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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO FDRP/USP DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação internacional do uso da força pós- 1945 e o princípio da responsabilidade de proteger ORIENTADOR: PROF. DR. CAIO GRACCO PINHEIRO DIAS RIBEIRÃO PRETO 2016

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Page 1: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO – FDRP/USP

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

MANOEL MARTINS PARREIRA NETO

A regulação internacional do uso da força pós- 1945 e o princípio da responsabilidade de

proteger

ORIENTADOR: PROF. DR. CAIO GRACCO PINHEIRO DIAS

RIBEIRÃO PRETO

2016

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MANOEL MARTINS PARREIRA NETO

A regulação internacional do uso da força pós- 1945 e o princípio da responsabilidade de

proteger

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de

Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo, para obtenção do título de

bacharel em Direito.

ORIENTADOR: PROF. DR. CAIO GRACCO PINHEIRO DIAS

RIBEIRÃO PRETO

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

Parreira Neto, Manoel Martins.

Título: A regulação internacional do uso da força pós-1945 e o princípio da

responsabilidade de proteger. Ribeirão Preto, 2016.

__p.; 30 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de

Ribeirão Preto/USP.

Orientador: Prof. Dr. Caio Gracco Pinheiro Dias

1. Intervenção Humanitária 2. Carta das Nações Unidas 3. Regulação

Internacional do Uso da Força 4. Responsabilidade de Proteger

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PARREIRA NETO, Manoel Martins. A regulação internacional do uso da

força e o princípio da responsabilidade de proteger. Trabalho de Conclusão

de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título

de bacharel em Direito.

Aprovado em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Caio Gracco Pinheiro Dias

Instituição: ___________________________________

Julgamento: __________________________________

Assinatura:__________________________________________

Prof. Dr:_______________________________________

Instituição:_____________________________________

Julgamento:_____________________________________

Assinatura:__________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, a Deus, razão e

fundamento maior da aventura humana, que me

permitiu vida e saúde para esta realização.

A meu pai, por ter me mostrado a todo

tempo, enquanto pôde os valores da fé, estudo,

dedicação e persistência, me deixando um

caminho novo e vivo a percorrer.

À minha mãe e avó, exemplos das

fortes mulheres que ainda existem no interior

do país, e aos meus irmãos Larrayne, Isabel e

Ivo, partes do meu bem mais precioso.

Aos amigos que Ribeirão me deu,

Flávio Eduardo, Renato Grespan, e outros, pela força nos momentos

de dificuldade e por terem acreditado em mim.

A meu orientador, querido professor

Caio Gracco, que concedeu dignidade

científica ao emaranhado de ideias que tinha na

cabeça quando lhe procurei pela primeira vez.

À Iasy, minha namorada, Isy,

pertence este trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho visa analisar a regulação internacional do uso da força pós-1945, em

especial, a partir das regras da Carta das Nações Unidas, oferecendo, nesse sentido, um

panorama geral da mesma no tocante à matéria. Em seguida, buscar-se-á elaborar um

estudo sobre a questão da intervenção humanitária, relembrando os casos de maior destaque

até o fim da Guerra Fria, nos quais motivações desta natureza foram ou deveriam ter sido

alegadas a título de atenuantes na justificação ou como próprio impulsionador da ação. E,

por fim, será proposto um percurso da passagem do princípio da não intervenção, que

norteara a regulação internacional da força desde a elaboração da Carta das Nações Unidas,

para o de uma "responsabilidade de proteger", a qual tem se colocado recentemente como

justificativa e epicentro de ação de diversas missões que avocam para si o título de

humanitárias.

PALAVRAS CHAVE: Intervenção Humanitária. Carta das Nações Unidas. Regulação

Internacional do Uso da Força. Responsabilidade de Proteger

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ABSTRACT

The present work aims to analyse the international regulation on the use of force by States

since 1945, in special, from de UN Charter rules, offering for this a wider picture related to

the matter. Secondly, this work will show a study of the humanitarian intervention issue,

remembering the headlines since until the end of the Cold War, in which motivations of

that nature were or has to be allegated as justification or as the engine of the action.

Therefore, as end, it will be proposed a path from the non-intervention principle, which

have guided the international regulation on the use of force since the UN Charter

promulgation, to that one of a “responsability to protect”, which have been nowadays be

settled as justification and epicenter of many missions which aims the title of humanitarian

ones.

KEYWORDS: Humanitarian Intervention. United Nations Charter. International

Regulation on The Use of Force. Resposability to Protect

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................10

CAPÍTULO I – REGULAÇÃO INTERNACIONAL DO USO DA FORÇA PÓS-

1945.......................................................................................................................................16

1.1 A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E A PROIBIÇÃO DO USO DA

FORÇA.................................................................................................................................16

1.2 INSTRUMENTOS DA ONU PARA A MANUTENÇÃO DA PAZ..............27

1.2.1 AS MEDIDAS COLETIVAS DE NATUREZA PACÍFICA..........29

1.2.2 AS MEDIDAS COLETIVAS DE NATUREZA NÃO-

PACÍFICA...........................................................................................................................30

1.3 LEGÍTIMA DEFESA INDIVIDUAL E COLETIVA....................................31

CAPÍTULO II – O PRINCÍPIO DA NÃO INTERVENÇÃO........................................35

CAPÍTULO III – INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA...................................................39

3.1 INTERVENÇÕES LEVADAS A CABO DURANTE A VIGÊNCIA DA

GUERRA FRIA...................................................................................................................46

3.1.1 INTERVENÇÃO DA ÍNDIA NO PAQUISTÃO ORIENTAL

(BANGLADESH)................................................................................................................46

3.1.2 INTERVENÇÃO DO VIETNÃ NO CAMBOJA............................47

3.1.3 INTERVENÇÃO DA TANZÂNIA EM UGANDA.........................50

3.1.4 INTERVENÇÃO DA FRANÇA NA REPÚBLICA

CENTROAFRICANA........................................................................................................51

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CAPÍTULO IV – RESPONSABILIDADE DE PROTEGER.........................................54

CONCLUSÃO.....................................................................................................................59

REFERÊNCIAS..................................................................................................................61

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10

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, o homem tem estado em conflito.

Seja entre seus semelhantes, seja contra a natureza e suas circunstâncias, ele tem buscado

encontrar seu próprio caminho frente aos inúmeros desafios que a existência lhe impõe.

O conflito armado representou ao longo da história humana, em principal

dos povos antigos, um fenômeno de profunda importância. Em poucas batalhas, o destino

de povos inteiros poderia ser traçado para o bem ou para o mal, o que definiria a morte

generalizada da população, a escravização dos vencidos, o recolhimento dos despojos de

guerra, em outras palavras, o fim de uma civilização.

Tratando da história da guerra propriamente dita, pode-se dizer que nos

tempos primitivos o número de indivíduos envolvidos em combate, tanto civis quanto

militares, era muito menor em comparação com as presenciadas ao longo do século XX1.

Tais conflitos da Antiguidade, contudo, traziam a particularidade de

colocar em jogo de maneira muito mais profunda a existência das populações envolvidas,

as quais poderiam ser verdadeiramente dizimadas.

Uma perda de 40-50% de homens, nos tempos primitivos, poderia

significar, em médio prazo, que a população em questão estaria sujeita a extinção. Em

virtude dos reflexos de tais perdas, encontrar-se-iam ameaçadas a capacidade de produção

de alimentos, de defesa contra o inimigo, além do comprometimento do número de

nascimentos no grupo, visto serem mortos em combate a maioria jovens em idade

reprodutiva2.

Assim, a guerra é uma atividade humana responsável por mudanças

sociais, políticas e econômicas profundas, podendo ser afirmado que grande parte da nossa

história se imiscuiu com a própria história da guerra3.

1 ÁVILA, Rafael; RANGEL, Leandro de Alencar. A Guerra e o Direito Internacional. Belo Horizonte: Del

Rey, 2009, p. 34 2 Ibid.

3 Ibid.

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O direito, diante da comunidade humana surge como uma maneira de

promover a pacificação social, de suprimir a anarquia gerada pelo aflorar incontido das

vontades individuais em conflito e garantir espaços de liberdade mínimos a cada sujeito. No

entanto, deve ser admitido que, na verdade, trata-se de uma tentativa nesse sentido, em sua

essência, um dever ser: o modo pelo qual o homem em sociedade deseja projetar seu

futuro4.

No âmbito do Direito Internacional Público, o problema da liberdade dos

sujeitos frente ao direito assume contornos especiais, e isso com o agravante de que os

esforços levados a cabo para garantir a regulação de condutas encontram um impasse muito

maior.

O problema reside no alcance das liberdades dos Estados que se

consubstanciam em sua soberania.

O Estado possui ampla liberdade para organizar suas estruturas

administrativas, eleger seus representantes, elaborar políticas externas, produzir e aplicar

seu direito interno etc., enfim, estaria autorizado a empreender tudo o que o art. 2°(7) da

Carta das Nações Unidas define como sendo "assuntos relacionados essencialmente à

jurisdição de cada Estado". Com relação a tais assuntos, o mesmo dispositivo é claro no

sentido de proibir intervenções externas que pretendam se imiscuir em tais questões ou

obrigar os Estados a submetê-las a jurisdições outras que não a nacional.

Diante da ampla liberdade referida e do princípio segundo o qual todos os

Estados gozam de igualdade formal na ordem internacional, surge um cenário que se

caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles

poderes que, na ordem interna de cada Estado, fazem com que a convivência mais ou

menos pacífica dos sujeitos se torne possível. Devido à inexistência de tal poder

centralizador no Direito Internacional pode-se dizer que as relações jurídicas internacionais

se dão num plano horizontal5.

4 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. Ajustada ao novo código civil. São Paulo:

Saraiva, 2002, p. 35. 5 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7ª ed. rev, atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 61.

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O arcabouço jurídico internacional, todavia, na figura de tratados e de usos

e costumes aos quais se submetem os Estados a partir de seu consentimento, tem

possibilitado a superação progressiva dos efeitos maléficos de tal anarquia, através de um

progressivo movimento de codificação.

Nesse âmbito, são fornecidas às instâncias competentes, na figura de

cortes e tribunais internacionais, bem como a judiciários nacionais, normas mais sólidas e

concretas que contribuem de uma melhor maneira para aplicação aos casos concretos, uma

vez que, além de mais nítida e de mais fácil aplicação que a regra costumeira, a norma

escrita traz consigo a vantagem de estimular o recurso aos meios jurídicos de solução de

controvérsias6.

Diante desse cenário, o papel do Direito Internacional Público se evidencia

na busca da estabilidade e segurança nas relações travadas entre seus sujeitos, disciplinando

prioritariamente a sociedade internacional formada por Estados e organizações

internacionais7.

Segundo Mazzuoli, o Direito Internacional Público tem como

sua função precípua [...] trazer ao mundo contemporâneo a certeza da

convivência pacífica (ou seja, da paz) entre as nações. E, uma vez que tais

nações são compostas por homens, pode-se dizer que a missão do Direito

Internacional Público é, em última análise, a proteção da espécie humana

como um todo8.

A Liga das Nações, organização internacional criada em 1919, buscou

congregar interesses das grandes e pequenas potências europeias adotando, para tal fim,

uma estrutura complexa em que tais interesses repousassem num equilíbrio de poder mais

ou menos estável.

Em seu artigo 10, o Pacto trazia o dever de todos os Estados membros da

Liga respeitarem e manterem, contra toda agressão externa, a independência política e a

integridade territorial de seus membros, devendo, em caso de agressão, ameaça ou perigo

6 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7ª ed. rev, atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 423. 7 Ibid., p. 56.

8 Ibid., p. 22.

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de agressão, ser consultado o Conselho da Organização, para que fossem determinados os

meios de execução desta obrigação.

Apesar de objetivar no Preâmbulo de seu Pacto "desenvolver a cooperação

entre as Nações e, para lhes garantir a paz e a segurança, (…) aceitar certas obrigações de

não recorrer à guerra", a Liga acabou por não ser capaz de efetivamente alcançar seus

ideais.

Isso porque, em linhas gerais, os instrumentos a partir dos quais se

buscava coibir a eclosão de conflitos estavam em si mesmos eivados de imperfeições, que

consistiriam, posteriormente, em fontes geradoras dos próprios conflitos, uma vez que a

guerra em seus princípios não havia se tornado ilegal9. Fala-se aqui da pluralidade de

alianças bélicas sob as quais se assentava o equilíbrio de poder no mundo ocidental.

O Pacto Kellog-Briand de 1928, um passo além na história da legislação

do uso da força interestatal, após a Liga das Nações, consistiu na principal tentativa, no

âmbito do amplo movimento pela paz, patrocinado, sobretudo, pelos governos francês e

britânico10

após 1914-18, de por fim ao uso corrente da guerra nas relações internacionais.

Em seus primeiros artigos, o Pacto previa a condenação do recurso à

guerra como solução de controvérsias internacionais e a renúncia da mesma como

instrumento de política nacional nas relações dos Estados entre si. Do mesmo modo, previa

que a resolução de quaisquer questões, por qualquer razão que fosse se desse por métodos

pacíficos de solução.

Dinstein, analisando as limitações do Pacto que levaram a falha desse

mecanismo regulatório da força, as aponta como sendo:

(i) a questão da legítima defesa não foi claramente referenciada no texto;

(ii) nenhum consenso com relação a limites foi estabelecido sobre a

legalidade da guerra como instrumento de política internacional; (iii) a

proibição da guerra não considerou toda a comunidade internacional; (iv)

9 DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manoelo., 2004, p. 115. 10

CHURCHILL, Winston. Memórias da Segunda Guerra Mundial. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 1995, p. 20.

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medidas de força de características breve foram eliminadas das

disposições11

.

Analisando assim o esforço regulatório até o pacto em questão, pode-se

dizer que se vislumbra, ainda em 1928, um esboço dos princípios que viriam a ser

incorporados aos propósitos das Nações Unidas em sua Carta, duas décadas mais tarde.

Diversas alianças formadas entre os Estados europeus, posteriormente

beligerantes na Segunda Guerra Mundial, ilustram o cenário internacional de equilíbrio do

poder pautado em complexas redes de alianças político-militares12

.

Em tais circunstâncias, havendo uma agressão, tal como ocorrido na

Polônia em 1939, têm-se o início, fatalmente, da execução sucessiva das alianças, acabando

por conduzir a conflitos de dimensões globais.

Passado o flagelo da Segunda Guerra Mundial, os países ocidentais que de

perto assistiram a imensa destruição provocada pelo conflito conscientizaram-se de que a

paz e a segurança mundiais não poderiam ser alcançadas nos moldes em que se estruturava

a ordem jurídica internacional de até então.

A partir do período entre-guerras, todavia, pode-se dizer que há um

esforço muito maior de institucionalização no âmbito da comunidade internacional, quando

comparado aos períodos precedentes13

. Esforço esse que é reflexo da tomada de

consciência da absoluta necessidade de uma cooperação internacional que fosse capaz de

prevenir novos conflitos mundiais, a partir da criação de uma colaboração fértil entre os

Estados.

11

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manoelo., 2004, p. 120. 12

PECEQUILO, Cristina Soreanu. Manual do Candidato: política internacional . 2 ed. rev. atual. Brasília:

FUNAG, 2012, p 34. 13

DAILLIER, Patrick; FORTEAU, Mathias; PELLET, Alain. Droit International Public. 8ª ed. Paris:

LGDJ-Lextenso Éditions, 2009, p. 638.

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Tal esforço se posiciona como importante antecedente no movimento

histórico da criação de organismos internacionais políticos que culminaria na Carta de

194514

.

Os próprios princípios básicos da Liga das Nações serão conservados e

aperfeiçoados, posteriormente, a partir de estruturas, de modos de funcionamento e

competências próprias no âmbito do sistema ONU.

Diante do exposto, o presente trabalho visará analisar a regulação

internacional do uso da força pós-1945, em especial, a partir das regras da Carta das Nações

Unidas, oferecendo, nesse sentido, um panorama geral da mesma no tocante à matéria. Em

seguida, buscar-se-á elaborar um estudo sobre a questão da intervenção humanitária,

relembrando os casos de maior destaque na prática internacional em que o motivo

humanitário foi ou devia ter sido sustentado. E, por fim, será proposto um percurso da

passagem do princípio da não intervenção, que norteara a regulação internacional da força

desde a elaboração da Carta das Nações Unidas, para o de uma "responsabilidade de

proteger", a qual tem se colocado recentemente como justificativa e epicentro de ação de

diversas missões que avocam para si o título de humanitárias.

14

Do período, importante tomar nota, é a criação da Organização Internacional do Trabalho, estabelecida por

disposições do Tratado de Versalhes, e que teve, desde então, um funcionamento muito próximo à própria

Liga das Nações.

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1. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DO USO DA FORÇA PÓS-1945

1.1 A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS E A PROIBIÇÃO DO USO DA FORÇA

Passados diversos debates, os encontros aliados de Dumbarton Oaks,

ocorridos entre agosto e setembro de 1944, apresentaram projetos para a reconstrução

jurídico-política do mundo por meio de uma organização internacional geral15

.

Tais propostas, mais tarde alteradas no âmbito da Conferência de Yalta no

ano seguinte, constituíram a base sobre a qual se assentaria a Carta da Organização das

Nações Unidas.

A Carta, assinada em 26 de Junho de 1945, entrando em vigor somente em

24 de outubro do mesmo ano, consistiu numa tentativa de superação dos problemas

apresentados pelo Pacto Kelogg-Briand, o qual fracassara como modelo regulatório do uso

da força no sistema internacional, uma vez que não serviu ao propósito maior de impedir a

eclosão de um conflito de dimensões globais.

Elaborada no momento em que se encontrava ainda em curso uma das

guerras mais mortíferas que já acometeu a humanidade, a Carta, de fato, visa, ao mínimo,

consagrar para todos os Estados os objetivos do antigo Pacto. Todavia, agora se assentando

sobre uma base jurídica incontestável, e não mais meramente costumeira para alguns

Estados, buscando, a todo o momento, corrigir as imperfeições demonstradas pela

experiência dos belicosos séculos antecedentes.

No Preâmbulo, ao tratar de seus fins, a Carta estabelece que os povos das

Nações Unidas visarão:

[...] preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por

duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à

humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na

dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e

das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer

condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de

15

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7ª ed. rev, atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 651.

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17

tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e

a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de

uma liberdade ampla. (grifo nosso).

Para tanto, o mesmo dispositivo elenca três meios: o primeiro, que se

relaciona especificamente ao modo pelo qual devem se dar as relações entre os Estados,

prescreve que estes devem "praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como

bons vizinhos"; o segundo, por sua vez, se expressa através de uma garantia: a de que "a

força armada não será usada, salvo em interesse comum"; e, por fim, um terceiro, que

consiste na própria razão de ser da organização: "manter a paz e a segurança

internacionais".

Os termos "paz e segurança" internacionais, como dispostos no texto do

dispositivo, parecem retratar duas realidades distintas que a Carta visa alcançar: um mundo

pacífico e, também, seguro.

Kelsen, contudo, em sua análise jurídica da Carta, argumenta que há uma

relação de interdependência profunda entre os termos em questão, de modo que a segurança

internacional só é garantida se a paz internacional é mantida, concluindo, assim, que a

adição das palavras "e segurança" é supérflua no contexto16

.

A paz internacional, em geral, é definida como sendo a ausência de uso da

força nas relações entre Estados17

.

Historicamente predominou, desde o chamado direito internacional

clássico, a concepção de que não haveria um estado intermediário entre guerra e paz, o que

se ilustrava pelo brocardo inter bellum et pacem nihil est medium.

No entanto, a prática moderna no século XX, fez rever tal posicionamento,

para que estados intermediários fossem considerados de maneira particular, recebendo um

regime jurídico distinto do utilizado na dicotomia simples entre guerra e paz.

16

KELSEN, Hans. The Law of the United Nations: a critical analysis of its fundamental problems: with

supplement. Nova Iorque: F.A. Praeger, 1950, p. 13. 17

Ibid., p. 19.

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18

Passa a ser considerada, assim, uma zona de transição, um status mixtus

que demandaria a aplicação simultânea de leis de guerra para certas situações e de leis de

paz para outros18

. Em defesa desta perspectiva, Dinstein afirma:

Sempre que os Estados discordarem a respeito da aplicação ou

interpretação do direito internacional, é necessário e possível estabelecer

primeiramente se um estado de guerra ou de paz está em evolução.

Contudo, não se pode dizer que um conceito de status mixtus não tenha

mérito no direito internacional. Deve-se aceitar, como um fenômeno a ser

observado, a aplicabilidade de algumas leis de paz em situações

específicas de guerra e de algumas leis de guerra em determinados

cenários de paz. Um status mixtus é caracterizado pela utilização

simultânea das leis de guerra (para determinados fins) e das leis de paz

(para outros)19

.

No entendimento de Bobbio, há duas maneiras de se definir paz: paz

negativa – paz como a ausência de guerra – e paz positiva – paz como a ausência de razões

para que dois estados entrem em guerra. Ao que tudo indica, a Carta das Nações Unidas

acolhe ambos os conceitos, sendo o primeiro no Conselho de Segurança, onde se quer

evitar as quebras e as ameaças de quebra da paz internacional – i.e., manter a paz negativa –

e a segunda, no Conselho Econômico e Social, onde as questões que podem ser motivo de

conflito entre os Estados – como direitos humanos, desenvolvimento econômico, comércio

internacional, proteção do meio ambiente – são discutidas com o fim de se estabelecer

regimes de cooperação entre os Estados, desta forma estabelecendo uma paz positiva.

Examinando a construção da paz pela humanidade, é importante

colacionar a lição de Hildebrando Accioly, o qual sustenta que

A construção da paz, pela humanidade, não pode ser somente a suspensão

das hostilidades, mas exprime o dever maior desta, o de buscar a sua

própria sobrevivência e a manutenção das condições de vida civilizada no

planeta, de modo a resolver o problema da violência e encetar a construção

do ideal cosmopolita de comunidade de todos os povos. Tão necessário

quanto difícil fazer face a esta questão central do direito internacional,

como mostra o fato de praticamente todos os autores da área, como de

política e de relações internacionais abordarem o tema com enfoque os

mais variados20

.

18

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manolo, 2004, p. 21. 19

Ibid., p. 22. 20

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do; CASELLA, Paulo Borba. Manual

de direito internacional público. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 809.

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19

Ocorre que, atualmente, o campo das relações internacionais tem sofrido

mudanças a partir de uma expressiva diluição entre o "interno" e o "externo", que vem

sendo intensificada pelo movimento centrípeto da lógica da globalização21

.

Tal diluição tem aumentado a capacidade de conflitos armados lançarem

seus efeitos muito além das linhas de combate, o que pode ser ilustrado por ondas de

refugiados e pela disseminação do terrorismo às mais diversas partes do planeta.

Diante desse cenário, faticamente, não se poderia dizer que se observa uma

oposição clara entre o que seja a paz internacional e a interna de cada Estado, muito embora

a proibição que se vislumbra no art. 2°(4) diga respeito somente às relações internacionais,

excluindo-se, assim, os conflitos internos de cada Estado do âmbito da Carta.

Há situações internas, contudo, que merecem atenção internacional

especial em virtude da avaliação feita pelo Conselho de Segurança que as considere como

sendo uma ameaça a paz internacional. Em tais situações, mesmo representando guerras

civis, a disposição do art. 2°(7), que proíbe qualquer intervenção da Organização em

assuntos que sejam essencialmente da jurisdição particular de cada Estado, não deve

prevalecer. Isso porque não há previsão na Carta que restrinja a manutenção ou restauração

da paz às relações entre Estados22

.

Esse foi o entendimento do Tribunal Penal Internacional no caso Tadic,

em que a corte entendeu que no contexto da ex-Iugoslávia, a guerra civil, mesmo não sendo

um conflito internacional, poderia afetar a segurança da região, justificando tal fato a

intervenção do Conselho de Segurança.

Segundo Shaw, no mesmo caso, a Appeals Chamber pontuou que

na verdade, a experiência do Conselho de Segurança inclui muitos casos de

guerra civil ou luta interna classificados como “ameaça à paz”e discutidos

no Capítulo VII [...] Pode-se, assim, dizer que existe um consenso,

manifestado pela “prática subsequente”dos membros da ONU em geral, de

21

LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira: passado, presente e

futuro. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 18. 22

KELSEN, Hans. The Law of the United Nations: a critical analysis of its fundamental problems: with

supplement. Nova Iorque: F.A. Praeger, 1950, pg. 16.

Page 20: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

20

que a “ameaça à paz” mencionada no artigo 39 pode incluir conflitos

armados internos como uma de suas modalidades23

.

Enfim, em outro trecho, o julgado da corte em tela chega a afirmar que a

distinção entre guerras entre Estados e guerras civis está perdendo valor, na medida em que

seres humanos estão envolvidos24

.

Em diversos pontos da Carta a expressão "para manutenção da paz e

segurança internacionais" é encontrada.

Abordando o dever que possuem os Membros de atender às requisições do

Conselho de Segurança, a Carta em seu artigo 43(1), prevê o fornecimento de forças

armadas, assistência e facilidades, bem como direitos de passagem, quando a finalidade

seja a de "contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais".

No artigo 47(1), do mesmo modo, a Carta prevê a criação de uma

Comissão de Estado-Maior que assistirá e orientará o Conselho de Segurança em questões

relacionadas à "manutenção da paz e da segurança internacionais". E, ainda no âmbito do

Conselho de Segurança, no artigo 48(1), há previsão no sentido de que a ação necessária ao

cumprimento de suas decisões para a "manutenção da paz e da segurança internacionais"

será determinada pelo próprio órgão, que poderá vincular especificamente todos os

Membros das Nações Unidas ou parte desses.

Relacionando-se diretamente com o estabelecido no Preâmbulo, o art. 2°,

parágrafo 4°, traz o princípio sobre o qual se assentará toda a regulação internacional do

uso da força pós-1945.

Assim diz o artigo:

Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a

ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência

política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os

Propósitos das Nações Unidas.

23

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 925 24

SHAW, Malcolm N. International law. 6ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 900.

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21

Tal princípio, considerado como sendo pertencente ao direito internacional

costumeiro25

, vincula, atualmente, todos os Estados do sistema internacional, uma vez que,

segundo Ridruejo26

, não resta qualquer dúvida sobre sua natureza de ius cogens.

O artigo 2°(6) da Carta reforça tal vinculação, ao prever que, mesmo

países não Membros das Nações Unidas, deverão agir de modo a respeitar os princípios

previstos "em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança

internacionais".

Diferentemente do Pacto Kelogg-Briand, que procedia na enumeração das

hipóteses de guerras ilegítimas, o artigo supramencionado estabelece uma proibição geral

"da ameaça ou uso da força [...] ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das

Nações Unidas".

Assim, opera-se o suprimento das fissuras da antiga regulação feita pelo

Pacto, que tratava de maneira específica uma matéria que deveria ser abordada por normas

gerais e amplas.

Num primeiro plano, deve ser investigado se a modalidade de força

albergada sob a proibição do art. 2(4) da Carta é tão somente a armada, ficando fora de

regulação expressa a questão do emprego da força econômica.

Verifica-se que o vocábulo força do mencionado artigo não se encontra

definida como armada, tal como se observa no Preâmbulo, generalidade a qual suscitou

controvérsias no que diz respeito às modalidades de força empregadas nas relações

internacionais pelos Estados que estariam sob a proibição estabelecida na Carta.

Observa-se, além do mais, a partir do texto da Carta que o vocábulo

"guerra", após seu emprego no preâmbulo, é substituído reiteradamente por equivalentes27

.

Segundo Shaw28

, a inclusão do termo 'força' ao invés de 'guerra', tem como

fundamento a possibilidade de serem abarcadas situações diversas, as quais, mesmo sendo

25

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 839. 26

RIDRUEJO, José Antonio Pastor. Curso de Derecho Internacional Público e organizaciones

internacionales. 15. ed. Madrid: Editorial Tecnos (Grupo Anaya, S.A.), 2011, p. 320 27

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do; CASELLA, Paulo Borba.

Manual de direito internacional público. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 873.

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22

empregada a violência, não poderiam ser tecnicamente consideradas guerra. Tratar-se-ia,

assim, de transcender os limites da guerra para serem incluídas também medidas de força

de natureza breve29

.

No exame das modalidades de força proibidas, em primeiro lugar, cabe

apontar o antecedente da proposição formulada pelo Brasil na Conferência de São

Francisco, visando incluir a modalidade de "medidas econômicas" no art. 2°(4), para que

represálias econômicas estivessem sob a proibição. Porém, ao final dos trabalhos, termina

por prevalecer no debate de ideias o entendimento de que a força permaneceria referida no

texto de maneira genérica, sem que houvesse qualificações mais precisas30

, mas com o

consenso de que somente o uso de força armada foi proscrito pelo dispositivo.

Prosseguiu a mesma discussão por ocasião das negociações para a

Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

Segundo o art. 52 da Convenção, seria nulo todo o tratado cuja celebração

se tenha obtido por ameaça ou uso da força em violação dos princípios de Direito

Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas. Do mesmo modo, o art. 53 estende

a nulidade em questão a todo tratado cujo conteúdo esteja, no momento de sua celebração,

em oposição a uma regra de jus cogens.

Nos diversos debates ocorridos no decorrer da Conferência, havia vários

países, em especial, comunistas e alguns do então Terceiro Mundo, os quais sustentavam

que a coação, colocada como causa de nulidade de consentimento, envolvia da mesma

forma pressões de natureza econômica e política. Outras delegações, por sua vez, eram da

opinião de que, por ser demasiado vaga a mera expressão “ameaça ou uso da força”, seu

significado poderia abranger quaisquer tipos de pressões exercidas por um país sobre outro,

28

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 839. 29

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manolo, 2004, p. 123. 30

RIDRUEJO, José Antonio Pastor. Curso de Derecho Internacional Público e organizaciones

internacionales. 15. ed. Madrid: Editorial Tecnos (Grupo Anaya, S.A.), 2011, p. 310.

Page 23: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

23

fato este que comprometeria a estabilidade das relações internacionais em matéria de

tratados31

.

Não ocorreu, todavia, por parte da Comissão de Direito Internacional uma

definição clara a respeito do assunto, deixando para que a prática de interpretação da Carta

se encarregasse de fixar quais seriam os atos nos quais se configuraria a coação32

. O que

houve, de fato, a respeito do assunto no âmbito da mesma conferência foi a publicação de

uma Declaração sobre a Proibição da Coação Militar, Política ou Econômica na Conclusão

de Tratados, a qual condenava a prática de coação nestas áreas.

Desse modo, no que tange ao direito dos tratados, a aplicação de pressões

de cunho político ou econômico com o fim de assegurar o consentimento de um Estado no

âmbito de um tratado não contrariaria o direito internacional. No entanto, é evidente que

hão de ser consideradas as circunstâncias, uma vez que

Nas relações internacionais, as mais diversas influências podem ser

empregadas por um Estado poderoso contra outro mais fraco para induzi-

lo a adotar uma linha política específica. Falamos aí não só de ameaças

coercitivas, mas também de expressões mais sutis de desagrado. As

nuances precisas de qualquer situação específica dependem de diversos

fatores, e seria um equívoco sugerir que todas as formas de pressão

constituem, enquanto tais, violações do direito internacional33

.

Cabe ressaltar, ainda, que o princípio da proibição da ameaça ou uso da

força encontra-se expresso também na Declaração Relativa aos Princípios do Direito

Internacional Regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados Conforme a

Carta da ONU, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 24 de outubro de

1970.

No Comitê Especial da Assembleia Geral, que cuidou da elaboração desta

Declaração, as delegações africanas, asiáticas, latinoamericanas e socialistas eram

partidárias da inclusão como força proibida de pressões econômicas e políticas34

.

31

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do; CASELLA, Paulo Borba. Manual

de direito internacional público. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 230. 32

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 702. 33

Ibid,. 34

RIDRUEJO, José Antonio Pastor. Curso de Derecho Internacional Público e organizaciones

internacionales. 15. ed. Madrid: Editorial Tecnos (Grupo Anaya, S.A.), 2011, pg. 620.

Page 24: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

24

Ao lado da proibição do uso ou ameaça da força, a Declaração reafirma

outros princípios previstos na Carta, tais como a solução pacífica para as controvérsias

internacionais, a não intervenção nos assuntos internos dos Estados e a boa-fé no

cumprimento das obrigações internacionais.

Especificando em diversos contextos como se dá a vedação do uso da

força, a Declaração segue um intuito sistemático35

, que permite a classificação de tais

vedações de acordo com a finalidade ou qualidade da força em questão.

Quanto à qualidade da força, a vedação se volta às guerras de agressão, as

quais, sendo consideradas como crimes contra a paz segundo a Declaração, dão ensejo à

responsabilização dos envolvidos no âmbito do Direito Internacional.

No tocante a violação de fronteiras, tem-se um exemplo quanto à

finalidade a que se propõe o uso da força, prescrevendo o diploma que é vedada a ameaça

ou uso efetivo da força contra fronteiras internacionais, mesmo se tratando essas de linhas

de armistício ou meras demarcações.

Do mesmo modo, interdita, quanto à qualidade, o uso de represálias que se

valham do uso da força, a qual, também, não deverá ser utilizada com a finalidade de privar

povos de seu direito à autodeterminação e independência. Por fim, apresenta a Declaração a

vedação com relação às intervenções armadas indiretas, que se expressariam na

organização, instigação, assistência ou participação em atos de guerra civil ou terrorismo

em outros Estados, incluindo também o encorajamento na formação de bandos armados

para incursão no território de outros Estados.

Vê-se, portanto, que a Declaração de 1970 não ampliou o conteúdo do

termo força, o qual ficou restringido a força armada, o que incluiria também, conforme art.

2(4) da Carta, a ameaça de seu uso.

Apesar de não possuir natureza legal vinculativa, a Declaração dos

Princípios do Direito Internacional de 1970 constitui importante instrumento para a

35

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 839.

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25

interpretação da Carta das Nações Unidas36

e é endossada no âmbito internacional pela

Resolução 42/22 de 1987, também da Assembleia Geral, intitulada Declaração sobre a

Intensificação da Eficácia do Princípio de Abstenção da Ameaça ou do Uso da Força nas

Relações Internacionais.

Instrumentos internacionais outros auxiliam no suprimento das lacunas da

ordem jurídica na compreensão da amplitude do princípio da proibição da ameaça ou uso

da força nas relações internacionais.

Em primeiro lugar, cabe apontar que a Declaração sobre os Princípios do

Direito Internacional de 1970, já mencionada, ressalta o "dever das nações de abster-se [...]

da força militar, política, econômica e de qualquer outra forma de coerção contra a

independência política ou a integridade territorial de qualquer Estado".

Tal proteção é endossada pelo próprio Pacto Internacional de Direitos

Humanos de 1966, o qual estabelece, em seus dois instrumentos formadores, no artigo 1°, o

direito de todos os povos a buscar livremente seu desenvolvimento econômico, social e

cultural.

Ademais, foi ressaltada pela Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos

Estados, aprovada em 1987 na Assembleia Geral, que "nenhum Estado pode usar ou

estimular o uso de medidas econômicas, políticas ou de qualquer outro caráter para coagir

outro Estado a fim de obter dele a subordinação do exercício de seus direitos soberanos"37

.

No tocante as regras do uso da força, o maior desafio reside em sua

aplicação aos casos concretos38

. A maior questão para o Direito Internacional passa a ser a

análise de casos específicos em que o emprego da força é ou não compatível com os

propósitos das Nações Unidas.

Desse modo, em parecer consultivo dirigido à Assembleia Geral sobre a

Legalidade da Ameaça ou do Uso de Armas Nucleares, a Corte Internacional de Justiça

36

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 839. 37

Ibid. 38

AUST, Anthony. Handbook of international law. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p.

190.

Page 26: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

26

entendeu que a mera sinalização da intenção de usar a força caso ocorram certos eventos

poderia, conforme o art. 2(4) da Carta, constituir ameaça quando o pretendido uso da força

fosse ele mesmo ilegal39

.

A decisão da Corte se baseou em exemplos que incluíam desde ameaças

de anexação de territórios até o emprego da força para fazer com que determinado Estado

adotasse ou deixasse de adotar certas opções políticas ou econômicas. Quanto a simples

posse de armamentos nucleares, a Corte considerou que tal fato, por si só, não representaria

uma ameaça.40

No entanto, sendo compreendido a partir do contexto da chamada

dissuasão nuclear, em que se trabalha com a possibilidade do uso efetivo deste tipo de

armamento como forma de se manter o equilíbrio de credibilidade entre as potências,

poderia ser vislumbrada ameaça a depender da possibilidade de o uso especificamente

pretendido se voltar para os valores tutelados no art. 2(4): integridade territorial,

independência política ou contra os propósitos da Organização. Quanto ao uso da força ou

ameaça em contextos de legítima defesa, haveria ilegalidade quando fossem ultrapassados

os princípios da proporcionalidade e necessidade.

Nas palavras do julgado:

Se isso (posse de armamentos nucleares) é uma ameaça contrária ao

artigo 2, parágrafo 4, depende se o particular uso da força pretendido

seria direcionado contra a integridade territorial ou independência

política de um Estado ou contra os propósitos das Nações Unidas, ou no

caso em que se tratasse de meio de legítima defesa, seria necessária a

violação dos princípios da necessidade e proporcionalidade. Em qualquer

dessas circunstâncias o uso da força, e a ameaça de usá-la, seria ilegal de

acordo com o direito da Carta.41

(tradução nossa).

39

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 841. 40

ICJ Reports, 1996, p. 246. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/95/7495.pdf> 41

ICJ Reports, 1996, p. 246-247. No original: Whether this is a "threat" contrary to Article 2, paragraph 4,

depends upon whether the particular use of force envisaged would be directed against the territorial integrity

or political independence of a State, or against the Purposes of the United Nations or whether, in the event

that it were intended as a means of defence, it would necessarily violate the principles of necessity and

proportionality. In any of these circumstances the use of force, and the threat to use it, would be unlawful

under the law of the Charter. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/95/7495.pdf>, acesso em

05/09/16.

Page 27: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

27

Aust apresenta dois casos, respectivamente, em 1986 e 2003, em que um

antigo consultor legal do Foreign & Commonwealth Office - departamento ministerial que

promove os interesses do Reino Unido ao redor do mundo, se resignou diante do uso

efetivo da força armada por seu país42

.

O primeiro, em 1986, relaciona-se ao ataque à Trípoli, na Líbia, em que

aviões de caça norte-americanos efetuaram bombardeios desde bases aéreas britânicas. O

segundo, já em 2003, no contexto da intervenção armada, também por parte dos EUA, no

Iraque, como uma das decorrências do Patriot Act adotado em 2001 na sequência dos

ataques de 11 de setembro43

.

Por fim, relembra, contudo, o mesmo autor que a decisão do uso ou não da

força recai, em última instância, sobre o Executivo ou Parlamento nacionais, e que

quando um Estado decide em usar a força sem uma clara autorização do

Conselho de Segurança ou uma firme base no direito internacional, em

situações em que há questionamentos sobre a legalidade do ato por parte

de outros Estados, a política necessitaria ser considerada novamente. Do

ponto de vista do direito internacional, para um Estado que está

contemplando o uso da força a prova dos nove é: o atendimento do

requisito de que o uso da força seria legal - não meramente que exista um

caso plausível ou ilusório para justificar seu uso. Em outras palavras, o

sujeito deve ser capaz de convencer uma corte internacional de que há

legalidade. (tradução nossa)44

Assim, é revelada a natureza fragmentária do direito internacional, o qual,

fundado no consentimento dos Estados para sua eficácia, submete-se muitas vezes a pauta

política interna das grandes potências.

1.2 INSTRUMENTOS DA ONU PARA A MANUTENÇÃO DA PAZ

No intuito de manter a paz, as Nações Unidas se valem, primordialmente,

de métodos amistosos, os quais, estabelecidos nos artigos 33 a 38, compreendem medidas

ou processos de natureza amigável para que controvérsias internacionais não resultem em

luta armada. Caso esses métodos se revelem ineficientes, abre-se a possibilidade da

42

AUST, Anthony. Handbook of international law. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

p. 206. 43

Ibid. 44

Ibid.

Page 28: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

28

utilização de medidas que envolvem o uso da força, que vêm reguladas no capítulo VII da

Carta (arts. 39 e ss.).

Tais métodos prevêem, em primeiro lugar, que as partes deverão, em

situações que possam vir a constituir ameaça à paz ou segurança internacionais, se valer de

todos os meios possíveis para obtenção de um acordo e que, do mesmo modo, o Conselho

de Segurança poderá exortar as partes a recorrer aos meios referidos.

Figuram as medidas coletivas efetivas, mencionadas no art. 1°(1), a serem

tomadas para prevenção e repressão de rupturas da paz, decididas de modo colegiado pelas

Nações Unidas, ao lado do direito a legítima defesa, como as únicas exceções ao princípio

da proibição do uso da força. Ambos os institutos serão a seguir abordados.

Em seus propósitos, estabelecidos no art. 1°, a Carta prevê como fará para

que um de seus principais meios para atingir seus propósitos, a manutenção da paz e

segurança internacionais, possa se concretizar. Nesse sentido, conclama os Membros à

tomada de medidas coletivas efetivas, para que sejam prevenidas e removidas ameaças à

paz e suprimidos atos de agressão e outras rupturas da paz.

A partir dessa disposição, um verdadeiro sistema de segurança para que

sejam mantidas a paz e a segurança internacionais é construído, visando uma regulação

abrangente e uma aplicação universal. Tendo em vista o fato de que a reação à agressão a

determinado Estado ou grupo é feita mediante ação em conjunto dos membros da

organização, tal sistema é também definido como um sistema de segurança coletiva.45

Tais "medidas coletivas efetivas", segundo Kelsen, figuram como o centro

do sistema político que está na base da Carta, observando que são mencionadas em

primeiro lugar no art. 1°(1) e que tal enfoque é altamente significante.46

Desde 1990, foram ampliadas significativamente as operações de

segurança coletiva e o Conselho de Segurança multiplicou resoluções com base no Capítulo

VII da Carta. Hoje, pode-se afirmar que grande parte dos Estados-membros estão

45

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 922. 46

KELSEN, Hans. The Law of the United Nations: a critical analysis of its fundamental problems: with

supplement. Nova Iorque: F.A. Praeger, 1950. pg. 13.

Page 29: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

29

envolvidos nessas operações, tanto como parte de forças militares, quanto na condição de

solo onde essas operações se dão.

Apresentando o quadro dessas operações ao redor do mundo, Varela

afirma que havia, ainda no ano de 2007,

[...] operações na África (Saara ocidental, Sudão, Congo,Serra Leoa,

Libéria, Costa do Marfim, Burundi, Eritreia e Etiópia); na Europa

(Geórgia, Kosovo e Chipre); na Ásia (Índia, Paquistão, Afeganistão,

Iraque, Timor Leste, Palestina, Israel, Líbano, além de uma operação

especial para todo o Oriente Médio) e nas Américas (Haiti). Tais

operações mobilizavam mais de 83 mil militares e outros 20 mil civis,

oriundos de 117 Estados diferentes.47

Observa-se, assim, uma grande disseminação de operações dessa natureza

ao redor do mundo, com especial ênfase, em regiões que antes eram antigas colônias

europeias.

1.2.1 AS MEDIDAS COLETIVAS DE NATUREZA PACÍFICA

As medidas coletivas relacionadas ao sistema de segurança coletiva criado

pela Carta das Nações Unidas estão previstas, especificamente, no capítulo VII, artigos 41

ao 50.

Nos termos dos artigos 41 e 42, essas medidas não necessariamente

envolvem o uso da força armada, podendo a incluir ou não, conforme as exigências que

demande o caso concreto para que sejam tornadas efetivas as decisões do Conselho de

Segurança.

Destarte, o Conselho, utilizando meios não armados, poderá se valer de

medidas que compreendam:

Art. 41 [...] a interrupção completa ou parcial das relações econômicas,

dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais,

telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento

das relações diplomáticas.

No âmbito das medidas sem emprego da força armada, compreendem-se

47

VARELA, Marcelo Dias. Direito internacional público. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 466.

Page 30: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

30

as de natureza cautelar, conforme prescreve o art. 40 da Carta. Cumprem tais medidas o

papel de impedir o agravamento de situações e, por disposição expressa do mencionado

artigo, não devem prejudicar quaisquer direitos ou pretensões das partes, uma vez que se

voltam tão somente a erigir uma situação provisória.

Nesse sentido, podem ser elencadas como medidas cautelares a chamada

ao cessar-fogo e a para que exércitos estrangeiros desocupem certas regiões ou países. Cabe

recordar, no entanto, que quase sempre tais medidas, tidas por cautelares, terminam por

superar48

os limites do que consistiria um cenário provisório, lançando efeitos outros sobre

os conflitos em que inseridas.

1.2.2 AS MEDIDAS COLETIVAS DE NATUREZA NÃO-PACÍFICA

O artigo 42, por sua vez, assinala para a possibilidade das medidas de

cunho pacífico terem sido "inadequadas" ou, antes mesmo de serem empregadas assim

serem consideradas pelo Conselho de Segurança, para o seu fim precípuo de manter ou

restabelecer a paz e segurança internacionais. Sendo assim, pode-se afirmar, considerando o

critério de "adequação" utilizado, que não há um dever prévio de utilização, por exemplo,

de sanções econômicas antes que seja autorizado o uso da força49

.

Quanto às modalidades de medidas de natureza armada, estará o Conselho

autorizado a proceder por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, apontando o art. 42 da

Carta essas medidas de maneira geral como sendo demonstrações, bloqueios ou outras

operações de cunho militar ao encargo dos Membros das Nações Unidas.

Tal dever dos Membros encontra-se inscrito no art. 2°(5), o qual determina

que todos deverão prestar assistência em qualquer medida que seja tomada de acordo com

as disposições da Carta. Além disso, o mesmo dispositivo prescreve um dever negativo aos

Membros no âmbito da execução de tais medidas, os quais se absterão de dar auxílio a

qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo.

48

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 927. 49

AUST, Anthony. Handbook of international law. 2 ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p.

207.

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31

Por fim, a disciplina para o dever de assistência em questão vem esculpida

nos artigos 43 e 45 da Carta.

No art. 43, encontra-se especificado como se dará a assistência prevista no

art. 2°(5), ao se prever a celebração de acordos entre os Estados-membros e a organização,

para que sejam colocadas à disposição desta "forças armadas, assistência e facilidades,

inclusive direitos de passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança

internacionais"50

.

O art. 45, por sua vez, trata do modo pelo qual deve se dar tal disposição

de recursos, prevendo que, a fim de habilitar as Nações Unidas a tomarem medidas

militares urgentes, os Membros das Nações Unidas deverão manter, imediatamente

utilizáveis, contingentes das forças aéreas nacionais para a execução combinada de uma

ação coercitiva internacional.

1.3 LEGÍTIMA DEFESA INDIVIDUAL E COLETIVA

É amplo o reconhecimento de que há no direito internacional um inerente

direito ao Estado de se valer de determinados meios para garantir sua existência. Tal direito

à legítima defesa já se encontrava previsto de maneira satisfatória no âmbito do direito

internacional costumeiro desde o século XIX, a partir da ocorrência de casos particulares na

prática internacional.

A legítima defesa, que pode ser exercida individual e coletivamente,

possui como base um direito fundamental à sobrevivência, consistindo numa resposta

munida de força legal à outra força de caráter ilegal, ou a ameaça de seu uso, a partir de

uma ação unilateral de um ou mais Estados, sob determinadas condições estabelecidas no

direito internacional51

.

Um conceito muito próximo da legítima defesa é o da auto-defesa. Esta

50

Importante tomar nota de que essa disposição nunca foi cumprida pelos Estados, não existindo tais forças

de resposta rápida que a Carta menciona. Assim, toda autorização para o uso da força nos termos do art. 42 é

um convite aos Estados para, querendo, contribuir tropas para uma operação contra outro estado. 51

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manolo, 2004, p. 244.

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32

constitui, segundo Dinstein52

, a essência daquela. Desse modo, uma visão adequada seria

considerar a legítima defesa como sendo uma espécie subordinada ao gênero auto-ajuda, e

assim, aquela seria uma modalidade permissível de "auto-ajuda armada".

Historicamente, a auto-ajuda coloca-se como uma característica marcante

de todos sistemas jurídicos primitivos e, no direito internacional, tem possuído um caráter

essencial.

A Carta das Nações Unidas trata da legítima defesa individual ou coletiva

em seu artigo 51, nos seguintes termos:

Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa

individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um

Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha

tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança

internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse

direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho

de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a

responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a

efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou

ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.

Sua origem histórica está localizada no caso Caroline, ocorrido nos EUA

no ano de 1837. Em tal incidente ocorreu a apreensão, e posterior destruição, de um navio

por parte de cidadãos britânicos, em virtude da embarcação ter estado à abastecer grupos de

norte-americanos que realizavam incursões nos territórios de possessão inglesa no

Canadá53.

Em tal contexto, no âmbito do direito internacional costumeiro, foram

estabelecidos, pela primeira vez, princípios básicos que, aceitos pelo governo britânico de

então, guiariam a configuração de um verdadeiro estado de legítima defesa. Por ocasião da

manifestação do secretário de Estado norte-americano na matéria, foi fixado que haveria de

existir no contexto examinado:

52

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manolo, 2004, p. 244. 53

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 845.

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[...] “uma necessidade de autodefesa imediata e irresistível, que não

permite escolha de meios nem concede tempo à deliberação”. Não só tais

condições eram necessárias para que se legitimasse a autodefesa, mas a

ação tomada de acordo com esta não poderia ser desarrazoada nem

excessiva, “uma vez que o ato justificado pela necessidade de autodefesa

deve limitar-se a essa necessidade e manter-se claramente dentro dos

limites dela.54

Quando um Estado ou grupo de Estados teriam realmente sua existência

colocada em risco é uma questão a ser colocada. Não seria em qualquer contexto de ataque

que acabasse por causar danos sérios àqueles que poderia ser vislumbrada a possibilidade

de reação em nome da legítima defesa.

Há desse modo controvérsia no tocante a extensão que possui o direito à

legítima defesa conforme o art. 51 da Carta. De um lado, compreende-se que a leitura

conjunta deste dispositivo com o art. 2°(4), também da Carta, faria com que pudesse ser

admitido o direito à legitima defesa apenas caso ocorra um "ataque armado".

Segundo outro entendimento, o art. 51 traria consigo um conceito externo

de legítima defesa, estabelecido segundo os moldes do direito consuetudinário. Sendo

assim, quando diz "nenhum dispositivo da presente Carta prejudicará o direito inerente à

legítima defesa", este instituto é colocado de maneira externa e preexistente a própria Carta,

e ultrapassa, assim, o parâmetro do próprio artigo, que fala apenas dos casos em que se

verificam ataques armados.55

Seguindo o entendimento desta última corrente, a Corte Internacional de

Justiça, no caso Nicarágua, considerou que

o artigo 51 da Carta só tem sentido caso se pressuponha a existência de

um direito 'natural' ou 'inerente' à legítima defesa, e é difícil ver como esse

direito poderia ter outra natureza que não a consuetudinária, mesmo que

sua expressão atual tenha sido confirmada e influenciada pela Carta [...]

Não se pode, portanto, sustentar que o artigo 51 é um dispositivo que

'abarca e supera' o direito internacional consuetudinário".

Além disso, por fim, sustenta a mesma corte no parecer sobre a Legalidade

54

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 845. 55

Ibid.

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34

da Ameaça ou Uso de Armas Nucleares, que a sobrevivência de um Estado estaria em jogo

somente em "circunstâncias extremas de legítima defesa".

Atualmente, no entanto, a aplicação de tal instituto na prática se revela

mais corriqueira do que o estrito entendimento da Corte. Por isso, diversas situações que,

de fato, não compreendem circunstâncias exclusivas são incluídas como hipótese para o

exercício do direito à legítima defesa.

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35

2. O PRINCÍPIO DA NÃO INTERVENÇÃO

O primeiro autor a enunciar o princípio da não intervenção, ainda em

1795, foi Kant em sua obra “Ensaio filosófico sobre a paz perpétua”. Nesta obra o autor,

que já contava com 71 anos de idade, defende que os governantes não possuíam dinheiro

para empregar na educação pública porque todos seus recursos já estariam aplicados na

conta de uma eventual guerra próxima. Além disso, a América, a África e o cabo da Boa

Esperança, uma vez descobertos, foram tratados como países não pertencentes a ninguém,

visto que os habitantes aborígines destas regiões foram considerados como nada pelos

conquistadores.

Kant atribuía a ganância e prepotência europeias à constituição oligárquica

dos estados europeus, uma vez que os espólios das conquistas iam para minorias seletas, daí

enunciar o autor que o primeiro artigo definitivo das condições para a “Paz Eterna” seria a

constituição republicana de todo Estado, podendo a guerra ser declarada somente por um

plebiscito com a participação de todos os cidadãos56

.

No âmbito do continente americano, o princípio da não intervenção

encontrou o caminho da positivação em diversos tratados a partir da década de 30 do século

XX. Mello aponta como instrumentos americanos que reconhecem tal princípio a

Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados, Montevidéu, em 1933

(art. 8º); protocolo adicional (art. 1º) da Conferência de Consolidação da

Paz (Buenos Aires, 1936); na Conferência Pan-americana de Lima (1938);

nas Declarações dos Princípios da Solidariedade Americana (art. 2º) e de

Princípios Americanos (art. 1º); na Ata de Chapultepec (letra b) e na

Declaração do México (§3º), ambas em 1945; protocolo de 1975 (revisão

do TIAR – S. José); na Carta da OEA, no seu artigo 1857

.

Como sendo mais representativo do teor do princípio ora tratado, deve ser

colacionada a prescrição contida no último dos dispositivos acima mencionados:

Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir direta ou

indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de

qualquer outro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas

também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à

56

DURANT, Will. A história da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 2000, p. 271. 57

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 493.

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36

personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais

que o constituem.

No mesmo sentido e utilizando quase as mesmas palavras da Carta da

OEA, a Declaração sobre a Inadmissibilidade da Intervenção nos Assuntos Internos dos

Estados, de 1965, pontua que

nenhum Estado tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, qualquer

que seja o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro

Estado. Condenam-se, consequentemente, além da intervenção armada,

todas as outras formas de interferência ou tentativas de ameaça contra a

individualidade do Estado ou contra seus elementos políticos ou culturais.

Ainda no âmbito do continente americano, além dos tratados

internacionais acima referidos, diversas doutrinas, tais como a Monroe e Drago, também

realizaram a consagração do princípio da não intervenção. Tal princípio cumpriu,

consubstanciado, sobretudo, na doutrina Monroe (“A América para os americanos”), sob a

ótica da diplomacia norte americana uma função central na promoção do crescimento da

influência desta nação sobre o restante da América Latina, o que muito contribuiu para,

após a Segunda Mundial, a nação se lançar como potência inconteste no cenário

internacional.

Como afirma Mello58

, o princípio da não intervenção é um corolário dos

direitos fundamentais dos Estados, em especial do direito à soberania e do direito à

igualdade jurídica.

Na Carta da ONU, a expressão deste princípio se deu de modo indireto,

uma vez afirmada a igualdade jurídica entre as nações, no artigo 2(1), e a previsão no

sentido de ser interditado, até mesmo à própria ONU, a intervenção nos assuntos

considerados como pertencentes à jurisdição doméstica dos Estados, conforme dicção do

artigo 2(7) da Carta.

A vedação da intervenção na ordem jurídica internacional também foi

reafirmada por ocasião da Declaração de Princípios de Direito Internacional de 1970, já

referenciada neste trabalho, instrumento esse que, além de condenar esse tipo de atitude,

também a considerava como sendo modalidade de violação do direito internacional.

Importante precedente da Corte Internacional de Justiça que merece ser

tratado neste contexto diz respeito ao Caso do Canal de Corfu, ocorrido ainda na década de

58

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 493.

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37

40 do século passado. Neste caso, o Reino Unido, buscando preservar provas necessárias a

um procedimento judicial, procurou e desativou minas presentes no referido canal, sob a

alegação de um suposto “direito de intervenção” que fundamentaria a flexibilização da

soberania territorial da Albânia sobre as águas do canal.

No caso em tela, a Corte deduziu a aceitação de sua jurisdição a partir do

requerimento unilateral do Reino Unido (Estado-autor), confrontado com cartas enviadas

subsequentemente pela outra parte (Albânia), concluindo, assim, pela aceitação tácita de

sua jurisdição. Procurou o Reino Unido, por sua vez, fundamentar a jurisdição da Corte na

recomendação do Conselho de Segurança de que a controvérsia fosse encaminhada àquela,

recomendação essa que foi tida pelo Reino Unido como sendo uma “decisão” obrigatória

para os Estados-membros das Nações Unidas, nos termos do artigo 25 da Carta da

Organização, o qual prescreve que “os membros das Nações Unidas concordam em aceitar

e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta”.

Em seguida, o Reino Unido sustenta que a Albânia estaria obrigada a

aceitar a jurisdição da Corte, independente de seu consentimento, ponto esse sobre o qual

não se pronunciou a Corte, visto que já havia concluído pela aceitação tácita de sua

jurisdição59

.

Por ocasião do julgamento, a Corte, entendendo estar superado no direito

internacional a conduta inglesa, afirma que “o suposto direito de intervenção [constituía] a

manifestação de uma política de força, tal como a que, no passado, originou os mais graves

abusos e que não pode mais [...] encontrar espaço no direito internacional”60

.

Por fim, ainda observou a Corte que, se concedida a flexibilização da

soberania territorial albanesa, sendo as coisas como são, “esse direito ficaria restrito aos

Estados mais poderosos e poderia facilmente abrir caminho para frustrar a administração da

própria justiça internacional” e que a “essência das relações internacionais, residia no

59

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 805. 60

Ibid., p. 842.

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38

respeito dos Estados independentes pela soberania territorial mútua”61

.

61

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 842.

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39

3. INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA

A concepção de intervenção em direito internacional compreende diversos

sentidos, podendo ser utilizada para designar desde um simples apoio verbal mais ostensivo

a um partido político que disputa eleições num determinado país, até situações de grande

mobilização militar em prol de determinados fins, humanitários ou não.

Num sentido amplo, quanto a seu objeto, a intervenção pode ser definida

como a ação de um Estado ou organização que toma lugar no exame e na solução de um

assunto relevante da competência de um ou mais outros Estados62

. Sublinha tal conceito a

importância da matéria sobre a qual versará a intervenção, devendo a mesma pertencer à

categoria de “assuntos relevantes”, dizendo respeito estes, em geral, às matérias englobadas

pelo princípio da soberania estatal.

A intervenção conforme já mencionado, pode assumir formas pacíficas e

armadas, compreendendo medidas de caráter diversos segundo cada caso.

No âmbito das intervenções tidas por pacíficas, se encontram as

consideradas permitidas no direito internacional. Essas são medidas consideradas

“normais” na ordem internacional e se relacionam às situações em que um Estado se ocupa

dos assuntos de outro sem que para isso tente impor seu ponto de vista.

Nesse sentido, pode ser apontado o exercício de bons ofícios ou da

mediação entre Estados envolvidos num litígio determinado, a fim de lhes trazer meios de

resolução adequados ou de lhes dar, a esse respeito, simples conselhos de moderação.

Contudo, verifica-se na prática uma grande dificuldade em se determinar

quando ocorre, de fato, a imposição de uma solução externa à determinado caso, isso

porque “os limites entre „sugestões amigáveis‟ e „atos coercitivos‟ são difíceis de se

fixar”63

. Estados mais poderosos em suas relações com outros podem exercer sobre estes

um grande impacto, sem que precisem o fazer por vias que evidenciem expressamente se

62

SALMON, Jean (org.). Dictionnaire de droit internacional public. Bruxelles: Etablissements Emile

Bruylant, 2001, p. 608. 63

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 492.

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40

tratar de uma imposição. A decisão, assim, para a verificação da ocorrência ou não de uma

imposição, fica confinada à casuística.

Um conceito próximo de intervenção é o de ingerência. Segundo Jean

Salmon64

, em definição objetiva voltada a questão do consentimento, a ingerência

consistiria na ação de um Estado que se imiscui nos assuntos de outro, sem que para isso

tenha sido convidado ou tenha direito.

A ingerência ainda pode ser vista como espécie ou sinônimo de

intervenção em determinados contextos. Quando sinônimo, representaria um ato ilícito na

ordem internacional65

, e, quando tratada como espécie, constituiria numa modalidade de

intervenção proibida em que há a presença do elemento coerção e a interferência em

matérias que se relacionam à soberania estatal, tais como: regime político-econômico,

integridade territorial e independência política.

Apresentando um conceito mais analítico, a doutrina norte-americana,

citada por Albuquerque Melo em sua obra, considera que há a intervenção quando estão

presentes os elementos:

a) estado de paz; b) ingerência nos assuntos internos ou externos; c)

forma compulsória desta ingerência; d) finalidade de o autor da

intervenção impor sua vontade; e) ausência de consentimento de

quem sofre a intervenção66

.

Para aquele autor67

, todavia, a aferição da existência ou não de

consentimento por parte do Estado que sofre a intervenção é irrelevante, uma vez que o

princípio da autodeterminação dos povos impõe o dever de todo e qualquer governo, ou

mesmo de revoltosos, de não solicitarem intervenções de Estados estrangeiros para

resolução de suas diferenças internas.

64

SALMON, Jean (org.). Dictionnaire de droit internacional public. Bruxelles: Etablissements Emile

Bruylant, 2001, p. 550. 65

Ibid., p. 579 66

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 492. 67

Ibid.

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41

Endossa tal entendimento a Convenção de Havana, assinada em 1928,

juntamente com seu protocolo de 1957, os quais atribuem aos Estados considerados

terceiros em conflitos, vários deveres para que a intervenção feita em guerra civil seja

restringida.

Na seara das intervenções armadas, cabe, antes de tudo, tomar nota de que

não existe definição geralmente admitida do grau mínimo de pressão ou de

ação que deva ser exercido para que possamos falar de intervenção.

Incontestavelmente, a noção de intervenção cobre toda a “ingerência”-

consentida, solicitada ou imposta – consistindo numa ação de caráter

militar. A questão é mais discutível quando se trata de pressões políticas e

econômicas: elas constituirão uma intervenção na medida em que possam

ser assimiladas ao uso da força.68

No intuito de se definir o que seja a intervenção armada, a Corte

Internacional de Justiça, em acórdão de 27 de Junho de 1986, forneceu elementos que

cabem ser colacionados:

Este elemento de coação, constitutivo da intervenção proibida e formando a

sua própria essência, é particularmente evidente no caso de uma

intervenção que utiliza a força, seja sob a forma direta de uma ação militar

seja sob esta, indireta, de apoio a atividades armadas subversivas ou

terroristas no interior de um outro Estado69

.

É discutido na doutrina70

se para a configuração da intervenção é

necessário que a ingerência se dê em assuntos internos e externos ou apenas nos primeiros.

Mello argumenta, entretanto, que é difícil tratar de intervenção em assuntos que sejam

propriamente externos, uma vez que um dos objetivos da política externa de qualquer

Estado é influir na de outro. Em defesa desta perspectiva, o mesmo autor assevera que

Considera-se 'normal' que um Estado procure alterar a política externa de

outro. A própria Convenção de Viena sobre relações diplomáticas proíbe

a estes agentes apenas de se imiscuírem nos “assuntos internos” do

Estado que os recebe. Para haver intervenção é preciso que ela atinja área

da jurisdição doméstica do Estado, e esta é ainda bastante imprecisa

(Rosalyn Higgins) 71

.

68

DAILLIER, Patrick; FORTEAU, Mathias; PELLET, Alain. Droit International Public. 8ª ed. Paris:

LGDJ-Lextenso Éditions, 2009, p. 966. 69

Ibid,. p. 966. 70

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 491. 71

Ibid., p. 492.

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42

A intervenção que o presente trabalho visa examinar é a armada realizada

por razões humanitárias, também denominada intervenção de humanidade. Conforme

definição de Myriam de Souza Minayo72

, esta modalidade de intervenção se caracteriza por

ser uma operação armada levada a cabo por um Estado, coalizão ou organização

internacional em contextos de graves e sistemáticas violações dos direitos humanos

cometidas no território de outro Estado.

A intervenção humanitária, em si, não é uma figura nova no âmbito das

relações internacionais.

Brownlie73

, autor que vê na Carta das Nações Unidas empecilhos à

legalidade da intervenção humanitária, analisando o desenvolvimento histórico desta,

aponta a existência de dois modelos: um primeiro que se expressa em fins do século XIX e

um segundo, surgido a partir da ação militar da OTAN na antiga Iugoslávia em 1999,

momento em que o debate sobre a intervenção humanitária assume novos contornos.

Descrevendo o primeiro dos modelos, afirma este autor que

em fins do século XIX a maioria dos publicistas admitia que um direito de

intervenção humanitária (l´intervention d´humanité) existiu. Um Estado

que tivesse abusado de sua soberania por meio de tratamento brutal e

excessivamente cruel dos submetidos a seu poder, nacionais ou não, era

considerado como sujeito à ação de qualquer Estado que estivesse

preparado para intervir. A ação era, assim, de natureza policial, e nenhuma

mudança de soberania poderia resultar74

. (tradução nossa).

Durante todo o século XIX, e com especial ênfase já em seu final,

motivações humanitárias sustentaram ações militares para que situações de supostas crises

humanitárias fossem revertidas. Tais motivações, em função da doutrina de até então ser

vaga e muito plástica, iam desde a libertação de uma nação oprimida por outra até a

intervenção em Estados que apresentavam governos falidos. Nesse espectro, no entanto, o

argumento humanitário que predomina no período foi o da defesa de nacionais em

territórios de terceiros Estados, consubstanciado na “Questão do Oriente” 75

. Esta última diz

72

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 18. 73

BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 7 ed. New York: Oxford University Press, 2008.,

p. 742. 74

Ibid. 75

MINAYO, op. cit., 18.

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43

respeito à destinação política das áreas que antes faziam parte do império turco-otomano, e

que vinham sendo disputadas pelas potências europeias no contexto do neocolonialismo.

No período em questão, cabe relembrar que a fase por que passava o

capitalismo de então era responsável por fazer com que o argumento humanitário servisse

às grandes potências europeias (antigas metrópoles coloniais) como perfeita justificativa

para ações que visassem manter vínculos de subordinação econômico-política, tal como se

observou na invasão americana à Cuba em 1898.

Hoje em dia, analisando o contexto geopolítico mundial, pode-se dizer que

a problemática da intervenção humanitária ainda traz consigo alguns destes traços do século

XIX. É o que vemos, por exemplo, na atual ação russa no leste ucraniano e sua influência

no crescente movimento separatista naquele país, bem como na já antiga política de

assentamentos israelenses em territórios palestinos, tão condenada internacionalmente, mas

que continua a ser um dos principais problemas nas relações entre os dois povos. Em

ambos os casos, verificou-se o estímulo a migração de nacionais, os quais, posteriormente,

deveriam ser protegidos por suas respectivas nações das agressões sofridas pelos governos

locais.

No panorama dos modelos de intervenção humanitária mencionados por

Brownlie, cabe sublinhar um período em especial, o qual se inicia a partir da assinatura da

Carta das Nações Unidas, que positivou na ordem internacional os princípios da proibição

do uso da força nas relações internacionais, nos termos do art. 2(4), e da não intervenção

em assuntos que sejam da competência da jurisdição interna do Estado, previsto no

parágrafo 7º do mesmo artigo.

A partir desse momento, opera-se, assim, uma ampla mudança na

regulação do uso internacional da força, que exige dos Estados que queiram fazer o uso da

mesma a busca por justificativas plausíveis na ordem internacional. Tal fato é um dado

fundamental pra compreensão de toda a problemática que envolve a intervenção

humanitária.

No século XX, como afirma Myriam Minayo76

, tendo em vista as

modificações produzidas pela dinâmica da Guerra Fria, os Estados preferiram aos

76

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 19.

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44

argumentos humanitários a utilização de outros que mais se adequassem a seus interesses.

A alegação de motivos humanitários, quando feita no período, o foi de maneira bastante

tímida.

Há autores77

que consideram que a intervenção humanitária a partir de

então constituiu um novo rumo tomado pela doutrina da guerra justa. Nesse âmbito, haveria

a passagem da “retórica da justiça” da defesa dos oprimidos pelas metrópoles coloniais,

para a dos perseguidos por seu próprio governo. E, com base em tal fato, “estudiosos

traçaram comparações entre a intervenção humanitária e critérios medievais de guerra justa

e apelidaram os interventores de "cavaleiros da humanidade”.

Cumpre ressaltar, entretanto, que, como afirma Mello, os direitos do

homem constituem uma das mais altas finalidades do direito internacional78

. O instituto da

intervenção humanitária consistiria, assim, a par dos maus usos que possa ter, numa cara

expressão da Ética nesse ramo do direito, uma vez que é capaz de trazer para o campo da

eficácia o tão esperado respeito pelos direitos humanos.

Um dos maiores problemas a serem enfrentados na discussão sobre a

efetivação de direitos humanos é o de que a Carta das Nações Unidas ressalta a importância

da promoção e proteção desses direitos, mas deixa, contudo, de informar como tal proteção

se daria na prática.

A ação militar no sentido de protegê-los viria tão somente mediante

aprovação do Conselho de Segurança, o qual, todavia, encontra-se atado aos critérios de

ameaça a paz ou segurança internacionais, os quais nem sempre estão presentes em

situações particulares de violações massivas de direitos humanos ocorridas em certas

regiões específicas do planeta.

Segundo Shaw79

, é difícil considerar válida a figura da intervenção

humanitária quando observada desde o art. 2(4) da Carta das Nações Unidas, o qual

consagra a proibição do uso ou ameaça da força nas relações internacionais. Segundo a

visão deste autor, só seria possível conceber a intervenção humanitária de forma

77

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manolo, 2004, p. 98. 78

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 497. 79

SHAW, Malcolm N. Direito internacional. Trad. de Marcelo Brandão Cipolla, Lenita Ananias do

Nascimento, Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 862.

Page 45: MANOEL MARTINS PARREIRA NETO A regulação ... - tcc… · caracteriza pela ausência de uma autoridade central capaz de atrair para si todos aqueles poderes que, na ordem interna

45

coexistente ao sistema ONU, caso se adotasse uma definição bastante artificial do critério

“integridade territorial” previsto naquele dispositivo, o que permitiria, portanto, violações

temporárias deste. Outra alternativa apresentada seria a postulação de que um suposto

“direito de intervenção humanitária” tenha passado a fazer parte do direito internacional

costumeiro.

Todavia, tendo em vista o “engessamento” do Conselho de Segurança, tem

se observado, a formação, mediante tratados, de um costume de legitimação do uso de

recursos militares em situações em que há sistemáticas violações de direitos humanos e não

há tomada das medidas necessárias pelo Conselho de Segurança80

.

Dinstein, por sua vez, em interpretação mais radical, analisando a

problemática da intervenção humanitária unilateral, afirma que “nada na Carta da

Organização das Nações Unidas justifica um direito unilateral de um Estado de usar a força

contra outro, utilizando a desculpa de assegurar a implementação dos direitos humanos81

”.

Conclui-se, assim, que, no tocante à sua legalidade, a intervenção no fundo

vive a problemática do embate entre grandes e pequenos Estados. Aqueles, com frequência,

preferem relativizar o princípio da não intervenção para sustentar a legalidade de seus atos,

ao passo que, aos pequenos Estados resta apenas se aferrar ao princípio referido como

sendo absoluto82

.

Passando agora ao exame específico dos casos mais significativos de

intervenções humanitárias levadas a cabo após o fim da Segunda Guerra Mundial, cujo

plano de fundo inicia-se com a Guerra Fria e termina com a queda da União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas (URSS), serão apresentados os casos de maior relevância para as

relações internacionais no marco do debate humanitário, nos quais motivações desta

natureza foram ou deveriam ter sido alegadas a título de atenuantes na justificação ou como

próprio impulsionador da ação.

80

MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público; prefácio de M. Franchini

Netto, 15. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 496. 81

DINSTEIN, Yoram. Guerra, agressão e legítima defesa. Trad. de Mauro Raposo de Mello. Barueri:

Manolo, 2004, p. 98. 82

Melo, op. cit,. p. 492.

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46

3.1 INTERVENÇÕES LEVADAS A CABO DURANTE A VIGÊNCIA DA GUERRA

FRIA

3.1.1 INTERVENÇÃO DA ÍNDIA NO PAQUISTÃO ORIENTAL (BANGLADESH)

A situação de conflito que agora será descrita se caracterizou por sua

contribuição na defesa de uma população que vinha sofrendo profundas violações de

direitos humanos, podendo ser afirmado, segundo Myriam de Souza Minayo83

, que a ação

indiana cumpriu com grande parte dos requisitos para um intervenção humanitária.

O conflito em solo paquistanês tem inicio em 21 de novembro de 1971,

com a invasão do país por tropas indianas, passados nove meses de massacre da população

civil pelo governo do Paquistão Oriental (Bangladesh), que buscava conter uma insurreição

pela independência da região. Ao largo do período de massacre, aproximadamente oito

milhões de pessoas, fugindo da carnificina, trataram de cruzar a fronteira em busca de

refúgio na Índia.

Cumpre apontar, entretanto, que em abril do mesmo ano de 1971, a

representação da Índia na Organização das Nações Unidas já havia informado o órgão que a

situação de violações graves e sistemáticas de direitos humanos presente no Paquistão

Oriental havia chegado ao limite máximo do aceitável para ser considerada como matéria

de exclusiva jurisdição interna de determinado Estado nos termos da Carta.

Uma vez havendo falta de tomada de decisão no âmbito do sistema ONU,

o Estado indiano procede então à invasão do Paquistão Oriental. Em específico a ação

indiana foi justificada tendo como base um direito de legítima defesa contra os

bombardeios realizados pelo Paquistão sobre as populações habitantes da região fronteiriça

entre os dois países, tendo, contudo, como motivação central a alegação de razões

humanitárias84

.

Já em 3 de dezembro do mesmo ano, a situação em piora constante, o

então Secretário Geral U Thant informa ao Conselho de Segurança que o quadro no

83

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 36. 84

Ibid., p. 37.

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47

Pasquistão Oriental constituía uma ameaça a paz e segurança internacionais, o que

demandaria a tomada de providências pelo órgão.

O Paquistão, por sua vez, diante dos ataques, rebateu com vigor as razões

do governo indiano e acusou este de infringir sua soberania e integridade territorial. Alegou

ainda que a Índia havia procedido de modo a violar a Carta das Nações Unidas, uma vez

que sustentava ser injustificado o exercício do direito a legítima defesa e que a crise dizia

respeito apenas ao âmbito interno do país.

O Conselho de Segurança diante da situação, em razão do exercício do

direito de veto pela URSS, se limitou a adotar a resolução 303 (1971) de 6 de dezembro,

pela qual remeteu o assunta à Assembleia Geral.

No âmbito deste órgão, foi adotada a Resolução 2793 (1971) de 7 de

dezembro de 1971, a qual fixava o imediato cessar fogo bem como a retirada do exército

indiano do solo paquistanês. Nos termos da referida resolução: “Calls upon the

Governments of India and Pakistan to take forthwith all measures for an immediate cease-

fire and withdrawal of their armed forces on the territory of the other to their own side of

the India-Pakistan borders85

”.

Por outro lado, em virtude da existência de interesses outros que não os

estritamente humanitários poderia ser sustentado que a intervenção em tela não consistiria

uma modalidade de intervenção humanitária pura. Contudo, o que deve ser sublinhado é o

fato de ter sido a primeira intervenção após a aprovação da Carta das Nações Unidas em

que um país alega razões humanitárias para justificar sua ação86

.

3.1.2 INTERVENÇÃO DO VIETNÃ NO CAMBOJA

Por um período de mais de dois anos, desde 1975, quando o Khmer

Vermelho de Pol Pot assume o poder no Camboja, deu-se início a um programa de

organização do país, pautado num projeto de purificação étnica e de limpeza social.

85

UN RESOLUTION 2793 (CS/1971). Resolução disponível em <https://documents-dds

ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/328/09/IMG/NR032809.pdf?OpenElement 86

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 39.

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48

Durante todo o período, o referido governo, apoiado pela China, cometeu

diversas e sistemáticas violações de direitos humanos contra sua população civil,

exterminando mais de dois milhões de pessoas, cerca de um terço da população, além de ter

provocado a destruição da economia nacional, acarretando também incursões no território

de seu vizinho Vietnã, cujo regime era respaldado pela URSS.

Apesar de todas as violações perpetradas pelo governo de Pol Pot terem

sido condenadas pela comunidade internacional, não houve a tomada de qualquer medida

no sentido de impedir ou de por fim aos abusos perpetrados. O Conselho de Segurança,

apenas em 1979 incluiu o episódio em sua agenda de discussão87

.

Em 25 de dezembro de 1978, o exército do Vietnã invade o Camboja,

respaldado pela Frente Unida para a Libertação Nacional de Kampuchea, formado por um

grupo de refugiados do Camboja no Vietnã.

Em poucos meses, a intervenção logra ocupar a totalidade do território e

Pol Pot juntamente com seus partidários fogem para as montanhas. Em havendo a

derrocada do Khmer, houve a constituição, agora pelo Vietnã, de um novo governo

formado por integrantes da Frente Unida.

Diante desse cenário, os representantes da Kampuchea buscaram junto as

Nações Unidas qualificar a atuação do Vietnã como sendo um ato de agressão apoiado e

mantido pela URSS.

Segundo Myriam de Souza, citando Escudero Espinosa, aponta como

justificativas sustentadas pelo Vietnã como sendo:

1) el recurso a la legítima defensa al reaccionar a los ataques perpetrados

por Camboya em regiones fronterizas, dentro del territorio vietnamita; 2) la

existencia de una guerra civil motivada dpor las condiciones inhumanas de

la población, cuyo corolario fue el levantamiento del Frente Unido com la

intención de derrubar el gobierno hostil88

.

87

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 40. 88

Ibid., p. 41

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49

Ainda segundo a mesma autora89

, chama atenção o fato do Vietnã não ter

utilizado em momento algum a motivação humanitária no intuito de justificar sua ação.

O Conselho de Segurança não chegou a adotar nenhuma resolução para o

caso em virtude novamente do exercício do poder de veto por parte de seus membros

permanentes. A questão, uma vez tratada pela Assembleia Geral, culminou na Resolução

34/22 (1979), de 14 de novembro de 1979, a qual dispõe que

“[...] a political solution which will ensure the sovereignty and

independence of Kampuchea is essential for bringing about durable peace

and stability in the region. Emphasizing that all States shall refrain, in their

international relations, from the threat or use of force against the

sovereignty, territorial integrity or independence of any State, and strictly

adhere to the principles of peaceful settlemente of disputes and non-

interference in the internal affairs of other States”

Além disso, ao seguir as recomendações do Comitê de Credenciais, a

Assembleia Geral não procedeu ao reconhecimento do novo governo erigido pós

intervenção, mantendo a representação do governo do Camboja tal como antes.

Segundo Myriam Souza, para muitos autores a atuação do Vietnã com

muita dificuldade poderia ser qualificada como sendo uma intervenção humanitaria. Isso

em virtude de no caso ter havido a presença de diversos interesses subjacentes, e o país não

ter procurado sustentar sua ação por razões humanitárias, resultando assim demasiado

demasiadamente difícil a qualificação em questão.

Diante do cenário na referida intervenção, vislumbra-se que a inação da

comunidade internacional foi responsável mais uma vez, tal como no caso indiano, pela

morte de milhares de indivíduos, o que revela segundo Myriam, o “estado del arte” da

noção neste momento90

.

89

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 44. 90

Ibid., p. 43.

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50

3.1.3 INTERVENÇÃO DA TANZÂNIA EM UGANDA

A intervenção em tela apresenta algumas similaridades com relação à

anteriormente apontada desde o ponto de vista das razões sustentadas pelo Estado que

encabeçou a ação.

No período do governo de Idi Amim Dada, que chegou ao poder em

Uganda por meio de um golpe de Estado no ano de 1971, houve a instauração de um

período de grandes arbitrariedades e violações de direitos humanos, resultando na morte de

mais de trezentas mil pessoas (a maioria após sofrerem tortura), bem como se procedeu à

abolição de garantias e liberdades constitucionais.

Empreendida por parte do exército nacional da Tanzânia e contando com o

apoio de ugandenses exilados do país, a intervenção ocorrida a partir de 20 de janeiro de

1979 foi fundamentada com base no exercício do direito à legítima defesa contra as

incursões armadas de Uganda em território da Tanzânia, na região fronteiriça entre os dois

países, realizada em outubro do ano anterior. Do mesmo modo, a ação fundou-se também

no argumento segundo o qual havia uma guerra de libertação contra o governo do general

Amim Dada, conduzida por rebeldes nacionais de Uganda no norte deste país.

Apesar da gravidade da situação de violações de direitos humanos sofrido

pela população ugandense, o presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, não fundou a

intervenção levada a cabo em razões humanitárias, mas sim num direito de legítima defesa,

tendo, contudo, como pressuposto uma provocação na região de fronteira claramente menor

que a ação empreendida em resposta91

.

A reação da comunidade internacional nesse caso contrastou com a

sustentada semanas antes na ação executada pelo Vietnã no Camboja, embora as

justificações em ambos os casos tenham sido muito próximas. Não só não houve qualquer

movimentação no âmbito das Nações Unidas, como também o governo sucessor em

Uganda foi imediatamente reconhecido por um grande número de Estados.

91

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 44.

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51

Cumpre salientar que neste caso tem-se uma situação bastante diferente da

ocorrida no Vietnã, cuja intervenção foi condenada na ordem jurídica internacional por ferir

preceitos da Carta das Nações Unidas. No entanto, deixando para trás considerações de

natureza ética e moral, grande parte da doutrina92

não tem qualificado como legal a atuação

da Tanzânia. Segundo Arend y Beck, se conclui que esta ação não pode ser considerada

humanitária desde o ponto de vista legal, uma vez considerado os objetivos defendidos pelo

governo da Tanzânia:

Tanzania frequently emphasized the self-defense grounds (however

dubious) of its use of force, not the humanitariam ones. In view of

the words of Tanzanian government itself, therefore, the purpose of

Tanzania‟s use of force was not „limited to protecting fundamental

human rights‟. Accordingly, the 1979 intervention should not legally

be considered „humanitarian‟ one. 93

O silêncio absoluto da comunidade internacional foi resultado de uma

valoração deliberada e cuidadosa. De acordo com este autor, o recurso à ficção legal da

legitima defesa - que serviu para que a Tanzânia justificasse sua atuação – tornou mais fácil

o que era reconhecido como uma necessária intervenção humanitária, pois o sistema estava

desejoso de usar essa excusa legal tradicional para camuflar, sob uma máscara superficial, a

importância de uma mudança pragmática que progressivamente se desenvolvida na

aplicação de suas regras.

3.1.4 INTERVENÇÃO DA FRANÇA NA REPÚBLICA CENTROAFRICANA

A ação da França no âmbito da República Centroafricana no ano de 1979,

na qual foi derrubado do poder Jean Bokassa, tem sido interpretada, como a “intervenção

humanitária por excelência94

”, uma vez não ter ocorrido perda de vidas humanas e ter sido

atendido o critério da proporcionalidade pelo exército francês, bem como o fato de outros

interesses parecerem estar ausentes na ação. Entretanto, cabe sublinhar o fato que a França

não tenha chegado a sustentar argumentos humanitários pra levar a cabo sua ação.

92

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 45. 93

A. C. Arend, and R. J. Beck. Internations Law and the use of force: beyond the UN Charter Paradigm, p.

125. 94

MINAYO, op. cit., p. 45.

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52

No tocante ao conflito em si, Jean Bokassa havia sido acusado por uma

comissão judicial da União Africana de ter sido o responsável pela morte de cerca de cem

estudantes. Além destes casos, havia também muitos outros casos de sistemáticas violações

de direitos humanos dos quais era acusado, o que revelava a faceta cruel pela qual ficou

conhecido seu governo.

Jean Bokassa foi derrubado do poder por seu antecessor David Dacko com

o apoio de quase mil integrantes do exército francês. Muito embora o governo francês tenha

negado sua participação no golpe, logo em seguida acabou por reconhecer que sua ação se

fundava numa resposta a uma petição pessoal de David Dacko e que havia oferecido ajuda

ao país na condição de que Bokassa fosse derrubado do poder.

Tal como ocorrido no caso de Uganda, a ONU não fez qualquer

pronunciamento sobre a ação francesa. Com a exceção dos países Benin, Líbia e Chad, não

houve qualquer manifestação de outros estados ou instituições internacionais sobre o caso,

fazendo qualquer juízo sobre a intervenção francesa.

Uma vez mais neste caso, restou clara a posição da comunidade

internacional de não se manifestar e a falta de consenso em termos doutrinais95

. Do mesmo

modo sucedeu que o próprio debate interestatal, na esfera internacional, no momento de se

valorar a prática das intervenções, no sentido de que podem significar ou não, precedentes

de intervenções humanitárias internacionalmente legais e legítimas. Além disso, ao não se

incluir a noção humanitária na justificação dos próprios Estados se reforça a anterior

verificação sobre a falta de consenso com relação a doutrina da intervenção humanitária.

Por fim, em paralelo, o contexto da Guerra Fria contribuiu para

incrementar o debate posterior sobre o tema da intervenção humanitária, assim como para

revelar na agenda internacional a necessidade urgente de se buscar medidas adequadas para

fazer frente aos numerosos casos de flagrantes violações de direitos humanos. O mesmo

contexto ofereceu um terreno favorável para ressaltar o fato de não ter sido contemplada, de

95

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 47.

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53

nenhuma forma, a doutrina da intervenção humanitária no texto da Carta das Nações

Unidas.96

96

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 47.

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54

4. A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER

No debate sobre a possibilidade de se empregar a força armada por parte

de um Estado, individual ou coletivamente, quando são verificados graves crimes contra a

humanidade, como é o caso da limpeza étnica ou do genocídio, perpetrados no território de

outro país, são verificadas, desde 1945, interpretações divergentes sobre os artigos 2(4) e

2(7) da Carta das Nações Unidas.

Como afirmado anteriormente, o texto da Carta fala da promoção dos

direitos humanos, mas não determina os meios para que tal promoção possa ser realizada.

Em virtude de tal fato, e no intuito de resolver o dilema entre legalidade e legitimidade de

intervenções humanitárias, entra em cena a noção de “responsabilidade de proteger”. Este

novo conceito foi elaborado, sobretudo, a partir do Informe da Comissão Internacional

sobre Intervenção e Soberania Estatal, o qual permitiu a tão necessária conciliação entre os

conceitos de intervenção humanitária, uso da força e soberania estatal.

O Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, preocupado com as

implicações que resultam de uma análise restritiva da soberania, por ocasião da Cúpula do

Milênio em 2000, insistiu no que já havia questionada um ano antes e fez um chamamento

à comunidade internacional para que se chegasse a um consenso no tocante a conciliação

dos princípios em disputa:

[...] si la intervención humanitaria es, en realidad, un ataque inaceptable a

la soberanía, cómo deberíamos responder a situaciones como las de

Rwanda o Srebreniva y a las violaciones graves y sistemáticas de los

derechos humanos que transgreden todos los princípios de nuestra

humanidad común?97

Diante do dilema evidenciado pelo Secretário Geral, o Primeiro Ministro

canadense, Jean Chrétien, declarou durante a mesma cúpula que o governo de seu país

estabeleceria uma comissão independente que levaria a cabo a tarefa de dirimir a questão

enunciada por Kofi Annan e tratar de apresentar saídas efetivas para o problema. Foi criada,

assim, a Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS, na sigla em

97

Informe del Secretario General presentado para la Cumbre del Milênio: Nosotros los pueblos: la función de

las Naciones Unidas em el siglo XXI, del 27 de marzo de 2000 (A/54/2000), par. 216.

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55

inglês), formada por expertos em operações de gestão de crises, de manutenção da paz, em

Direito Internacional humanitário, antigos chefes de Estado e personalidades da diplomacia

e da política98

.

A Comissão realizou um extenso estudo para o qual se levou a cabo uma

ampla revisão da bibliografia sobre o tema e diversos encontros com representantes de

organizações governamentais e inter-governamentais, de ONG´s e da sociedade civil, de

centros universitários, institutos de investigação e grupos de experts, no total de mais de

duzentas pessoas99

.

O resultado de um ano de trabalho foi a publicação do Informe intitulado

“Responsabilidade de Proteger”, publicado ao final do ano de 2001. O Informe é um

documento completo no qual se faz uma ampla análise de toda a problemática acerca da

“intervenção humanitária” tal como parecia ser entendida, principalmente no concernente à

soberania estatal (que é a chave do problema) sobre o qual o Informe oferecia outra

dimensão. O Informe terminou por promover uma mudança nos termos até então

empregados no debate e propôs medidas concretas que deveriam ser tomadas,

principalmente pelos órgãos das Nações Unidas, com vistas a estabelecer mecanismos e

vias para proporcionar efetividade na proteção da gente “ordinaria” que estão em vias de

sofrerem severas violações de direitos humanos.

O Informe está dividido em oito capítulos que, em linhas muito gerais,

tratam do seguinte: 1. “El Desafío Político”, que expõe a problemática a diversos níveis,

destacando a mudança na natureza dos conflitos quando se observava o momento no qual a

Carta fora estabelecida e a necessidade de um novo olhar, com novos conceitos como o de

“segurança” e a inclusão fundamental da “segurança humana”, anunciando, também, o que

seria uma releitura dos conceitos de soberania e intervenção; 2. “Un Nuevo Planteamiento:

La Responsabilidad de Proteger”, capítulo o qual define o conceito de soberania, no qual há

espaço para a ação internacional para a proteção das vítimas de violações graves dos

direitos humanos. Continua o Informe em questão apresentando os novos standards dos

98

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 129. 99

Inforrme de la Comissión Internacional sobre Intervención y Soberania Estatal: La Responsabilidade de

Proteger, International Development Research Centre, Ottawa, dezembro de 2001, 91 pp. Prefacio.

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56

direitos humanos, o significado da segurança humana e a prática emergente e, finalmente

propõe uma mudança nos termos do debate. Os capítulos 3, 4 e 5 são o desmembramento

da “Responsabilidad de Proteger” que o Informe abarca de forma completa. Isso

compreende respectivamente: “La responsabilidad de Prevenir”, que seria a

responsabilidade anterior a existência das violações em grande escala, criando mecanismos

destinados a impedir que cheguem a acontecer; “La Responsabilidad de Reaccionar”,

quando as violações já estão sendo perpetradas, expondo os critérios fundamentais a serem

considerados e as medidas que devem ser adotadas antes de chegar à opção do emprego da

força armada; e “La Responsabilidad de Reconstruir”, obrigação posterior ao fim das

violações. Ou seja, a responsabilidade não termina quanto tem fim o massacre, por

exemplo, mas continua com a necessidade de reconstruir na maior parte dos casos.

O capítulo 6 contempla “La Cuestión de la Autoridad” para autorizar uma

operação armada destinada a revidar violações flagrantes e massivas dos direitos humanos,

estimando a incontestável responsabilidade primordial e preferível do Conselho de

Segurança. Assim, indica como tal órgão deveria atuar para não restar bloqueado pelo

exercício do veto por alguns de seus membros permanentes, alertando, ao final, sobre as

consequências da inação. O penúltimo capítulo está dedicado a “La Dimensión

Operacional” de todos os âmbitos tratados nos capítulos 2 ao 6. Por fim, o último delineia

os passos que devem ser dados desde a análise até a ação: “La Responsabilidad de Proteger:

Próximos Pasos”.

Durante todo o texto do Informe, em todas as seções, a Comissão de

especialistas não se limita a teorizar ou a apontar desejos de uma comunidade internacional

mais eficiente, mas procura indicar constantemente as medidas que devem ser tomadas para

concretizar suas propostas.

Não é a intenção aqui, e tampouco seria possível, realizar uma análise

pormenorizada de todos os elementos tratados pela Comissão. Serão destacados, desse

modo, os pontos considerados de maior relevância para este trabalho.

Depois de haver verificado parte do trabalho da Comissão há de se

reconhecer o mérito da grande tarefa realizada e é lamentável que tenha se mantido no

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57

“cajón de sastre” das Nações Unidas a partir dos atentados terroristas em solo americano no

11 de setembro de 2001. Não obstante, como parece possível afirmar que, mesmo que o

cenário internacional convulsionado pelo episódio tenha acarretado a escassa relevância

concedida ao Informe, suas contribuições tem sido claramente percebidas nos Informes

posteriores (“Um mundo mais seguro: a responsabilidade que compartilhamos” e “ Um

conceito mais amplo de liberdade: desenvolvimento, segurança e direitos humanos pra

todos”.

Os atentados de 11 de setembro representaram um verdadeiro antes e

depois nas relações internacionais neste novo século. As medidas adotadas pelo governo

americanos em função dos eventos deslocaram por alguns anos na cena internacional a

prioridade que estava sendo dada a busca do consenso sobre o tema da responsabilidade de

proteger para dar lugar a uma “luta contra o terror”100

. Mesmo que não se vá ingressar no

terreno deste debate, se considera que essa ação se situa absolutamente fora do âmbito da

responsabilidade de proteger a vida humana, como se tem assumido no presente trabalho,

apesar de alguns governos entenderem o contrário.

Em 2003, o Secretário Geral das Nações Unidas, em um discurso que

pronunciou ante a Assembleia Geral101

, após haver indicado que nos encontrávamos num

momento decisivo para as Nações Unidas e em particular para as aspirações de

proporcionar segurança coletiva para todos, anunciou a convocatória de um grupo de alto

nível de pessoas eminentes para que lhe fosse proporcionada uma perspectiva ampla e

coletiva a maneira de avançar rumo a solução dos problemas críticos que se enfrentava. O

Grupo de Alto Nível estava encarregado de avaliar as ameaças de esse novo contexto para a

paz e a segurança internacionais, o êxito com que a instituição havia enfrentado tais

ameaças e de formular recomendações destinadas a vigorizar as Nações Unidas para que a

organização pudesse ser capaz de efetivamente conceder “segurança coletiva para todos no

século XXI”

100

MINAYO, Miryam de Souza ¿Obligación internacional de proteger o caballo de Troya?:

intervencionaes armadas por razones humanitárias. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008, p. 137. 101

Communiqué de Presse, “Le Secrétaire Générale de l´Onu plaide pour de profondes réformes

institutionnelles afin de renforcer l´ONU” (SG/SM/8891), de 23 de setembro de 2003.

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58

Ainda, a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001 ocorridos em solo

americano, verificou-se que a postura política assumida pelos EUA terminou por

obscurecer e deslocar a discussão fundamentada nesta nova perspectiva que considerava a

responsabilidade de proteger oriunda da própria soberania dos Estados. Mesmo havendo

grandes mudanças na agenda de prioridade das Nações Unidas, os massacres e abusos

atrozes em matéria de direitos humanos terminaram por não cessar.

Por fim, principalmente é relevante o fato de que a tragédia ocorrida em

Darfur no Sudão ocorria enquanto se retomava o debate institucional com a elaboração dos

novos informes que abordavam, entre outras questões, o tema da intervenção humanitária.

O primeiro Informe foi apresentado em 2004, por um Grupo de Alto Nível instituído pelo

Secretário Geral, e outro pelo próprio Secretário em 2005. Ambos Informes serviram de

base para a Cúpula Mundial comemorativa dos 60 anos da Organização das Nações Unidas,

cujo Documento Final e a crise de Darfur são mostras cabais das belas intenções e palavras

e da pouca ação que marcou o contexto.

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59

5. CONCLUSÃO

No decorrer do presente estudo tem sido constatadas mudanças no debate

acerca da doutrina da intervenção humanitária impulsionados pelas diferentes conjunturas

históricas. Tem se observado como em cada momento da vida internacional nos casos aqui

arrolados se procedeu a diferentes interpretações sobre a noção central deste trabalho, sem

que a base da discórdia tenha sido sensivelmente modificada.

A partir da aprovação da Carta das Nações Unidas, em 1945, se inaugurou

uma intensa fase de desenvolvimento progressivo do direito internacional em matéria de

direitos humanos. O grande número de tratados internacionais sobre o tema constituem na

atualidade um mecanismo fundamental que aporta uma espécie de código de conduta para

os Estados.

Ao mesmo tempo, a Carta representou também o início de um largo

conflito entre os Princípios e Propósitos previstos no texto – referente à extensão da

proteção em matéria de direitos humanos - que até o presente não parece ter sido superada.

Ou seja, se observa que o próprio debate em torno da questão se resume ao dissenso sobre o

alcance dos princípio da soberania estatal, o que quer dizer: dos da não intervenção em

assuntos que sejam da jurisdição interna dos Estados, e da proibição do uso da força. Esse

tem sido sempre o pano de fundo do debate doutrinal, assim como do discurso e da própria

atuação dos Estados.

Durante o contexto da Guerra Fria se constatou, em primeiro lugar, que as

intervenções eram levadas a cabo por um Estado individualmente no território de um

terceiro. Em segundo lugar, se verificou uma grande timidez no discurso dos Estados na

hora de justificar suas atuações mediante o propósito humanitário, mesmo que graves

violações dos direitos humanos pudessem efetivamente estar ocorrendo no país em que se

realizou a intervenção. Os Estados, assim, tem preferido fundamentar suas ações em

termos, por exemplo, do direito à legítima defesa, para não se arriscar a violar os preceitos

da Carta fixados nos artigos 2(4) e 2(7). Analogamente, ambos os artigos tem sido

constantemente evocados pelo Estado em que se deu a intervenção para rechaçar as

operações e condená-las como uma violação ao direito internacional.

Outro elemento decisivo na configuração das intervenções de esse período

foi a postura do Conselho de Segurança durante a contenda bipolar. Tratou-se, de fato, de

uma verdadeira omissão do órgão em questão, dado sua paralisação, tendo em vista o

exercício frequente do direito ao veto por parte das superpotências, em particular pela ex-

URSS. Tal inação influiu evidentemente na atuação individual dos Estados durante a

Guerra Fria.

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Não obstante, mesmo que não tenha faltado motivações de índole

humanitária que poderiam ter justificado uma intervenção internacional para reprimir as

graves violações de direitos humanos, não se recorreu formalmente a sua alegação.

Ademais, a presença, muitas vezes manifesta, de interesses por de trás das atuações

conformaram situações nas quais dificilmente seriam admitidas como intervenções

humanitárias.

Já por outro lado, precisamente, o Informe da International Commission

on Intervention and State Sovereignty (ICSS) de 2001 foi elaborado para oferecer uma via

pela qual a comunidade internacional em seu conjunto e os Estados individualmente

deveriam trafegar para lograr uma solução para o debate sobre a intervenção humanitária. O

Informe permitiu uma importante mudança nos termos da discussão, cujo resultado tem

sido, em definitiva a superação teórica do dilema entre os princípios previstos na Carta e o

instituto da intervenção humanitária. Foi proposta uma redefinição dos enunciados do

debate, entendendo, que ao falar de uma forma diferente, obrigava a pensar a atuação de

uma nova maneira. Sua inovação consistiu em abordar a soberania em termos de dupla

responsabilidade, e a intervenção humanitária como parte da “responsabilidade de

proteger”.

Tal superação, no entanto, se manteve no nível da retórica dos Estados, já

que, na prática, os princípios dos artigos 2(4) e 2(7), que em definitivo constituíam as

regras do jogo, seguem sendo invocados para evitar que medidas destinadas a frear o

sofrimento humano sejam implementadas. Nesse sentido, as consequências internacionais

dos terroristas do 11 de setembro de 2001 entorpeceram sensivelmente aquele ambiente que

se tornava mais propício para a discussão da responsabilidade de proteger nos termos da

ICISS.

Subjacente a todo o demonstrado no presente trabalho está a absoluta falta

de vontade de política dos Estados, em particular, dos membros permanentes do Conselho

de Segurança, para superar os obstáculos presentes no sistema da Carta para a realidade

atual. Não se duvida que o sistema criado no contexto do final da Segunda Guerra Mundial

pelos “vencedores” não é capaz de responder legítima e adequadamente os desafios que

revelam a nova realidade das relações internacionais.

Do mesmo modo, tem se reprimido a urgente necessidade de reforma no

Conselho de Segurança. Não apenas no tocante a ampliação de sua representatividade,

como acabou sendo sustentado pelo Grupo de Alto Nível e pelo Secretário Geral em seus

respectivos Informes de 2004 e 2005. É fundamental, também, que se chegue a um

consenso no seio do Conselho sobre a abstenção do exercício do direito de veto quando se

tratar de matérias em que muitas vidas estão em jogo. Igualmente necessária seria a

aprovação de princípios diretores destinados à orientação do Conselho na hora de decidir

sobre o uso da força. Tais medidas, sem dúvida, dotariam o órgão de maior legitimidade e

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transparência.

Lamentável é que, no caso de Darfur, nem o Conselho, nem nenhum outro

foro ou Estado estão verdadeiramente interessados em impedir que o seres humanos sigam

perdendo suas vidas. Efetivamente, esse é o risco que se corre ao se colocar a vida humana

no perigoso jogo do caso a caso.

Uma das minhas grandes preocupações ao finalizar o presente estudo, é se

o que está sendo defendido quando se fala de intervenções humanitárias, como se tem

assinalado nos casos estudados, não está embasado numa concepção ocidentalizada de

sociedade, direitos e governabilidade. Ou seja, se em seu fundo as intervenções

humanitárias não funcionariam como um braço armado dos interesses das grandes

potências, frequentemente agravando os problemas humanitários para os quais

supostamente seriam a solução.

No presente trabalho, me centrei no tema do emprego da força armada

para evitar o sofrimento humano imediato. Ou seja, buscou-se falar sobre as intervenções

armadas quando ao momento da decisão estão constatadas severas violações dos direitos

humanos causando uma grande perda de vidas, como é o caso do genocídio ou da limpeza

étnica. Por tal fato, não houve espaço para importantíssimas considerações sobre as

condições culturais, sociais, e de todos os problemas particulares da região na qual se vai

empreender uma ação. Aqui se tratava maiormente da urgente necessidade de salvar vidas.

Por fim, deixo o seguinte questionamento: seguiremos apostando as

escassas fichas do jogo case-by-case, deixando as vítimas ao sabor amargo da sorte num

jogo de azar, ou teremos uma verdadeira “obrigação internacional de proteger” que não seja

mais um “cavalo de Troia” na história?

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