manejo de ecossistemas por pescadores: o conhecimento ... · problemas e conflitos ambientais ......
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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013
Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar
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Manejo de ecossistemas por pescadores: o conhecimento etnoecológico
garante a participação?
Alexandre Ferreira Lopes Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto Três Rios
Departamento de Ciências Administrativas e do Ambiente
Reinaldo Luiz Bozelli Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia
Departamento de Ecologia, Laboratório de Limnologia
Resumo:
Os pescadores historicamente acumularam conhecimentos importantes para a
manutenção de sua prática, que em suma representa os primórdios do manejo da lagoa
de Saquarema. Atualmente a gestão da lagoa não é atribuída a esse grupo e está ligada a
um espaço coletivo de participação. Esta pesquisa teve o objetivo de compreender as
relações estabelecidas entre os atores sociais envolvidos no manejo desta lagoa, bem
como verificar se o nível de conhecimento dos pescadores sobre a lagoa é proporcional
à participação destes nas decisões sobre o manejo. Os resultados mostraram que o
conhecimento dos pescadores, demonstra correspondência em vários aspectos com
estudos científicos por intermédio da abordagem etnoecológica. A participação dos
pescadores no manejo da lagoa está em processo, mas ainda é discreta. Deve-se buscar o
fortalecimento pelos próprios pescadores e por órgãos que apresentem a esses as formas
e instrumentos para o controle social e a valorização cultural.
Palavras-chave: Pescadores, Participação, Etnoconhecimento.
Abstract:
The fishermen have accumulated over the years important knowledge to maintain their
practice, which represents the beginnings of management of Saquarema lagoon.
Nowadays the lagoon management is performed by a collective. This research aimed to
understand the relationship between the social actors involved in managing this lagoon,
as well as verify that the level of knowledge of fishermen is proportional to their
participation in decisions about the management. The results reveal that fishermen's
knowledge, shows in correspondence with various aspects scientific studies through
ethnoecological approach. The participation of fishermen in the management of the
lagoon is in process, but it stills superficial. To increase the fishermen participation they
have to reach that by themselves and by organizations that come up with these forms
and instruments for social control and cultural appreciation.
Keywords: Fishermen, Participation and Ethnoknowledge.
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Introdução
Problemas e conflitos ambientais
Historicamente, os seres humanos estabelecem relações sociais e por meio delas
atribuem significados à natureza (econômico, estético, sagrado, lúdico, entre outros) e
agem sobre o meio físico-natural instituindo práticas e, alterando suas propriedades,
garantem a reprodução social de sua existência. Essas relações (dos seres humanos entre
si e com o meio físico-natural) ocorrem nas diferentes esferas da vida societária
(econômica, política, religiosa, jurídica, afetiva, étnica, etc.) e assumem características
específicas decorrentes dos contextos sociais e histórico onde acontecem (Quintas,
2007). Somado a isso, quando nos defrontamos com a problemática ambiental,
verificamos quanto a nossa herança filosófica e científica é limitada, apesar da crença
em contrário. Hoje sabemos que a problemática ambiental não é exclusivamente natural
ou exclusivamente social ou cultural. O profundo fosso estabelecido entre as chamadas
ciências humanas e as da natureza mostra todo seu limite. A reflexão acerca da questão
ambiental requer contribuição de ambas, uma vez que nenhuma das ciências, mesmo
com todo o conhecimento que acumulou, dá conta da questão ambiental (Porto-
Gonçalves, 2002). Dessa maneira, ao agirem sobre um mesmo local, recurso, ou no caso
um ecossistema os atores têm diferentes compreensões de quais devem ser os
encaminhamentos para o mesmo e são nestas discordâncias que surgem os “conflitos
ambientais”.
A pesca artesanal
A pesca artesanal pode ser definida como sendo aquela em que os pescadores
autônomos, sozinhos ou em parcerias, participam diretamente da captura, usando
instrumentos relativamente simples, onde a remuneração é feita pelo sistema de
“partes”, sendo o produto destinado preponderantemente ao mercado. Da pesca retiram
a maior parte de sua renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades
complementares (Diegues, 1988). Os pescadores de lagoa podem ser considerados como
populações tradicionais, de acordo com algumas características propostas por Diegues
& Nogara (1994). Entre os estudos realizados com populações tradicionais, destacamos
aqueles ligados as etnociências, cujos objetivos são: compreender como esses grupos
sistematizam seus conhecimentos e se tais conhecimentos podem ser válidos para ações
de manejo dos ecossistemas em que vivem. Outra abordagem, que contribui para a
discussão, é a sociologia ambiental, que discute a validade de outras formas de
conhecimento além dos científicos e a participação de populações em questões de
manejo. Essas linhas de pesquisa possuem abordagens e origens distintas, mas podem
ser complementares.
A Lagoa de Saquarema
A lagoa de Saquarema possui uma área superficial de 21,2 km² com uma
profundidade média de 1,15 m e é composta por quatro compartimentos (Mombaça,
Jardim, Boqueirão e lagoa de Fora). A bacia de drenagem possui 215 km² (Wasserman,
2000) e está localizada próxima ao mar, separada por uma barra de areia, no município
de Saquarema. A história da lagoa está diretamente ligada ao município de Saquarema,
que tinha como principais atividades econômicas até a década de 60 a pesca, a
agricultura e a citricultura. A mudança desse quadro pode ser atribuída pela conclusão
da obra da Ponte Rio-Niterói que potencializou a vocação de Saquarema para o
veraneio. Esta mudança gerou um pulso imobiliário que provocou mudanças
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importantes na paisagem do entorno da lagoa, passando a abrigar residências que por
sua vez despejam esgoto in natura nesse ecossistema, além do restante do esgoto de
outros distritos que também são levados principalmente à lagoa de Fora (Azevedo,
2005).
A solução paliativa para esse problema ambiental em lagoas costeiras, em geral
é a realização de uma ligação direta entre a lagoa e o mar para escoar a água poluída da
lagoa e permitir a entrada de água do mar. Tal intervenção é chamada de Abertura de
barra. Sobre a questão esta questão, Knoppers et al. (1999) afirmam que até 1920 havia
uma abertura permanente da barra mantida pelos pescadores. A abertura se tornou rara e
a lagoa passou a exibir períodos sem comunicação com o mar e as aberturas passaram a
depender basicamente do regime pluviométrico que nas estações chuvosas, geravam
pressão na barra provocando aberturas. Esse fato é ressaltado no documento do
Consórcio Intermunicipal Lagos São João:
A lagoa de Saquarema abria periodicamente sua barra junto ao Morro do
Nazareth, nos locais conhecidos como “Barra Nova” e “Barra Velha”. O
relatório do DNOS, escrito em 1934, cita que “na época das grandes chuvas, que
tombam das serras que lhe ficam ao norte, transborda, alargando as margens”. A
abertura era um processo natural que ocorria nos períodos de fortes chuvas,
quando a elevação do nível da água aumentava a pressão sobre a faixa de areia
que acabava cedendo. As correntes de marés mantinham a barra aberta por um
período relativamente curto. O funcionamento da abertura da barra teve seu
equilíbrio rompido e nos últimos anos apenas com o emprego de máquinas isto
era possível. As águas do mar, ao entrarem para lagoa de Fora pelo canal
efêmero, rapidamente misturavam-se com as águas da lagoa. (CILSJ, 2009a)
Essas mudanças provocaram alterações em aspectos físicos, variáveis abióticas e
comunidades biológicas levando a Serla (Superintendência Estadual de Rios e Lagos) a
propor e a iniciar as obras em 2004, juntamente com a prefeitura do município, para a
abertura permanente da barra da lagoa de Saquarema, conhecida como a Barra Franca.
Nesse contexto, esta pesquisa teve o objetivo de compreender as relações estabelecidas
entre os atores sociais envolvidos no manejo desta lagoa, bem como verificar se o nível
de conhecimento dos pescadores em relação ao funcionamento deste ecossistema é
proporcional à participação deste grupo nas decisões sobre o manejo.
Metodologia
Esta pesquisa foi realizada em duas fases, a primeira consistiu em caracterizar a
lagoa de Saquarema e expor as relações dos usuários da mesma, em torno do problema
ambiental destacado, a abertura permanente da barra, para tal, foi utilizada a
metodologia de estudo de caso, proposto por Quintas (2005). A segunda etapa da
pesquisa consistiu na investigação sobre o conhecimento construído pelos pescadores
em relação a esta lagoa, bem como, a investigação sobre o nível de participação dos
mesmos nas decisões sobre as questões ambientais relacionadas a esse ecossistema, para
isso, foram realizadas entrevistas semiestruturas com pescadores da colônia Z 24.
Ambos os procedimentos estão detalhados a seguir:
Estudo de Caso
A caracterização dos atores sociais e suas relações e influências perante o
conflito ambiental “aberturas de barra” nas lagoas foi realizado de acordo com a
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proposta de “Estudo de Caso” (Quintas, 2005; 2007). Com isso, como proposto por este
autor, foram realizadas visitas, entrevistas e pesquisa documental (documentos oficiais
e/ou repercussão na imprensa) na região a estudada. Desse modo, visitas e entrevistas
foram realizadas de forma sistemática, ao longo do desenvolvimento desta pesquisa,
possibilitando acompanhar reuniões ordinárias e extraordinárias de espaços coletivos
relacionados à lagoa. Durante todos esses eventos foram produzidos diários de campo e
realizadas entrevistas livres (Mello, 1995), que se caracterizam por momentos de
conversa informais, que além de informações, geraram subsídios para a formulação do
roteiro de perguntas utilizado com pescadores na segunda fase das entrevistas, bem
como, foram essenciais para a escolha dos entrevistados.
As pesquisas documentais sobre a lagoa de Saquarema concentraram-se no
Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental da Barra Franca da
lagoa de Saquarema, somados a notas na imprensa e documentos do comitê de bacias.
Os atores sociais envolvidos diretamente foram identificados e agrupados de
acordo com sua origem institucional (estatal e não-estatal) e posteriormente
classificados segundo sua posição quanto à destinação do bem natural (cada uma das
lagoas) e a conduta de cada um desses frente ao conflito (as aberturas ou não da barra),
montando um quadro de representações. Para os quadros foram considerados somente
os atores principais envolvidos com a questão da abertura de barra; os demais foram
mencionados, mas não foi elaborada a descrição sobre posição e conduta.
Investigação sobre o conhecimento dos pescadores e o nível de participação
A obtenção dos dados que subsidiam a discussão desta etapa foi realizada
considerando os aspectos da pesquisa qualitativa, que consiste em um conjunto de
práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Para a obtenção dos
dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas, que apesar de apresentarem um
roteiro direcionado, permitem entre as perguntas o surgimento de informações
adicionais espontâneas (Mello, 1995). O tempo total de cada entrevista variou de 30 a
70 minutos, variando de acordo com a disposição de cada entrevistado para falar. As
entrevistas foram gravadas, totalizando 10 horas de gravação, as quais estão
armazenadas nos arquivos do laboratório de Limnologia de Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
O contato com os pescadores foi iniciado a partir de um primeiro contato com o
então presidente da Colônia de Pescadores Z 24. Posteriormente foram entrevistados
mais dois, indicados por outros pescadores da Colônia, por serem mais experientes na
opinião deles, e por fim mais cinco, indicados pelos dois anteriores, totalizando oito
pescadores. Esse número é semelhante ao alcançado por Costa-Neto et al. (2002);
Costa-Neto (2000) e Begossi (2006) em pesquisas etnoictiológicas.
As gravações foram analisadas, considerando aspectos estritamente qualitativos,
por meio da interpretação do discurso dos entrevistados, buscando, sempre que possível,
justapor o modelo percebido (conhecimento etnoecológico) ao modelo operacional
(conhecimento científico) (Mourão & Nordi, 2003). Os pescadores entrevistados
tiveram sua identidade preservada. Dessa maneira, os pescadores foram identificados
com códigos no qual, a letra inicial representa a lagoa em que os mesmos atuam,
seguida de um número, relacionado à ordem das entrevistas. Com isso, os pescadores
serão indicados da seguinte maneira: S1, S2, S3, S4, S5, S6, S7 e S8;
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Resultados e discussão
A lagoa e os atores sociais envolvidos na abertura de barra: Estudo de Caso
Os pescadores apoiavam a perenização do canal proposta pelo poder público,
mas apresentaram descontentamento com a forma com que esse seria feito. Após a
execução da obra surgiram outros questionamentos como é possível observar na matéria
divulgada na imprensa local em 2006. Nessa matéria consta a divulgação de uma
denúncia feita junto ao Ministério Público pelo Instituto Lagoa Prateada, e à divulgação
da formação do “Comitê Salve a Lagoa” com cerca de dez entidades contanto com
ambientalistas, surfistas e políticos que promoveu uma manifestação contra a obra. De
acordo com a matéria, a denúncia do Instituto Lagoa Prateada dizia: “Em nenhum
momento, esta obra foi ecologicamente viável, socialmente justa, desenvolvida em
bases seguras, visando harmonizar os interesses nesta sociedade.” (Pinto, 2006). Sobre a
formação do Comitê Salve a Lagoa a matéria informava:
“Uma coisa é que o que foi apresentado, outra é o que foi feito”, diz sua
assessora de Meio Ambiente, Alba Simon, para quem a Barra Franca é
equivocada. “O EIA/Rima foi feito em dois meses, com levantamentos
secundários, totalmente imprecisos quanto aos resultados da obra”, analisa ela.
"É superficial, com incertezas científicas, o que não poderia jamais acontecer
num empreendimento dessa magnitude", completa Alba, lembrando que o rio
Bacaxá ainda leva para a lagoa uma “quantidade enorme de esgotos”. Ou seja,
um investimento basilar em saneamento não foi concretizado. A Fundação
Superintendência Estadual de Rios e Lagoas – Serla, órgão gestor dos recursos
hídricos do Estado do Rio de Janeiro, afirma, por intermédio de sua Assessoria
de Comunicação, não ter conhecimento de qualquer manifestação ou de erro na
obra do canal da Barra Franca, “que tem aprovação unânime da comunidade.”
(Pinto, 2006)
Por outro lado, Azevedo (2005) afirma que o insucesso da efetivação da Barra
Franca tem sua razão ligada à execução da obra e não à proposta original contida no
EIA. “Em relação à Barra Franca, estava prevista a construção de um piso de 3 metros
de largura no topo do guia correntes que serviria como local para passeios e pescaria. O
guia corrente seguiria o contorno do costão rochoso existente, de maneira que o canal
formado tivesse largura de 80 m. Esta conformação objetivava modificar o menos
possível a forma da costa. A construção do guia correntes era essencial para duas
funções: 1) assegurar a estabilidade hidráulico-sedimentológica do canal da barra e 2)
funcionar como molhe de proteção, garantindo que durante as ressacas não houvesse
propagação de ondas de grande energia para o recinto interno, evitando danos à cidade
de Saquarema. A dragagem do novo canal proporcionaria uma área hidráulica mínima
de 160 m2. Infelizmente, o guia correntes foi construído menor que o previsto.
(Azevedo, 2005)
Com essas informações contraditórias percebemos a complexidade da proposta e
das relações estabelecidas entre os atores e, nesse momento, resgatamos o objetivo
primordial deste trabalho, revelar os principais atores e suas relações. Posteriormente a
esses eventos, obtivemos, em visitas à Colônia Z24 e a partir da leitura de atas de
reuniões do Subcomitê da Bacia Hidrográfica da Lagoa de Saquarema (CILSJ, 2009b),
a informação de que atualmente a obra está sendo revista no sentido de promover a
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correção da primeira intervenção. A partir dessas informações formamos o quadro 1 que
demonstra como se estabelece o conflito entre os principais atores levantados:
Quadro 1: Atores sociais envolvidos com a abertura permanente da barra da lagoa Saquarema
Atores sociais Origem Posição quanto à abertura Conduta
Colônia de Pescadores Z24 Sociedade civil Defensor do uso do bem
natural para subsistência Contestadora
Instituto Lagoa Prateada Sociedade civil
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Contestadora
Comitê Salve a Lagoa Sociedade civil
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Contestadora
Ministério Público Público
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Investigadora
Prefeitura Municipal de Saquarema Público
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Geradora
Serla – Superintendência Estadual de
Rios e Lagos Público
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Geradora
Corpo técnico do EIA Privado
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Geradora
Subcomitê da Bacia Hidrográfica da
Lagoa de Saquarema Público
Defensor da destinação do
bem natural para uso
comum
Mediadora
Cabe ressaltar que, tanto nas visitas ao município quanto na pesquisa
documental, a obra da Barra Franca não apresentava grande resistência, o ponto crucial
da contestação centrava-se na condução da apreciação da proposta pela população.
Além disso, alguns pescadores explicaram que a contestação era principalmente
relacionada ao modo com que a obra estava sendo realizada, segundo eles, haveria outra
maneira de realizá-la de modo a produzir melhores resultados relacionados à pesca.
O caso analisado fez referência a um episódio pontual, mas extremamente
relevante, uma vez que, a mudança sugerida leva a alteração considerável da dinâmica
do ecossistema, e como visto, apesar de acreditarem haver outra possibilidade de
realizar a obra, esta não foi analisada, mas ao observar o quadro 1, percebemos quão era
frágil a posição contrária frente ao grupo formado por atores sociais das esferas
municipais, estaduais e pelo corpo técnico da obra.
O conhecimento dos pescadores sobre a lagoa e sua relevância para o
manejo
Algumas características da pesca e dos pescadores
Segundo dados obtidos durante as entrevistas, na Colônia Z 24 atualmente são
300 pescadores com alguma atividade ligada à lagoa. O grupo de pescadores
entrevistados tem como características em comum a pesca em lagoas costeiras e a
experiência com eventos de abertura de barra. Esses pescadores apresentam idade entre
40 e 82 anos e experiência na atividade pesqueira que varia entre 10 e 54 anos.
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Conhecimento Etnoecológico dos pescadores
Os pescadores demonstraram conhecimento de uma série de informações a
respeito da ecologia da lagoa. Esse conhecimento foi construído principalmente pelas
práticas que a atividade pesqueira proporciona e dessa forma se diferencia do
conhecimento científico no que diz respeito a sua origem e critérios de validação.
Diante disso, e baseados em uma abordagem etnoecológica (Diegues, 2002),
apresentamos o conjunto de conhecimentos dos pescadores e discutimos suas
similaridades e divergências com o conhecimento científico disponível.
Sincronia entre as aberturas e a reprodução marinha
O conhecimento dos pescadores sobre o ciclo de vida dos peixes estuarinos
aponta para outros conceitos complexos destacados na literatura científica, como o
relatado por Harrison & Whitfield (1995) que descrevem a sincronização do ciclo
reprodutivo de espécies de peixes com aberturas sazonais de barras de areia. Nos
trechos a seguir, dois pescadores ressaltam a importância da abertura da barra,
justificando-a para além da questão pluviométrica. Nesse caso, os pescadores descrevem
a importância da abertura ser realizada no momento de reprodução das espécies
marinhas que colonizam a lagoa. Sem mencionar o período do ano, o pescador S3
destaca a importância da abertura associada à reprodução dos peixes.
O que acontecia, abria na época da Tainha que dava muita coisa, no
começo eu tinha uns 18, 20 anos e tinha muita raça de peixe. O que acontecia, o
peixe ficava preso e o mar via em cima e tapava. Nós pescava oito meses um
ano direto aqui dentro e dava muito Acará, muita Traíra, a criação toda que
entrava, criava e ficava pro povo se manter. S3
Utilizando-se de uma metáfora, que segundo Berkes et al. (1998) é um recurso
comum entre os representantes do conhecimento tradicional, o pescador se refere à
abertura de barra como “piracema”. Como a maioria dos peixes marinhos da lagoa não
completam o seu ciclo de vida nesse ecossistema, esse pescador associa o período de
reprodução dos peixes marinhos ao período de reprodução para a lagoa. Considera a
importância para a lagoa dessa interação com o ambiente marinho na época de
reprodução dos peixes. Em outras palavras, no seu entendimento, o período de
reprodução das espécies marinhas é também o período de recrutamento das lagoas.
Aspectos físico-químicos da água
Os peixes marinhos representam o foco principal dos pescadores, mas eles
também demonstram compreensão sobre outros aspectos relacionados ao ecossistema
como um todo, com relação às mudanças físicas e químicas das lagoas destacam-se os
trechos a seguir a respeito da salinidade:
Aqui nesse primeiro lago está com 35 de grau de salinidade.
Praticamente 35, igual ao mar. No Boqueirão, 30, a última pesquisa que nós
fizemos, e lá na ponta do urubu, lá na Mombaça tá 25. Faltam 10 pra chegar a
salinidade igual a do mar. S1
Hoje ela tá mais salgada, tá com mais salina. S2
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Nos dois trechos os pescadores fazem referência à lagoa de Saquarema. O
pescador S1 menciona dados de salinidade que são corroborados por Wasserman (2000)
e Azevedo (2005). O primeiro autor demonstrou que as lagoas mais interiores
(Boqueirão e Mombaça) do complexo lagunar de Saquarema apresentam valores de
salinidade inferiores aos observados na lagoa de Fora e a segunda, afirma que após a
abertura permanente da barra a salinidade apresentada na lagoa de Fora tem valores
muito próximos ao oceano.
Conhecimento histórico da lagoa
Com relação às atividades anteriores na lagoa de Saquarema os pescadores
entrevistados afirmam que a abertura artificial da barra era feita nas épocas de cheia
pelos próprios pescadores, como é possível observar nos trechos a seguir:
A barra nossa era barra de chuva, no passado ela trabalhava com: chovia,
enchia a lagoa, aí tinha os pescadores que viam, ai dá a primeira chuva, da a
segunda. Tinha uns pescadores antigos até para trabalhar isso. Aí ia lá soltava a
água. S1
A gente só abria quando ela enchia demais, que não tinha recurso pra
água. A gente abria na enxada, na pá, pra água escoar. S3
Essas afirmações são semelhantes àquelas mencionadas por Knoppers et al.
(1999).
Desse período que tapava, dava-se muito peixe na lagoa. Porque a
criação ficava sem sair. Aí criava na lagoa. Mas também quando ficava muito
tempo sem seca, aí acabava aquele peixe a lagoa começava a (inaudível). Aí
começaram a jogar esgoto na lagoa, jogar essas coisas. Começou a vir a
mortandades de peixe. Tem até fotos de mortandade de peixe. S1
Questionado se havia algum tipo de paralisação da pesca após a abertura da
barra o pescador S1 respondeu “(...) a gente paralisava, mas era mais organização.
Agora, chegava o mês da Tainha. A gente parava 30 dias. Mas tinha Tainha, juntava
Tainha na boca da barra para entrar. Né, então a gente se programava com os
pescadores. Vamos parar? Vamos! Tem peixe pra entrar. Parava 15 dias, 20 dias”
(S1). A existência de um controle dos pescadores é corroborada por outro pescador,
como descrito nos trechos a seguir:
Quando a barra era governada pelo povo é que era assim, tinha
tranquilidade. Peixe era largado aí dentro. Camarão cinza, ele entrava pra lagoa a
maré fechava, ele crescia, se matava. Eu pesquei muito com meu irmão, de
matar 30, 40 kg, aquilo dava era dinheiro, hoje, o Camarão não vale quinze,
vinte contos. Hoje ele entra, com quinze dias não tem mais nada, porque foi tudo
embora, não cria nada aqui dentro. S3
(...) o peixe não tinha como ir embora. Entendeu bem? Então o que
acontecia, o cara, dava tempo de todo mundo pescar, 4, 5 e 6 meses arrumava
dinheiro, tem gente que tem casa boa lá dentro e vive lá hoje, até lá dentro. Já ta
com idade de cinqüenta e poucos anos. S3
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As modificações mais marcantes na lagoa de Saquarema estão ligadas a questão
sanitária devido à urbanização (Carmouze et al. 2001) e no caso específico dessa lagoa,
também a abertura permanente da barra (Azevedo, 2005). Apesar de alguns relatos
mencionando melhorias nas questões sanitárias e no retorno de algumas espécies,
aumentando a variedade de peixes na lagoa, o argumento contra a abertura permanente
se baseia na não permanência dos indivíduos na lagoa.
A relevância do Etnoconhecimento
O conjunto de conhecimentos apresentado nos itens anteriores, pelo seu valor
histórico, exibe o que podemos chamar de relevância inata, ou como afirmam Berkes et
al. (1995) “por si próprio e pelo valor sociocultural”. Além disso, deve-se levar em
consideração que estes conhecimentos “garantem através de gerações o sustento de
populações humanas através da utilização de recursos naturais” e com um fator
indispensável a essa discussão, muitas das áreas protegidas atualmente, mantiveram-se
conservadas e com alta biodiversidade sendo habitadas e manejadas por populações
tradicionais (Diegues, 2004).
Quando analisados pelo prisma das etnociências, as informações cedidas pelos
pescadores apontam para elevada correspondência com o conhecimento científico, da
mesma maneira que observado em várias regiões do Brasil por Costa-Neto (2000);
Costa-Neto & Marques (2000); Silvano et al. (2006); Costa-Neto et al. (2002); Mourão
& Nordi (2003); Thé (2003); Silvano & Begossi (2005); Rosa et al. (2005); Mourão &
Nordi (2006); Grando (2006); Moura & Marques (2007); Ramires et al. (2007), entre
outros. Este fato confere aos pescadores, segundos esses autores, o status de parceiro
imprescindível no estudo e no manejo dos ecossistemas do qual fazem parte, como
afirmam Berkes et al. (1998).
Na verdade, dentro da etnoecologia, muitos trabalhos já apresentam resultados
práticos não só da qualidade do conhecimento de pescadores e outras populações
tradicionais, mas também do manejo compartilhado, no qual o conhecimento científico
e o tradicional contribuem para o entendimento e manejo de ecossistemas. Begossi
(2008) propõe a formulação de um terceiro sistema de conhecimento a partir da
contribuição do conhecimento científico e tradicional, considerando a partir deste
último, informações sobre a área e usos pelos locais além da ecologia e comportamento
das espécies. Outros autores propõem algo semelhante, como o manejo de fauna e
estudos de populações e ressaltam aspectos em que cada uma das formas de
conhecimento pode contribuir. No caso do conhecimento tradicional, destacam-se as
observações de longo prazo, a incorporação de grandes amostragens e os custos baixos;
já a ciência contribui oferecendo melhores testes das potenciais causas das mudanças
populacionais através de pesquisas em maiores escalas espaciais, quantificação precisa e
avaliação das mudanças onde não há populações tradicionais presentes (Moller et al.
2004). Diante desse quadro, nos reportamos à Gadgil & Berkes (1991) que propõem
repensar e reconstruir uma nova ciência para o manejo de ecossistemas, melhor
adaptada a servir as necessidades da sustentabilidade ecológica e das pessoas que
utilizam os recursos. Para fazer isso, há necessidade de conservar tanto a diversidade
biológica quanto a cultural, que estão juntas, além de conservar a diversidade das
práticas e sistemas de manejo tradicional dos recursos.
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Participação no manejo
Considerando a realidade da lagoa de Saquarema, a participação desses atores,
detentores do conhecimento tradicional, se mostra incipiente, o que reflete a não
legitimação dessa forma de acumulação de conhecimento por parte dos gestores, que
baseiam suas decisões unicamente em resultados produzidos pelo meio científico. Isso
ocorre apesar dos pescadores demonstrarem conhecimentos necessários, histórico de
intervenções, transmissão de conhecimento para seus pares e, uma potencial capacidade
de manejo das lagoas baseados em experiências anteriores. Dessa maneira, apesar de
reconhecermos os importantes resultados e encaminhamentos propostos pelas
etnociências, fica evidenciada a necessidade de discutir a participação dos pescadores
nos espaços decisórios. A constatação da incipiente participação fica em evidência
quando confrontamos as conceituações de “participação” feitas por Loureiro (2004a;
2004b) com alguns relatos dos pescadores.
Participar trata-se de um processo que gera a interação entre diferentes
atores sociais na definição do espaço comum e do destino coletivo. Em tais
interações, ocorrem relações de poder que incidem e se manifestam em níveis
distintos em função dos interesses, valores e percepções dos envolvidos.
Participar é promover a cidadania, entendida como realização do “sujeito
histórico” oprimido. (Loureiro, 2004a).
Participar é compartilhar poder, respeitar o outro, assegurar igualdade na
decisão, propiciar acesso justo aos bens socialmente produzidos, de modo a
garantir a todos a possibilidade de fazer a sua história no planeta, de nos
realizarmos em comunhão. Participação significa o exercício da autonomia com
responsabilidade, com a convicção de que a nossa individualidade se completa
na relação com o outro no mundo, em que a liberdade individual passa pela
liberdade coletiva. (Loureiro, 2004b)
No relato a seguir os pescadores comentam sobre como entendem algumas
decisões relacionadas às aberturas de barra. “Quem tem mais sabedoria que a gente? Eu
não sei.” S3
Essa afirmação revela a posição conflituosa dos pescadores em relação ao
conhecimento científico, e não ao Estado, isto reflete a prática utilizada pelo poder
público para respaldar suas decisões, em outras palavras, o argumento baseado em
dados científicos é o determinante para as ações, o que gerou seguidas exclusões em
processos decisórios. Por outro lado, não há um contentamento com essa situação, o que
há na verdade, é o reconhecimento da importância de sua cultura como geradora de
conhecimento, indicando a busca pela afirmação, que em última instância pode garantir
a participação nas decisões.
Além disso, entendemos que já existe entre as instituições representadas pelos
pescadores envolvidos nesta pesquisa elementos importantes que podem levá-los a
“definição do espaço comum e do destino coletivo” como mencionado por Loureiro
(2004). Isto porque, segundo Guivant & Jacobi (2003) a implementação de práticas
participativas depende, entre outros fatores, de que a população deixe para trás a noção
de que os administradores e peritos sempre conhecem exatamente tudo, ou pelo menos
melhor, sobre o que é recomendável para todos.
Em um processo que se afirme como emancipatório, as relações sociais
se pautam pela igualdade e justiça social, pelo respeito à diversidade cultural,
pela participação e pela autogestão. A prática emancipatória se define pela ação
e construção dialógica com o outro e não pelo outro, para o outro ou sem o
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outro; em que este outro se coloca e, de fato, está em condições igualitárias de
conhecer, falar, se posicionar, decidir e ter o justo acesso ao patrimônio cultural
que a humanidade gerou até aqui (Loureiro, 2007).
Todos os pescadores entrevistados afirmaram terem participado de espaços de
discussão relacionados. Nos relatos a seguir, são dados exemplos de passagens que
caracterizam a participação deles nos espaços e momentos decisórios em relação às
lagoas que reafirmam a distância da proposta de Loureiro (2007). A Colônia Z24
questionou a concepção da obra, mas demonstrou apoio pela perenização do contato da
lagoa com o mar. Porém, seus pescadores quando questionados sobre a participação na
decisão sobre a abertura permanente da barra deixam claro que foi uma decisão da Serla
e município de Saquarema, sem qualquer representação legitimada dos pescadores.
Gostaria que os pescadores fossem pelo menos consultados. S8
Deveríamos ser consultados e participar da decisão. S6
Isso aí não foi feito por pescador. O pessoal quando soube disso aí
ficaram tudo doido porque sabia que ia acontecer isso. S3
Esses relatos fazem menção a não participação dos pescadores na elaboração da
proposta de abertura permanente. Como não houve tal participação, o pescador S3
afirma que na última reunião do Subcomitê de Bacias, antes da decisão final sobre a
obra, pediu a palavra para deixar registrado que não concordava com a proposta, o que
não gerou resultados efetivos e a obra foi feita de acordo com a proposta original.
Posteriormente com a obra já realizada, se discutia a realização de uma nova
obra para retificar a primeira, que de fato não atendeu as necessidades da lagoa como
alertaram os pescadores. A diferença marcante dessa discussão para a anterior foi a
participação dos pescadores, representados pela Colônia Z24. No trecho a seguir, o
representante dos pescadores demonstra a concordância com a abertura permanente,
mas demonstra um ponto de vista que defende a ampla participação em um momento de
decisão como este:
É a proposta foi a prefeitura que fez. Inclusive o engenheiro até daqui. E
eu acho que você pra fazer uma barra franca dessa aqui, com o mar aberto desse
daqui. Não é dizer que a pessoa que venho não é capacitada. (...) Sentar com os
pescadores, até porque quem tá acostumado a fazer encarar esse mar brabo aqui
é o pescador. Pescador que está acostumado, pescador, meu pai sabe se ventar
sudoeste, sabe quando vai dar mar brabo, sabe quando o mar vai subir, quando o
mar vai secar. Sabe quando vai vir água leste, água sul. S1
Se por um lado, há que se exaltar o avanço a credibilidade dada aos pescadores
para corrigir um erro na proposta inicial, há que se questionar o custo de R$
3.000.000,00 (divulgado no RIMA da obra, porém segundo a homepage da prefeitura do
município foram investidos dez milhões de reais) de recursos públicos e o impacto
ambiental gerado para que esse avanço ocorresse. Esse questionamento baseia-se na
possibilidade da primeira tentativa para a consolidação da Barra Franca ter considerado
a opinião dos pescadores, o que poderia ter evitado a correção de uma obra tão
impactante e recente.
Esse ponto de vista converge com algumas reflexões feitas por Morin (2005;
2006) e ganha força por se tratarem de reflexões que discutem não especificamente os
espaços de participação, mas a ciência de um modo mais amplo e sua relação com a
12
verdade e com a certeza do conhecimento. Segundo este autor, é preciso deixar de
sonhar com uma ciência pura, uma ciência libertada de toda ideologia, uma ciência cuja
verdade seria tão absoluta como a verdade “2 + 2 = 4”, isto é, uma ciência “verdadeira”
de uma vez por todas, pelo contrário, é preciso que haja conflitos de ideias, no interior
da ciência, e a ciência comporta ideologia. Acrescentamos às considerações de Morin,
onde ele menciona a necessidade de haver conflitos no interior da ciência, que os
conflitos devem existir, fora delas também, entre cientistas e os “simples cidadãos”
justamente porque a ciência comporta ideologias. Mais uma vez buscamos nas reflexões
Morin, algo que se materializou nos episódios descritos na lagoa de Saquarema. “O
conhecimento é, pois, uma aventura incerta que comporta em si mesma,
permanentemente, o risco de ilusão e de erro. Entretanto, é nas certezas doutrinárias,
dogmáticas e intolerantes que se encontram as piores ilusões; ao contrário, a consciência
do caráter incerto do ato cognitivo constitui a oportunidade de chegar ao conhecimento
pertinente, o que pede exames, verificações e convergência dos indícios”. (Morin,
2006).
Ao tomar decisões baseados em “certezas doutrinárias” as “piores ilusões”
foram reveladas com erros no manejo a serem corrigidos e com a insatisfação de outros
atores envolvidos questionando as decisões tomadas baseadas principalmente no
conhecimento técnico. Diante disso, não só devem ser tomadas decisões, mas também
devem ser restabelecidas as regras e as bases em que se tomam tais decisões: abrindo-se
o diálogo e o processo decisório, fundamentalmente a partir do reconhecimento da
ambiguidade e a ambivalência dos processos sociais como inevitáveis, sem se procurar
soluções definitivas ou rigidamente impostas à população (Guivant & Jacobi, 2003).
Essa proposta de abertura da participação apesar de causar insegurança em alguns
setores da sociedade, não pode ser entendida como algo necessariamente nocivo, pelo
contrário, como afirma Morin (2005) não estamos totalmente desarmados enquanto
dispusermos de fontes contraditórias de informações nesses domínios. Há que saber que
fazemos essas escolhas, mas devemos saber também, nesse momento, que a verdade
normativa, ética, política não é da mesma natureza que a que constata que uma mesa é
uma mesa.
Portanto, para garantir uma participação mais abrangente da sociedade civil na
gestão dos recursos hídricos, faz-se necessária tal desmonopolização do conhecimento
perito. Obviamente, isto significa uma redefinição do papel de poder em que se situam
os peritos em relação aos leigos, e não só um questionamento das relações de poder
econômico ou uma abertura de maior espaço para a sociedade civil nos processos
decisórios. Neste processo requere-se autocrítica do papel convencional que os sistemas
peritos ocupam em relação aos leigos, aceitando que no cotidiano das práticas de
implementação da legislação possam configurar redes sociais diversas para coletar
informações, formar opiniões, legitimar pontos de vista, que inevitavelmente implicam
redefinições das relações de poder (Guivant & Jacobi, 2003).
Propomos uma reflexão sobre os possíveis caminhos que envolvem os três
principais atores mencionados nesta pesquisa: o poder público; os pescadores e; os
cientistas. Para isso, destacamos a proposta de Jacobi (2006) que afirma que a
participação cidadã associada a um projeto de ampliação da esfera pública, depende da
capacidade de cada sociedade para ampliar a institucionalidade e fortalecer a
comunidade cívica.
Desta maneira, de acordo com Quintas (2004) cabe ao Estado criar condições
para transformar o espaço “técnico” da “gestão ambiental” em espaço público. E dessa
13
forma, evitar que os consensos sejam construídos apenas entre atores sociais com
grande visibilidade e influência na sociedade em detrimento de outros, que em muitos
casos são os mais impactados negativamente por atos do próprio poder público. Apesar
de conhecerem profundamente os ecossistemas em que vivem na maioria dos casos, por
não possuírem as capacidades necessárias no campo cognitivo e organizativo, para
intervirem no processo de gestão ambiental, não conseguem fazer valer seus direitos.
Em outras palavras, trazer para o processo decisório todos os atores sociais nele
implicados, como determina a Constituição Federal e não apenas fazer a sua
publicidade. Portanto, trata-se de garantir o controle social da gestão ambiental,
incorporando a participação de amplos setores da sociedade nos processos decisórios
sobre a destinação dos recursos ambientais e, assim, torná-los, além de transparentes, de
melhor qualidade (Quintas, 2004).
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