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I Conferência Virtual Global sobre Produção Orgânica de Bovinos de Corte 02 de setembro à 15 de outubro de 2002 — — Via Internet MANEJO SUSTENTÁVEL DAS PASTAGENS NATIVAS: UMA AÇÃO ESSENCIAL PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA ORGÂNICO DE PRODUÇÃO NO PANTANAL Sandra Aparecida Santos 1 Ciniro Costa 2 1 Pesquisadora da Embrapa Pantanal Cx. Postal 109, 79320-900, Corumbá, MS. E-mail: [email protected] 2 Professor da FMVZ-UNESP Cx. Postal 560, Campus de Botucatu, SP. E-mail: [email protected] O manejo sustentável de áreas naturais e ricas em biodiversidade, como o Pantanal Mato- Grossense é uma necessidade premente e constitui no principal desafio de cientistas, técnicos e proprietários rurais. O Pantanal é uma grande bacia sedimentar com um complexo sistema de drenagem, periodicamente inundável, caracterizada pela presença de extensas áreas de campos naturais, favorecendo a atividade pastoril, razão pela qual a região tem sua economia voltada principalmente para a exploração extensiva da pecuária de corte. As peculiaridades do Pantanal, marcada por estações de seca e cheia (Figura 1), dificultaram a ocupação e interferência antrópica, cujo manejo tradicional da pecuária extensiva por cerca de 200 anos tem contribuído para a conservação dessa região única no mundo, considerada "Patrimônio da Humanidade" e instituída recentemente como "Reserva da Biosfera". O Pantanal apresenta uma heterogeneidade edáfica e hidrológica, dificultando uma caracterização generalizada. Diante desta heterogeneidade, o Pantanal tem sido dividido em diversas sub-regiões (Adámoli, 1987; Hamilton, 1996; Silva e Abdon, 1998). A figura 2 mostra o Pantanal dividido em 11 sub-regiões. Entretanto, nas últimas décadas vêm crescendo as pressões econômicas, política e sociais para que o aumento da produtividade na região pantaneira seja compatibilizado com a conservação do Pantanal". Aliado a este fato, há um crescente aumento de interesse pela população mundial por alimentos naturais. Diante deste cenário e considerando que no Pantanal a intensificação da criação para aumento da produtividade pode ameaçar a sustentabilidade do sistema, alguns criadores tem procurado alternativas econômicas que buscam um nicho de mercado apropriado para valorizar os produtos de bovinos criados a pasto, especialmente em sistemas naturais. Para este mercado especial, os produtos devem necessariamente ser originários de agroecoss- sistemas sustentáveis, onde o manejo deve se basear nos requerimentos das espécies de vegetais e animais, integrado com as necessidades do homem, levando-se em consideração as interações dos componentes e limitações do ambiente. O sistema de produção orgânica está inserido dentro de princípios de agroecossistemas sustentáveis. Embora a produção pecuária bovina no Pantanal esteja próxima a um sistema orgânico de produção, para a sua certificação são exigidos alguns critérios/procedimentos básicos descritos na Instrução Normativa n o 007, de 17 de maio de 1999 e normas da certificadora responsável. Além do mais, deve atender a legislação ambiental vigente Lei n o 4771, de 15 de setembro de 1965. Embora na região do Pantanal, nem sempre todas as propriedades tem condições viáveis para a implantação do sistema orgânico, nota-se um interesse geral na busca de um manejo sustentável para toda a região. Editored by: University of Contestado - UnC - Concordia Unit - Concordia - SC - Brazil Embrapa Pantanal - Corumba - MS - Brazil c UnC – Concordia – Brazil – 17 de setembro de 2002 1

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MANEJO SUSTENTÁVEL DAS PASTAGENS NATIVAS:UMA AÇÃO ESSENCIAL PARA A IMPLANTAÇÃO DE UMSISTEMA ORGÂNICO DE PRODUÇÃO NO PANTANAL

Sandra Aparecida Santos1 Ciniro Costa2

1Pesquisadora da Embrapa PantanalCx. Postal 109, 79320-900, Corumbá, MS.E-mail: [email protected]

2Professor da FMVZ-UNESPCx. Postal 560, Campus de Botucatu, SP.

E-mail: [email protected]

O manejo sustentável de áreas naturais e ricas em biodiversidade, como o Pantanal Mato-Grossense é uma necessidade premente e constitui no principal desafio de cientistas, técnicos eproprietários rurais. O Pantanal é uma grande bacia sedimentar com um complexo sistema dedrenagem, periodicamente inundável, caracterizada pela presença de extensas áreas de camposnaturais, favorecendo a atividade pastoril, razão pela qual a região tem sua economia voltadaprincipalmente para a exploração extensiva da pecuária de corte. As peculiaridades do Pantanal,marcada por estações de seca e cheia (Figura 1), dificultaram a ocupação e interferência antrópica, cujomanejo tradicional da pecuária extensiva por cerca de 200 anos tem contribuído para a conservaçãodessa região única no mundo, considerada "Patrimônio da Humanidade" e instituída recentementecomo "Reserva da Biosfera".

O Pantanal apresenta uma heterogeneidade edáfica e hidrológica, dificultando uma caracterizaçãogeneralizada. Diante desta heterogeneidade, o Pantanal tem sido dividido em diversas sub-regiões(Adámoli, 1987; Hamilton, 1996; Silva e Abdon, 1998). A figura 2 mostra o Pantanal dividido em 11sub-regiões.

Entretanto, nas últimas décadas vêm crescendo as pressões econômicas, política e sociais paraque o aumento da produtividade na região pantaneira seja compatibilizado com a conservação doPantanal". Aliado a este fato, há um crescente aumento de interesse pela população mundial poralimentos naturais. Diante deste cenário e considerando que no Pantanal a intensificação da criaçãopara aumento da produtividade pode ameaçar a sustentabilidade do sistema, alguns criadores temprocurado alternativas econômicas que buscam um nicho de mercado apropriado para valorizar osprodutos de bovinos criados a pasto, especialmente em sistemas naturais.

Para este mercado especial, os produtos devem necessariamente ser originários de agroecoss-sistemas sustentáveis, onde o manejo deve se basear nos requerimentos das espécies de vegetais eanimais, integrado com as necessidades do homem, levando-se em consideração as interações doscomponentes e limitações do ambiente.

O sistema de produção orgânica está inserido dentro de princípios de agroecossistemassustentáveis. Embora a produção pecuária bovina no Pantanal esteja próxima a um sistema orgânicode produção, para a sua certificação são exigidos alguns critérios/procedimentos básicos descritos naInstrução Normativa no007, de 17 de maio de 1999 e normas da certificadora responsável. Além domais, deve atender a legislação ambiental vigente Lei no4771, de 15 de setembro de 1965. Embora naregião do Pantanal, nem sempre todas as propriedades tem condições viáveis para a implantação dosistema orgânico, nota-se um interesse geral na busca de um manejo sustentável para toda a região.

Editored by:

University of Contestado - UnC - Concordia Unit - Concordia - SC - Brazil

Embrapa Pantanal - Corumba - MS - Brazil

c©UnC – Concordia – Brazil – 17 de setembro de 2002

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Figura 1 — Vista aérea do Pantanal, em época de cheia

As ações de manejo devem procurar definir estratégias para manter e/ou sustentar a diversidadebiológica, saúde e produtividade a longo prazo dos ecossistemas do Pantanal. A diversidade biológicaé crucial para a saúde do ecossistema a longo prazo, onde perdas de recursos genéticos podem terconseqüências sobre a conservação da região. O entendimento dos processos de distúrbios/estressesoriginários de fontes naturais ou antrópicas são fundamentais, pois estes estão relacionados coma dinâmica ecológica dos diferentes ecossistemas do Pantanal. Conforme o conceito de Pulso deInundação, a força que regula o funcionamento das áreas alagáveis é o ciclo das inundações esecas. As plantas e os animais são adaptados às enchentes e secas anuais. Irregularidades comoas cheias e secas plurianuais extremas representam um estresse adicional para os organismos.Durante esta fase, as queimadas das pastagens acentuam ainda mais o estresse. Portanto, o homemdeveria conscientizar-se disto e evitar qualquer estresse adicional durante cheias e secas extremas,como queimadas, modificações do sistema hidrológico (diques), destruição/desmatamento de hábitatschaves, mineração. (Junk e Silva, 1999).

A prática de pastejo em pastagens nativas é uma das formas mais sustentáveis de agricultura,pôr sua vez, o manejo sustentável de uma pastagem deve envolver a aplicação de planos de manejoestratégicos adequados, de modo que haja sobrevivência, ou seja, sustentabilidade das pastagens alongo prazo. Sustentabilidade de sistema de pastejo tem ênfase principalmente sobre a manutenção daprodutividade e estabilidade. De maneira geral, a produção de pastagens de países tropicais tendema ser muito menos estáveis devido, em parte, a maior instabilidade climática, e em parte, a contrastesmaiores na morfologia e fenologia que caracterizam as espécies de clima quente. O manejo dosecossistemas de pastagens naturais visando sustentabilidade e produtividade dependerá da nossahabilidade de detectar alterações e implementar respostas de manejo a escalas espaciais relevantes.Atualmente, o planejamento e o manejo dos recursos naturais envolvem flexibilidade para responder àsflutuações a curto prazo. Este tipo de planejamento pode afetar a sustentabilidade a longo prazo quandoas decisões não são apropriadas. Conforme Danckwerts et al. (1993) as mudanças econômicas,sociais e políticas, provavelmente influenciam mais o criador na tomada de decisões de manejo do queas variações nas condições físicas e de recursos ambientais.

O planejamento ideal deve colocar muita ênfase sobre previsão e predição de eventos e oque define o sucesso ou falha deste planejamento é a habilidade de desenvolver estratégias derespostas para estes eventos (Brown e Ash, 1996). A variabilidade espacial e temporal do Pantanal

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Figura 2 — Pantanal e suas sub-regiões (Silva e Abdon, 1998)

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dificulta a adoção de um plano de manejo único para a região. Em um sistema biológico complexocomo este, as estratégias de manejo devem ser flexíveis e definidas levando em consideração aheterogeneidade ambiente (tipo de fitofisionomias existentes em cada invernada, vocação estacionalde cada fitofisionomia) e a dinamicidade do sistema, que envolvem transições causadas por eventosnaturais e de manejo).

A produção animal em sistemas extensivos é uma função da relação solo-planta-animal e outroscomponentes do meio ambiente, sendo importante entender como o pastejo afeta o solo, a superfíciehidrológica, entre outros componentes (Brown e Ash, 1996). As interações são dinâmicas e mudançasem um desses componentes provocam freqüentemente mudanças no outro. Essa relação é complexae o seu estudo pode permitir a compreensão do processo de pastejo. Grande parte das pesquisascom animais em pastejo tem se preocupado mais com o sentido prático dos resultados, visando ou oaumento da produção das pastagens ou o incremento da produção animal, ao invés do esclarecimentodos processos que geram tais respostas (Carvalho, 1997). As interações entre animais e plantas podemser avaliadas através de um conjunto de técnicas baseadas nos animais, tais como avaliação do usoespacial e temporal das comunidades de vegetação, determinação do consumo, do comportamento depastejo e da composição da dieta (Wright e Connolly, 1995; Gordon, 1995). Estes conhecimentos sãoessenciais para subsidiar a elaboração de estratégias de manejo sustentável das pastagens nativas doPantanal.

1 Uso espacial e temporal das unidades de paisagempor bovinos

Os ecossistemas de pastagens nativas do Pantanal são ricos, complexos e dinâmicos. Na regiãopantaneira ocorre uma sucessão espacial de lagoas, campos e formações arbóreas, combinadas emmosaico, cuja variação na composição, estrutura e distribuição espacial da vegetação define váriasunidades de paisagem (fitofisionomias), tais como campo limpo, campo cerrado, campo sujo, bordasde lagoas, lagoas temporárias, vazantes e baixadas (Figura 3), que são fonte de pastagens naturais,alimento básico dos grandes herbívoros domésticos e silvestres do Pantanal.

Segundo Adámoli (1987) os limites entre as fitofisionomias são extremamente dinâmicos, alteradosem função de variações climáticas interanuais e ciclos hídricos. Em anos de grande cheia, pode ocorrerum avanço da vegetação lenhosa nas áreas úmidas, enquanto que num ciclo plurianual de grandesinundações estende-se a vegetação herbácea.

As pastagens nativas exibem extrema variabilidade espacial e temporal em termos de quantidade equalidade de espécies forrageiras. Variabilidade espacial ocorre desde as diversas partes das plantaspropriamente ditas, até níveis de sub-regiões. Variabilidade temporal pode ocorrer sob escalas detempo que variam de segundos à muitos anos. A variabilidade pode ser natural (mudanças normais nafisiologia, fenologia e crescimento das plantas associadas com variações estacionais ou até diurnas nascondições ambientes) ou induzidas pelo pastejo (ações dos próprios animais), através da depressãodas fontes disponíveis (O’Reagain e Schwartz, 1995; O’Reagain, 2001). Como pastagens nativas sãoáreas heterogêneas, o principal desafio do técnico é conhecer esta variabilidade natural e buscar formasde maximizar a produtividade através de manejo adequado (Nascimento Jr., 1991).

No Pantanal, independente da variação temporal, as áreas selecionadas para pastejo porbovinos localizam-se nas partes mais baixas do mesorelevo, constituídas pelas seguintes unidadesde paisagem: campo limpo, bordas de baía permanente, baías temporárias, baixadas, bordas derios e vazantes. Porém, o uso espacial e temporal dessas unidades de paisagem é influenciadopelas condições climáticas, em especial a precipitação. As atividades de ruminação ocorrem,preferencialmente, nas áreas mais elevadas, enquanto que, as atividades de descanso, nas áreasde campo cerrado e florestas semidecíduas. Portanto, dentro de uma propriedade, cada invernada(unidade de manejo) deve ser considerada individualmente para a distribuição dos animais e o ajusteda pressão de pastejo (Santos, 2001).

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Figura 3 — Vista aérea da sub-região da Nhecolândia, mostrando áreaque sofre inundação principalmente de origem pluvial, atingindosomente as fitofisionomias localizadas nas áreas mais baixas domesorelevo.

2 Composição e qualidade da dietaA flora do Pantanal apresenta 1.863 espécies vegetais, pertencentes a 774 gêneros e 136 famílias,

entre as quais, as três famílias mais importantes são: gramíneas, leguminosas e ciperáceas (Pott e Pott,1999). Diante da imensa diversidade florística existente no Pantanal, poucas espécies de forrageirastem participação expressiva na dieta dos bovinos. Estudos realizados na sub-região da Nhecolândiatem mostrado que numa invernada, aproximadamente 3% das espécies participam de cerca de 70%do peso seco da dieta dos bovinos. Porém, a composição botânica e a qualidade da dieta dos bovinossofre influência de época e ano, dependente principalmente da precipitação, que causa maior ou menorpresença de água nas fitofisionomias mais baixas (vazantes, beira de rios, borda de lagoas), ondeocorrem as espécies hidrófilas, geralmente de melhor qualidade e preferidas por bovinos. Em anosatípicos (de seca ou inundação extrema), a composição botânica da dieta sofre variações, dependenteprincipalmente das espécies forrageiras disponíveis nas áreas mais baixas da invernada (Santos et al.,2002a).

As espécies forrageiras de áreas mais elevadas do Pantanal, como o capim mimoso (Axonopuspurpusii) e a grama-do-cerrado (Mesosetum. Chaseae) tem uma participação menos variável na dieta,ao contrário das espécies hidrófilas. Em geral, as espécies hidrófilas são as preferidas por bovinos,provavelmente por apresentarem menos estruturas fibro-vasculares, sendo mais tenras e de maiordigestibilidade (Santos et al., 2002b). Dentre as espécies hidrófilas, destacam-se as gramíneas queapresentam via fotossintética denominada C3, tais como Panicum laxum, Hymenachne amplexicaulise Leersia hexandra. De acordo com Valls (1994), apesar de estar situado em área tropical, o Pantanaltem um númeoro significativo de gramíneas caracterizadas pela via C3.

Dentre as espécies lenhosas, existentes nas áreas de cordilheiras e campo cerrado, constatou-seum número reduzido de espécies presentes na dieta de bovinos. O consumo dessas plantas ocorregeralmente de forma casual, com exceção de condições de seca e cheia extremas, e as partesconsumidas são principalmente as folhas em brotação, ponteiros e rebrota pós-queima (Santos et

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al., 2001a). O baixo consumo de várias espécies arbóreas provavelmente se deve à presença decompostos secundários que inibem o consumo.

A produtividade de bovinos criados exclusivamente em pastagens nativas no Pantanal aindaé baixa, agravada pelas inundações que, dependendo da duração e intensidade, podem deixarsubmersas grande parte das principais unidades de paisagem preferencialmente usadas parapastejo. Concordando com as sugestões de Wright (1998), as restrições nutricionais causadas pelaestacionalidade da produção de pastagens podem ser reduzidas de duas maneiras: escolha deespécies e/ou raças adaptadas ao local e adoção de uma série de estratégias para melhorar o nível denutrição animal. Porém, em regiões como o Pantanal, a implantação de novas técnicas tem limitaçõese deve ser feita com cautela, de modo que o meio ambiente não seja prejudicado.

A qualidade da dieta selecionada por bovinos é influenciada pela interação entre época e ano,dependente especialmente da intensidade e distribuição da precipitação anual, que causa maior oumenor presença de água nas unidades de paisagem mais baixas (Fig.4), onde ocorrem as espéciesforrageiras de melhor qualidade, tais como Hymenachne amplexicaulis, Paspalidium paludivagum, entreoutras (Santos et al., 2002b).

Figura 4 — Vaca pastando nas áreas baixas (vazantes) do Pantanal, logoapós a inundação.

Um dos problemas mais comuns de nutrição de grandes herbívoros criados extensivamente a pastoé a deficiência de energia e proteína. Nos períodos de escassez alimentar, as vacas prenhes ou emlactação necessitam mobilizar reservas corporais de energia e proteína para sustentar o crescimentofetal e produção de leite. O grau no qual isto ocorre depende do genótipo animal. Com relação araça/tipo de animal adequado ao Pantanal, os produtores deveriam buscar/selecionar animais quemelhor utilizem os recursos forrageiros nativos e que sejam adaptado às condições climáticas da região,não esquecendo de que o produto deve atender as exigências do mercado.

Estudos realizados na sub-região da Nhecolândia, Pantanal, tem mostrado que vacas que mantémuma boa condição corporal (escore 5 ou acima) no período pré-acasalamento apresentam um bomdesempenho reprodutivo. Para que as vacas mantenham esta condição corporal, a dieta deve contercerca de 10% de proteína bruta, 40% de fibra detergente ácido, 6% de lignina e acima de 60% dedigestibilidade. O principal período de restrição alimentar nessa sub-região foi de abril a junho (Santoset al., 2002b). Estudos adicionais são necessários para identificar outros constituintes químicos dadieta ótima selecionada, tais como os minerais, bem como estudos sobre avaliações da qualidade dadieta em outros ambientes.

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3 Estratégias de forrageamento dos bovinosOs animais tem desenvolvido uma série de estratégias de forrageamento, digestiva e metabólica

em resposta à variabilidade ambiente (Gordon, 1995). Para integrar as decisões de forrageamento àsdiferentes escalas espaço-temporais de uma pastagem, Senft et al. (1987) descreveram a teoria dahierarquia, cujas decisões de forrageamento seguem uma ordem hierárquica. Com base nessa teoria,Santos (2001) descreveu a seguinte ordem hierárquica dos bovinos no Pantanal: local de alimentação,unidade de paisagem/sítio de pastejo, ’patch’ (locais com espécies forrageiras preferidas ou no estadode preferência por bovinos), espécies forrageiras, partes das plantas e bocado.

As estratégias de forrageamento adotadas por bovinos parecem ser influenciadas pelo tamanhoda área, taxa de lotação e condição das pastagens. Quando a quantidade e qualidade da pastagemdeclina, há uma diminuição na seletividade. Neste caso, os animais podem optar por três estratégias:(1) incluir alimento de baixa qualidade, mas manter a taxa de consumo diária constante; (2) incluiralimento de baixa qualidade, mas aumentar a taxa de consumo diária; (3) incluir somente alimento dealta qualidade, permitindo que a taxa de consumo diário decline (Sinclair et al., 1982). No Pantanal,os bovinos parecem adotar a segunda estratégia, ou seja, incluem alimentos de baixa qualidade,aumentando o tempo de pastejo durante o dia. Santos et al. (2001b) observaram o padrão circadianode bovinos na sub-região da Nhecolândia, Pantanal, num dos meses mais secos do ano (agosto) everificaram que os bovinos pastejaram em média 11,7 horas (60% durante o dia e 40% durante anoite), distribuídas em quatro turnos principais. Provavelmente, o tempo de pastejo efetuado durante anoite compensa a baixa disponibilidade de forrageiras durante o período mais seco do ano.

4 Estratégias de manejo sustentável para as pasta-gens nativas

O ato de pastejo é uma das forças modificantes mais importantes no ambiente da pastagem. Asconseqüências da herbivoria aos ecossistemas dependem, naturalmente, da abundância de herbívorose sua movimentação, pois o ato de pastejo é um processo hierárquico, governado por regras dedecisões dos animais (Trlica e Rittenhouse, 1993). No Pantanal, as áreas baixas merecem maioratenção, pois são as mais utilizadas para pastejo. No caso das espécies arbóreas e arbustivas,apesar dessas estarem presentes principalmente nas cotas mais elevadas do mesorelevo e terem umapequena participação na dieta dos bovinos, há necessidade de conhecer a produtividade e persistênciadessas forrageiras diante do efeito da herbivoria, pois sabe-se que a preferência por algumas espéciespode prejudicar a sua proliferação. Outro fator que deve ser considerado é a intensidade de pisoteioque, além de compactar o solo, pode prejudicar a germinação de muitas espécies.

As variáveis de manejo que tem maior influência sobre a resposta da planta ao pastejo são: (1)tempo de pastejo em relação a oportunidade da planta crescer ou rebrotar; (2) frequência de desfolhade uma planta ou comunidade de plantas e (3) intensidade de uso ou taxa de lotação (nível de desfolha)(Trlica & Rittenhouse, 1993).

O grau de dispersão dos animais influencia a capacidade de suporte das pastagens que por sua vezafeta a condição do pasto e a produção animal. Algumas ações de manejo podem ajudar a melhorar adistribuição de pastejo, tais como atrair animais para locais específicos, colocar bebedouros e saleirosem locais estratégicos; reduzir o tamanho das invernadas, separar os rebanhos por categorias e utilizaralgumas estratégias de manejo, tais como pastejo rotacionado e pastejo diferido (Schacht et al., 1996).

Os criadores pantaneiros utilizam os pastos nativos de duas formas: o gado permanece duranteo ano todo (maior ocorrência) ou é colocado somente durante a fase seca e retirado na iminência daenchente. Para efetuar a segunda forma de manejo, alguns criadores possuem duas propriedades, umana planície e outra na parte alta, podendo fazer manejo integrado para contornar os períodos críticos deforragem (Pott, 1994). Na maior parte do Pantanal o sistema de pastejo é contínuo, ou seja, os animaispermanecem numa mesma área durante o ano todo.

Diversos estudos tem mostrado que a produtividade das pastagens de clima tropical é maior doque a das pastagens de clima temperado, porém, a mesma não é totalmente utilizada pelos animais(Corsi, 1986), pois o pastejo não ocorre de forma uniforme no espaço e nem de forma contínua notempo, ocorrendo áreas intensamente e levemente pastejadas. Os animais comumente se agregamnas áreas de alto potencial de produtividade, conhecidas como ’relvados de pastejo’ e se dispersam

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nas áreas de baixo potencial (McNaughton, 1984). Situação similar é observada no Pantanal, ondeos animais exploram a variabilidade de recursos forrageiros através do pastejo seletivo, mas como adistribuição do pastejo é desigual, ocorre a formação de "macegas" (áreas não utilizadas para pastejo).Nessas situações, os criadores geralmente queimam estas áreas de forma controlada, respeitandoalguns critérios técnicos (Embrapa, 2000). Porém, na busca de um manejo sustentável, a queima nãoseria a solução ideal, e no caso de um sistema de produção orgânica, esta prática é totalmente proibida,devido aos inúmeros prejuízos que causa ao sistema.

O fogo é considerado uma fonte de distúrbio para as pastagens nativas, onde os ungulados exercemuma influência sobre a dinâmica espacial e temporal do fogo, pois eles modificam o tipo e a quantia deforragem disponível para a queima. As áreas bem pastejadas funcionam como um bloqueio natural parao avanço das queimadas (Hobbs, 1996). Na região do Pantanal, áreas de baixadas (vazantes, bordade baias, baias temporárias, beira de rios, brejos) não deveriam ser queimadas porque as gramíneas aíexistentes, além de serem naturalmente macias, geralmente tem gemas (brotos) acima do solo e , poristo, podem morrer com o fogo, abrindo espaço para espinheiros (cujas sementes acordam com o fogo),além do mais, estas áreas são consideradas de preservação permanente. Também não tem sentidoqueimar caapões e cerrados, onde não vai haver rebrota de capins, pois nem a intenção de matarcobras será atingida pois elas se refugiam em buracos (Pott, 1997). Embora a queimada seja muitousada nas áreas de ’caronal’, áreas de campo limpo com predominância de /textitElyonurus muticus,com o objetivo de estimular a rebrota, estudos tem mostrado que o gado consome o capim ’carona’apenas 15 dias após a queima (Santos, 2001). No entanto, mais estudos são necessários, pois autilização das áreas de caronal por bovinos depende da proporção de espécies associadas, tais comoa grama-do-cerrado (Mesosetum chaseae).

Na verdade, a utilização do fogo deveria ser a última opção e, para que isto aconteça, a pesquisa,juntamente com o apoio dos criadores, deveriam procurar melhorar a distribuição do pastejo, evitandoa formação de "macegas". A adoção de um sistema de pastejo controlado no Pantanal tem sidodificultado por várias razões, como o alto custo das cercas e a heterogeneidade das unidades depastejo (fitofisionomias).

Estudos sobre a sustentabilidade e viabilidade econômica do sistema de pastejo rotacionado,diferimento (veda) das pastagens estão sendo efetuados na região. A veda dos campos nos trópicostem vantagens e desvantagens. Como vantagens diminui o solo descoberto e consequentementediminui o aparecimento de espécies invasoras, permitindo a recuperação e ressemeadura dasforrageiras. Por outro lado, permite que as gramíneas amadureçam piorando a qualidade dasforrageiras, principalmente se a veda for muito prolongada (Pott, 1997).

Uma opção seria o fazendeiro adotar primeiramente práticas de manejo de baixo custo, comolocalização estratégica de sal. Se acaso não conseguir uma melhor distribuição do pastejo, outrosmétodos devem ser adotados como veda e manejo rotacionado da pastagem. Uma análise docusto/benefício deveria ser feita comparando custo adicionais na adoção destas práticas com oaumento da produtividade

5 Estimativa da capacidade de suporteNum sistema contínuo de pastejo, o mais utilizado atualmente no Pantanal, a distribuição dos

animais e o ajuste da pressão de pastejo deve ser estimado em função da proporção das unidadesde paisagem ’preferida’ para pastejo e, se possível, através da predição das condições climáticaslocais. Para atender este requisito é necessário mapear as invernadas, visando conhecer os tiposde pastagens disponíveis (fitofisionomias), e saber, de preferência, a proporção da área inundada, emanos de máxima inundação.

Independente de cheia ou seca, a taxa de lotação das pastagens deve ser leve a mediana, pois apressão de pastejo é o principal fator que influencia a condição ecológica do ecossistema da pastageme o nível de produção animal. Invernadas que possuem maior proporção de unidades preferidas,como campo limpo e baixadas, apresentam maior capacidade de suporte (cerca de 1,8 ha/cabeça),enquanto áreas de caronal e campo cerrado apresentam uma menor capacidade de suporte (cercade 2,4 ha/cabeça). Como as áreas de cordilheiras são usadas eventualmente pelos bovinos, estasgeralmente não são consideradas na estimativa da capacidade de suporte. Embora as unidades depaisagem localizadas nas áreas mais altas não sejam preferidas, estas são importantes nos períodosde máxima inundação ou seca extrema (Santos, 2001).

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No entanto, o cálculo da estimativa da capacidade de suporte para uma invernada no Pantanal nãosignifica somente somar a produção de cada unidade de paisagem, mas também é preciso consideraras interações entre animais x plantas x solos, nível das inundações, intensidade de seca, áreas quese prestam a pastagens, presença de animais silvestres e a baixa produção de matéria seca daspastagens nativas (Allem e Valls, 1987; Brown e Ash, 1996; Santos, 2001). Estas observações deverãoser realizadas regularmente, de preferência pelo produtor, de modo que ele próprio faça a validação dacapacidade de suporte da sua invernada. Aqui deve ser ressaltado, que a utilização de estratégias demanejo que contribua para uma melhor distribuição de pastejo pode aumentar a capacidade de suportedas pastagens naturais.

Para atenuar a estacionalidade das pastagens nativas, alguns criadores estão implantandopastagens cultivadas nas partes mais altas do mesorelevo (cerradão), e mais recentemente nas áreasde caronal, campo cerrado, entre outras, porém ainda há poucas informações sobre o impacto produtivoe ambiental deste processo e a real capacidade de suporte dessas áreas. Esta preocupação, aliadaa degradação ambiental e às características vocacionais do Pantanal, demandam tecnologias menosagressivas ao ambiente, tais como suplementação alimentar em períodos críticos e manejo sustentáveldas pastagens nativas.

Dependendo da localização da propriedade (se sofre influência de inundação pluvial ou fluvial) edas condições climáticas do ano hidrológico/ano pecuário, diferentes estratégias de manejo devem sertomadas. Estudos em uma invernada localizada na sub-região da Nhecolândia (influência de inundaçãopluvial), foi possível observar duas situações:

1. Num ano "normal", que apresenta distribuição regular de chuvas e não ocorre inundação parcialda área, os animais tiveram a oportunidade de selecionar as áreas de baixadas, especialmenteno período crítico (maio a agosto), com o abaixamento das águas. Nas baixadas, as forrageirasconsumidas apresentam neste período, teores médios de proteína bruta (cerca de 10%)próximos às exigências das vacas em reprodução, elevando a taxa de natalidade (produtividade).Nesta situação, somente o uso de uma taxa de lotação adequada aliada com técnicas de manejoapropriadas para a região foi suficiente para os animais selecionarem uma dieta adequada, semnecessidade de suplementação alimentar energética/protéica.

2. Num ano "atípico", onde ocorre inundação parcial da área, as áreas de baixadas ficarão maistempo submersas no período crítico, impossibilitando que os animais usassem estas áreaspara pastejo. Neste caso, mesmo com o uso de uma taxa de lotação leve, os animais nãoconseguirão obter os requerimentos para a reprodução, pois as áreas de acesso como campolimpo e caronal apresentam forrageiras que fornecem no máximo 7% de proteína bruta, abaixodas reais necessidades reprodutivas. Nestes casos, os animais precisam receber algum tipode suplementação alimentar durante o período crítico (maio a agosto), de modo que elesconsigam manter uma condição corporal adequada no final da prenhez e durante a estaçãode monta/lactação. Outra opção para os produtores seria a seleção de vacas adaptadas a estascondições climáticas.

As estratégias de manejo das pastagens a serem adotadas precisam, porém, de estudos deavaliação e validação, específicos para cada propriedade, sendo necessário e ideal que cada criadoravalie e valide o manejo adotado ao longo dos anos. Além das estratégias de manejo das pastagensé desejável que o criador também adote tecnologias já desenvolvidas e validadas para a região, paraaumentar a produtividade animal em pastagens nativas. Portanto, a criação de gado de corte empastagem nativa do Pantanal pode ser uma atividade sustentável, desde que se considere o sistemacomo um todo, com a aplicação de planos de manejo estratégicos adequados.

Os proprietários que querem implantar um sistema orgânico de gado de corte vem enfrentandoalguns problemas, como a falta de um manejo adequado das pastagens (distribuição desigual dopastejo). Para a implantação de um sistema orgânico no Pantanal, é importante caracterizar aspropriedades em função dos diferentes tipos fitofisionômicos e a ocorrência/intensidade de inundação,pois estes são fatores importantes a serem considerados quando da tomada de decisões para aconservação, uso e ocupação da área, especialmente em relação a produção orgânica de bovinos.Além do mais, a complexidade do sistema requer que haja indicadores/grupo de indicadores específicospara avaliar a sustentabilidade dos diferentes ecossistemas da região. Nesse caso, estudos demédia a longa duração estão sendo realizados com o objetivo de desenvolver metodologia deavaliação e monitoramento da sustentabilidade e definir medidas de manejo adaptativo para sistemas

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convencionais e orgânicos, com base em indicadores ambientais, econômicos, sociais e de bem estaranimal.

No caso de se implantar um sistema orgânico de produção no Pantanal, alguns cuidados devem serlevados em consideração, conforme descrito abaixo, numa área da sub-região da Nhecolândia (Fig.5):

Figura 5 — Vista aérea da sub-região da Nhecolândia durante o período deseca

Na Figura 5 pode-se visualizar as diferentes fitofisionomias da sub-regiâo da Nhecolândia duranteo período seco, onde 1- as áreas mais baixas como bordas de baías, vazantes e baixadasem geral são usadas para forrageamento por vários herbívoros silvestres (Figura 6) como veadocampeiro (Ozotocerus bezoarticus leucoagaster ) (Soares e Santos, 1996), capivaras (Hydrochaerishydrochaeris), entre outros. Além do mais, estas áreas constituem num banco de proteína para osbovinos e eqüinos, pois possuem espécies de alta qualidade nutricional, sendo altamente preferidaspor estes animais (Santos, 2002b). Portanto, estas áreas devem ser preservadas; 2 - no caso deespécies cultivadas, estas devem ser introduzidas, preferencialmente, nas áreas de campo-cerrado,capim vermelho (Andropogon hypogynus) e também áreas pouco usadas para pastejo como ’caronal’(áreas com predominância do capim carona (Elyonurus muticus), áreas de campo sujo (Comastri-Filho,1997), e outras identificadas ’in loco’; 3 - O desmatamento de capões e cordilheiras (áreas poucoou não alagáveis) não é recomendável, pois destrói hábitats chaves, com flora e fauna específicas,que tem a função de refúgio e sítios de nidificação de numerosas espécies. No Pantanal, existemcerca de 656 espécies de aves. Em habitat de floresta, ocorrem 443 espécies de aves (67,5%), e orestante, em habitats de alguma forma abertos como cerrados, campos inundáveis, rios, baías, corixose pastagens. Um total de 286 espécies (43,6%) ocorrem somente em floresta (Cintra e Antas, 1996).Estudos de Tubelis e Tomas (1996) tem mostrado que a fragmentação das cordilheiras tende a reduzira diversidade e abundância de espécies de aves de habitats florestais no Pantanal. Pelo menos 156espécies de aves (23,7%) no Pantanal vivem ou dependem de alguma forma de ambientes aquáticosAs espécies encontradas na planície de inundação ou áreas úmidas do Pantanal certamente estãoadaptadas às condições de cheias e secas do rio Paraguai (pulsos de inundação).

Diante do exposto, a definição de estratégias de manejo sustentável das pastagens nativas doPantanal necessita do conhecimento do sistema como um todo. Qualquer alteração antrópica de grandemagnitude, que altere os pulsos naturais, reduzirá a diversidade e abundância de animais e vegetais,podendo extinguir muitas espécies ainda nem sequer catalogadas (Lourival et al., 1999), dificultando odesenvolvimento sustentável da região.

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Figura 6 — No Pantanal, grandes herbívoros domésticos e silvestres fazemuso comum das pastagens nativas.

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