manejo de pastagens para ovinos
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MANEJO DE PASTAGENS PARA OVINOS:
uma abordagem contemporânea de um antigo desafio
Paulo César de Faccio Carvalho1
César Henrique Espírito Candal Poli2
Octaviano Alves Pereira Neto3
1. Introdução.
2. Pastagens para ovinos: o paradigma da altura.
3. O processo de pastejo: aprendendo com a preferência dos animais
4. Ofertas de forragem e respostas produtivas.
5. Conclusões.
1. Introdução
O gênero Ovis spp. está distribuído em todo mundo, encontrando-se mais
de 2000 raças com os mais diferentes fenótipos e tamanhos (25 a 200 kg).
Evidências arqueológicas indicam que os ovinos foram uma das primeiras
Professor Adjunto1 e Professor Convidado2 -Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia/UFRGS 3Supervisor SENAR-RS
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espécies domesticadas pelo Homem, provavelmente há 11.000 ou 12.000 anos
(Lynch et al., 1992). Desde então temos procurado controlar o pastejo destes
animais, ou, em outras palavras, manipular o processo de desfolhação (Walker,
1995). O pastor, referido freqüentemente como a “segunda profissão mais
antiga do mundo”, representa esta tentativa antiga de controlar a alimentação
dos animais com a intenção de tirar benefício próprio. O pretenso benefício ao
animal é, na maioria das vezes, indissociável, porém, não é a razão essencial do
manejo. Incorrigíveis em nossa prepotência, ainda nos dias de hoje, nos
julgamos conhecedores “daquilo que o animal deve comer”. O que entendemos
por manejo é o ato de pretender ensinar ao animal o que há muito ele já
aprendeu, durante milhares de anos ao longo da implacável seleção natural, à
qual sempre esteve submetido na natureza.
Não é de nossa pretensão apresentar a utilização de pastagens com
ovinos sob este prisma convencional, do tipo “utilize tal espécie forrageira”. Ao
contrário, pretende-se apresentar o assunto através de uma abordagem na qual
os ovinos nos ensinem a lógica dos seus procedimentos em pastejo, na qual eles
nos ensinem a manejá-los. A hipótese é a de que, se as estratégias que os
animais adotam em pastejo estão corretas, a racionalidade de suas decisões
deve ser levada em conta no manejo da pastagem na tentativa de
3
disponibilizarmos aquilo que o animal nos indica que lhe é melhor. Trata-se de
um argumento forte na medida em que, decisões erradas ao longo do processo
evolutivo, implicariam no desaparecimento do indivíduo ou da espécie, e isso não
ocorreu.
Devemos aprender com os animais e não ensiná-los.
2. Pastagens para ovinos: o paradigma da altura.
A máxima do manejo de pastagens para ovinos é a de que “ovelha
gosta de pasto baixo”. Esta frase, tão repetida ao longo dos anos, é fruto da
correta observação, porém simplista, dos peões de fazenda de que as ovelhas
freqüentemente se encontram nos locais onde o pasto é baixo, e de que,
raramente, pastejam os pastos altos. Observação correta, mas expressão
infeliz. Por exemplo, no Rio Grande do Sul (RS), expoente da exploração ovina,
a base da exploração é a pastagem nativa. Em sua riqueza florística (vide
Nabinger et al., 1999) este campo apresenta espécies com os mais diferentes
tipos morfológicos e com as mais diferentes concentrações de nutrientes. O
campo alto, no RS, significa campo grosso. São espécies cespitosas quase
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sempre sinônimas de elevada concentração de fibra, Andropogôneas em muitas
das situações. O campo baixo, por sua vez, é composto, em geral, por espécies
em rebrota ou com características mais tenras. Nesse extrato inferior,
normalmente, predominam espécies do gênero Paspalum spp., onde a grama
forquilha se destaca (Paspalum notatum Flügge). Portanto, a rejeição dos
animais não se dá pela altura, e sim pelo teor de fibra, ou seja, a preferência
pelo extrato inferior não se dá pela altura absoluta, mas se dá por razões
nutricionais. Este aparentemente inofensivo erro de interpretação tem
pautado ações de manejo que acarretam superpastejo pelo excesso de lotação
e baixa produção de forragem pela excessiva remoção de área foliar e, por
conseqüência, índices zootécnicos muito aquém do potencial, tudo isto por se
acreditar que os ovinos “gostem” de pasto baixo.
A altura, de forma geral, é indicadora da quantidade de biomassa
presente. Isolando-se o fator qualitativo, quanto mais alto for o pasto, maior a
quantidade de forragem disponível ao animal. O ovino, como qualquer outro
herbívoro, tem o seu consumo de forragem elevado com o aumento da
quantidade de forragem na pastagem, expresso por altura, massa de forragem,
índice de área foliar, etc. (Figura 1).
5
A
B
C
Figura 1. Relação entre parâmetros da pastagem e o consumo de forragem. Há um aumento do consumo com a maior oferta de forragem e esta relação é curvilinear, ou seja, atinge um ponto de máxima que reflete a saturação do animal em processar o alimento. As curvas A, B e C indicam que é possível se observar diferentes níveis de consumos para uma mesma altura, massa de forragem ou índice de área foliar por diferenças na arquitetura ou qualidade intrínseca das plantas ou mesmo com animais de diferentes condições corporais e potenciais genéticos.
Uma vez que o desempenho animal é reflexo direto da quantidade e
qualidade da dieta ingerida por ele, a relação entre desempenho e altura segue
Cons
umo
(kg
MS/
dia)
Altura (cm) Massa de forragem (kg MS/ha) Índice de área foliar
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a mesma lógica da Figura 1, ou seja, pastagens baixas, rapadas, com pouca
forragem disponível limitam o consumo e consequentemente o desempenho
animal.
Algum arguto de plantão prontamente indagaria: “mas a ovelha consegue
pastejar baixo, ao contrário de uma vaca; em uma pastagem rapada uma vaca
passa fome e uma ovelha não”. Vamos, então, a esta questão.
As necessidades energéticas dos ruminantes apresentam uma relação
exponencial com o tamanho corporal, expresso pelo tamanho metabólico
(PV0,75). Isto significa que, à medida em que aumenta o tamanho do animal,
menos energia, proporcionalmente, é necessária para manter suas funções
vitais. A capacidade do rúmen, por sua vez, apresenta relação isométrica com o
tamanho do animal (PV1,0), o que indica que quanto maior os animais, maior a sua
capacidade volumétrica. Estas relações, fruto do processo evolutivo (Demment
e Van Soest, 1985), determinaram uma relação entre tamanho do animal e tipo
de dieta (Illius e Gordon, 1993). Em termos práticos isto determina que
animais pequenos, como uma ovelha (50 kg), obrigatoriamente exijam dieta de
alta qualidade porque as suas necessidades energéticas são proporcionalmente
elevadas e sua capacidade ruminal é pequena (Carvalho e Rodrigues, 1997). Uma
vaca (450 kg), ao contrário, pode se permitir ingerir forragens mais grosseiras
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pois suas necessidades energéticas são, proporcionalmente, menores e sua
capacidade de digerir alimentos mais fibrosos é maior.
Quanto aos mecanismos de apreensão de forragem, enquanto a vaca
utiliza a língua para maximizar a área de colheita de forragem (área do
bocado), os ovinos apreendem a forragem utilizando os lábios, o que lhes
confere alto poder de discriminação em pastejo. Este poder de discriminação é
necessário porque os ovinos têm de selecionar uma dieta de alta qualidade.
Porém, isto não lhes confere, necessariamente, vantagem expressiva na
apreensão da forragem (Figura 2).
Figura 2. Consumo relativo de forragem de ovelhas e vacas lactantes em diferentes alturas de uma pastagem de azevém perene (adaptado de Hodgson, 1990). Ovinos e bovinos potencializam a ingestão em pastagens mais altas. Em pastagens baixas há uma redução da ingestão para ambas as espécies, porém, os bovinos são mais rapidamente penalizados.
Vacas
Ovelhas
Máx
imo
cons
umo
(%)
Altura da pastagem (cm)
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A Figura 2 demonstra dois conceitos de fundamental importância.
Primeiro, a altura que maximiza a ingestão de forragem para as duas espécies
não é muito diferente, 6-7 cm para ovinos e 8-9 cm para bovinos. Segundo, na
medida em que diminui a altura da pastagem, as ovelhas conseguem manter a
ingestão de forragem com pouco decréscimo numa determinada faixa de
alturas, fruto de sua capacidade de discriminação. No entanto, em pastagens
excessivamente baixas, o seu nível de ingestão é diminuído a exemplo dos
bovinos. Devemos notar que, no caso do exemplo em questão, pequenos
decréscimos na altura da pastagem abaixo de 6 cm promovem desproporcional
redução na ingestão de forragem. Portanto, há que se definir bem aquilo que se
entende por pasto baixo ou alto. A redução de 6 cm para 3 cm acarreta uma
diminuição de consumo próximo a 50 %. Em nossa concepção, 6 cm ou 3 cm,
tudo é pasto baixo. Porém, do ponto de vista do animal, são situações
completamente distintas. Muitas vezes, sequer temos capacidade para
distinguir esta diferença no campo, mas o ovino a distingue e, muito bem.
Penning (1986) demonstrou as estratégias que os animais utilizam em
pastagens de azevém perene (Lolium perenne) manejadas em diferentes alturas
(Figura 3).
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Figura 3. Comportamento ingestivo de ovinos em pastejo (Penning, 1986).
A diminuição da altura da pastagem acarreta forte diminuição da massa de cada bocado. Entre 12 cm e 6 cm o aumento no tempo de pastejo e na freqüência dos bocados consegue manter o nível de consumo em seu máximo. Reduções posteriores na altura da pastagem não são compensadas pelas estratégias de que dispõe os animais.
Como pode ser demonstrado na Figura 3, há uma relação linear e positiva
entre a altura da pastagem e a massa do bocado. Isto significa que, quanto
maior a altura das plantas, mais o animal pasteja “com boca cheia”. A massa do
bocado é, freqüentemente, o principal determinante do consumo de forragem
em pastejo. A freqüência com que as ovelhas executam estes bocados é
Cons
umo
(mg
MS/
dia)
Bo
cado
s/min
Tempo
de
past
ejo
(hs)
Mas
sa d
o bo
cado
(mg
MS)
Altura da pastagem (cm)
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inversamente relacionada à massa do bocado. Isto nada mais é que a expressão
do fato de que, com a “boca cheia”, maior o intervalo de tempo para conseguir
dar um novo bocado. Em pastagens baixas, as ovelhas aumentam a freqüência
dos bocados visando compensar a diminuição da massa de cada bocado que ela
dá. Em situações extremas, de pastagens próximas a 3 cm de altura, as ovelhas
chegam a dar mais que um bocado por segundo!
O tempo de pastejo é outro componente do comportamento ingestivo
que o animal manipula (Wade e Carvalho, 2000). No entanto, existe uma
margem máxima de ajuste do tempo de pastejo, na medida em que o animal não
faz somente pastejar ao longo do dia. Ele requer tempo para ruminar o que
comeu, para beber água, descansar, exercer atividades sociais, etc. Por isto,
raramente observa-se tempos de pastejo acima das 13 horas/dia. Os ovinos
respondem à diminuição da altura da pastagem aumentando o tempo em que
passam pastejando, tentando sempre compensar a diminuição da massa do
bocado. O resultado de todos estes processos é o consumo, a quantidade de
alimento que o animal consegue ingerir ao longo do dia. Pastagens de azevém
perene com alturas inferiores a 6 cm são limitantes para o consumo dos ovinos,
ou seja, não permitem aos animais pastejar à sua plena capacidade de ingestão.
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Aquele arguto, sempre de plantão, diria agora: “mas isto é para azevém
perene, não deve ser assim para as nossas pastagens”. Infelizmente não
dispomos da mesma quantidade de massa crítica e de recursos para pesquisa
que outros países, o que justifica, em parte, a falta de informações em nossas
condições. No entanto, a relação entre abundância de forragem e ingestão é
tema de extrema importância nas mais diferentes áreas do conhecimento,
sobretudo em Ecologia. As relações descritas acima têm sido observadas
igualmente nos mais diferentes tipos de recursos forrageiros, desde campos
nativos a pastagens temperadas e tropicais (Hodgson et al., 2000) e com os
mais diferentes tipos de herbívoros domésticos, como os eqüinos (Diettrich et
al., 1999), caprinos (Gordon et al., 1996), bovinos (Laca et al., 1992), e os mais
diferentes tipos de herbívoros selvagens (Gross et al., 1993; Ginnett e
Demment, 1995; Wilmshurst et al., 1999). Portanto, são respostas mais que
consistentes e generalizáveis, salvo os números absolutos que devem variar
para cada substrato forrageiro específico.
Outro componente a ser considerado diz respeito às temíveis
verminoses, justificativa da maior parte dos técnicos em se lançarem na
produção de cordeiros em sistemas confinados. A Figura 4 demonstra que o
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pastejo baixo acarreta numa maior ingestão de larvas e consequentemente
numa maior infestação dos animais (Vlassof, 1982).
Figura 4. Distribuição vertical de larvas infectantes no perfil da pastagem (Vlassof, 1982). Forçar o ovino pastejar nos estratos inferiores das pastagens, próximo ao solo, implica numa maior ingestão de larvas.
Grande parte das larvas estão concentradas nos primeiros 2 cm acima do
solo por razões associadas ao microclima local. Pastagens excessivamente
baixas aumentam a proporção de larvas expostas a condições climáticas
adversas. Embora isto acarrete alta mortalidade de larvas, o potencial de
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infestação ainda é extremamente elevado na medida em que o número de ovos
depositados é sempre impressionante (Gumbrell, 1986).
Dentro da ressalva de que pasto alto ou baixo são frutos de uma
perspectiva antropocentrista, pastagens baixas restringem a ingestão dos
animais, limitam a expressão de seu potencial produtivo e vão contra a
sustentabilidade do sistema.
3. O processo de pastejo: aprendendo com a preferência dos animais
O ambiente onde o animal procede o pastejo é de elevada complexidade
(vide Carvalho et al., 1999a). Várias espécies e/ou estádios fenológicos se
apresentam ao animal de forma dinâmica no tempo e no espaço. Algo que o
animal presume ser bom para ele hoje, não necessariamente o é amanhã. Mesmo
a localização das boas áreas de pastejo são variáveis, pois a fenologia das
plantas deve cumprir suas diferentes fases. Além disto, não somente a
vegetação tem sua dinâmica, mas também as necessidades nutricionais dos
animais são dinâmicas no tempo. Tudo isto faz com que os animais tenham o
desafio de explorar bem o ambiente, retirando dele uma dieta de alta
qualidade, em quantidade suficiente em relação a sua demanda. Ao mesmo
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tempo devem dispensar o menor gasto energético minimizando a possibilidade
de ingestão de matéria seca com menor qualidade e/ou com algum grau de
toxidez. Um campo nativo como o do RS, onde se encontram dezenas de
espécies num mesmo metro quadrado, é um bom exemplo do tamanho do
“problema” que os animais têm de solucionar.
Para buscar alimento neste ambiente, altamente heterogêneo, os animais
desenvolveram habilidades denominadas estratégias de forrageamento (Gordon
e Illius, 1992). Dentre estas habilidades, vários processos cognitivos entram
em ação, onde a visão tem papel fundamental na escolha do local de pastejo e
na identificação das espécies preferidas. Embora tenham visão monocromática,
os ovinos identificam o brilho e o usam como indicador de seleção (Bazely,
1990). Selecionando plantas mais escuras os ovinos estariam priorizando
plantas com alta concentração de nitrogênio e de carbohidrato solúvel. Bazely
(1990) demonstrou não somente que os ovinos selecionam plantas mais escuras,
como também selecionam as mais altas. Carvalho (1997) constatou este fato
com uma população de perfilhos marcados em dois tipos de pastagens e
confirmou que a média de altura dos perfilhos desfolhados pelas ovelhas era
superior à média de altura dos perfilhos não desfolhados, sendo esta diferença
da ordem de alguns milímetros. Este poder de discriminação é observado
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independentemente do seu nível de exigência. Ovelhas secas ou amamentando
cordeiros duplos procedem da mesma forma (Carvalho et al., 1999b). Isto, mais
uma vez, indica que os animais encontram oportunidades de escolha numa
pastagem em escalas que a nossa percepção não permite identificar.
No processo de otimização que o ovino faz em pastejo, o conhecimento
daquilo que deve ingerir e de sua localização na pastagem são fundamentais
para o animal otimizar o uso de seu tempo. Quanto ao processo de
aprendizagem, um exemplo muito interessante foi observado por Harvey et al.
(1995). É sabida a preferência que os ovinos têm pelo trevo branco (Trifolium
repens) em relação ao azevém perene (mas vide Newman et al., 1992), e que
esta preferência é mais acentuada em ovinos que em caprinos. Harvey et al.
(1995) mantiveram, em pastagens consorciadas destas espécies, dois
tratamentos. Em um deles, os cordeiros foram mantidos com suas respectivas
mães. No outro grupo, os cordeiros foram retirados de suas mães e adotados
por cabras. A análise da dieta dos cordeiros revelou que os animais seguem
aquilo que lhes é ensinado. Cordeiros amamentados por cabras selecionaram
menos trevo (38%) que aqueles amamentados por ovelhas (45%). Ainda em
relação ao processo de aprendizado, cordeiros que deixam a pastagem e são
colocados em confinamento apresentam, em geral, vários dias de baixo
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desempenho. Este fato tem sido atribuído exclusivamente à uma adaptação
ruminal ao novo tipo alimento. No entanto, a presença de animais “professores”
aumenta a ingestão do novo alimento em cerca de 80% já nos dias iniciais da
nova alimentação (Lynch et al., 1992). Cordeiros podem requerer até três
semanas para que aprendam totalmente a ingerir o novo tipo de alimento
(Provenza e Launchbaugh, 1999).
Isto se deve ao fato de que os ovinos têm neofobia, em particular
animais jovens. Tudo aquilo que é novo representa, inicialmente, perigo para o
animal (Provenza e Launchbaugh, 1999). Cordeiros que são desmamados,
retirados de suas mães e deslocados para áreas que lhes são desconhecidas
(uma pastagem ou galpão de confinamento) enfrentam um estresse que pouco
damos importância. Abruptamente interrompemos a fase “aprendendo a comer”
e forçamos apressadamente o início da fase “comendo para aprender”. Como
deve ser ? Imagine-se pequeno, tranqüilo e indefeso ao lado de sua mãe.
Aparece aquele arguto prepotente e o separa dela. Ao colocá-lo em lugar
desconhecido e ameaçador, oferece um buffet de alimentos nunca antes visto
e lhe olha como quem diz: “coma e cresça para mim”.
Nesse assunto sobre preferência relacionada à experiência do animal,
nem tudo é tão simples. Ovelhas adultas podem apresentar neofilia, como foi o
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caso demonstrado por Parsons et al. (1994). Ovelhas que somente conheciam
uma espécie A, ao se oferecer uma composição de espécies A e B, preferiram a
B nos 6 primeiros dias de pastejo. Porém, após este período retornaram à
preferência anterior indicando se tratar de um efeito de curto prazo.
Isto nos dá uma idéia da importância da escala temporal à qual estamos
nos reportando quando abordamos o assunto de preferência. Um bom exemplo
é o fato de que ovelhas consomem mais trevo branco pela manhã e mais azevém
no final da tarde, indicando que existe variabilidade, mesmo ao longo do dia, na
preferência dos ovinos (Parsons et al., 1994). Preferir consumir azevém à tarde
está aparentemente associado ao fato de que, como o azevém apresenta um
maior tempo de retenção no rúmen, a sua maior ingestão no final do período de
pastejo não limitaria o tempo total de pastejo uma vez que o animal teria toda
a noite disponível para ruminar (Parsons et al., 1994). Além disto, a ingestão
preferencial de trevo pela manhã e de azevém pela tarde parece ser uma
combinação que otimizaria a dinâmica dos processos digestivos associados às
taxas de consumo, passagem e absorção (Newman et al., 1995). Por
“casualidade” a concentração de carbohidratos não-estruturais nas folhas das
plantas atinge seu máximo no final da tarde (dinâmica de assimilação de
carbono). Se o arguto ainda permanece incrédulo, Penning et al. (1991)
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demonstraram que uma parte importante do tempo de pastejo (até 48 % do
tempo total) se dá nas quatro horas que antecedem o pôr do Sol. Seria isto
uma indicação de que os ovinos teriam uma certa sabedoria nutricional ?
Quanto à localização de áreas melhores na pastagem, Dumont et al.
(1999) reportaram que ovelhas, quando colocadas em um ambiente
desconhecido, levam um tempo para conhecerem a localização daquilo que é
“bom” na pastagem. Quando entram numa pastagem nova, inicia-se um processo
de aprendizado e memorização que faz parte dos mecanismos de otimização do
pastejo. No início, o número de visitas às áreas de alto valor forrageiro é
baixo. Porém, com o passar dos dias, o número de locais de alto valor visitados
vai aumentando, o que indica que os animais memorizam os locais interessantes
e agregam novos locais à sua memória à medida em que os conhecem e se
também são de maior valor. Ao final de alguns dias, o número de visitas às
áreas boas da pastagem se estabiliza indicando o conhecimento pleno de onde
se encontram as melhores oportunidades de pastejo. Neste processo os
animais parecem usar dois tipos de memória (Bailey et al.,1996), uma de curto
prazo (memória de trabalho) e outra de longo prazo (memória de referência)
que conferem ao animal um valor de referência em relação ao ambiente que ele
está explorando (Howery et al., 1999). À medida em que procede o pastejo, a
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cada passo que o animal dá e a cada local em que ele se encontra, o valor
daquilo que está a sua frente é contraposto àquele valor de referência. As
decisões de pastejo (1-sim, 2-não/deslocamento) são tomadas através do
posicionamento do valor do sítio de pastejo atual em relação ao valor de
referência (1-maior ou igual, 2-menor ou igual) em conjunto com uma avaliação
permanente das condições do ambiente externo (atributos da pastagem,
condições meteorológicas, etc.) e do ambiente interno ao animal (fome,
demanda produtiva, etc.) (Laca e Ortega, 1995). O valor de referência está
sempre se alterando, assim como os próprios valores dos sítios de pastejo
(rebrota nutritiva/macega em estádio reprodutivo) o que faz com que os
animais tenham permanentemente que “amostrar” o ambiente de pastejo
(Prache et al., 1998) e “reconstruir sua base de dados”.
A estrutura espacial da pastagem também influencia a preferência dos
ovinos. Pastagens consorciadas de azevém perene e trevo branco semeadas a
lanço ou em faixas exclusivas de cada espécie modificam a possibilidade de
exercer seleção. Ovelhas que normalmente preferem trevo branco conseguem
aumentar esta preferência quando as espécies estão disponíveis em faixas. A
forma com que as espécies estão horizontalmente distribuídas nem sempre
afetam claramente o processo de seleção em ovinos (Carvalho et al., 1997). No
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entanto, a influência da forma com que verticalmente estão distribuídas é
amplamente exemplificada na literatura mundial. Harvey e Orr (1996)
trabalharam com pastagens de azevém e trevo branco que tinham a mesma
altura (6 cm cada um) ou que tinham a mesma média (6 cm), mas com o azevém
medindo 9 cm e o trevo 3 cm. Os autores constataram que enquanto as ovelhas
passavam 79 % do tempo pastejando trevo na situação em que as duas espécies
tinham a mesma altura, quando o trevo tinha uma altura bem inferior à do
azevém o tempo em pastejo no trevo caía para 50 %. Em pastagens em faixas
de azevém e trevo branco, Carrère et al. (1995) observaram que os animais que
normalmente preferem trevo revertem a preferência para azevém quando a
diferença de altura do azevém, em relação à do trevo, é maior que 3 cm.
Portanto, ainda que prefiram trevo, se existe algo ao lado que lhes é mais
favorável (+ alto, + biomassa, + consumo), os ovinos podem reverter sua
preferência em relação às espécies. Na verdade não há reversão de
preferência, pois os ovinos sempre preferem (ou quase sempre) aquilo que lhes
oferece a maior oportunidade de ingestão de nutrientes.
A preferência dos ovinos é, portanto, um tema amplo e polêmico.
Preferência é mais que um atributo do alimento ou uma propriedade
organoléptica derivada de algum composto químico associado ao mesmo. A visão
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atual do assunto é a de que preferência é uma relação funcional entre uma
sensação hedonista associada a um efeito homeostático de um determinado
alimento, ou seja, dependente de um feedback pós-ingestivo que “calibraria” a
preferência ou aversão por um determinado alimento (Provenza, 1995). A
importância destes conhecimentos, mais do que sensibilizar o arguto
imediatista, é a de fornecer bases que nos permitam, através do manejo, criar
ambientes mais próprios e adequados à produção animal.
O processo de pastejo não é tão simples nem os ovinos são tão tolos
quanto possam parecer. Otimizar o uso da pastagem pelo animal significa dar
oportunidade ao mesmo de expressar suas preferências.
4. Ofertas de forragem e respostas produtivas.
Oferta de forragem é um parâmetro central no manejo alimentar de
qualquer animal em pastejo e indica a oportunidade de ingestão de forragem
que o indivíduo tem, ou seja, a quantidade de pasto de que o animal dispõe. Ela
é o principal determinante do desempenho produtivo e do sucesso da
exploração. A exemplo de sistemas confinados, onde se determina a quantidade
e a qualidade do alimento que o animal tem à sua disposição, o bom manejo das
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pastagens segue o mesmo princípio, sendo as ferramentas de ajuste a escolha
da espécie (potencial qualitativo) e da lotação (oferta de forragem).
As situações que descreveremos abaixo correspondem a relações de
oferta/demanda para uma ovelha de 50 kg de peso vivo em pastagens cuja
concentração energética seja de pelo menos 10,5 MJ de energia metabolizável
(EM) por kg de matéria seca (MS).
Manejo de pastagens para ovelhas
O ganho de peso das ovelhas aumenta com o aumento da oferta de
forragem, porém, a magnitude deste aumento depende do peso da ovelha e de
sua condição corporal. Em ofertas de forragem menores, ovelhas leves ganham
mais, ou perdem menos peso que ovelhas mais pesadas ou de maior condição
corporal (Rattray et al., 1987). Isto é resultado do maior valor energético do
ganho em ovelhas de maior condição corporal (deposição de gordura) e da maior
exigência de manutenção para as ovelhas mais pesadas.
Ovelhas secas com condição corporal média e com peso de 50 kg ingerem
para sua manutenção algo em torno de 1 kg de MS/dia. Esta ovelha, parindo um
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cordeiro, ao longo do ano necessitará de 580 kg de MS para cumprir suas
funções produtivas (Beattie e Thompson, 1989).
A preparação de um novo ciclo produtivo se inicia com o manejo pré-
encarneiramento. Os ganhos de peso e a taxa de ovulação aumentam com a
oferta de forragem e a massa de forragem presente no potreiro de acordo
com uma série de relações curvilineares (Figura 5).
Figura 5. Efeito de ofertas (1 a 5 kg de MS verde/ovelha/dia) e massas
de forragem (500 a 2500 kg de MS verde/ha) para ovelhas no ganho de peso, consumo, taxas de ovulação e de desmame (Rattray et al., 1987). Altas ofertas de forragem não são suficientes quando oferecidas em situações de pastagens rapadas (pouca massa).
Ovelhas que, no momento do encarneiramento, estejam ganhando peso
aumentam a taxa de ovulação e a conseqüência é um maior número de cordeiros
Ganh
o de
pes
o (g
/ove
lha/
dia)
Taxa
de
ovulaç
ão (óv
ulos
/ove
lha)
Consumo (kg M
S/ovelha/dia)
Cordeiros desmam
ados/ovelha
Ofertas de forragem (kg MS verde/ovelha/dia)
24
desmamados por ovelha. Observa-se na Figura 5 a necessidade de,
aproximadamente, 4 kg de matéria verde seca/ovelha/dia neste período, e que
a pastagem tenha uma massa de forragem verde elevada para permitir que a
ovelha possa colher aquilo que lhe é colocado em oferta. Pastagens rapadas com
pouca massa (baixa altura) limitam a ingestão mesmo em altas ofertas pelos
mecanismos descritos no item 2.
Os 2/3 iniciais do período da gestação são caracterizados por um
período de baixa exigência, onde o crescimento do feto é desprezível (em
massa), e onde o consumo se situa na faixa de 1 kg de MS/ovelha/dia. Ofertas
de forragem da ordem de 1,3 kg de MS/ovelha/dia são mais que suficientes
para que as ovelhas atinjam este nível de ingestão. Uma ovelha nesta fase pode
perder até 5% do seu peso vivo, sem representar prejuízo ao peso do cordeiro
ao nascer (Beattie e Thompson (1989).
O 1/3 final da gestação se caracteriza por um aumento da exigência da
ovelha. Os ganhos de peso (ovelha+feto) não aumentam em ofertas de
forragem superiores a 4 Kg de MS/ovelha/dia (Rattray et al., 1987). Massas
de forragem abaixo de 1000 kg de MS/ha limitam o ganho de peso nesta fase.
Beattie e Thompson (1989) recomendam ofertas de forragem da ordem de 1,4
e 2,3 kg de matéria verde seca/dia, respectivamente para gestação simples e
25
dupla, com níveis de ingestão pretendidos de 1,13 e 1,8 kg de matéria verde
seca/dia.
O peso do cordeiro ao nascer é determinado durante o 1/3 final da
gestação e é este peso que é de extrema importância na maior ou menor
ocorrência de mortalidade perinatal dos cordeiros. O aumento do peso ao
nascer de 3,0 para 3,5 kg aumentam as chances de sobrevivência do cordeiro
em aproximadamente 20%.
O cordeiro ao pé da mãe
Com a parição da ovelha inicia-se o grande desafio da produção de
cordeiros. Trata-se de um período da mais alta exigência, onde a ingestão de
forragem da ovelha é 2,5 vezes maior do que o exigido na fase de manutenção.
O objetivo deve ser o de maximizar todo o processo, permitindo que os
cordeiros expressem máximo ganho de peso.
A primeira fase é aquela na qual o desempenho do cordeiro é
diretamente dependente do leite fornecido pela mãe e estende-se até
aproximadamente seis semanas pós-parto. Nessa fase, ganhos de peso entre
300 e 350g/dia são plenamente possíveis de serem atingidos e atestam o
26
incomparável potencial que os cordeiros têm de ganhar peso, com índices de
conversão de alimento comparáveis aos melhores sistemas de produção com
monogástricos. A relação entre oferta de forragem e produção de leite é a
mesma de outras funções produtivas (Figura 6).
Figura 6. Relação entre oferta de forragem e produção de leite em ovelhas de parto duplo, com ( ) ou sem ( ) perda de peso durante a gestação (Geenty e Sykes, 1986).
Cada 6-7 litros de leite ingeridos são convertidos em 1 kg de ganho de
peso (Scott et al., s.d.). A ingestão de forragem dos cordeiros então começa a
aumentar exponencialmente e a participação do leite no ganho de peso diminui
de importância, particularmente quando os cordeiros atingem 12 semanas de
Prod
ução
de
leite
(kg/
ovelha
/dia)
Ofertas de forragem (kg MS/ovelha/dia)
27
vida. Ganhos de peso nessa fase, em geral, diminuem, atingindo 200 a 250
g/dia. No entanto, embora a contribuição do leite seja pequena em termos
absolutos, em termos relativos ainda é muito importante. Em cordeiros de 25
kg o leite ainda é responsável por 25% da energia ingerida (Geenty e Sykes,
1986). Além disto, cordeiros nesta fase ao pé da mãe têm baixa exigência
energética para manutenção e alta exigência em aminoácidos, pois a composição
do ganho de peso é basicamente derivada da deposição de proteína. O leite tem
alta relação aminoácido/energia metabolizável e a sua alta densidade e
acessibilidade pelo cordeiro asseguram o atendimento dos requerimentos e a
manutenção de altas taxas de ganho. A privação desta importantíssima fonte
de nutrientes, como por exemplo em desmames antecipados, é mais do que um
simples desafio nutricional para aquele que deve, então, substituí-lo por uma
outra fonte alimentar.
Ofertas de forragem da ordem de 5-8 kg de MS/ovelha/dia são
necessários para a ovelha e seu cordeiro enquanto permanecerem juntos.
Logicamente, há uma variação nas exigências nessa fase, onde as exigências da
ovelha diminuem e as do cordeiro aumentam (Tabela 1).
28
Tabela 1. Ofertas de forragem para ovelhas com parto simples ou duplo em relação às exigências de ovelhas e cordeiros para altos níveis de produção no período de lactação (Geenty, 1986).
Parto simples Parto duplo
Mês de lactação 1 2 3 1 2 3
Produção de leite (kg/dia)
2,0 1,5 1,0 3,0 2,5 1,5
Consumo da ovelha
(kg de MS/dia)
2,0 1,7 1,5 2,8 2,5 2,0
Consumo do cordeiro
(kg de MS/dia)
0,34 0,90 1,20 0,20 0,42 0,75
Consumo ovelha+cordeiro
(kg MS/dia)
2,34 2,60 2,70 3,20 3,34 3,50
Oferta de forragem
(kg de MS/dia)
5,0 6,0 7,0 6,0 7,0 8,0
Os cordeiros quadruplicam a ingestão de forragem entre o 1o e o 3o
meses de vida e esta necessidade é raramente prevista no manejo da
pastagem. A consequência mais comum é um decréscimo no ritmo de
crescimento do cordeiro pela sua incapacidade de competir com a ovelha pela
forragem. Os “erros” de manejo associados à insuficiente oferta de forragem
para a ovelha e sua cria têm, pois, efeitos distintos sobre o cordeiro segundo a
sua dependência da pastagem (Figura 7).
29
Oferta de forragem (g MO/ovelha/dia)
Gan
ho d
e pe
so (g
/dia
)
Figura 7. Efeito da oferta de forragem para ovelhas no ganho de peso dos
cordeiros nos 1o ( ), 2 o (∆) e 3 o ( ) meses de lactação (Penning et al., 1986).
Baixas ofertas de forragem no primeiro mês de lactação são de alguma
forma sobrepujadas pela ovelha através do uso de sua reserva corporal e os
ganhos de peso dos cordeiros não são muito afetados. O efeito negativo de
baixas ofertas de forragem aumenta à medida em que o manejo incorreto
torna mãe e filho competidores pelo mesmo alimento. No terceiro mês de
lactação, onde os cordeiros já se tornaram efetivamente ruminantes e onde a
participação da pastagem na dieta é grande, baixas ofertas de forragem
limitam a ingestão dos cordeiros em detrimento das ovelhas, mais experientes
30
no pastejo, e o custo é o baixo desempenho dos primeiros. De forma errônea,
muitas vezes este baixo desempenho é associado ao início de infestação
parasitária.
O manejo das pastagens nessa fase, então, é fundamental no sucesso da
exploração ovina. No entanto, é nela que vemos freqüentemente erros de
manejo grosseiros, a ponto de vários técnicos entenderem que a única forma de
lidar com o desafio do crescimento do cordeiro seja o de realizá-lo em
confinamento. Assume-se o “papel de mãe”, desmama-se o cordeiro quando se
imagina que tenha capacidade de ruminante e nossa arrogância, mais uma vez,
nos faz seguir pelo caminho que acreditamos ser o mais “fácil” . Scott et al.
(s.d.) entendem que desmames antes de 14-16 semanas só em casos muito
especiais, pois normalmente penalizam o cordeiro com uma perda de 1-2 kg de
peso vivo ao longo do terceiro mês de vida (para desmames com 8 semanas),
perda esta que pode atingir ocasionalmente 4-5 kg.
Nos mercados, a exemplo do incipiente mercado brasileiro, onde o
consumidor prefere carcaças pequenas, entre 12 e 16 kg, é plenamente possível
que o cordeiro atinja 30 a 35 kg de peso aos 4 meses de idade, ao pé da mãe,
numa situação onde se desmamaria “direto para o caminhão”. O planejamento
adequado das pastagens associado a cuidados preventivos de combate à
31
verminose neste ciclo de 4-5 meses é muito mais simples que a interrupção da
relação mãe-filho e o desafio de se assumir este papel. Ao contrário de
sistemas de exploração de bovinos, onde esta prática pode beneficiar os
índices reprodutivos, não se trata do mesmo processo no sistema com ovinos,
onde há tempo mais que suficiente para recuperação da ovelha.
Recria
Em casos extremos, onde não haja alimento suficiente para a ovelha e
seu cordeiro, ou em situações de desmame normal com cordeiras, segue-se um
período onde temos os animais num período pós-desmama. Este é caracterizado
por queda acentuada de desempenho, fruto do estresse da desmama e da
inexperiência no pastejo, agravado pelo fato de, normalmente, deslocarmos os
cordeiros para um outro potreiro, e não o inverso, sob argumento de infestação
parasitária. No entanto, há alternativas de manejo para isto e a própria ovelha
pode ser utilizada para “limpar” a área infestada (Vipond, 1999). Pastejo misto
nesta fase também pode ser uma prática interessante (Carvalho e Rodrigues,
1997), permitindo ao animal jovem permanecer em área já conhecida.
32
A Tabela 2 demonstra a eficiência desta fase em diferentes ritmos de
crescimento do cordeiro.
Tabela 2. Exigências nutricionais e eficiência de cordeiros em diferentes ritmos de crescimento do desmame (30 kg) ao abate (40 kg) (Vipond, 1999).
Exigências
Taxa de crescimento (g/dia)
Dias para terminação
Por dia (kg) Total (kg)
100 100 1,0 100
200 50 1,4 70
300 33 1,7 55
Observa-se pela Tabela que ritmos modestos de crescimento são
extremamente ineficientes e muito da forragem ingerida é utilizada em
processos não produtivos. Um animal com crescimento lento, seja por uma
baixa oferta de forragem, seja pela oferta de uma forragem de qualidade
insuficiente, utiliza duas vezes mais alimento que um outro cordeiro cujo
potencial não esteja sendo, de alguma forma, limitado. Além disto, um menor
ritmo de crescimento significa mais tempo para se chegar a um mesmo peso ao
abate ou encarneiramento, aumentando o tempo de permanência do
cordeiro na propriedade , com conseqüente dispêndio de mão-de-obra,
insumos e risco de mortalidade.
33
A oferta de forragem que maximiza o desempenho dos cordeiros é de
quatro vezes superior ao seu nível de ingestão potencial (Gibb e Treacher,
1976). Isto significa que para um cordeiro conseguir preencher a sua
capacidade de consumo é necessário oferecer quatro vezes mais aquilo que
efetivamente ele vai consumir ! Em trabalho pioneiro no país, Canto et al.
(1999) trabalharam com diferentes massas de forragem para a terminação de
cordeiros e observaram uma relação linear entre a oferta de forragem e os
ganhos por animal. Os máximos ganhos de peso obtidos foram da ordem de 122
gramas/dia e a linearidade da resposta indicou que o potencial máximo de
ganho de peso dos animais esteve longe de ser atingido com os níveis de oferta
de forragem utilizados (massas de forragem não superiores a 2500 kg de
MS/ha). Os ganhos por hectare do melhor tratamento atingiram 500 kg de
peso vivo/ha, obtidos em apenas 70 dias de pastejo, o que permite atestar o
fantástico potencial de rentabilidade do uso de pastagens com cordeiros.
A produção de cordeiros é uma arte e uma “corrida contra o relógio”. A
sua incomparável capacidade de converter alimento em ganho de peso nos
desafia continuamente. O crescimento abaixo do seu potencial significa
aumento de custo, de permanência na propriedade e risco permanente de
perdê-lo.
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5. Conclusões
As ações que conhecemos por manejo num sistema de produção ovina são
uma visão moderna das antigas relações predador/presa de nosso passado.
Continuamos a encenar os papéis que nos foram delegados pela natureza e seu
processo evolutivo, porém, o cenário destas relações mudou profundamente nos
dias atuais e hoje manipulamos o processo de colheita de forragem através,
por exemplo, da escolha da quantidade de forragem em oferta ou do método de
pastejo. Entretanto, este manejo exige profundo conhecimento das relações
planta-animal. Plantas e animais têm, cada um, suas exigências particulares que,
de certa forma, são antagônicas. As plantas necessitam de área foliar para
crescer e os animais requerem ingestão de folhas para desempenharem suas
funções produtivas. Estas relações são complexas e, por isto, observamos
tantos técnicos declinarem deste desafio, optando por sistemas mais simples,
porém, invariavelmente mais caros.
A pastagem é capaz de produzir cordeiros de alta qualidade e de forma
barata. Para isto é fundamental partir de espécies forrageiras de alto valor
nutritivo e trabalhar com ofertas de forragem adequadas às demandas dos
animais nas suas diferentes fases. O pasto excessivamente baixo e rapado
35
compromete a produção animal e a sustentabilidade da pastagem. A quantidade
de forragem em oferta para o animal é a principal determinante da
produtividade do sistema, mais do que os métodos de pastejo ou raças, para
citar alguns exemplos. A afirmação de que ovelha gosta de pasto baixo é um
sério entrave a esta filosofia de produção.
A sociedade está despertando de um longo período de impassividade e
começa a demonstrar sinais de intolerância e preocupação quanto à qualidade
do produto que estão consumindo e quanto à qualidade do seu processo
produtivo. A sociedade moderna começa a questionar o “produzir a qualquer
preço” e exemplos disto estão por toda parte. O respeito ao ambiente e ao
bem-estar animal estão começando a impor condições de mercado. Os
conhecimentos do comportamento dos ovinos e do processo de pastejo
(pastejar é sua vocação como herbívoro) nos permite produzir cordeiros de
forma condizente com os modernos processos de produção, respeitando o
animal e suas características. Nos permite também criar ambientes adequados,
através do manejo, a estas novas exigências. Não é sem razão que a produção
em pastagem, em nível mundial, está na moda e os países ditos desenvolvidos
experimentam uma certa “extensificação” dos sistemas de produção.
36
Por último, há muito o que se fazer em pesquisa com relação à produção
ovina. Ainda há muito o que aprender e um longo caminho a percorrer. Trata-se
de uma atividade fascinante, assim como fascinante é o desafio de
compreendê-la.
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