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GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA 2018 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

2018

MANUAL DE

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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Capítulo

1INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

1.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA GERAL

Na história humana, sempre existiram pessoas em situação de exclusão social, vulnerabilidade econômica e hipossuficiência. Desse modo, no plano histórico geral da Previdência e da Seguridade Social, podem ser indicadas as fases e os acontecimentos a seguir expostos.

A assistência social privada significa a ajuda prestada aos neces-sitados por pessoas e grupos particulares. A família, como instituição básica da sociedade, sempre ofereceu auxílio às pessoas de seu núcleo que precisam de socorro.

Observa-se, principalmente na Idade Média, o surgimento de entida-des e organizações sociais privadas que buscam socorrer o necessitado, como a Igreja e associações de caridade, de objetivos filantrópicos e beneficentes, não só de natureza religiosa e confessional, como tam-bém laica.

Nesse enfoque, o cristianismo tem papel de destaque na solidarie-dade, no altruísmo, preocupando-se com o bem-estar do próximo. A

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doutrina social da Igreja Católica, por meio de Encíclicas, defende a justiça social, condições adequadas para os trabalhadores e suas famílias, de modo que a busca pelo lucro não afronte valores superiores como o bem-estar, a igualdade e o atendimento das necessidades sociais. A Encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII, que foi seguida de outras ao longo dos anos, defende essa importante linha de pensamento.

A atuação da sociedade civil, com objetivos beneficentes, entretanto, não se revelou suficiente para atender nem mesmo aqueles que estão em condições mais graves de indigência.

A assistência social pública, com isso, indica um conjunto de atividades do Estado de socorro e auxílio às pessoas em situação de exclusão social, para se alcançar um mínimo de estabilidade nas relações econômicas.

Na Inglaterra, a chamada Lei dos Pobres, ou Lei de Amparo aos Pobres (Poor Relief Act ou Poor Law), de 1601, instituía socorros públicos aos mais necessitados e indigentes.

A Constituição francesa de 1791 também assegurava os chamados socorros públicos em benefício de crianças desamparadas, pobres, doentes e desempregados.

Nessa época, a atividade estatal de assistência ainda não era prestada de forma abrangente, tendo muitas vezes um enfoque preponderante de favor social, sem regulamentação precisa e detalhada.

Ainda na esfera privada, desde a época da Idade Média, com o surgimento do feudalismo (século IV) e das corporações de ofício (século XII)1, destaca-se, também, o mutualismo, o qual significa a formação de grupos de socorro mútuo, em que as pessoas se reúnem e contribuem para um fundo comum, a ser utilizado quando o inte-grante, ou sua família, passa por situação de necessidade econômica. Observa-se, com isso, a solidariedade interna, ou seja, no âmbito de cada grupo social.

1 Cf. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Curso crítico de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 51.

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Cap. 1 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 23

A formação de grupos em defesa de melhores condições sociais e de trabalho também ganha destaque na época da Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, em que a chamada questão social impôs terríveis condições de vida à classe trabalhadora. O Estado Liberal, influenciado pelo individualismo, não intervinha nas relações privadas e econômicas, nem interferia na autonomia da vontade, acarretando manifesta desigualdade e injustiça social.

Os trabalhadores, com isso, passam a se unir, dando origem a grupos na defesa de interesses comuns, de natureza sindical, na defesa de condições de trabalho, inclusive com a instauração de gre-ves, bem como associações mutualistas e assistenciais, para prestar auxílio e socorro aos membros mais necessitados e seus familiares. A sistemática da época ainda não apresentava a concepção de efetivo direito social e dever estatal, não contando com a ampla estrutura e organização atuais.

As situações de risco social também foram objeto de coberturas contratuais, inicialmente nos moldes do Direito Privado, dando origem ao seguro contratual.

Os contratos de seguro em razão de eventos como morte, acidente, doença e invalidez eram firmados com empresas seguradoras, em favor dos trabalhadores e de seus familiares, inicialmente pelos próprios obreiros e, posteriormente, pelos empregadores.

No âmbito dos acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, após a fase inicial de responsabilidade subjetiva do empregador, em que o trabalhador precisava provar a culpa daquele, evolui-se para a responsabilidade civil contratual, com presunção de culpa patronal e inversão do ônus da prova, e para a responsabilidade objetiva pelos danos sofridos pelos empregados2.

Posteriormente, o próprio Estado passou a exigir que as empresas contratassem seguros de acidentes de trabalho, dando origem ao con-trato de seguro obrigatório, não mais voluntário, para que o trabalhador

2 Cf. FERREIRA, Lauro Cesar Mazetto. Seguridade social e direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007. p. 100.

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acidentado e seus familiares não ficassem sem receber a indenização decorrente do infortúnio.

Na época da Revolução Industrial, notadamente no século XIX, os movimentos de lutas dos trabalhadores por justiça, igualdade, melhores condições de trabalho e de vida dão origem à instituição de direitos sociais, principalmente de natureza trabalhista e previdenciária. O sindicalismo também teve o importante papel de pressionar o Estado para atuar e legislar sobre condições sociais, especialmente em favor da classe mais desfavorecida, garantindo direitos, inclusive, nas esferas previdenciária, ocupacional e acidentária.

O Estado, até mesmo para evitar movimentos revolucionários, que pudessem gerar riscos ao próprio sistema econômico capitalista, passa a intervir nas relações sociais, estabelecendo direitos às classes mais desfavorecidas, dando origem ao chamado seguro social.

Na Alemanha, merecem referência as leis da época de Otto von Bismarck, de conotação previdenciária, instituindo seguros sociais, custeados pelo Estado, trabalhadores e empregadores, em matéria de doença (1883), acidente do trabalho (1884), invalidez e velhice (1889)3.

Os acidentes do trabalho, assim, passam a ser cobertos por sistema público, de natureza previdenciária, e não mais privada e contratual.

O chamado constitucionalismo social, do início do século XX, por seu turno, significa a previsão de direitos sociais, econômicos, trabalhistas e previdenciários, assegurados na esfera constitucional, com destaque às Constituições do México, de 1917, ressaltando a responsabilização por danos decorrentes de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, e de Weimar, de 1919, estabelecendo um sistema de seguro social. Observa-se a passagem, assim, do Estado Liberal para o Estado Social.

A Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919, pelo Tratado de Versalhes, passa a aprovar normas fundamentais de con-teúdo social, trabalhista e previdenciário, destacando-se, quanto ao

3 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 4.

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Cap. 1 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 25

tema, a Convenção 102, de 1952, ao estabelecer normas mínimas de Seguridade Social.

Na Inglaterra, o Relatório que deu origem ao chamado Plano Beveridge, de 1942, propunha um amplo sistema público de proteção social, com cobertura abrangente de contingências sociais e carac-terística universal, pois buscava atender não apenas os trabalhado-res, mas todas as pessoas que estivessem em estado de indigência e necessidade, nas esferas não só da previdência, mas também da assistência e da saúde4. Deu origem, com isso, ao sistema inglês de Seguridade Social.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reconhece o direito à segurança social, os direitos econômicos, sociais e cultu-rais indispensáveis à dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade, salientando a necessidade de proteção social, assim como à saúde e ao bem-estar (arts. 22, 23 e 25).

No final do século XX, a crise do modelo de Estado do bem-estar social (Welfare State) decorre de insuficiências econômicas para a ma-nutenção da ampla estrutura de atendimento e cobertura de necessidades sociais. Surge, portanto, o movimento conhecido como neoliberalismo, defendendo a redução da despesa pública e da atuação social do Es-tado, deixando ao mercado o encargo de cuidar dos serviços que não sejam estritamente necessários para a vida em sociedade.

Ainda assim, no Estado Democrático de Direito, que prevalece na atualidade, os direitos sociais, neles incluídos aqueles voltados à Seguridade Social, devem ser protegidos e promovidos por toda a sociedade, em especial pelo poder público, pois integram o rol dos direitos fundamentais e são necessários à preservação da dignidade da pessoa humana.

A Seguridade Social, no presente, é entendida como um amplo sistema de proteção social, pois abrange não apenas a Previdência Social, mas a Assistência Social e também a Saúde.

4 Cf. LEITÃO, André Studart; MEIRINHO, Augusto Grieco Sant’Anna. Manual de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 34.

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Os direitos à Previdência Social, à Assistência Social e à Saúde integram os direitos sociais, os quais têm natureza de direitos humanos e fundamentais, nas esferas internacional e constitucional.

1.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL

A Constituição do Império, de 1824, previa a garantia de socorros públicos (art. 179, inciso XXXI), com natureza, assim, de assistência pública.

Havia nessa época, ainda, associações beneficentes, como as Santas Casas de Misericórdia (1543), e organizações de natureza mutualista, como o Montepio Geral de Servidores do Estado (1835)5.

A Constituição de 1891, republicana, prevê a aposentadoria aos funcionários públicos em caso de invalidez “no serviço da Nação” (art. 75).

A Lei Eloy Chaves, de 1923, decorrente do Decreto 4.682, é consi-derada o marco da previdência social no Brasil, ao criar as Caixas de Aposentadorias e Pensões aos ferroviários, em cada empresa de estrada de ferro no Brasil. O sistema, assim, era mantido pelas empresas, e não pelo Estado, com a previsão dos benefícios de aposentadoria, pensão por morte e assistência médica.

Nos anos seguintes, foram instituídas Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para outros empregados, como portuários e marítimos, que eram organizadas por empresas.

Entretanto, a partir da década de 1930, passam a surgir os Ins-titutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), os quais abrangem e se estruturam em categorias profissionais. O Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos foi o primeiro a ser criado, em 1933, após o que foram instituídos outros, como dos comerciários, bancários, industriários e estivadores.

5 Cf. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 20. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. p. 54.

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Cap. 1 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 27

A Constituição de 1934, de perfil democrático, além de fazer men-ção à assistência social (art. 5º, inciso XIX, c), à saúde e assistência públicas (art. 10, inciso II), bem como a licenças, aposentadorias e reformas (art. 39, 8, d), é a primeira a utilizar o termo “previdência”, adotando tríplice fonte de custeio, ou seja, por meio de contribuições da União, do empregador e do empregado (art. 121, § 1º, h).

A Constituição de 1937, de natureza ditatorial e autoritária, previa, no âmbito da legislação do trabalho, a instituição de “seguros sociais” (art. 137, m e n).

A Constituição de 1946 retomou as feições democráticas, dispondo sobre defesa e proteção da saúde (art. 5º, inciso XV, b), assistência (art. 164), previdência social e obrigatoriedade de seguro pelo em-pregador contra os acidentes do trabalho (art. 157, incisos XIV, XV, XVI e XVII).

A Lei 3.807, de 1960, conhecida como Lei Orgânica da Previ-dência Social (LOPS), conferiu unidade ao sistema previdenciário, uniformizando os benefícios e as contribuições.

O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) foi criado pela Lei 4.214, de 1963, conhecida como Estatuto dos Traba-lhadores Rurais.

Os Institutos de Aposentadorias e Pensões foram reunidos no Ins-tituto Nacional de Previdência Social (INPS), criado pelo Decreto-Lei 72, de 1966.

A Constituição de 1967, que institucionalizou o regime militar, mantinha as previsões sobre defesa e proteção da saúde (art. 8º, inciso XVII, c), assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva, previ-dência social, seguro obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho (art. 158, incisos XV, XVI e XVII) e assistência à maternidade, à infância e à adolescência (art. 167, § 4º).

Com a Lei 5.316, de 1967, a proteção contra acidentes do trabalho passou a integrar a esfera da previdência social.

A Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, quanto ao tema, manteve a mesma sistemática da Constituição de 1967, tratando

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da matéria previdenciária juntamente com as previsões sobre direitos trabalhistas (art. 165).

O Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Pro-Rural) foi instituído pela Lei Complementar 11, de 1971. Não previa contribuição pelo próprio trabalhador rural, estabelecendo direito à aposentadoria por idade, invalidez, pensão e auxílio-funeral, sempre no valor de um salário mínimo.

A Lei 5.859, de 1972, incluiu os empregados domésticos na esfera da Previdência Social, tendo sido revogada pela Lei Complementar 150, de 2015, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico.

A Consolidação das Leis de Previdência Social (CLPS) foi apro-vada pelo Decreto 77.077, de 1976.

A Lei 6.439, de 1977, instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), que abrangia as seguintes entidades (art. 4º): Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), com atri-buições voltadas à concessão das prestações previdenciárias; Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), com atribuição na assistência médica; Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA), responsável pela assistência social à população carente; Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), que cuidava da proteção às crianças e adolescentes; Empresa de Pro-cessamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV); Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança das contribuições previdenciárias; Central de Medicamentos (CEME), que cuidava da distribuição de remédios.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 passou a disciplinar a Seguridade Social no âmbito mais amplo da Ordem Social (Título VIII).

A Seguridade Social, nesse enfoque, é o sistema de proteção que abrange a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde (arts. 194 a 204 da Constituição da República).

A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como ob-jetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 da Constituição Federal).

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Cap. 1 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 29

Cabe esclarecer que não integram a Seguridade Social propria-mente, mas fazem parte da Ordem Social, a educação, a cultura, o desporto, a ciência, a tecnologia, a inovação, a comunicação social, o meio ambiente, a família, a criança, o adolescente, o jovem, o idoso e os índios.

Os direitos à previdência social, à assistência social e à saúde passam a integrar os direitos sociais (art. 6º), os quais fazem parte do catálogo de direitos fundamentais (Título II da Constituição da República).

A Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, no art. 17, autorizou o Poder Executivo a instituir o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como autarquia federal, mediante a fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social (IAPAS) com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), com as atri-buições de cobrança de contribuições e pagamento de benefícios previdenciários.

Ainda na esfera infraconstitucional, a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, regula as ações e serviços da Saúde.

A Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui o seu plano de custeio.

A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, por sua vez, dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social.

A Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, dispõe sobre a organi-zação da Assistência Social.

O Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999, aprova o Regulamento da Previdência Social.

Cabe fazer referência, ainda, à Lei Complementar 108, de 29 de maio de 2001, que dispõe sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, socie-dades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência complementar, bem como à Lei Complementar 109, também de 29 de maio 2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar.

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No plano constitucional, merecem destaque, ainda, as Emendas Constitucionais 20/1998, 41/2003 e 47/2005, instituindo diversas re-formas no sistema previdenciário.

Com a Lei 11.457, de 16 de março de 2007, a Secretaria da Re-ceita Federal do Brasil, órgão da administração direta, subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, passa a ter a atribuição de planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições (sociais) previdenciárias, de titularidade da União, destinadas, em caráter exclusivo, ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (art. 2º).

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por sua vez, como autarquia federal, com sede em Brasília (DF), anteriormente vinculada ao Ministério da Previdência Social, fica incumbido, essencialmente, do pagamento de benefícios e da prestação de serviços do Regime Geral de Previdência Social.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi transferido para o Ministério do Desenvolvimento Social, mantidos os demais órgãos e entidades supervisionadas que lhe componham a estrutura organizacio-nal ou que lhe estejam vinculados, conforme art. 7º, parágrafo único, inciso I, da Lei 13.341/2016 e art. 76, inciso II, da Lei 13.502/2017.

Entretanto, cabe ressaltar que o Conselho Nacional de Previdência, que integra o Ministério da Fazenda, estabelecerá as diretrizes gerais previdenciárias a serem seguidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (art. 42, parágrafo único, da Lei 13.502/2017).

Na verdade, cabia ao Ministério da Previdência Social, mais exata-mente, a administração do Regime Geral de Previdência Social (art. 7º do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto 3.048/1999). Entretanto, no presente, previdência privada aberta, a previdência e a previdência complementar constituem áreas de competência do Minis-tério da Fazenda, conforme 41, incisos I, X e XI da Lei 13.502/2017.

A Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (DATA-PREV) também foi transferida para o Ministério da Fazenda, conforme art. 7º, parágrafo único, inciso III, da Lei 13.341/2016.

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Cap. 1 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 31

A Lei 13.341/2016 alterou a Lei 10.683/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e a Lei 11.890/2008, bem como revogou a Medida Provisória 717/2016. Posteriormente, a Lei 13.502/2017 estabeleceu a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, alterou a Lei 13.334/2016, bem como revogou a Lei 10.683/2003 e a Medida Provisória 768/2017.

O Ministério do Trabalho e Previdência Social foi transformado em Ministério do Trabalho (art. 2º, inciso III, da Lei 13.341/2016).

Foi transformado o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (art. 2º, inciso V, da Lei 13.341/2016), posteriormente transformado em Ministé-rio do Desenvolvimento Social (art. 76, inciso II, da Lei 13.502/2017).

O Conselho de Recursos da Previdência Social (que passou a se chamar Conselho de Recursos do Seguro Social) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foram transferidos do Ministério do Trabalho e Previdência Social para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (art. 7º, parágrafo único, inciso I), posteriormente transformado em Ministério do Desenvolvimento Social (art. 76, inciso II, da Lei 13.502/2017).

A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PRE-VIC), o Conselho Nacional de Previdência Complementar e a Câmara de Recursos da Previdência Complementar foram transferidos para o Ministério da Fazenda (art. 7º, parágrafo único, inciso II, da Lei 13.341/2016).

O Conselho Nacional de Previdência Social e a Empresa de Tecno-logia e Informações da Previdência Social (DATAPREV), que passaram a se chamar, respectivamente, Conselho Nacional de Previdência e Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (DATAPREV), foram transferidos para o Ministério da Fazenda (art. 7º, parágrafo único, inciso III, da Lei 13.341/2016).

Desse modo, constituem áreas de competência do Ministério da Fazenda a previdência privada aberta, a previdência e a previdência complementar (art. 41, incisos I, X e XI, da Lei 13.502/2017).

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1.3. DENOMINAÇÃO

A denominação da disciplina em estudo é Direito Previdenciário e, de forma mais abrangente, Direito da Seguridade Social.

A Seguridade Social, na realidade, é sistema de proteção social mais amplo, que engloba a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde.

Portanto, o ramo jurídico que disciplina a Seguridade Social é o Direito da Seguridade Social, o que está em consonância com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (arts. 194 e 195). Nesse sentido, o art. 22, inciso XXIII, da Constituição da Re-pública, prevê a competência privativa da União para legislar sobre “seguridade social”.

Logo, o ramo jurídico autônomo é o Direito da Seguridade Social, o qual tem como setores específicos o Direito da Previdência Social, o Direito da Assistência Social e o Direito da Saúde. Nesse enfoque, a rigor, o Direito Previdenciário rege um dos setores da Seguridade Social, ou seja, a Previdência Social.

O art. 24, inciso XII, dispõe que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “previdência social, proteção e defesa da saúde”. Ainda quanto às referidas matérias, a competência dos Municípios decorre do disposto no art. 30, incisos I e II, no sentido de legislar sobre assuntos de interesse local e suple-mentar a legislação federal e a estadual no que couber.

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” (art. 23, inciso II, da Constituição da República).

O Direito da Seguridade Social, como ramificação do Direito, evidentemente, integra o ordenamento jurídico em seu todo. Na esfe-ra do direito objetivo, o Direito da Seguridade Social, como sistema jurídico, é o conjunto harmônico de regras e princípios que disciplina a Seguridade Social.

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Cap. 1 • INTRODUÇÃO AO DIREITO PREVIDENCIÁRIO 33

No plano científico, a ciência do Direito da Seguridade Social tem como objeto o estudo sistematizado, com rigor doutrinário, das regras, princípios, institutos e instituições da Seguridade Social.

A Seguridade Social, como conjunto de ações, políticas, instituições voltadas à proteção social nas esferas previdenciária, assistencial e da saúde, é regida, em termos jurídicos, pelo Direito da Seguridade So-cial, além de estudada, em termos científicos, pela ciência do Direito da Seguridade Social.

1.4. CONCEITO

O Direito da Seguridade Social pode ser conceituado como o ramo jurídico que disciplina a Seguridade Social, a qual é sistema de pro-teção social mais amplo, integrado pelos subsistemas da Previdência Social, da Assistência Social e da Saúde.

Desse modo, o Direito da Seguridade Social é o ramo do Di-reito que estabelece um conjunto de medidas e ações de proteção social às pessoas em relação a contingências que as impeçam de prover as suas necessidades básicas e de suas famílias, visando a assegurar os direitos relativos à Previdência Social, à Assistência Social e à Saúde6.

A contingência social significa um evento, ou seja, algo que pode acontecer, acarretando a perda ou diminuição dos ganhos, como, por exemplo, idade avançada, invalidez, morte, doença, maternidade, acidente do trabalho, desemprego. A proteção social como um todo, estabelecida por meio da Seguridade Social, é conferida pelo poder público e por toda a sociedade, por intermédio de um conjunto inte-grado de ações.

Nesse sentido, de acordo com art. 194 da Constituição da Re-pública, a Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, as quais são

6 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 21.

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destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

A Seguridade Social, assim, tem como objetivo atender às neces-sidades sociais que as pessoas podem ter nas adversidades, garantindo condições dignas de vida e as amparando nas situações em que elas não tiverem como prover as suas necessidades e de suas famílias.

1.5. ABRANGÊNCIA E DIVISÃO

A Seguridade Social engloba a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde (art. 194 da Constituição da República).

Logo, a Seguridade Social é sistema de proteção social de ampla abrangência, bem como de natureza universal. A Seguridade Social tem o relevante papel de atender, proteger e promover o bem-estar do ser humano, sempre que este estiver em situação relacionada a contingências sociais, dificultando ou impedindo que a pessoa possa viver de forma digna e saudável. Nesse enfoque, a Seguridade Social deve alcançar todas as pessoas que estejam em situações que não as permitam a sua própria manutenção e de sua família.

Na realidade, trata-se de importante conquista social histórica da humanidade, voltada à obtenção de igualdade material e da liberdade real. No Estado Democrático de Direito, a Seguridade Social é prevista e efetivada com o fim de combater a pobreza, a miséria, as desigual-dades sociais, ao instituir formas de proteção social e distribuição de renda, permitindo condições mínimas de existência que estejam em consonância com a dignidade humana.

A Seguridade Social, assim, está ligada à ordem social, a qual é ampla, pois também abrange questões voltadas à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência social.

A Seguridade Social, como mencionado, é sistema de proteção social, englobando, na atualidade, a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde, as quais apresentam certas especificidades.

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A Previdência Social tem natureza contributiva, de modo que há necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias para a manutenção do sistema (arts. 201 e 202 da Constituição Federal de 1988). Em outras palavras, o seu caráter é contributivo, tendo filia-ção obrigatória, embora também se admita o ingresso como segurado facultativo.

A Assistência Social, diversamente, não exige contribuições para que a pessoa em situação de necessidade social e econômica tenha direito a prestações assistenciais, com o objetivo de assegurar as suas necessidades básicas e de sua família (arts. 203 e 204 da Constituição da República).

A Saúde, por sua vez, é direito universal, isto é, de todos, voltado ao acesso igualitário à promoção, proteção e recuperação do completo bem-estar físico, psíquico e social (arts. 196 a 200 da Constituição Federal de 1988).

1.6. AUTONOMIA

O Direito da Seguridade Social, que engloba o Direito Previden-ciário, é considerado ramo jurídico cientificamente autônomo, por abranger matéria ampla, apresentando certa homogeneidade doutrinária, bem como princípios próprios.

A disciplina em questão não mais se confunde com o Direito do Trabalho, o qual disciplina a relação de emprego e outras relações de trabalho semelhantes. Os sujeitos da relação jurídica, nesse caso, são empregador (tomador de serviço) e empregado (trabalhador), nas esferas individual e coletiva. Entretanto, a relação jurídica objeto do Direito da Seguridade Social possui sujeitos diversos, como beneficiá-rio e Estado, beneficiário e entidade de previdência e contribuinte e Estado. A matéria regida pelo Direito da Seguridade Social é voltada à proteção social previdenciária, assistencial e da saúde, abrangendo não apenas os empregados e trabalhadores.

Além dessa autonomia científica, observa-se a autonomia norma-tiva do Direito da Seguridade Social, uma vez que há um conjunto

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amplo de normas jurídicas próprias sobre a matéria, inclusive voltadas à Previdência Social, à Saúde e à Assistência Social.

A autonomia doutrinária decorre da presença de diversas obras e trabalhos científicos sobre o Direito da Seguridade Social.

A autonomia didática tem se consolidado cada vez mais, com a presença de cadeiras voltadas ao estudo do Direito da Seguridade So-cial nas Universidades, nos âmbitos da graduação e da pós-graduação.

Em termos didáticos, o Direito da Seguridade Social pode ser divi-dido em Direito da Previdência Social, Direito da Assistência Social e Direito da Saúde. Portanto, o Direito Previdenciário é um dos setores do Direito da Seguridade Social.

Apesar da existência de princípios da Seguridade Social, mais amplos, as esferas da Previdência Social, da Assistência Social e da Saúde apresentam princípios com certas peculiaridades, bem como institutos e instituições específicas, os quais estão inseridos no sistema mais amplo indicado.

1.7. RELAÇÕES COM OUTROS RAMOS DO DIREITO

Apesar da autonomia do Direito da Seguridade Social, esse ramo jurídico mantém relações com diversos outros.

É nítida a relação com o Direito Constitucional, o qual prevê as normas fundamentais sobre a Seguridade Social e os seus subsistemas de Previdência Social, Assistência Social e Saúde, não apenas quanto às prestações, mas também quanto ao custeio, como se observa nos arts. 149, 167, inciso XI, e 194 a 204.

Além disso, é essencial a interpretação constitucional da Seguri-dade Social, no sentido de que as suas normas devem ser aplicadas e interpretadas segundo os princípios e mandamentos constitucionais, pois os direitos sociais possuem natureza fundamental (art. 6º da Constituição da República).

O Direito Administrativo também tem ampla aplicação na esfera da Seguridade Social, uma vez que os órgãos e entes públicos que

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atuam nessa matéria são regidos pelas normas integrantes daquele ramo jurídico.

Os Ministérios da Previdência Social (atualmente Ministério da Fazenda), do Desenvolvimento Social e da Saúde integram o Poder Executivo federal. O Instituto Nacional do Seguro Social é autarquia federal. No âmbito do custeio da Seguridade Social, a Secretaria da Receita Federal do Brasil é órgão subordinado ao Ministério da Fazenda.

Diversos atos relativos à Seguridade Social, como a concessão de benefícios e serviços, são de natureza administrativa. Há vínculos regidos pelo Direito Administrativo que são mantidos entre o poder público e certas entidades privadas para a atuação, em especial, nas esferas da Assistência Social e da Saúde.

O Direito Tributário tem relevante aplicação na Seguridade So-cial, em especial no que tange às contribuições sociais voltadas ao seu custeio direto, ou seja, às contribuições para a Seguridade Social.

O art. 149 da Constituição da República prevê que compete ex-clusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, inciso III, e 150, incisos I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contri-buições (para a Seguridade Social) a que alude o dispositivo.

O art. 195, § 7º, da Constituição Federal prevê que são “isentas” de contribuição para a Seguridade Social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. Trata-se, a rigor, de imunidade, limitando o poder de tributar, uma vez que prevista na própria norma constitucional.

O Direito Financeiro, ao dispor sobre a matéria orçamentária, também apresenta importantes relações quanto ao orçamento da Se-guridade Social, bem como quanto ao seu custeio indireto, por meio da transferência de recursos dos orçamentos fiscais.

Segundo o art. 165, § 5º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, a lei orçamentária anual deve compreender o orçamento da Seguridade Social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vin-

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culados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo poder público.

Além disso, são vedadas: a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos, inclusive dos mencionados no art. 165, § 5º; a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, inciso I, a, e inciso II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social de que trata o art. 201 (art. 167, incisos VIII e XI, da Constituição da República).

O Direito Penal apresenta relação com o Direito da Seguridade Social ao dispor sobre os chamados crimes previdenciários, como a apropriação indébita previdenciária, o estelionato contra a Previdên-cia Social, a falsificação de documento previdenciário e a sonegação fiscal previdenciária, previstos nos arts. 168-A, 171, § 3º, 297, § 3º, e 337-A do Código Penal.

O Direito do Trabalho possui nítida proximidade com o Direito da Seguridade Social, pois diversos sujeitos e institutos são comuns às duas esferas, como ocorre com as figuras do empregado e do empregador, assim como do salário e da remuneração. Nota-se que várias questões trabalhistas repercutem no âmbito previdenciário, como a licença-maternidade, e vice-versa, como a estabilidade provisória do empregado em razão de acidente do trabalho e os efeitos das moda-lidades de aposentadoria no contrato de trabalho.

O Direito Civil rege várias situações que geram efeitos no âmbito da Seguridade Social, por exemplo, quanto aos dependentes previdenciá-rios, como casamento, união estável, divórcio e emancipação. Ademais, na Previdência Complementar Privada o vínculo que se estabelece entre as partes tem natureza contratual, ainda que presentes a disciplina legal e a fiscalização pelo poder público nessa relação jurídica.

O Direito Empresarial (Direito Comercial), ao tratar da atividade empresarial, tem importantes relações com o Direito da Seguridade Social, em que um dos contribuintes de maior destaque é justamente a empresa, figurando como segurado obrigatório o empresário.

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No âmbito do Direito Internacional Público, há convenções e tra-tados internacionais dispondo a respeito de matérias abrangidas pela Seguridade Social.

O Direito Internacional Privado, por sua vez, estabelece a lei aplicável em caso de conflito de normas no espaço, envolvendo mais de um Esta-do, o que pode ocorrer também em questões de natureza previdenciária.

O Direito Processual, ao disciplinar a atividade jurisdicional, tem o importante papel de aplicação, no caso, do Direito da Seguridade Social, com o objetivo de pacificação dos conflitos nessa área. Parte da doutrina faz menção ao Direito Processual Previdenciário, voltado, em essência, à pacificação social de conflitos relativos a benefícios previdenciários, bem como assistenciais.

1.8. NATUREZA JURÍDICA

O Direito, apesar de ser sistema uno, é tradicionalmente dividido em Público e Privado.

O Direito Público dispõe, essencialmente, sobre a organização do Estado. O Direito Privado, por sua vez, disciplina os interesses dos particulares.

No Direito Público a relação jurídica é de subordinação, visto que o Estado participa em posição superior, exercendo a sua função de mando, havendo a proteção de interesses preponderantemente públicos. Diversamente, no Direito Privado, a relação jurídica é de coordenação, uma vez que as partes figuram em posição de igualdade, havendo a proteção de interesses preponderantemente particulares7.

Prevalece o entendimento de que o Direito da Seguridade Social pertence ao Direito Público, pois a relação jurídica é estabelecida entre as pessoas e o poder público como ente soberano.

7 Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 254; REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 337.

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O Estado organiza e opera o sistema da Seguridade Social, dispondo sobre o seu custeio e a concessão dos seus benefícios e serviços. O parágrafo único do art. 194 da Constituição da República prevê que compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a Seguridade Social. O regime jurídico estabelecido pela Seguridade Social decorre da lei, e não de contrato, negócio jurídico ou instituto de natureza privada.

Há diversos entes públicos e órgãos estatais envolvidos no sistema de Seguridade Social, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal vinculada anteriormente ao Ministério da Previdência Social, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Mi-nistério da Saúde e o Ministério da Fazenda.

É certo que também existe a Previdência Privada Complementar, mas ela ainda não figura como regra em nosso sistema de Previdência Social, por se tratar, justamente, de regime de caráter complementar e facultativo, conforme art. 202 da Constituição Federal de 1988 e Lei Complementar 109/2001.

Cabe registrar o entendimento de que o Direito da Seguridade Social integraria o ramo do Direito Social, tendo em vista a pro-teção social conferida em razão de situação de hipossuficiência ou estado de sujeição decorrente de maior vulnerabilidade social e econômica8.

Parte da doutrina defende, ainda, a existência de um terceiro grupo, intermediário entre o Direito Público e o Direito Privado, abrangendo os chamados direitos difusos, de natureza metaindivi-dual, tendo como titulares pessoas indeterminadas envolvidas em um mesmo contexto jurídico. Estariam aqui inseridos os direitos sociais contemporâneos, relativos ao Direito do Trabalho, ao Direito Eco-nômico, ao Direito da Seguridade Social, ao Direito do Consumidor e ao Direito Ambiental9.

8 Cf. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 62-65.

9 Cf. KÜMPEL, Vitor Frederico. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Método, 2007. p. 35 e p. 39-41.