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Revista Coplana - 19 Manejo de pragas Manejo integrado de pragas de solo Mauro Sampaio Benedini Enrico de Beni Arrigoni A cana-de-açúcar é conheci- da como pouco agressiva ao meio ambiente, relativamente ao uso de agrotóxicos. Dados do CTC (2004) demonstram que a cultura utiliza duas, sete e cem vezes menos pro- dutos químicos que a cultura do mi- lho, soja/café e citros, respectiva- mente. Os bons preços obtidos no biênio 2005/2006 e a expansão da área plantada de cana estimularam a utilização de pesticidas e, muitas vezes, de maneira desnecessária. Na utilização de produtos quí- micos, a manutenção do equilíbrio biológico deve ser considerada. In- festações repentinas e severas po- dem estar relacionadas com o uso indiscriminado de produtos quí- micos. O aumento recente na inci- dência da broca-da-cana, Diatraea saccharalis, causando prejuízos sig- nificativos nos canaviais em geral, é um exemplo que está sendo estu- dado. Formigas predadoras contro- lam naturalmente a fase de ovo da broca, sendo 90-95% destes ovos eliminados (predados) por elas e o aumento no uso dos inseticidas de solo vem colaborando para as maiores infestações da broca, pois além da praga alvo (cupins), esses inseticidas também matam formi- gas benéficas. O Departamento de Entomolo- gia do CTC atua há mais de 30 anos no controle integrado das pragas da cana, com ênfase no controle bio- lógico e no uso racional de insetici- das. O controle da broca-da-cana e da cigarrinha-da-raiz com inimigos naturais, respectivamente a vespi- nha Cotesia flavipes e o fungo Me- tarhizium anisopliae, são exemplos do sucesso obtido com o controle biológico. Quanto às pragas de solo, o controle químico deve ser racio- nalmente utilizado, com base nos resultados do monitoramento nas áreas de reforma. O Controle Mú- tuo Agrícola do programa de con- trole de pragas do CTC mostra que as áreas de plantio que necessitam de controle com cupinicidas, nor- malmente não ultrapassam 15% do total plantado, considerando as diferentes regiões de cultivo de ca- na-de-açúcar. O prejuízo principal é a redução da longevidade do ca- navial, porém, a maioria dos cupins é benéfica, decompondo o material orgânico do solo. Quanto ao Mig- dolus, que ataca em reboleiras, o seu controle deve ser direcionado somente para áreas problemas, de- vidamente identificadas e mapea- das. O mais preocupante atualmen- te são as áreas com Sphenophorus que são regionalizadas. Por fim, os nematóides diminuem a produtivi- dade apenas quando presentes em número elevado. O Quadro 1 mos- tra as principais pragas da cultura da cana. na cana-de-açúcar A seguir, temos a metodologia de levantamento de pragas de solo preconizada pelo CTC. Manejo Integrado de Pra- gas - MIP O Manejo Integrado de Pragas possibilita o uso racional de inse- ticidas, cuja aplicação é dirigida às áreas afetadas. O fato de não apli- car em área total, contribui com o controle biológico das pragas nes- sas áreas, reduzindo os riscos ao homem e ao meio ambiente e di- minuindo custos de implantação da cana-de-açúcar; fator importante a ser considerado em época de “va- cas magras”, como a que passamos em 2007 e, possivelmente também em 2008. Para tanto, é necessário: (1) Conhecer a praga e seus ini- migos naturais; (2) Monitorar com levantamen- tos populacionais; (3) Conhecer o Nível de Controle (N.C.) que está sempre abaixo do; (4) Nível de Dano Econômico (N.D.E.) que é a densidade popu- lacional que causa danos iguais ao custo de controle. Só se sabe o N.D.E. monitorando a área. No visual não dá para avaliar danos e perdas. E finalmente; (5) Realizar o manejo integrado (MIP).

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Revista Coplana - 19

Manejo de pragas

Manejo integrado de pragas de solo

Mauro Sampaio Benedini Enrico de Beni Arrigoni

A cana-de-açúcar é conheci-da como pouco agressiva ao meio ambiente, relativamente ao uso de agrotóxicos. Dados do CTC (2004) demonstram que a cultura utiliza duas, sete e cem vezes menos pro-dutos químicos que a cultura do mi-lho, soja/café e citros, respectiva-mente. Os bons preços obtidos no biênio 2005/2006 e a expansão da área plantada de cana estimularam a utilização de pesticidas e, muitas vezes, de maneira desnecessária.

Na utilização de produtos quí-micos, a manutenção do equilíbrio biológico deve ser considerada. In-festações repentinas e severas po-dem estar relacionadas com o uso indiscriminado de produtos quí-micos. O aumento recente na inci-dência da broca-da-cana, Diatraea saccharalis, causando prejuízos sig-nificativos nos canaviais em geral, é um exemplo que está sendo estu-dado. Formigas predadoras contro-lam naturalmente a fase de ovo da broca, sendo 90-95% destes ovos eliminados (predados) por elas e o aumento no uso dos inseticidas de solo vem colaborando para as maiores infestações da broca, pois além da praga alvo (cupins), esses inseticidas também matam formi-gas benéficas.

O Departamento de Entomolo-gia do CTC atua há mais de 30 anos

no controle integrado das pragas da cana, com ênfase no controle bio-lógico e no uso racional de insetici-das. O controle da broca-da-cana e da cigarrinha-da-raiz com inimigos naturais, respectivamente a vespi-nha Cotesia flavipes e o fungo Me-tarhizium anisopliae, são exemplos do sucesso obtido com o controle biológico.

Quanto às pragas de solo, o controle químico deve ser racio-nalmente utilizado, com base nos resultados do monitoramento nas áreas de reforma. O Controle Mú-tuo Agrícola do programa de con-trole de pragas do CTC mostra que as áreas de plantio que necessitam de controle com cupinicidas, nor-malmente não ultrapassam 15% do total plantado, considerando as diferentes regiões de cultivo de ca-na-de-açúcar. O prejuízo principal é a redução da longevidade do ca-navial, porém, a maioria dos cupins é benéfica, decompondo o material orgânico do solo. Quanto ao Mig-dolus, que ataca em reboleiras, o seu controle deve ser direcionado somente para áreas problemas, de-vidamente identificadas e mapea-das. O mais preocupante atualmen-te são as áreas com Sphenophorus que são regionalizadas. Por fim, os nematóides diminuem a produtivi-dade apenas quando presentes em número elevado. O Quadro 1 mos-tra as principais pragas da cultura da cana.

na cana-de-açúcarA seguir, temos a metodologia

de levantamento de pragas de solo preconizada pelo CTC.

Manejo Integrado de Pra-gas - MIP

O Manejo Integrado de Pragas possibilita o uso racional de inse-ticidas, cuja aplicação é dirigida às áreas afetadas. O fato de não apli-car em área total, contribui com o controle biológico das pragas nes-sas áreas, reduzindo os riscos ao homem e ao meio ambiente e di-minuindo custos de implantação da cana-de-açúcar; fator importante a ser considerado em época de “va-cas magras”, como a que passamos em 2007 e, possivelmente também em 2008.

Para tanto, é necessário: (1) Conhecer a praga e seus ini-

migos naturais; (2) Monitorar com levantamen-

tos populacionais; (3) Conhecer o Nível de Controle

(N.C.) que está sempre abaixo do; (4) Nível de Dano Econômico

(N.D.E.) que é a densidade popu-lacional que causa danos iguais ao custo de controle. Só se sabe o N.D.E. monitorando a área. No visual não dá para avaliar danos e perdas. E finalmente;

(5) Realizar o manejo integrado (MIP).

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20 - Revista Coplana - Maio 2008

Manejo de pragas

O monitoramento para avalia-ção de danos e quantificação das pragas é direcionado para as áreas de reforma do canavial, com amos-tragens realizadas até um mês após o último corte e antes da realização de qualquer operação agrícola. A equipe de pragas é a primeira a vi-sitar o talhão após o corte da cana.

O controle preventivo com inse-ticidas (conforto técnico) certamen-te é mais fácil e mais cômodo que o manejo integrado que necessita de maiores conhecimentos técnicos e é mais complexo e trabalhoso, mas no final, o monitoramento e a apli-cação direcionada são mais eco-nômicos e vantajosos. O objetivo é racionalizar o uso de inseticidas. (Quadro 2)

Em cada trincheira amostrada são anotados, em ficha apropriada, os seguintes itens:

(1) Ocorrência de danos em touceiras e presença de migdolus (prioritários);

(2) Nota populacional de cupins (Quadro 3);

(3) Gêneros ou espécies de cupins e;

Quadro 1 - Principais pragas da cultura da cana

(Fotos 1 e 2). Rachar todas as bases de colmos (tocos) do ano.

Foto 1 – Abertura parcial da trincheira. Foto 2 – Trincheira aberta.

(4) Outras pragas de hábitos subterrâneos.

O material coletado é mantido em recipiente devidamente etiquetado, em solução de ál-cool 70%. A etiqueta deve ser escrita a lápis, pois não apaga-rá. Coletar apenas os exempla-res que representem dúvidas ou insetos não disponíveis em arquivo. Quanto aos cupins, apenas os soldados são identi-ficáveis.

As lagartas ficam pretas quando colocadas no álcool. Se for necessário guardá-las,

Quadro 2 – Monitoramento em área de reforma

Monitoramento e controle de pragas desolo em áreas de reforma e expansão

Avaliação de danos epopulações de pragas

Definição de áreas paracontrole químico

Racionalização o usode inseticidas

Quadro 3 – Nota populacional para cupim

Quantidade de cupins por trincheira:

Nota Quantidade

Nota Populacional de Cupins

0 ausente

1 1 a 10

2 11 a 100

3 > 100

ferver água, desligar o gás e deixar a lagarta na água quente por trinta segundos antes de colocá-la no ál-

Sphenophorus levisCupins (12spp)Migdolus spp.Nematóides

Pão de galinhaElaterídeos - larva-arame

Naupactus spp.Crisomelídeos

Percevejo castanhoPérola-da-terra

Principais Pragas de Solo associados à cultura da cana-de açúcar

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Revista Coplana - 21

prejudicial, sempre apare-cem os danos, mesmo na sua ausência. Onde não tem Heterotermes spp. normalmente não apare-cem danos. Uma manei-ra prática de avaliação é observar o abdômen do cupim.

As pragas de solo de-vem ser controladas, pre-ferencialmente, no prepa-ro do solo ou no plantio.

Não se recomenda reaplicação em soca, pois os resultados não são consistentes.

ConclusãoO correto controle de pragas de

solo é uma forma de reduzir perdas na lavoura e evitar desperdícios fi-nanceiros pelo uso inadequado de inseticidas que, além disso podem prejudicar o equilíbrio nas popula-ções de predadores e parasitóides que são importantes no controle natural de outras pragas. O CTC disponibiliza aos técnicos das As-sociações de Fornecedores e aos seus associados, treinamentos te-óricos e práticos das metodologias de levantamentos e controle das diversas pragas existentes na cana-de-açúcar.

Mauro Sampaio Benedini é gerente Regional e Enrico de Beni Arrigoni é Coordenador de Pesquisa Tecnoló-gica, ambos do CTC Centro de Tec-nologia Canavieira.

(Fotos 1 e 2). Rachar todas as bases de colmos (tocos) do ano.

Foto 1 – Abertura parcial da trincheira. Foto 2 – Trincheira aberta.

cool 70%. Danos no rizoma é a prin-

cipal observação a ser feita, pois o cupim se movimenta, descendo no perfil do solo depois da chuva, por exem-plo, sendo que o dano fica. Avaliar a porcentagem de trincheiras com touceiras ata-cadas, considerando apenas o dano na touceira do ciclo (touceira viva), separando-as e avaliando-as, pois a maio-ria das espécies de cupins normal-mente ataca rizomas velhos e não devem ser considerados, pois essas espécies auxiliam na decomposição do material. O procedimento é de-talhado, mas é o correto. As pragas chaves são Migdolus e Sphenopho-rus (principais), cupins e nematói-des. As pragas secundárias causam danos, mas, normalmente, não re-sultam em prejuízos econômicos.

O custo aproximado do levan-tamento é de R$3,00/ha e o rendi-mento é de 20 a 30 trincheiras/ho-mem/dia (250 ha/mês/homem). A qualidade e manutenção do enxa-dão é o principal fator de variação do rendimento e o conhecimento é o fator chave da operação.

Controle Para a recomendação ou não de

controle considera-se a % de trin-cheiras totais com touceiras danifi-cadas (pouco ou muito, não impor-ta). Não é considerado o número de touceiras atacadas por trinchei-ra. Percebe-se, portanto que a margem de segurança no método é bastante alta, pois mesmo que apenas uma base de cana da trin-

cheira tenha sofrido ataque, consi-dera-se a trincheira como atacada. As categorias foram divididas em intervalos por % de trincheiras com touceiras atacadas (Quadro 4).

O controle é direcionado ape-nas para as áreas que realmente possam sofrer prejuízos econômi-cos (N.D.E.) e devem seguir as pre-missas do Quadro 5 que considera os diferentes tipos de solos sepa-rados por ambientes de produção. Observa-se que os solos mais fra-cos (Ambientes D e E) devem ser controlados em níveis mais baixos de % de trincheiras com touceiras atacadas.

A porcentagem de trincheiras com touceiras danificadas é a base para a definição ou não da aplica-ção do inseticida. Exemplificando, se no levantamento de campo tiver nota 3 (alta infestação) para cupim, mas sem danos nas touceiras, não se deve controlar, pois o cupim encontrado é benéfico. Por outro lado, pode não ter cupim no local e ter danos na touceira do ano, po-dendo ser necessário o controle, pois como já comentado anterior-mente, o cupim movimenta-se no perfil do solo. Quando o cupim é

Quadro 4 – Categorias de infestação das trincheiras.

Cor Touceiras danificadas (%)

Categorias de Infestação

Azul 0 a 20

Verde 21 a 40

Amarela 41 a 60

Vermelha 61 a 80

Preta 81 a 100