manifestações - lincoln secco

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  • 7/27/2019 Manifestaes - Lincoln Secco

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    Virada Poltica

    por Lincoln Secco, especial para o Viomundo

    O Brasil mudou. Excetuadas as passeatas festivas ou marchas evanglicas, desde aCampanha pelo impeachment em 1992 no havia manifestaes de rua com tantaspessoas simultaneamente em vrias cidades do pas. verdade que as atuais no secomparam em nmero, finalidade e abrangncia com as Diretas J, que ainda continuamsendo o maior movimento de massas da histria do Brasil (embora ainda no saibamos aamplitude que os protestos atuais podero tomar). Mas elas so o quarto movimento depolitizao em massa dos ltimos trinta anos.

    No primeiro deles, as greves do ABC em 1978-1980 permitiram a criao do novosindicalismo, do MST, do PT e da CUT. O PT questionou a estrutura tradicional dos partidos

    comunistas e foi em seus primeiros anos uma verdadeira federao de ncleos emovimentos com grande autonomia em seu interior. As greves foram derrotadas, mas o PTsobreviveu e cresceu.

    O segundo momento foi uma Revoluo Democrtica que ps fim ao Governo Militar. Oprocesso comeou pela campanha das diretas, mas foi filtrado pela lgica eleitoral que deuao PMDB um papel proeminente na vida poltica. A ltima tentativa de se opor quelareao conservadora do PMDB foi a campanha da Frente Brasil Popular em 1989. O saldoorganizativo foi a constituio do PT como alternativa eleitoral radical de poder.

    O terceiro momento (o Impeachment) devolveu UNE seu papel de liderana dosmovimentos estudantis, mas as lideranas se contentaram com a simples troca dopresidente Collor pelo seu vice Itamar Franco, o que acabaria permitindo ao seu Ministroda Fazenda Fernando Henrique Cardoso se tornar depois presidente.

    Vimos que nos trs momentos houve saldos de organizao, mas logo encapsulados pelasforas conservadoras. Durante a dcada neoliberal dos anos noventa houve umesvaziamento das ruas e o declnio da militncia partidria, como se pode constatar pelaHistria do PT. Ainda assim, aquele partido manteve o controle das principais organizaes

    sindicais e movimentos sociais surgidos nos anos 1980.

    Quando o PT foi jogado no canto do ringue durante os escndalos de 2005 a Direitamiditica esperava manifestaes populares que nunca aconteceram. Lula governou oitoanos sem enfrentar uma situao como a atual.

    Mas agora a poltica mudou. Fatores internacionais (crise de 2008, Primavera rabe,movimento dos indignados), aliados a transformaes tecnolgicas que permitem a aoem rede e a comunicao em tempo real por telefones mveis tambm respondem pelasmudanas. Mas nada disso aconteceria se o PT houvesse mantido sua hegemonia nos

    protestos de rua como acontecia antes.

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    Burocratizado, governista, ele no demonstrou capacidade de se inovar e voltar s ruas.Mantm uma estrutura invejvel, um lder carismtico e o slido controle de sindicatos emovimentos sociais, mas no so estes que convocam as manifestaes. E por mais quetentem, seus concorrentes de extrema esquerda tambm no controlam nada.

    Na Cidade de So Paulo a tomada espontnea das ruas em diferentes pontos da cidadeno se compara a nada antes ocorrido. As pessoas simplesmente se apropriaram do quedeveria ser delas: o leito carrovel, o direito de se manifestar e de andar noite com osamigos em segurana. Afinal, no h melhor segurana do que multides nos espaospbicos. O que elas fizeram ainda no tem carter de permanncia, mas decerto a tarifazero permitiria um pouco de trabalho, diverso e arte todos os dias. A forma fez-melembrar a virada cultural paulistana. S que agora se trata de uma virada poltica.

    A histria nos ensina que cada movimento destes politiza de uma s vez milhares de

    pessoas. Elas no aprendem com teorias, mas com aes. S que depois as teorizaes, oaprendizado em coletivos permanentes que consolida o movimento. Da a perguntaessencial que no se pe agora, mas se colocar num futuro prximo: qual o saldoorganizativo destas manifestaes?

    Se elas tero influncia eleitoral futura o que menos importa. A Direita Miditica jcomeou vasta operao para se apossar do movimento de massas. Mas ela no tersucesso porque nada tem a oferecer. As pessoas sabem que ela no apia nenhuma dasreivindicaes do Movimento Passe Livre. Mas a vigilncia do MPL deve ser redobrada e eleno pode permitir que a massificao dos atos seja submergida na oposio oficialpartidria.

    O PT tambm se v pela primeira vez em sua histria confrontado por um movimento demassas. Por mais que militantes petistas e at polticos estabelecidos apiem, ainda quetarde, as manifestaes, inegvel que em So Paulo o aumento de tarifas de transportedeterminado por administrao do partido foi o estopim do movimento. O PT no mais odono das ruas, mas ningum .

    Os partidos de ultra-esquerda cometeram o erro de nascer cedo demais como rachas

    internos e sem o batismo que s agora as ruas poderiam ter-lhe oferecido. O perigo umamanifestao como a atual ter sua voz (como j acontece) ser canalizada pela mdiaconservadora que rapidamente percebeu que podia virar o jogo para no perder mercado.

    Que os partidos continuam importantes na rotina eleitoral e que haja diferenas entre PT ePSDB pode no ser a crena de vrios partidos de esquerda, mas a de milhes debeneficirios das polticas sociais, do aumento do emprego e do salrio mnimo que o PTimplantou no Brasil.

    O PT melhor do que o PSDB evidentemente. S que este partido no pode contar mais

    com apoio militante que no seja profissionalizado. Suas polticas sociais j dormem sobum cobertor curto que ao se puxar para cobrir a cabea, os ps ficam de fora. que

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    quando as pessoas conquistam direitos, elas querem mais. Se a ousadia (ou mesmo oclculo eleitoral que, afinal de contas, tem sido a nica coisa de interesse para seusdirigentes) fizesse o PT defender a tarifa zero, ele criaria o seu segundo bolsa famlia noBrasil.

    Mas o futuro dessa gerao nova que vai s ruas diz respeito a outra coisa. Se os partidossabero interpretar o seu desejo problema deles. O que o Movimento do Passe Livreapontou uma questo maior: poder a autonomia das ruas se expressar em novasformas de organizao ou ser enjaulada no discurso dos donos da Grande Imprensa?