norma vigente, o nosso Código de Defesa do Consumidor situa--se na especialidade, segunda parte da isonomia constitucional, retirada do art. 5º, caput, da CF/1988. Ademais, o conteúdo do Código Consumerista demonstra tratar-se de uma norma adaptada à realidade contemporânea da pós-modernidade jurídica. A expressão pós-modernidade é utilizada para simbolizar o rompimento dos paradigmas construídos ao longo da moder-nidade, quebra ocorrida ao final do século XX. Mais precisamente, parece correto dizer que o ano de 1968 é um bom parâmetro para se apontar o início desse período, diante de protestos e movimentos em prol da liberda-de e de outros valores sociais que eclodiram em todo o mundo.2 Em tais reivindicações pode ser encontrada a origem de leis contemporâneas com preocupação social, caso do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.

De acordo com os ensinamentos de Eduardo Bianca Bittar, a pós-mo-dernidade significa “o estado reflexivo da sociedade ante as suas próprias mazelas, capaz de gerar um revisionismo completo de seu modus actuandi et faciendi, especialmente considerada a condição de superação do modelo moderno de organização da vida e da sociedade. Nem só de superação se entende viver a pós-modernidade, pois o revisionismo crítico importa em praticar a escavação dos erros do passado para a preparação de novas condi-ções de vida. A pós-modernidade é menos um estado de coisas, exatamente porque ela é uma condição processante de um amadurecimento social, político, econômico e cultural, que haverá de alargar-se por muitas décadas até a sua consolidação. Ela não encerra a modernidade, pois, em verdade, inaugura sua mescla com os restos da modernidade”.3 Nota-se que a pós-modernidade representa uma superação parcial, e não total, da modernidade, até porque a palavra “moderno” faz parte da construção morfológica do termo. Em verdade, é preciso rever conceitos, e não romper com eles totalmente. As antigas categorias são remodeladas, refeitas, mantendo-se, muitas vezes, a sua base estrutural. Isso, sem dúvida, vem ocorrendo com o Direito, a partir de um novo dimensionamento de antigas construções. A pós-modernidade pode figurar como uma revisitação das premissas da razão pura, por meio

1 Conforme se extrai da obra Código de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do Antepro-jeto, de autoria de Ada Pellegrini Grinover e outros (8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 1).

2 BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 97-100.

3 BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade, cit., p. 108.

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da análise da realidade de conceitos que foram negados pela razão anterior, pela modernidade quadrada. Essa é a conclusão de Hilton Ferreira Japiassu, merecendo destaque os seus dizeres:

“Diria que a chamada ‘pós-modernidade’ aparece como uma es-pécie de Renascimento dos ideais banidos e cassados por nossa modernidade racionalizadora. Esta modernidade teria terminado a partir do momento em que não podemos mais falar da história como algo de unitário e quando morre o mito do Progresso. É a emergência desses ideais que seria responsável por toda uma onda de comportamentos e de atitudes irracionais e desencantados em relação à política e pelo crescimento do ceticismo face aos valores fundamentais da modernidade. Estaríamos dando Adeus à moder-nidade, à Razão (Feyerabend)? Quem acredita ainda que ‘todo real é racional e todo racional é real’ (Hegel)? Que esperança podemos depositar no projeto da Razão emancipada, quando sabemos que orientou-se para a instrumentalidade e a simples produtividade? Que projeto de felicidade pessoal pode proporcionar-nos um mundo crescentemente racionalizado, calculador e burocratizado, que coloca no centro de tudo o econômico, entendido apenas como o financeiro submetido ao jogo cego do mercado? Como pode o homem ser feliz no interior da lógica do sistema, onde só tem valor o que funciona segundo previsões, onde seus desejos, suas paixões, necessidades e aspirações passam a ser racionalmente administrados e manipulados pela lógica da eficácia econômica que o reduz ao papel de simples consumidor?”4

No contexto da presente obra, nota-se que o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor constitui uma típica norma pós-moderna, no sentido de rever conceitos antigos do Direito Privado, tais como o contrato, a respon-sabilidade civil e a prescrição.

O fenômeno pós-moderno, com enfoque jurídico, pode ser identificado por vários fatores. O primeiro a ser citado é a globalização, a ideia de unida-de mundial, de um modelo geral para as ciências e para o comportamento das pessoas. Fala-se hoje em linguagem global, em economia globalizada, em mercado uno, em doenças e epidemias mundiais e até em um Direito unificado. Quanto ao modo de agir, o ocidente se aproxima do oriente, e vice-versa. A China consome o hambúrguer norte-americano, e os Estados

4 JAPIASSU, Hilton Ferreira. A crise da razão no ocidente. Disponível em: <http://www.sinergia-spe.net/editoraeletronica/autor/ 069/06900100.htm>. Acesso em: 17 mar. 2009.

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Unidos consomem o macarrão chinês. Alguns se alimentam de macarrão com hambúrguer, fundindo o oriente ao ocidente, até de forma inconsciente, em especial nos países em desenvolvimento. No caso do CDC brasileiro, tal preo-cupação pode ser notada pela abertura constante do seu art. 7º, que admite a aplicação de fontes do Direito Comparado, caso dos tratados e convenções internacionais, in verbis: “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade”.

A par dessa unidade mundial, como afirma Erik Jayme, os Estados não seriam mais os centros do poder e da proteção da pessoa humana, cedendo espaço, em larga margem, aos mercados. Nesse sentido, as regras de concorrência acabariam por determinar a vida e o comportamento dos seres humanos.5 De toda sorte, como prega o próprio doutrinador em ou-tro texto, ao discorrer sobre a realidade do Direito Internacional Privado, é preciso que os Estados busquem, em sua integração, para uma crescente unificação do Direito, a conservação da identidade cultural das pessoas, para proteger e garantir a sua personalidade individual.6 Em suma, segundo Erik Jayme, o Direito Internacional Privado deve levar em consideração, baseado em critérios de proximidade, as diferenças culturais incorporadas aos respec-tivos ordenamentos jurídicos, prestando-se a se tornar também um direito fundamental ligado à personalidade dos cidadãos.7 Nesse contexto, surge a proteção dos direitos dos consumidores, fazendo um cabo de guerra contra a excessiva proteção mercadológica.

Como outro ponto de reflexão a ser destacado a respeito da pós-mo-dernidade jurídica, há a abundância dos gêneros e espécies: abundância de sujeitos e de direitos, excesso de fatores que influenciam as relações jurídicas e eclosão sucessiva de leis, entre outros. Relativamente às leis, a realidade é de um Big Bang Legislativo, na qual se verifica uma explosão de normas

5 JAYME, Erik. O direito internacional privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana em face da globalização. Trad. Claudia Lima Marques e Nádia de Araújo. In: Marques, Claudia Lima; Araújo, Nádia de (Coord.). O novo direito internacional. Estudos em homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 4.

6 JAYME, Erik. Il diritto internazionale privato estense. Revista di Diritto Internazionale Privato e Processuale. Estrato. Diretta da Fausto Pocar, Tullio Treves, Sergio M. Carbone, Andrea Giardina, Riccardo Luzzatto, Franco Mosconi, Padova: Cedam, ano XXXII, n. 1, Gennaio/Marzo 1996. p. 18.

7 JAYME, Erik. Il diritto internazionale privato estense, cit., p. 18.

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jurídicas, como afirma Ricardo Luis Lorenzetti.8 No caso brasileiro, convive--se com mais de 40 mil leis, a deixar o aplicador do Direito desnorteado a respeito de sua incidência no tipo (fattispecie). Mesmo em relação aos consumidores, em muitas situações, há uma situação de dúvida sobre qual norma jurídica deve incidir no caso concreto.

No que concerne aos sujeitos pós-modernos, reconhece-se um pluralismo, o que é intensificado pela valorização dos direitos humanos e das liberdades. Inúmeras são as preocupações legais em se tutelar os vulneráveis, a fim de se valorizar a pessoa humana, nos termos do que consta do art. 1º, III, da Constituição Federal: consumidores, trabalhadores, mulheres sob violência, crianças e adolescentes, jovens, idosos, indígenas, deficientes físicos, negros. Além de proteger sujeitos, as normas tendem a tutelar valores que são colo-cados à disposição da pessoa para a sua sadia qualidade de vida, como é o caso do meio ambiente, do Bem Ambiental. A par dessa realidade, Claudia Lima Marques ensina:

“Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (‘Zersplieterung’), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’”.9

8 Ver: LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. Vera Maria Jacob Fradera. São Paulo: RT, 1998. p. 44; LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial. Fundamentos de direito. Trad. Bruno Miragem. Notas e revisão da tradução Claudia Lima Marques. São Paulo: RT, 2009. p. 43.

9 MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2004. p. 26, nota n. 3. Trata-se da introdução à obra coletiva escrita em coautoria com Antonio Herman de V. Benjamin e Bruno Miragem, em que a doutrinadora expõe a teoria do diálogo das fontes.

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Em certo sentido, como decorrência do pluralismo, há uma abundância de proteção legislativa na pós-modernidade, a gerar situações de colisão entre esses direitos, conflitos estes que acabam por ser resolvidos a partir da inter-pretação da Norma Constitucional, repouso comum da principiologia dessa tutela fundamental. A demonstrar os efeitos práticos dessa preocupação de tutela, por exemplo, utilizando-se de um símbolo cotidiano, ao ir ao banco, é comum a percepção de que a única fila que anda é a daqueles que têm algum tipo de prioridade. Eis outra amostragem do fenômeno pós-moderno, uma vez que a exceção se torna regra, e vice-versa. Como não poderia ser diferente, a questão da tutela de vulneráveis e de proteção de conceitos que lhe são parcelares repercute na análise do problema jurídico contemporâneo.

Na realidade pós-moderna há o duplo sentido das coisas (double sense). Nesse contexto, o certo pode ser o errado, e o errado pode ser o certo; o bem pode ser o mal, e o mal pode ser o bem; o alto pode ser baixo, e o baixo pode ser alto; o belo pode ser o feio, e o feio pode ser o belo; a verdade pode ser uma mentira, e a mentira pode ser uma verdade; o jurídico pode ser antijurídico, e o antijurídico pode ser o jurídico; a direita pode ser a esquerda, e o inverso pode ser igualmente válido. Essas variações chocam aquela visão maniqueísta que impera no Direito, particularmente a de que sempre haverá um vitorioso e um derrotado nas demandas judiciais. Na realidade, aquele que se julga o vitorioso pode ser o maior derrotado.

Algumas produções cinematográficas da atualidade servem para demons-trar essa configuração do double sense, como é o caso de Guerra nas Estrelas (Star Wars), talvez o maior fenômeno cinematográfico da pós-modernidade. Anote-se que tal paralelo foi traçado por Claudia Lima Marques, em aula ministrada no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Contratual da Escola Paulista de Direito, em São Paulo, no dia 12 de maio de 2008. O tema da aula foi A teoria do diálogo das fontes e o Direito Contratual.

Naquela ocasião, a jurista relacionou a evolução do Direito à série Guer-ra nas Estrelas (Star Wars), escrita por George Lucas em 1977. O primeiro episódio é denominado A Ameaça Fantasma (1999); o segundo, O Ataque dos Clones (2002); o terceiro, A Vingança dos Sith (2005); o quarto, Uma Nova Esperança (1977); o quinto, O Império Contra-Ataca (1980); o sexto, o Retorno de Jedi (1983); o sétimo o Despertar da Força (2015) e o oitavo Os Últimos Jedi (2017). O sexto episódio, em que um filho que representa o bem (Luke Skywalker) acaba por lutar contra o próprio pai, que repre-senta o mal (Darth Vader, a versão maléfica de Anakin Skywalker), seria a culminância da pós-modernidade, representando o duplo sentido das coisas e a falta de definição de posições (bem x mal). Ao final, o próprio símbolo

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do mal (Darth Vader) é quem mata o Imperador, gerando a vitória do bem contra o mal. A série continua, sendo possíveis novas reflexões no futuro.

Ato contínuo, a realidade pós-moderna é marcada pela hipercomplexi-dade. De acordo com Antônio Junqueira de Azevedo, o próprio direito é um sistema complexo de segunda ordem.10 Na contemporaneidade, os prosaicos exemplos de negócios e atos jurídicos entre Tício, Caio e Mévio, comuns nas aulas de Direito Romano e de Direito Civil do passado (ou até do presente), não conseguem resolver os casos de maior complexidade, particularmente aqueles relativos a colisões entre direitos considerados fundamentais, próprios da pessoa humana. Ademais, muitas situações envolvendo os contratos de consumo superam aquela antiga visualização. A título de ilustração, imagine-se que um consumidor brasileiro compra um produto americano acessando seu computador no Brasil, estando o provedor da empresa vendedora localizado na Nova Zelândia. Pergunta-se: quais as leis aplicadas na espécie? Sem se pretender ingressar no mérito da questão, o exemplo demonstra quão com-plexas podem ser as simples relações de consumo.

Por fim, demonstrando o caos contemporâneo, Ricardo Luis Lorenzet-ti fala em era da desordem, que, em síntese, pode ser identificada pelos seguintes aspectos: a) enfraquecimento das fronteiras entre as esferas do público e do privado; b) pluralidade das fontes, seja no Direito Público ou no Direito Privado; c) proliferação de conceitos jurídicos indeterminados; d) existência de um sistema aberto, sendo possível uma extensa variação de julgamentos; e) grande abertura para o intérprete estabelecer e reconstruir a sua coerência; f) mudanças constantes de posições, inclusive legislativas; g) necessidade de adequação das fontes umas às outras; h) exigência de pautas mínimas de correção para a interpretação jurídica.11 Como não poderia ser diferente, o Código de Defesa do Consumidor enquadra-se perfeitamente em tal realidade pós-moderna. Primeiro, por trazer como conteúdo ques-tões de Direito Privado e de Direito Público. Segundo, por encerrar vários conceitos indeterminados, como o de boa-fé. Terceiro, por representar uma norma aberta, perfeitamente afeita a diálogos interdisciplinares, como se verá (diálogo das fontes). Quarto, por encerrar a pauta mínima de proteção dos consumidores.

10 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Parecer. O direito como sistema complexo e de 2ª ordem; sua autonomia. Ato nulo e ato ilícito. Diferença de espírito entre responsabilidade civil e penal. Necessidade de prejuízo para haver direito a indenização na responsabilidade civil. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 26-27.

11 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial. Fundamentos de direito, cit., p. 359-360.

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1.2. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO NORMA PRINCIPIOLÓGICA. SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA

O Código de Defesa do Consumidor é norma que tem relação direta com a terceira geração, era ou dimensão de direitos.12 Nesse contexto, é comum relacionar as três primeiras gerações, eras ou dimensões com os princípios da Revolução Francesa. Pontue-se que a referida divisão das ge-rações de direitos foi idealizada pelo jurista tcheco Karel Vasak, em 1979, em exposição feita em aula inaugural no Instituto Internacional dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, França.

Os direitos de primeira geração ou dimensão são aqueles relacionados com o princípio da liberdade. Os de segunda geração ou dimensão, com o princípio da igualdade. Os direitos de terceira geração ou dimensão são relativos ao princípio da fraternidade. Na verdade, o Código de Defesa do Consumidor tem relação com todas as três dimensões. Todavia, é melhor enquadrá-lo na terceira dimensão, já que a Lei Consumerista visa à paci-ficação social, na tentativa de equilibrar a díspar relação existente entre fornecedores e prestadores.

Na atualidade, já se fala em outras duas outras gerações ou dimensões de direitos. A quarta dimensão estaria sincronizada com a proteção do patrimônio genético (DNA), com a intimidade biológica. Por fim, a quinta dimensão seria aquela relativa ao mundo digital ou cibernético, com o Di-reito Eletrônico ou Digital. Não se ignore que a relação de consumo também pode enquadrar as duas últimas dimensões. Vejamos, de forma detalhada:

1ª Geração: Princípio da Liberdade.2ª Geração: Princípio da Igualdade.3ª Geração: Princípio da Fraternidade (pacificação social). Aqui melhor se

enquadraria o Código de Defesa do Consumidor.4ª Geração: Proteção do patrimônio genético.5ª Geração: Proteção de direitos no mundo digital.

Pois bem, o Código de Defesa do Consumidor é tido pela doutrina como uma norma principiológica, diante da proteção constitucional dos consumidores, que consta, especialmente, do art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, ao enunciar que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. A propósito dessa questão, precisas são as lições de Luiz Antonio Rizzatto Nunes:

12 Sobre o tema: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Campus, 2004.

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“A Lei n. 8.078 é norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas especiais anteriores que com ela colidirem. As normas gerais principiológicas, pelos motivos que apresentamos no início deste trabalho ao demonstrar o valor superior dos princípios, têm prevalência sobre as normas gerais e especiais anteriores”.13

Destaque-se que, do mesmo modo, a respeito do caráter de norma principiológica, opinam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, expondo pela prevalência contínua do Código Consumerista sobre as de-mais normas, eis que “as leis especiais setorizadas (v.g., seguros, bancos, calçados, transportes, serviços, automóveis, alimentos etc.) devem disciplinar suas respectivas matérias em consonância e em obediência aos princípios fundamentais do CDC”.14

Diante de tais premissas, pode-se dizer que o Código de Defesa do Consumidor tem eficácia supralegal, ou seja, está em um ponto hierárquico intermediário entre a Constituição Federal de 1988 e as leis ordinárias. Para tal dedução jurídica, pode ser utilizada a simbologia do sistema piramidal, atribuída a Hans Kelsen.15 Vejamos:

CF/1988

CDC

Leis Ordinárias

Como exemplo dessa conclusão, pode ser citado o problema relativo à Convenção de Varsóvia e à Convenção de Montreal, tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e que preveem tarifação de indenização no transporte aéreo internacional, nos casos de cancelamento e atraso de voos, bem como de extravio de bagagem. Deve ficar claro que tais tratados

13 RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 91.

14 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 906.

15 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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internacionais não são convenções de direitos humanos, não tendo a força de emendas à Constituição, como consta do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004.

Ora, tais convenções internacionais colidem com o princípio da repara-ção integral dos danos, retirado do art. 6º, inc. VI, da Lei 8.078/1990, que reconhece como direito básico do consumidor a efetiva reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, afastando qualquer possibilidade de tabelamento ou tarifação de indenização em desfavor dos consumidores. Diante da citada posição intermediária ou supralegal do Código de Defesa do Consumidor, a norma consumerista deve prevalecer sobre as citadas fontes internacionais.

Em complemento, para a efetiva incidência do CDC ao transporte aéreo, merece destaque a argumentação desenvolvida por Marco Fábio Morsello, no sentido de que a norma consumerista sempre deve prevalecer, por seu caráter mais especial, tendo o que ele denomina como segmentação horizontal. De outra forma, sustenta que a matéria consumerista é agrupada pela função e não pelo objeto.16

Ademais, não se pode esquecer que as fontes do Direito Internacional Público, caso das citadas convenções, não podem entrar em conflito com as normas internas de ordem pública, como é o caso do Código Consumerista. Nessa linha, preceitua o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

A prevalência do Código de Defesa do Consumidor sobre a Convenção de Varsóvia vinha sendo aplicada há tempos pelos Tribunais Superiores. De início, vejamos decisão do Supremo Tribunal Federal, de março de 2009:

“Recurso extraordinário. Danos morais decorrentes de atraso ocorrido em voo internacional. Aplicação do Código de Defesa do Consumi-dor. Matéria infraconstitucional. Não conhecimento. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Có-digo Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de

16 MORSELLO, Marco Fábio. Responsabilidade civil no transporte aéreo. São Paulo: Atlas, 2006. p. 419.

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Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constitui-ção da República. 4. Recurso não conhecido” (STF – RE 351.750-3/RJ – Primeira Turma – Rel. Min. Carlos Britto – j. 17.03.2009 – DJe 25.09.2009, p. 69).

Não tem sido diferente a conclusão do Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgados. Por todos, entre os mais recentes:

“Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento. Seguro. Ação regressiva. Responsabilidade civil. Indenização. Cálculo. Convenção de Varsóvia. Inaplicabilida-de. Código de Defesa do Consumidor. Incidência. Multa. Parágrafo único, art. 538 do CPC. Embargos rejeitados” (STJ – EDcl-AgRg-Ag 804.618/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho Junior – j. 14.12.2010 – DJe 17.12.2010).

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Transporte aéreo in-ternacional. Extravio de bagagem. Código de Defesa do Consumidor. Prevalência. Convenção de Varsóvia. Quantum indenizatório. Redução. Impossibilidade. Dissídio não configurado. 1. A jurisprudência domi-nante desta Corte Superior se orienta no sentido de prevalência das normas do CDC, em detrimento das normas insertas na Convenção de Varsóvia, aos casos de extravio de bagagem, em transporte aéreo internacional. 2. No que concerne à caracterização do dissenso preto-riano para redução do quantum indenizatório, impende ressaltar que as circunstâncias que levam o Tribunal de origem a fixar o valor da indenização por danos morais são de caráter personalíssimo e levam em conta questões subjetivas, o que dificulta ou mesmo impossibilita a comparação, de forma objetiva, para efeito de configuração da diver-gência, com outras decisões assemelhadas. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ – AgRg-Ag 1.278.321/SP – Terceira Turma – Rel. Des. Conv. Vasco Della Giustina – j. 18.11.2010 – DJe 25.11.2010).

“Agravo regimental. Recurso especial. Extravio de bagagem. Indeni-zação ampla. Código de Defesa do Consumidor. 1. É firme a juris-prudência desta Corte no sentido de que, após a edição do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece a tarifação prevista na Convenção de Varsóvia. Incidência do princípio da ampla reparação. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido” (STJ – AgRg-REsp 262.687/SP – Quarta Turma – Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 15.12.2009 – DJe 22.02.2010).

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Por todos os argumentos expostos, pensamos que a conclusão deve ser a mesma em casos envolvendo a mais recente Convenção de Montreal, que, do mesmo modo, limita a indenização no transporte aéreo internacional, na linha da tese desenvolvida pelo magistrado e jurista Marco Fábio Morsello, outrora citada. Essa, aliás, vinha sendo a conclusão dos nossos Tribunais:

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Transporte aéreo in-ternacional. Atraso de voo. Código de Defesa do Consumidor. Con-venções internacionais. Responsabilidade objetiva. Riscos inerentes à atividade. Fundamento inatacado. Súmula 283 do STF. Quantum indenizatório. Redução. Impossibilidade. Dissídio não configurado. 1. A jurisprudência dominante desta Corte Superior se orienta no sentido de prevalência das normas do CDC, em detrimento das Convenções Internacionais, como a Convenção de Montreal, precedida pela Con-venção de Varsóvia, aos casos de atraso de voo, em transporte aéreo internacional. 2. O Tribunal de origem fundamentou sua decisão na responsabilidade objetiva da empresa aérea, tendo em vista que os riscos são inerentes à própria atividade desenvolvida, não podendo ser reconhecido o caso fortuito como causa excludente da responsa-bilização. Tais argumentos, porém, não foram atacados pela agravante, o que atrai, por analogia, a incidência da Súmula 283 do STF. 3. No que concerne à caracterização do dissenso pretoriano para redução do quantum indenizatório, impende ressaltar que as circunstâncias que levam o Tribunal de origem a fixar o valor da indenização por danos morais são de caráter personalíssimo e levam em conta ques-tões subjetivas, o que dificulta ou mesmo impossibilita a comparação, de forma objetiva, para efeito de configuração da divergência, com outras decisões assemelhadas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento” (STJ – AgRg no Ag 1.343.941/RJ – Terceira Turma – Rel. Des. Conv. Vasco Della Giustina – j. 18.11.2010 – DJe 25.11.2010).

“Ação de indenização. Extravio de bagagem. Relação regida pelo CDC. Danos materiais e morais. Cabimento. Quantum. O extravio de bagagem enseja indenização por danos morais e pelo valor gasto na aquisição de roupas e objetos de uso pessoal. Deve a indenização por danos materiais em casos de extravio de bagagem, em viagens internacionais, equivaler a todo o prejuízo sofrido, devendo ser inte-gral, ampla, não tarifada, não se aplicando o Pacto de Varsóvia, nem a Convenção de Montreal, mas o Código de Defesa do Consumidor. É evidente o dano moral do viajante que perde sua bagagem, sofrendo constrangimentos, angústias e aflições. O quantum da indenização por danos morais deve ser fixado com prudente arbítrio, para que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, mas também

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para que o valor não seja irrisório” (TJMG – Apelação cível 7886810-67.2007.8.13.0024, Belo Horizonte – Nona Câmara Cível – Rel. Des. Pedro Bernardes – j. 25.01.2011 – DJEMG 07.02.2011).

“Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Transporte aéreo internacional. Pacote turístico referente a reservas de hotel e passagem aérea, saindo de São Paulo com destino a Miami, com conexão em Atlanta. Atraso e perda de voo de conexão por culpa da companhia aérea ré. O autor e sua família tiveram que dormir no aeroporto e voltar ao Brasil com recursos próprios. Ausência de amparo mate-rial. Aplicabilidade do CDC e não aplicabilidade da Convenção de Montreal. Presentes os pressupostos à indenização. Danos materiais comprovados. Danos morais corretamente fixados. Devido o quantum arbitrado. Adequação – Sentença de parcial procedência confirma-da. Ratificação do julgado. Hipótese em que, estando a r. sentença suficientemente motivada, houve a análise correta dos fundamentos de fato e de direito apresentados pelas partes, dando-se à causa o deslinde justo e necessário – Aplicabilidade do art. 252, do RI do TJSP. Sentença mantida. Recurso não provido” (TJSP – Apelação cível 0281135-07.2010.8.26.0000 – Acórdão n. 4852799, São Paulo – Trigésima Oitava Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Spencer Almeida Ferreira – j. 24.11.2010 – DJESP 11.01.2011).

De toda sorte, cabe ressaltar que a questão a respeito das Convenções de Varsóvia e de Montreal alterou-se no âmbito da jurisprudência superior nacional, uma vez que, em maio de 2017, o Pleno do Supremo Tribunal Federal acabou por concluir pelas suas prevalências sobre o CDC (Recurso Extraordinário 636.331 e Recurso Extraordinário no Agravo 766.618).

Conforme publicação constante do Informativo n. 866 da Corte, referente a tal mudança de posição, “nos termos do art. 178 da Constituição da Repú-blica, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. (...). No RE 636.331/RJ, o Colegiado assentou a prevalência da Convenção de Varsóvia e dos demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil em detrimento do CDC, não apenas na hipótese de extravio de bagagem. Em consequência, deu provimento ao recurso extraordinário para limitar o valor da condenação por danos materiais ao patamar estabelecido na Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Afirmou que a antinomia ocorre, a princípio, entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de Varsóvia, que fixa

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limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação. Afastou, de início, a alegação de que o princípio constitucional que impõe a defesa do consumidor [Constituição Federal (CF), arts. 5.º, XXXII, e 170, V] impediria a derrogação do CDC por norma mais restritiva, ainda que por lei especial. Salientou que a proteção ao consumidor não é a única diretriz a orientar a ordem econômica. Consignou que o próprio texto constitucional determina, no art. 178, a observância dos acordos internacionais, quanto à ordenação do transporte aéreo internacional. Realçou que, no tocante à apa-rente antinomia entre o disposto no CDC e na Convenção de Varsóvia – e demais normas internacionais sobre transporte aéreo –, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Todos têm estatura de lei ordinária e, por isso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade”.

A solução pelos critérios da especialidade e cronológico é que conduziu à prevalência das duas Convenções sobre o CDC, infelizmente. Foram ven-cidos apenas os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que entenderam de forma contrária, pois a Lei 8.078/1990 teria posição hierárquica superior. Assim, todos os demais julgadores votaram seguindo os Relatores das duas ações, Ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso.

Para o presente autor, trata-se de um enorme retrocesso quanto à tutela dos consumidores, pelos argumentos outrora expostos. Como se retira do seu art. 1º, o CDC é norma principiológica, tendo posição hierárquica superior diante das demais leis ordinárias, caso das duas Convenções Internacionais citadas. Porém, infelizmente, tal entendimento, muito comum entre os con-sumeristas, não foi adotado pela maioria dos julgadores. Esclareça-se, por oportuno, que o decisum apenas diz respeito à limitação tabelada de danos materiais, não atingindo danos morais e outros danos extrapatrimoniais.

Também a ilustrar a concepção do Código de Defesa do Consumidor como norma principiológica, merece destaque recente aresto do Superior Tribunal de Justiça que fez incidir a Lei 8.078/1990 a uma relação jurídica entre duas emissoras de televisão, tendo uma prestado ao público informa-ções inverídicas sobre o desempenho da outra, perante o IBOPE. Conforme a ementa, “o direito consumerista pode ser utilizado como norma principiológica mesmo que inexista relação de consumo entre as partes litigantes porque as disposições do CDC veiculam cláusulas criadas para proteger o consumidor de práticas abusivas e desleais do fornecedor de serviços, inclusive as que proíbem a propaganda enganosa” (STJ – REsp 1.552.550/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Moura Ribeiro – j. 01.03.2016 – DJe 22.04.2016). Nos termos do voto do Ministro Relator, “o relacionamento entre as emissoras de televisão e os telespectadores caracteriza uma relação de consumo na medida em que

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elas prestam um serviço público concedido e se beneficiam com a audiência, auferindo renda. Portanto, a emissora se submete aos princípios ditados pelo CDC que tem por objetivo a transparência e harmonia das relações de con-sumo (CDC, art. 4º), do qual decorre o direito do consumidor de proteção contra a publicidade enganosa (CDC, art. 6º)”. Ao final, uma emissora foi condenada a indenizar a outra em R$ 500.000,00, a título de danos morais.

Visualizada a posição do CDC no ordenamento jurídico nacional, bem como as concreções práticas desse posicionamento, vejamos o estudo da aclamada teoria do diálogo das fontes.

1.3. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES

Tema fundamental para a compreensão do campo de incidência do Código de Defesa do Consumidor refere-se à sua interação em relação às demais leis, notadamente em relação ao vigente Código Civil.

Como é notório, prevalecia, na vigência do Código Civil de 1916, a ideia de que o Código de Defesa do Consumidor constituiria um microssistema jurídico autoaplicável e autossuficiente, totalmente isolado das demais nor-mas.17 Assim, naquela outrora vigente realidade, havendo uma relação de consumo, seria aplicado o Código de Defesa do Consumidor e não o Código Civil. Por outra via, presente uma relação civil, incidiria o Código Civil e não o CDC. Assim era ensinada a disciplina de Direito do Consumidor na década de noventa e na primeira década do século XXI.

Porém, essa concepção foi superada com o surgimento do Código Civil de 2002 e da teoria do diálogo das fontes. Tal tese foi desenvolvida na Ale-manha por Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg, e trazida ao Brasil pela notável Claudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A essência da teoria é de que as normas jurídicas não se excluem – supostamente porque pertencentes a ramos jurídicos distintos –, mas se complementam. No Brasil, a principal incidência da teoria se dá justamente na interação entre o CDC e o CC/2002, em matérias como a responsabilidade civil e o Direito Contratual. Do ponto de vista legal, a tese está baseada no art. 7º do CDC, que adota um modelo aberto de interação legislativa. Repise-se que, de acordo com tal comando, os direitos previstos no CDC não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções inter-

17 Nesse sentido, por exemplo: RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 93-94.

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nacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, cos-tumes e equidade. Nesse contexto, é possível que a norma mais favorável ao consumidor esteja fora da própria Lei Consumerista, podendo o intérprete fazer a opção por esse preceito específico. Como reconhece o Enunciado n. 1 do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), as normas e os negócios jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor.

Uma das principais justificativas que podem surgir para a incidência refere-se à sua funcionalidade. É cediço que vivemos um momento de explosão de leis, um “Big Bang legislativo”, como simbolizou Ricardo Lo-renzetti. O mundo pós-moderno e globalizado, complexo e abundante por natureza, convive com uma quantidade enorme de normas jurídicas, a deixar o aplicador do Direito até desnorteado. Repise-se a convivência com a era da desordem, conforme expõe o mesmo Lorenzetti.18 O diálogo das fontes serve como leme nessa tempestade de complexidade.

Desse modo, diante do pluralismo pós-moderno, com inúmeras fontes legais, surge a necessidade de coordenação entre as leis que fazem parte do mesmo ordenamento jurídico.19 A expressão é feliz justamente pela adequação à realidade social da pós-modernidade. Ao justificar o diálogo das fontes, esclarece Claudia Lima Marques que “A bela expressão de Erik Jayme, hoje consagrada no Brasil, alerta-nos de que os tempos pós-modernos não mais permitem esse tipo de clareza ou monossolução. A solução sistemática pós--moderna, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à micror-recodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, deve ser mais fluida, mais flexível, tratar diferentemente os diferentes, a permitir maior mobilidade e fineza de distinção. Nestes tempos, a superação de paradigmas é substituída pela convivência dos paradigmas”.20

Como ensina a própria jurista, há um diálogo diante de influências recíprocas, com a possibilidade de aplicação concomitante das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, de forma complementar ou subsidiária.

18 Todos os referenciais teóricos do jurista argentino constam em: LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial, cit.

19 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 26.

20 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2008. p. 89.

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Há, assim, uma solução que é flexível e aberta, de interpenetração ou de busca, no sistema, da norma que seja mais favorável ao vulnerável.21 Ain-da, como afirma a doutrinadora em outra obra, “O uso da expressão do mestre ‘diálogo das fontes’ é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. É a denominada ‘coerência derivada ou restaurada’ (cohérence dérivée ou restaurée), que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcio-nal do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a ‘antinomia’, a ‘incompatibilidade’ ou a ‘não coerência’”.22

A possibilitar tal interação no que concerne às relações obrigacionais, sabe-se que houve uma aproximação principiológica entre o CDC e o CC/2002 no que tange aos contratos. Essa aproximação principiológica se deu pelos princípios sociais contratuais, que já estavam presentes na Lei Consumerista e foram transpostos para a codificação privada, quais sejam os princípios da autonomia privada, da boa-fé objetiva e da função social dos contratos. Nesse sentido e no campo doutrinário, na III Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2002, aprovou-se o Enunciado n. 167, in verbis: “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”.

Por isso, os defensores dos consumidores, como o presente autor, não devem temer o Código Civil de 2002, como temiam o Código Civil de 1916, norma essencialmente individualista e egoística. Como o Código Civil de 2002 pode servir também para a tutela efetiva dos consumidores, como se verá, supera-se, então, no que tange aos contratos, a ideia de que o Código Consumerista seria um microssistema jurídico, totalmente isolado do Código Civil de 2002.

Simbologicamente, pode-se dizer que, pela teoria do diálogo das fontes, supera-se a interpretação insular do Direito, segundo a qual cada ramo do conhecimento jurídico representaria uma ilha (símbolo criado por José Fernando Simão). O Direito passa a ser visualizado, assim, como um sistema solar (interpretação sistemática e planetária), em que os planetas são os

21 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 29.

22 MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor, cit., p. 87.

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Códigos, os satélites são os estatutos próprios (caso do CDC) e o Sol é a Constituição Federal, irradiando seus raios solares – seus princípios – por todo o sistema (figura de Ricardo Luis Lorenzetti). Vejamos tais visualizações, de forma esquematizada:

Diálogo das Fontes

CC

CLT

CPCCPC

Deve ficar claro, contudo, e de antemão, que, apesar do termo “Código”, o CDC não tem um papel central no Direito Privado, como tem o Código Civil Brasileiro. Isso porque os conceitos fundamentais privados constam da codificação privada, e não da Lei Consumerista. A título de exemplo, o CDC trata da prescrição e da decadência, dos contratos de consumo e da responsabilidade civil consumerista. Todavia, os conceitos estruturantes de tais institutos constam do Código Civil de 2002, como se verá na presente obra.

Pois bem, Claudia Lima Marques demonstra três diálogos possíveis a partir da teoria exposta:23

a) Havendo aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual para a outra, estará presente o diálogo sistemático de coerência. Exemplo: os conceitos dos contratos de espécie podem ser retirados do Código Civil, mesmo sendo o contrato de consumo, caso de uma compra e venda (art. 481 do CC).

23 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, cit., p. 91.

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b) Se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode com-pletar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade). O exemplo típico ocorre com os contratos de consumo que também são de adesão. Em relação às cláusulas abusivas, pode ser invocada a proteção dos consumidores constante do art. 51 do CDC e, ainda, a proteção dos aderentes constante do art. 424 do CC.

c) Os diálogos de influências recíprocas sistemáticas estão presentes quan-do os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrem influências da outra. Assim, o conceito de consumidor pode sofrer influências do próprio Código Civil. Como afirma a própria Claudia Lima Marques, “é a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de doublé sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática)”.

Analisadas tais premissas fundamentais, é interessante trazer à colação, com os devidos comentários, alguns julgados nacionais que aplicaram a teo-ria do diálogo das fontes, propondo uma interação entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor. De imediato, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, colaciona-se a seguinte ementa:

“Ação civil pública. Contrato de arrendamento mercantil – leasing. Cláu-sula de seguro. Abusividade. Inocorrência. 1. Não se pode interpretar o Código de Defesa do Consumidor de modo a tornar qualquer encargo contratual atribuído ao consumidor como abusivo, sem observar que as relações contratuais se estabelecem, igualmente, através de regras de direito civil. 2. O CDC não exclui a principiologia dos contratos de direito civil. Entre as normas consumeristas e as regras gerais dos contratos, insertas no Código Civil e legislação extravagante, deve haver complementação e não exclusão. É o que a doutrina chama de Diálogo das Fontes. 3. Ante a natureza do contrato de arrendamento mercantil ou leasing, em que pese a empresa arrendante figurar como proprietária do bem, o arrendatário possui o dever de conservar o bem arrendado, para que ao final da avença, exercendo o seu direito, prorrogue o contrato, compre ou devolva o bem. 4. A cláusula que obriga o arrendatário a contratar seguro em nome da arrendante não é abusiva, pois aquele possui dever de conservação do bem, usufruin-do da coisa como se dono fosse, suportando, em razão disso, riscos e encargos inerentes a sua obrigação. O seguro, nessas circunstâncias, é garantia para o cumprimento da avença, protegendo o patrimônio do arrendante, bem como o indivíduo de infortúnios. 5. Rejeita-se, contudo, a venda casada, podendo o seguro ser realizado em qualquer seguradora de livre escolha do interessado 6. Recurso especial parcial-mente conhecido e, nessa extensão, provido” (STJ – REsp 1.060.515/DF – Quarta Turma – Rel. Des. Conv. Honildo Amaral de Mello Castro – j. 04.05.2010 – DJe 24.05.2010).

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Ainda no plano do STJ, anote-se que aquela jurisprudência superior já debateu, com base no diálogo das fontes, a incidência ou não do prazo geral de prescrição do Código Civil na situação envolvendo o tabagismo, por ser o prazo maior mais favorável ao consumidor. Destaque-se que o tema ain-da será aprofundado na presente obra. No presente momento, colaciona-se apenas a ementa do julgado, pela menção expressa à teoria:

“Consumidor e civil. Art. 7º do CDC. Aplicação da lei mais favorá-vel. Diálogo de fontes. Relativização do princípio da especialidade. Responsabilidade civil. Tabagismo. Relação de consumo. Ação indeni-zatória. Prescrição. Prazo. O mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC. Assim, e nos termos do art. 7º do CDC, sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma prefe-rência no trato da relação de consumo. Diante disso, conclui-se pela inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 27 do CDC à hipótese dos autos, devendo incidir a prescrição vintenária do art. 177 do CC/1916, por ser mais favorável ao consumidor. Recente decisão da 2ª Seção, porém, pacificou o entendimento quanto à incidência na espécie do prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 27 do CDC, que deve prevalecer, com a ressalva do entendimento pessoal da Relatora. Recursos especiais providos” (STJ – REsp 1009591/RS – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi –, j. 13.04.2010 – DJe 23.08.2010).

Também parece representar aplicação da teoria do diálogo das fontes a recente Súmula n. 547 do STJ, de outubro de 2015, segundo a qual “Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica, o prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código Civil de 1916. Na vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão contratual de ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido, observada a regra de transição disciplinada em seu art. 2.028”. Trata-se de incidência dessa teoria, pelo fato de se buscar a aplicação de prazos que estão previstos no Código Civil, pela ausência de norma específica no CDC.

Em suma, como se retira de aresto do Tribunal da Cidadania, do ano de 2015, com precisão, “o Direito deve ser compreendido, em metáfora às ciências da natureza, como um sistema de vasos comunicantes, ou de diálogo

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