manual das doenÇas transmitidas por alimentos

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MANUAL DAS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS Ciclosporíases/Cyclospora caytanensis ................................................................................................................................... 1. Descrição da doença - esta doença diarreica, nas infecções sintomáticas apresenta um quadro com diarréia líquida que pode ser severa (6 ou mais evacuações por dia), evacuações explosivas (movimentos intestinais acelerados) e outros sintomas como náusea, anorexia, perda de peso, inchaço, cólicas estomacais, flatulência, dor abdominal, dores musculares, fadiga, às vezes vômitos; febre baixa, mais raramente. Infecções sem tratamento podem durar de vários dias a um mês ou muito mais tempo, e podem seguir um curso decrescente. Algumas infecções são assintomáticas. 2. Agente etiológico - o agente causal só foi identificado recentemente como um parasita protozoário coccídeo unicelular e foi reconhecido como um patógeno emergente. A designação de Cyclospora cayetanensis foi dada em 1994 por um peruano que isolou Cyclospora em seres humanos. No entanto, ainda não está estabelecido se todos os casos humanos são causados por esta espécie. Ciclo de vida: Fonte: CDC/Atlanta/USA - DPDEX Quando fezes frescas são liberadas, o oocisto contém um esporonte esférico e não infectante; com isso a transmissão fecal-oral direta não pode acontecer, diferenciando-se de outro coccídeo parasita importante - o Cryptosporidium. No ambiente, a esporulação acontece depois de dias ou semanas

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MANUAL DAS DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS

Ciclosporíases/Cyclospora caytanensis

...................................................................................................................................

1. Descrição da doença - esta doença diarreica, nas infecções sintomáticas apresenta um quadrocom diarréia líquida que pode ser severa (6 ou mais evacuações por dia), evacuações explosivas(movimentos intestinais acelerados) e outros sintomas como náusea, anorexia, perda de peso,inchaço, cólicas estomacais, flatulência, dor abdominal, dores musculares, fadiga, às vezes vômitos;febre baixa, mais raramente. Infecções sem tratamento podem durar de vários dias a um mês oumuito mais tempo, e podem seguir um curso decrescente. Algumas infecções são assintomáticas.

2. Agente etiológico - o agente causal só foi identificado recentemente como um parasitaprotozoário coccídeo unicelular e foi reconhecido como um patógeno emergente. A designação deCyclospora cayetanensis foi dada em 1994 por um peruano que isolou Cyclospora em seres humanos. No entanto, ainda não está estabelecido se todos os casos humanos são causados poresta espécie.

Ciclo de vida:

Fonte: CDC/Atlanta/USA - DPDEX

Quando fezes frescas são liberadas, o oocisto contém um esporonte esférico e não infectante; com isso a transmissão fecal-oral direta não pode acontecer, diferenciando-se de outro coccídeo parasita importante - o Cryptosporidium. No ambiente, a esporulação acontece depois de dias ou semanas

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em temperaturas entre 26° C a 30° C, resultando na divisão do esporonte em dois esporocistos,contendo cada um dois esporozoítas alongados. Frutas, legumes, e água podem servir comoveículos para transmissão e os oocistos esporulados são ingeridos (em comida ou águacontaminada). O oocisto libera no trato gastrointestinal o esporozoíta que invade as células epiteliaisdo intestino delgado. Dentro das células eles sofrem multiplicação assexuada e desenvolvimentosexual para originar oocistos maduros que serão eliminados nas fezes. A potencial existência de hospedeiro animal como reservatório, e os mecanismos de contaminação de alimentos e água, aindanão são bem conhecidos e estão sendo investigados.

3. Ocorrência - as ciclosporíases tem sido relatadas em todo o mundo. Os primeiros casos foram relatados em residentes, ou viajantes que retornaram do Sudeste da Ásia, Nepal, México, Peru, IlhasCaribenhas, Austrália, e Europa Oriental. Desde 1995, vários surtos de Ciclosporíase de origemalimentar foram documentados nos Estados Unidos e Canadá. Não há no Brasil a documentação desses surtos, até a ocorrência de um surto em General Salgado, cidade do Interior do Estado deSão Paulo, notificado ao Centro de Vigilância Epidemiológica, nos meses de setembro a novembrode 2000, e dentre os mais de 350 casos de diarréia, conseguiu-se isolar de 20 amostras de fezes, 12 casos positivos para a Cyclospora. Um surto com características semelhantes já havia ocorrido nomesmo período, no ano de 1999, naquela cidade, mas devido a notificação tardia e pela ausência de solicitação de testes laboratoriais específicos, as investigações foram inconclusivas. Por este motivo,o CVE e a Faculdade de Saúde Pública/USP, em convênio estabelecido para o desenvolvimento doCurso de Especialização em Epidemiologia Aplicada às Doenças Transmitidas por Alimentos, conduziram um estudo de caso-controle em General Salgado, o qual apontou como forte suspeitaetiológica este parasita, bem como, a forte suspeita de que o veículo de transmissão seria a água everduras, abrindo caminhos para o diagnóstico do recente surto, que estava em curso, por época doestudo. Ver mais dados em Surto de Diarréia em General Salgado. Outros estudos estão em andamento naquela cidade, conduzidos pelo CVE, para esclarecer a extensão do mesmo, a possívelorigem da Cyclospora na região e outras prováveis fontes de infecção.

4. Reservatório - Os seres humanos são o reservatório comum da doença. Não há evidências deque os animais possam se constituir em reservatórios para os seres humanos.

5. Período de incubação - depois de um período de incubação comum de 1 semana podemaparecer infecções sintomáticas típicas. Se não for tratada, a enfermidade pode durar de alguns diasa um mês ou muito mais tempo. Sintomas podem desaparecer e voltar uma ou mais vezes(recidivas).

6. Modo de transmissão - A Cyclospora é disseminada por pessoas que ingerem água ou alimentoscontaminados com fezes infectadas. Por exemplo, surtos de Cyclospora tem sido relacionados a vários tipos de produtos frescos. Estudos sugerem que a Cyclospora precisa de tempo (dias ou semanas) depois de ser eliminada nas fezes para se tornar infecciosa; portanto, parece serimprovável que a Cyclospora seja passada diretamente de uma pessoa a outra. Pessoas de todas as idades estão em risco para infecção. No passado, a infecção por Cyclospora foi detectada em pessoas que viveram ou viajaram em países em desenvolvimento. Porém, sua distribuição émundial, incluindo os Estados e Canadá com relato de surtos de proporções consideráveis.

7. Susceptibilidade e resistência - a documentação dos surtos demonstram que pessoas de todasas idades podem ser infectadas, e que pode ser conferida uma imunidade às pessoas emcomunidades expostas à Cyclospora.

8. Conduta médica e diagnóstico - amostras de fezes devem ser submetidas à exame específicopara diagnóstico da presença de Cyclospora. A identificação deste parasita em fezes requer testesde laboratório especiais que não são feitos habitualmente. Na presença de quadro clínico com diarréia líquida severa e outros sintomas sugestivos o médico deve solicitar exames específicos paratestar a presença da Cyclospora. As amostras de fezes também devem ser testadas para outrosmicrorganismos (bactérias e vírus) que podem causar sintomas semelhantes. É muito importanteque seja feito o diagnóstico diferencial com outros patógenos que podem causar um quadrosemelhante. A suspeita de casos de Cyclospora e outras diarréias devem ser notificadas à vigilância epidemiológica local, regional ou central, para que a investigação epidemiológica seja desencadeadaimediatamente na busca dos fatores causadores e medidas sejam tomadas o mais rápido possível.Por ser um novo patógeno, com muitos aspectos desconhecidos em seus mecanismos de transmissão, uma investigação bem detalhada deve ser feita para estabelecer as fontes detransmissão. O serviço de saúde deve registrar com detalhe o quadro clínico do paciente e suahistória de ingestão de água e alimentos suspeitos na última semana, bem como, solicitar os exameslaboratoriais necessários para todos os casos suspeitos. A detecção do parasita em alimentos e

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água exigem técnicas de concentração e uso da biologia molecular, que já são feitas nos EstadosUnidos, e exigem ainda maiores aperfeiçoamentos.

9. Tratamento - o tratamento deve ser feito com trimetoprim (TMP)-sulfametoxazol (SMX) - TMP 160 mg mais SMX 800 mg, 2 vezes ao dia, via oral, durante 7 dias, em adultos. Em crianças deve seradministrado TMP 5m/Kg mais SMX 25m/Kg, 2 vezes ao dia, via oral, durante 7 dias. Pacientesaidéticos devem receber doses mais altas, bem como, a manutenção do tratamento deve ser feitapor um tempo mais longo. É o único medicamento que mostrou eficácia até o momento. A hidrataçãooral, ingestão de muito líquido e repouso são as indicações suplementares para o restabelecimentodos pacientes. Alguns casos, em que a diarréia é muito severa, podem requerer internação e outrasmedidas de controle. Ainda nenhuma droga alternativa foi identificada para pessoas que estejam impossibilitadas de tomar medicamentos à base de sulfa.

10. Medidas de controle - 1) notificação de surtos - a ocorrência de surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação das fontes comuns e o controle da transmissãoatravés de medidas preventivas (medidas educativas, verificação das condições de saneamentobásico e rastreamento de alimentos). Orientações poderão ser obtidas junto à Central de VigilânciaEpidemiológica - Disque CVE, no telefone é 0800-55-5466. 2) medidas preventivas - a infecção é prevenida evitando-se ingerir água ou alimentos que possam estar contaminados com fezes.Pessoas que foram infectadas por Cyclospora podem ser infectadas novamente se os fatorescausais não forem eliminados. Vários surtos de Cyclospora no mundo foram associados água, onde em muito deles a água estava devidamente clorada. É conhecida a resistência da Cyclospora, bem como, do Cryptosporidium ao cloro, sendo que as águas de sistemas públicos devem seradequadamente filtradas e tratadas, além de todos os cuidados a serem tomados na captação daágua, evitando-se a contaminação de mananciais e rios; no sistema de distribuição, verificando-se as conexões e tubulações; os reservatórios do sistema e também as caixas d'água das residências. Oesgoto deve ser tratado e não pode ser jogado a céu aberto, em rios ou córregos, condições tais queacabam facilitando a disseminação da Cyclospora e outros patógenos no ambiente. Em alguns surtos, até que se controlem todos os fatores, deve-se incentivar a população a cozinhar todos os alimentos e a ferver a água para se beber (Ver folheto de Cyclospora*). Deve ser feito um esclarecimento à população em geral, e aos manipuladores de alimentos, para se garantir práticasrígidas de higiene pessoal com especial ênfase na lavagem rigorosa das mãos após o uso dobanheiro, na preparação de alimentos, antes de se alimentar, etc.. 3) medidas em epidemias - a) A investigação epidemiológica parte da notificação do caso suspeito ou do isolamento da Cyclosporano exame laboratorial, e deve ser imediatamente realizada pela equipe de vigilância epidemiológicalocal. A investigação tem como objetivo identificar e eliminar o veículo comum de transmissão. Nossurtos onde parasitas são identificados, devem ser investigados os sistemas de abastecimento deágua, o sistema de esgoto, hortas, águas de irrigação, práticas de uso de esterco em legumes,verduras e frutas, rastrear alimentos suspeitos, alimentos importados, dentre outros fatores. Medidasque aumentem a qualidade das condições sanitárias e práticas de higiene do local são essenciaispara evitar a contaminação fecal dos alimentos e água. Os casos confirmados por critério laboratorial ou por forte evidência clínico-epidemiológica devem ser tratados com trimetoprim-sulfametoxazol, salvo em contra-indicação conhecida, como alergia ou intolerância à sulfa.

11. Bibliografia consultada e para saber mais sobre a doença

1. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Control of Communicable Diseases Manual. Abram S. Benenson, Ed., 16 th Edition, 1995

2. CDC/ATLANTA/USA. DPDx - Identification and Diagnosis of Parasites of Public HealthConcern. In: http://www.dpd.cdc.gov/dpdx

3. CDC/ATLANTA/USA. DPDx - Cyclospora Infection: Information for health care providers. In: CDC Search, http://www.cdc.gov

4. EBERHARD, ML., et al. Laboratory diagnosis of Cyclospora infections. Arch Pathol Lab Med 1997; 121:792-7.

5. FDA/CFSAN Bad Bug Book – Cyclospora. Internet http://www.fda.gov 6. GARCIA, LS, et al. Diagnostic medical parasitology. 3rd ed. Washington, DC: American

Society for Microbiology, 1997:66-9. 7. HERWALDT, BL, et al. An outbreak in 1996 of cyclosporiasis associated with imported

raspberries. N Engl J Med 1997; 336:15 48-56. 8. HERWALDT, BL, et al. The return of Cyclospora in 1997: another outbreak of cyclosporiasis

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in North America associated with imported raspberries. Ann Intern Med 1999; 130:210-20.9. HOGE, CW. , et al. Placebo-controlled trial of co-trimoxazole for cyclospora infections among

travellers and foreign residents in Nepal. Lancet 1995; 345:691-3. 10. ORTEGA, YR; STERLING, CR & GILMAN, RH. A new cocidian parasite (Apicomplexa:

Eimeriidae) from humans. J Parasitol 1994;80:625-9. 11. PAPE, JW, et al. Cyclospora infection in adults infected with HIV: clinical manifestations,

treatment, and prophylaxis. Ann Intern Med 1994; 121:654-7 12. STERLING, CR & ORTEGA, YR. Cyclospora: An enigma worth unraveling. Emerging

Infectious Diseases. Vol. 5, Number 1, Jan. /Mar. 1999.

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Informe Técnico elaborado pela equipe técnica da Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar do Centro de Vigilância Epidemiológica - SES/SP - email para correspondência - [email protected]

São Paulo, 26 de Novembro de 2000.................................................... *Folheto de Cyclospora