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MANIFESTAÇÕES DE PROFESSORAS SOBRE ESCOLHAS
METODOLÓGICAS PARA ALFABETIZAÇÃO EM ESCOLAS DA REDE DO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
Tamara Fresia Mantovani de Oliveira
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo
A questão dos métodos de ensino na alfabetização escolar se insere no contexto da
relação entre cultura e escola, cujas dificuldades não são características das escolas
públicas brasileiras somente, nem são específicas de nossa época, o que indica a
necessidade de compreender essa relação em perspectiva histórica. Não é possível discutir
essa questão sem considerar o duplo papel que a alfabetização vem desempenhando na
história da educação escolar: ao mesmo tempo em que tem um papel decisivo na
distribuição e na legitimação da cultura simbolicamente dominante possui a função de
selecionar quem deve ou não deve ter acesso à cultura socialmente valorizada. O debate
educacional na alfabetização vem sendo, historicamente, marcado pela centralidade
metodológica; no entanto, a partir das últimas décadas do século XX, observa-se um
crescente processo de crescente problematização sobre os métodos para a alfabetização
escolar, um dos nossos problemas cruciais. A presente pesquisa buscou uma aproximação
junto às professoras alfabetizadoras acerca das possibilidades de utilização metodológica
no ensino em alfabetização. Na elaboração do artigo, tomei como base teórica
contribuições de estudiosos dedicados à análise da centralidade metodológica no debate
sobre alfabetização escolar, os conceitos sobre processos de desinvenção e desmetodização
da alfabetização escolar e sobre os conceitos de ecletismo e diversidade metodológica.
Neste artigo abordo as manifestações obtidas por meio de um instrumento utilizado com
onze professoras de quatro escolas da rede de ensino do município de São Paulo. Foram
utilizados questionários com escala simples permitindo a escolha de resposta das
professoras de modo positivo ou negativo em face de onze expressões relativas a métodos
de alfabetização .Os resultados permitiram obter indícios dos efeitos do esforço de
construção da hegemonia do construtivismo no campo educacional, ao mesmo tempo
indícios da disposição das professoras para o ecletismo e para a diversidade metodológicas.
Palavras chave: ensino fundamental; alfabetização; métodos de alfabetização
Introdução
A pesquisa apresentada neste artigo foi desenvolvida com professoras
alfabetizadoras da rede do município de São Paulo buscando focalizar suas manifestações
acerca da presença ou ausência de diferentes orientações metodológicas em sua prática
docente, no contexto de uma politica educacional empenhada na construção da hegemonia
do construtivismo nestas escolas.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102777
A questão dos métodos de ensino na alfabetização escolar se insere no contexto da
relação entre cultura e escola, cujas dificuldades não são características das escolas
públicas brasileiras somente, nem são específicas de nossa época, o que indica a
necessidade de compreender essa relação em perspectiva histórica.
Não é possível discutir essa questão sem considerar o duplo papel que a
alfabetização vem desempenhando na história da educação escolar: ao mesmo tempo em
que tem um papel decisivo na distribuição e na legitimação da cultura simbolicamente
dominante possui a função de selecionar quem deve ou não deve ter acesso à cultura
socialmente valorizada (WILLIAMS, 2000; BOURDIEU, 1982).
Desse modo, o debate educacional na alfabetização vem sendo, historicamente,
marcado pela busca do método mais eficaz para possibilitar a ampliação do acesso à
cultura escrita, um dos nossos problemas educacionais cruciais. Ao mesmo tempo, esse
debate tem sido acompanhado por um discurso modernizador que vem impondo a
desqualificação de práticas educacionais tradicionais como ultrapassadas e autoritárias
(MORTATTI, 2000a, 2000b, BRASLAVSKY, 1971; CARVALHO, 2000).
No entanto, uma aproximação rumo às práticas de alfabetização no contexto escolar
possibilita identificar muitos indícios de que os métodos de ensino permanecem, ainda que
muitas vezes de forma não discutida e não explicitada no caldo de cultura de escola.
Com o objetivo de contribuir para a compreensão da utilização de possibilidades
metodológicas na alfabetização escolar, esta pesquisa buscou uma aproximação rumo a aos
indícios desta utilização, por meio das manifestações das professoras alfabetizadoras
consultadas.
Apresentam-se, assim, alguns conceitos básicos, de modo sintético, nessa área, para depois
relatar a coleta das informações e análise dos dados.
Bases teóricas
Para o desenvolvimento desta pesquisa tomei como base estudos voltados à
abordagem histórica da centralidade metodológica no debate sobre alfabetização escolar e
a busca de desmetodização da alfabetização que predominou nesse debate, no momento
contemporâneo.
A primeira modalidade de método sintético indicada por Braslavsky (1971, p.46)
como um marco inicial da consolidação da relação entre método e estudo de leitura foi o
método alfabético, ainda na antiguidade. O uso exclusivo do método sintético estendeu-se
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102778
até meados do século XVIII quando surgiram, no cenário educacional, propostas de
inovações, como os métodos fonéticos e silábicos, empregando-se sílabas como unidades-
chave, as quais eram depois combinadas em palavras e frases, buscando-se assim resolver
dificuldades que criavam a inexatidão da pronúncia de consoantes isoladas
(BRASLAVKY, 1971, p.55)
Das críticas aos métodos da marcha sintética nasceram as reflexões que
fundamentam a abordagem analítica provocando uma ruptura com a concepção vigente,
priorizando a leitura em detrimento da decifração e o sentido em detrimento do som do
texto, e opondo-se à ideia da necessidade que os alunos primeiro dominassem um razoável
capital de palavras apreendidas globalmente para, numa etapa bem posterior, proceder à
análise dessas palavras.
Os debates entre os métodos sintéticos e analíticos culminaram numa mistura entre
eles, com o nascimento do método eclético ou analítico-sintético, ou seja, um “método
sintético com ponto de partida global” (BRASLAVSKY, 1971, p. 65).
A crítica à busca de um método seguro de alfabetização, segundo a mesma autora,
começou a ser feita com a emergência da Escola Nova, momento radical de
questionamento da Pedagogia Tradicional, tendo como base estudos que concebiam a
criança como “sujeito de aprendizagem”, deslocando o foco do ensino para a
aprendizagem.
Os estudos dessa autora possibilitaram compreender os conceitos dos métodos de
marcha sintética e analítica de forma contextualizada, e a polarização entre eles como uma
polarização entre o tradicional, ultrapassado, e o novo, científico. A pesquisadora mostrou
também como, dos embates entre esses métodos, nasceu o método analítico-sintético ou
misto, cuja supremacia teórica teria sido reconhecida por uma pesquisa internacional
realizada pela UNESCO coordenada por William Gray em 1995, e a obra Problemas e
Métodos no Ensino de Leitura, escrita em 1962, teria ratificado tal supremacia
(BRASLAVSKY, 1971, p.49)
No Brasil, no entanto, a centralidade metodológica na alfabetização escolar se
estenderia até aproximadamente o final da década de 1970, quando teve inicio o processo
caracterizado por Mortatti (2006, p. 10) como “construtivismo e desmetodização”, em que
as novas urgências políticas e sociais, que demandavam novas propostas no campo
educacional apontaram para a busca de resposta para o fracasso escolar no pensamento
construtivista.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102779
Com o deslocamento das discussões dos métodos de ensino para o processo de
aprendizagem da criança, a mudança apontava não para um novo método e sim para uma
revolução conceitual, que desencadeou um crescente abandono das teorias e práticas
tradicionais, com o fenômeno da desmetodização do processo de alfabetização e o
questionamento do seu principal instrumento, a cartilha.
O documento do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Brasil, 2007) retoma,
no momento contemporâneo, o significado dessa supremacia, mostrando como os métodos
ecléticos buscaram superar os problemas dos métodos sintéticos e dos métodos analíticos.
Segundo esse documento, no caso dos métodos sintéticos, era necessário enfrentar a
descontextualização da escrita, reconsiderando seus usos e funções, pois quando o foco
recai somente nas letras, sílabas e palavras sem considerar a unidade de sentido do texto, a
escrita tende a esvaziar suas funções comunicativas. Já no caso dos métodos analíticos, era
necessário enfrentar a falta de orientação para a decodificação e a falta de entendimento de
que as palavras são compostas de unidades menores como sílaba, letra ou sufixos. Na
direção do diálogo entre as marchas sintéticas e analíticas, os métodos mistos buscavam
tanto propiciar a compreensão do sentido, a rapidez da fluência da leitura e produção da
escrita, como a aprendizagem da decodificação, que possibilita a compreensão do principio
de organização do sistema ortográfico da escrita e confere ao aluno a possibilidade de ler e
escrever palavras novas, tendo como referência a identificação de relações convencionais e
arbitrárias entre fonemas e grafemas.
Nessa mesma direção histórica, Mortatti (2000b) permitiu focalizar aspectos dessa
história no Brasil e compreender como entre nós a disputa entre os defensores dos métodos
de alfabetização sintético, analítico e eclético, esteve presente desde as origens da instrução
pública no final do século XIX, até meados do século XX, situação que há décadas vem
impondo a desqualificação das práticas tradicionais como “ultrapassadas” e “autoritárias”,
contribuindo para deslocamento do foco do ensino para a aprendizagem do aluno.
A contribuição de Soares (2004) possibilitou ampliar essa compreensão trazendo o
que chama de desinvenção da alfabetização, que estaria relacionada a uma tendência
presente nas últimas décadas, oriunda de uma interpretação equivocada da perspectiva
construtivista, que teria resultado num descompromisso da escola para com a questão da
aquisição dos códigos de leitura e escrita pelos alunos, parte importante do processo de
alfabetização. Com tais contribuições, ficou clara, portanto, a necessidade da reinvenção da
alfabetização, com uma didática da alfabetização, que possibilitem a instrução direta,
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102780
explícita e sistemática do sistema da escrita. Também ficou clara a necessidade de que a
escola ensine, por meio de métodos de ensino diversos, as relações entre o sistema
fonológico e o sistema alfabético. Segundo a autora, educar é um processo de transformar
pessoas, portanto, um processo dirigido a objetivos, que exige discutir os melhores
caminhos e essa é uma discussão metodológica.
A pesquisa, seus procedimentos de coleta e de análise, alguns resultados.
Na busca por compreender a força das tradições presentes na alfabetização escolar,
elaborei um instrumento de pesquisa que possibilitasse, entre outras coisas, identificar
indícios da presença de métodos pedagógicos no ensino ministrado por essas professoras
alfabetizadoras consultadas durante o processo de alfabetização.
Para elaborar o instrumento mencionado, realizei um estudo exploratório junto a
duas professoras alfabetizadoras, ao longo de um semestre, em duas classes de 1º ano do
ensino fundamental de duas escolas públicas de São Paulo. Busquei também selecionar
uma proposta pedagógica que possibilitasse uma ampliação das reflexões que o estudo
exploratório possibilitava. O critério para essa seleção foi o fato de que a mesma abarcava
diversas tradições metodológicas para a alfabetização escolar.
Desse modo, optei por tomar como referência fundamental as orientações
presentes no documento da proposta para alfabetização da Secretaria de Educação de
Minas Gerais elaborada pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), da
Faculdade de Educação da Universidade de Minas Gerais, por trazerem informações
pertinentes para dialogar com as práticas. Tal opção se deveu ao fato de que tais
orientações foram construídas em parceria com professores da rede pública e ao fato de
terem como pressuposto a diversidade metodológica bem como a necessidade de dialogar
com as práticas escolares e pedagógicas construídas historicamente.
O contato com esse material contribuiu para que, ao longo das observações das
aulas das professoras alfabetizadores, eu pudesse delinear aspectos das dimensões
envolvidas no processo de alfabetização, que até então me pareciam bastante abstratos.
Tendo como referência as reflexões e análises desenvolvidas no estudo
exploratório, à luz dos estudos sobre alfabetização escolar, planejei um instrumento que
me permitisse refletir sobre a presença da utilização de diferentes possibilidades
metodológicas no contexto do esforço de construção de hegemonia do construtivismo.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102781
Com base nesses pressupostos e nessas orientações foi construído um questionário amplo
com escala de três alternativas de resposta, sendo uma a possibilidade de não resposta.
Diante de expressões relativas a métodos de alfabetização as professoras se manifestaram
sobre sua concordância ou discordância em face de suas ações reais.
Para a apresentação das informações obtidas com o instrumento, procurei indicar as
respostas das professoras alfabetizadoras em quadro que permitisse visualizar suas
escolhas. Assim, relacionei cada professora alfabetizadora das onze participantes a uma
sequência de “P”de1a11. Portanto, na descrição das informações pesquisadas as
professoras posteriormente serão identificadas pelo “P” relacionado a cada uma delas.
Os dados coletados foram sistematizados no Quadro 1 anexo. Para este texto foram
selecionadas onze expressões do total, selecionadas por serem as questões específicas
sobre “métodos”, objeto deste texto. As professoras foram situadas nas diferentes caselas
do Quadro 1 segundo o critério a seguir exposto.
Cada casela do quadro representa o cruzamento da informação entre uma expressão
sobre métodos e a afirmativa, negativa ou ausência de resposta escolhida pela professora
representada por seu respectivo código. Na 1ª coluna, à esquerda, estão as onze expressões
relativas aos métodos de alfabetização. Na 2ª coluna estão as respostas afirmativas
relativas ao que elas fazem e na 3ª coluna estão as respostas negativas face às ações que
elas desempenham
Alguns resultados
Antes de abordar os dados apresentados propriamente, considero necessário
lembrar que, sendo o material empírico desta pesquisa o que se pode considerar como um
conjunto de manifestações dos professores alfabetizadores, este não pode ser tratado como
“espelho da realidade” desses professores ou das escolas em que trabalham. Como alerta
Gimeno (1999) há diferenças significativas entre o que dizem os professores que devem
ensinar, aquilo que eles próprios dizem que ensinam e aquilo que os alunos realmente
aprendem. Para ele, esses três “espelhos” trazem algo sobre a realidade, sendo que algumas
imagens são mais fictícias do que outras. No caso dos dados relatados, em que as questões
foram previamente formuladas para que as professoras manifestassem ou não sua
identificação com cada uma delas, a possibilidade de imagens fictícias é ainda maior.
Entretanto, como elas não foram identificadas, o anonimato sempre se afigura como
possibilidade maior de poder dizer algo mais próximo do real.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102782
No que se refere aos dados presentes no Quadro 1, num primeiro momento, chama
atenção o fato de todas as professoras afirmarem utilizar o método construtivista ou
interacionista (9ª expressão cruzada com resposta afirmativa) e oito professoras afirmarem
utilizar o método sócio interacionista (10º linha cruzada com resposta afirmativa da
segunda coluna), expressão que vem sendo incorporada ao discurso pedagógico como um
prolongamento do método construtivista. Todas as professoras que responderam afirmaram
não utilizar os métodos tradicional ou sintético (conforme 3ª coluna, 8ª linha); oito
professoras afirmaram não utilizar o método fonético, e cinco professoras indicaram
utilizar o método global em suas práticas cotidianas (2ª coluna, 6ª linha).
Entendo que esses dados gerais dão indícios do alcance do esforço de construção de
hegemonia do construtivismo no campo educacional, nas últimas décadas, uma vez que as
professoras afirmam maciçamente que utilizam os método construtivista e o método
interacionista que vem sendo incorporado ao discurso pedagógico como um
prolongamento do construtivismo. Ao mesmo tempo quase unanimidade na negação em
relação aos métodos considerados tradicionais, sugere uma resistência das professoras para
se identificarem com métodos considerados tradicionais, pois ainda que as nomenclaturas
“sintético” e “fonético” estejam em desuso no cenário educacional, as descrições que os
acompanhavam nos instrumentos colaboraram para que as professoras compreendessem o
significado do que querem dizer. Provavelmente foi por esta descrição que quase metade
das professoras afirmou que utiliza o método global, que tem visíveis afinidades com o
método construtivista.
A tendência para uma identificação com orientações metodológicas consideradas
modernas e a rejeição em relação a orientações consideradas ultrapassadas, em certo
sentido, eram esperadas, já que, no contexto que estamos discutindo, a proposta
construtivista vem sendo apresentada a essas professoras como caminho de salvação para
os problemas da educação escolar. O poder mágico que lhe é atribuído não se deve
somente à sua origem acadêmica: emergindo como a única abordagem que considera as
necessidades de aprendizagem e os conhecimentos prévios do aluno, sua defesa passa a
representar, no contexto escolar, um compromisso ético e politico para com a possível
emancipação dos alunos.
No entanto, outras manifestações presentes no mesmo quadro indicam que o o
alcance do esforço de convencimento construtivista não se sustentou quando as professoras
consultadas se viram diante de outras formas de indagar suas escolhas metodológicas.
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Como se pode observar no Quadro 1, na 1ª linha e 3ª coluna, dez professoras
discordaram da ideia de não se apoiarem em métodos de ensino, por considerarem
qualquer interferência no ritmo de aprendizagem arbitrária e prejudicial ao processo de
construção do conhecimento pelo aluno, ou seja, significa que elas, de fato, se apoiam, pois
a dupla negação, pela lógica, é a afirmação. Ao mesmo tempo, na segunda expressão
presente na segunda linha, oito delas (e mais a P3) reafirmaram que sim (conforme 2ª
coluna) embora manifestando que não seguiam um método único, eram ecléticas,
procurando em cada método o que é útil para o seu trabalho, deixando de lado o que não
ajuda seu trabalho. Mantiveram a negativa, nessa linha, duas professoras da1ª linha: a P6 e
a P9 presentes na 3ª coluna.
Nessas duas questões ficou claro que a maior parte das professoras valoriza o
ecletismo metodológico inclinação que parece ser reforçada pelo fato de oito professoras
terem afirmado que utilizavam o método Paulo Freire, que é uma variação de método
misto ou analítico-sintético, conforme respostas dadas à 11ª expressão em relação à 2ª
coluna.
Alguns dados sugerem que essa busca pelo ecletismo metodológico pode estar
relacionada a certa autonomia das professoras consultadas para recorrer às orientações
metodológicas nos embates do ensino na alfabetização escolar . Considero como pistas
nessa direção o fato de nove professoras concordarem que desenvolveram suas próprias
metodologias para enfrentar os problemas que encontram em suas práticas cotidianas
(conforme se verifica na 3ª expressão em relação à 2ª coluna) e o fato de nove professoras (
as da 5ª expressão e 2ª coluna) concordarem que não existe método de alfabetização
incorreto, mas práticas de alfabetização que poder ser melhores ou piores.
Cabe ressaltar algumas incongruências que precisam ser discutidas. É possível que
as professores consultadas utilizem, ao mesmo tempo, o método construtivista, o método
sócio interacionista e o método Paulo Freire? É possível que elas estejam sempre
atualizadas em relação aos diferentes métodos de ensino, num cenário educacional em que
os métodos de ensino vêm sendo considerados ultrapassados e que somente o
construtivismo, mais conhecido como um antimétodo, vem sendo a única alternativa
metodológica considerada legítima para a educação escolar?
Considero que as respostas das professoras indicaram, mais do que o modo como
pensam e praticam as escolhas metodológicas, sua disposição para realizar essas escolhas.
E considero que essas disposições vão ao encontro de perspectivas que defendem o
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ecletismo e a diversidade metodológica, como os estudos de Braslavky (1971) e Soares
(1998, 2003, 2004) e dos estudos que fundamentaram a proposta de alfabetização do
CEALE.
Sabemos que são bem remotas as possibilidades de que estas professoras tenham
tido, nas formações iniciais e continuadas, acesso a estudos dessas pesquisadoras ou outros
estudos nesse gênero.
Desse modo, uma pergunta se torna inevitável: o que teria possibilitado que em
suas manifestações, apesar de uma visível identificação com a perspectiva construtivista
dominante no campo educacional, as professoras consultadas indicassem uma maior
aproximação com a perspectiva de estudos que valorizam o ecletismo e a diversidade
metodológica, aos quais não tiveram acesso?
Entendo que para compreender essa questão é importante lembrar, com Gimeno
(1999), que as motivações ou intenções que movem as ações dos professores não são
estáticas ou imutáveis e que não podem ser compreendidas fora do contexto do jogo das
interações em que se dão as relações humanas. As transformações observadas no decorrer
das interações, que muitas vezes as desviam do seu sentido original, podem estar, em
certos momentos, relacionadas à incoerência pessoal, mas também à descoberta de novos
significados no caminho, conforme a percepção do que vai ocorrendo em um mundo de
interrelações complexas. Impulsionariam o professor muitas vezes em direção ao
enfrentamento de situações incertas e desconhecidas, que o leva a elaborar e modificar as
rotinas diárias, experimentar novas hipóteses de trabalho, novas técnicas, instrumentos e
materiais pedagógicos, inventando estratégias, procedimentos, tarefas, recursos.
No ideário pedagógico atual a não filiação ao construtivismo representar um
retrocesso a um passado autoritário e não o diálogo com as tradições historicamente
construídas nas práticas educativas. Ao mesmo tempo, no momento em que se viam diante
alternativas mais abrangentes, as professoras, provavelmente motivadas pelo mesmo
compromisso com a aprendizagem efetiva de seus alunos, escolheram as alternativas mais
abrangentes, que abarcavam um número maior de possibilidades para assegurar a
aprendizagem dos alunos.
Considerações finais
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A proposta construtivista, pelo modo como foi implementada na educação pública
durante décadas, contribui para reproduzir a lógica que rege a organização do trabalho
escolar, separando supostos teóricos de supostos práticos e impondo um caminho único,
como o caminho de salvação para a alfabetização escolar que se apresenta problemática há
décadas.
Ao reforçar a presença marcante do salvacionismo científico moderno que busca
esvaziar a escola no que diz respeito às tradições e aos saberes populares, o esforço de
convencimento construtivista vem contribuindo, nas ultimas décadas, para a imposição de
limitações à diversidade e ao pluralismo de ideias necessários à reflexão e a produção de
alternativas para o enfrentamento dos problemas vividos no ensino na alfabetização
escolar. Reconhecer a importância da diversidade no debate sobre alfabetização e do
diálogo com o professor para a construção dos caminhos para o ensino, não implica a
sacralização de suas ações e práticas, porém, indica a necessidade de assegurar as
condições para que o professor possa beber na fonte do legado deixado pelas gerações
anteriores, a partir do diálogo com as diferentes tradições metodológicas que sobrevivem
na escola.
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WILLIAMS, R.2000. Cultura. São Paulo. Paz e Terra.
Anexos
QUADRO 1.Manifestações de professoras em face de expressões sobre métodos de
alfabetização
Expressões abordando métodos
de alfabetização Professoras que consideraram
corresponder à sua prática Professoras que consideraram Não não corresponder à sua prática
Não respondeu
1)Não me apóio em
métodos de ensino pois
considero
qualquer interferência no
ritmo de aprendizagem
arbitrária e prejudicial ao
P1, P2, P4, P5, P6, P7, P8,
P9, P10, P11 P3
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102787
processo de construção do
conhecimento pelo aluno 2)Não sigo um método único, sou eclética e procuro “pegar” de
cada método o que é útil para o
meu trabalho, deixando de lado o que não me ajuda
P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8, P10, P11
P6, P9
3)Desenvolvi minha própria
metodologia para poder dar conta dos problemas que encontro na
prática diária
P1, P2, P3, P4, P5, P7, P8, P9, P10
P6, P11
4)Estou sempre atualizada sobre
os diferentes métodos de ensino para poder aplicá-los na sala de
aula, nas atividades com os
alunos
P1, P2, P3, P4, P6, P7, P9, P8, P11
P
5, P10
5)Não existe, em minha opinião,
um método de alfabetização
incorreto, mas as práticas de alfabetização podem ser
melhores ou piores para o
aprendizado do aluno
P1, P2, P3, P4, P5, P7, P9,
P10, P11 P6 P8
6)Trabalho com o “método global” ou “analítico”, pois
entendo que é na presença de
frases ou palavras que a criança espontaneamente / naturalmente
irá se alfabetizar
P1, P4, P7, P8, P9,
P2, P5, P6, P10, P11 P3
7)Trabalho com o método fonético ou “fônico”, ensinando
os diferentes fonemas para,
gradualmente, as crianças reconhecerem as diferentes
combinações entre os sons das
letras e identificá-las com a escrita das palavras, frases e
orações
P9, P3
P1, P2, P4, P5, P6, P7, P8,
P11
P3
8)Trabalho com o método alfabético tradicional ou
“sintético”, ensino aos alunos as
letras e suas combinações com
exercícios e treinos de soletração
e reconhecimento das sílabas
P1, P2, P4, P5, P6, P7, P9, P10, P11
P3
9)Trabalho com o “método construtivista ou interacionista” (Piaget, Emilia Ferreiro, etc.)
P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7,
P8, P9, P10, P11
10)Trabalho com o
“método sócio-
interacionista” (Vygotsky,
Leontiev, etc.)
P1, P2, P4, P6, P7, P9, P10,
P11
P5 P3, P8
11)Trabalho com o “método
Paulo Freire”.
P1, P2, P4, P7, P8, P9, P10, P11
P5, P6 P3
Fonte: elaboração pela autora a partir das manifestações das professoras
Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola
EdUECE- Livro 102788