manipulação da vida

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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos MANIPULAÇÃO DA VIDA HUMANA E MEIO AMBIENTE Belo Horizonte 2014

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Dissertação da Ana Virginia. Importante contribuição para as discussões a respeito da vida.

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Page 1: Manipulação Da Vida

ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos

MANIPULAÇÃO DA VIDA HUMANA E MEIO AMBIENTE

Belo Horizonte

2014

Page 2: Manipulação Da Vida

Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos

Manipulação da vida humana e meio ambiente

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Direito da Escola Superior Dom

Helder Câmara como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Émilien Vilas Boas Reis

Co-orientador: Prof. Dr. Bruno Torquato de Oliveira

Naves

Belo Horizonte

2014

Page 3: Manipulação Da Vida

RAMOS, Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire.

R175m

Manipulação da vida humana e meio ambiente

/Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos –

2014. 120 f.

Orientador: Prof. Dr. Émilien Vilas Boas Reis

Dissertação (mestrado) - Escola Superior Dom

Helder Câmara ESDHC.

Referências: f. 105 - 120.

1. Genética 2. Meio ambiente 3. Gerações futuras

I. Título

CDU 575(043.3)

Bibliotecário responsável: Anderson Roberto de Rezende CRB6 - 3094

Page 4: Manipulação Da Vida

ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

Ana Virgínia Gabrich Fonseca Freire Ramos

MANIPULAÇÃO DA VIDA HUMANA E MEIO AMBIENTE

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Direito da Escola Superior Dom

Helder Câmara como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Direito.

Aprovada em: ___/___/___

Orientador: Prof. Dr. Émilien Vilas Boas Reis

Co-orientador: Prof. Dr. Bruno Torquato de Oliveira Naves

Professor Membro: Prof. Dr. Kiwonghi Bizawu

Professor Membro: Profa. Dra. Taisa Maria Macena de Lima

Nota: ____

Belo Horizonte

2014

Page 5: Manipulação Da Vida

Dedico o presente trabalho aos meus pais, que

sempre me ensinaram que a educação é o que de

mais valioso temos na vida e que nunca mediram

esforços para que meus sonhos fossem realizados.

Page 6: Manipulação Da Vida

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, irmãos, avós, tios e primos, pelo incentivo, carinho e paciência

durante a conclusão dessa etapa e por sempre me apoiarem em todas as minhas decisões.

Ao meu orientador, Émilien, e ao meu co-orientador, Bruno, pessoas fundamentais para a

conclusão deste trabalho.

Aos amigos Ana Thereza, Franclim, Giselle, Dani, Felipe, Leonardo, Santhiago, Alexandre,

Luísa Cristina, Juliana, Marina, Walkiria, Amanda, Flávia, Camila, Douglas, Pedro, Larissa,

Adriany, Renato, Paulo, Mônica, Luciana, Luísa Magalhães, Ricardo, Aparecida, Carol e

tantos outros, que tanto me ajudaram com textos, correções, palavras de incentivo ou

simplesmente “estando ali” para me ouvir e aconselhar. Obrigada também por

compreenderem minha ausência durante esses “longos” dois anos de mestrado.

Por fim, agradeço à vida, em todos os seus momentos, em todas as suas fragilidades, em todas

as suas surpresas, formas, cores e sentidos. À vida que já se foi, pela sabedoria. À vida que

ainda é, pela persistência. E, principalmente, à vida que está por vir, pela esperança.

Page 7: Manipulação Da Vida

RESUMO

A presente dissertação procura identificar o impacto das técnicas de manipulação genética

embrionária humana para o meio ambiente. No intuito de alcançar a finalidade proposta,

realiza-se uma reflexão sobre a técnica, de maneira geral, desde o mito “Prometeu

Acorrentado” até sua atual aplicação na medicina genética, bem como se realiza a conexão

entre genoma humano e meio ambiente, fato reforçado pelo conceito de “ecogenética”. Em

seguida, são abordadas as principais teorias acerca da vida e da vida humana, enfatizando seus

aspectos jurídicos e bioéticos, assim como as questões da dignidade e do embrião humano e

suas particularidades. Posteriormente, são abordadas as técnicas de manipulação da vida

humana, especificamente a técnica conhecida por Diagnóstico Genético Pré-Implantação

(DGPI), e as consequências de sua aplicação para o meio ambiente. O último item trata de um

risco advindo das técnicas de manipulação genética, especialmente do DGPI, que é o risco da

neoeugenia, destacando suas vertentes negativa e positiva, e sua relação com o meio

ambiente.

Palavras-chave: Técnica; Genética; Meio ambiente; Gerações futuras; Bioética; DGPI.

Page 8: Manipulação Da Vida

ABSTRACT

This dissertation aims at identifying the impact of human embryonic genetic manipulation

techniques on the environment. In order to achieve the intended purpose, a reasoning on the

technique is made, since the 'Prometheus Bound' myth to its current application in genetic

medicine, as well as the connection between the human genome and the environment, a fact

reinforced by the concept of 'ecogenetics'. Afterwards, the main theories concerning life and

human life were approached, emphasizing its legal and bioethical issues, and matters of

dignity and human embryo and its peculiarities. Subsequently, techniques for manipulating

human life are addressed, specifically the technique known as Preimplantation Genetic

Diagnosis (PGD), and the consequences of its application to the environment. The last item

deal with a risk arising from genetic manipulation techniques, specially PGD, which is the

risk of neo-eugenics, highlighting its positive and negative aspects, and its relationship with

the environment.

Key-words: Tecnique; Genetics, Environment; Future Generations; Bioethics; PGD.

Page 9: Manipulação Da Vida

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Genoma 1 ............................................................................................................... 30

Figura 2 – Genoma 2 ............................................................................................................... 30

Figura 3 – Genoma 3 ............................................................................................................... 30

Figura 4 – Genoma 4 ............................................................................................................... 31

Figura 5 – Genoma 5 ............................................................................................................... 31

Figura 6 – O início da vida ...................................................................................................... 43

Page 10: Manipulação Da Vida

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a-CGH Hibridização genômica comparativa pela técnica de microarray-a-CGH

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

AGU Advocacia Geral da União

Art. Artigo

CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos

CC/02 Código Civil Brasileiro de 2002

CFM Conselho Federal de Medicina

CR/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Coord. Coordenador

CTNBio Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

DGPI Diagnóstico Genético Pré-Implantação

DNA Ácido desoxirribonucléico

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

EGP Environmental Genome Project (Projeto Genoma Ambiental)

ENCODE Enciclopédia de Elementos de DNA

FISH Fluorescence in situ Hybridization

FIV Fertilização In vitro

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

Org. Organizador

p. Página

PCR Polymerase Chain Reaction (Reação em Cadeia da Polimerase)

PGD Preimplantation Genetic Diagnosis

PGD-24 Hibridização genômica comparativa pela técnica de microarray-a-CGH

PGH Projeto Genoma Humano

Page 11: Manipulação Da Vida

RA Reprodução Assistida

RNA Ácido ribonucléico

TGCG Terapia Gênica em Células Germinativas

TGCS Terapia Gênica em Células Somáticas

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

Page 12: Manipulação Da Vida

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12

2 “O TEMPO QUE ENVELHECE” .............................................................................. 15

2.1 Da Natureza à Técnica: um presente de Prometeu ................................................. 16

2.2 Genoma humano e meio ambiente ............................................................................ 20

2.2.1 Genoma humano ........................................................................................................ 22

2.2.2 O meio ambiente, o antropocentrismo e o biocentrismo ........................................... 25

2.2.3 Genoma humano como matéria ambiental ................................................................ 29

2.3 Ecogenética .................................................................................................................. 32

3 VIDA, PARA ALÉM DO NASCER ............................................................................ 37

3.1 O início da vida humana ............................................................................................ 41

3.2 A vida em termos legais ............................................................................................. 44

3.3 A vida e a bioética ....................................................................................................... 48

3.4 Conceito de dignidade para o direito e para a bioética ........................................... 50

3.5 O embrião humano ..................................................................................................... 53

3.5.1 A inviabilidade embrionária ...................................................................................... 56

3.5.2 Tratamento jurídico conferido ao embrião ............................................................... 58

4 MANIPULAÇÃO GENÉTICA DA VIDA HUMANA ..................................................... 62

4.1 Diagnóstico Genético Pré-Implantação (DGPI) ....................................................... 71

4.1.1 Indicação de aplicação ............................................................................................... 73

4.1.2 Métodos ...................................................................................................................... 75

4.1.2.1PCR ........................................................................................................................... 76

4.1.2.2 FISH ........................................................................................................................ 76

4.1.2.3 Hibridização genômica comparativa pela técnica de microarray-a-CGH ............... 77

4.1.3 Argumentos favoráveis ............................................................................................... 78

4.1.4 Argumentos contrários ............................................................................................... 79

4.1.5 Considerações jurídicas acerca do DGPI ................................................................. 83

Page 13: Manipulação Da Vida

5 DGPI E AS POSSIBILIDADES NEOEUGÊNICAS .................................................. 89

5.1 Neoeugenia negativa ................................................................................................... 93

5.2 Neoeugenia positiva .................................................................................................... 96

5.3 Neoeugenia e meio ambiente ...................................................................................... 98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 101

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 105

Page 14: Manipulação Da Vida

12

1 INTRODUÇÃO

Os avanços técnico-científicos colocaram a humanidade diante de um cenário de

completa novidade. As descobertas da ciência em torno de questões ligadas à genética

humana conferiram à medicina mecanismos suficientes para a realização da manipulação da

vida humana.

O aperfeiçoamento da técnica modificou a visão natural do mundo: a vida deixou de

ser um evento da natureza e passou a ser um evento da ciência. A possibilidade da obtenção

de embriões in vitro abriu novo espaço para a manipulação genética da vida. Hoje a medicina

é capaz de diagnosticar, no embrião fora do útero materno, doenças genéticas que

comprometeriam a saúde e o desenvolvimento da futura criança, possibilitando aos pais a

escolha pela implantação somente daqueles embriões saudáveis. A novidade, a surpresa e as

incertezas que caracterizam uma nova vida naturalmente concebida, abrem espaço, com isso,

para uma pretensa segurança e certeza científicas. O embrião, de fase do desenvolvimento

humano, passa a ser o núcleo de debates éticos, jurídicos e filosóficos.

Entretanto, o aperfeiçoar técnico-científico possibilita diversos questionamentos

acerca da vida humana: Quando ela começa? O que é sua manipulação genética? A ciência

está caminhando para uma neoeugenia?

Acima de tudo, a questão mais inquietante é a relativa às novas técnicas de

manipulação genética embrionária e sua relação com o meio ambiente. Por envolverem

diretamente o DNA humano, que contém moléculas com instruções genéticas que coordenam

o desenvolvimento e o funcionamento de todos os seres vivos, tais técnicas também envolvem

o genoma humano, que é o conjunto de informações genéticas contidas nas moléculas de

DNA de um ser vivo, ou seja, são técnicas que lidam com o material genético humano, com

um componente do meio ambiente. A relação entre as questões genéticas e o meio ambiente é

tão profunda que existem estudos que comprovam que os genes e os fatores ambientais

conseguem interagir entre si de maneira a afetar até mesmo a saúde humana, o que é

demonstrado por meio da ecogenética. É essa relação entre genética humana e meio ambiente

que levanta a questão central do presente estudo, questão que também envolve todos os outros

questionamentos até aqui apresentados: Qual é o impacto da manipulação genética

embrionária humana para o meio ambiente?

Page 15: Manipulação Da Vida

13

É a partir dessas inquietações que a pesquisa se desenvolve. Buscando sempre

enfatizar seu caráter transdisciplinar, a pesquisa tem como base dados secundários, extraídos

principalmente de livros e artigos científicos, além da legislação sobre o tema.

O objetivo geral é identificar o impacto da manipulação genética embrionária

humana para o meio ambiente. De maneira a facilitar a busca por uma resposta ao problema, é

enfatizada uma técnica já com ampla utilização pela medicina conhecida pela sigla DGPI

(Diagnóstico Genético Pré-Implantação) que reforça os principais questionamentos aqui

suscitados. Para tanto, são utilizadas fontes bibliográficas da biologia, medicina, engenharia

genética, biomedicina, bioética e do direito de uma forma geral, a fim de construir um

raciocínio lógico-argumentativo consistente.

O direito, na presente pesquisa, apresenta-se como instrumento mediador dessa nova

situação difundida pela evolução técnico-científica, que colocou, de um lado, a necessidade

do aperfeiçoamento genético e a perspectiva de melhora da saúde e qualidade de vida

humanas, e de outro, a necessidade de conservação do meio ambiente ecologicamente

equilibrado para as presentes e futuras gerações. Para exercer esse papel de mediador, o

direito ampara-se sempre na bioética, pois se entende que os argumentos éticos, jurídicos e

morais não podem ser separados, principalmente em questões envolvendo a vida humana.

Dessa maneira, num primeiro momento é apresentada a ideia do “tempo que

envelhece”, ideia atribuída ao autor italiano Umberto Galimberti. Para a compreensão da

passagem do tempo da natureza para o tempo atual, da técnica (tempo que envelhece), é

apresentada a questão do mito “Prometeu Acorrentado”, de maneira a demonstrar a evolução

da técnica desde a antiguidade até a contemporaneidade, enfatizando a técnica médica e sua

atual aplicação na genética. Num segundo momento, mas ainda no mesmo capítulo, é

demonstrada a relação direta entre o genoma humano e o meio ambiente, passando pelos

conceitos de antropocentrismo e biocentrismo, até se alcançar a conclusão de que o genoma

humano é matéria ambiental. De forma a reforçar os argumentos apresentados, é exposto o

conceito de “ecogenética” e sua importância para a construção, juntamente com os demais

tópicos do capítulo, da base para a discussão proposta pela pesquisa.

O capítulo seguinte, ainda com o intuito de fornecer o material necessário à

discussão, apresenta as principais polêmicas acerca da vida (de maneira ampla) e da vida

humana. Assim, são apontadas as teorias predominantes sobre o início da vida, bem como a

maneira pela qual a vida é vista sob a ótica do direito e da bioética. Posteriormente, é

discutida a questão da dignidade, tanto para o direito quanto para a bioética, culminando no

tema do embrião humano. Com relação ao embrião humano, são apresentados e

Page 16: Manipulação Da Vida

14

problematizados os tópicos da inviolabilidade embrionária e do tratamento jurídico conferido

ao embrião.

O capítulo central da pesquisa trata do tema “manipulação genética da vida humana”,

apontando como a medicina contemporânea evoluiu de forma a tornar a vida humana

totalmente manipulável em termos genéticos. O capítulo apresenta técnicas ligadas à

engenharia genética – terapia e manipulação genéticas – e sua importância para a discussão

em questão. Posteriormente, com o intuito de facilitar a identificação do impacto da

manipulação genética embrionária humana para o meio ambiente, é destacada a técnica do

diagnóstico genético pré-implantação (DGPI), sua indicação de aplicação, principais métodos,

argumentos favoráveis e contrários, bem como as considerações jurídicas acerca do seu uso.

O tópico também indica caminhos para a identificação do impacto da utilização da técnica

para o meio ambiente. O capítulo tem por base os argumentos apresentados por Habermas no

livro “O futuro da natureza humana”.

Por fim, o último capítulo busca apresentar uma das maiores preocupações quando

do uso das técnicas de manipulação genética, que é o risco da eugenia, que na atualidade

ganha o nome de neoeugenia. Dessa forma, é realizado um pequeno resumo histórico sobre o

tema, posteriormente são expostos os conceitos de neoeugenia negativa e positiva e, ao final,

é estabelecida a relação entre neoeugenia e meio ambiente. O capítulo também tem por base

os argumentos de Habermas, no livro supracitado.

A intenção inicial da pesquisa é demonstrar a importância da discussão das questões

envolvendo a manipulação genética embrionária humana no âmbito ambiental, na medida em

que as técnicas aí utilizadas possuem mecanismos suficientes para causar impacto no meio

ambiente.

Page 17: Manipulação Da Vida

15

2 “O TEMPO QUE ENVELHECE”

O primeiro tempo que se deve considerar é o tempo da natureza, da necessidade. Um

tempo cíclico, regular, em que o futuro não é algo novo, inesperado, pelo contrário, é apenas

uma repetição do passado, que se confirma pelo presente. Um tempo que não abre espaço para

a novidade, um tempo que sempre retorna. No tempo da natureza não há que se falar em um

futuro que pode ser inventado, não há que se falar em um novo projeto a ser percorrido. As

coisas acontecem infinitamente, como um ciclo: a ideia de finalidade é o próprio fim.

A morte é o fim do ciclo da natureza, com ela ao mesmo tempo em que se destrói

algo que existe, se abre espaço para a existência de algo novo. A morte administra o ciclo e

garante o seu eterno retorno. No tempo da natureza, homens e animais ocupam o mesmo

plano. Não se fala em superioridade, pois não se tem a noção de diferença.

Mas a ousadia de um titã, chamado Prometeu, tirou a humanidade desse tempo

cíclico e apresentou-a ao “tempo que envelhece”, que confirma a sua condição mortal: o

tempo da técnica.

A técnica, para a mitologia, era exclusiva dos deuses que, vez ou outra, a ofereciam

como dom aos indivíduos. A atitude de Prometeu, assim, viria a abalar profundamente a

relação entre deuses e mortais e inaugurar um novo tempo que revela aos homens algo

desconhecido para a divindade, que é o cenário das diferenças, da razão.

No tempo da técnica tudo se volta para o futuro, para as projeções; é um tempo

projetual. O homem no tempo da técnica ganha conhecimento, independência, e passa a

conferir um novo significado à vida, deixando para trás a simplicidade da natureza e abrindo

espaço para a engenhosidade técnica. No tempo projetual “o homem sai da natureza, onde

habita junto com o animal, para inaugurar o mundo, que é o modo dos seus projetos; nele está

a sua identidade e o espaço da sua imaginação”. (GALIMBERTI, 2006, p. 58).

A relação homem-natureza passa a ser mediada pela técnica. A técnica adquire para a

natureza um duplo aspecto, tornando-se sua ameaça e sua salvaguarda.

Apesar de ser um tempo que reafirma a condição mortal da humanidade, no tempo

que envelhece, a vida não pode ser vista apenas com o olhar da finitude, há que se preocupar

com o legado das gerações posteriores. Questões éticas, de direito e de responsabilidade serão

sempre recorrentes no tempo que envelhece.

Page 18: Manipulação Da Vida

16

2.1 Da natureza à técnica: um presente de Prometeu

Ésquilo1 em sua obra “Prometeu Acorrentado” nos fornece a base para a construção

do pensamento em torno da ideia moderna de técnica.

Reza o mito (ÉSQUILO, 1969, p. 25-65) que numa disputa pelo governo supremo do

universo entre Júpiter e Saturno, o titã Prometeu (o previdente, aquele que prevê) adotou o

partido de Júpiter e o apoiou. Júpiter, graças aos conselhos do titã, conseguiu o que almejava e

tornou-se o deus supremo do universo. Ao assumir o governo, Júpiter passou a distribuir

honrarias e recompensas, de maneira a fortificar o seu império. Todavia, para os mortais, não

lhes ofereceu nenhum dom, pelo contrário, intencionou conservá-los em uma condição

inferior, próxima a animalidade, ou destruí-los, colocando em seu lugar uma nova raça, fruto

de sua criação.

Prometeu, sabendo do destino da humanidade, impediu que o raio de Júpiter a

destruísse e conferiu-lhe um presente valioso: o fogo celeste. Ao entregar uma faísca do fogo

celeste aos mortais, Prometeu concedeu-lhes a razão, a faculdade de cultivar a inteligência, as

ciências e as artes, além de lhes ter conferido a esperança no futuro. O fogo celeste atribuiu ao

homem a técnica.

A ousadia do titã, todavia, lhe causou muito sofrimento. Como forma de punição,

Júpiter ordenou que Prometeu fosse acorrentado a um rochedo numa região inabitada,

chamada Cítia (Cáucaso), devendo ali permanecer eternamente, salvo se lhe fossem revelados

os segredos envolvendo o seu futuro, de maneira a evitar sua queda. Prometeu, já sabendo do

seu destino, se recusa a revelar o futuro de Júpiter e é por este novamente castigado:

1“Ésquilo (em grego: Αἰσχύλος, transl. Aiskhýlos; Elêusis, c. 525/524 a.C. - Gela, 456/455 a.C.). “Sabe-se muito

pouco acerca da vida do pai da tragédia. Ésquilo nasceu em Elêusis, na Ática (Grécia), em 525 a.C., e morreu em

Gela, na Sicília (Itália), em 456 a.C., mas informações sobre a sua formação escolar, seu estado civil e sua

personalidade são desconhecidas. Pertencia à nobreza ateniense e participou de campanhas contra os persas,

como a Batalha de Maratona (490 a.C.). Ao longo de sua vida, produziu, acredita-se, cerca de 80 peças, sendo

que começou a ter notoriedade como tragedista por volta do ano 499 a.C. Em 484 a.C., venceu o seu primeiro

concurso dionisíaco – ocasião para a qual dramaturgos preparavam encenações com fundos do erário público,

em culto ao deus Dioniso. Posteriormente, Ésquilo obteve o primeiro lugar de melhor peça inúmeras outras

vezes. Revolucionou o teatro antigo acrescentando um segundo personagem às encenações dionisíacas – ou seja,

criando o diálogo –, o que deu à arte dramática a dinamicidade dialética e a interação de atores que perduram até

hoje. Sua obra é caracterizada pela simplicidade e beleza do estilo, através do qual reflete sobre a angústia e o

sofrimento do ser humano. Considera-se que Ésquilo inventou a tragédia antiga e que, junto com Sófocles

(nascido em 496 a.C.) e Eurípides (nascido em 480 a.C.), forma a trindade trágica”. (L&PM Editores. Disponível

em:

<http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805134&SecaoID=948848&SubsecaoID=0&Template=../li

vros/layout_autor.asp&AutorID=617308> Acesso em: 10 dez. 2013).

Page 19: Manipulação Da Vida

17

Júpiter, por meio de raios, espedaçará este rochedo escarpado; teu corpo

permanecerá esmagado sobre os fragmentos da montanha. Ao cabo de longo tempo,

reaparecerás um dia... Então, um abutre insaciável, - o cão alado de Júpiter – virá

arrancar de teu corpo enormes pedaços e – comensal não desejado – voltará todos os

dias para se nutrir de teu fígado negro e sangrento. (ÉSQUILO, 1969, p. 64).

A grande questão por trás do mito reside exatamente na técnica. Quando o homem

vence o tempo cíclico da natureza e alcança o tempo projetual, da técnica, ele inaugura uma

fase em que seu agir é condicionado a um objetivo, uma fase em que as ações não são mais

mecânicas, mas racionais.

Os primeiros avanços técnicos habitavam o plano da sobrevivência diária, da

maneira pela qual o homem deveria agir para sobreviver e conseguir as coisas básicas do dia a

dia: comida, fogo, água, convívio social. Nesse sentido:

É possível dizer que a técnica é a essência do homem, não só porque, em razão da

sua insuficiente dotação instintiva, o homem sem a técnica não teria sobrevivido,

mas também porque, explorando essa plasticidade de adaptação que deriva da

generalidade e não-rigidez dos seus instintos, pôde alcançar ‘culturalmente’, por

meio de procedimentos técnicos de seleção e estabilização, aquela seletividade e

estabilidade que o animal possui ‘por natureza’. (GALIMBERTI, 2006, p. 9).

Com o passar do tempo e o aperfeiçoar da técnica, questões que antes habitavam o

plano do inconcebível começaram a fazer parte das aspirações humanas, retirando a crença do

homem nos deuses e alterando a sua maneira de se colocar perante o mundo.

Essa mudança de paradigma também modificou a visão com relação à técnica, que

de meio para a consecução de qualquer fim se transforma em fim supremo, “para o qual

convergem as infinitas séries de fins, que se dobram a esse meio, porque desse meio depende

a sua realização”. (GALIMBERTI, 2006, p. 266).

É possível afirmar, nesse sentido, que o paradigma cultural da modernidade causou

um crescente conhecimento e domínio da natureza por meio da ciência e da técnica. “Esta

dinâmica interventiva e controladora dos processos naturais foi se acentuando até chegar aos

recônditos da matéria (átomo) e da vida (molécula)”. (JUNGES, 1995, p. 147).

Ao entregar aos mortais o fogo celeste, Prometeu não lhes doou apenas os recursos

técnicos, mas também as correntes que os aprisionariam na ilusão da liberdade: ilusão porque

desse momento em diante, o homem não seria mais capaz de se desvencilhar do aparato

técnico; pela técnica disporia de uma razão instrumental, capaz de adequar meios a fins, mas

não da capacidade de escolher esses fins. A escolha dos fins é algo além da técnica, ligado à

sabedoria.

Page 20: Manipulação Da Vida

18

Diz-se que a escolha dos fins está ligada à sabedoria porque a técnica

contemporânea2 é incrementada quantitativamente, o que aumenta o cenário de possibilidades

e faz com que ela se torne a razão de determinado fim, ou seja, a técnica se torna criadora de

fins. A sabedoria, assim, é necessária ao homem que, dentre todas as possibilidades que a

técnica lhe oferece como fim, deve escolher aquela que lhe seja mais adequada.

Essa transferência de atenção do fim para o meio foi crucial para a evolução da

humanidade. Antes os meios ficavam restritos aos fins a que eram empregados, o que limitava

qualquer possibilidade que não aquela já predeterminada. Com a mudança de foco, a técnica

abre uma infinidade de alternativas ao homem e lhe oferece, como seu próprio resultado, fins

diferentes daqueles pensados a priori.

A ideia atual de técnica está muito ligada à noção de produção. Mas esse pensamento

não é algo novo, ou exclusivo do saber técnico; a natureza também possui um caráter

produtivo, mas o seu produto é resultado do seu próprio desenvolvimento. Já o produto da

técnica é o resultado da aplicação do seu desenvolvimento no outro. Assim a semente,

produto da natureza, gera a árvore – resultado do seu próprio desenvolvimento. Mas a árvore,

por si só, não será capaz de produzir, por exemplo, uma cadeira. Essa produção somente será

possível mediante o uso da técnica que, logo, é um resultado da aplicação do desenvolvimento

no outro. (GALIMBERTI, 2006, p. 384).

Ultrapassando a questão da mudança de paradigma da técnica, da sua

instrumentalidade inicial e da produção, outro fato que merece destaque é a maneira como o

homem, a natureza e a técnica se compreendem em relação a si mesmos e ao mundo.

Nesse sentido, é importante frisar que desde o tempo cíclico até o tempo projetual as

questões ligadas à natureza sempre se repetiram; o que mudou foi como ela passou a ser

interpretada. Assim, num primeiro momento, a natureza foi vista como ordem suprema, que a

tudo e a todos comandava; o homem era guiado pela natureza e a técnica não era utilizada.

Num segundo momento a natureza passou a ser compreendida como algo à disposição do

homem: o homem com certo poder sobre a natureza e a técnica como meio, num contexto

instrumental e antropológico. Já hoje, a natureza é vista como uma “reserva de recursos” para

o homem, que passou a compreender a si próprio pelo olhar da técnica.

Essa mudança de modo de compreensão força a retirada das visões instrumental e

antropológica, muito presentes até então, para a adoção da visão da técnica, de maneira a “co-

2 A técnica antiga, diferentemente, era destinada a um fim predeterminado.

Page 21: Manipulação Da Vida

19

responder ao modo como o mundo se manifesta quando é disposto pela técnica”.

(GALIMBERTI, 2006, p. 393).

É esse olhar da técnica que o direito precisa utilizar para entender e acompanhar as

revoluções conquistadas pela ciência no tocante à manipulação genética da vida. Somente a

partir do momento em que o direito “se vestir” do aparato técnico, é que ele encontrará os

mecanismos necessários para a compreensão do cenário que se impõe.

Nesse sentido, o direito deverá atuar como uma espécie de “mediador” entre os

avanços da técnica e os riscos que tais avanços podem trazer ao meio ambiente, de maneira a

impedir a ocorrência de consequências e impactos negativos e irreversíveis. Para tanto, deve

fundamentar suas normas imparcialmente, não deixando de considerar, contudo, o aspecto da

justificação moral, necessário ao direito moderno. Esse viés da moral é fundamental para que

haja uma correspondência entre os valores do indivíduo (valores internalizados, da moral) e

os valores normativos (valores externalizados), de forma a facilitar o cumprimento da norma e

o consequente papel do direito. Ou, nas palavras de Habermas, “os destinatários da norma

somente estarão motivados suficientemente para a obediência, quando tiverem internalizado

os valores incorporados nas normas”. (2012, p. 95). Dessa forma, direito, moral e ética serão

ferramentas necessárias para a compreensão do problema aqui apresentado.

Na contemporaneidade, dessa maneira, o aparato técnico proporciona ao homem uma

infinidade de possibilidades que modificam a cada dia sua visão sobre a vida. A vida deixa de

ser algo com início, meio e fim determinados pela ordem da natureza. Hoje, cada vez mais, a

técnica toma o lugar do natural e a noção de vida ganha novos significados.

Com os avanços na decodificação do genoma humano, o atributo da racionalidade

passou a ser utilizado para decifrar a constituição dos seres vivos e para encontrar respostas a

questões importantes ligadas à sobrevivência das espécies e, assim como no tempo da

natureza, homens e animais em muitos momentos passaram a ser analisados sob a mesma

ótica, a ótica do genoma humano, a ótica do código genético.

Page 22: Manipulação Da Vida

20

2.2 Genoma humano e meio ambiente

Ao entregar uma faísca do fogo celeste aos mortais, Prometeu realiza a seguinte

afirmação:

Antes de mim, eles viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam. Tais

como os fantasmas que vemos em sonhos, viviam eles, séculos a fio, confundindo

tudo. Não sabendo utilizar tijolos, nem madeira, habitavam como as próvidas

formigas, cavernas escuras cavadas na terra. Não distinguiam a estação invernosa da

época das flores, das frutas e da ceifa. Sem raciocinar, agiam ao acaso, até o

momento em que eu lhes chamei a atenção para o nascimento e o ocaso dos astros.

Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números; formei o sistema do alfabeto e

fixei a memória, mãe das ciências, a alma da vida [...]. (ÉSQUILO, 1969, p. 45).

A partir do momento em que o homem recebe a técnica, um novo tempo se inicia, e

novos caminhos são trilhados rumo às revoluções técnico-científicas.

O primeiro evento que merece destaque está ligado à técnica médica. Na antiguidade

a doença tinha uma origem divina e a morte era inevitável. Mas Hipócrates3, ao constatar que

a morte advinda da ignorância era evitável, emancipa a técnica médica do sagrado e inaugura

uma nova era para a medicina.

Hipócrates abandona as hipóteses filosóficas e adota um procedimento cuja base se

encontra no saber técnico, nos indícios e nas provas, de maneira a conseguir aparato suficiente

para construir a experiência e, posteriormente, poder transformá-la.

3“Hipócrates (em grego antigo: Ἱπποκράτης, transl. ; * 460 a.C. em Cós; † 370 a.C. em Tessália).

“Hipócrates foi um médico grego. Foi considerado o pai da Medicina, o mais célebre médico da Antiguidade e o

iniciador da observação clínica.

Hipócrates nasceu na Ilha de Cós, na costa da Ásia Menor. Era filho de Heráclides e Fenareta, descendentes de

Asclépio, deus grego da medicina, por pate de pai, e de Hércules por parte de mãe. Dizia-se que foi membro de

uma sociedade secreta denominada Asclepíades, dos filhos de Asclépio, que reunia os sábios e estudiosos.

Viajou a estudo por várias cidades gregas, onde aprende Retórica e Filosofia. Estudou a constituição física das

populações e as doenças mais frequentes. Segundo a lenda, hipócrates teria chegado até Cnido, onde havia uma

escola de medicina. Teria recusado um convite de Artaxerxes I para socorrer o exército persa, vitimado por uma

epidemia, alegando não socorrer inimigos de sua pátria. De volta à cidade natal, passa a ensinar e praticar

Medicina na escola do Templo de Esculápio.

Por volta de 300 a.C. começaram a surgir textos médicos, que ficaram conhecidos como Coleção Hipocrática.

São 53 tratados com os ensinamentos provavelmente pertencentes a Hipócrates. A coleção é uma das primeiras

obras que tratam da medicina como ciência natural e experimental. Tratam de epidemias, articulações e fraturas.

Seu trabalho marca o fim da Medicina como manifestação mágica e divina e inaugura a ciência baseada na

observação clínica. Considera que as doenças resultam do desequilíbrio entre o que chama de humores: o

sangue, a fleuma (estado de espírito), a bílis (amarela) e a atrabile (bílis negra). Para ele, todo corpo traz em si os

elementos para a sua recuperação. Mas o conhecimento do corpo só é possível a partir do conhecimento do

homem como um todo. [...]A data de sua morte é incerta, alguns biógrafos afirmam que ele viveu 83 anos, outros

dizem que ele viveu 110 anos. Hipócrates foi sepultado em Larissa, na Tessália, e seu túmulo foi venerado pelo

povo durante muitos séculos”. (E-biografias. Disponível em: <http://www.e-biografias.net/hipocrates/> Acesso

em: 10 dez. 2013).

Page 23: Manipulação Da Vida

21

A partir dessa desvinculação do divino, as transformações técnico-científicas

envolvendo principalmente o campo da medicina e da engenharia genética só avançaram, e

nos últimos anos adquiriram proporções antes inimagináveis. A vida passou a ser,

literalmente, manipulável.

É possível dizer, nas palavras do médico francês Jean Bernard, que “a medicina

mudou mais nos últimos 50 anos que nos 50 séculos precedentes”. (apud PESSINI;

BARCHIFONTAINE, 2012, p.219). E isso se deu devido a duas importantes revoluções – a

terapêutica e a biológica.

A primeira revolução, terapêutica, é aquela caracterizada pelo aperfeiçoamento de

medicamentos, cujo início ocorreu em 1937 com o surgimento das sulfonamidas4. Ela

conferiu ao ser humano a capacidade de vencer doenças que por muito tempo foram

consideradas fatais, como a sífilis e a tuberculose. A revolução terapêutica trouxe três

importantes consequências: a) felicidade, diretamente ligada à cura de numerosas doenças

antes consideradas fatais; b) desordem, pois com o sucesso dos tratamentos houve uma

prescrição abusiva dos medicamentos e; c) necessidade de estudos rigorosos de cada novo

medicamento, analisando seus prós e contras. (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2012, p. 219-

220).

A segunda revolução, biológica, mais recente, é uma:

[...] consequência do aperfeiçoamento das técnicas de diagnóstico e de engenharia

genética, bem como de concepção assistida. Inspira o conceito de patologia

molecular que governa hoje em dia toda a medicina. Foi ilustrada pela descoberta do

código genético, das leis simples que presidem a formação da vida.

A revolução biológica começa a dar ao ser humano domínio sobre três áreas:

reprodução, hereditariedade e sistema nervoso. Interfere no ser humano no mais

profundo de si próprio, mas não se refere apenas aos doentes, dizendo respeito a

toda a sociedade. (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2012, p. 220).

Percebe-se, com isso, que o domínio sobre as três áreas acima mencionadas

proporcionou ao homem recursos suficientes para realizar manipulações que, de tão

profundas, são capazes de alterar a percepção acerca da própria vida, trazendo impactos

significativos para o meio ambiente.

Dentre os vários exemplos de aplicação da técnica no campo da genética humana,

serão destacadas algumas formas de manipulação genética embrionária, em especial o método

conhecido por Diagnóstico Genético Pré-Implantação (DGPI), método que facilita a

4 Sulfonamidas ajudaram no tratamento de septicemias, infecções por Staphilococos e Streptococos beta

hemolíticos (pneumonias, gangrenas).

Page 24: Manipulação Da Vida

22

identificação dos impactos causados pela manipulação genética no meio ambiente. Todavia,

antes de se analisar a técnica do DGPI, necessária se faz a compreensão do que venha a ser o

genoma humano e como ele está inserido na natureza.

2.2.1 Genoma Humano

O primeiro passo para a compreensão do genoma é a definição do que venha a ser

DNA, importante substância de onde partem “todos os comandos que regulam a natureza e o

número de praticamente todas as moléculas celulares”, cujo papel essencial na genética foi

estabelecido somente em meados do século XX. (WATSON et al, 2009, p. 4).

O ácido desoxirribonucleico (DNA) é um composto orgânico cujas moléculas

contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e o funcionamento de

todos os seres vivos. É no DNA que são armazenadas e transmitidas para seus descendentes

as informações genéticas de um organismo. É formado por uma fita dupla composta de quatro

letras, as bases nitrogenadas A, T, C e G (adenina, timina, citosina e guanina). O formato de

“escada torcida” da molécula de DNA permite a formação de dois tipos de pares, A-T e C-G.

Das diferentes combinações desses pares decorre a variabilidade dos seres vivos. Patrícia Del

Nero (2013, p. 19) afirma que a formação dos pares de bases nitrogenadas dá origem a uma

“dança química”, a combinação de letras dá margem a inúmeras características genéticas que,

uma vez conhecidas, podem demonstrar a origem, a prevenção e a cura de diversas doenças

ou deformidades gênicas.

A informação genética está contida nos genes. O termo “gene” foi criado pelo

geneticista dinamarquês Wilhelm L. Johannsen em 1909 para designar, pelo conceito

molecular clássico, o segmento de DNA que codifica um produto funcional, que pode ser

tanto um polipeptídio quanto uma molécula de RNA (ácido ribonucleico). A sequência não

codificadora do DNA possui ou importância estrutural ou está envolvida no uso da

informação genética. Os genes localizam-se nos cromossomos e controlam, além da estrutura

e das funções metabólicas das células, o organismo como um todo. Conforme definição do

glossário do site oficial do Projeto Genoma Humano (PGH), “gene é a unidade física e

funcional fundamental da hereditariedade. Um gene é uma sequência ordenada de

Page 25: Manipulação Da Vida

23

nucleotídeos localizada numa posição particular de um determinado cromossomo que codifica

um produto funcional específico (p.ex.: uma proteína ou molécula de RNA)”5.

Quando localizados em células reprodutivas, eles transmitem sua informação para a

próxima geração. A soma total dos genes dá origem ao genoma. Todavia, uma série de

descobertas das últimas décadas trouxe novos desafios importantes, que demonstraram que o

conceito molecular clássico é insuficiente para explicar a complexidade da estrutura e

dinâmica dos genomas. Nesse sentido, uma definição mais atual de gene foi apresentada pelos

cientistas do Projeto ENCODE (Enciclopédia de Elementos de DNA), projeto apresentado

mais adiante, para quem o gene seria “a união de sequências genômicas que codificam um

conjunto coerente de produtos funcionais potencialmente sobrepostos”. (JOAQUIM; EL-

HANI, 2010, p. 23). Entretanto, por ainda ser a definição mais comum, o conceito molecular

clássico de gene será o utilizado ao longo do trabalho.

Já o genoma, de maneira geral, é o conjunto de informações genéticas contidas nas

moléculas de DNA de um ser vivo, que se localizam no núcleo de cada célula. O glossário

oficial do PGH define genoma como “todo material genético em um cromossomo de um

determinado organismo; seu tamanho geralmente é dado conforme seu número total de pares

de bases6”. Chama-se genótipo a informação genética transmitida hereditariamente, e fenótipo

a interação dos genótipos entre si ou com o ambiente, ou seja, a maneira como o material

genético herdado se desenvolve. Dito de outra forma, o genoma seria a completa sequência de

“DNA, contendo toda a informação genética de um gameta, de uma pessoa, de uma população

ou de uma espécie”. (NUSSBAUM et al, 2002, p. 354).

O genoma humano pode ser definido como o conjunto de informações genéticas

contidas no núcleo de cada célula humana diploide, ou seja, é a sequência dos 23 pares de

cromossomos do núcleo de cada célula, sendo que desses 23 pares, 22 são cromossomos

autossômicos ou somáticos (não ligados ao sexo) e um par é o determinante do sexo (XX nas

mulheres ou XY nos homens). Em outras palavras, o genoma humano seria o código genético

do homem. Importa ressaltar que o genoma humano é um dos conceitos essenciais para a

solução do problema central do presente estudo.

Com a idealização do Projeto Genoma Humano – PGH – a questão do genoma

tornou-se destaque no cenário internacional. O PGH, que teve início oficial em 1990, tinha

5 Tradução livre do original: “gene is the fundamental physical and functional unit of heredity. A gene is an

ordered sequence of nucleotides located in a particular position on a particular chromosome that encodes a

specific functional product (i.e., a protein or RNA molecule)”. 6 Tradução livre do original: “all the genetic material in the chromosomes of a particular organism; its size is

generally given as its total number of base pairs”.

Page 26: Manipulação Da Vida

24

como objetivo principal mapear e analisar todos os genes contidos no DNA humano, o que

seria realizado, numa previsão inicial, em quinze anos. Para Mayana Zatz, o objetivo principal

do PGH era identificar os genes responsáveis por nossas características normais e patológicas,

sendo que seus resultados, em longo prazo, seriam (e serão) capazes de revolucionar a

medicina, principalmente na área da prevenção. Para Zatz, por meio do PGH

será possível analisar milhares de genes ao mesmo tempo e as pessoas poderão saber

se têm predisposição aumentada para certas doenças, como diabete, câncer,

hipertensão ou doença de Alzheimer, e tratar-se antes do aparecimento dos sintomas.

As vacinas de DNA poderão eliminar doenças como a tuberculose ou a Aids. Os

remédios serão receitados de acordo com o perfil genético de cada um, evitando-se

assim os efeitos colaterais. Paralelamente a esses avanços, inúmeras questões éticas

já estão sendo discutidas e outras irão surgir. Mas, por enquanto, as implicações

éticas, legais e sociais dos conhecimentos gerados pelo PGH em relação às

características normais e patológicas e sua integração na clínica médica têm sido

discutidas no ambiente acadêmico. Na prática, entretanto, já estão sendo

desenvolvidos testes genéticos para a escolha do sexo de futuros bebês e bancos de

DNA da população. Um número crescente de laboratórios oferece testes de DNA

para doenças hereditárias ou para determinar se uma pessoa tem maior risco de

desenvolver certas doenças como câncer ou doenças cardíacas. (ZATZ, 2000).

Para alcançar tais objetivos, o PGH pressupunha a geração de informação e o seu

armazenamento em bancos de dados, que ficariam disponíveis para todos os pesquisadores

envolvidos.

Em fevereiro de 2001, quatro anos antes do previsto, a primeira versão completa do

genoma humano foi publicada nas revistas Nature e Science. Todavia, o anúncio do término

oficial do projeto somente foi dado em abril de 2003, treze anos após o seu início,

inaugurando uma nova fase para a genética e para a biotecnologia. (SCAPIN, 2013, p. 03).

Após a conclusão do PGH teve início em 2003 o Projeto ENCODE – Enciclopédia

de Elementos Codificadores (Encyclopedia of Coding Elements), ou Enciclopédia de

Elementos de DNA, um projeto internacional liderado por uma organização americana

chamada Instituto Nacional de Investigação do Genoma Humano. A iniciativa se deu visto

que o PGH concluiu que apenas 2% (de um total de 21 mil) do nosso DNA são genes que

codificam proteínas. Assim, o objetivo do ENCODE era a identificação da função dos 98% do

DNA que constitui o genoma humano.

Em termos de definição internacional, a Declaração Universal sobre o Genoma

Humano e os Direitos Humanos, da UNESCO, afirma em seu art. 1º que o genoma humano

“constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como

de sua inerente dignidade e diversidade. Num sentido simbólico, é o patrimônio da

humanidade”. Afirma, também, que o genoma humano está sujeito a mutações e que a

Page 27: Manipulação Da Vida

25

maneira pela qual seu potencial se expressa varia conforme o ambiente natural e social de

cada indivíduo. (UNESCO, 1997).

O objetivo primordial da Declaração é o estabelecimento de limitação internacional

às ações relativas ao genoma humano, bem como orientação na formulação das legislações

nacionais, girando, dessa maneira, em torno da proteção da dignidade humana.

(MEIRELLES, 2013, p. 100).

Assim, ao reconhecer que o genoma humano constitui a base da unidade fundamental

de todos os membros da família humana (BRAUNER; LIEDKE, 2009), a Declaração

reconhece a existência de uma identidade biológica concebida a partir do genoma. Apesar de

a própria Declaração afirmar que a compreensão da dimensão biológica do homem deve

ocorrer dentro do contexto social em que ele vive, não há que se negar que, ao menos em

termos genômicos, todo ser vivo se encontra em posição de igualdade.

O conceito de identidade, embora para muitos autores aparentemente não apresente

definição satisfatória, seria “aquilo que socialmente confere o sentido de pertencimento a

determinado grupo social, que possui algo de partilha comum, que diz respeito a todos”.

(BORGES, 2008, p. 18). Já a identidade biológica seria uma nova identidade, que cria a

cultura da espécie humana como componente da natureza. (BORGES, 2008, p. 18). Portanto,

quando a Declaração reconhece a existência dessa identidade biológica, reconhece, também, o

genoma humano como componente da natureza.

Entretanto, ainda resta saber qual o tratamento constitucional conferido ao genoma

humano e como o genoma está inserido na natureza. Para tanto, necessário se faz

compreender o conceito de natureza e como a sua interpretação evoluiu ao longo do tempo,

passando do aspecto antropocêntrico até alcançar o biocêntrico.

2.2.2 O meio ambiente, o antropocentrismo e o biocentrismo

Em matéria constitucional, a Constituição da República de 1988 (CR/88) não trata

especificamente da questão do genoma. Todavia, o inciso II do parágrafo 1º do art. 225, no

capítulo dedicado ao meio ambiente, faz menção às entidades dedicadas à pesquisa e

manipulação do material genético:

Page 28: Manipulação Da Vida

26

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações.

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e

fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

(BRASIL, 1988).

Paulo Affonso Leme Machado define patrimônio genético como o conjunto de

material genético, abrangendo todo o material de origem animal, vegetal, microbiana ou

“outra que contenha unidades funcionais de hereditariedade, com valor real ou potencial, que

possa ser importante para as gerações presentes e futuras”. (MACHADO, 2010, p. 142).

A partir dessa definição, é possível afirmar que a expressão “material genético”

contida no inciso II não pode ser interpretada de maneira restritiva. Sua interpretação deve ser

ampla, de maneira a abranger todas as categorias de seres vivos, inclusive o ser humano.

Dessa forma, ao inserir a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e

manipulação do material genético dentre as obrigações do Poder Público no tocante à

manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a CR/88 reconheceu o material

genético como parte do meio ambiente. Com isso, pode-se afirmar que o genoma e,

consequentemente, o genoma humano, também estão inseridos no conceito constitucional de

meio ambiente.

O meio ambiente, nos dizeres de Milaré, é “constituído por seres bióticos e abióticos

e suas relações e interações. Não é mero espaço circunscrito – é realidade complexa e

marcada por múltiplas variáveis”. (MILARÉ, 2001, p. 143).

A expressão, comumente apresentada como sinônima de “ecologia”, com ela não se

confunde. O termo ecologia foi cunhado pelo biólogo e médico alemão Ernst Heinrich

Haeckel no ano de 1866, tendo como propósito original o “estudo da casa”, do entorno, do

meio (ecologia deriva dos radicais gregos oikos – casa, e logia/logos – estudo). Assim,

ecologia é a ciência que cuida do estudo das relações dos seres vivos entre si e com o seu

meio físico (aqui entendido como o cenário natural em que tais seres se desenvolvem, ou seja,

os elementos abióticos, a exemplo do solo, dos recursos hídricos, do ar e etc.). (MILARÉ,

2001, p. 138). Já meio ambiente, como apresentado, possui conotação mais ampla.

Em termos jurídicos, a definição de meio ambiente vai além daquela tecnicamente

exposta. Para o direito, meio ambiente abrange os aspectos natural, artificial, cultural e do

trabalho. Tal divisão, nos dizeres de Fiorillo, busca apenas “facilitar a identificação da

Page 29: Manipulação Da Vida

27

atividade degradante e do bem imediatamente agredido” (2011, p. 73), na medida em que o

objeto maior do direito é a tutela da vida saudável.

Para Milaré (2011, p. 143) o conceito jurídico de meio ambiente contempla duas

perspectivas principais: uma estrita, que diz respeito ao patrimônio natural e as relações com e

entre os seres vivos, e uma visão ampla que

vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente

abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais

correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do tema: de um lado, com o meio

ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia,

pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (ou humano),

formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem,

enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. (MILARÉ,

2011, p. 143).

O conceito legal de meio ambiente foi concebido pela Lei nº 6.938/1981 (que dispõe

sobre a Política Nacional do Meio Ambiente) em seu art. 3º, inciso I, como sendo “o conjunto

de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,

abriga e rege a vida em todas as suas formas”. (Grifos nossos). Já a CR/88 trata da

temática no art. 225, supracitado.

Em matéria legal, tanto a Lei nº 6.938/81 quanto a CR/88 colocam o meio ambiente

como responsável pela conservação de todas as formas de vida, aí incluindo a vida humana

nos seus diversos estágios. Todavia, os dois textos legais revelam um viés antropocêntrico, na

medida em que submetem a natureza aos anseios e interesses da espécie humana.

Essa visão antropocêntrica, e em certo sentido ultrapassada, dos textos legais reflete

o momento em que tais textos foram redigidos, na medida em que, do ponto de vista histórico,

o homem desenvolveu por muito tempo uma visão de domínio sobre a natureza, colocando-se

sempre em posição superior. A visão antropocêntrica defende a responsabilidade do ser

humano para com a natureza, isto é, o homem é responsável pela natureza, é a ela superior.

Para o antropocentrismo, o ponto de referência é sempre o ser humano, autônomo e isolado,

não existindo uma compreensão a partir de sua inter-relação com o meio.

Todavia, essa visão de domínio do homem sobre a natureza tem perdido espaço para

uma nova postura, chamada biocêntrica ou ecocêntrica, em que o homem possui deveres

diante da natureza. Por meio da visão biocêntrica, o homem passa a se enxergar como parte da

natureza, preocupando-se mais com suas atitudes e possíveis consequências para o ambiente e

para as gerações futuras. A natureza possui valor intrínseco e o homem, deveres diretos para

com o meio ambiente. O planeta é agora a morada do homem.

Page 30: Manipulação Da Vida

28

A partir do momento em que o homem se vê como parte da natureza, todo e qualquer

tipo de intervenção, principalmente aquelas que ocorrem diretamente no organismo humano,

passam a ser intervenções na própria natureza, trazendo riscos, vantagens e desvantagens, ou

seja, impactando de diferentes maneiras no meio ambiente.

Junges afirma que esse paradigma ecológico (do biocentrismo) veio para superar o

“paradigma moderno da autonomia humana solipsista7”, um paradigma da aventura de

conquista e domínio da natureza pela ciência e pela técnica, do uso ilimitado e da fruição

imprudente dos recursos naturais, “da passagem do regime da natureza para o regime da

sociedade, da ética procedimental e utilitarista”. (JUNGES, 2010, p. 16).

Essa mudança de paradigma, do antropocêntrico para o biocêntrico, torna-se um

ponto crucial para a presente análise, na medida em que o primeiro passo para a compreensão

do genoma humano num contexto de meio ambiente é a aceitação de que o homem é parte do

meio ambiente.

A compreensão do homem como parte do meio ambiente também é bem percebida

quando analisado o conceito de ecossistema, como um complexo de interações de dinamismos

vitais8. Nesse sentido, o processo da vida é formado por substâncias químicas nutrientes, que

estão continuamente circulando nos seres vivos pela acumulação ou pela transformação; pela

energia da fotossíntese das plantas, que é transferida para os animais via alimentação; e pelos

seres viventes, chave de circulação de energia vital nas comunidades bióticas. O ser humano,

assim, é um elo desse processo, estando inserido no ambiente físico, químico e biológico,

participando como qualquer outro ser vivo dos processos de circulação das substâncias

nutrientes, de fluxo de energia e de manutenção do equilíbrio; ou seja, o ser humano faz parte

das interações naturais do ambiente. (JUNGES, 2010, p. 15).

Dessa forma, para reforçar a ideia de que o homem é parte do meio ambiente e de

que as intervenções e manipulações genéticas humanas impactam de alguma maneira no meio

ambiente, necessária se faz a compreensão do genoma humano como matéria ambiental.

7 O solipsismo, conforme definição do dicionário on line de português, é uma doutrina filosófica cujos preceitos

se pautam numa única realidade representada somente pelo eu empírico; ou seja, uma teoria filosófica segundo a

qual nada existe fora do pensamento individual, sendo a percepção (das coisas e/ou das pessoas) uma impressão

sem existência real. (Disponível em: <http://www.dicio.com.br/solipsismo/> Acesso em: 20 ago. 2013). 8 O dinamismo vital é essencialmente a absorção e o consumo de energia.

Page 31: Manipulação Da Vida

29

2.2.3 Genoma humano como matéria ambiental

Quando a análise do ser vivo se dá por meio do seu genoma, percebe-se que os genes

de todos os seres vivos possuem a mesma estrutura química. Por meio do sequenciamento de

outras espécies, menos complexas, tornou-se possível a compreensão de muitos aspectos do

genoma humano. A título de exemplo, ao se estudar a genética da bactéria, muito se aprendeu

sobre a genética humana, na medida em que o homem possui genes que são “parentes”

distantes dos genes das bactérias; a análise de genes já conhecidos na bactéria possibilitou,

por exemplo, a descoberta de genes envolvidos em alguns tipos de câncer humano.

(PEREIRA, 2013).

Essa vinculação entre diferentes espécies representa a biodiversidade, que pode ser

entendida como

toda a gama de organismos vivos existentes no planeta, de forma a destacar a

essencial vinculação e interdependência entre as espécies. Dito de outra forma: a

biodiversidade representa o complexo sistema de variabilidade biológica, que

abrange desde os seres humanos, passando por outras espécies animais, vegetais,

fúngicas, protistas, bacterianas ou mesmo viróticas. (NAVES; SÁ, 2011, p. 64).

Dessa forma, entendendo a definição de biodiversidade e analisando o exemplo

apresentado, percebe-se que realmente existe um vínculo entre as diferentes espécies e que o

homem, em termos biológicos e principalmente genômicos9, está próximo aos demais seres

vivos. Essa maneira de analisar os seres sob uma mesma ótica é importante quando se tenta

compreender e aplicar a visão biocêntrica do mundo. Partir do pressuposto de que os seres

vivos possuem algo em comum é um passo valioso para a compreensão do papel do homem

no meio ambiente.

As figuras abaixo são uma forma de reforçar esse caráter de igualdade entre os seres

vivos em termos genômicos. Elas representam a estrutura dos genes de diferentes espécies,

dentre elas a humana.

9 A genômica é o “campo da genética envolvido com os estudos estruturais e funcionais do genoma”.

(NUSSBAUM et al, 2002, p. 354).

Page 32: Manipulação Da Vida

30

Figura 1: genoma 1.

Fonte: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/mapview/

Figura 2: genoma 2.

Fonte: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/mapview/

Figura 3: genoma 3.

Fonte: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/mapview/

Page 33: Manipulação Da Vida

31

Figura 4: genoma 4.

Fonte: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/mapview/

Figura 5: genoma 5.

Fonte: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/mapview/

Analisando as figuras da maneira como elas se encontram, não é possível concluir

nada além do fato de que todas trazem cromossomos numerados (em maior ou menor

quantidade), e algumas ainda apresentam os cromossomos X e/ou Y. Não é possível dizer a

qual das figuras corresponde o genoma humano. Esse fato apenas confirma o já afirmado:

para uma análise genômica não importa se o ser vivo analisado é uma planta, um fungo, um

inseto, um mamífero, um animal racional ou irracional. Em termos genômicos, não há

superioridade entre os seres vivos, todos são analisados da mesma maneira.

A primeira figura corresponde ao genoma do Homo sapiens; a segunda figura

representa o genoma do Callithrix jacchus, uma espécie brasileira de macaco popularmente

conhecida por sagui-de-tufos-brancos; o terceiro genoma é o genoma do Gorilla gorilla, ou

gorila do ocidente; o quarto, é o genoma do Cryptococcus neoformans, uma espécie de fungo;

e o quinto genoma corresponde ao genoma do Oryza sativa, ou genoma do arroz. Cinco

Page 34: Manipulação Da Vida

32

genomas de espécies completamente diferentes, representados de maneira bastante similar,

afirmando a hipótese de que analisar uma espécie pelo seu genoma é colocá-la no mesmo

patamar que todas as outras espécies.

Estudar os seres vivos por meio do seu genoma é como aplicar a técnica do “tempo

que envelhece” ao tempo da natureza, em que não havia superioridade entre os seres vivos.

Unindo o tempo cíclico e o tempo projetual em um mesmo espaço, supera-se a distância entre

técnica e natureza, demonstrando-se que elas podem coexistir e até mesmo se complementar,

pensamento necessário para a superação da ideia de natureza como “reserva de recursos” para

o homem.

Dessa maneira, a comparação dos genomas acima expostos é relevante para que o ser

humano se convença de outro fator significativo: o seu surgimento somente ocorreu após

milhões de anos de evolução biológica dos seres vivos. Se a história da vida fosse reduzida a

escala de um ano, o ser humano somente surgiria nos últimos minutos. Para Junges (2010, p.

19), o conhecimento desse dado deve levar o homem a uma atitude de maior humildade

perante a natureza e admiração pela matriz comum da vida.

Analisar as espécies sob esta ótica mostra-se importante para o presente trabalho na

medida em que a manipulação genética embrionária humana, e especificamente o dignóstico

genético pré-implantação (DGPI), são uma maneira de enxergar o ser humano por meio do

seu genoma, do seu DNA.

Entretanto, antes de analisar a questão da manipulação genética embrionária humana,

outro fator que merece destaque e que liga a genética ao meio ambiente por meio da técnica é

a chamada ecogenética.

2.3 Ecogenética

A ecogenética, termo utilizado pela primeira vez em 1971 por Brewer, é um ramo da

genética que busca o estudo da variabilidade das respostas individuais geneticamente

determinadas a agentes ambientais, de forma a procurar identificar as razões e as

consequências dessa variabilidade perante um mesmo agente. (REGATEIRO, 2007).

Em outras palavras, a ecogenética seria a análise de como os genes e os fatores

ambientais interagem entre si de maneira a afetar a saúde humana, ou seja, como cada pessoa

responde a essa interação, tornando-se mais ou menos vulnerável.

Page 35: Manipulação Da Vida

33

Para Omenn et al (2004), esses fatores ambientais incluem “o ambiente social e

familiar, ambiente intrauterino, tabagismo, álcool, abuso de outras substâncias, estresse e

exposição a agentes químicos, físicos e biológicos”. Os autores também afirmam que alguns

tipos de exposição ambiental, a exemplo da luz ultravioleta, dos raios-X, e de certos produtos

químicos industriais, causam mutações genéticas (danos ao DNA) que alteram a função do

gene e a estrutura e função da proteína especificada por esse gene, o que, em alguns casos,

pode levar ao aparecimento de doenças.

A exposição a esses fatores ambientais causa riscos. Todavia, esses riscos

decorrentes da exposição a agentes químicos e ambientais estão diretamente relacionados com

o nível dessa exposição, com a potência intrínseca do agente e a suscetibilidade da pessoa

exposta (algumas pessoas são mais e outras menos sensíveis, reagindo de maneiras distintas a

exposição).

Com isso, a pesquisa ecogenética se mostra importante, devendo combinar

cuidadosos estudos de avaliação de exposição com as investigações de influências genéticas

sobre determinadas doenças. O Projeto Genoma Ambiental (EGP – Environmental Genome

Project), nesse sentido, foi uma iniciativa de pesquisa estabelecida em 1997 pelo Instituto

Nacional de Ciências Ambientais e de Saúde (NIEHS – National Institute of Environmental

Health Sciences), componente do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, que buscou

alcançar os seguintes objetivos: a) identificação de algumas das diferenças genéticas mais

comuns entre os indivíduos que parecem afetar a resposta a riscos ambientais; b) realização de

estudos epidemiológicos investigando o papel das interações gene-ambiente no

desenvolvimento de doenças comuns; e c) promoção do uso de informações sobre interações

gene-ambiente em iniciativas de saúde pública. (OMENN et al, 2004).

Além disso, o Projeto pretendeu identificar e estudar uma série de variantes genéticas

comuns que podem desempenhar um papel importante na determinação de como os

indivíduos respondem às exposições ambientais.

O EGP foi desenvolvido a partir de uma lógica de que existem genes específicos que

de maneira virtual contribuem para toda enfermidade humana, salvo alguns casos de trauma.

Tais genes são capazes de conferir aumento na resistência (sensibilidade) do organismo diante

de agentes ambientais que podem variar desde toxinas até alimentos ou medicamentos. O

EGP teve como fonte de informação o PGH.

Como muitos dos genes apresentam um papel importante na maneira como os seres

humanos reagem aos “perigos” ambientais, e a saúde humana é afetada nesses casos apenas

na presença de exposições ambientais específicas, Omenn et al (2004) afirmam que

Page 36: Manipulação Da Vida

34

decifrar as relações que existem entre as variantes genéticas e a resposta individual

tem o potencial para melhorar a saúde pública de forma significativa. Identificar as

pessoas com maior risco, por exemplo, e incentivá-las a evitar os riscos ambientais

aos quais estão mais suscetíveis, pode ajudar a prevenir ou retardar o aparecimento

de doenças em grandes segmentos da população sem intervenções farmacológicas10

.

(2004).

Assim, a ecogenética se apresenta como uma forma de conexão entre gene e meio

ambiente, demonstrando a importância de entender e estudar essa interação de maneira a

prevenir (ou retardar) o aparecimento de doenças, garantindo a melhora da saúde pública e da

qualidade de vida.

Entretanto, a ecogenética apresenta considerações éticas importantes que devem ser

analisadas antes da utilização dos testes genéticos. O primeiro ponto a ser destacado nesse

sentido é com relação à maneira pela qual o grau de suscetibilidade (ou risco) de um

indivíduo é definido: nem sempre o fato de uma pessoa ser mais suscetível a determinado

fator químico ou ambiental quer dizer que essa pessoa irá desenvolver algum tipo de

enfermidade decorrente dessa suscetibilidade; por outro lado, essa suscetibilidade a um

determinado fator “x” não pressupõe uma hiper-suscetibilidade a outros fatores similares ao

fator “x”. Pressupor tal situação seria uma forma de discriminação do indivíduo devido aos

seus caracteres genéticos.

Omenn et al (2004) também apresentam outros fatores éticos que devem ser

considerados. O primeiro deles é quanto à importância de se esclarecer às pessoas que a

identificação e a caracterização de um fator de risco genético não pressupõem clareza quanto

à causa da doença em um indivíduo específico. Isso porque ainda existem incertezas

científicas em torno da relação “causa-efeito” e, como já apresentado, os indivíduos tendem a

ter reações distintas a um mesmo fator ambiental e/ou químico. Por isso, não se pode afirmar

que a pessoa que possui um gene que a predispõe a determinada doença venha a desenvolver

a doença por esse motivo. Outro ponto interessante é o que relaciona o sucesso dos testes de

predisposições genéticas à diminuição do compromisso de eliminar exposições ambientais

perigosas. Para os autores, apesar da importância dos testes na adoção de medidas preventivas

específicas e melhor avaliação do risco individual, o sucesso dos testes de predisposições

genéticas pode mudar o foco dos esforços de gestão dos riscos, levando a um afrouxamento

das medidas que visam à eliminação das exposições ambientais perigosas.

10

Tradução livre do original: “deciphering the relationships that exist between genetic variants and individual

response has the potential to improve public health significantly. Identifying those persons most at risk, for

example, and encouraging them to avoid those environmental hazards to which they are most susceptible, may

help prevent or delay disease onset in large segments of the population without pharmacological interventions”.

Page 37: Manipulação Da Vida

35

Apesar das questões éticas apresentadas, não há que se negar a importância da

ecogenética para o estudo em questão, principalmente quando as pesquisas se voltam para o

campo da farmacologia clínica.

Dessa maneira, os avanços nas pesquisas sobre a interação gene-ambiente podem

contribuir para os avanços nos campos da farmocogenética (que estuda o efeito de

determinado gene em certo fármaco) e da farmacogenômica (que estuda vários genes e suas

interações com os fármacos)11

.

As questões ligadas à farmacologia clínica são particularmente importantes para o

presente estudo na medida em que buscam um tratamento para determinadas doenças a partir

da questão genética do paciente. Com a farmacogenética será possível obter uma resposta

mais rápida do organismo do paciente, sem precisar da realização de vários testes com

medicamentos diversos, evitando a exposição do paciente a riscos e reações desconhecidos.

Apesar das expectativas em torno desse tipo de tratamento, não se pode esquecer que em

alguns casos a resposta farmacológica não está apenas em um único gene, o que pode

modificar a resposta do organismo a determinado medicamento. Todavia, esse não é um fator

impeditivo à utilização desse tipo de medicina, conhecido por “medicina individualizada”.

Assim, nas palavras do médico Guilherme Kurtz (2004):

Com a medicina individualizada e a implementação da farmacogenética o paciente

levará até o médico informações genéticas preciosas que fará com que seja indicado

o remédio certo, sem a necessidade de experiências de nenhum tipo. Este

procedimento no primeiro momento vai encarecer a medicina por que (sic) irá gerar

a necessidade de treinamento, equipamentos adequados e a formação de centros

especializados. Quando isto tudo estiver implementado o custo do exame irá cair e o

mais importante: irá diminuir significativamente os efeitos tóxicos na população e

acabar com a necessidade do tratamento de efeitos colaterais. Nós saberemos em um

exame trivial quais são os genes importantes para a resposta aos medicamentos.

(KURTZ, 2004).

A grande maioria das doenças tem como causa contribuições (fatores) tanto

ambientais quanto genéticas. Assim, a compreensão da relação entre a variação genética e a

resposta à exposição ambiental é importante para a compreensão das causas das doenças

humanas, sendo crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção dessas

doenças.

11

Alguns autores utilizam os termos como sinônimos. Conforme Kurtz (2004), a farmacogenética é um ramo

que já existe desde 1953. O nome farmacogenômica é mais recente e deveu-se ao Projeto Genoma Humano. O

autor considera a diferença entre os termos questionável, utilizando-os como sinônimos. Apesar da pequena

diferença conceitual apresentada, no presente trabalho os termos serão utilizados como sinônimos.

Page 38: Manipulação Da Vida

36

A ecogenética, dessa forma, é mais um meio que comprova a inevitável ligação entre

o genoma humano e o meio ambiente. Por meio da ecogenética foi possível demonstrar que os

indivíduos respondem de maneiras distintas às exposições ambientais e que o fato de uma

determinada pessoa possuir um gene específico que a torna mais suscetível a determinada

doença, por si só, não a leva a desenvolver a doença. Pelo contrário, a influência do ambiente

pode ser o fator determinante que levará ou não ao desenvolvimento da patologia.

Com relação ao genoma de maneira geral e especificamente ao genoma humano,

constatou-se, tanto em termos legais quanto em termos biológicos, que ele é um elemento do

meio ambiente. Ademais, demonstrou-se que existe uma identidade biológica entre os seres

vivos e que estes, quando analisados pelo genoma, não possuem diferenças significativas, ou

seja, não há hierarquia entre os seres vivos em termos genômicos. Tal fato remete à

comparação entre os tempos cíclico (da natureza) e projetual (da técnica): estudar o meio

ambiente por meio da visão do genoma aproxima os dois tempos e faz com que o ser humano

se perceba como componente da natureza.

Por meio do mito “Prometeu Acorrentado” discutiu-se a evolução da técnica, que de

meio para alcançar determinado fim passou a ser o fim supremo. Pela técnica, também se

evidenciou o aspecto da manipulação genética da vida e como as revoluções técnico-

científicas foram capazes de modificar a percepção do homem acerca do conceito de vida.

Também se destacou a necessidade de o direito “se vestir” do aparato técnico a fim de

encontrar os mecanismos necessários para a compreensão do cenário que se impõe, de forma

a atuar como um mediador entre os avanços técnico-científicos e as formas com que eles

impactam no meio ambiente.

Assim, criou-se a base para a discussão de outros aspectos necessários para a

compreensão dos impactos da manipulação genética embrionária humana para o meio

ambiente: o início da vida, a vida humana embrionária e a noção de dignidade humana.

Page 39: Manipulação Da Vida

37

3 VIDA, PARA ALÉM DO NASCER

Nos primórdios da interpretação humana do ser, a vida não apresentava mistérios: no

início a interpretação mais natural do mundo era a de que ele era vivo,

ao ser humano primitivo, que caminhava sobre sua terra e era coberto pela cúpula do

seu céu, não havia possibilidade de surgir a ideia de que a vida fosse uma exceção

ou um fenômeno secundário no universo, e não a regra dominante. [...] Seja como

for, acima de tudo o ser humano estava convencido de que a vida está presente em

tudo quanto existe. (JONAS, 2004, p. 17-18).

Assim, para o homem primitivo o grande mistério do universo estava ligado à morte.

Toda a reflexão do homem, nessa época, lutava contra o enigma da morte, buscando atribuir-

lhe respostas “no mito, no culto e na religião”. A vida era vista como o natural e a morte a sua

negação, isto é, o não natural. Como somente a vida era compreendida, “de alguma maneira a

morte tinha que ser assimilada à vida”. (JONAS, 2004, p. 18).

Com o período renascentista e o início do pensamento moderno, a questão da morte

deixa de ser um enigma para tornar-se algo natural; a exceção, o desconhecido, o que exige

uma explicação passa a ser a vida:

[...] o cadáver é hoje o mais fácil de ser compreendido. Só na morte é que o corpo

deixa de ser um enigma: na morte ele retorna do comportamento enigmático e

inortodoxo da vida – para o estado claro e “familiar” de um corpo dentro do

conjunto corporal, cujas leis gerais constituem a regra de toda a compreensão.

Aproximar desta regra a morte do corpo orgânico, portanto diluir neste sentido os

limites entre a vida e a morte; a partir da morte, do estado de cadáver, suprimir a

diferença de essência – esta é a linha da reflexão moderna sobre a vida como um

fato do mundo. Nosso pensamento encontra-se hoje sob o predomínio ontológico da

morte. (JONAS, 2004, p. 21-22).

A vida, a partir daí, tornou-se o grande enigma da natureza. A busca por uma

explicação que deixasse claro o momento do seu início, fez com que várias teorias surgissem

ao longo dos anos.

Compreender o início da vida é um passo primordial para o entendimento da

manipulação genética embrionária humana. Conhecer as teorias sobre o início da vida e o

início da vida humana é uma informação necessária para o entendimento de como a

manipulação genética embrionária é capaz de impactar na própria vida humana e no meio

ambiente.

Page 40: Manipulação Da Vida

38

Dentre essas várias teorias, a primeira aqui apresentada é a mecanicista. A revolução

mecanicista, que tomou forma no século XVII, procurou compreender a natureza por meio

dos princípios matemáticos, construindo a ideia do universo como uma máquina que obedece

a leis deterministas e universais. A natureza, por esse modelo, não tinha vida própria, era

desprovida de alma e destituída de espontaneidade: era matéria física. René Descartes foi o

pensador que primeiro sistematizou o paradigma mecanicista. (PINTO, 2010).

Descartes, a fim de explicar a natureza animal, classificava os corpos dos animais

como máquinas “construídas de forma a funcionar da maneira como funcionam”. (JONAS,

2004, p. 52). A sua teoria tinha como ponto de partida fixo “uma estrutura mecânica

determinada em cada caso – o tipo de organismo dado – e concebia a vida do animal em

questão como função dessa estrutura, como o rendimento da máquina”. (JONAS, 2004, p.

56). Por esse raciocínio, a estrutura, ao mesmo tempo em que determinava unilateralmente a

função, a explicava; por isso sua análise responde a todas as perguntas feitas a respeito de

uma coisa viva. O principal problema da teoria, entretanto, consiste “em que ela nega à

realidade orgânica sua principal e mais patente característica, isto é, a propriedade de que em

cada uma de suas individuações ela demonstra uma tendência própria à existência e à

realização, ou o fato de que a vida se quer a si mesma”. (JONAS, 2004, p. 52-72).

No século XIX a teoria que buscou explicar a vida foi o evolucionismo ou

transformismo (teoria da evolução). Por essa teoria, todas as espécies vivas são derivadas

umas das outras, por meio de transformação ou evolução natural – o que explicaria o fato de

as espécies mais complexas derivarem das menos complexas.

Diversas teorias evolucionistas foram desenvolvidas ao longo do tempo, e as

atribuídas a Lamarck (Philosophie Zoologique - 1809) e Darwin (A origem das espécies -

1859) são as mais difundidas. A teoria apresentada por Lamarck fundamentou-se em dois

princípios básicos: o primeiro, afirmava que as transformações nas espécies eram derivadas da

adaptação ao ambiente, devido ao uso ou não uso de determinados órgãos; o segundo

princípio afirmava que as transformações ocorridas nos indivíduos, quando comuns aos dois

sexos, eram transmitidas de geração em geração. (SGRECCIA, 2009, p. 101). Lamarck,

assim, faz parte da vertente transformacional do evolucionismo. As teorias transformacionais,

nos dizeres de Caponi, procuram explicar a evolução de um sistema “em virtude de mudanças

simultâneas e conjugadas que ocorrem em todos e em cada um dos componentes do sistema”.

(CAPONI, 2005). Afirma o autor que para a teoria de Lamarck as espécies modificam-se no

tempo porque cada organismo individual, considerado dentro da própria espécie, sofre as

mesmas mudanças, ou seja, são as transformações que ocorrem nos organismos individuais

Page 41: Manipulação Da Vida

39

que provocam a evolução. (CAPONI, 2005). Dessa forma, Lamarck busca explicar como os

organismos chegaram a ter a forma que tem ou, em outras palavras, ele busca explicar perfis

orgânicos.

Já a teoria de Darwin fundamentou-se nos princípios da luta pela vida e da seleção

natural. Sua teoria faz parte das teorias selecionais que “explicam as mudanças de um sistema

em virtude de seus componentes”. (CAPONI, 2005). Tais componentes, por sua vez, diferem

entre si em certas características e o conjunto como um todo se modifica devido a uma

“alteração na representação proporcional das diferentes variantes, cujas propriedades

específicas permanecem inalteradas”. (CAPONI, 2005). Assim, a teoria da evolução orgânica

de Darwin, contrariamente ao defendido por Lamarck, baseia-se em um modelo variacional

de mudança, em que o fenômeno evolutivo não é explicado por “agregação de narrativas de

processos individuais de transformação”. (CAPONI, 2005). Para Darwin, uma população

modifica-se porque existem variações entre os indivíduos e algumas dessas variações

produzem mais descendentes que outras. O organismo, dessa forma, seria o objeto das forças

evolutivas. Com isso, pode-se afirmar que Darwin procura explicar a composição da

população, ou seja, os perfis populacionais. (CAPONI, 2005). Em outros termos, a luta pela

sobrevivência ocorreria dentro da própria espécie entre os seus diversos indivíduos, e as

mutações, por isso, “seriam devidas a uma causa, ou seja, ao fato de que o indivíduo mais

adaptado se afirma e se multiplica, enquanto o menos adaptado desaparece juntamente com

suas características”. (SGRECCIA, 2009, p. 101).

Nos dizeres do próprio Darwin:

Dei o nome de seleção natural ou de persistência do mais apto à conservação das

diferenças e das variações individuais favoráveis e à eliminação das variações

nocivas. As variações insignificantes, isto é, que não são nem úteis nem nocivas ao

indivíduo, não são certamente afetadas pela seleção natural e permanecem no estado

de elementos variáveis, como as que podemos observar em certas espécies

polimorfas, ou terminando por se fixar, graças à natureza do organismo e às das

condições de existência. (DARWIN, 2003, p. 94).

Para a concepção evolucionista darwinista, nos dizeres de Jonas (2004, p. 60), “os

modelos de estrutura orgânica se apresentam como produtos da vida”. Nesse sentido, o autor

afirma que somente se poderá dizer que a vida dá origem à espécie se o conceito de vida

incluir a interação entre organismo e meio ambiente. Afirma, ainda, que as adaptações

retratam um “equilíbrio dinâmico atingido entre as condições do ambiente e as possibilidades

contingentes que a instabilidade orgânica oferece aleatoriamente”. (JONAS, 2004, p. 60).

Page 42: Manipulação Da Vida

40

Afastando-se das teorias de Lamarck e Darwin, o neodarwinismo foi uma teoria que

voltou sua atenção para a variedade dos diversos indivíduos da mesma espécie, rejeitando a

influência do ambiente na modificação dos caracteres hereditários. Para os neodarwinistas, as

causas das variações encontravam-se no germoplasma. Todavia, as razões determinantes

dessas variações eram ainda desconhecidas, cabendo à genética encontrar uma explicação

plausível. Assim, em 1865, G. Mendel realiza as suas famosas experiências com ervilhas e

descobre as leis da genética que, na ocasião, não tiveram a atenção merecida. Em 1902,

todavia, o citólogo americano W. S. Sutton confirmou as leis de Mendel (SGRECCIA, 2009,

p. 101-102):

Em cada par de cromossomos de um novo organismo, um cromossomo provém do

pai, por meio do espermatozoide, e o outro da mãe, por meio do ovócito. Nesse

encontro e mistura dos cromossomos, toda geração tende a trazer à tona os

caracteres recessivos que estavam abafados por um caráter dominante. As

combinações sempre novas produzem, portanto, aquelas variações que serão depois

aproveitadas pela seleção natural. (SGRECCIA, 2009, p. 102).

Dessa maneira, a genética, em alguns aspectos, possui argumentos a favor do

evolucionismo, a exemplo das experiências que buscaram comprovar a possibilidade da

geração espontânea e da evolução das formas e das espécies da vida (como E. van Benedem,

com as experiências sobre a mosca das frutas; W. S. Sutton, que confirmou as leis de Mendel;

T.H Morgan, com a descoberta dos genes e de sua capacidade de reprodução sem a perda da

própria individualidade e independência quanto aos outros genes e; H. Müller, com suas

descobertas sobre mutações). (SGRECCIA, 2009, p 100-103). Com o avanço da biologia

molecular e as descobertas relativas ao código genético, os cientistas passaram a “dar uma

interpretação mecanicista aos fenômenos da origem da vida, como os vírus e as bactérias, até

os organismos superiores e o homem”. (SGRECCIA, 2009, p. 103-104). Soma-se ao listado, a

descoberta das “mutações” que podem ser produzidas por meio de “radiações especiais e pela

ampla possibilidade combinatória previstas nas leis de transmissão genética”. (SGRECCIA,

2009, p. 106). Toda essa argumentação no plano genético é utilizada para apoiar o

evolucionismo.

Por outro lado, também é na própria genética que se encontram as maiores objeções

em relação à teoria evolucionista, pois é dos próprios geneticistas

que provêm as maiores objeções em relação ao evolucionismo e em nome da

determinação do código genético ou do número de cromossomos, bem determinado

para cada espécie.

Page 43: Manipulação Da Vida

41

A hipótese da “mutação genética” inesperada deveria ser sufragada pela

individuação das condições físicas ou ambientais precisas que pudessem produzi-la.

(SGRECCIA, 2009, p. 106-107).

Dito isso, pode-se concluir que, ao menos em termos científicos, a evolução ainda se

apresenta como um problema aberto à discussão. Ou seja, o momento em que a vida teve

início ainda é bastante controverso.

Ultrapassando as teorias da evolução da vida, a questão mais importante a ser

respondida é com relação ao início da vida humana. A partir de que momento, em termos

biológicos e legais, a vida humana se inicia?

3.1 O início da vida humana

Após a discussão sobre o início da vida de modo geral, uma das discussões mais

controversas existentes é a que tenta definir o início da vida humana, ponto fundamental para

a identificação dos impactos das técnicas de manipulação genética. Vários são os critérios e

teorias que buscam explicar a partir de qual momento pode-se falar em vida. O debate acerca

do início da vida humana é, sem dúvida, o que mais apresenta contradições e respostas

diferentes: é o momento em que a medicina mais se aproxima das ciências humanas.

Nem mesmo o vocábulo “vida” possui origem incontroversa, pois:

sua raiz latina vita (da qual deriva o português vida) subsume em um único termo

dois conceitos diferentes da língua grega, pois esta distinguia zoé, ou vida orgânica

em princípio comum a todos os seres vivos, e bíos, ou vida especificamente humana,

isto é, a forma de vida que possui características simbólicas, morais e políticas. [...].

Aplicada aos seres humanos, a distinção entre zoé e bíos permite considerá-los tanto

como membros da espécie biológica homo sapiens quanto como cidadãos ou

pessoas, ou seja, como seres biológicos (ou “naturais”) e como seres que

transcendem, em suas vidas cognitivas, morais e políticas, sua condição de seres

“zoológicos” submetidos às leis naturais, para se tornarem seres “biológicos”

autônomos, com biografia e responsáveis pelos seus atos ou práxis. (SCHRAMM,

2010).

Dito isso, para alguns autores a pergunta correta não é quando começa a vida, e sim

quando começa a vida relevante do ponto de vista ético, isso porque a vida se iniciou há

milhões de anos e cada ser humano é um fruto contínuo desse processo.

De acordo com Roberto Goldim, em entrevista ao “Jornal da Ciência”, há mais de 20

critérios biológicos que podem ser utilizados de maneira defensável e conforme um

Page 44: Manipulação Da Vida

42

referencial que lhes dê suporte (BARRETO, 2013), para definir o marco inicial da vida do

homem. Esse fato reforça a complexidade do problema.

De todo modo, Schinestsck (2008), assim como Andrade (2013), apontam cinco

teorias (ou hipóteses) principais que, para a ciência, explicariam o início da vida humana.

A primeira abordagem científica está ligada à genética, é a chamada teoria da

concepção: para essa teoria, a vida se inicia com a fecundação, na medida em que a união

entre óvulo e espermatozoide dá início a uma nova combinação de genes, isto é, a um novo

DNA. De acordo com essa teoria, a combinação dos genes do óvulo e do espermatozoide

forma um indivíduo com um código genético único, capaz de desenvolver-se até tornar-se

uma pessoa propriamente dita, que deve ter os mesmos direitos que qualquer outro ser

humano. (ANDRADE, 2013). É essa a posição adotada por boa parte dos religiosos e por uma

expressiva parte das pessoas.

A segunda teoria, chamada embriológica ou da divisão celular, aponta a 3ª semana de

gravidez como o início da vida. Tal teoria se baseia na questão da individualidade humana,

pois até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e originar duas ou

mais pessoas. (MUTO; NARLOCH, 2005). Alguns cientistas definem esse momento como a

chegada do embrião ao útero, algo em torno do 14º dia, ocasião em que tem início a divisão

celular para a formação dos órgãos.

O próximo critério é o neurológico. Por esse critério, o início da vida coincide com o

início da atividade cerebral (6 a 24 semanas). Os defensores dessa corrente alegam que se o

fim da atividade cerebral é o que determina o momento da morte, o mesmo critério deve ser

utilizado para definir quando começa a vida, ou seja, quando o feto apresenta atividade

cerebral igual à de uma pessoa. Nesse sentido, Mello, apoiando a teoria, afirma que “se a

morte coincide com o término da atividade do sistema nervoso é lícito supor o início da vida

humana com o estabelecimento dos três folhetos embrionários”. (MELLO, 2008). Todavia, o

problema dessa teoria diz respeito à falta de consenso quanto à data de início da atividade

cerebral, que para alguns cientistas ocorre já na 8ª semana, e para outros apenas na 20ª.

(ANDRADE, 2013). De todo modo, é uma teoria que possui boa aceitação.

O quarto critério científico é o chamado critério ecológico (ou tecnológico, segundo

alguns autores). Para os defensores dessa teoria, “a capacidade de sobreviver fora do útero é

que faz do feto um ser independente e determina o início da vida”. (ANDRADE, 2013). Para

a medicina, um bebê prematuro somente consegue se manter vivo se tiver os pulmões prontos,

o que acontece a partir da 25ª semana de gravidez, isto é, desse momento em diante o bebê já

teria condições de sobreviver fora do organismo materno.

Page 45: Manipulação Da Vida

43

Com relação à última teoria, percebe-se uma divergência entre os autores analisados

quanto ao momento do seu início. Assim, para Andrade (2013), a última teoria seria a

chamada metabólica. Segundo tal teoria, não há razão para se justificar a discussão acerca do

início da vida humana, pois não existe um momento único para o seu início, o

desenvolvimento é um processo contínuo. Assim, segundo essa corrente, “espermatozoides e

óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa”. (ANDRADE, 2013). Já Schinestsck (2008)

aponta como critério para delimitar o início da vida humana as “sensações”. Dessa forma, a

autora denomina a quinta teoria de teoria senciente, e demarca o período compreendido entre

a 24ª e a 28ª semanas como o do início da vida, ocasião em que o ser já teria aptidão para

sentir, por exemplo, prazer e dor.

A figura abaixo sintetiza de maneira clara, quatro das principais teorias científicas

acima apresentadas:

Figura 6:O início da vida.

Page 46: Manipulação Da Vida

44

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/814968-cientistas-defendem-5-momentos-para-inicio-da-

vida-humana.shtml.

Dessa maneira, percebe-se que há muitas controvérsias científicas acerca da

delimitação do momento em que se inicia a vida humana, não sendo possível afirmar qual das

teorias é a correta: a adoção de uma ou outra teoria é uma questão de opção, que envolve,

além do aspecto científico, critérios éticos, morais, culturais, regionais, legais e religiosos.

Em termos legais, o direito à vida é objeto de proteção constitucional e

infraconstitucional, assim como também o é em termos de tratados e documentos

internacionais. Todavia, a delimitação do início da vida raramente é mencionada, o que gera

controvérsias que levam a constantes discussões, tanto no âmbito da legislação interna, quanto

no âmbito dos tratados internacionais.

3.2 A vida em termos legais

Após as discussões acerca da vida humana, seu início e teorias, cabe analisar como o

direito enxerga essa questão, discussão que levantará pontos importantes quando da análise

das técnicas de manipulação genética. Assim, para o direito, a vida é analisada sob aspectos

distintos: um primeiro, que trata do direito à vida, abordando as situações em que esse direito

é colocado em risco, como ele é protegido legalmente, se se trata de um direito absoluto ou se

existem situações em que ele pode ser disponível; já o segundo aspecto é aquele que aborda a

titularidade desse direito (o embrião é titular do direito à vida?), se essa titularidade é um

pressuposto para a proteção jurídica ou se o direito pode proteger a vida sem que esta esteja

vinculada a uma titularidade própria.

Dessa forma, o direito à vida é um dos direitos humanos mais frequentemente

retratados em documentos e tratados internacionais. No âmbito da Organização das Nações

Unidas, ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 10 de dezembro de

1948, considerada como uma norma comum a ser adotada por todos os povos e nações e a

primeira a estabelecer a proteção internacional dos direitos humanos, estabelece em seu art. 3º

que “todo ser humano tem direito à vida”. (ONU, 1948). Todavia, a DUDH não menciona em

seu texto qual seria o marco inicial da vida.

Em 1948, o contexto internacional de proteção aos direitos humanos resultou na

proposição pela Organização dos Estados Americanos (OEA) da Carta da Organização dos

Page 47: Manipulação Da Vida

45

Estados Americanos, que culminou na aprovação da Declaração Americana de Direitos e

Deveres do Homem. O capítulo primeiro da Declaração (“direitos”) apresenta o direito à vida

já em seu art. 1º. Todavia, a exemplo da DUDH, não aponta o momento em que a vida se

inicia.

Em 1959, foi criada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão

principal e autônomo da OEA “encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no

continente americano”. (OEA, 2013). Após sua criação e “ultrapassados os debates sobre a

conveniência política de criar-se um arcabouço institucional destinado à supervisão dos

direitos humanos no continente” (AGU, 2013), foi adotada a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos (CADH), ou Pacto de São José da Costa Rica.

Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em

São José (Costa Rica), em 22 de novembro de 1969 (passando a vigorar em âmbito

internacional em 18 de julho de 1978), a CADH trata da questão do direito à vida em seu

capítulo segundo intitulado “dos direitos civis e políticos”. Assim, o item 1 do art. 4º (“Direito

à vida”) afirma que: “1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito

deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser

privado da vida arbitrariamente” (grifou-se). Diferentemente dos outros documentos

internacionais, a CADH fixou o momento a partir do qual a vida seria protegida, dando

indícios da adoção da teoria genética ou concepcionista. O Brasil depositou sua carta de

adesão ao ato internacional em 25 de setembro de 1992, ocasião em que a CADH passou a

vigorar no país, conforme Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.

O direito à vida ainda aparece em outros documentos internacionais, a exemplo do

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Todavia, somente a Convenção

Americana sobre os Direitos Humanos menciona o momento em que a proteção à vida se

inicia, isto é, desde a concepção. Como a CADH é um dispositivo internacional (ratificado

pelo Brasil) que trata dos direitos humanos, seus artigos passam a incorporar-se

automaticamente ao ordenamento jurídico brasileiro, adquirindo o status de norma

constitucional, conforme dizeres de Carvalho:

Com efeito, o tratamento jurídico diferenciado dos tratados internacionais de direitos

humanos deve ser reconhecido com base no art. 5º, §2º, da Constituição de 1988,

pelo fato de que, enquanto os tratados internacionais, que envolvem matéria comum,

visam a reciprocidade e o equilíbrio das relações entre os Estados-partes, os tratados

internacionais de direitos humanos transcendem os meros compromissos recíprocos

dos Estados pactuantes, já que objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e

não as prerrogativas dos Estados. (CARVALHO, 2006, p. 480).

Page 48: Manipulação Da Vida

46

Em âmbito nacional, o Código Civil de 2002 aborda a questão da vida ao tratar da

personalidade civil, afirmando em seu art. 2º que a personalidade começa com o nascimento

com vida, todavia, no mesmo dispositivo coloca a salvo, desde a concepção, os direitos do

nascituro.

O disposto no mencionado art. 2º é alvo de constantes discussões. Para a grande

maioria dos autores, a filiação a uma dada corrente acerca do início da personalidade jurídica

é pressuposto para a aquisição de direitos. O CC/02, ao abordar a personalidade civil, trata da

questão da titularidade desses direitos. Entretanto, seus dispositivos referem-se somente ao

nascituro, não havendo, em nenhum momento, menção à personalidade jurídica (ou à

ausência desta) do embrião, fato que leva muitos juristas a estender ao embrião a proteção

jurídica conferida ao nascituro.

Dessa forma, se antes o assunto da personalidade do nascituro era negligenciado ou

tratado de maneira incoerente, “com o avanço das técnicas de diagnóstico de gravidez e

acompanhamento pré-natal, a condição do nascituro elevou-se em importância”. (NAVES,

2010, p. 95).

A grande controvérsia do ordenamento jurídico brasileiro reside na determinação do

momento do início da personalidade. Nesse aspecto, assim como no que busca definir o início

da vida humana, existem teorias que procuram explicar o início da personalidade. Dessas

teorias, três apresentam repercussão no âmbito jurídico: a doutrina natalista, a da

personalidade condicional e a concepcionista. Para os adeptos da primeira teoria, só existe

personalidade a partir do nascimento com vida, não atribuindo, por consequência,

personalidade ao nascituro que, inclusive, teria realidade biológica distinta da dos seres já

nascidos. A proteção, conforme seus seguidores, seria conferida ao nascituro sem, contudo,

ser-lhe outorgada personalidade, somente expectativa de direito, sendo que sua tutela ocorre

em decorrência de interesse público. (NAVES, 2010, p. 96). Por essa teoria, o nascituro não

poderia integrar nenhum tipo de relação jurídica, pois ainda não nascido, o que se apresenta

incompatível com situações atuais que permitem àquele ainda não nascido pleitear direitos (p.

ex.: ser autor em ações de investigação de paternidade).

Para a segunda teoria, da personalidade condicional, a personalidade se inicia com a

concepção, mas não de forma completa e definitiva, pois é condicionada ao nascimento com

vida. (CHAVENCO; OLIVEIRA, 2012). Conforme Naves, essa teoria apresenta duas

situações distintas, uma que está relacionada a uma condição resolutiva, em que o nascituro

pode adquirir direitos, que são confirmados pelo nascimento; e outra relacionada a uma

condição suspensiva, em que o nascituro não adquire direitos, que somente são

Page 49: Manipulação Da Vida

47

implementados com o nascimento. Todavia, as duas situações apresentam problemas: afirmar

que existe condição resolutiva não soluciona as dificuldades relativas aos efeitos dos atos já

praticados. Por outro lado, a afirmação da existência de condição suspensiva é inadequada,

pois não é possível falar da retroação de um direito que ainda não existe. (NAVES, 2010, p.

98-99).

A terceira e última teoria, concepcionista, é aquela que defende o início da

personalidade a partir da concepção; ou seja, “no decorrer do período de vida intrauterina, a

pessoa concebida já goza das prerrogativas da personalidade jurídica concreta”. (PAGANINI,

2008, p. 41). Assim, para os concepcionistas o nascituro é considerado pessoa, “pois gerado,

embora não nascido”. (NAVES, 2010, p. 100).

A questão de estar a proteção jurídica do nascituro diretamente relacionada à

imputação ou não da personalidade jurídica merece reflexão. Não obstante a existência de

teorias que no âmbito jurídico apresentam reflexos importantes, não se faz necessária a

filiação a uma determinada corrente para que a proteção jurídica seja efetivada. Ao contrário

do que ocorre em termos médicos ou biológicos, a dúvida quanto ao início da personalidade

não pode permanecer em termos jurídicos. O direito necessita fixar situações que atribuam

personalidade ao nascituro. Com isso, não se vê a necessidade de adoção da teoria

concepcionista, da personalidade condicional ou da natalista para se atribuir personalidade ao

nascituro, visto que esta será ou não atribuída conforme os instrumentos previstos pelo

próprio direito. Assim,

na argumentação desenvolvida diante do fato concreto, pode ele obter personalidade.

Em razão de o ordenamento prever, por várias vezes, situações em que o nascituro é

titular, afirma-se que, em princípio ele é pessoa, com dados genéticos próprios e

titularidade para defesa. O nascimento com vida é apenas condição para o exercício

de direitos patrimoniais. (NAVES, 2010, p. 103-104).

No tocante a relação entre a atribuição da personalidade e o início da vida humana,

Menezes de Direito, em voto, vista da ADI 3510 (2008), assevera: “não me parece razoável

afirmar que a vida sem personalidade não é vida humana, como se a personalidade é que

atribuísse a condição de vida e não que fosse um atributo dela”. De fato, há situações em que

o próprio direito confere proteção jurídica desvinculada da personalidade, como no caso do

embrião in vitro.

Assim, com relação ao embrião humano in vitro, por ora cabe destacar que a

discussão também “deve voltar-se para a imputação de situações subjetivas”. (NAVES, 2010,

Page 50: Manipulação Da Vida

48

p. 104). Entretanto, por tratar-se de um tema delicado, suas particularidades serão abordadas

em tópico específico.

O Código Penal, por sua vez, protege o bem jurídico vida ao tipificar o aborto nos

seus artigos 124 a 126, garantindo assim o desenvolvimento do embrião.

Já a Constituição da República de 1988 trata da proteção da vida em seu título II

“dos direitos e garantias fundamentais”. A CR/88 garante, no caput do art. 5º, aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida.

O direito à vida, conforme muitos constitucionalistas, é o primeiro de todos os

direitos, o fundamento de todos os direitos humanos, na medida em que a vida é o pré-

requisito para a existência e para o exercício de todos os demais direitos. Ao direito à vida “se

vinculam o direito de nascer, bem como o de viver com dignidade”. (CARNEIRO, 2011).

Portanto, em termos constitucionais, o direito à vida não é apenas o direito de estar

vivo, é também o direito de ter uma vida digna. Com isso, a dignidade, assegurada pelo inciso

III do art. 1º da CR/88, estaria intimamente relacionada ao conceito de vida.

Antes, contudo, da apresentação do conceito de dignidade, importante se faz

entender como o conceito de vida é analisado sob a ótica da bioética.

3.3 A vida e a bioética

A expressão “bioética” é a junção de duas palavras gregas – bios, vida e ethos,

comportamento. O termo surgiu voltado para o meio ambiente, apresentando-se como “uma

disciplina acadêmica, um princípio e uma virtude, que, como tal, imporia obrigações morais

em relação a todos os seres vivos”. O vocábulo foi cunhado pelo filósofo alemão Fritz Jahr

em artigo publicado no ano de 1927, todavia, a divulgação da expressão somente alcançou

grande medida em 1971, com a obra Bioethic: Bridge to the Future, do oncologista

estadunidense Van Renssealer Potter. A bioética seria, portanto, “a disciplina que estuda os

aspectos éticos das práticas dos profissionais da saúde e da Biologia, avaliando suas

implicações na sociedade e relações entre os homens e entre esses e outros seres vivos”.

(NAVES; SÁ, 2011, p. 5-7).

Para Beriain (2004, p. 49-50) a bioética é uma disciplina que busca encontrar

respostas para diferentes questões, como a que define a maneira pela qual devemos tratar um

embrião humano, ou aquela que indaga se é permitido o desenvolvimento de novos produtos,

Page 51: Manipulação Da Vida

49

mesmo sabendo que eles possam ameaçar o meio ambiente. Para o autor, todos os

questionamentos da bioética convergem para uma única questão: é uma disciplina que cuida

da vida enquanto tal, isto é, de toda a vida, dizendo como ela deve ser tratada e porque ela

deve ser tratada de tal forma.

Já para Schramm (1998) a bioética possui preocupações ligadas à probabilidade de

riscos advindos, principalmente, dos avanços biotecnocientíficos (aí incluídos os avanços no

campo da manipulação genética humana). Ela analisa, de forma imparcial, “os argumentos

racionais que justificam ou não tais riscos”, buscando identificar os argumentos morais

contrários e os favoráveis à aplicação das novas técnicas, de maneira a detectar quais são os

“bons” argumentos. Assim, a bioética preocupa com a “legitimidade ou não, de se utilizar as

novas tecnologias desenvolvidas pela engenharia genética para transformar a qualidade de

vida das pessoas”. (SCHRAMM, 1998).

O conceito de vida para a bioética pode ser considerado problemático devido “aos

embates entre os defensores da vida ‘como ela é’ e ao dever absoluto de sua preservação

como tal e aqueles que, ao contrário, consideram que ela pode ser transformada em

determinadas situações, respeitando específicas condições”. (SCHRAMM, 2010). Para

Schramm (2010), essas concepções, quando aplicadas à vida humana, pressupõem dois

princípios éticos distintos, que são capazes de legitimar os dois tipos de atitude, são eles:

1. O princípio da sacralidade da vida (PSV), que considera a vida humana

indisponível para o sujeito daquela vida específica, devendo-se, portanto, respeitar o

assim chamado finalismo intrínseco da natureza ou os desígnios divinos sem tentar

opor-se; e

2. O princípio da qualidade da vida (PQV), que, ao contrário, considera legítima

qualquer intervenção na vida humana, desde que isso implique redução do

sofrimento evitável e em maior/melhor bem-estar para os sujeitos objeto da

investigação, desde que estejam de acordo que isso aconteça com eles e que o fato

não acarrete danos significativos a terceiros. (SCHARAMM, 2010).

Tais princípios, apesar de opostos, exercem um importante papel para a bioética,

visto que trazem elementos capazes de agregar fundamentos para questões polêmicas, como

aquelas envolvendo a manipulação genética de embriões.

Em tais situações, a escolha por uma ou outra vertente (um ou outro princípio) é

determinante para apontar o rumo a ser tomado pelas pesquisas científicas. Nesses casos, os

limites entre os avanços técnico-científicos e os riscos que esses mesmos avanços podem

proporcionar, estão, ao menos em termos morais, estritamente relacionados à concepção de

vida a ser adotada. Quanto ao aspecto jurídico, o direito busca ponderar a necessidade de se

obter avanços científicos e consequentes melhoras para a saúde e qualidade de vida humanas,

Page 52: Manipulação Da Vida

50

e a inevitabilidade de se conferir proteção à vida humana em todos os seus estágios. Destarte,

o direito procura estabelecer normas capazes de regulamentar as novas situações advindas do

progresso técnico-científico.

Em linhas gerais é possível afirmar que

as ameaças à vida, no seu sentido global, estão essencialmente ligadas ao desrespeito

à vida humana. A degradação do meio ambiente e das diferentes formas de vida é

uma manifestação da depreciação da própria vida humana. Por isso a valorização da

vida humana é a pedra de toque e o ponto de referência primordial da Bioética. Mas,

para entender o significado da vida humana, não se pode reduzi-la a um puro fato

biológico; ela é, antes de mais nada, um evento pessoal. (JUNGES, 1995, p. 71).

Com isso, assim como nos embates acerca da demarcação do início da vida humana,

o debate sobre a dignidade vem à tona quando se fala em bioética e, principalmente, quando

se fala da vida como um evento pessoal.

3.4 Conceito de dignidade para o direito e para a bioética

A dignidade percorre todas as discussões que envolvem a vida e os direitos humanos.

“No entanto, mesmo existindo certa percepção estendida sobre o que queremos expressar

quando falamos de dignidade, no terreno jurídico o conceito não foi precisado nem fixado

tradicionalmente”. (GONZÁLEZ DE CANCINO, 2007, p. 302).

Para a CR/88 a dignidade, entendida como “dignidade da pessoa humana”, é um dos

fundamentos do Estado, ou seja, é uma de suas bases. Assim, o termo dignidade vai além do

reconhecimento do respeito ao ser humano. Nos dizeres de Carvalho:

A dignidade da pessoa humana significa ser ela, diferentemente das coisas, um ser

que deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo, e não para a

obtenção de algum resultado. A dignidade da pessoa humana decorre do fato de que,

por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se

pelas leis que ela própria edita: todo homem tem dignidade e não um preço, como as

coisas, já que é marcado, pela sua própria natureza, como fim em si mesmo, não

sendo algo que pode servir de meio [...]. (CARVALHO, 2006, p. 462-463).

Page 53: Manipulação Da Vida

51

A construção do conceito de dignidade a partir da noção do ser humano como fim e

não como meio é atribuída a Kant. Para Kant12

, a concepção de dignidade humana não é uma

“condição dada pela natureza do ser humano, mas em virtude à lei moral, fruto da autonomia

da vontade e, supostamente, em acordo com a moral”. (STUMPF, 2010, p. 23). Para o

filósofo, algo possui dignidade quando não possui um preço, ou seja, quando está acima de

qualquer preço. Nas palavras de Kant,

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem

preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha

acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma

dignidade.

O que diz respeito às inclinações e necessidades do homem tem um preço comercial;

o que, sem supor uma necessidade, se conforma a certo gosto, digamos, a uma

satisfação produzida pelo simples jogo, sem finalidade alguma, de nossas

faculdades, tem um preço de afeição ou de sentimento [Affektionspreis]; mas o que

se faz condição para alguma coisa que seja fim em si mesma, isso não tem

simplesmente valor relativo ou preço, mas um valor interno, e isso quer dizer,

dignidade. (KANT, 2006, p. 65).

Dessa forma, Kant entende a dignidade como um princípio universal (objetivo), um

mandamento válido para todos, ou seja, um imperativo. Mas a dignidade não é apenas um

imperativo cujo fim está condicionado à vontade do agente (imperativo hipotético), pelo

contrário, a dignidade é um imperativo categórico, ligado a leis morais, universais e

necessárias (na medida em que valem para todos os seres racionais). Desse modo, a dignidade

estaria traduzida pelo segundo imperativo categórico kantiano: “Age de modo a considerar a

humanidade, seja na tua pessoa, seja na pessoa de qualquer outro, sempre também como

objetivo e nunca como simples meio”. (REALE, 2005, p. 381, grifos do autor).

Em Emmanuel Kant, encontramos a base teórica do imperativo categórico não

apenas na perspectiva da universalização de princípios, como também

correspondendo especificamente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na

sua formulação de que o agir deve sempre ser tal que permita reconhecer o ser

humano em si próprio (no sujeito agente) e em todas as pessoas (relação

intersubjetiva e social), também como finalidade da ação, e jamais apenas como

meio. (STUMPF, 2005, p. 24).

Pelo conceito de dignidade kantiano, o ser humano jamais poderia ser utilizado como

meio para alcançar determinado fim, pois o homem é o próprio fim de qualquer ação e toda

ação que contrarie essa máxima é considerada como moralmente inaceitável. Com isso, a

12

O conceito de dignidade já se encontrava em outros pensadores como Cícero, Sêneca, Tomás de Aquino e Pico

della Mirandola. Entretanto, a opção pelo conceito kantiano ocorreu visto ser esse o conceito que mais se

aproxima da atualidade.

Page 54: Manipulação Da Vida

52

manipulação genética embrionária seria moralmente inaceitável, pois instrumentalizaria a

vida humana. Entretanto, apesar de se concordar que a instrumentalização da vida humana é

moralmente inaceitável, a aplicação do imperativo categórico kantiano na contemporaneidade

deve ser realizada com cautela, pois o aspecto universal e objetivo do imperativo categórico

não considera as particularidades de cada caso. Portanto, não se pode analisar um ato pelo ato,

ou seja, não se pode analisar um ato dissociado de seu contexto, das circunstâncias que

levaram à sua realização. Um princípio universal e absoluto é, assim, incapaz de contemplar

os pormenores de cada situação.

Sob outra perspectiva, há autores, a exemplo de Barboza (2004, p. 260), que

consideram a dignidade como algo inerente ao indivíduo, como uma condição natural do seu

aspecto humano. Todavia, considerar a dignidade como algo apenas natural afasta outro fator

primordial para a compreensão de seu significado, que é seu aspecto cultural: não há que se

negar que a dignidade é, antes de tudo, uma construção histórico-social, resultante do trabalho

de diversas gerações.

Ultrapassando a questão da compreensão do significado do termo, Andorno (2010)

afirma que o reconhecimento universal da dignidade humana é uma das principais conquistas

das sociedades modernas. Esse reconhecimento universal da dignidade humana fica claro

quando da análise dos documentos internacionais, a exemplo da Declaração Universal do

Genoma Humano e dos Direitos Humanos (UNESCO, 1997) que, nos dizeres de Andorno

(2010), emprega a noção de dignidade 15 vezes ao longo de seu texto; a exemplo, também, da

Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos e a Biomedicina, e da já citada Declaração

Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948).

Para Andorno “a dignidade humana é o núcleo central dos direitos humanos; os

direitos humanos são justificados pela referência à dignidade humana; os seres humanos têm

direitos porque são dignos de respeito”. (ANDORNO, 2010).

No tocante à bioética, a noção de dignidade é, em alguns casos, recebida de maneira

controversa (especialmente nos assuntos envolvendo a pesquisa genética). Isso ocorre porque

“os novos conhecimentos levantam inúmeras questões, diretamente relacionadas com a ideia

de um valor intrínseco dos seres humanos”. (ANDORNO, 2010). Assim, a bioética lida com

difíceis problemas, provocados principalmente pela dificuldade de assegurar a dignidade

humana no contexto dos avanços técnico-científicos. Dificuldade que se acentua em virtude

da não delimitação de um conceito, principalmente jurídico, do que venha a ser a dignidade

humana. Sobre o tema, Junges afirma que “[...] a formulação de leis atinentes a questões

bioéticas ainda é vaga e problemática. O problema está na própria dificuldade de definir vida

Page 55: Manipulação Da Vida

53

humana, dignidade humana, pessoa humana que são questões metajurídicas de opção

antropológica e ética” (1995, p. 124). Soma-se a isso o fato de a Bioética trabalhar com

questões pontuais, que ultrapassam o “senso comum” do que venha a ser dignidade, o que

torna possível afirmar, inclusive, que “(...) tanto a identidade genética quanto a intimidade e a

intangibilidade do corpo humano são componentes da dignidade da pessoa”. (LIMA, 2004, p.

275).

Em todo caso, mesmo com a imprecisão terminológica e os obstáculos daí advindos,

não há que se negar que tanto o direito quanto a bioética reconhecem e procuram meios para

assegurar a dignidade humana.

Em termos de novas dificuldades, a mais controversa e que apresenta mais impactos

para o meio ambiente, reside exatamente na questão envolvendo a manipulação genética de

embriões humanos, situação que mescla todos os pontos até então tratados: início da vida,

direito à vida e dignidade humana.

3.5 O embrião humano

Muitas são as controvérsias acerca do início da vida humana quando concebida por

meios naturais. Inúmeras são as controvérsias quando a mesma vida humana é concebida por

meios artificiais. Barboza aponta que os problemas em se estabelecer o início da existência do

ser humano são potencializados diante dos fatos inéditos decorrentes da fertilização in vitro, a

exemplo da “possibilidade de um hiato entre o momento da fecundação e o da gestação, que

pode se dar por tempo indefinido”. (BARBOZA, 2005, p. 249). Todavia, as atribulações

envolvendo o embrião humano começam antes, ainda na fase de sua definição

terminológica13

, assim:

Aponta-se, de início, um problema terminológico, na utilização indiscriminada do

vocábulo “embrião”. De acordo com a Biologia, antes da implantação, o óvulo

fecundado denomina-se “zigoto”. O embrião é a entidade em desenvolvimento a

partir da implantação no útero, até oito semanas após a fecundação; a partir da nona

semana começa a ser denominado feto, tendo essa designação até nascer [...].

(BARBOZA, 2005, p. 249).

13

Apesar das diferenças terminológicas entre “zigoto” e “embrião”, percebe-se que grande parte dos autores,

inclusive a autora citada, utiliza-se dos termos como sinônimos.

Page 56: Manipulação Da Vida

54

Para Moore e Persaud, embrião é “o ser humano durante os estágios iniciais de seu

desenvolvimento. O período embrionário vai até o fim da oitava semana14

, momento em que

todas as principais estruturas estão começando a desenvolver-se”. (1994, p. 02).

Já para Serrão, o embrião humano é aquele que pode ser constituído in vivo “no

processo biológico de fecundação ou por inseminação artificial, ou ainda por transferência

intratubar de gametas” (2003); bem como pode ser aquele constituído in vitro, “após a

colheita e mistura de óvulos e espermatozoides” (2003), e posteriormente ser transferido para

o útero, “evoluindo para o feto caso consiga terminar, com sucesso, a fase de implantação”.

(SERRÃO, 2003).

O mesmo autor ressalta um ponto importante para as discussões envolvendo o

embrião humano: é possível, nos casos de embriões constituídos in vitro, conseguir durante

alguns dias – até sete ou oito – um desenvolvimento embrionário que permite o alcance, in

vitro, da fase de blastocisto15

, mas não mais. “Não existem embriões humanos in vitro

desenvolvidos durante 14 dias ou até o aparecimento da linha primitiva. Esta fase de

desenvolvimento, no presente, só é atingida no embrião in vivo e não no embrião humano in

vitro”. (SERRÃO, 2003). Tal fato reforça a concepção apresentada por Barboza (2005) de que

existe um hiato entre o momento da fecundação e o da gestação nos casos de embriões

concebidos in vitro. Dessa forma:

O embrião humano, in vivo ou in vitro, tem natureza biológica humana, desde a fase

de zigoto até o término do processo de implantação, e sua natureza biológica não se

altera pelo fato de os observadores externos passarem a chamar-lhe feto, recém-

nascido, criança, jovem, adulto ou velho. A natureza biológica de pertença à espécie

humana é adquirida quando o zigoto está constituído e não é ampliada nem

diminuída ao longo do tempo de desenvolvimento biológico que só termina com a

morte. Como um ser biológico, o ser humano nasce no zigoto e morre com a

supressão irreparável e definitiva das funções cerebrais na totalidade. (SERRÃO,

2003).

Luna analisa os argumentos segundo os quais se atribui ou se nega o estatuto de

pessoa ao embrião. Assim, para a autora, o primeiro argumento é o que diz respeito “à

sensibilidade do embrião, sinal da emergência dos primórdios do sistema nervoso central com

a placa neural por volta do 22º dia”. (LUNA, 2004). Esse prazo indicaria o primeiro indício da

racionalidade da espécie humana. Entretanto, prossegue a autora, o 14º dia

14

56 dias. 15

“Blastocisto (Gr. blastos, germe + kystis, vesícula). Após 2 ou 3 dias, a mórula entra no útero, a partir da tuba

uterina (tuba de Falópio). Rapidamente, uma cavidade preenchida por líquido – a cavidade blastocística – se

desenvolve no seu interior. Esta mudança converte a mórula em blastocisto. Suas células localizadas

centralmente – a massa celular interna ou embrioblasto – formam o primórdio do embrião”. (MOORE;

PERSAUD, 1994, p. 2).

Page 57: Manipulação Da Vida

55

é adotado como marco preferencial do estabelecimento da condição de pessoa, em

primeiro lugar porque assinala o término da fase de implantação do embrião no

útero materno, mas principalmente por indicar o fim do estágio indiferenciado do

embrião, com a formação da linha primitiva. A partir da emergência dessa estrutura

é possível falar em individualização do embrião, não mais podendo este dividir-se

em dois ou se fundir em outro. (LUNA, 2004).

O estabelecimento desse marco é crucial para os casos de concepção da vida por

meios não naturais. Isso porque, o momento em que o embrião for considerado vida, ou

pessoa, será fundamental para a delimitação da fase limite para qualquer tipo de

intervenção/manipulação.

Com relação à atribuição ou não de personalidade ao embrião, Naves afirma que

“sua proteção jurídica não se faz pela atribuição de personalidade”. (NAVES, 2010, p. 104).

Para o citado autor,

[...] não há condições para o desenvolvimento do embrião enquanto fora do útero

materno. Dessa forma, em princípio, não é ele pessoa e seus dados genéticos, como

meras informações de um “vir a ser”, não lhe atribuem titularidade. Todavia essa

afirmação só se legitima diante da realidade argumentativa travada pelas partes.

Afirmar que, “em princípio, o embrião crioconservado não é pessoa” não implica em

peremptória determinação a priori. Logo, na argumentação pode mesmo construir-

se a personalidade do embrião. Não havendo argumentos suficientes para tal, o

embrião in vitro será um referencial normativo de uma situação de dever jurídico.

Neste caso, não é ele pessoa, não é titular de situações jurídicas, mas pode ser

referência para a situação de dever que o protege, inclusive a seus dados genéticos.

(NAVES, 2010, p. 104).

Por essa análise, a proteção jurídica do embrião não estaria negada, visto que não

seria necessária sua vinculação à atribuição de personalidade ao embrião. Entretanto, a

caracterização do embrião crioconservado como pessoa estaria condicionada a argumentação

apresentada.

Por outro lado, a delimitação do momento em que a vida humana embrionária tem

início é importante para o esclarecimento de outra questão: o embrião humano é merecedor de

dignidade?

Buscando responder tal questionamento, Corrêa e Conrado afirmam que a solução

não seria a obtenção de respostas sobre “o que é digno”, mas sim, ponderar os valores de

dignidade:

É preciso partir do princípio de que o embrião tem sua própria dignidade, assim

como pacientes que necessitam da ciência para a busca de cura de seus males

também possuem sua dignidade. No exercício de ponderação entre a colisão de

valores reside a resposta para o reconhecimento da dignidade humana. (2007, p. 85).

Page 58: Manipulação Da Vida

56

Já para Junges, o embrião, apesar de ainda não ser uma pessoa humana em plenitude,

possui dignidade, pois pertencente à espécie humana, possuindo todas as potencialidades para

tornar-se pessoa. Ainda segundo o autor, esses fatores fazem com que o embrião mereça a

“solidariedade ontológica por sua proximidade e identificação com a espécie humana” (1995,

p. 153), atribuindo-lhe, por isso, a dignidade pessoal. Portanto, ao embrião é exigido o mesmo

respeito devido a quem tem dignidade pessoal, razão pela qual qualquer “redução do embrião

a meio para outros fins é um desrespeito à sua dignidade”. (1995, p. 153). Finaliza o autor

afirmando que a ciência deve progredir, mas não por meios que firam a dignidade humana.

“Ela precisa ser criativa e buscar caminhos alternativos de pesquisa que não atinjam a

integridade física do embrião e de qualquer ser humano”. (JUNGES, 1995, p. 153).

O reconhecimento de dignidade ao embrião humano, dessa forma, mesmo que uma

dignidade própria, impede o seu tratamento como mero objeto, conferindo-lhe um status de

“humanidade”.

Por outro lado, quando o embrião humano é concebido por métodos não naturais e

exposto a técnicas de investigação de doenças, a exemplo do DGPI, outro problema, que

coloca em risco a atribuição da dignidade e que tem consequências para o meio ambiente,

vem à tona: a inviabilidade embrionária.

3.5.1 A inviabilidade embrionária

O conceito de inviabilidade é de extrema complexidade. Nem mesmo a medicina é

unânime na construção do que de fato seria um embrião inviável.

Donadio et al salientam que o termo “inviabilidade embrionária” não seria o mais

correto, pois, para os autores, inviabilidade seria a “parada completa de desenvolvimento: a

morte embrionária”, o que impossibilitaria a utilização do embrião, restando-lhe apenas o

descarte. Assim, prosseguem afirmando que “o conceito de inviabilidade não seria

diretamente do embrião, mas sim, da inviabilidade da obtenção de gestação viável a partir

deste embrião”. (DONADIO et al., 2005).

Entretanto, o termo utilizado pela legislação é “inviabilidade embrionária” (ou

embriões inviáveis), conforme inciso XIII do art. 3º do Decreto nº 5.591/05 (que regulamenta

os dispositivos da Lei nº 11.105/05, Lei de Biossegurança):

Page 59: Manipulação Da Vida

57

XIII – embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por

diagnóstico pré implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo

Ministério da Saúde, que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência

espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da

fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno

desenvolvimento do embrião. (BRASIL, 2005).

Dessa forma, a inviabilidade embrionária pode ocorrer em duas situações distintas: a

primeira ligada às alterações genéticas, e a segunda às alterações morfológicas/evolutivas.

Inviabilidade evolutiva ocorre “quando a transferência uterina do embrião não

resultaria em gravidez”. Já a inviabilidade genética é “caracterizada por alterações do embrião

comprovadas pelo diagnóstico pré-implantacional, incompatíveis com a vida, ou que não

foram comprovadas por falhas da técnica, mas com elevado risco”. (DONADIO et al., 2005).

Quando um embrião é considerado inviável por apresentar alguma alteração genética

indesejada, a sua implantação no útero materno não ocorre, visto que a finalidade do exame

genético (conforme considerações do próximo capítulo) é justamente evitar a propagação de

alguma doença genética hereditária para os futuros filhos.

Assim, tanto para os casos de inviabilidade genética quanto para os de inviabilidade

evolutiva, os genitores possuem duas alternativas para os embriões inviáveis: a) o descarte

(que não possui menção legal) ou; b) a autorização (consentimento) para a utilização de suas

células-tronco para fins de pesquisa e terapia.

Com relação à segunda alternativa, doação para pesquisas, o art. 5º da Lei de

Biossegurança assim dispõe:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco

embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e

não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

[...]

§1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

[...]. (BRASIL, 2005).

De qualquer maneira, a opção pelo descarte ou pela doação para pesquisa cabe

somente aos genitores.

Page 60: Manipulação Da Vida

58

3.5.2 Tratamento jurídico conferido ao embrião

Pode-se dizer que há, pelo menos, três situações distintas relativas ao tratamento

jurídico conferido (ou que deveria ser conferido) aos embriões: a primeira, relativa aos

embriões concebidos e desenvolvidos no ventre materno; a segunda, relativa aos embriões

concebidos fora do ventre materno, mas nele implantados para o desenvolvimento; e a

terceira, referente aos embriões inviáveis (sem aqui mencionar os casos de embriões

excedentários).

Não existem dúvidas de que, não obstante a divergência doutrinária, “o ser humano

concebido e desenvolvido no ventre materno goza de tutela jurídica, sendo-lhe atribuída uma

personalidade pré-natal, segundo alguns”. (BARBOZA, 2005, p. 250-251). Tanto é assim, que

o Código Civil, em seu art. 2º, coloca a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Entretanto, se para a doutrina, conforme discussão do item 3.2, o estabelecimento do

momento em que a futura criança passa a ter seus direitos assegurados é controverso em

termos de concepção natural, o que dizer com relação ao embrião concebido artificialmente?

Nesse sentido, retorna-se ao hiato mencionado por Barboza (2005) entre o momento

da concepção (ou fertilização) e o momento da implantação. Que tipo de proteção merece o

embrião nesse intervalo de tempo?

Nos dizeres de Araújo “é evidente que, no que tange aos embriões mantidos em

laboratório, o fenômeno da concepção já resta ocorrido”. (ARAÚJO, 2007). Falta saber,

contudo, o tipo de proteção jurídica conferida ao embrião nessa fase.

Barboza salienta que não deve o embrião ser considerado como um mero objeto, ou

“coisa”, como fazem algumas legislações. Por outro lado, ressalta a autora, “se é certo que o

concebido não é ‘coisa’, atribuir ao embrião pre-implantatório (sic) natureza de pessoa ou

personalidade seria uma demasia, visto que poderá permanecer indefinidamente com uma

‘potencialidade16

’”. (BARBOZA, 2005, p. 266).

16

A noção de ato e potência é atribuída a Aristóteles na “Metafísica” (metafísica é uma ciência teorética, ou seja,

uma ciência que busca o saber em si mesmo). Aristóteles apresenta quatro definições para a metafísica, sendo

que a segunda dessas definições é a que indaga o ser enquanto ser, isto é, a que considera o ser como inteiro,

procurando chegar à sua causa primeira. Dentro dessa definição, Aristóteles distingue quatro grupos

fundamentais de significado do ser: a) ser como categorias (ser em si); b) ser como ato e potência; c) ser como

acidente; d) ser como verdadeiro.

Com relação ao segundo grupo, ser como ato e potência, o filósofo afirma que trata-se de significados

originários, que não podem ser definidos em relação a uma outra coisa, mas tão somente em relação mútua um

com o outro. Para explicar essa relação, Aristóteles se vale de exemplos, como o da planta de trigo, que é trigo

em potência, enquanto a espiga madura é trigo em ato. Destarte, para Aristóteles a matéria é uma potencialidade,

pois capaz de assumir ou receber a forma. Por outro lado, a forma se configura como ato daquela capacidade.

Page 61: Manipulação Da Vida

59

A questão, sob os seus vários ângulos, é complexa e delicada. A legislação dos

diferentes países oscila, ora adotando uma atitude proibitiva quanto à pesquisa e

criação de embriões excedentes (às vezes limitando seu número), ora

regulamentando os objetivos da pesquisa. Diferem também as normas quanto à

limitação da fase de vida embrionária, bem como quanto ao destino do embrião após

a pesquisa (implantação ou destruição). A Convenção de Direitos Humanos e

Biomedicina do Conselho da Europa (art. 18, §1º) destaca a necessidade de proteger

o embrião durante a pesquisa. (BARBOZA, 2005, p. 267).

Para Corrêa e Conrado, a proteção conferida pelo Código Civil deve se estender ao

embrião, visto que antes do nascimento com vida já existe uma pessoa, com aptidão para

exercer direitos, “só que sem personalidade civil, posto que esta pressupõe o ‘nascimento com

v da’”. (CORRÊA; CONRADO, 2007, p. 86).

Com relação a essa extensão ao embrião humano da proteção conferida ao nascituro,

de certa forma equiparando-os, Rocha afirma que tal equiparação é realizada por alguns

autores com o intuito de se garantir amparo jurídico ao embrião humano pré-implantatório.

Segundo a autora, os críticos desse posicionamento compreendem que “o embrião concebido

in vitro não se insere na categoria de nascituro, uma vez que na época da elaboração do

conceito de nascituro, só era possível supor que a concepção se efetuasse in útero” (ROCHA,

2008), não existindo, ainda, a possibilidade da concepção extracorpórea. Já a corrente que

apoia tal posicionamento o faz sob o argumento de que “se a vida humana merece proteção

desde a concepção (...), esse termo deve ser compreendido dentro do seu significado atual, já

consideranda (sic) a hipótese de que a concepção ocorra tanto in útero quanto in vitro”.

(ROCHA, 2008).

Em que pesem tais divergências, merece destaque o posicionamento da autora que

afirma que, em princípio, não se pode

adequar o embrião pré-implantatório à categorização de pessoa natural nem,

tampouco, à de nascituro, ou mesmo de prole eventual, elaborada pelo Direito

tradicional. Isso porque, com base no Direito Civil clássico, não é possível

compreender o embrião como pessoa natural antes do nascimento com vida; não é

permitido considerá-lo nascituro, porquanto, à época dessa classificação,

evidentemente caracterizava-se como tal apenas o ser concebido e em

desenvolvimento no útero materno; descartada do mesmo modo está a hipótese de

prole eventual, vez que já houve a concepção, fato esse que afasta a eventualidade.

Desse modo, adotando a teoria concepcionista como ponto de partida, por entender

que nela há mais garantia e mais fidelidade ao perfil da tutela global da vida humana

[...], não há como negar que uma nova vida se inicia com a concepção, tampouco se

pode negar a natureza humana dessa vida incipiente. Essa constatação é, por si só,

suficiente para que se lhe reconheça a necessidade da outorga de proteção jurídica

(REALE, 2004, p. 193-200). Assim, aplicando a teoria aristotélica ao embrião humano este, enquanto in vitro,

seria uma pessoa em potência, pois possui toda a informação genética necessária para se tornar uma pessoa em

ato.

Page 62: Manipulação Da Vida

60

em todas as etapas da vida humana, a qualquer momento e onde quer que ela se

encontre. (ROCHA, 2008).

Apesar da falta de uma legislação específica que trate da tutela do embrião humano,

fato é que este merece algum tipo de proteção. Todavia, não há consenso quanto ao tipo de

proteção jurídica que deve ser conferida ao embrião, tampouco ao momento a partir do qual

essa proteção deve se iniciar. A dúvida aumenta quando o embrião em questão é aquele dito

inviável ou o embrião excedentário, situações em que a própria legislação de biossegurança

deixa a cargo dos genitores a escolha quanto ao destino dos embriões, se mantidos congelados

para uma futura implantação, ou se doados para a realização de pesquisas com suas células-

tronco. Todavia, a legislação não cita o descarte, que pelos argumentos até aqui apresentados,

não se apresenta como uma saída eticamente possível.

A questão da vida, apesar de muito debatida, ainda continua como uma incógnita.

Das teorias que buscam explicar o início da vida como um todo, passando pelas teorias que

procuram fixar o momento exato em que a vida humana e a vida humana embrionária se

iniciam, muitos são os debates e inúmeras são as dúvidas e controvérsias.

Se a vida já era um enigma quando estudada pelos meios naturais de concepção, com

os avanços técnico-científicos e o surgimento de maneiras alternativas ao seu início natural,

os enigmas tornaram-se maiores, e a vida passou a despertar dúvidas até então impensadas.

Com isso, o embrião humano passou de simples fase do desenvolvimento, ao núcleo

de debates éticos, jurídicos, biológicos e filosóficos. A possibilidade de se obter um embrião

in vitro e, ainda, a possibilidade de mantê-lo nesse estágio por tempo indeterminado, descartá-

lo ou utilizá-lo como fonte de pesquisas e investigações ainda causa receio em muitas pessoas.

A falta de um estatuto próprio para o embrião, que defina exatamente os limites da sua

proteção e do seu uso, contribui para esse cenário.

A ideia de manipulação genética embrionária ainda está cercada de dúvidas e

colabora com a reafirmação do imaginário popular apoiado no argumento de que o homem,

por meio da ciência, estaria “brincando de Deus”.

Entretanto, é preciso demonstrar que os avanços técnico-científicos, ao contrário da

opinião de muitos, buscam a melhoria da qualidade de vida das pessoas, e não ocorrem de

maneira descontrolada e sem limites.

Sendo assim, o quadro que se apresenta até o momento mostra-se propício para a

investigação de como a vida humana, especificamente a vida humana embrionária, vem sendo

manipulada até aqui. Outro ponto é identificar quais os avanços que a ciência, a tecnologia e a

medicina alcançaram e como esses avanços são aplicados em situações práticas (e

Page 63: Manipulação Da Vida

61

juridicamente permitidas) do cotidiano. Ademais, esse cenário também é favorável para a

averiguação de quais são os impactos já existentes, e os impactos futuros, dessa manipulação

genética embrionária para o meio ambiente (principalmente quando se considera a questão da

sua proteção para as gerações vindouras), e como o direito e a bioética se posicionam em

relação à questão.

Page 64: Manipulação Da Vida

62

4 MANIPULAÇÃO GENÉTICA DA VIDA HUMANA

O homem da antiguidade tinha a necessidade de adotar normas para o alcance de

uma vida correta, de uma boa vida. Nesse aspecto, o próprio cosmos e a própria natureza

ofereciam os elementos “impregnados de normas, que aparentemente também ofereciam

elucidação sobre a vida correta” (HABERMAS, 2010, p. 4), ou seja, ofereciam os elementos

necessários para a construção de um “modelo digno de imitação para a vida”. (HABERMAS,

2010, p. 4). A construção dessa boa vida estava atrelada à noção de sociedade justa, assim, na

antiguidade as bases do modelo único de vida a ser adotado se encontravam na ética e na

política.

A aceleração da transformação social, entretanto, encurtou os períodos de declínio

dos modelos de boa vida adotados até então, que tiveram seu fim com o início do liberalismo

político. Habermas afirma que o liberalismo político “tira suas conclusões a partir do fracasso

das tentativas filosóficas de designar determinados modos de vida como exemplares ou

universalmente decisivos”. (2010, p. 5). Dessa forma, o modelo de boa vida dá lugar à

liberdade que cada pessoa possui de escolher o que fazer com a sua própria vida. Nesse

momento, apesar de os indivíduos partilharem de um mesmo contexto sociocultural, a noção

de boa vida deixa de ser universal e passa a ser pessoal.

Já no atual Estado Democrático de Direito, a despeito da permanência do caráter

autônomo de escolha do que seria uma boa vida, não há como se afirmar que tal escolha seja

totalmente individual, pois inserida em um contexto de coletividade. Entretanto, a noção de

coletivo hoje está mais próxima do aspecto normativo (de direito, de justiça), o que faz com

que a aplicação das normas considere, além do interesse individual, também o interesse da

sociedade.

Os avanços técnico-científicos, todavia, modificaram mais uma vez esse cenário.

Com os conhecimentos advindos das descobertas em torno do DNA e do genoma humano, a

técnica contemporânea ampliou os horizontes da noção de individual e coletivo, passando a

compreender o homem como espécie. Essa ampliação de horizontes também trouxe novas

possibilidades para o homem. Assim, o que antes era dado como natural e imutável, hoje pode

sofrer intervenções diretas, isto é, o homem adquire a capacidade de intervir na natureza e

orientá-la para um determinado objetivo. Esse cenário faz com que a fronteira entre o que o

homem é e a disposição orgânica que ele dá a si mesmo acabe se dissipando.

Page 65: Manipulação Da Vida

63

Por conseguinte, para os sujeitos produtores, surge um novo tipo de auto-referência,

que alcança o nível mais profundo do substrato orgânico. Sendo assim, dependerá da

autocompreensão desses sujeitos o modo como desejarão utilizar o alcance da nova

margem de decisão – de maneira autônoma, segundo considerações normativas que

se inserem na formação democrática da vontade, ou de maneira arbitrária, em

função de suas preferências subjetivas, que serão satisfeitas pelo mercado.

(HABERMAS, 2010, p. 17-18).

É nesse contexto de mudanças de paradigmas e construção de uma nova ideia de

“boa vida” que se desenvolvem as técnicas de manipulação da vida humana. É também nesse

contexto que ocorrem as maiores discussões acerca da aplicação dessas técnicas, da maneira

como elas são normatizadas pelo direito e quais os reflexos que elas podem trazer para áreas

mais amplas, como o meio ambiente.

Assim sendo, é possível afirmar que a manipulação da vida humana na

contemporaneidade pode ocorrer de diversas formas, desde aquelas que buscam a cura para

alguma enfermidade grave, até aquelas mais ousadas, cuja finalidade é alterar a carga genética

para obter indivíduos com características inéditas.

Dentre as formas de manipulação da vida humana em sua fase embrionária, o

Diagnóstico Genético Pré-Implantação apresenta-se como a técnica permitida e com

utilização mais frequente pela medicina, fato que não a exime de polêmicas e argumentos

desfavoráveis.

Contudo, existem outras formas de manipulação da vida humana em geral (e não

apenas em seu estágio embrionário), algumas ainda em fase de estudo e outras que já

começaram a apresentar alguns resultados. Dentre essas formas destacam-se duas, ligadas à

engenharia genética, e de grande impacto para a discussão em questão: a terapia e a

manipulação genéticas.

Pela análise de tais técnicas são fornecidos elementos suficientes para a construção

da resposta ao problema aqui apresentado: qual é o impacto da manipulação genética

embrionária humana para o meio ambiente.

Assim, para a medicina, a engenharia genética compreende a totalidade das técnicas

dirigidas a alterar ou modificar a carga hereditária de alguma espécie, seja com o fim de

superar enfermidades de origem genética (terapia genética ou gênica), ou com o objetivo de

produzir modificações ou transformações com fins experimentais, isto é, de lograr a

concepção de um indivíduo com características até esse momento inexistentes na espécie

humana (manipulação genética). (BARTH, 2005).

Por conseguinte, engenharia genética seria o gênero que abrangeria as espécies

terapia e manipulação genéticas. Dentre os juristas, os termos são definidos de diferentes

Page 66: Manipulação Da Vida

64

maneiras. Luiz Regis Prado afirma que na manipulação genética o que existe é uma atuação

sobre o genoma humano, “que ao ser modificado produz também alteração no processo

evolutivo biológico natural que encerra a vida”. (2012, p. 378-379). Já na engenharia

genética, a intervenção ocorre no próprio núcleo celular – como atividade de produção e

manipulação de moléculas de DNA/RNA recombinante. Ou seja, a engenharia genética

permite a modificação precisa do material hereditário, bem como a transferência de um só

gene de um organismo a outro. A noção de engenharia genética envolve, dessa maneira, as

técnicas de manipulação genética, clonagem e sondagem de DNA.

Em verdade, a engenharia genética propriamente dita compreende a totalidade de

procedimentos dirigidos a alterar o patrimônio hereditário de uma espécie – seja

com o fim de superar enfermidade de origem genética, seja com o propósito de

produzir modificações com finalidade experimental. (PRADO, 2012, p. 379).

Paulo Vinicius Sporleder de Souza (2007, p. 23-25) afirma que as expressões

“manipulação genética” e “engenharia genética” são as mais utilizadas pela doutrina

especializada para referir-se às “tecnologias genéticas que envolvem as intervenções sobre o

genoma humano” e que, embora comumente apresentadas como sinônimas, não se confundem

(a engenharia genética estaria mais relacionada com a manipulação genética em sentido

estrito, ou manipulação genética própria, do que com a manipulação genética em sentido

amplo, ou manipulação genética imprópria). Todavia, o próprio autor, apesar de reconhecer a

diferença dos termos, opta por utilizá-los de maneira indiferenciada, assim:

a engenharia genética humana pressupõe modificação artificial (total ou parcial) do

genoma de determinada célula ou organismo particular, sendo que isto pode ser

levado a efeito de forma programada mediante a adição, substituição ou supressão

de determinado(s) gene(s). Por via de consequência, no ser humano, esta alteração

pode ser dirigida a fins terapêuticos, ou seja, para a correção ou tratamento gênico

(terapia gênica), ou para fins não necessariamente terapêuticos, isto é, científicos ou

até mesmo outros fins reprováveis, com a seleção eugênica (positiva) de

determinados caracteres biológicos não patológicos do genoma humano, ou através

da criação de novos seres híbridos e aberrações humanas. (SOUZA, P., 2007, p. 24).

Para a medicina, a terapia gênica, ou terapia genética, é o procedimento destinado a

introduzir em células, com o uso de técnicas de DNA recombinante17

, uma cópia funcional de

um gene (nesse contexto denominado “gene terapêutico”) para substituir, manipular ou

suplementar genes inativos ou disfuncionais (“defeituosos”). (LINDEN, 2010).

17

“Tecnologia pela qual uma molécula de DNA é construída in vitro a partir de segmentos de mais de uma

molécula de DNA parental”. (NUSSBAUM et al, 2002, p. 360).

Page 67: Manipulação Da Vida

65

Em outras palavras, seria o tratamento de uma doença por meio da introdução de um

gene em uma célula com a finalidade de obter um efeito terapêutico. Sua principal meta é, por

meio da correção do fenótipo mutante, melhorar a saúde do paciente. Existem três propósitos

para a terapia gênica: a) ser capaz de compensar um gene celular mutante que tenha uma

mutação de perda de função; b) substituição ou inativação de um gene mutante dominante

cujo produto anormal causa a doença, que geralmente é dominante; c) obtenção de um efeito

farmacológico “para contrabalançar os efeitos de um gene celular mutante” ou para

compensar de alguma outra maneira a patogenia da doença. (NUSSBAUM et al., 2002, p.

237-238).

Existem dois tipos de técnicas utilizadas para levar os genes ao interior das células:

ex vivo e in vivo. Na primeira, células dos pacientes são retiradas para a realização de cultura

e, por meio de vetores, nelas é inserido o gene previamente isolado e trabalhado; as células

tratadas são, assim, levadas de volta ao paciente por infusão. As células mais utilizadas nesse

tipo de técnica são as da medula. Já na técnica in vivo, o gene trabalhado é diretamente levado

ao organismo do paciente, também por meio de vetores, mas não é necessária a retirada da

célula e sua posterior reintrodução no paciente. (AZEVÊDO, 2006).

O gene inserido, chamado de gene de interesse ou transgene, deve ser transportado

por um vetor, que funciona como um carregador que facilita a entrada do DNA nas células

vivas. Três classes principais de vetores merecem destaque: vetores virais18

(o método

utilizado é o biológico, em que há o emprego de organismos que possuem naturalmente a

capacidade de transferir material genético, como no caso dos vírus e algumas bactérias),

vetores químicos (o vetor é alguma substância de origem química) e vetores físicos (a

transferência do transgene ocorre de maneira mecânica).

Não obstante a proximidade entre as nomenclaturas, há de se ressaltar que as terapias

gênicas não se confundem com as terapias celulares. Para ser considerada como terapia

celular, a técnica deve empregar uma célula inteira para tratar uma doença, e o tratamento

deve ser realizado a partir das propriedades regenerativas de células-tronco ou de outros

efeitos, “a maior parte dos quais ainda não explicados, das células transplantadas”. (LINDEM,

2010). Assim, as terapias celulares não envolvem, necessariamente, modificação genética. Por

outro lado, para que a terapia seja considerada como terapia gênica é necessário que esteja

embasada na introdução ou na modificação de genes, fato que pode ser realizado diretamente

in vivo, dispensando o auxílio de células inteiras do próprio paciente ou de doadores. Com

18

São os mais utilizados.

Page 68: Manipulação Da Vida

66

isso, um tratamento será caracterizado como terapia gênica quando da introdução do gene e

do uso de tecnologias de DNA recombinante. (LINDEM, 2010).

Com relação à terapia gênica realizada em células germinativas19

(TGCG), esta

objetiva a mudança definitiva do genoma da pessoa e de seus descendentes, antes do

nascimento. Tal tipo de terapia pode ser realizada quando o zigoto apresenta apenas algumas

células (fase de pré-implantação), ou nos próprios gametas ou nas células que lhes dão origem

(antes da fertilização). Esse tipo de intervenção, por manipular a constituição biológica

definitiva da pessoa, traz muitos aspectos bioéticos polêmicos, gerando argumentos contrários

e favoráveis à sua utilização.

Assim, aqueles que se mostram favoráveis à TGCG apresentam as seguintes

questões:

a) existe, entre os profissionais da área da saúde, a obrigação moral de por em

prática os melhores métodos disponíveis para tratamento de doenças; b) os pais

devem ter plena autonomia e direito de acesso à tecnologia disponível visando a

obtenção de gerar filhos sadios; c) a TGCG é mais eficiente e tem menor custo

efetivo que a TGCS (terapia gênica de células somáticas); d) deve-se preservar a

liberdade de pesquisa e o valor intrínseco do conhecimento. (AZEVÊDO, 2006).

Apesar dos argumentos favoráveis, a cautela é sempre ressaltada pelos autores, tendo

em vista as limitações técnicas e o não conhecimento sobre complicações indesejadas.

Já para a corrente que se mostra contrária ao uso da TGCG, duas perguntas básicas

refletem os conflitos existentes: “quando começa a vida individual e a quem pertence o

patrimônio genético de cada pessoa?”. (AZEVÊDO, 2006).

O primeiro argumento, da vida individual, remete à reflexão do capítulo 3 (“Vida,

para além do nascer”), sobre todas as teorias acerca do início da vida e da personalidade.

Assim, por exemplo, se se considerar que a vida tem início com a fecundação, a terapia em

célula germinativa não poderia ser admitida, pois alteraria uma vida já concebida. Já o

segundo argumento, relativo à titularidade do patrimônio genético de cada pessoa é bastante

polêmico, visto que o patrimônio genético carrega todas as características do indivíduo. Com

isso, a modificação de células germinativas alteraria diretamente o genoma da pessoa e,

consequentemente, toda sua informação genética e da sua descendência. Nesse aspecto, a

dúvida gira em torno da questão de se saber se uma pessoa possui autonomia suficiente para

autorizar esse tipo de intervenção. Por outro lado, importa ressaltar que o genoma traz todos

os dados genéticos de uma pessoa, dados que possuem alto valor, pois são capazes de

19

São as células que originam os gametas.

Page 69: Manipulação Da Vida

67

informar, dentre outros aspectos, a predisposição para determinadas doenças, a maneira como

o organismo da pessoa pode responder a certo medicamento, além de informações sobre os

membros da família biológica do indivíduo, o que pode despertar interesses até mesmo

econômicos (por exemplo, das seguradoras de saúde). Apesar da importância do tema, a

titularidade do patrimônio genético é uma questão complexa, que não será objeto do presente

estudo.

No tocante às normas sobre terapia gênica, o Código de Ética Médica, no capítulo

reservado aos direitos dos médicos, afirma que é vedado ao médico:

Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de

tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia

genética.

[...]

Art. 16. Intervir sobre o genoma humano com vista à sua modificação, exceto na

terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na

modificação genética da descendência. (CFM, 2009).

Apesar do Código se referir a “legislação específica” sobre terapia gênica, esta ainda

não existe. A Instrução Normativa CTNBio nº 9, de 10 de outubro de 1997, que dispõe sobre

as normas para intervenção genética em seres humanos, em seu tópico 2 intitulado “escopo”,

afirma que:

De acordo com o art. 8º da Lei 8.974/9520

, é vedada a intervenção em material

genético humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos. Entende-se

como defeitos genéticos aqueles herdados ou adquiridos durante a vida e que

causam problemas à saúde humana.

Defeitos genéticos podem ser causados por: mutação de ponto, inserção, deleção,

translocação, amplificação, perda ou ganho cromossômico, ou pela presença de

genoma ou parte de genoma de organismos infecciosos.

Terapia gênica somática ou transferência gênica para células somáticas são técnicas

de intervenção ou manipulação genética que visam a introdução de material genético

em células somáticas por técnicas artificiais, com a finalidade de corrigir defeitos

genéticos ou estimular respostas imunes contra a expressão fenotípica de defeitos

genéticos, ou para prevenir a sua ocorrência. (CTNBio, 1997).

A Instrução Normativa afirma, ainda, que todo experimento de intervenção ou

manipulação genética em humanos deve ser considerado como Pesquisa em Seres Humanos,

enquadrando-se na Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece

diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

A Lei nº 11.105/05, Lei de Biossegurança, em seu art. 25, tipifica a conduta de

“praticar engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião

20

Revogada pela Lei 11.105, de 24 de março de 2005, que trouxe no art. 6º, III, disposição proibitiva

semelhante.

Page 70: Manipulação Da Vida

68

humano”, aplicando pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Paulo Vinicius

Sporleder de Souza define as condutas tipificadas pelo citado artigo como crimes de

engenharia ou manipulação genética humana, que seriam “aquelas atividades que, de forma

programada, permitem modificar (total ou parcialmente) o genoma humano, com fins não

terapêuticos reprováveis, através da manipulação de genes”. (SOUZA, P., 2007, p. 24).

Com isso, apesar da importância do tema e dos impactos que os métodos

apresentados provocam, percebe-se certa fragilidade legislativa no tocante às técnicas que

envolvem a manipulação da vida. Fragilidade que ocorre tanto na definição dos termos

utilizados, quanto na delimitação exata do que realmente colocaria em risco o genoma

humano e, consequentemente, traria efeitos para o indivíduo, para seus descendentes e para o

meio ambiente. Essa fragilidade, por outro lado, decorre do fato de o direito, por diversas

vezes, se ver diante de desafios difíceis de serem resolvidos (ainda mais diante da rapidez

com que a ciência evolui), o que faz com que seja quase inevitável a existência

de um intervalo de tempo durante o qual determinada prática científica estará

completamente fora do previsto pela norma vigente, o que cria uma fastidiosa lacuna

jurídica que incomoda tanto o jurista, que tem de ditar a norma, quanto o cientista,

que deseja se assegurar de que seu trabalho não será questionado depois pelo

ordenamento [...]. (BERIAIN, 2007, p. 89-90).

Dessa maneira, não há como o direito delimitar precisa e previamente todas as

hipóteses do que colocaria em risco o genoma humano. O direito, nesse aspecto, adota uma

posição de “espera prudente (moratória) que permite ao jurista conceder um intervalo de

tempo suficiente para entender em toda a sua complexidade o fenômeno, objeto de seu

exame”. (BERIAIN, 2007, p. 90). Fato que reforça sua postura como instrumento mediador

(ora com mais ou ora com menos rigidez) entre os avanços da técnica médica e as

consequências para o meio ambiente.

De todo modo, as técnicas apresentadas que envolvem a manipulação da vida dizem

respeito ao genoma humano, razão pela qual merecem maior atenção por parte do

ordenamento jurídico e da bioética, que devem sempre zelar pela proteção da identidade

genética da humanidade. Pelo mesmo motivo, tais técnicas também estão relacionadas ao

meio ambiente, trazendo-lhe consequências que devem ser investigadas.

Assim, a manipulação genética, por tratar-se de uma técnica que busca produzir

modificações ou transformações com fins meramente experimentais, concebendo indivíduos

com características totalmente inexistentes até então, possui um grau de reprovabilidade mais

acentuado, bem como mais evidente é o seu impacto sobre o genoma humano e sobre o meio

Page 71: Manipulação Da Vida

69

ambiente. Além disso, os problemas éticos envolvendo a técnica também são identificados

mais claramente: manipular o genoma humano com finalidade meramente experimental é,

evidentemente, utilizar o homem como meio para alcançar fins que lhe são completamente

alheios. Nessa situação, não há dúvidas quanto à aplicação da teoria kantiana sobre a

inadmissibilidade da instrumentalização da vida humana, razão pela qual deve o direito ser

rígido quanto às normas de aplicação da técnica.

Já na terapia genética, em que um gene é introduzido na célula a fim de que o efeito

terapêutico seja obtido, o que envolve, necessariamente, a introdução ou a modificação de

genes, independentemente da técnica empregada, esse grau de reprovabilidade é mais difícil

de ser mensurado. Isso porque o fato de a técnica ter como finalidade o efeito terapêutico

coloca em debate dois direitos importantes: o direito da preservação do genoma (ou do

patrimônio genético) versus o direito de encontrar a cura para enfermidades.

Essa colisão de direitos, quando analisada pelo viés da bioética, deve levar em

consideração os três princípios bioéticos básicos: beneficência, autonomia e justiça. Assim, de

acordo com o princípio da beneficência o profissional possui a obrigação de agir para o

benefício do outro, não apenas do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista ético.

A beneficência trabalha com a questão da minimização dos riscos e maximização dos

benefícios. É o princípio que prega que o profissional deve fazer o bem. (LOCH, 2002). O

segundo princípio, da autonomia, é definido pela capacidade que uma pessoa possui para

“decidir fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma”. (NAVES; SÁ,

2011, p. 34). O princípio da autonomia altera a relação autoritária existente entre médico e

paciente, abrindo espaço “para a consideração do paciente como sujeito partícipe do processo

de tratamento”. (NAVES; SÁ, 2011, p. 34). É no respeito a esse princípio que se constrói a

relação terapêutica entre o profissional da saúde e o seu paciente, daí derivando o

consentimento para a realização de diagnósticos, procedimentos e tratamentos. Por sua vez, o

princípio da justiça “refere-se ao meio e fim pelo qual se deve dar toda intervenção

biomédica, isto é, maximizar os benefícios com o mínimo custo” – financeiro, social,

emocional e físico. (NAVES; SÁ, 2011, p. 35).

Apesar da dificuldade em se estabelecer o quão reprovável é ou não a terapia

genética, no caso da terapia genética em células somáticas (não reprodutivas) – TGCS – esta

é atualmente comparada aos outros tipos de experimentação de caráter terapêutico, a exemplo

do transplante de órgãos, sujeitando-se, com isso, aos limites jurídicos e éticos estabelecidos

para esses tipo de procedimento. (SOUZA, P., 2007, p. 26). Neste caso, o seu impacto na

bioética deve ser medido pelos princípios apresentados, ou seja, se a sua realização vai trazer

Page 72: Manipulação Da Vida

70

resultados positivos para o paciente (relação “custo-benefício” deve ser positiva), se o

paciente foi devidamente esclarecido quanto aos possíveis riscos e consequências da

realização da terapia e se com eles está de acordo, e se os valores do paciente estão sendo

levados em consideração quando da realização da terapia genética. Se a avaliação desses

pontos for positiva, os impactos para a bioética também serão positivos, ou seja, a terapia se

mostrará adequada ao caso concreto. Entretanto, é importante ressaltar que ainda não existe

certeza se a utilização da TGCS traz algum tipo de consequência para a descendência do

indivíduo, o que coloca em dúvida os riscos e efeitos da técnica para o meio ambiente.

Já quando a terapia genética é utilizada em células germinativas, a colisão de direitos

torna-se mais evidente visto que, nesse caso (e mesmo que para fins terapêuticos), o que se

pretende é a modificação definitiva do genoma da pessoa e de seus descendentes, antes do

nascimento, tendo efeito, portanto, sobre as gerações que estão por vir. Paulo Vinícius

Sporleder de Souza (2007, p. 26-27), discorrendo sobre o tema, afirma que “por seus incertos

e ainda desconhecidos efeitos sobre as gerações seguintes, tem-se repudiado a terapia gênica

germinal mesmo que alegadamente seja esta considerada presumivelmente ‘terapêutica’”. O

mesmo autor afirma que se a técnica utilizada se limitar

à investigação científica no material biológico-genético humano germinal

(espermatozoides e óvulos) in vitro, isto é, sem ser realizada posteriormente a

transferência (ou tentativa de transferência) ao ser humano autônomo ou ao ser

humano em estado de totipotência (pré-embrião) para fins reprodutivos

(transferência gênica in vivo ou in situ), parece não repercutir qualquer reprovação

jurídica ou até mesmo ético-social que seja hábil a contrapor neste caso a liberdade

de pesquisa e investigação científicas em busca do progresso da biomedicina para o

bem-estar da humanidade. (2007, p. 27).

Assim, não há que se negar que a partir do momento em que uma técnica é utilizada

com a finalidade de produzir alterações no genoma humano, mesmo que buscando efeitos

terapêuticos, todo o processo evolutivo biológico natural da vida é, de alguma maneira,

alterado. Resta saber se tal alteração e os impactos dela decorrentes, vão de encontro aos

preceitos legais de proteção da vida e do genoma humano.

Por meio dos exemplos apresentados de manipulação da vida humana, buscou-se

evidenciar, ainda que de maneira superficial, as novas possibilidades conferidas ao homem

pela técnica contemporânea. Hoje o homem possui meios para intervir em sua própria

natureza, seja para encontrar a cura para determinada enfermidade, seja para realizar algum

anseio pessoal.

Page 73: Manipulação Da Vida

71

A escolha por esses meios, mais do que uma ambição individual e um caminho para

encontrar a boa vida, possui mecanismos suficientes para impactar sobre o homem e suas

futuras gerações. É quando o homem domina a técnica e adquire capacidade para intervir na

natureza orientando-a para objetivos predeterminados, que os impactos daí decorrentes

apresentam-se preocupantes. Esses impactos são mais facilmente identificados por meio da

análise de uma técnica já utilizada e que apresenta algum, ainda que longe do necessário,

respaldo: o DGPI.

4.1 Diagnóstico Genético Pré-Implantação

Conhecido pela sigla DGPI, o diagnóstico genético pré-implantação (ou pré-

implantacional, ou pré-implantatório) é uma técnica de reprodução assistida (RA)21

que

permite a análise da carga genética de embriões concebidos por meio de fertilização in vitro

(FIV22

), objetivando a detecção de dois tipos de enfermidades genéticas: a) monogênicas

hereditárias23

(em um único gene) e; b) anomalias cromossômicas24

(numéricas ou

estruturais). Essa técnica é considerada uma maneira complementar ao diagnóstico pré-natal,

por ser aplicada em embriões antes da sua implantação no útero materno. (NUNES;

MARQUES; AMADOR, 2011, p. 3).

21

Reprodução assistida é “o conjunto das técnicas laboratoriais que visam a obter uma gestação por meio da

substituição ou facilitação de uma etapa deficiente no processo reprodutivo do ser humano”. (MARTINS, 2011,

p. 50). 22 “Indicada a FIV ao casal ou pessoa capaz que deseja conceber, o primeiro procedimento consiste na

estimulação hormonal da mulher visando a produção do maior número possível de óvulos. Desta feita,

constatando-se que os níveis do hormônio estrogênio estão adequados e que os folículos ovarianos alcançaram

um bom tamanho, a ovulação é desencadeada por meio de injeção de hormônio responsável pela maturação final

dos óvulos da mulher. Passadas 36 (trinta e seis) horas, realiza-se a punção dos óvulos, sendo também coletado o

sêmen do parceiro. Os gametas masculino e feminino obtidos são analisados e colocados em contato em uma

solução química apropriada. Quarenta e oito horas depois disso, ocorrendo a fertilização dos gametas, os

embriões porventura gerados serão introduzidos no útero da mulher com o auxílio de um catéter. A gravidez será

atestada quatorze dias após a punção e a posterior colocação dos embriões em ambiente uterino”. (MARTINS,

2011, p. 52). 23

Os distúrbios monogênicos são causados por genes mutantes individuais. A mutação pode estar presente em

apenas um cromossomo de um par (com alelo normal no cromossomo homólogo) ou em ambos os cromossomos

do par. Ou seja, são determinados por mutações em um alelo específico num único locus em um ou ambos os

membros de um par de cromossomos homólogos. Em alguns casos, a mutação é no genoma mitocondrial, e não

no nuclear. Em qualquer caso, a causa é um erro crítico na informação genética levada por um único gene.

Todavia, tais doenças são relativamente raras. (NUSSBAUM et al.¸2002, p. 2). 24

“Nos distúrbios cromossômicos, o defeito não se deve a um único erro no código genético, mas a um excesso

ou a uma deficiência dos genes contidos em cromossomos inteiros ou segmentos cromossômicos”.

(NUSSBAUM, et al.,2002, p. 2). Um exemplo de distúrbio cromossômico é a trissomia do 21 (síndrome de

Down), causada pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21.

Page 74: Manipulação Da Vida

72

Também conhecido por biópsia genética do embrião, o DGPI consiste na “retirada de

uma ou mais células do embrião (biópsia embrionária), em laboratório e encaminhada para

análise, antes mesmo de ser colocado no útero”. (CAMBIAGHI, 2013).

Beriain (2004, p. 383) aponta dois objetivos básicos para a utilização da técnica: o

primeiro, ligado ao tratamento das doenças que possam surgir ainda na gravidez ou em

momentos posteriores; e o segundo, ligado à limitação do número de abortos decorrentes de

causas que poderiam ter sido detectadas antes da implantação do embrião. Tratando-se, assim,

de uma técnica que afeta diretamente o embrião humano.

Geber (2004, p. 302-303) afirma que os primeiros estudos em biópsia de embriões

pré-implantação foram realizados em coelhos, utilizando uma técnica que permitia que se

determinasse o sexo dos animais. Posteriormente, por questões econômicas, os estudos

relativos ao desenvolvimento da técnica passaram a ocorrer em bovinos. A aplicação dos

estudos em mamíferos demonstrou que a utilização da técnica em diferentes fases do

desenvolvimento do embrião no período pré-implantação não seria capaz de alterar o

desenvolvimento normal dos embriões, seja in vivo ou in vitro. (GEBER, 2004, p. 302-303).

Uma vez obtido sucesso com as técnicas de micromanipulação para biópsia de

embriões de animais em laboratório, o passo seguinte foi o de realizar o mesmo

procedimento em embriões humanos, de modo a estudar diretamente os efeitos no

desenvolvimento. Hardy et al. (1990) e Geber et al. (1995) biopsiaram embriões

humanos em estágio de 8 células, não identificando efeitos negativos nos mesmos,

quando comparados ao grupo controle. Os autores concluíram que a remoção de 1

ou 2 células de embriões, em estágio de 8 células, não afeta adversamente o seu

desenvolvimento in vitro, sugerindo que este método poderia ser utilizado para

diagnóstico pré-implantação de patologias genéticas.

A partir destes resultados, estudos foram realizados no sentido de permitir o

diagnóstico genético pré-implantação, analisando-se os blastômeros removidos.

Posteriormente, as primeiras gestações com fetos normais, decorrentes desta técnica,

foram anunciadas. (GEBER, 2004, p. 303).

Com isso, foram realizados novos estudos para permitir a utilização da técnica do

DGPI. Beriain (2004, p. 383) afirma que a primeira utilização do diagnóstico em humanos

ocorreu em 1990, ocasião em que a equipe de um professor identificou os cromossomos

sexuais dos embriões vindos de famílias acometidas pela hemofilia.

Desde então, a técnica do DGPI é utilizada para a detecção, em estágio precoce

(antes da implantação do embrião no útero materno), de várias doenças geneticamente

transmissíveis. Hoje o DGPI é capaz de diagnosticar cerca de 130 doenças, mas as

expectativas são de que esse número aumente ainda mais. Como exemplo, Cambiaghi (2013)

cita, dentre outras, as seguintes doenças: Trissomia do cromossomo 13 (responsável pela

Page 75: Manipulação Da Vida

73

Síndrome de Patay, uma doença que causa deficiência mental, problemas respiratórios e baixo

peso corporal. Dos bebês que nascem com essa síndrome, 45% morrem em 1 mês, 69% em 6

meses e 72% em 1 ano); Trissomia do cromossomo 18 (responsável pela Síndrome de

Edwards, cuja taxa de abortos espontâneos é de 95%); Trissomia do cromossomo 21

(responsável pela Síndrome de Down); Hemofilia (doença que afeta somente indivíduos do

sexo masculino, caracterizada por uma dificuldade no processo de coagulação sanguínea);

Síndrome de Turner (atinge somente pessoas do sexo feminino, tendo como principal

característica o infantilismo sexual e o não desenvolvimento das capacidades reprodutivas).

Importante ressaltar que o DGPI não pode ser utilizado para a escolha do sexo do bebê,

somente nos casos de doenças diretamente ligadas aos cromossomos sexuais, X e Y, é que a

presença desse item é permitida no diagnóstico.

Entretanto, a técnica não pode ser utilizada por uma simples conveniência ou por

vontade dos pais, pois existem indicações específicas para sua aplicação.

4.1.1 Indicação de aplicação

Com relação à utilização do DGPI, Abellán (2007, p. 29-30) afirma que o

diagnóstico é indicado para casais que se encontrem em situações de risco reprodutivo, a

exemplo daqueles em que o casal é portador de alguma anomalia ou mutação em um mesmo

gene autossômico recessivo, ou nos casos em que a mulher é portadora de alguma desordem

ligada ao cromossomo X, ou ainda nos casos em que um dos membros do casal seja portador

de alguma anomalia ou mutação em um gene autossômico dominante ou, seja portador de

alguma alteração cromossômica. Nesses casos, o DGPI busca a identificação de genes que

sejam portadores da doença, evitando a sua implantação e um posterior aborto.

Nunes et al. (2010) definem um segundo grupo apto a realizar o diagnóstico, que

seria aquele grupo formado pelos casais que se submeteram a fertilização in vitro e “cujos

embriões são utilizados para a presença de aneuploidias”. Afirmam os autores que,

diferentemente do primeiro grupo, neste caso o DGPI não é utilizado para a detecção de uma

doença específica, mas sim para uma análise geral que possa aumentar as chances de sucesso

da gravidez. (NUNES et al., 2010).

Cambiaghi aponta casos especiais em que também é permitida a utilização do DGPI.

Trata-se de situações em que a mulher conta com mais de 40 anos de idade, pois “nesta idade,

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74

as chances de gerar um filho com problemas genéticos são de uma em 40, ao passo que nas

mulheres mais novas, até 35 anos, são de uma em 200”. (2013).

A aplicação do DGPI deve obedecer a algumas fases que Abellán (2007, p. 23-24)

define como cinco: 1) aconselhamento genético; 2) obtenção de embriões; 3) biópsia

embrionária; 4) análise do material genético e; 5) transferência embrionária.

A primeira fase seria uma fase preliminar, em que são realizadas consultas a fim de

se obter as informações necessárias para a realização do diagnóstico. Essas consultas recebem

o nome de “aconselhamento genético” e são realizadas no âmbito da medicina genética.

Cirión (2001, p. 37), apoiando-se na definição dada pela Organização Mundial de Saúde,

afirma que um dos objetivos da medicina genética é o de ajudar famílias que tenham um

histórico marcado por desvantagens genéticas, para que sua reprodução seja o mais normal

possível. Assim, o aconselhamento genético, segundo definição de Brunoni (apoiado na

definição da American Society of Human Genetics), é o

processo de comunicação que lida com problemas humanos associados com a

ocorrência, ou risco de ocorrência, de uma doença genética em uma família,

envolvendo a participação de uma ou mais pessoas treinadas para ajudar o indivíduo

ou sua família a: 1) compreender os fatos médicos, incluindo o diagnóstico, provável

curso da doença e as condutas disponíveis; 2) apreciar o modo como a

hereditariedade contribui para a doença e o risco de recorrência para parentes

específicos; 3) entender as alternativas para lidar com o risco de recorrência; 4)

escolher o curso de ação que pareça apropriado em virtude do seu risco, objetivos

familiares, padrões éticos e religiosos, atuando de acordo com essa decisão; 5)

ajustar-se, da melhor maneira possível, à situação imposta pela ocorrência do

distúrbio na família, bem como à perspectiva de recorrência do mesmo. (BRUNONI,

2002).

A fim de alcançar tais objetivos, o aconselhamento genético é realizado por uma

equipe de profissionais de várias áreas, como a médica e a psicológica. Todos os profissionais

envolvidos devem ter recebido conhecimento sobre genética médica básica, bem como

treinamento nos procedimentos e intervenções sob sua responsabilidade. Após o

aconselhamento, o paciente e a família começam a ser esclarecidos acerca dos recursos

terapêuticos existentes. A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade

do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, do Conselho da Europa, de

1997, ao tratar em seu art. 12º sobre os testes genéticos preditivos menciona a questão do

aconselhamento genético:

Não se poderá proceder a testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam

quer a identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma

doença quer a detecção de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética a

uma doença, salvo para fins médicos ou de investigação médica e sem prejuízo de

Page 77: Manipulação Da Vida

75

um aconselhamento genético apropriado. (Conselho da Europa, 1997, art. 12º,

grifos nossos).

Apesar da importância do aconselhamento genético para a medicina e,

principalmente, para a opção por técnicas de diagnóstico genético, o que se percebe é um uso

limitado do recurso pelos profissionais, fato que prejudica o esclarecimento dos casais e da

família como um todo quanto às questões genéticas.

Realizado o aconselhamento genético e optando-se pela realização de um diagnóstico

pré-implantação, a obtenção dos embriões é a segunda fase anterior à realização do DGPI.

Assim, essa etapa consiste na realização de técnicas de reprodução humana assistida para a

obtenção de embriões in vitro. Nessa fase é realizada a estimulação dos ovários da mulher,

por meio de hormônios, para que se realize a inseminação ou fertilização. (ABELLÁN, 2007,

p. 23-25).

A terceira etapa consiste na realização da biópsia embrionária, em que são extraídas

as células do embrião para posterior análise.

A quarta etapa consiste na análise do material genético coletado, em que a célula

obtida é processada e submetida a estudos genéticos. (ABELLÁN, 2007, p. 24).

Por fim, a última etapa caracteriza-se pela informação ao casal dos resultados do

diagnóstico para que seja efetuada a transferência para o útero materno daqueles embriões

considerados “sadios”, ou livres das anomalias investigadas. (ABELLÁN, 2007, p. 24).

4.1.2 Métodos

Para a concretização da quarta etapa, análise do material genético, é preciso que o

profissional opte por um dos três métodos existentes para a realização do DPGI, quais sejam:

PCR, FISH e hibridização genômica comparativa pela técnica de microarray-a-CGH.

Importa salientar que a compreensão dos métodos será necessária para que se

encontrem os impactos da técnica do DGPI para o meio ambiente.

Page 78: Manipulação Da Vida

76

4.1.2.1 PCR

O método da PCR (Polymerase Chain Reaction), ou reação em cadeia da polimerase,

é um procedimento que utiliza as técnicas de genética molecular e que permite a amplificação

(criação de múltiplas cópias) de sequências específicas de DNA, in vitro, a fim de se detectar

mutações específicas causadas por enfermidades monogênicas (em um único gene).

Oliva Teles aponta a principal limitação da técnica como sendo de natureza

qualitativa, pois para a autora “como a maior parte dos diagnósticos se baseia na análise de

uma única célula, a distinção entre as quantidades obtidas de DNA e de outros produtos

inespecíficos seja, por vezes, muito difícil”. (2011).

A autora aponta, ainda, que as técnicas de PCR têm sido aperfeiçoadas, de forma a

permitirem diagnósticos cada vez mais precisos. Assim, essas “novas técnicas incluem

tecnologia fluorescente e designam-se por PCR fluorescente, PCR fluorescente multiplex,

PCR nested múltiplo, PCR em tempo-real e sequenciação”. (OLIVA TELES, 2011).

4.1.2.2 FISH

O segundo método, conhecido pela sigla FISH (fluorescence in situ hybridization),

ou hibridização in situ, é uma tecnologia de citogenética molecular utilizada para a detecção

de anomalias cromossômicas.

Conforme Abellán (2007, p. 31), a FISH é utilizada para situações que requeiram a

identificação de determinados cromossomos ou fragmentos cromossômicos em embriões de

pacientes com anomalias estruturais, para mulheres com histórico de abortos repetidos e para

pacientes com idade avançada que se submetem à FIV.

Cambiaghi, ao discorrer sobre o DGPI realizado pela técnica de FISH, afirma que

essa técnica

consiste na retirada de uma célula no terceiro dia de desenvolvimento, quando o

embrião, ainda no laboratório, tem ao redor de oito células. Em seguida, esta célula é

encaminhada para análise, e o resultado fica disponível antes de os óvulos serem

transferidos para o útero. Este exame permite a análise de no máximo 11

cromossomos, que são representados pelos números 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21,

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77

22 e pelos sexuais X e Y. Somente os embriões saudáveis são transferidos.

(CAMBIAGHI, 2013).

O problema relacionado à FISH reside no fato de não ser ela capaz de analisar todos

os cromossomos, o que encurta o rol de anomalias e doenças passíveis de identificação.

Ademais, Cambiaghi (2013) afirma que existem preocupações negativas ou controvérsias em

torno desse procedimento, como os eventuais danos causados ao embrião, as dúvidas relativas

a uma possível diminuição da taxa de gravidez, bem como o descarte de embriões

potencialmente saudáveis. Quanto ao último caso, do descarte de embriões potencialmente

saudáveis, afirma o autor que isso pode ocorrer devido a uma probabilidade de erro de

diagnóstico, vez que nem sempre a retirada de uma única célula para exame representa a

totalidade (moisacismo), situação que pode caracterizar um embrião como doente quando, na

verdade, não o é. Ainda com relação aos aspectos negativos da FISH, o autor cita as possíveis

falhas na biópsia ou fixação da célula retirada, e o fato de a técnica não apresentar 100% de

eficácia.

4.1.2.3 Hibridização genômica comparativa pela técnica de microarray-a-CGH

A última técnica utilizada para o DGPI conhecida como hibridização genômica

comparativa pela técnica de microarray-a-CGH, ou simplesmente a-CGH ou PGD-24, ao

contrário da FISH, possui mecanismos para análise dos 24 cromossomos do corpo humano

(os 22 pares de cromossomos autossomos mais os sexuais X e Y).

A técnica é capaz de identificar “todas as anomalias cromossômicas chamadas

aneuploidias, que são alterações no número de cromossomos, sendo perdas ou ganhos,

causados por erros na divisão celular”. (CAMBIAGHI, 2013).

No PGD-24 o embrião deve alcançar o estado de blastocisto (5º dia do

desenvolvimento). Alcançado esse estágio, são retiradas de 6 a 10 células do embrião, fato

que torna o diagnóstico mais preciso e seguro do que os realizados pelos outros métodos.

Assim,

o PGD-a-CGH deve ser realizado pela remoção de células embrionárias empregando

o uso de um laser que faz uma pequena abertura na região externa do blastocisto,

chamada de trofectoderma, por onde se exteriorizam algumas células que são

aspiradas delicadamente e encaminhadas ao laboratório de genética. Em 30 horas

Page 80: Manipulação Da Vida

78

obtém-se o resultado, possibilitando a transferência embrionária no dia seguinte da

realização do procedimento (6º dia de evolução). Esta biópsia pode ser considerada

menos invasiva que o PGD-FISH, pois remove somente células da camada externa

do embrião, o que implica em uma menor agressão ao futuro bebê. (CAMBIAGHI,

2013).

O PGD-24 é indicado para casais com várias tentativas sem sucesso de fertilização in

vitro, bem como para mulheres: com anomalias cromossômicas, abortos repetidos e/ou que

contarem com mais de 35 anos de idade.

Com relação às vantagens da técnica, Cambiaghi (2013) aponta que essas se dão,

principalmente, pelo fato de o exame ser realizado em uma fase mais avançada da evolução

embrionária, o blastocisto. Assim, quando o desenvolvimento dos embriões é aguardado até

esse estágio, a seleção natural elimina vários embriões, sobrando um número menor para ser

analisado, o que pode reduzir os riscos e os custos. Além do mais, a utilização dessa técnica

apresenta outras vantagens, como redução do número de embriões implantados e,

consequentemente, redução do risco de gravidez múltipla; aumento da taxa de sucesso do

tratamento, pois somente são implantados no útero materno embriões sadios; além da análise

completa de todos os cromossomos.

O fator negativo relacionado ao PGD-24 está diretamente relacionado à um fator

positivo. Dessa forma, se a espera do desenvolvimento embrionário até o estágio de

blastocisto é vantajosa, o mesmo fato também é desvantajoso, pois são raros os embriões que

conseguem ultrapassar essa seleção natural, correndo para o casal o risco de não ter nenhum

embrião para ser implantado.

4.1.3 Argumentos favoráveis

A utilização do DGPI é bastante controversa. Havendo aqueles que a defendem, e

aqueles que a condenam. Para as duas correntes, os argumentos são vários.

Assim sendo, a corrente que apoia a utilização do DGPI aponta como primeira

vantagem o fato de o diagnóstico possibilitar que os pais com alto risco de transmissão de

uma enfermidade genética não a transmitam para seus filhos. Ademais, identificando-se a

presença da enfermidade no embrião ainda na fase de pré-implantação, evita-se o uso do

exame genético pré-natal clássico e, consequentemente, a interrupção voluntária da gravidez

em fases mais avançadas.

Page 81: Manipulação Da Vida

79

Outro fator comumente apresentado como vantajoso está relacionado aos casais que

já tenham se submetido diversas vezes à fertilização in vitro, mas não tenham obtido sucesso,

além daqueles em que a mulher conta com uma idade avançada, fato que aumenta as chances

de obtenção de fetos com alguma anomalia genética ou doença. Conforme Geber:

A técnica já passou a ocupar um importante papel na prevenção de doenças

geneticamente transmissíveis, além de permitir uma excelente opção para se evitar,

em alguns casos, o tradicional exame genético pré-natal, que teria como única

solução, em caso de presença da doença, a interrupção da gestação. Além disso, o

PGD oferece uma alternativa para os casais com dificuldade de obter uma gestação

após falhas sucessivas de implantação em ciclos de FIV. Casais em que a idade

materna é avançada, o PGD também irá permitir uma elevação nas taxas de

gestação, assim como nos casos de perda gestacional de repetição, associados a

alguma alteração cromossômica em algum dos progenitores. (2004, p. 304).

Albujar Moreno (2013) apresenta como um fator vantajoso a finalidade original do

DGPI, que é a de ajudar ao novo ser humano a ter uma vida mais saudável. Ou seja, para a

autora, originariamente o DGPI possui um fator positivo: colocar-se a serviço da saúde e da

vida, curando ou melhorando a qualidade de vida da futura criança.

Já Cirión (2001, p. 97) afirma que o fato de o diagnóstico produzir resultados em um

curto período de tempo é uma vantagem para o casal, que não necessita esperar de forma lenta

e preocupante, como ocorre com o tradicional diagnóstico pré-natal.

O último argumento favorável apresentado pelos autores está ligado à taxa de acerto

da técnica, que é de 95%, permitindo que ela seja considerada como uma técnica segura.

Entretanto, esse mesmo argumento é utilizado como um fator negativo ao DGPI, havendo

situações em que, mesmo com a realização do exame, a criança nasceu com a doença objeto

de análise.

4.1.4 Argumentos contrários

Os aspectos negativos da utilização do DGPI são muitos e envolvem questões que

vão desde o risco do diagnóstico até princípios éticos do casal.

Assim, o primeiro problema apresentado por Cambiaghi está relacionado aos riscos

do DGPI, para o autor “existem controvérsias quanto aos problemas causados por este exame

que podem ser maiores ou menores dependendo da experiência dos profissionais que estão

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80

realizando o procedimento”. (2013). Esses riscos estão relacionados tanto à mulher quanto ao

embrião, razão pela qual a indicação do exame deve ser restrita às suas reais necessidades.

Tais riscos também estão relacionados ao fato de ainda não ser possível estabelecer

com certeza que o DGPI não apresenta problemas para o desenvolvimento futuro da criança.

O segundo argumento vai de encontro ao argumento da corrente que se mostra

favorável ao DGPI, para quem o índice de acerto da técnica é elevado. Assim, a corrente

contrária à aplicação da técnica afirma que os índices de erro do diagnóstico são elevados,

afetando aproximadamente um a cada três casos (BERIAIN, 2004, p. 386), motivo pelo qual

alguns profissionais solicitam que o resultado seja posteriormente confirmado, por meio da

realização do diagnóstico pré-natal convencional (fato controverso, pois retira uma das

possíveis vantagens apresentadas pelo DGPI, que é a de ser uma alternativa aos diagnósticos

genéticos tradicionais).

O próximo argumento também está relacionado à eficácia do método, pois pode

ocorrer um erro já na fase de coleta do material, que pode não ser embrionário ou ter sido

contaminado com outro não embrionário. Além disso, “existe ainda o problema do

moisacismo, visto haver o perigo de a célula escolhida aleatoriamente ao microscópio para o

diagnóstico não ser representativa das características genéticas do embrião”. (OLIVA TELES,

2009). Esse fator é apresentado com frequência como um dado negativo, visto que nem

sempre a célula retirada para análise contém todas as características do embrião. Soma-se a

esse dado, o fato de que nem todas as doenças genéticas são passíveis de detecção via DGPI,

podendo um embrião caracterizado como “sadio” apresentar outra anomalia, que não foi

objeto de análise ou que não era passível de ser detectada.

Oliva Teles afirma que, além do erro de diagnóstico, existe outro problema de ordem

técnica que poderá ocorrer: a perda potencial de embriões viáveis durante o ciclo de

tratamento. Assim, para a autora, “há o perigo real de danificar os embriões durante a sua

manipulação, para recolha de material de estudo e, por esse motivo, reduzir as hipóteses de

gravidez”. (2009).

O fator preço também é apontado com frequência como um empecilho à realização

do diagnóstico, que possui um alto custo. Uma pesquisa dentre os centros que realizam o

DGPI demonstrou que, em média, a realização do diagnóstico em embriões frescos custa

aproximadamente R$ 3.600,00 por embrião, podendo chegar a R$ 12.700,00, quando

realizada em 6 embriões e, caso o casal queira realizar o diagnóstico em mais embriões é

cobrado um adicional aproximado de R$ 1.000,00 por embrião. No caso de realização do

exame em embriões congelados, os valores variam de R$ 2.400,00 para um embrião, até R$

Page 83: Manipulação Da Vida

81

14.400,00 para 6 embriões, nos casos de embriões adicionais o valor cobrado é de

aproximadamente R$ 1.400,00 por embrião.

Outra desvantagem apontada refere-se ao fato de a realização do DGPI estar

diretamente ligada ao sucesso da técnica de fertilização in vitro. Assim, um diagnóstico

genético pré-implantatório favorável não é garantia do nascimento, pois este está relacionado

ao sucesso da técnica de fertilização.

Oliva Teles também aponta como uma desvantagem do diagnóstico o “elevado

esforço físico e mental dos casais” (2009), na medida em que a escolha por esse teste envolve

diversos fatores, principalmente aqueles de ordem pessoal (aí incluídas as questões religiosas,

éticas e morais), motivo que reforça a necessidade de um apoio psicológico adequado ser

parte integrante do processo de tratamento.

Com relação a esse argumento, acredita-se que a partir do momento em que um casal

optou pela realização do DGPI ele, mesmo que tacitamente, concordou com as características

e consequências do exame, não havendo razões para que tal argumento seja apresentado como

uma desvantagem. O que não afasta, evidentemente, a necessidade do apoio psicológico

adequado.

Um argumento de ordem moral apresentado contrariamente ao DGPI é o que

questiona quais são as patologias consideradas suficientemente graves para justificar a não

implantação do embrião. Beriain (2004 p. 393) afirma que se esse argumento for analisado

sob o viés do princípio da autonomia, a escolha pela implantação ou não do embrião será

atribuída unicamente aos pais. Todavia, o próprio autor afirma que, se o mesmo argumento

for analisado sob a ótica do princípio da beneficência, a solução é mais complicada, pois

apesar da gravidade de algumas patologias, não parece certo pensar que estas possam

justificar a não implantação de um embrião por elas afetado. Nesse sentido, bastante

pertinente é a análise realizada por Hubbard, que afirma que:

Ser cego não tem nada a ver com ser surdo ou com ter uma enfermidade grave ou

um problema de mobilidade; portanto, cada pessoa cega (ou surda) não tem as

mesmas capacidades e limitações. Muitas condições genéticas variam em sua

gravidade, e muitas vezes os seus sintomas podem ser aliviados, ao menos até certo

ponto, com as terapias médicas convencionais. Um diagnóstico pré-natal de anemia

falciforme ou de fibrose cística não é capaz de prever em que idade as doenças

começarão a se manifestar, quanto incapacitarão ou o quanto encurtarão a vida da

pessoa afetada. Com o surgimento de tratamentos mais eficazes, a qualidade de vida

das pessoas nessas condições e de suas famílias melhorou significativamente25

.

(apud BERIAIN, 2004, p. 394).

25

Tradução livre do original: “Ser ciego no tiene nada que ver con ser sordo o con tener una enfermedad

dolorosa o un problema de movilidad; por tanto, cada persona ciega (o sorda) no tiene las mismas capacidades y

Page 84: Manipulação Da Vida

82

Desse modo, o argumento apresentado parece bastante plausível, pois a gravidade

com que cada doença vai se manifestar varia de pessoa para pessoa. Por outro lado, a opção

por escolher um embrião livre de qualquer tipo de doença e descartar aqueles que apresentem

alguma anomalia fere diretamente a questão do direito à diferença, pois segundo o inciso IV

do art. 3º da CR/88: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação”. (BRASIL, 1988, art. 3º, grifou-se). Além do

disposto na Constituição, a escolha de embriões fere também a Convenção Interamericana

para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de

deficiência, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001.

Nos termos da Convenção (anexa ao Decreto),

Art. I – Para os efeitos desta Convenção entende-se por:

1. Deficiência

O termo “deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza

permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais

atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e

social.

2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência

a) o termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda

diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de

deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência

presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o

reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência

de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. (BRASIL, 2001).

Ademais, a opção por implantar um determinado embrião em detrimento de outro

gera outro problema que, segundo Habermas, está ligado à responsabilidade. Assim, para o

autor, quando os pais tomam uma decisão irreversível sobre a constituição “natural” de outra

pessoa, no caso o futuro filho, a relação interpessoal que daí surge é totalmente nova e

desconhecida. Essa decisão tomada pelos pais, além do aspecto da irreversibilidade, interfere

profundamente na constituição orgânica do futuro filho, com isso “a simetria da

responsabilidade, em princípio existente entre pessoas livres e iguais, torna-se limitada”.

(2010, p. 20). Como consequência, o indivíduo adulto geneticamente manipulado não teria as

mesmas condições que um adulto “normal” de realizar uma apropriação autocrítica da história

da sua própria formação, assumindo a responsabilidade por sua história de vida, pois

limitaciones. Muchas afecciones genéticas varían en su severidad, y a menudo sus síntomas se pueden aliviar, al

menos hasta cierto punto, con terapias médicas convencionales. Un diagnóstico prenatal de anemia drepanocítica

o fibrosis quística no predice a qué edad se empezará a manifestar la afección, cuánto nos va a discapacitar o

cuánto acortará la vida de la persona afectada. A medida que han ido apareciendo terapias más eficaces, la

calidad de vida de las personas con estas afecciones y la de sus familiares ha mejorado enormemente”.

Page 85: Manipulação Da Vida

83

permaneceria sempre dependente da escolha realizada por um terceiro e que não possui meios

de ser reconsiderada. Nesse caso, o adulto geneticamente manipulado não teria as chances de

estabelecer essa simetria da responsabilidade que, conforme Habermas, é “necessária para o

relacionamento entre peers [iguais], seguindo o caminho retroativo de uma auto-reflexão

ética”. (2010, p. 21-22).

Igualmente, a escolha por embriões “sadios” esbarra em outro problema grave e

apontado pela grande maioria dos autores como o maior risco do diagnóstico genético pré-

implantação, que é a questão da eugenia, de grande impacto para o meio ambiente. Todavia,

devido à complexidade do tema, o argumento da eugenia será analisado em tópico específico.

4.1.5 Considerações jurídicas acerca do DGPI

Se na antiguidade o homem necessitava de normas que estabelecessem a boa vida,

hoje a situação não é muito diferente. Sendo assim, o maior entrave jurídico acerca do DGPI

reside exatamente na falta de normas, de uma legislação nacional específica sobre o tema.

Apesar da importância do assunto e da realização constante do diagnóstico, fato é que o

legislador não se atentou para a questão.

Não obstante a falta de regulamentação para o DGPI, o Brasil também não possui

legislação específica para a fertilização in vitro, que é o mecanismo pelo qual os embriões são

obtidos para a realização do diagnóstico genético.

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM nº 2.013/2013 (que

revogou a Resolução 1.955/2010), apresentou as normas éticas que devem ser adotadas para a

utilização das técnicas de reprodução assistida, e no item VI dispôs sobre o diagnóstico

genético pré-implantacional nos seguintes termos:

1 – As técnicas de RA podem ser utilizadas acopladas à seleção de embriões

submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças.

2 – As técnicas de RA também podem ser utilizadas para tipagem do sistema HLA

do embrião, com o intuito de seleção de embriões HLA-compatíveis com algum

filho(a) do casal já afetado por doença, doença esta que tenha como modalidade de

tratamento efetivo o transplante de células-tronco ou de órgãos.

3 – o tempo máximo de desenvolvimento de embriões “in vitro” será de 14 dias.

(CFM, 2013).

Page 86: Manipulação Da Vida

84

A Resolução, além de não ter força de lei, não estabelece nenhuma diretriz para a

realização do diagnóstico. A falta dessas diretrizes abre espaço para a utilização desmedida do

DGPI, além da questão de se utilizar da técnica para outros fins, como a seleção eugênica.

Ademais, a falta da legislação deixa uma lacuna no tocante às doenças que poderiam ensejar o

descarte do embrião, pois, como referido em tópico anterior, hoje a escolha pelo descarte cabe

exclusivamente aos pais, o que envolve um complexo dilema. Acredita-se que a edição de

uma lei que fosse clara quanto aos limites da utilização do DGPI e, principalmente, que

conferisse parâmetros para a classificação das doenças que poderiam ensejar a realização do

exame e o consequente descarte embrionário, seria uma maneira de auxiliar os pais nessa

escolha e minimizar os problemas daí advindos (psicológicos, éticos, morais, bioéticos e

jurídicos). Da mesma forma, a legislação seria um caminho para evitar aspectos eugênicos e

discriminatórios, bem como evitar a desvirtualização da intenção original da utilização do

diagnóstico e facilitar o papel do direito como mediador entre os avanços técnico-científicos e

os impactos para o meio ambiente.

Outro aspecto que necessita ser regulamentado está relacionado aos erros de

diagnóstico. Como o DGPI não é um exame com 100% de eficácia, os erros de diagnóstico

(quando o médico atesta erroneamente que um embrião é saudável ou detecta anomalias que

não existem) podem ocorrer e resultar em situações de responsabilidade jurídica para o

médico, que poderia ser condenado por erro médico. Diz-se que os erros de diagnóstico em

matéria de DGPI possuem fortes implicações médicas, psicológicas e econômicas. Tais erros

têm como motivos fundamentais, por ordem de frequência, os seguintes:

Moisacismo embrionário (as oito células em um embrião nem sempre são

geneticamente idênticas, de modo que o resultado do teste de uma biópsia celular

possa não indicar corretamente a verdadeira condição genética do embrião),

contaminação (o DNA procedente de fontes distintas da célula biopsada pode ser

interpretado como parte da análise genética do embrião), deixar um dos alelos sem

amplificação (uma das cópias do gene objeto de estudo pode ficar fora da zona de

amplificação da amostra, originando um resultado incorreto), troca (“mistura”) ou

erro de rotulagem da amostra do embrião (diagnósticos incorretos podem ser obtidos

como consequência de erros no manejo da amostra do embrião dentro da clínica ou

do laboratório)26

. (ABELLÁN, 2007, p. 67).

26

Tradução livre do original: “moisacismo embrionario (las ocho células de um embrión temprano no siempre

son genéticamente idénticas, por lo que el resultado de um test de una biopsia celular puede no indicar

correctamente el verdadero estado genético del embrión), contaminación (puede leerse como parte del análisis

genético del embrión DNA procedente de fuentes distintas a la célula biopsiada), dejar uno de los alelos sin

amplificar (una de las dos copias del gen objeto de estudio puede quedar fuera de la zona de amplificación del

etiquetado de la muestra o embrión (pueden producirse diagnósticos incorrectos como consecuencia de errores

em el manejo de la muestra o del embrión dentro de la clínica o del laboratório)”. (ABELLÁN, 2007, p. 67).

Page 87: Manipulação Da Vida

85

Ainda com relação à responsabilidade jurídica, esta também pode ocorrer devido à

falta do consentimento informado. O consentimento informado é um direito do paciente e um

dever do médico, que deve informar, de forma clara e isenta de dúvidas, àquele todas as

vantagens, riscos e inconvenientes do procedimento, tratamento ou intervenção a ser

realizada. O consentimento informado deve se dar na forma de um documento escrito, em que

o paciente possui total autonomia para decidir sobre a realização ou não do tratamento ou

procedimento. Com relação ao DGPI, o consentimento informado deve, além de conter todos

os riscos/vantagens/desvantagens/inconvenientes da realização do diagnóstico, ser claro

quanto ao destino dado aos embriões sobrantes. Assim, a falta desse documento ou o

desrespeito ao seu conteúdo apresenta-se como um ato passível de indenização.

A última maneira de responsabilidade apontada é a que analisa, sob a perspectiva dos

princípios da responsabilidade e da precaução, os riscos gerais, e também ambientais,

causados pela utilização da técnica do DGPI.

O princípio da precaução, nesse sentido, exerce função importante na gestão dos

riscos, principalmente dos riscos ambientais, pois está diretamente relacionado ao objetivo da

equidade intergeracional. A precaução é utilizada nos casos de risco alto, em que a realização

de determinado ato pode resultar em dano irreversível, ou por longo período, ao meio

ambiente e, no caso específico do DGPI, ao indivíduo. Sua aplicação deve ocorrer

independentemente da certeza científica absoluta quanto às consequências dos riscos, pois

esta (certeza científica) é dinâmica e mutável no tempo.

Assim, devem-se considerar não só os riscos ambientais iminentes, mas também os

perigos futuros provenientes de atividades humanas e que, eventualmente, possam

vir a comprometer a relação intergeracional e de sustentabilidade ambiental.

[...]

Mais do que isso, o princípio da precaução, como estrutura indispensável ao Estado

de justiça ambiental, busca verificar a necessidade de uma atividade de

desenvolvimento e os potenciais riscos ou perigos desta. (LEITE; CANOTILHO,

2011, p. 197 e 201).

Dessa forma, dúvidas ainda existem acerca da segurança do diagnóstico genético

pré-implantação pelo fato de ser uma técnica nova, com pouco tempo de utilização e

desprovida de estudos amplos e aprofundados sobre pessoas adultas cuja origem biológica

seja atribuída ao DGPI. Dessa forma, alguns autores afirmam que, pelo princípio da

precaução, a técnica não poderia ter ampla utilização na rotina clínica sem antes passar por

um longo período como “técnica experimental”.

Page 88: Manipulação Da Vida

86

Soma-se à precaução o princípio da responsabilidade. Por esse princípio, a

responsabilidade pelas consequências dos avanços da ciência e da investigação deve ser muito

bem averiguada, pois não atinge somente o indivíduo diagnosticado e sua descendência, mas

adquire dimensões mais amplas, atingindo também as gerações futuras. Isso ocorre porque em

termos genéticos há uma relação direta entre passado, presente e futuro. Em outras palavras, a

geração presente está “geneticamente relacionada a todas as gerações precedentes e sucessivas

que formam a comunidade da raça humana como um todo. Os genes humanos que constituem

a geração presente foram herdados das gerações passadas e serão transmitidos às gerações

futuras”. (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2012, p. 302). Logo, é necessário que o médico

tenha o máximo de cautela quando da realização do diagnóstico, para não incorrer em

nenhuma das formas de responsabilidade apresentadas.

Ultrapassando a questão dos reflexos jurídicos do DGPI e voltando à questão da sua

normalização, diz-se que em termos de normas universais, alguns documentos que podem ser

aplicados ao DGPI merecem destaque, podendo ser utilizados como base para a criação de

uma legislação nacional sobre o assunto.

Dessa forma, o primeiro documento de alcance mundial destacado é a Declaração

Universal sobre o Genoma Humano, de 1997 (UNESCO), que, num sentido simbólico,

proclama o genoma humano como patrimônio da humanidade. A Declaração afirma que a

dignidade de todo indivíduo deve ser respeitada, independentemente de suas características

genéticas, e que os indivíduos não devem ser a elas reduzidos, devendo haver respeito à sua

singularidade e diversidade. É importante ressaltar também que qualquer pesquisa, tratamento

ou diagnóstico que afete o genoma humano somente poderá ser realizado após uma avaliação

prévia e rigorosa dos seus riscos e benefícios, bem como mediante o consentimento prévio,

livre e esclarecido do envolvido.

O segundo documento destacado, também da UNESCO, é a Declaração

Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, de 2003, cujo principal objetivo é a

conciliação do interesse da medicina e da ciência em geral pela obtenção e estudo dos dados

genéticos e proteómicos humanos, com o respeito à dignidade humana e a proteção dos

direitos e liberdades fundamentais, tudo a fim de evitar a discriminação ou estigmatização de

uma pessoa, família, grupo ou comunidade. (ABELLÁN, 2007, p. 61). Para tanto, a

Declaração afirma, em seu art. 5º, que os dados genéticos humanos e os dados proteómicos

somente podem ser recolhidos, tratados, utilizados e conservados para fins de:

Page 89: Manipulação Da Vida

87

(i) diagnóstico e cuidados de saúde, incluindo os rastreios e os testes preditivos;

(ii) investigação médica e outra investigação científica, incluindo os estudos

epidemiológicos, em particular os estudos de genética das populações, assim como

coletivamente pela expressão “investigação médica e científica”;

(iii) medicina legal e processos civis ou penais e outros procedimentos legais [...];

(iv) ou qualquer outro fim compatível com a Declaração Universal sobre o Genoma

Humano e os Direitos Humanos e com o direito internacional relativo aos direitos

humanos. (UNESCO, 2003).

Percebe-se, com isso, a preocupação da comunidade internacional com a proteção do

genoma humano e as consequências que investigações e estudos sem regulamentação

poderiam trazer para a vida humana e, num sentido mais amplo, para o meio ambiente.

Já a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, adotada pela

UNESCO em 2005, possui dentre seus objetivos principais o reconhecimento da liberdade de

pesquisa científica e dos benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e

tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e

desenvolvimentos científicos ocorram conforme os princípios éticos dispostos na Declaração

e “respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais”.

(UNESCO, 2005, art. 2º, iv). A Declaração elenca, ainda, como um de seus objetivos a

salvaguarda e promoção dos interesses das gerações futuras (art. 2º, vii), fato que é reforçado

pelo art. 16: “Proteção das gerações futuras. O impacto das ciências da vida sobre gerações

futuras, incluindo sobre sua constituição genética, deve ser devidamente considerado”

(UNESCO, 2005, art. 16), evidenciando sua preocupação para com o meio ambiente.

Todos os dispositivos apresentados, por tratarem do genoma humano, da dignidade

humana, dos dados genéticos e da importância do impacto dessas questões para as gerações

futuras, devem necessariamente ser levados em consideração quando da realização do

diagnóstico genético pré-implantação. Ademais, são considerações importantes para a

elaboração de uma legislação nacional que regulamente o tema no Brasil.

Com relação aos impactos para as gerações futuras, tanto o DGPI quanto as outras

formas de manipulação genética devem ser analisados com cautela. A preocupação nesses

casos gira em torno de ainda não ser possível um diagnóstico que ateste com certeza se, por

exemplo, uma criança nascida mediante DGPI não venha a apresentar nenhum problema

futuro decorrente da técnica. Ademais, é importante ressaltar que a “geração atual, cuja

herança genética é fixa, tem assim deveres e obrigações para com as futuras gerações”

(PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2012, p. 298), o que reforça o aspecto da solidariedade

intergeracional.

Page 90: Manipulação Da Vida

88

Em uma visão mais ampla da manipulação genética da vida humana, inegável é que

qualquer intervenção em células germinativas (terapia gênica em células germinativas) afeta

diretamente o genoma do indivíduo e de sua descendência. No que diz respeito à manipulação

realizada em células somáticas (terapia gênica em células somáticas), apesar da comunidade

médica e científica afirmar que os reflexos da utilização da técnica não atinjam a

descendência, não existem comprovações suficientes que confirmem tal afirmação, o que

também coloca em dúvida os limites desse tipo de terapia, bem como se seus efeitos são

capazes de impactar nas gerações futuras, contrariando o art. 225 da CR/88. Conforme

afirmam Pessini e Barchifontaine,

existe a terapia somática que afeta apenas a pessoa que está sendo tratada, e a terapia

germinal, que implica mudanças que podem passar às gerações futuras. Até o

momento, todos os esforços na terapia genética em seres humanos se concentram

nas células somáticas. O grande receio é que, se a terapia genética somática em seres

humanos for aceita pela medicina, haverá fortes motivos para estender a terapia

genética também às células germinativas. Embora as terapias de células

germinativas e de zigotos sejam muito promissoras para o futuro, as incertezas

técnicas, o abuso da tecnologia do DNA para fins não terapêuticos levantam sérias

questões éticas acerca de nossa relação com a posteridade. Técnicas de junção de

genes podem ser usadas para a eugenia positiva a fim de mudar as características

básicas da natureza humana em vez de para curar desordens cromossômicas. (2012,

p. 300).

De todo modo, a preocupação com a manipulação genética da vida humana para o

meio ambiente tem razão de existir. Se hoje muito se discute a respeito dos perigos causados

pela ação de alimentos geneticamente modificados (transgênicos) para o organismo e para o

meio ambiente, muito maiores e mais preocupantes são os efeitos das manipulações genéticas

realizadas no próprio organismo humano, principalmente aquelas realizadas ainda na fase

embrionária. A falta de um rigor legislativo no tocante à manipulação genética da vida

humana abre espaço para tipos distintos de pesquisas, aumentando a ganância científica e

podendo culminar até no absurdo de se pensar na criação de “seres humanos transgênicos”, o

que seria ética e ambientalmente inadmissível.

Assim, apresentados os aspectos jurídicos e ambientais em torno do DGPI e das

outras formas de manipulação genética da vida humana, cabe analisar a questão da eugenia,

positiva e negativa, no DGPI, e seus impactos para o meio ambiente.

Page 91: Manipulação Da Vida

89

5 DGPI E AS POSSIBILIDADES NEOEUGÊNICAS

A moderna eugenia possui suas raízes ainda na Antiguidade. Assim, exemplos como

as regras de higiene do povo hebreu, os padrões de beleza física da Grécia Antiga e a prática

de medidas que visavam à purificação da raça dos espartanos, de forma a fortificar o famoso

exército de Esparta, são práticas que indicavam aspectos eugênicos já nas sociedades antigas.

Todavia, tais indícios não se encontravam apenas na antiguidade, sendo possível apontar

traços eugênicos em todos os períodos da história. Dessa forma, na idade média a noção de

superioridade não estava relacionada a um tipo de raça ou a características físicas de

determinada população, a superioridade era de um grupo religioso sobre outro (no caso,

cristãos sobre muçulmanos em relação à posse sobre a Terra Santa), ou seja, tratava-se de uma

superioridade ideológica. Já no Renascimento, as descobertas científicas e filosóficas que

marcaram o período conferiram material suficiente para o fortalecimento de práticas

segregacionistas. A publicação, em 1859, dos estudos de Charles Darwin sobre a origem das

espécies em que somente os mais bem adaptados possuíam condições suficientes para

sobreviver tornou-se um dos principais alicerces utilizados pelos teóricos da eugenia.

(DIWAN, 2011, p. 9-32).

Às formulações de Darwin, soma-se outro fato que também foi fundamental para a

origem do pensamento eugênico moderno: o cenário inglês que se estabeleceu na segunda

metade do século XIX. Nesse período, a Inglaterra, e especificamente sua capital Londres,

testemunhava o surgimento de um fenômeno novo, próprio da modernidade, a multidão. A

Londres do século XIX era caracterizada pelas intensas e exaustivas jornadas de trabalho

durante o dia, e pela agitada vida noturna, que tornava a atmosfera do meio operário sombria

e insalubre. Por outro lado, a classe burguesa se diferenciava cada vez mais dos operários,

caracterizando-se pela efervescência cultural e pelas discussões científicas e intelectuais que

ganhavam espaço no meio. Além disso, a fragmentação do espaço urbano foi acentuada pela

proliferação dos cortiços e suas péssimas condições de higiene. Tal cenário foi propício para

que a burguesia inglesa desenvolvesse um preconceito contra o trabalhador londrino. Por sua

vez, no final do século XIX, com o auge da Segunda Revolução Industrial, o trabalhador

tomou consciência de sua condição e iniciou um período de greves e insatisfações. Dessa

forma, foi diante dessa atmosfera de crise social e política, do aumento das epidemias, do

agravamento das péssimas condições de vida dos operários e do medo da “contaminação” da

Page 92: Manipulação Da Vida

90

classe burguesa, que higienistas e eugenistas encontraram meios ideais para a aplicação de

suas teorias. Com isso, é possível afirmar que

[...] historicamente, houve sempre o desejo de se proclamar a superioridade de um

grupo sobre o outro, ou de uma teoria sobre outra, ou mesmo de um tipo de regime

político sobre outro. Os melhores, os eleitos, os superiores sempre foram desejados

pelo poder. E pertencer ao grupo dos melhores sempre foi o objetivo de muitos, em

detrimento dos menos favorecidos. (DIWAN, 2011, p. 27).

Foi esse desejo de superioridade somado ao contexto de crise pelo qual passava a

Inglaterra que fez com que novas condutas sociais fossem aplicadas. Sob a perspectiva

higienista, havia a necessidade de se tratar as doenças que assolavam a população inglesa e,

ademais, a necessidade de se rever as condutas que causavam tais doenças. A solução para os

higienistas era o isolamento e a exclusão dos doentes, isto é, dos menos adaptados, o que

ocorreria por meio de reformas urbanas e de educação higiênica. Por outro lado, esse tipo de

conduta desagradava aos eugenistas, que afirmavam que a melhora das condições de vida dos

grupos menos favorecidos levaria à degeneração da “raça inglesa”. Assim, a solução para os

eugenistas estava na eliminação de “todos aqueles que contribuíam para a degeneração física

e moral, impedindo-os de procriar ou de se perpetuar na sociedade”. (DIWAN, 2011, p. 37).

Tais fatores culminaram no surgimento do welfare state, que buscava a criação de serviços e

organismos destinados a apoiar socioeconomicamente as demandas da população. Mas para

os eugenistas, o welfare state era antinatural, pois permitia a sobrevivência do menos apto, o

que seria uma espécie de “parasitismo”. Nesse sentido, “combater esse tipo de parasitismo era

contribuir para o progresso da sociedade, já que, com a eliminação do fardo social que

sobrecarrega o Estado, o progresso da civilização estaria garantido”. (DIWAN, 2011, p. 37).

Esse contexto levou o médico e matemático Francis Galton, primo de Charles

Darwin, a iniciar importantes estudos que findariam na ideia moderna do termo eugenia e o

caracterizariam posteriormente como “o pai da eugenia”.

Assim, a importância de Darwin para a vida de Galton é muito significativa, já que a

teoria evolucionista daquele foi a inspiração para que Galton desenvolvesse sua teoria social,

cujo principal objetivo era a evolução da raça. Entretanto, as ideias de ambos se distanciaram

posteriormente, quando dos estudos sobre a transmissão de caracteres, que para Darwin sofria

alterações pelo meio ambiente, e para Galton, não. Com isso, em 1865, Galton publicou o seu

primeiro trabalho intitulado Hereditary Talent and Character, sobre o estudo estatístico do

parentesco, que esboçava os princípios da teoria eugênica. Em 1869 Galton reforçou suas

ideias com a publicação de Hereditaty Genius, ocasião em que desenvolveu um pouco mais

Page 93: Manipulação Da Vida

91

sua teoria eugênica e o estudo sobre a distribuição do talento nas populações (que seria

hereditário, e não resultado de influências do meio ambiente). (DIWAN, 2011, p. 9-46). Anos

mais tarde, Galton passou a estudar soluções para um dos maiores problemas da teoria

eugênica, que era a seleção dos mais aptos e a eliminação ou controle dos inaptos dentro de

cada classe social.

Entretanto, foi somente em 1883, com a publicação do livro Inquiries into human

faculty and its development, que Galton realizou um neologismo que conjugava “os sentidos

do eu, próprio, e o genos, espécie, raça, linhagem” (FRAGA; AGUIAR, 2010, p. 122-123),

ocasião, também, em que o termo eugenia foi utilizado pela primeira vez. Nesse livro Galton

concluiu que a seleção natural proposta por Darwin deveria ser complementada por uma

seleção artificial, de maneira a se alcançar no futuro o progresso físico e moral.

(MEIRELLES, 2013). Com isso,

Galton definiu eugenia como o estudo dos agentes, sob o controle social, que podem

melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou

mentalmente. [...]. Galton, porém, foi o responsável pela estruturação de métodos

científicos, principalmente o estatístico e o matemático, no sentido de promover a

eliminação de caracteres físicos e psíquicos não desejáveis, mediante práticas

eugênicas. (FRAGA, AGUIAR, 2010, p. 123).

Nos dizeres de Fraga e Aguiar a “tentação eugênica, ou seja, a permanente

preocupação em relação ao que se entende por aprimoramento da espécie, principalmente

através de sua descendência” (2010, p. 122), existe há muito tempo e geralmente é pensada

por meio do viés biológico, apesar das inúmeras tentativas de seleção de seres mais aptos

psíquica e intelectualmente.

O risco de eugenia, dessa maneira, é algo que acompanha o desenvolvimento da

humanidade desde os primórdios. O fato de o termo ter adquirido “corpo” apenas no final do

século XIX não afasta as evidências de práticas eugênicas desde os tempos mais antigos.

Entretanto, a teoria de Galton foi utilizada como arma política de discriminação social e

limpeza étnica por diversos países e em diversas épocas da história, ora com mais radicalismo

(como na Alemanha nazista), ora de maneira mais “sutil” (como a lei de esterilização

implantada nos Estados Unidos no início do século XX). Por outro lado,

[...] no período pós-guerra, a genética molecular e as descobertas sobre o DNA

reorientam o debate em torno da biologia humana. As concepções sobre a

hereditariedade e a evolução mudam na década de 1950 e a eugenia torna-se

sinônimo de extremismo e obscurantismo. Suas teses se dissiparão gradualmente

após a década de 1960. A eugenia cairá num sono profundo do qual só acordará com

os debates sobre ética reavivados pelas técnicas de reprodução assistida, fertilização

Page 94: Manipulação Da Vida

92

in vitro e com as descobertas sobre o mapeamento genético, a partir do início dos

anos 1980. (DIWAN, 2011, p. 49).

Em consequência disso, com os avanços advindos da descoberta do genoma humano,

que forneceu material suficiente para a disseminação de novas práticas eugênicas, a questão

da eugenia voltou a ser discutida, mas sob outro viés: o da manipulação genética embrionária.

Assim, na atualidade, a eugenia passou a ser associada ao progresso técnico-científico,

adquirindo o status de “neoeugenia” ou “eugenia liberal”. Nos dizeres de Ana Thereza

Meirelles,

em torno das mudanças sociais e das novas demandas de mercado, que revelam, na

verdade, vontades individuais, movidas por objetivos específicos, pode-se situar a

eugenia liberal ou neoeugenia. Esta prática seletiva propicia a concretização de

desejos advindos do atual estágio do desenvolvimento científico e descortina uma

realidade de riscos não claramente conhecidos porque lida com o conhecimento

biotecnológico. Esse é o estágio atual da eugenia. (2013).

A neoeugenia se diferencia da eugenia tradicional, pois esta se direciona a um

determinado grupo de pessoas, enquanto aquela possui um viés genético e se direciona

normalmente a um indivíduo específico ou a um casal e seus futuros descendentes. Apesar do

caráter individual da neoeugenia, há que se ressaltar que por ser uma prática que lida

diretamente com o genoma humano, existe uma preocupação evidente com os reflexos que ela

pode apresentar para as gerações futuras.

Para Habermas, a eugenia liberal não reconhece o limite entre aquelas intervenções

que seriam terapêuticas e aquelas cuja finalidade seria o mero aperfeiçoamento genético da

descendência. A neoeugenia deixa a cargo de cada indivíduo a escolha sobre os objetivos das

intervenções realizadas que, conforme a preferência de cada um, podem simplesmente visar

alterações nas características dos futuros filhos, que em nada se aproximam do aspecto

terapêutico. (2010, p. 27).

Também é um traço característico da neoeugenia a transposição das fronteiras entre

aquilo que é dado pela natureza e aquilo que é disponível ao homem, fato que afeta a

“autocompreensão moral atual de uma forma qualitativamente diferenciada daquela que até

agora ocorreu”. (DUTRA, 2005). Esse traço da neoeugenia abriria espaço para a segregação

da população em dois grupos, o primeiro daqueles naturalmente concebidos, com toda a

fragilidade própria da natureza humana, e o segundo daqueles geneticamente programados,

com todas as vantagens daí advindas.

Assim, a neoeugenia pode adquirir duplo aspecto: um negativo, que tem por

finalidade eliminar ou afastar a descendência indesejada, por meio, por exemplo, do descarte

Page 95: Manipulação Da Vida

93

de embriões com alguma anomalia genética; e um aspecto positivo, que busca a seleção de

características desejadas para o futuro filho, como cor de olhos e cabelos, e alguns padrões

fenotípicos.

A técnica do DGPI, por suas peculiaridades, permite a análise clara das dimensões

positiva e negativa da neoeugenia, bem como da sua relação com o meio ambiente. Nesse

contexto de neoeugenia e DGPI, é que Habermas prevê o desenvolvimento de um cenário, em

médio prazo, que poderia se apresentar da seguinte maneira:

na população, na esfera pública da política e na esfera parlamentar, impõem-se

inicialmente a ideia de que o recurso ao diagnóstico genético de pré-implantação

deve ser considerado por si só como moralmente admissível ou juridicamente

aceitável, se sua aplicação for limitada a poucos e bem definidos casos de doenças

hereditárias graves que não poderiam ser suportadas pela própria pessoa

potencialmente em questão. Posteriormente, em virtude dos avanços biotécnicos e

dos êxitos na terapia genética, a permissão será estendida para intervenções

genéticas em células somáticas (ou até em linhagens germinativas), a fim de

prevenir essas doenças hereditárias e outras semelhantes. (2010, p. 26).

A partir desse segundo passo, que é coerente com as premissas da primeira decisão, é

que surgiria, segundo Habermas, a necessidade de separação entre a eugenia negativa

(justificada) e a eugenia positiva (inicialmente injustificada). Entretanto, esse limite entre o

positivo e o negativo é bastante flutuante na contemporaneidade, o que dificulta o

estabelecimento de fronteiras precisas entre o que é permitido e justificável e o que é proibido

e totalmente injustificável. Com isso, a delimitação do que seria um ato preventivo e o que

seria um ato eugênico, de preocupação estritamente ética passa a ser objeto de análise jurídica

e ambiental, na medida em que possui reflexos e impactos significativos para os dois campos.

Todavia, para a compreensão desses impactos é necessária a distinção clara entre o que hoje

se denomina neoeugenia negativa e o que se denomina neoeugenia positiva, dentro do

contexto do diagnóstico genético pré-implantação.

5.1 Neoeugenia negativa

Antes da análise da neoeugenia negativa, cumpre ressaltar que classicamente a

eugenia negativa visava ao segundo aspecto do ideal eugênico, isto é, “diminuir o número dos

seres não eugênicos ou disgênicos e incluía basicamente a limitação ao casamento e

procriação daqueles assim considerados”. (MAI; ANGERAMI, 2006). Além disso, havia a

Page 96: Manipulação Da Vida

94

proposta de um maior controle governamental sobre o casamento e sobre a reprodução,

estando a procriação desaconselhada nos casos de consanguinidade do casal ou de idade

materna avançada.

Pautada na busca pela cura e prevenção de doenças e anomalias de origem genética,

a neoeugenia negativa materializa-se por meio de um conjunto de ações de caráter restritivo,

diretamente relacionadas ao patrimônio genético do indivíduo.

No diagnóstico genético pré-implantação, a neoeugenia negativa ocorre sempre que

um casal, portador de alguma doença ou anomalia genética, procura um profissional da saúde

a fim de evitar que sua descendência padeça dos mesmos males. Nesse caso, os avanços da

tecnologia permitem que o casal conheça as características genéticas do futuro filho e opte por

implantar aqueles embriões livres de qualquer traço capaz de desenvolver a doença genética

da qual um ou ambos são portadores, ou alguma outra doença detectada pelo diagnóstico.

A neoeugenia negativa no contexto do DGPI está diretamente relacionada ao direito

à saúde, garantido constitucionalmente tanto pelo art. 6º (que o elenca como um direito

social), quanto pelo art. 196 que prevê que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e

de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação”. (BRASIL, CR/88, art. 196).

Sabe-se que a doença e as deficiências fazem parte da humanidade, ou seja, são

características da biologia humana, que se apresentam em diferentes indivíduos e de

diferentes maneiras, “causando dores e sofrimentos de distintas ordens”. (VILAÇA; DIAS,

2013, p. 62). Entretanto, o fato de uma doença fazer parte da vida humana, não quer dizer que

ela seja desejada, pelo contrário, doenças e deficiências são indesejáveis, “exemplos de causas

de dor e sofrimento nos humanos, tidas, por vezes, como uma forma de punição”. (VILAÇA;

DIAS, 2013, p. 63).

Com isso, a redução do risco de doença seria uma opção do indivíduo e, acima de

tudo, um direito garantido constitucionalmente, pelo que a realização de um exame cuja

finalidade precípua é evitar a implantação de embriões doentes estaria de acordo com os

ditames constitucionais. Dessa forma, a eugenia negativa, ao menos em princípio, não teria a

intenção de segregar uma parcela da população, mas tão somente de evitar a ocorrência de

doenças graves que, provavelmente, levariam à morte prematura do futuro bebê ou então o

deixariam em uma situação de total dependência de terceiros.

A grande questão em torno da eugenia negativa é que, ao menos até então, a opção

pela realização do exame e pela implantação ou não de determinado embrião cabe somente

Page 97: Manipulação Da Vida

95

aos genitores, isto é, é uma decisão individual, embasada apenas pelo direito de escolha e de

decisão dos pais. Entretanto, há de se ressaltar que, apesar de aparentemente ser essa uma

decisão que diz respeito somente àquele casal, os reflexos da escolha repercutem para toda a

coletividade. Ademais, não pode ser desconsiderado o peso que o contexto social em que os

pais estão inseridos exerce sobre a sua decisão, razão pela qual a própria origem do desejo dos

pais em realizar tal exame deve ser questionada, a fim de apurar a sua real motivação. Vilaça

e Dias sustentam

[...] a liberdade de escolha individual baseada no que constitui o horizonte

hermenêutico do indivíduo – fatores sociais (culturais, ideológicos, religiosos,

éticos, políticos) e características biológicas particulares – como uma forma de

regular alguns efeitos biopolíticos do melhoramento humano biotecnocientífico.

(2013, p. 65).

Dito isso, é possível afirmar que, até o presente momento, a responsabilidade pela

escolha tanto da realização do diagnóstico quanto da implantação dos embriões é dos pais

(apesar da existência do aconselhamento genético), e envolve valores sociais bastante

subjetivos, como os acima elencados por Vilaça e Dias. É possível afirmar, também, que

muitas vezes, a motivação dos pais possui um aspecto individual, ligado tão somente à

preocupação de gerar crianças geneticamente sadias. Entretanto, sabe-se que as consequências

de uma manipulação genética embrionária não afetam somente a um indivíduo específico,

mas a toda sua descendência, razão pela qual, nos dizeres de Habermas, “a manipulação dos

genes toca em questões relativas à identidade da espécie, sendo que a autocompreensão do

homem enquanto um ser da espécie também compõe o contexto em que se inscrevem nossas

representações do direito e da moral”. (2010, p. 32).

A partir do momento em que a técnica passa a ter implicações sobre o genoma e

sobre a identidade da espécie humana, a questão deixa de ser individual, ou apenas

relacionada a um determinado grupo de pessoas, e passa a ser coletiva, ou melhor, passa a ser

uma questão de meio ambiente. Nesse ponto, pelo menos três direitos constitucionais estão

em jogo: o direito à saúde (da futura criança), o direito à dignidade (tanto do embrião quanto

da futura criança) e o direito de ter o meio ambiente ecologicamente equilibrado preservado

para as futuras gerações (na medida em que não se sabe ao certo as consequências da

manipulação genética embrionária). Não se trata, entretanto, de escolher um dentre tais

direitos, mas sim de compatibilizar esses direitos e garantir a prevalência de todos, mesmo

que em maior ou menor grau. Delamar Dutra, discorrendo sobre a eugenia, afirma que “a

dificuldade da questão reside na importância do que está em jogo, de tal forma que cabe a

Page 98: Manipulação Da Vida

96

pergunta se a resposta deve ser deixada ao capricho narcisístico das preferências ou se os

fundamentos naturais e normativos da vida humana merecem um outro tratamento”.

(DUTRA, 2005).

A neoeugenia negativa aplicada ao DGPI, portanto, visa garantir, principalmente, o

direito constitucional à saúde. Por outro lado, por tratar-se de um aspecto que envolve a

autonomia da vontade e o direito de escolha dos pais, é aconselhável que o direito, apoiado

pela medicina, estabeleça critérios que possibilitem classificar determinadas doenças e

anomalias genéticas como suficientemente graves (o que não deixa de ser uma questão

extremamente delicada) para justificar a realização do diagnóstico genético27

. Essa poderia ser

uma maneira de o direito compatibilizar os avanços técnico-científicos com a necessidade da

segurança jurídica, pois se adotasse uma postura mais rígida (por exemplo, por meio da

edição de uma lista de doenças que autorizasse o DGPI), o direito estaria “engessando” a

ciência e a medicina e agindo de maneira muito intervencionista. Por outro lado, ao não se

posicionar sobre o tema, o direito abre caminho para a realização indiscriminada do DGPI e

sua posterior utilização para outros fins. Assim, acredita-se que uma postura mediana, que

garantisse a segurança jurídica e mantivesse a preocupação com a precaução, seria a mais

adequada e evitaria que a neoeugenia, de negativa, passasse à positiva.

5.1 Neoeugenia positiva

A neoeugenia positiva é mais fácil de ser compreendida e, por suas características, é

amplamente rejeitada. Assim, no início do século XX, a eugenia positiva voltava-se

basicamente a ações que estimulassem a boa reprodução. Hoje, no início do século XXI, a

neoeugenia positiva “especula sobre criar ou melhorar características físicas e mentais do

futuro ser”. (MAI; ANGERAMI, 2006).

27

Mesmo nesse caso, a opção pela implantação ou não do embrião caberia única e exclusivamente aos pais. A

opção por criar critérios para a classificação de doenças e anomalias que autorizassem a realização do

diagnóstico genético seria apenas uma maneira de auxiliar os pais nessa difícil decisão e, evidentemente, de se

evitar a “popularização” da técnica e seu uso indiscriminado. De todo modo, mesmo que a legislação elencasse

esses critérios, o fato de uma determinada doença ser considerada como grave, de forma alguma, levaria a

obrigatoriedade da realização do DGPI. Ao contrário, o diagnóstico continuaria a ser uma indicação médica e

uma opção do casal. Não pode o Estado obrigar ninguém que queira engravidar e apresente alguma

predisposição a transmitir doenças genéticas a realizar um exame e, muito menos, a não implantar determinado

embrião. Esse cenário feriria totalmente o direito à liberdade, à diferença, à dignidade e a autonomia da vontade.

Page 99: Manipulação Da Vida

97

Dessa forma, a neoeugenia positiva tem como finalidade a seleção de determinados

caracteres como sexo, cor de olhos, cabelo, estatura, a melhoria ou a criação de competências

humanas como “inteligência, memória, criatividade artística, traços do caráter e várias outras

características psicofísicas, no sentido de potencializá-las nos diversos contextos do convívio

social”. (MAI; ANGERAMI, 2006).

Não existe respaldo ético ou legal para a realização da neoeugenia positiva. A técnica

do DGPI permite a seleção de sexo, mas somente nos casos em que a doença em questão

estiver diretamente relacionada a um determinado sexo, conforme item 4 da Resolução

2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina: “As técnicas de RA não podem ser aplicadas

com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer

outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas

ao sexo do filho que venha a nascer”. (CFM, 2013). Com isso, fica proibida a seleção de

qualquer característica biológica o que, além de contrariar as orientações do CFM, é ética e

moralmente inaceitável.

Habermas, realizando um paralelo hipotético entre os casos em que houve a seleção

embrionária com fins meramente terapêuticos e aqueles em que a escolha teria por objetivo a

eugenia positiva, por meio da seleção de determinadas características, afirma que:

Para tal intervenção pré-natal, um paciente preventivamente “curado” pode, no

futuro, comportar-se, enquanto pessoa, de forma diferente de alguém que vem a

saber que sua constituição genética foi programada – por assim dizer, sem o acordo

virtual e somente em função das preferências de um terceiro. Somente nesse caso a

intervenção genética assume a forma de uma “tecnicização” da natureza humana.

Diferentemente da intervenção clínica, o material genético é então manipulado a

partir da perspectiva de alguém que age de forma instrumental, e que, por meio de

sua “colaboração”, provoca um estado desejado no campo do objeto, segundo seus

próprios objetivos. Intervenções que alteram as características genéticas constituem

um fato da eugenia positiva quando ultrapassam os limites estabelecidos pela

“lógica da cura”, ou seja, da ação, supostamente aprovada, de evitar males. (2010, p.

73-74).

Assim, conforme Habermas, a neoeugenia positiva seria uma forma de

instrumentalização da vida humana, que seria produzida sob condições e em função de

preferências estabelecidas por terceiros. A consequência dessa neoeugenia positiva seria a

alteração da autocompreensão ética da espécie, ou seja, o ser humano geneticamente

modificado deixaria de se compreender como um ser vivo eticamente livre e moralmente

igual aos demais humanos não manipulados, orientado por certas normas e fundamentos.

(HABERMAS, 2010, p. 57).

Page 100: Manipulação Da Vida

98

Independentemente de ser essa consequência passível ou não de comprovação, fato é

que a neoeugenia positiva possui um aspecto discriminatório acentuado, pois visa à

“produção” de seres humanos altamente capacitados e com características físicas

predeterminadas. Tal fato vai de encontro a vários objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil dispostos no art. 3º da CR/88, dentre os quais, destacam-se aqueles

previstos no inciso IV: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (BRASIL, 1988). Assim, a utilização

da técnica do DGPI com qualquer outra finalidade diferente da terapêutica é incompatível

com os ditames constitucionais brasileiros. Resta saber, portanto, como a neoeugenia, em

todos os seus aspectos, age sobre o meio ambiente e quais impactos ela é capaz de provocar.

5.3 Neoeugenia e meio ambiente

Em matéria ambiental a questão da manipulação genética embrionária está

diretamente ligada ao genoma humano e ao patrimônio genético da pessoa humana. Assim,

em termos constitucionais, a proteção do tema está disposta no art. 225, §1º, II (“preservar a

diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas

à pesquisa e manipulação de material genético”) e V (“controlar a produção, comercialização

e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade

de vida e o meio ambiente”), bem como pelo inciso III do art. 1º (que assegura a dignidade da

pessoa humana). O tema também foi abordado e regulamentado pela Lei nº 11.105/2005, “que

define no âmbito infraconstitucional a tutela jurídica dos mais importantes materiais genéticos

vinculados à pessoa humana”. (FIORILLO, 2011, p. 80).

Dessa maneira, toda e qualquer interferência sobre o genoma humano atingirá,

mesmo que indiretamente, o meio ambiente.

Com relação à neoeugenia, os fatores que devem ser levados em consideração dizem

respeito, principalmente, à preocupação com as gerações futuras. No tocante à neoeugenia

negativa, o primeiro ponto que leva a essa preocupação diz respeito ao fato da ciência ainda

não ter meios suficientes para apresentar quais as reais consequências que a manipulação

genética embrionária pode trazer para o próprio embrião manipulado. Isso ocorre, pois as

primeiras crianças nascidas por meio, por exemplo, do DGPI, ainda não alcançaram idade

suficiente para a comprovação de que o exame realmente não acarreta nenhum risco para o

Page 101: Manipulação Da Vida

99

embrião e, consequentemente, para a criança, o que iria de encontro ao inciso V do art. 225 da

CR/88.

Ainda com relação à neoeugenia negativa, existe a preocupação de que as técnicas de

manipulação, principalmente o DGPI, sejam utilizadas de maneira indiscriminada para toda e

qualquer doença e acabem por gerar um número muito superior ao atual de embriões

“inviáveis” (e aí o conceito de inviabilidade seria ainda mais polêmico e controverso).

Ademais, a utilização do DGPI para qualquer tipo de doença levaria a uma busca desenfreada

por uma criança totalmente livre de qualquer doença genética, o que causaria danos, inclusive

para a mãe (que se sujeitaria ainda mais aos riscos e consequências decorrentes das altas

dosagens hormonais necessárias para a estimulação e produção dos óvulos necessários para a

realização da fertilização e, posteriormente, do DGPI). Tal cenário poderia causar danos tanto

ao meio ambiente, no que diz respeito aos embriões inviáveis, quanto à qualidade de vida da

mãe, novamente ferindo o inciso V do art. 225 da CR/88.

Outra questão, relativa à neoeugenia positiva, diz respeito ao risco de se criar uma

série de “super pessoas”, que perderiam sua compreensão como seres da espécie humana, com

todas as suas características e fragilidades. Para Habermas isso também afetaria a relação

entre as gerações, que abandonaria a “naturalidade que até então pertencia ao pano de fundo

trivial” (2010, p. 99) da autocompreensão ética da espécie. Ainda com relação às gerações

futuras, o mesmo autor afirma que:

Hoje, precisamos nos perguntar se eventualmente as gerações futuras vão se

conformar com o fato de não mais se conceberem como autores únicos de suas vidas

– e também de não serem mais responsabilizadas como tal. Será que essas gerações

se contentarão com uma relação interpessoal, que não se adapta mais às condições

igualitárias da moral e do direito? (HABERMAS, 2010, p. 93).

A escolha por certas características, por conseguinte, comprometeria a diversidade

do patrimônio genético humano, e em certo sentido, a dignidade daqueles que foram

concebidos naturalmente (que se sentiriam inferiores aos geneticamente favorecidos), o que

feriria os dispositivos constitucionais em questão.

Dessa forma, a preocupação com a neoeugenia em matéria ambiental em muito se

relaciona as incertezas geradas pela manipulação genética embrionária e suas consequências,

mesmo que no plano da probabilidade, para as futuras gerações.

A diversidade e as características do genoma humano devem ser asseguradas, de

maneira a evitar, numa perspectiva mais pessimista, o desaparecimento de alguns grupos de

Page 102: Manipulação Da Vida

100

seres humanos, classificados como “inferiores” ou “desprivilegiados”, colocando em risco a

espécie humana.

Dessa forma, todo tipo de manipulação ou intervenção envolvendo a vida humana e

o genoma humano deve sempre levar em consideração os possíveis riscos para o organismo

do indivíduo manipulado, para sua descendência e, principalmente, para o meio ambiente.

Deve, portanto, ser uma ação pautada, principalmente, na responsabilidade, na precaução e na

solidariedade intergeracional.

Devemos pensar nos efeitos que nossas ações e decisões irão exercer sobre toda a

humanidade. Responsabilidade é, portanto, solidariedade com toda a humanidade e a

espécie humana. Temos responsabilidade de não usar a biotecnologia com a

finalidade de afetar negativamente o futuro da espécie como tal, a curto ou a longo

prazo. Temos a responsabilidade de preservar a unidade e a integridade da espécie

humana. É irresponsável a tendência arrogante de prosseguir na biotecnologia sem

levar em conta todas as possíveis consequências em relação ao futuro. (PESSINI;

BARCHIFONTAINE, 2012, p. 302).

Com a análise da neoeugenia, apresentou-se o último elemento necessário para a

exposição dos impactos causados pela manipulação genética embrionária, aqui estudada

principalmente pela técnica do diagnóstico genético pré-implantação, no meio ambiente,

objeto das considerações finais.

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101

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os mistérios envolvendo a vida humana sempre aguçaram a curiosidade do ser

humano. As dúvidas e incertezas acerca de cada fase do desenvolvimento humano ainda são

alvo de especulação científica.

Com o advento da técnica e as possibilidades por ela conferidas, a distância entre o

desconhecido e o dominado pelo homem se encurtou. A ciência finalmente deu o grande

passo para a revelação dos enigmas da vida humana.

A descoberta do DNA e a decodificação do genoma humano possibilitaram ao

homem estudar a sua espécie sob uma nova ótica: a do genoma. A partir do momento em que

o genoma é analisado, uma série de informações sobre o indivíduo e sua descendência é

exposta aos olhos atentos da ciência.

Com isso, a técnica retirou da natureza o privilégio de fazer surgir uma nova vida e o

entregou ao homem. Entretanto, com esse privilégio novas situações envolvendo a vida

humana surgiram, o que antes habitava o plano da abstração começou a ganhar forma. As

novas situações trazidas pela técnica, todavia, possuem um alcance muito maior do que o

inicialmente imaginado. A aplicação da técnica moderna atinge, além do ser ou indivíduo alvo

da sua aplicação, todo o seu entorno, todo o ambiente que o cerca. Inegável é, portanto, que

toda forma de intervenção na vida humana repercutirá no meio ambiente.

No campo da genética médica os progressos da ciência trouxeram, além da esperança

da cura de doenças graves, a possibilidade de intervir na vida humana ainda em sua fase

embrionária, de forma a evitar a propagação de uma carga hereditária negativa. Todavia, essa

esperança veio acompanhada de incertezas e riscos que podem trazer graves consequências

para o meio ambiente.

As terapias genéticas, de maneira geral, carregam a expectativa do sucesso

terapêutico e da devolução da qualidade de vida para os doentes. Por outro lado, terapias

genéticas trabalham com a introdução ou modificação de genes, isto é, com o genoma

humano.

Terapias genéticas realizadas em células germinais (TGCG) necessariamente

modificam a carga genética do indivíduo e de sua descendência. Nesse caso, a ciência, mesmo

que amparada no argumento terapêutico, está interferindo diretamente na vida de toda uma

descendência. Está manipulando a vida e impactando no meio ambiente. Quão segura é uma

intervenção direta em células germinativas humanas? O quanto essa intervenção afeta o

Page 104: Manipulação Da Vida

102

patrimônio genético humano? Não há como afirmar. Nem mesmo a ciência foi capaz, com

segurança, de esclarecer os riscos e consequências desse tipo de manipulação genética.

Todavia, sabe-se que não há como admitir situações de incertezas, principalmente no âmbito

jurídico. O risco, mesmo que suspeitado, deve ser evitado, na medida em que seus resultados

são irreversíveis ou se perpetuam por muitos anos. Nesse sentido é importante que a atuação

da ciência se dê apoiada no princípio da precaução, ferramenta importante na gestão de riscos,

principalmente dos riscos ambientais, e que deve ponderar a real necessidade da intervenção e

os potenciais perigos que ela pode causar.

Mesmo nos casos em que a terapia genética é realizada em células somáticas, não se

sabe se seus efeitos são capazes de atingir de algum modo a descendência do indivíduo, o que

também coloca em dúvida os seus riscos e efeitos para o meio ambiente, que tem como um de

seus princípios justamente a solidariedade intergeracional. Assim, a solidariedade, nesse caso,

mais do que um dever de preservação do ambiente para as futuras gerações, é um dever de

preservação da unidade e da integridade da própria espécie humana, que não pode ser

colocada em risco pela ciência.

Já nos casos de manipulação genética embrionária por meio do diagnóstico genético

pré-implantação, os impactos para o meio ambiente começam desde a discussão acerca da

viabilidade da realização do exame.

Sem negar as cargas ética e moral que acompanham o tema, fato é que o próprio

processo para a realização do DGPI já envolve um impacto significativo no organismo da

mulher, por meio das altíssimas dosagens hormonais necessárias para a produção de um

número excedente de óvulos para a fertilização in vitro, alterando expressivamente o ciclo

natural do organismo. Posteriormente, já na fase de realização do diagnóstico, a escolha do

método utilizado trará consequências diversas. A limitação qualitativa da técnica da PCR, que

geralmente analisa uma única célula embrionária, traz a incerteza do resultado. O fato de a

FISH não ser capaz de analisar todos os cromossomos exclui um rol importante de doenças e

aumenta as chances de erro de diagnóstico, além do fato de ainda não ser possível afirmar se a

técnica pode causar danos ao embrião. Com relação ao PGD-24, apesar de ser um método

com capacidade de análise de todos os cromossomos, o fato de o embrião ter de alcançar o

estado de blastocisto leva ao risco da perda de todos os embriões obtidos. Para todos os

métodos, existe a questão dos embriões não selecionados: o que fazer com aqueles embriões

que não foram considerados “aptos” para a implantação no útero materno? Sem dúvida

alguma, esse é um questionamento cuja resposta, inevitavelmente, impactará diretamente no

meio ambiente. Apesar de não ser a resposta mais usual para o questionamento, quando o

Page 105: Manipulação Da Vida

103

destino dos embriões “não aptos” é o congelamento, o impacto para o meio ambiente é

percebido já de início, pois manter um embrião congelado por tempo indeterminado além do

alto custo financeiro levanta um fator frequente na atualidade, que é o que questiona se o

congelamento por tempo indeterminado não prejudica o desenvolvimento futuro do embrião

ou até mesmo inviabiliza uma provável implantação. Se a opção for pelo descarte

embrionário, além da dúvida de se estar descartando uma vida em potencial, surge também a

pergunta se o descarte de embriões que provavelmente (visto não ser possível afirmar com

100% de certeza) apresentem algum tipo de doença genética não estaria interferindo na

variabilidade, na diversidade da espécie humana, já que se opta pela implantação de embriões

com características específicas, no caso a não ocorrência de doenças genéticas. Já a opção

pela doação do embrião para pesquisa retoma a discussão acerca da instrumentalização da

vida humana e da necessidade de preservação de uma provável vida versus a necessidade de

se encontrar meios para a garantia da saúde e da qualidade de vida daqueles indivíduos já

nascidos.

Até mesmo os motivos que levam a escolha de determinado embrião causam impacto

no meio ambiente. O fato de alguém selecionar um embrião livre de qualquer doença ou

anomalia genética, apesar de inicialmente ter como finalidade a preservação do direito à saúde

e à qualidade de vida, interfere na natureza da vida humana, que por si só possui traços de

fragilidade. Contudo, o maior problema dessa escolha é não ser possível afirmar com

segurança se as técnicas utilizadas para a realização do DGPI são capazes de causar danos à

futura criança e/ou aos seus descendentes. Ademais, as possibilidades conferidas pelo DGPI

permitem a utilização da técnica para outros fins, que não o terapêutico. Com isso, fala-se no

risco da neoeugenia que, de forma clara, interfere no meio ambiente, pois a possibilidade de

segregação das pessoas por suas características genéticas, ou, na pior das hipóteses, a

possibilidade de se escolher quais características são desejáveis para os futuros bebês coloca

em risco, novamente, a diversidade da espécie humana. Não há como defender um meio

ambiente ecologicamente equilibrado quando a própria diversidade da espécie humana é

colocada em risco.

Assim, a possibilidade da criação de uma geração de “super pessoas”, além de ética e

moralmente inaceitável, viabiliza a segregação dos indivíduos entre aqueles “bons” (ou

geneticamente favorecidos) e aqueles “ruins” (ou geneticamente desfavorecidos), acentuando

o aspecto neoeugênico.

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104

Soma-se a tudo isso, o risco de se alcançar uma manipulação genética tão profunda

que seria capaz de culminar no absurdo de se cogitar um “ser humano transgênico”,

modificando totalmente o aspecto natural do meio ambiente.

O que se percebe, com isso, é que o progresso técnico-científico, ao mesmo tempo

em que traz esperança para a cura de doenças, para a melhora da saúde e da qualidade de vida

das pessoas, possui riscos capazes de apresentar consequências negativas para o próprio

indivíduo manipulado, para sua descendência e para o meio ambiente.

O direito, nesse aspecto, deve atuar como um mediador entre a necessidade de

progresso e a necessidade de preservação do genoma humano, da vida humana e do meio

ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Sabe-se que a ciência evolui mais rapidamente que o direito, o que o coloca diante de

desafios de difícil solução. Tal fato, inevitavelmente, cria uma lacuna jurídica entre o quanto a

ciência pretende avançar e os riscos que o direito consegue prever, forçando-o a adotar uma

postura de “espera prudente”, que reforça sua faceta mediadora.

Como último ponto, importa destacar que por tratar de situações que carregam

aspectos éticos e morais delicados, a bioética exerce papel fundamental nos casos de

manipulação genética embrionária humana, devendo, assim como o direito, adotar um papel

intermediador entre o que é necessário e o que é ética e moralmente permitido. Dessa

maneira, a bioética também atuará a fim de minimizar os impactos da manipulação genética

embrionária humana para o meio ambiente.

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