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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ERIC DE ASSIS SANTOS
Mandados de Criminalização e o Artigo 205 do Código
Penal Militar
Mestrado em Direito Penal
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
ERIC DE ASSIS SANTOS
Mandados de Criminalização e o Artigo 205 do Código
Penal Militar
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito Penal, sob a orientação do Professor
Doutor Dirceu de Mello.
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
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___________________________________
___________________________________
Aos meus pais,
Anjos escolhidos por Deus,
Braços que sempre me sustentaram com
força,
Mãos que me indicaram o caminho a ser
trilhado...
Amor.
RESUMO
O presente trabalho possui como cerne os mandados de criminalização, o
estudo do artigo 205 do Código Penal Militar e a sua relação com a Lei n°8072/90,
explorando todos os aspectos necessários para que sejam realizadas mudanças
objetivando a alteração do rol de crimes hediondos.
A pesquisa foi dividida em oito partes. Primeiramente, fizemos um breve
relato sobre a legislação e a justiça militar no Brasil e no mundo, inserindo a
dissertação na realidade em que encontramos o Direito Militar, isto é, ignorado pelos
nossos representantes, principalmente pelo Poder Legislativo.
Após esta contextualização, cuidamos dos aspectos gerais do crime de
homicídio, abrangendo seus elementos, competência, objeto jurídico e algumas
peculiaridades referentes à Justiça Castrense. Na terceira parte, dedicamos grande
atenção para classificação e diferenciação do crime militar em relação ao crime
comum, para isto, tratamos das diversas denominações utilizadas pela doutrina,
enfrentando os conceitos de crime militar próprio, impróprio etc.
Os capítulos quatro, cinco e seis tratam dos mandados de criminalização, o
modo como o tema é enfrentado no Brasil e no Direito Comparado.
Princípio da Igualdade é o tema que o capítulo sétimo cuida.
Na parte final do trabalho, discutimos várias questões que surgem ao
observarmos que na Lei de Crimes Hediondos existe uma série de crimes graves,
inclusive espécies de homicídios, mas não se encontra o homicídio doloso do Código
Penal Militar, existindo uma proteção insuficiente do mandado de criminalização.
Palavras Chaves: mandado de criminalização – crime militar - hediondo
ABSTRACT
The present work being performed is based on the warrants of criminalization,
the study of Military Criminal Code Article 205, and its relation to Federal Law No.
8072/90, exploring all the aspects necessary to ensure that changes aimed at the
cataloguing of heinous crimes are carried out.
The research has been divided into eight parts. In the first part, we made a brief
statement about legislation, military justice in Brazil and within the world, inserting our
research in the current reality of Military Law, which has been ignored by our
representatives, specifically the Legislative Power.
Following this contextualization, we cover general aspects concerning homicidal
crimes, including its elements, jurisdictions, legal objectives and certain peculiarities
related to Military Justice. The third part of our research has been devoted to the
classification and differentiation of military crime in relation to common crime, dealing
with the diversity of denominations used by the doctrine, addressing the conditions and
concepts of proper/improper military crime.
Chapters four, five and six adress the warrants of criminalization, the manner
the subject is dealt in Brazil and on Compared Law.
Equality Principle is the subject developed on the chapter seven.
The final section of the paper discusses various issues arisen in our
observation of the Heinous Crimes Law, including specific kinds of homicide, however,
murder in the first degree of Military Criminal Code was not found, existing insufficient
protection of a warrant criminalization.
Key word: warrant criminalization – military crime - heinous
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 5 1. HISTÓRICO DO DIREITO MILITAR ......................................................................... 8
1.1. ORIGEM DO DIREITO PENAL MILITAR NO MUNDO ....................................... 8 1.2. DIREITO PENAL MILITAR BRASILEIRO ......................................................... 11 1.3. ESCORÇO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO MILITAR NO BRASIL .................. 17 1.4. PONTOS DE DISCUSSÃO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PENAL MILITAR NA ATUALIDADE..................................................................................... 20
2. CRIME MILITAR ..................................................................................................... 23
2.1. CONCEITO ...................................................................................................... 23 2.2. CRIME MILITAR PRÓPRIO E IMPRÓPRIO ..................................................... 24 2.3. O CRIME MILITAR NO DECRETO-LEI Nº 1001 DE 1969 ............................... 33 2.4. COMPARAÇÃO E DISTINÇÃO ENTRE O CRIME MILITAR E O CRIME COMUM .................................................................................................................. 36
3. O CRIME DE HOMICÍDIO ...................................................................................... 44
3. 1. OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ..................................................... 44 3. 2. ASPECTOS GERAIS DO CRIME DE HOMICÍDIO .......................................... 44 3. 3. ELEMENTOS DO TIPO .................................................................................. 46 3. 4. OBJETO JURÍDICO TUTELADO .................................................................... 47 3. 5. A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME MILITAR COMO DOLOSO CONTRA A VIDA ....................................................................................................................... 48 3.6. O HOMICÍDIO NO CÓDIGO PENAL MILITAR ................................................. 50
3.6.1. HOMICÍDIO SIMPLES ............................................................................................... 52 3.6.2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO ..................................................................................... 53 3.6.3 HOMICÍDIO QUALIFICADO ....................................................................................... 54
4. MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO ...................................................................... 56
4. 1. MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS ................ 56 4.2 HISTÓRICO DOS MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ........................................................................................................ 58 4.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E OS MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO ...................................................................... 65 4.4 CRITÉRIOS DE ELEIÇÃO ................................................................................ 66
5. MANDADOS EXPLÍCITOS DE CRIMINALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 69 6. MANDADOS EXPLÍCITOS DE CRIMINALIZAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL ................................................................................................................................... 83 7. PRINCÍPIO DA IGUALDADE .................................................................................. 86
7.1. CONCEITO DE PRINCÍPIO ............................................................................. 86 7.2. O PRINCÍPIO E SUA IMPORTÂNCIA .............................................................. 88 7.3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A MÁXIMA ARISTOTÉLICA ........................... 90 7.4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ................................................ 90
8. O ARTIGO 205 DO CÓDIGO PENAL MILITAR FRENTE AOS MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO ..................................................................................................... 96
8.1. O TRATAMENTO ADEQUADO DO ARTIGO 205 DO CÓDIGO PENAL MILITAR COMO MEDIDA NECESSÁRIA PARA O CUMPRIMENTO DO MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO EXPRESSO ....................................................................... 96 8.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE ........................................................................... 98
8.2.1. FATOR DE DESIGUALAÇÃO .................................................................................. 100 8.2.2. CORRELAÇÃO LÓGICA ENTRE FATOR DE DISCRÍMEN E A DESEQUIPARAÇÃO PROCEDIDA ................................................................................... 101 8.2.3. CONSONÂNCIA DA DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AOS INTERESSES PROTEGIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................................................ 102 8.2.4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A INTERPRETAÇÃO DAS LEIS ......................... 104
8.3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE........................................................................ 104 8.3.1 LEI INJUSTA ............................................................................................................ 106
8.4. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS .......................................... 108 8.5. RIGOR NO TRATAMENTO COM O MILITAR ................................................ 109 8.6. O ARTIGO 205 DO CPM E A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME HEDIONDO . 109 8.7. PROJETO DE LEI Nº 6.685/02 ...................................................................... 110
CONCLUSÕES ......................................................................................................... 113 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 117
5
INTRODUÇÃO
Os mandados de criminalização, as ordens de criminalização, os
mandamentos de criminalização, as obrigações constitucionais de criminalização, são
todas expressões sinônimas que servem para indicar um tema que apenas recebeu
maior atenção em nosso país a partir, principalmente, da promulgação da Constituição
Federal de 1988.
Entretanto, as ordens de criminalização contidas nas constituições que
visavam resguardar determinados valores através de leis penais já eram objeto de
discussão no âmbito internacional por volta de 1970, como se verifica na decisão do
Tribunal Constitucional Alemão de 19751.
A presente dissertação visa discutir esses mandamentos de criminalização,
mais precisamente a ordem presente no artigo 5°, inciso XLIII, da CF que se refere
aos crimes hediondos, frente aos chamados crimes militares, especificamente o artigo
205 do Código Penal Militar.
Os instrumentos que o legislador deve utilizar para proteger os bens jurídicos
informados pelo constituinte não serão discutidos aqui, não tentaremos definir se a
Constituição é uma limitadora ou o fundamento para fixação das penas.
Não cuidaremos aqui dos direitos e das garantias que o nosso sistema penal
e processual penal fornecem aos investigados e condenados, mas sim da
necessidade de atuação dos legisladores ordinários frente a um mandado de
criminalização expresso que determina a proteção eficaz quando nos referimos aos
crimes hediondos.
1“(...) Na Alemanha, país precursor de tal construção dogmática (com origem jurisprudencial), a
decisão paradigmática foi a “Schwangerschaftsabbruch I” (ALEMANHA, 2005, 266 p.ss.), do Tribunal Constitucional Alemão, em 25-02-1975. Nela, julgou-se inconstitucional o § 218a, introduzido ao Código Penal Alemão pela 5a Lei de Reforma do Direito Penal de 1974 (5. StrRG), o qual criava uma dirimente especial11 no aborto, sempre que realizado por um médico, com a concordância da grávida e desde que não tivessem passado doze semanas desde a concepção. Se assim configurado, estaria excluída a antijuridicidade da conduta dos eventuais agentes”. (SCALCON, Raquel Lima. Crítica à Teoria dos Mandados Constitucionais Implícitos de Criminalização. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/ressevera/wp-content/uploads/ 2009/09/26-artigo-12.pdf. Acessado em 21 de agosto de 2012).
6
Em relação aos mandados de criminalização implícitos faremos uma breve
abordagem sobre o tema, visando apenas indicar seu conceito, mas sem a intenção
de estudá-los detalhadamente. Do mesmo modo não enfrentaremos os mandados
oriundos de tratados e convenções internacionais, os quais possuem uma
regulamentação diversa do que nos interessa, apesar da enorme importância que
possuem. Isso porque o enfoque desse trabalho se refere a um mandamento de
criminalização explícito na CF/88.
Em relação ao crime do artigo 205 do Código Penal Militar, o intuito desse
trabalho não é destrinchar todos os aspectos do delito de homicídio, mas sim
demonstrar que o artigo do código da caserna supracitado tem como objeto a mesma
infração prevista no Código Penal de 1940, entretanto, com penas diferenciadas.
O debate a ser colocado visa demonstrar uma clara ofensa ao Princípio da
Igualdade, devido à não aplicação da Lei de Crimes Hediondos no crime militar
supracitado.
Atualmente, as organizações criminosas, os atentados terroristas, as
atrocidades descritas pala mídia todos os dias fazem com que os cidadãos percebam
que temos que parar e refletir, buscando uma maneira de, no mínimo, diminuir o grau
de violência em que estamos vendo nossos filhos crescerem.
A onda de ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital, organização
criminosa que atua principalmente no estado de São Paulo), o atentado de onze de
setembro, os trens explodidos na Espanha em onze de março do ano de dois mil e
quatro (conhecido como 11-M) e, mais recentemente, a guerra civil vivida no
Complexo do Alemão (Rio de Janeiro), fez com que a comunidade amedrontada
esperasse atuações mais rigorosas, atuações eficazes por parte do Estado.
Essa ideia, essa necessidade, esse clamor público por atitudes mais
enérgicas contra o aumento da criminalidade, menos proliferação legislativa inútil,
maior atenção aos ideais resguardados pela Carta Maior que fez com que o presente
tema ganhasse força.
A constatação de que se fez uma lei para punir de maneira eficaz crimes
hediondos, que um mandado de criminalização expresso se encontra protegido de
maneira insuficiente, faz com que tenhamos o dever de debater esse tema,
7
principalmente ao passarmos por épocas em que criminosos são respeitados por
causa do número de assassinatos que cometeram contra membros responsáveis pela
segurança pública do Estado.
Nesse intuito, será enumerada uma série de motivos que nos levarão a uma
conclusão que demonstra a necessidade de medidas de urgência, diante da enorme
ofensa ao Princípio da Igualdade que nos deparamos todos os dias.
Ao final do trabalho, a tese verifica a necessidade de uma proteção eficaz às
ordens de criminalização criadas pelo constituinte com o objetivo de acabar com
qualquer tratamento desigual, injusto, para que a Lei nº 8.072 de 1990 possa ser
considerada uma das leis que satisfez integralmente o mandado de criminalização
respectivo.
8
1. HISTÓRICO DO DIREITO MILITAR
Esse capítulo servirá para explorar esse campo tão pouco estudado pelo
direito brasileiro e comparado. Na nossa legislação, nós observaremos uma série de
“projetos” de codificação, de tentativas fracassadas de regulamentação da matéria,
que de maneira insuficiente e tardia, resultaram na Justiça Militar que temos hoje.
1.1. ORIGEM DO DIREITO PENAL MILITAR NO MUNDO
O Direito Penal Militar nem sempre recebeu um tratamento individualizado,
autônomo, em relação ao Direito Penal comum. Diante disto, verificamos que ao
estudarmos o panorama geral da área castrense, encontraremos a origem do ramo
comum.
Consequentemente, poderíamos tratar aqui das diversas fases apresentadas
de maneira ilustre por muitos estudiosos da área, passando pelos tempos primitivos,
citando um direito penal formado por tradições, costumes que variavam de tribo para
tribo, a vingança privada, a vingança divina e a vingança pública. Seríamos obrigados
a citar a época em que o direito se confundia com a religião durante a fundação de
Roma, além de estudar o Direito Penal Germânico e o Canônico. Entretanto, este não
é o alvo do presente trabalho, motivo pelo qual serão expostos fatos referentes ao
histórico do Direito Penal Militar, o que devido à forte ligação entre os ramos,
acabaremos por nos depararmos com pontos comuns.
O surgimento dos exércitos é o que nos transmite a ideia de criação do Direito
Castrense, visto que não há um marco exato. Acompanhando a atividade bélica,
criam-se os órgãos julgadores especializados em crimes praticados em guerra.
Ilustrando esta fase, Ronaldo Roth2 ensina que o estabelecimento da Justiça Militar
também tem origem na “antiguidade e vem precedido, na história dos povos, da
existência do Exército constituído para a defesa e expansão de seu território”.
2 ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação
jurisdicional, pág.5. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003.
9
A necessidade de proteger suas terras e de possuir um conjunto de pessoas
que lutassem por ela, além de um corpo de homens que conquistassem outros
territórios, fez com que regras fossem estabelecidas para sancionarem, para
disciplinarem, para punirem e para julgarem estes guerreiros.
O parágrafo supra nos demonstra que apesar dos diversos elos com o Direito
Penal comum, da grande influência das Escolas Penais, existe um caminho em
paralelo trilhado apenas pelo Direito Militar que se inicia em conjunto com as
atividades bélicas e que merece uma análise em separado, sob um olhar diferenciado,
dando ensejo ao que chamamos de Justiça Militar.
Como primeiro ponto a ser discutido, teremos o período em que as batalhas,
as guerras iniciaram. A visão de cada estudioso poderá nos fornecer uma origem, visto
que não existe uma resposta exata.
Por exemplo, podemos considerar o homem sendo essencialmente bélico,
conforme Thomas Hobbes3, o que nos remeterá aos primeiros grupos de seres
humanos que se uniram e que já conseguiam diferenciar as infrações contra os
membros do próprio grupo e as agressões que visavam proteger seu conjunto de outro
rival.
Deste modo, deve-se compreender que existem fatos marcantes que podem
ser identificados dentro do histórico do Direito Penal Militar, começando com o
aparecimento dos exércitos das Cidades - Estados na Antiguidade, as quais
constantemente travavam batalhas devido à hegemonia das regiões.
A mais antiga das grandes civilizações humanas que inicialmente ocuparam a
região sul da Mesopotâmia, os Sumérios, marcada por ser para muitos, o berço do
primeiro Exército organizado, nos faz ter uma referência próxima ao ano de 4.000 a.C
e 3.500 a.C.
Neste sentido, Castex Aidar4:
3 DORO, Marcelo. Sobre o que nos torna maus. Disponível em: http://www.upf.br/filosofia/
index.php?option=com_content&view=article&id=111:sobre-o-que-nos-torna-mau&catid=1:ultim as-noticias&itemid=8. Acessado em 08/08/2012. 4 CASTEX AIDAR, Carlos Miguel. Discurso proferido na solenidade de posse do Presidente,
Vice-Presidente e do Corregedor Geral da Justiça Militar do Estado de São Paulo em 23.03.2.003. DOE. São Paulo, 11.04.2.002.
10
A criação de um tribunal específico remonta aos mais antigos códigos
sumerianos, onde se constatam penalidades consignadas àqueles
que cometessem crimes no campo de batalha, justificando-se a
norma penal própria pela natureza peculiar da condição de militar e
na própria caracterização da instituição das Forças Armadas como
responsável pela defesa do Estado.
Durante o Império Romano, a mistura da rígida disciplina, o expansionismo,
os exércitos e a polis indicam a existência de um clima constante de guerra, tornando
cada homem, um soldado sempre em prontidão.
Em uma época como essa, não é difícil deduzir que rapidamente se criaram
infrações ligadas à atividade bélica, visto a alta exigência existente em relação aos
combatentes, demonstrando uma passagem marcante do Direito Castrense e
afirmando sua importância.
Loureiro Neto, sem discordar do valor do Direito Romano, faz alusão a outros
povos da Antiguidade que “conheciam a existência de certos delitos militares, e seus
agentes eram julgados pelos próprios militares”5. Entretanto, o mesmo autor diz que
apenas em Roma, o direito da caserna teve um tratamento específico, o que fez com
que tratasse a evolução histórica em quatro fases.
A primeira fase seria o período dos reis onde o poder de julgar, além de todos
os outros, pertenciam apenas aos soberanos. Na segunda fase, quem tomava conta
da justiça castrense eram os cônsules, estando logo abaixo, o tribuno militar, juntos
formando a reunião da justiça e do comando. O período de Augusto, primeiro
imperador romano, marca a terceira fase em que os prefeitos do pretório que exerciam
a justiça militar, havendo uma jurisdição extremamente abrangente. Por fim, a quarta
fase é marcada pelo surgimento do “Consilium”, durante o governo de Flavius Valerius
Constantinus, cabendo ao conselho dar opiniões, consultas ao juiz militar.
Em Roma, determinadas infrações cometidas em guerra podiam gerar
punições extremas, chegando até a pena de morte. Na Grécia, espartanos e
5 LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo: Atlas, 1999, p.19.
11
atenienses não tinham uma visão muito diferente, como se percebe pelo fato da
atividade bélica fazer parte da formação do cidadão. Todo homem era visto como um
soldado, motivo pelo qual Esparta ficou tão famosa por ter os melhores guerreiros.
Nenhuma cidade - estado teve tanta disciplina militar como esta polis.
As crenças exerciam forte papel neste momento, não podemos resumir os
fatos apenas às atividades bélicas. Os combatentes tinham que seguir as “regras da
guerra” sem esquecerem o aspecto religioso. Tal aspecto pode ser ilustrado pelos
generais que não deveriam apenas ganhar a batalha, mas também cuidar de seus
mortos, tomando as medidas necessárias para que eles tivessem um enterro digno,
caso isto fosse negligenciado, o general poderia sofrer severa punição, independente
de ter conseguido a vitória.
Diante do exposto, percebemos que esse ramo do Direito teve sua origem em
épocas que o ambiente castrense tinha grande participação na vida da comunidade, o
que não ocorre nos dias de hoje, além do fato de que nossas leis hodiernas não
refletem absolutamente o pensamento da sociedade.
1.2. DIREITO PENAL MILITAR BRASILEIRO
O Direito Castrense Brasileiro teve sua origem na legislação penal
portuguesa. A história demonstra que os navios portugueses não chegaram ao Brasil
apenas com joias e roupas, mas também trazendo uma série de normas oriundas de
sua nação.
Tendo ciência da informação supra, devemos observar qual a base do direito
lusitano e, ao pesquisarmos tal assunto, chegaremos principalmente às influências do
direito romano e do direito visigótico. Todas essas normas foram introduzidas no Brasil
pelas Ordenações do Reino de Portugal: Afonsinas (ano de 1480), Manuelinas (ano de
1514) e Filipinas (ano de 1603). Essas ordenações eram consolidações das leis que
eram compiladas por determinação dos monarcas e que representavam o direito em
vigor.
O Livro V das Ordenações Filipinas tratavam das normas penais e foi a
12
compilação de maior importância para o nosso direito penal militar, vigorando até o
ano de 1916. Vale observar que esse livro possuía grande influência da Igreja, sendo
possível constatar normas que confundiam moral e religião, havendo certo aspecto
medieval.
Aproximadamente no ano de 1763, foi aprovado o “Regulamento de Infantaria
e Cavalaria”, criado pelo Conde Schaumbourg Lippe, que apesar de conter artigos
cruéis e incabíveis para os princípios que temos hoje, por exemplo, surras com espada
de prancha como forma de sanção, regulamentou nossas forças militares,
acompanhado de uma série de alvarás, cartas régias etc. Este Conde ficou conhecido
pela grande guerra da qual participou contra as tropas da Espanha e França, como
Marechal General do Exército Português e seu regulamento, para muitos, foi o marco
inicial de nossa legislação militar.
Os Artigos de Guerra do Conde de Lippe juntam-se então, às Ordenações
Filipinas, vigorando até a criação do Código Penal da Armada. A partir deste momento
que podemos vislumbrar uma melhor separação entre o Direito Penal do Reino e o
Direito Penal Militar.
Na verdade tais artigos faziam parte de um regulamento que foi criado devido
à reestruturação do Exército Português liderada por Wilhelm Lippe em cumprimento
das determinações do rei de Portugal no século XVIII.
Há quem defenda que a nossa legislação militar teria começado no Brasil -
Colônia com a história das capitanias e seus donatários os quais, por força da Coroa
Portuguesa, seriam responsáveis pelos mandamentos militares, recebendo o título de
comandante e sendo lhes dada a função de organizar e dirigir os moradores das suas
capitanias, significando que cada morador era também um soldado.
No ano de 1808, chegou uma ordem da Corte Portuguesa para que se
organizasse uma série de instituições ligadas à atividade militar, tais como a
Contadoria da Marinha, Corpo da Brigada Real, Real Fábrica de Pólvoras etc. Ainda
em 1814, os militares receberam foro especial, não estando mais sujeitos aos
julgamentos no foro comum.
Neste momento histórico, apenas os portugueses tinham acesso às altas
patentes, os brasileiros eram sempre subordinados, independente de qualificação.
13
Além disso, as penas estipuladas para o militar que infringisse alguma regra, eram
extremamente cruéis (sessenta chibatas, cem chibatas de acordo com a regra
descumprida), o que ficou demonstrado pela conhecida “Revolta da Chibata” (22 de
novembro de 1910), que teve como líder o corajoso marinheiro João Cândido, também
chamado de “Almirante Negro”.
Os princípios do século XVIII (hierarquia e disciplina, por exemplo) formados
ao longo das décadas dentro das instituições militares serviram como base para a
criação do projeto do Código Penal Militar, produzido por uma comissão e revisto em
1816. Entretanto, este projeto só foi aprovado no ano de 1820, e, devido à falta de
importância dada ao direito militar, ele nunca entrou em vigor, sendo apenas um dado
histórico e que apenas serviu de conhecimento, embasamento para futuras legislações
militares.
Após este fracasso, a próxima lei que temos notícia veio somente em 1851,
quando um decreto se preocupou em estabelecer o processo que deveria ser seguido
para algumas infrações penais praticadas em tempo de guerra, bem como as penas
referentes a estes delitos. Uma década depois, surgiu um projeto referente à criação
de um Código de Processo Criminal Militar escrito pelo auditor da corte, Dr. Magalhães
de Castro. Já em 1866, a Comissão de Exame da Legislação do Exército apresentou
um projeto para o Código Penal Militar, que apesar de produzido por uma comissão
especializada no assunto (Coronel Pedro de Alencastro, Desembargador Magalhães
de Castro, Conselheiro José Maria da Silva, Conde D‟Eu etc.) não teve o mesmo
sucesso do CPCM.
O projeto de Código Penal Militar apresentado em 1866 continha ranços de
tirania e caminhava totalmente no caminho oposto ao que o Código de Processo
Criminal Militar defendia. Este atendia todos os aspectos de dignidade da pessoa
humana e direitos fundamentais, enquanto o CPM ofendia diretamente os direitos do
homem. Um exemplo disto foi o fato de o projeto de CPM não prever nenhuma
atenuante para fixação das sanções. Em seguida, a mesma comissão do CPM
apresentou um projeto de CPPM que se utilizou do antigo projeto do Código de
Processo Criminal Militar, inserindo apenas algumas pequenas modificações.
Dez anos depois, foi apresentado um parecer da Câmara dos Deputados
sobre o projeto do Código Penal Militar, o que não mudou muito a situação da
legislação militar, que continuava sem uma codificação eficaz. Em 1890, na República
14
Velha, Benjamim Constant montou uma equipe que foi responsável pelo surgimento
de uma espécie de “rascunho” de uma codificação que trataria do Código Processual
Penal Militar, do Código Penal Militar e do Código Disciplinar. Esta criação veio das
mãos de Carlos de Carvalho, membro da comissão, servindo de caminho para a
equipe de Benjamim Constant.
Já naquela época, Carlos de Carvalho se preocupou em montar uma
sistemática baseada em duas épocas diferentes, a primeira seria o tempo de paz, que
teria aplicação em qualquer momento, e a outra divisão era o tempo de guerra, o qual
continha regras específicas, isto é, todas as regras feitas para o tempo de paz eram
aplicáveis durante a guerra, não sendo o contrário verdadeiro.
Outro ponto deste projeto é que não se encontravam aquelas penas
desumanas, contra os princípios da dignidade da pessoa humana, de destruição e de
degradação, entretanto, referente à pena de destruição, houve grande semelhança
com a demissão criada por Carlos de Carvalho, já que ele instituiu que esta pena
significaria perda de todos os prêmios adquiridos por trabalhos anteriores à sanção.
Vale observar que este projeto incluiu em seu bojo uma série de crimes militares,
seguindo a Teoria da Prefiguração Ampla dos Crimes Militares que será tratada no
capítulo 3, e que a nossa legislação militar tem seguido até os dias de hoje.
Mesmo após todas as tentativas apresentadas até o momento, e mesmo com
a produção deste projeto, o Governo decidiu abandoná-lo e através do decreto nº 949
de 1890 instituiu o Código Penal da Armada o qual em seguida seria estendido para o
Exército.
José da Silva Loureiro Neto6 resume a história do Direito Penal Militar
Brasileiro da seguinte forma:
A primeira legislação penal militar no Brasil refere-se aos Artigos de
Guerra do Conde de Lippe, aprovados em 1763.
Com a chegada de D. João VI ao Brasil, pelo Alvará de 21 de abril de
1808, criou-se o Conselho Supremo Militar e de Justiça e, em 1834, a
Provisão de 20 de outubro previa crimes militares, que foram
6 Direito penal militar, pág 21. São Paulo: Atlas, 1999.
15
separados em duas categorias: os praticados em tempo de paz e os
praticados em tempo de guerra (GODINHO, 1982:9).
No Império, na lição do autor, a legislação sendo abundante, era
confusa, não esclarecendo com nitidez os diversos tipos penais. Até a
República, no dizer lapidar de Esmeraldino Bandeira, a legislação
penal militar estava condicionada „ao alcance dos projéteis e à
têmpera das baionetas‟. Mas, a partir dela, houve esforço para
modificar a legislação esparsa que existia, do que resultou o advento
de nosso primeiro Código Penal Militar – o Código da Armada -,
expedido pelo Decreto nº 18, de 7 de março de 1891, que foi
ampliado para o Exército pela Lei nº 612, de 28 de setembro de 1899
e aplicado à Aeronáutica pelo Decreto-lei nº 6.227, foi editado o
Código Penal Militar de 1944. Finalmente, vige atualmente, desde 1º
de janeiro de 1970, o Código Penal Militar, expedido pelo Decreto-lei
nº 1.001, de 21 de outubro de 1969.
Visando entender a transição do Código Penal Militar de 1944 para o Decreto-
lei n°1001/69, temos que voltar ao dia treze de dezembro de 1968, quando surge o
famoso AI-5 ou Ato Institucional n°05, considerado o ato mais duro da época da
Ditadura Militar, momento em que juízes foram aposentados, mandatos cassados, fim
do habeas corpus, além de outras medidas dramáticas. Neste Ato existia a previsão
de que, caso o Presidente da República decretasse o recesso do Poder Legislativo, o
Poder Executivo legislaria.
O Ato Complementar n°38 concretizou tal medida e, no ano de 1969, com a
doença do Presidente General Arthur da Costa e Silva, ao invés da posse do Vice
Pedro Aleixo, temos a decretação do Ato Institucional n°16, e uma Junta Militar
composta pelos ministros Aurélio de Lira Tavares (Exército), Augusto Rademaker
(Marinha) e Márcio de Sousa e Melo (Aeronáutica), assume o poder, declarando vago
o cargo de presidente e vice.
O novo presidente logo é escolhido, dando início ao que seria chamado de
“Anos de Chumbo” com a liderança de Emilio Garrastazu Médici. Época marcada por
forte censura e repressão à luta armada, além da atuação do DOI-Codi -
Destacamento de Operações e Informações e ao Centro de Operações de Defesa
Interna. Entretanto, não podemos deixar de citar que foi a fase da história do Brasil
16
também conhecida como “Milagre Econômico”, onde apenas anos depois se percebeu
que este “milagre” teria um preço bem alto.
No meio de toda esta confusão e repressão que surgiu o Decreto Lei n°1001
de 1969, entrando em vigor no ano de 1970. Como era previsto, este Código Penal
Militar, apesar de não ter sofrido muitas alterações até os dias de hoje, teve uma série
de institutos abandonados, deixados de lado.
O responsável pelo Anteprojeto foi o estudioso Ivo D‟Aquino, acompanhado
de uma comissão revisora composta pelo presidente Benjamin Moraes Filho e por
José Telles Barbosa. Devemos, entretanto, lembrar que o sistema vicariante em
matérias de medidas de segurança e a teoria diferenciadora do estado de necessidade
são frutos deste projeto.
Já em relação ao processo militar, parece que o primeiro documento oficial
que o fixou foi em 16 de julho de 1895, com o nome de “Regulamento Processual
Criminal Militar” que foi criado pelo Supremo Tribunal Militar, hoje conhecido como
Superior Tribunal Militar. Esta lei foi produzida por delegação7 do Poder Legislativo ao
Poder Executivo o qual autorizou o STM. Por este fato, muitos estudiosos defendem a
ideia de que este regulamento era inconstitucional já que o Judiciário não tem
competência para a prática de tais atos. Este regulamento teve sua vigência até o ano
de 1922, quando foi criado o Código de Organização Judiciária e Processo Militar8.
Devido aos fatos expostos acima, surgiu um movimento reformista que ainda
não obteve sucesso, mas que possui inúmeros estudos de autores renomados. Um
destes é o célebre jurista Clóvis Bevilacqua que segue a ideia de que o Código Militar
deve conter apenas os crimes especificamente militares, não tendo nenhum crime
previsto no Código Penal, para que se evite conflito de foros e discussões neste
sentido.
Outro projeto apresentado por Clóvis Bevilacqua surpreendeu ao não seguir a
tese de manter no código militar apenas os delitos especificamente militares. Além
disso, manteve a técnica utilizada por Carlos de Carvalho décadas atrás, deixando
sistematicamente separado os capítulos referentes ao tempo de guerra e ao tempo de
paz. O projeto não continha em seu bojo a parte geral que tratava dos crimes, da
7 Artigo 5º, §1º do Decreto nº 149 de 1883.
8 Decreto nº 15.635 de 1922.
17
reabilitação e da pena, utilizando-se das disposições do Código Penal comum para
tratar destas situações.
Nos dias de hoje, existem outros projetos que tratam desta parte do direito tão
esquecida, principalmente sobre a Justiça Militar Federal que recebe uma importância
maior. Entretanto, é indiscutível a necessidade de uma reforma da legislação militar e
um estudo mais aprofundado do Direito Militar.
1.3. ESCORÇO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO MILITAR NO BRASIL
Essa parte do trabalho terá a função de fazer referência objetivamente dos
fatos que marcaram cada trecho da história da legislação militar no Brasil.
Durante os anos de 1808 até 1891 tivemos os seguintes pontos relevantes: a
origem dos dispositivos criados pelo Conde de Lippe no ano de 1763, os quais
surtiram efeito até o término do período imperial; a criação do Conselho Supremo
Militar e de Justiça em 1808; a Constituição de 1824 que se refere aos membros da
caserna através da denominação “Da Força Militar”, estabelecendo a obrigação do
brasileiro “pegar em armas” 9 para defender o país, a necessidade de ordem da
“Autoridade legítima” 10 para que a Força Militar se reunisse, entre outros dispositivos.
Outro ponto que merece ser observado é a separação dos crimes militares
praticados em tempo de guerra dos praticados em tempo de paz (1834), além da
aprovação do Código Penal da Armada após a proclamação da República (1890).
Entre 1891 e 1946 tivemos a previsão do artigo 14 da Constituição Federal de
1891 o qual estipula que “as forças de terra e mar são instituições nacionais
permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no
interior” e que “a força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei,
aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições
constitucionais”.
9 Artigo 145 da Constituição Federal de 1824: Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em
armas, para sustentar a Independencia, e integridade do Imperio, e defendel-o dos seus inimigos externos, ou internos. 10
Artigo 147 da Constituição Federal de 1824: A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legitima.
18
O artigo 77 da Constituição de 1891 estabelece o foro especial nos delitos
militares para “os militares de terra e mar”, foro este composto pelo Supremo Tribunal
Militar. Além disso, o artigo 86 dessa Carta Magna fixa ao brasileiro a obrigação ao
serviço militar.
Ocorre a ampliação da aplicação do Código Penal da Armada ao Exército
(1899) e à Aeronáutica (1941).
A Constituição Federal de 1934 inseriu os policiais militares na reserva do
Exército11 e a Constituição Federal de 193712 previu a criação de um estatuto dos
militares. Ademais, o Decreto Lei n°6.227/44 cria o Código Penal Militar, o qual
posteriormente foi revogado.
Nos anos de 1946 até 1988 temos o decreto lei n°1.001 do ano de 1969 que
dá origem ao novo Código Penal Militar, entrando em vigor no ano de 1970 e
vigorando até os dias de hoje.
A Aeronáutica é colocada expressamente como integrante das Forças
Armadas pela primeira vez na Constituição Federal Brasileira de 1946. Esta CF se
diferencia das anteriores por ter separado um Título para os membros da Caserna, o
que será seguido posteriormente pela Constituição de 1967.
Em 17/08/1964 é promulgada a Lei n°4.375 – Lei do Serviço Militar; em
seguida surgem o Decreto n° 71.500, de 05/12/1972 – Conselho de Disciplina da
Guarda-Marinha, do Aspirante a Oficial e das demais praças das Forças Armada - e a
11
Artigo 167 da Constituição Federal de 1934: As polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União. 12
Artigo 160 da Constituição Federal de 1937: A lei organizará o estatuto dos militares de terra e mar, obedecendo, entre outros, aos seguintes preceitos desde já em vigor: a) será transferido para a reserva todo militar que, em serviço ativo das forças armadas, aceitar investidura eletiva ou qualquer cargo público permanente, estranho à sua carreira; b) as patentes e postos são garantidos em toda a plenitude aos oficiais da ativa, da reserva e aos reformados do Exército e da Marinha; c) os títulos, postos e uniformes das forças armadas são privativos dos militares de carreira, em atividade, da reserva ou reformados. Parágrafo único - O oficial das forças armadas, salvo o disposto no art. 172, § 2º, só perderá o seu posto e patente por condenação passada em julgado, a pena restritiva da liberdade por tempo superior a dois anos, ou quando, por tribunal militar competente, for, nos casos definidos em lei, declarado indigno do oficialato ou com ele incompatível.
19
Lei n°5.836 – Conselho de Justificação; três anos depois cria-se o Decreto n°76.322,
de 22/08/1975 – Regulamento Disciplinar da Aeronáutica; e em 09/12/1980, a Lei n°
6.880 - Estatuto dos Militares Federais; por fim foi promulgado o Decreto n°88.545, de
26 de julho de 1983 – Regulamento Disciplinar da Marinha.
De 1988 até os dias de hoje vale ressaltar o artigo 5°, inciso XLII, da CF/8813
que estabelece pela primeira vez a inafiançabilidade e imprescritibilidade de crime
praticado por ação de grupos armados militares contra a ordem constitucional e o
Estado Democrático.
A organização e manutenção da polícia militar e do corpo de bombeiro militar
do Distrito Federal são fixadas como competência da União14.
A Carta Magna fixa a competência legislativa privativa da União para tratar de
uma série de assuntos de cunho militar15. Além disso, verifica-se a atribuição do
Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, para dispor sobre a
fixação de modificação do efetivo das Forças Armadas16.
Os comandos supremos das Forças Armadas, a nomeação dos
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, tornam-se competência
privativa do Presidente da República17.
13
TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; 14
Art. 21. Compete à União (...) XIV - organizar e manter a polícia federal, a polícia rodoviária e a ferroviária federais, bem como a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal e dos Territórios; XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 15
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre (...) III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; (...) XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; (...) XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional; 16
Artigo 48, inciso III da CF/88. 17
Artigo 84 da CF/88: Compete privativamente ao Presidente da República: (...)
20
A Constituição de 1988 estabelece que são órgãos do Poder Judiciário, os
Tribunais e os Juízes Militares18, além de tratar do Ministério Público Militar em seu
artigo 12819.
Finalmente, não podemos deixar de citar o surgimento do Decreto n°4.346, de
26 de agosto de 2002 – Regulamento Disciplinar do Exército (R-4).
1.4. PONTOS DE DISCUSSÃO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO PENAL
MILITAR NA ATUALIDADE
Nesse item trataremos de alguns assuntos que influenciaram no
desenvolvimento do Direito Penal Militar.
Inicialmente podemos nos referir à Revolução Francesa, principal responsável
pela fixação dos princípios da jurisdição militar moderna, ao estabelecer as ligações
entre o poder civil e o poder militar.
Napoleão Bonaparte se utiliza de uma máxima que representa a importância
essencial do estabelecimento da disciplina e, devido a isto, o enorme controle em
relação às tropas. Segundo Edgard de Brito Chaves Júnior, Napoleão dizia que a
“disciplina é a primeira qualidade do soldado; o valor é apenas a segunda” 20.
Em continuidade a este levantamento histórico, não podemos deixar de citar o
marcante atentado terrorista à comunidade norte – americana de onze de setembro do
ano de dois mil e um. Até o presente momento, a doutrina penal comum é que tem
XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99) 18
Artigo 92 da CF/88: São órgãos do Poder Judiciário: VI - os Tribunais e Juízes Militares; 19
Artigo 128 da CF/88: O Ministério Público abrange: (...) c) o Ministério Público Militar; 20
CHAVES JÚNIOR, Edgard de Brito. Apud ROTH, Ronaldo João. Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2003, p.7.
21
dado maior atenção a este fato, mas é importante ressaltar o fato de que existe uma
forte tendência de criação de leis mais severas, sendo que alguns autores falam em
“militarização”21 do Direito Penal quando tratamos de delitos terroristas cometidos
contra o próprio Estado.
Essa nova tendência denominada “Direito Penal do Inimigo” tem causado
forte impacto não só no Direito Penal comum, como também no Direito Castrense.
Entretanto, tal influência só se compara ao nosso objeto pela designação, visto que o
bem jurídico tutelado é outro. Ou seja, o Direito Penal do Inimigo cuida de bens
jurídicos gerais, dando ênfase à luta contra o terrorismo mundial, já o direito da
caserna visa os valores resguardados pelas instituições militares, tais como a
hierarquia e disciplina.
Essa corrente do Direito Penal é citada por Alberto Silva Franco22 ao dizer
que:
Governo Bush construiu, por decreto, um sistema paralelo, de caráter
penal e processual penal, livre de qualquer controle jurisdicional em
relação ao cidadão não-americano: a) a detenção secreta...; b) a
criação de tribunais militares especiais, que nada têm em comum
com a Justiça Militar e que „são livres para proceder em segredo,
reter provas dos réus e emitir sentenças capitais se dois terços dos
juízes concordarem‟, sem a possibilidade de recurso a Tribunais
Militares Superiores ou à Suprema Corte (The New York Times,
Justiça deturpada: a guerra e a Constituição, in O Estado de São
Paulo, de 16 de dezembro de 2001, p. A15)”.
O Direito Penal do Inimigo, também conhecido como a Terceira Velocidade
do Direito Penal23, ainda é uma corrente nova, sendo que muitos estudiosos não
21
Conforme artigo de Raphael Fernando Pinheiro, Considerações acerca do Direito Penal do Inimigo. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br. Acessado em 08/08/2012. 22
FRANCO, Alberto Silva. Prefácio. In BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.14. 23
“a) Direito Penal de primeira velocidade: trata-se do modelo de Direito Penal liberal-clássico, que se utiliza preferencialmente da pena privativa de liberdade, mas se funda em garantias individuais inarredáveis; b) Direito Penal de segunda velocidade: cuida-se do modelo que incorpora duas tendências (aparentemente antagônicas), a saber, a flexibilização proporcional de determinadas garantias penais e processuais aliada à adoção das medidas alternativas à prisão (penas restritivas
22
firmaram sua posição sobre a necessidade da adoção dessa teoria. Entretanto, parte
da doutrina defensora da dogmática minimalista já demonstrou sua insatisfação com
tal tendência.
O Brasil não pode ignorar o Direito Penal do Inimigo, como ficou demonstrado
nos últimos episódios de terror vividos pelas vítimas do Primeiro Comando da Capital
(PCC – São Paulo) e durante o conflito do Complexo do Alemão (Rio de Janeiro).
Por consequência, todos esses atos delituosos e a expansão desmedida das
organizações criminosas fazem com que o cidadão cobre de seus representantes
atitudes mais rigorosas frente a toda e qualquer infração, algumas das quais chegam a
atingir o direito da caserna.
Considerando todos os fatos supracitados, devemos tomar uma posição
sobre qual a medida correta a se adotar, qual o caminho que o Direito Penal Militar
deve trilhar.
O presente trabalho tem o intuito de dar um primeiro passo, estudando a
maneira como os nossos legisladores estão atuando em relação às infrações penais
do Código Penal Militar e os Mandados de Criminalização.
dedireito, pecuniárias etc.). No Brasil, começou a ser introduzido com a ReformaPenal de 1984 e se consolidou com a edição da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099, de 1995); c) Direito Penal de terceira velocidade: refere-se a uma mescla entre as características acima, vale dizer, utiliza-se da pena privativa de liberdade (como o faz o DireitoPenal de primeira velocidade), mas permite a flexibilização de garantias materiais e processuais (o que ocorre no âmbito do Direito Penal de segunda velocidade). Essa tendência pode ser vista em algumas recentes leis brasileiras, como a Lei dos Crimes Hediondos, Lei n. 8.072, de 1990, que, por exemplo, aumentou consideravelmente a pena de vários delitos, estabeleceu o cumprimento da pena em regime integralmente fechado e suprimiu, ou tentou suprimir, algumas prerrogativas processuais (exemplo: a liberdade provisória), e a Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034, de 1995), entre outras”. (JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal do inimigo. Breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1653, 10 jan. 2008. Disponível em: <http://http://jus.com.br/revista/texto/10836">http://jus.com.br /revista/texto/10836>. Acesso em: 27/09/2012).
23
2. CRIME MILITAR
2.1. CONCEITO
A doutrina e jurisprudência que tratam do Direito Penal Militar encontram
certas dificuldades para definir se um crime é militar ao se deparar com o caso
concreto, principalmente, quando o agente é membro de instituição militar.
Na visão de Jorge Mera Figueroa24, há um consenso em colocar o crime
militar como um crime especial devido uma característica essencial que é a natureza
militar do bem jurídico protegido, além da qualidade de militar do autor que infringe
seus deveres militares.
Ao interpretar a obra do autor supracitado, Júlio Fabbrini Mirabete25 entendeu
que os crimes militares competem à Justiça Especializada, e que esses seriam os
fixados no Código Penal Militar. Assim, perdendo tal característica, caso fossem
previstos em outra lei, deveriam ser julgados pela Justiça Comum. Tal pensamento
poderia ser contestado pelo fato de que os crimes militares impróprios são justamente
os previstos no código específico e em leis esparsas, sendo julgados na justiça da
caserna.
Para o aplicador do direito é necessário saber realizar a distinção entre o
crime comum e o militar, principalmente pelas diferenças de tratamento dado ao
agente que praticar um ou outro crime, tais como a necessidade de flagrância ou
ordem judiciária para efetuação da prisão. Por exemplo: o responsável pelo Inquérito
Policial Militar pode realizar a detenção cautelar do agente que efetuar crime militar
próprio por até trinta dias, apenas avisando a autoridade judiciária competente.
Outra distinção que possui enorme importância ocorre entre crimes militares
próprios e impróprios, pois muitas leis atribuem procedimentos diversos para um ou
24
La Parte Especial del Derecho Penal Militar Chileno. Bases Programáticas para su Reforma
Integral. Hacia una Reforma de la Justicia Militar, Cuadernos de Análisis Jurídicos, Escuela de Derecho, Universidad Diego Portales, Santiago, Chile, 2002, pág.14. 25
MIRABETE, Júlio Fabrinni. Manual de Direito Penal, Parte Geral, 21ª edição, pág. 137. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
24
outro, como é demonstrado no artigo 64, inciso II do Código Penal26. O crime
puramente militar só pode ser cometido por membros da caserna e é encontrado,
exclusivamente, no Código Penal Militar. Já os impróprios também estão presentes
nas leis penais comuns, podendo ser praticados por civis (furto, homicídio etc.). Alguns
doutrinadores27 criticam esta denominação, classificando tais crimes como mistos e
afirmando que sua existência era injustificável já que os crimes militares impróprios
não ofenderiam bem jurídico de natureza militar. Defendiam que para estes crimes, o
Código Penal deveria criar uma hipótese de agravante quando praticados por
membros da instituição militar.
Desse modo podemos concluir que tanto os crimes militares impróprios como
os próprios encontram-se no Código Penal Militar o qual teve a função de simplificar e
organizar este ramo do direito que até o surgimento do Código Penal da Armada, era
formado por diversos atos legislativos e executivos esparsos.
Esta forma de codificação não é regra no direito comparado. Em Portugal, por
exemplo, o Código de Justiça Militar trata dos crimes essencialmente militares, os
quais só são julgados em época de guerra, já que os tribunais militares não atuam em
época de paz. Na Espanha, tratam dos crimes puramente militares, mas possuem
também algumas situações que civis podem ofender bem jurídico de natureza militar,
o que é impossível de ocorrer na Colômbia que em seu artigo 5º do Código Penal
Militar estabelece que nenhum civil poderá ser julgado pela Justiça Militar. A
Argentina, de certa forma, se assemelha a nós, já que seu Código de Justiça Militar
trata tanto dos crimes militares próprios como de crimes que possuem figura
semelhante na legislação penal comum, sendo interessante citar que quando o crime
é previsto em lei militar e comum, aplica-se a pena mais grave no julgamento do caso
concreto.
2.2. CRIME MILITAR PRÓPRIO E IMPRÓPRIO
A polêmica do Direito Militar se encontra na classificação que deve se utilizar
26
Art. 64 - Para efeito de reincidência: (...)
II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos. 27
GUSMÃO, Chrisólito de. Direito Penal Militar, pág. 48 a 55. Rio de Janeiro: Editor Jacintho Ribeiro dos Santos, 1915.
25
para os delitos que atingem os princípios, ideais, mandamentos militares. Jorge
Alberto Romeiro28 diz:
“De um lado aqueles que pretendem que crime militar seja todo aquele que cabe à jurisdição dos tribunais militares. Outros querem que sejam considerados como crimes militares todos os previstos pela legislação militar, quaisquer que sejam as suas características específicas; esta é a tendência predominante nos códigos penais militares, em geral, como, entre outros, o Código Brasileiro, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão, o suíço, etc.
Finalmente, a tendência moderna e verdadeira é a que propunha que só possam ser considerados crimes militares aqueles que só pelo militar pode ser cometido, constituindo, assim, uma infração específica, pura, funcional ou de serviço”.
Em contrapartida, temos que verificar que o militar também poderá cometer
crimes comuns que não acarretam nenhum prejuízo para disciplina militar. No meio
desta discussão ainda encontramos uma terceira classe defendida por alguns
doutrinadores denominada “mista”. Esta abrangeria as infrações fixadas nas leis
comuns, mas que devido a vítima ou objeto do delito, ofenderiam os ideais militares.
Devemos também diferenciar os crimes militares das infrações disciplinares,
visando fixar a competência correta ao analisar o caso concreto.
Toda esta questão deve ser estudada com muito cuidado pois é inaceitável
que se estabeleça a mesma espécie de julgamento para um cidadão comum e um
indivíduo que tem um cotidiano totalmente regrado, que vive sob o manto de princípios
existentes nas Instituições Militares, que lida com normas vinte e quatro horas por dia,
devendo respeitar seus superiores e devendo saber lidar com seus subordinados para
que não receba nenhuma sanção, já que todos seus atos são observados de forma
ininterrupta.
A sociedade não tem o costume de passar o dia inteiro observando se está
cumprindo uma série de normas disciplinares e deveres impostos pelo ambiente militar
e, mesmo quando comete alguma “falta” comum ao cotidiano, não sofre punições
rigorosas como as que existem na caserna.
Para ilustrar o que foi explanado, utilizaremos o artigo 187 do Código Penal
28
Curso de Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 1994.
26
Militar:
“Deserção Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada”.
Trazendo esta mesma situação para o ambiente de trabalho civil, teríamos
um funcionário que poderia até receber um desconto em seu salário ou alguma
punição administrativa, mas jamais sofreria conseqüências penais, muito menos se
sujeitaria a uma pena restritiva de liberdade.
O cientista do direito Esmeraldino Bandeira29 conceitua o crime próprio como
aqueles “que consistem nas infrações específicas e funcionais da profissão do
soldado”.
Os pesquisadores do direito, Adolphe Chauveau e Faustin Hélie30,
denominavam os crimes militares como “políticos” e os dividiam da seguinte maneira:
“Uns (os delitos propriamente militares) são de ordem política e são aqueles que atentam contra a disciplina do exército, aqueles que infringem o dever militar; os outros (os delitos comuns) pertencem à ordem moral: são delitos comuns que tomam caráter misto em razão da qualidade dos acusados e das pessoas que eles lesam; tais são os delitos cometidos de militar a militar e os roubos nas casernas”.
Existe uma corrente doutrinária que faz uma classificação baseada em
elementos subjetivos, valendo-se da disciplina militar e da obediência militar de modo
que qualquer delito executado por um membro das Instituições Militares, atingiria um
destes aspectos. Esta classificação seria útil para uma análise psicológica, mas para o
âmbito jurídico ela é quase que irrelevante já que no julgamento da Justiça Militar
serão necessários critérios objetivos.
29
Direito, Justiça e Processo Militar. 2º Ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1919, v.1, pg 176. 30
CHAUVEAU, Adolphe; HÉLIE, Faustin. Theórie du Code Pénal, pág . 54. Bruxelles: Editora Bruylant-Christophe, 1858.
27
Toda esta polêmica nasceu na França com a constituição da comissão militar
que foi criada com o fim de reformar a Justiça Militar no ano de 1808, sendo que um
dos assuntos que ela trataria era a separação, enumeração e classificação dos crimes
militares. Ao final, esta comissão optou por classificar os delitos militares como
aqueles em que se ofendem apenas os deveres específicos da caserna.
Quase cem anos depois, no ano de 1906, surgiu na Câmara Francesa um
projeto de lei que enumerava os crimes que ofendiam os deveres militares:
espionagem, revolta, motim, insubordinação, desobediência, violência contra superior,
deserção, traição (artigos 204 a 247 e 250 a 256 do CPM francês).
A comissão francesa também elencou a insubmissão, crime este que
concordamos em classificar como especificamente militar, pois, apesar do autor não
ser um membro da Instituição Militar, ele se encontra em um momento que serve
obrigatoriamente aos interesses da caserna, podendo então ofender os princípios e
ideais da mesma.
Com base no artigo 9º do Código Penal Militar31, temos ainda os crimes
31
Art. 9º do Código Penal Militar: “Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. (Vide Lei nº 9.299, de 8.8.1996) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública,
28
militares em razão da pessoa, isto é, crimes considerados comuns (furto, roubo,
apropriação indébita), mas que pelo fato do agente ser membro das Forças Militares,
quando ofende os ideais e a administração dessas, desclassificam o crime, deixando
de ser comum para se tornar militar.
Seguindo com este raciocínio, ainda com mais razão não podemos classificar
como outra espécie de crime, senão militar, os praticados por membro da corporação
que se utilize de uma falsa impressão de compromisso com a justiça, com a pátria,
com a segurança ao cidadão, para cometer delitos, fingindo ser um real protetor da
disciplina, ordem e valores enraizados na vida da caserna.
Entretanto, cabe a ressalva de que alguns doutrinadores entendiam que o
que foi exposto no parágrafo acima deveria ser tratado como uma simples agravante
no Código Penal, o que não me parece correto. Isso ocorre normalmente nas leis
penais comuns, como no caso do homicídio (artigo 121 do Código Penal) que deixa de
ser simples quando cometido “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por
outro motivo torpe; por motivo fútil; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa do ofendido“ etc.
Estas agravantes não retiram o caráter principal do delito, não alteram as
características constitutivas do crime, não alcançam o “substractum” vital, os seus
pilares permanecem fixos, as agravantes constituem apenas peças acessórias. O
homicídio não é desconsiderado, não deixa de ser averiguado como tal por ser contra
mãe, pai, irmão, ou por ser contra criança ou maior de sessenta anos (artigo 61 do
Código Penal).
Diante disto, creio que não é a melhor opção, apenas pelo agente ser militar,
classificarmos estes crimes como mistos, criando uma área cinzenta, uma fronteira
entre as classes. O que devemos fazer é tratar estes delitos como a Justiça Comum
faz, como o Código Penal estipula, fixando uma punição mais severa, já que o autor
administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior. Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei n
o 7.565, de 19 de dezembro de 1986 -
Código Brasileiro de Aeronáutica”.
29
do crime deveria ter um comportamento exemplar e contrário ao ato que praticou,
além de poder se deparar com a utilização da confiança que é dada pela vítima por se
ter a falsa impressão de que aquele indivíduo estaria ali para protegê-la e não para
ofender qualquer direito dela.
Toda esfera criada pelo ambiente militar, faz com que, quando o agente de
crime comum seja membro da caserna, este crime seja ultrajado, o que não significa
alteração da natureza do delito e o que não serve de fundamento para que se aceite a
criação desta classe híbrida, mista, fronteiriça.
Por estes motivos, que a distinção entre crime militar e crime comum cada
vez mais demonstra sua extrema importância, fixando a ideia de que existem os que
afetam a hierarquia, ordem, disciplina diretamente; enquanto outros são atingidos
pelas circunstâncias de uma esfera militar, de um crédito que é fornecido por se tratar
de um membro das Forças Militares, o que facilita a execução da infração penal.
Em relação ao Direito Comparado, podemos perceber que muitos países
colocam como militares tanto os crimes que atingem especificamente os deveres
militares, quanto os que são denominados como mistos e, até mesmo, alguns crimes
comuns. Essa classificação abrangendo todos estes tipos de crimes é denominada
Teoria da Prefiguração Ampla dos Crimes.
Na França, não se distinguia os delitos civis dos militares. O código de 1791
conceituava o crime militar da seguinte forma: “consistent dans la violation, define par
la loi, du devoir mlitaire, et la loi determine les peines que doivent y être appliquées“32.
Além disso, a lei francesa ainda fixava que para ser crime militar, necessariamente
deveria ser praticado por um membro das Forças Militares, não existia crime militar
praticado por um civil.
Algumas décadas depois este pensamento mudaria, o surgimento dos
Códigos do Exército33 e da Marinha34 fez com que os delitos militares fossem definidos
como aqueles que estivessem fixados na legislação francesa. Vale observar que havia
também a previsão de que era competência da Justiça Militar, os crimes comuns
32
Tradução: “(...) consiste na violação, definida na lei, do dever militar e a lei define as sanções que devem ser aplicadas”. 33
Ano de 1857. 34
Ano de 1858.
30
quando fosse praticado por membro da corporação.
Citemos como outro exemplo no direito comparado o Código Penal Militar
português de 1986:
“Artigo Iº, nº1: (...) as infrações que constituem crime essencialmente militares, por violarem algum dever exclusivamente militar ou por ofenderem diretamente a segurança ou disciplina do exército; no nº do mesmo artigo Iº define as infrações militares não especificadas, como sendo aquelas: que em razão da qualidade militar dos delinqüentes ou do lugar ou circunstância em que são cometidas, tomam o caráter de crimes militares”.
Esta era a definição dada para os crimes militares mistos, sendo que nos
artigos 170 a 191 ele enumerava os que não afetavam diretamente a ordem militar.
Uma disposição interessante e de acordo com o alto grau de hierarquização que existe
no meio é que, segundo o artigo 48 do CPM português, quando um crime fosse
praticado por mais de um militar, o de mais alta patente, ou se de mesma patente, o
mais antigo no posto, ou se também possuírem o mesmo tempo, o mais velho, recebia
a punição pelo crime de instigação.
Já a Itália entendia que qualquer violação à lei penal militar era considerada
crime militar, consoante artigo Iº do Código Penal Militar da Marinha e artigo Iº do
Código Penal Militar italiano. Diante destas previsões, é perceptível que para os
italianos, era crime militar tantos os impróprios, como os que ofendiam diretamente os
deveres da caserna.
Na Espanha se realiza uma classificação um pouco diferente. Existem três
classes. A primeira é chamada de profissional, quando membros das Forças Militares
deixavam de cumprir com dever proveniente de sua profissão; a segunda é a militar,
quando o militar, por ação ou omissão, viola especificamente a disciplina, a ordem
militar; e por fim a classe comum, classe residual, os crimes que não se encaixam nas
classificações anteriores.
Esse critério é observado no Código Penal da Marinha35 e do Exército36
Espanhol.
35
Artigo 3º. 36
Artigo 2º.
31
Voltando à norma pátria, não podemos deixar de citar o mandamento do
nosso antigo Código Penal Militar37 em seu artigo 5º: “toda ação, ou omissão, contrária
ao dever marítimo ou militar, prevista por este código, e será punido com as penas
nele estabelecidas”. A partir dele, nós vemos que o tratamento dado antigamente, era
semelhante a diversos códigos alienígenas, não se separavam os crimes militares
próprios dos demais tipos, diferente do que faz o código espanhol.
Esmeraldino Bandeira38 diz:
“Apesar de ser um código de feitura relativamente recente, não tem nenhum sistema. Crimes especificamente militares, juntamente com crimes comuns, acham-se incluídos sem qualquer espírito científico; pela nossa legislação absurda e caótica; tanto são crimes militares a revolta, a deserção, como roubo, o assassinato, o incêndio, os ferimentos, o peculato, etc”.
Este pequeno trecho de sua obra demonstra que os estudiosos daquela
época não eram a favor da forma que o código foi escrito. Para eles, no CPM
deveriam estar previstos apenas os crimes especificamente militares, aqueles que
tinham como finalidade proteger a disciplina militar.
Ainda é de grande valia, citar o entendimento de Clóvis Bevilácqua39:
“No crime militar, acentua-se mais o particularismo. Na delinqüência das outras classes, a variedade das formas não atinge a parte nuclear do crime, a sua natureza. Na criminalidade militar, a diferenciação começa de mais longe. Há nela o que João Vieira denomina “anomalis”, elementos característicos, que a distinguem da massa geral dos crimes comuns. Se o soldado não é uma simples máquina humana, movendo-se ao arbítrio do superior, se a sua obediência se origina da lei, encontra limites, isenta-o de responsabilidade, em casos em que não isentaria o civil, segundo se pode ver no artigo 22 do Código Penal da Armada, “in fine”, e da lição dos comentadores – João Vieira e Macedo Soares. Essa mesma obediência lhe é imposta com tal rigor, por assim o exigirem as necessidades sociais, que a penalidade militar se ergue severa e minaz para assegurá-la, criando com a insubmissão e insubordinação categorias especiais de crimes”.
37
Anos de 1891 e 1899. 38
Direito, Justiça e Processo Militar, 2º edição, vol I. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1919. 39
Código Penal. Brasília: RSTM, nº 06, Janeiro/Dezembro, 1980.
32
Neste item apresentamos diversos conceitos referentes ao crime militar, e
cada corrente tem seus fundamentos, sendo utilizada por diversos profissionais que
atuam nesta Justiça Especializada40.
Os julgados demonstram que não existe uma opinião unânime sobre a
existência de uma classe fronteiriça, os mistos, os impróprios. Os diversos
pesquisadores possuem opiniões conflitantes que são analisadas quando se deparam
40
Vejamos alguns exemplos: “APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2.369 – TJM/MG Relator: Juiz Décio de Carvalho Mitre Revisor: Juiz Cel PM Rúbio Paulino Coelho Julgamento: 30/06/2005 Decisão: Unânime. PROVIMENTO. (...) EMENTA - Comete crime impropriamente militar, descrito no art. 312 do CPM, aquele que faz inserir declaração falsa ou diversa, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade, desde que o fato atente contra a administração ou serviço militar. - Apelação provida. APELAÇÃO Nº 2.234 TJM/MG Relator: Juiz Cel PM Jair Cançado Coutinho Revisor: Juiz Décio de Carvalho Mitre Origem: Processo nº 20.083/1ª AJME Julgamento: 27/05/2003 Publicação: 06/06/2003 Decisão: Unânime. NEGARAM PROVIMENTO. (...) EMENTA - Policial militar que, em serviço ou atuando em razão da função, dirigindo viatura da Polícia Militar, vier a cometer delito de trânsito contra terceiro, militar ou civil, o crime será militar, conseqüentemente, seu julgamento, da competência da Justiça Militar (art. 9º, inc. II, “c”, do CPM). APELAÇÃO Nº 2.242 TJM/MG Relator: Juiz Décio de Carvalho Mitre Revisor: Juiz Cel PM Paulo Duarte Pereira Origem: Processo nº 15.239/3ª AJME Julgamento: 26/06/2003 Publicação: 09/08/2003 Decisão: Preliminar: Unânime. REJEITARAM. Mérito: Unânime. NEGARAM PROVIMENTO. (...) EMENTA - A CF/88 recepcionou tanto o CPM quanto o CPPM, não tendo sido revogado o art. 233 do CPM, que tipifica o crime impropriamente militar de atentado violento ao pudor, não havendo que se falar em inconstitucionalidade da lei anterior à CF. - Observando o critério trifásico para a fixação da pena privativa de liberdade imposta aos acusados, não há que se falar em nulidade do decreto condenatório. - A omissão só se torna penalmente relevante quando o agente deveria e poderia agir para evitar o resultado danoso”.
33
com o caso concreto.
Por isto, verificamos que de acordo com o critério que o profissional utiliza,
terá uma interpretação diferente. O estudioso que se vale do critério em razão da
pessoa, não se importará com a natureza do delito, se a classificação será comum,
imprópria, própria ou qualquer outra, bastará que o autor do crime seja um militar.
De maneira diferente tratará esta questão, um profissional que utiliza o critério
em razão da matéria, para este, além do agente ter que ser um militar, ele buscará
verificar se o ato está abarcado pela qualidade de militar. Já no critério em razão do
lugar, do tempo e da lei, nós teremos um aumento enorme na lista de infrações
comuns executadas por membros das Forças Militares e crimes militares praticados
por civis.
Como observado, todos estes fundamentos e classificações são utilizados
também na hora de definir se o crime é ou não competência da Justiça Militar, como
será melhor demonstrado no próximo item do trabalho.
2.3. O CRIME MILITAR NO DECRETO-LEI Nº 1001 DE 1969
O Código Penal Militar conceituou o crime militar através de uma classificação
em razão da lei, ou seja, é crime militar o que a lei diz que é. Entretanto, ao
analisarmos o artigo 9º do CPM, percebemos que os demais critérios utilizados na
ciência do direito encontram-se presentes, tais como em razão do lugar, em razão da
pessoa, ratione numeris. Diz o CPM:
“Crimes militares em tempo de paz Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
34
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogada. III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior”.
A partir da leitura do artigo acima, é perceptível a adoção dos demais
critérios. O critério em razão da matéria se encontra nos crimes que exigem a natureza
militar tanto na infração quanto no autor. A classificação quanto o lugar se encontra
nos crimes que são fixados como militares, simplesmente por ocorrerem em local sob
administração militar, como visto no inciso II, alínea „e‟ do artigo supracitado.
Ainda nos valendo dos critérios jurídicos, temos as infrações militares em
razão da pessoa as quais exigem que o agente seja membro das Forças Armadas,
como explicado no item anterior. E, por fim, em razão do tempo (ratione temporis) que
se justificam pela época em que o crime é praticado, como se verifica no artigo 10 do
CPM que trata dos crimes em época de guerra.
Ilustrando o tema exposto podemos citar dois julgados do Supremo Tribunal
Federal onde se percebe a utilização de outros critérios para dizer que o crime é militar
e que deve ser julgado pela Justiça Militar:
35
"Julgando conflito de competência suscitado pelo STM em face do STJ, o Tribunal, por maioria, com fundamento no art. 9º, II, 'a', do Código Penal Militar, assentou a competência da Justiça Militar para o julgamento de crime de homicídio cometido por militar, em face de outro militar, ocorrido fora do local de serviço. Considerou-se que, embora o homicídio tenha ocorrido na casa dos envolvidos, por motivos de ordem privada, subsiste a competência da Justiça Militar porquanto qualquer crime cometido por militar em face de outro militar, ambos em atividade, atinge, ainda que indiretamente, a disciplina, que é a base das instituições militares. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Marco Aurélio, que assentavam a competência da Justiça Comum para o julgamento da espécie (CPM, art. 9º: 'Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;'). Precedentes citados: RE n°. 122.706/RJ (RTJ 137/408) e CJ n°. 6.555/SP (RTJ 115/1095)." (STF, Plenário, CC n°. 7.071/RJ, rel. Min. Sydney Sanches, j. em 5.9.2002, Informativo STF n°. 280). "A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se alegava a incompetência da justiça militar para processar e julgar civil denunciado por homicídio qualificado praticado contra militar, que se encontrava de sentinela em posto de vila militar, com o propósito de roubar-lhe a arma. Pleiteava-se, na espécie, a nulidade de todos os atos realizados pela justiça castrense, ao argumento de ser inconstitucional o art. 9º, III, do CPM, por ofensa ao art. 5º, XXXVIII, da CF (Tribunal do Júri). Entendeu-se que, no caso, a excepcionalidade do foro castrense para processar e julgar civis que atentam dolosamente contra a vida de militar apresenta-se incontroversa. Tendo em conta o que disposto no art. 9º, III, 'd', do CPM ('Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] III – os crimes praticados por [...] civil [...]: d) [...] contra militar em função de natureza militar ou no desempenho de serviço de vigilância [...]'), asseverou-se que, para se configurar o delito militar de homicídio, é necessário que a vítima esteja efetivamente exercendo função ou desempenhando serviço de natureza militar, não bastando a sua condição de militar. Precedentes citados: RHC n°. 83.625/RJ (DJU de 28.5.99); RE n°. 122.706/RJ (DJU de 3.4.92)." (STF, 1ª T., HC n°. 91.003/BA, relatora Ministra Cármen Lúcia, j. em 22.5.2007, Informativo STF n°. 468).
No último julgado entendeu-se que houve crime militar por quatro motivos
principais: a vítima era militar; o ofendido estava exercendo função militar consistente
na vigilância de vila militar; a intenção do sujeito ativo era roubar arma pertencente ao
patrimônio da Força Aérea Brasileira; o lugar onde se praticou o crime estava sob
administração militar.
36
2.4. COMPARAÇÃO E DISTINÇÃO ENTRE O CRIME MILITAR E O CRIME COMUM
Para uma efetiva análise de tais tipos de crimes não podemos nos restringir
ao Código Penal Militar e aos conceitos fornecidos pelas doutrinas. É necessária uma
pesquisa que abranja toda legislação que se refira ao funcionamento, disciplina,
regulamentação das Instituições Militares, inclusive a Polícia Militar e o Corpo de
Bombeiro Militar.
Com isto, a conceituação presente no “caput” do artigo 42 do Estatuto dos
Militares, Lei nº 6.880 de 09 de dezembro de 1980, ganha enorme importância para
discussão proposta neste capítulo. Confira:
“CAPÍTULO III Da Violação das Obrigações e dos Deveres Militares SEÇÃO I Conceituação Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas”.
A partir da possibilidade prevista no artigo supracitado, nos anos de 1994 e
200241, o Regulamento Disciplinar do Exército utilizou-se de tal norma para explicar o
que constituiria transgressão militar:
“CAPÍTULO II DAS TRANSGRESSÕES DISCIPLINARES Seção I Da Conceituação e da Especificação Art.14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”.
Com base neste artigo, percebe-se que a diferença entre transgressão militar
e crime militar é a maior complexibilidade que o segundo possui, já que os bens
jurídicos protegidos são os mesmos.
41
Decreto nº 90.608, de 04.12.1994 e Decreto nº 4.346, de 26.08.2002.
37
Lei do Serviço Militar; Leis de Promoções de Oficiais e Praças; Regulamento
Disciplinar do Exército, da Aeronáutica e da Marinha; etc., todas estas normas devem
estar presentes para uma efetiva análise. Isto tudo para que se entenda que só se
compreende o que é crime militar se aprendermos, absorvermos os valores protegidos
pelas Forças Armadas e todas as instituições militares, os quais formam o grupo de
bens tutelados pelo Estado.
Após nos colocarmos na posição de um patriota que vê a honra como o
princípio que guia o grupo, que tem enraizado o significado da hierarquia, tratando-a
como uma “segurança militar”, valendo-se da ideia de que existe uma certeza de que
todo mandamento proveniente de um superior será cumprido, feito isto, podemos
começar, de uma maneira genérica e objetiva, a enumerar algumas diferenças entre
os crimes militares e comuns.
Uma primeira diferença consiste nas consequências sofridas pelo indivíduo
que cometer o erro sobre a ilicitude do fato e o que cometer o erro de direito. O Código
Penal Militar pune o erro de direito de maneira mais rigorosa, como se verifica no
artigo 35 deste e na jurisprudência do Superior Tribunal Militar:
“Art. 35. A pena pode ser atenuada ou substituída por outra menos grave quando o agente, salvo em se tratando de crime que atente contra o dever militar, supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusáveis”.
“CRIME DE DESERÇÃO. I- ATOS PROCESSUAIS NÃO DECISÒRIOS, PRATICADOS POR CONSELHO DE JUSTIÇA, DURANTE O INTERVALO ENTRE O EXAURIMENTO DO TRIMESTRE E O ATO DE RECONDUÇÃO PARA O PRÓXIMO TRIMESTRE,NÃO INDUZEM A ANULAÇÃO DO PROCESSO. II-INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 508 DO CPPM. III- A ALEGADA AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO SOBRE CRIMES MILITARES, EM RAZÃO DO EXIGUO TEMPO DE CASERNA NÃO PODE ENSEJAR A PRETENSA ABSOLVIÇÃO, PORQUANTO ESBARRA NO PRINCÍPIO ATINENTE A OBRIGATORIEDADE DO CONHECIMENTO DA LEI, POR TODOS, A PARTIR DA SUA PUBLICAÇÃO, INOBSTANTE, 'IN CASU', TRATAR-SE DE LEI ESPECIAL. III- ADEMAIS, O ERRO DE DIREITO É TÃO-SO CAUSA DE ATENUAÇÃO DA REPRIMENDA, 'EX-VI' DO ARTIGO 35 DA LEI PENAL CASTRENSE, INAPLICAVEL, OUTROSSIM, NO CASO 'SUB EXAMEN', EM RAZÃO DA NATUREZA DO CRIME. IV- REJEITADA A PRELIMINAR DE NULIDADE E, NO MÉRITO NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA DEFESA. V. DECISÃO UNÂNIME. (Apelação nº 1986.01.044632-1 – RS de 26.06.1986, Ministro Raphael de Azevedo Branco – STM)”. (Grifo nosso).
38
“INSUBMISSÃO. EXÉRCITO. ERRO DE DIREITO. INADMISSIBILIDADE. 1. RESTANDO O DELITO CARACTERIZADO, PROVADO E CONFESSADO, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM ABSOLVIÇÃO. 2. A INSUBMISSÃO, POR SER UM CRIME QUE ATENTA CONTRA O DEVER MILITAR, NÃO ADMITE A ATENUAÇÃO OU A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PELA INVOCAÇÃO DO 'ERRO DE DIREITO' A QUE SE REFERE O ART. 35, DO CPM. RECURSO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (Apelação nº1992.01.046660-8 – AM de 25.06.1992, Ministro Cherubim Rosa Filho – STM)”. (Grifo nosso).
Já o Código Penal comum, estabelece que se o erro sobre a ilicitude do fato
for invencível, o dolo será excluído, fazendo com que o agente se torne isento de
pena, consoante artigo 21.
Ao falarmos do crime continuado temos que ter em mente que se trata de
uma ficção jurídica que ao verificar que o agente praticou crimes de mesma espécie,
local, tempo, execução etc., fornece um benefício para o réu ao considerar como se
todos os delitos fossem uma só infração. O Código Penal Militar, apesar de adotar a
teoria da ficção jurídica, ao tratar do instituto do crime continuado previsto em seu
artigo 80 e no artigo 71 do Código Penal comum, é mais severo, visto que se utiliza do
mesmo tipo de cálculo do concurso de crimes (artigo 79 do CPM). Diz o Código Penal
Militar:
“Concurso de crimes
Art. 79. Quando o agente, mediante uma só ou mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, as penas privativas de liberdade devem ser unificadas. Se as penas são da mesma espécie, a pena única é a soma de todas; se, de espécies diferentes, a pena única e a mais grave, mas com aumento correspondente à metade do tempo das menos graves, ressalvado o disposto no art. 58.
Crime continuado
Art. 80. Aplica-se a regra do artigo anterior, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser considerados como continuação do primeiro”.
Uma terceira diferença refere-se à tentativa. O artigo 14, inciso II do Código
Penal comum utilizou-se da Teoria Objetiva para punir a execução de um crime que,
apesar de iniciada, não alcança seu resultado devido circunstâncias alheias a vontade
39
do autor, para tanto, fixou que reduziria de um a dois terços a pena que seria dada
caso o crime se consumasse. Em contrapartida, a legislação militar, valendo-se da
Teoria Subjetiva, indica que o juiz poderá aplicar a mesma pena que seria fixada caso
o crime se concretizasse quando entender que a situação teve uma “excepcional
gravidade”, consoante artigo 30, parágrafo único do CPM.
Neste sentido:
“APELAÇÃO - ROUBO QUALIFICADO. TENTATIVA. APLICAÇÃO DA PENA DO DELITO CONSUMADO. Diferente da Justiça Comum, o Código Penal Militar, na hipótese de excepcional gravidade, permite ao Juiz aplicar, ao crime tentado, a pena do crime consumado. In casu, encontra-se, nos autos, plenamente comprovada a gravidade do crime praticado pelos Condenados, ensejando, assim, a aplicação do parágrafo único do artigo 30 do CPM. Apelação da Defesa, a que se nega provimento, por unanimidade de votos, para manter íntegra a Sentença "a quo". (Apelação nº 2003.01.049308 – SP de 10.09.2003, Ministro Olympio Pereira da Silva Junior – STM)”. (Grifo nosso).
O Estado de Necessidade é outro instituto tratado diferentemente pelas
legislações em análise. O Decreto nº 1.001 de 1969 o coloca como excludente de
culpabilidade (artigo 39) e como excludente do crime (artigos 42, inciso I, e 43). A
culpabilidade seria afastada no caso do agente possuir relação de afeição ou de
parentesco com a pessoa que teve seu direito protegido, desde que cumpra também
os demais requisitos comuns às duas legislações (perigo certo e atual, inexistência de
outro meio de se evitar, etc.). O artigo 24 combinado com o artigo 23, inciso I, ambos
do Código Penal apenas colocou este instituto como excludente de ilicitude, não
fornecendo esta proteção dupla ao agente.
O parágrafo único do artigo 42 do Código Penal Militar ainda prevê o Estado
de Necessidade para casos específicos envolvendo comandante de aeronave e navio,
ou praça de guerra, principalmente, devido ao fato do comandante possuir o dever de
manter sua equipe sob controle, estando sujeito a uma série de punições caso não
cumpra tal mandamento. Vale observar o Decreto-Lei nº 1.001/69:
“Art. 42, parágrafo único: Não há igualmente crime quando o comandante de navio, aeronave ou praça de guerra, na iminência de
40
perigo ou grave calamidade, compele os subalternos, por meios violentos, a executar serviços e manobras urgentes, para salvar a unidade ou vidas, ou evitar o desânimo, o terror, a desordem, a rendição, a revolta ou o saque. Art. 198. Deixar o comandante de manter a fôrça sob seu comando em estado de eficiência: Pena - suspensão do exercício do pôsto, de três meses a um ano. Art. 200. Deixar o comandante, em ocasião de incêndio, naufrágio, encalhe, colisão, ou outro perigo semelhante, de tomar tôdas as providências adequadas para salvar os seus comandados e minorar as conseqüências do sinistro, não sendo o último a sair de bordo ou a deixar a aeronave ou o quartel ou sede militar sob seu comando: Pena - reclusão, de dois a seis anos”.
Partindo da Constituição Federal, artigo 5º, inciso XLVII, alínea 'a',
percebemos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.
Entretanto, antes mesmo do surgimento desta Carta Maior, a legislação militar já
continha tal pena prevista para determinadas situações, tais como as penas máximas
para quem praticasse crime de traição (artigo 355 e seguintes do CPM), ao contrário
do Código Penal comum, o qual não possui nenhum crime sujeito à pena capital.
Observe os seguintes exemplos contidos no CPM:
“Traição Art. 355. Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestar serviço nas fôrças armadas de nação em guerra contra o Brasil: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo. Favor ao inimigo Art. 356. Favorecer ou tentar o nacional favorecer o inimigo, prejudicar ou tentar prejudicar o bom êxito das operações militares, comprometer ou tentar comprometer a eficiência militar: I - empreendendo ou deixando de empreender ação militar; II - entregando ao inimigo ou expondo a perigo dessa conseqüência navio, aeronave, fôrça ou posição, engenho de guerra motomecanizado, provisões ou qualquer outro elemento de ação militar; III - perdendo, destruindo, inutilizando, deteriorando ou expondo a perigo de perda, destruição, inutilização ou deterioração, navio, aeronave, engenho de guerra motomecanizado, provisões ou qualquer outro elemento de ação militar; IV - sacrificando ou expondo a perigo de sacrifício fôrça militar; V - abandonando posição ou deixando de cumprir missão ou ordem: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo. Tentativa contra a soberania do Brasil Art. 357. Praticar o nacional o crime definido no art. 142: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo. Coação a comandante Art. 358. Entrar o nacional em conluio, usar de violência ou ameaça,
41
provocar tumulto ou desordem com o fim de obrigar o comandante a não empreender ou a cessar ação militar, a recuar ou render-se: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo. Informação ou auxílio ao inimigo Art. 359. Prestar o nacional ao inimigo informação ou auxílio que lhe possa facilitar a ação militar: Pena - morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.” (Grifo nosso).
Tratemos agora de outra diferença a qual se refere às espécies de penas,
mais precisamente, penas infamantes. O artigo 9842 do CPM, combinado com o artigo
142, §3º da Constituição Federal43, preveem a declaração de indignidade para os
militares que forem condenados por uma série de crimes, tais como: espionagem,
chantagem, pederastia, peculato etc. O membro das Forças Armadas que, por decisão
do Superior Tribunal Militar, sofrer a pena supracitada, perderá o posto e patente, não
sendo mais militar, muito menos oficial, ocasionando sua demissão e deixando de
receber qualquer indenização, consoante artigo 119 do Estatuto dos Militares:
“Art. 119. O oficial que houver perdido o posto e a patente será demitido ex officio sem direito a qualquer remuneração ou indenização e receberá a certidão de situação militar prevista na legislação que trata do serviço militar.(Lei nº 6.880 de 09.12.1980)”.
Ainda temos que analisar a Lei nº 3.765 de 1960 que estipulava o pagamento
de uma pensão militar para os herdeiros do militar que sofreu esta pena. O artigo 20
desta lei fixava que “o oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado,
42
“Art. 98. São penas acessórias: I - a perda de pôsto e patente;II - a indignidade para o
oficialato; III - a incompatibilidade com o oficialato;IV - a exclusão das fôrças armadas; V - a perda da função pública, ainda que eletiva;VI - a inabilitação para o exercício de função pública;VII - a suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela; VIII - a suspensão dos direitos políticos”. 43“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,
são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (...) § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (...) VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior”.
42
contribuinte obrigatório da pensão militar, que perde posto e patente, deixará aos seus
herdeiros a pensão militar correspondente”. Isto ocorre devido a idéia de que o militar
que fosse considerado incompatível ou indigno, era um militar morto (“mors ficta”).
Analisando a suspensão condicional da pena, concluímos que o Código Penal
Militar é mais rigoroso em relação aos requisitos cobrados do indivíduo que busca este
benefício. O CPM, artigo 84, inciso I, cobra que o acusado não seja reincidente em
crime algum que tenha como punição a pena privativa de liberdade. O Código Penal
comum, artigo 77, inciso I, apenas requer que não seja condenado em crime doloso,
não abrangendo o condenado por crime culposo. Além disso, cabe citar as seguintes
exceções:
“Código Penal Militar. Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica: I - ao condenado por crime cometido em tempo de guerra; II - em tempo de paz: a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção; b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235, 291 e seu parágrafo único, ns. I a IV”.
A Lei 9.099/95 que trata dos Juizados Especiais Criminais, utilizando a
conciliação, julgando as infrações penais de menor potencial ofensivo, não é utilizada
no campo do direito militar, conforme demonstra o entendimento do Superior Tribunal
Militar ao criar a Súmula nº 9 que diz: “A Lei nº 9.099/95 não se aplica na Justiça
Militar da União”.
Este tema foi muito discutido, até que a Lei nº 9.839/99, modificando a lei dos
Juizados Especiais, inseriu o artigo 90-A que estabelece que “as disposições desta lei
não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. A partir de então, ficou evidente que esta
lei não atingiria nenhuma legislação de caráter militar, independente de ser municipal,
estadual ou da União.
Assim, temos uma série de diferenças elencadas acima que demonstram que,
em regra, o Código Penal Militar é mais severo, mais rigoroso com os crimes militares
do que o Código Penal comum ao tratar dos crimes comuns. Esta ideia é contrariada
ao verificarmos que o homicídio doloso do artigo 205 do CPM não está abarcado pela
44
3. O CRIME DE HOMICÍDIO
3. 1. OS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
O Código Penal se dividiu levando em consideração o bem jurídico tutelado.
O artigo 121 iniciou a Parte Especial no Título I tratando “Dos Crimes Contra a
Pessoa”, inserido no Capítulo I, “Dos crimes contra a vida”. Neste capítulo temos os
seguintes crimes: Homicídio (artigo 121); Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
(artigo 122); Infanticídio (artigo 123); Aborto provocado pela gestante ou com seu
consentimento (artigo 124); e Aborto provocado por terceiro subdividido naquele sem o
consentimento da gestante (artigo 125) e com o consentimento da gestante (artigo
126).
O Código Penal Militar, diferentemente do Código Penal comum, não possui
uma parte específica que trate dos crimes contra a vida, mas em seu Título IV onde
trata dos Crimes Contra a Pessoa, estabelece apenas três crimes, são estes: o
homicídio (artigo 205) e sua forma culposa (artigo 206), a provocação direta ou auxílio
a suicídio (artigo 207) e, o genocídio (artigo 208). Deste modo, o infanticídio e as
diversas formas de aborto não estão previstas no Código Penal Militar, provavelmente
por acharem que tais crimes não atingiam os interesses militares da época em que foi
criado tal código.
No caso do homicídio, a Justiça Comum segue o rito dos crimes de
competência do Júri, regulamentado nos artigos 406 até 497 do Código de Processo
Penal. Vale observar que tal procedimento sofreu uma série de alterações
provenientes da lei n.º 11.689 de 9 de junho de 2008.
3. 2. ASPECTOS GERAIS DO CRIME DE HOMICÍDIO
A origem do termo homicídio vem do latim “hominis excidium”, consiste no ato
de uma pessoa matar outra. “Matar alguém”, a partir da leitura do artigo percebemos
que a ação nuclear é expressa pelo verbo “matar”, no sentido de extinguir, destruir,
45
acabar. O bem jurídico tutelado é a vida humana. De acordo com o artigo 13, §2º do
Código Penal e, artigo 29, §2º do Código Penal Militar, tal delito pode ocorrer por ação
ou omissão, tratando-se de infração penal de ação livre.
O crime em pauta é a mais chocante ofensa ao senso moral médio da
humanidade civilizada, tendo como objeto de tutela um bem de enorme importância.
Vale lembrar o ensinamento clássico de Carmignani, definindo tal crime da seguinte
forma: “violenta hominis caedes ab hominis injuste patrata”, (ocisão violenta de um
homem injustamente praticada por outro homem).
No âmbito religioso temos a história de Caim e Abel. Ambos tiveram que
entregar ofertas a Deus. O primeiro deu frutas do solo e o segundo forneceu primícias
do seu rebanho44. O presente de Abel, segundo a história, agradou a Deus, sendo que
o do outro irmão não. Entende-se que o sacrifício de Abel foi realizado com fé, devido
à citação bíblica de que "pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício de maior valor do
que Caim.” 45, um sacrifício total. Com isto, Caim, cheio de ciúmes, atraiu seu irmão
para uma cilada no campo. Ao chegar ao local matou seu irmão; tal passagem
representa o primeiro assassinato da história do homem.
Em outros aspectos, ao analisarmos o homem desde o seu surgimento,
observaremos uma espécie que luta pela sua própria vida ou de seus iguais por
diversos motivos: territórios, fêmeas etc. Isso em um momento em que sua
racionalidade ainda encontrava-se em desenvolvimento.
Temos um animal que convive com a força física, agressões e mortes,
passando por períodos em que isto não era punido até diferentes fases que previam
sanções distintas.
O ato de “matar alguém” recebe nomes diferentes de acordo com as
características do infrator ou do ofendido. Deste modo, temos uma série de
expressões para indicar o mesmo crime, tais como: 1. o assassinato entre irmãos se
denomina fraticídio; 2. sorocídio quando irmãs; 3. feticídio é a morte do feto devido
aborto criminoso; 4. infanticídio é o ato da mãe matar o próprio filho recém-nascido
sob influência do estado puerperal; 5. matricídio ocorre quando o filho mata a própria
mãe; 6. parricídio quando o filho mata o pai; 7. regicídio, a morte de um rei por um de
44
Gênesis 4:3, 4. 45
Hebreus 11:4 - Tradução do Novo Mundo
46
seus vassalos ou súditos; 8. suicídio, o homem que se mata; 9. avunculuciolo é matar
tio ou tia; 10. uxoricídio se refere ao assassinato entre cônjuges46.
Através de uma simples análise de dados referentes à grande quantidade de
assassinatos nas cidades brasileiras, verificou-se a ineficácia do Estado no combate à
atividade criminosa. Diante disto, o Poder Legislativo, com o intuito de diminuir o
número de crimes graves, incluindo o homicídio qualificado, resolveu criar a Lei de
Crimes Hediondos (Lei nº 8.072 de 1990), visando combater este fato através de
punições e procedimentos mais severos.
O rancor da sociedade brasileira em relação a este crime já é antigo, a
própria Carta Maior de 1937 estabeleceu em seu artigo 122, nº 13, alínea “f”, que em
tempo de paz, a legislação poderia fixar a pena capital nas infrações cometida em
desfavor da segurança nacional, principalmente no caso de morte por motivo fútil ou
cruel. Percebemos também na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso
XLIII, onde estabelece que a “lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos em lei como crimes hediondos”.
Nas leis militares, o homicídio sempre esteve previsto. O artigo 150 do Código
Penal Militar já previa este crime, bem como o artigo 181 do mesmo código de 1944 e,
atualmente, temos o artigo 205. O Código Penal Militar de 1969 ainda colocou como
qualificadora a cobiça, ambição desmedida, representada pela cupidez, o assassinato
realizado para excitar ou saciar desejos sexuais, o que também era previsto no Código
Penal comum de 1969, este revogado antes mesmo de sua vigência.
3. 3. ELEMENTOS DO TIPO
O sujeito passivo previsto na nossa legislação é qualquer ser humano, desde
que após o início do trabalho de parto. Qualquer pessoa física, também chamada de
pessoa natural, pode ser autora deste crime. Já as pessoas jurídicas nunca serão
condenadas por tal delito, do mesmo modo que uma pessoa não pode ser enquadrada
46
De Plácido e Silva.Vocabulário Jurídico, Volumes I e II, 4ª Edição, Editora Forense, ano 1994, páginas 387 e 388.
47
neste crime por matar um animal irracional, cabendo neste caso a aplicação de outro
tipo penal.
Analisando o elemento subjetivo do tipo em questão, temos o dolo como
vontade livre e consciente de praticar a conduta descrita na norma incriminadora. De
acordo com o artigo 18, inciso I do Código Penal, o dolo consiste em uma ação em
que o infrator quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Vale observar, por
exemplo, que não se enquadra no artigo 121 do Código Penal ou no 205 do Código
Penal Militar o indivíduo que assassina terceiro visando subtrair suas coisas
(latrocínio).
A prática de tal infração penal pode ser através de ação ou omissão, como no
caso da mãe que não alimenta seu filho até que ele morra. Neste momento, podemos
classificar as condutas descritas como comissiva e omissiva imprópria,
respectivamente. Ainda pode ocorrer de foma direta, atuando pessoalmente, como
quando o autor do crime desfere várias facadas na vítima, ou de forma indireta, se o
infrator utilizar um cachorro adestrado para morder o pescoço da vítima.
3. 4. OBJETO JURÍDICO TUTELADO
Objeto jurídico, segundo a definição do pesquisador René Ariel Dotti47 “é o
bem que se constitui em tudo o que é capaz de satisfazer as necessidades do homem,
como a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio, etc”. Logo, a partir desta
definição, percebemos que o objeto jurídico tutelado no crime do artigo 205 do Código
Penal Militar é a vida humana extrauterina.
O término da vida consiste na paralisação total da atividade cerebral, visto
que desde o informe de 1968 emitido pelo Comitê de Medicina de Harvard, a antiga
noção da constatação da morte através da falta de batimentos cardíacos ou parada
respiratória se tornou ultrapassada.
47
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.
48
No crime em pauta, a morte não pode ser presumida, pois estamos tratando
de um crime material cuja descrição legal indica um resultado o qual deve existir para
que o delito se consume, deste modo, exige exame de corpo de delito48.
3. 5. A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME MILITAR COMO DOLOSO CONTRA A VIDA
Nesta parte do trabalho, trataremos do conflito entre a Justiça Militar e a
Justiça Comum em classificar um crime militar como doloso contra a vida. Tal aspecto
da matéria, na prática, pode gerar algumas dúvidas.
O Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 82, manda que a Justiça
Militar envie os autos do Inquérito Policial Militar à Justiça Comum. Deste modo, o
entendimento que nos parece mais coerente é que o órgão militar que analisará o
caso concreto e, ao observar que se trata de crime doloso contra vida, encaminhará
para Justiça Comum. Tal raciocínio se torna ainda mais lógico devido à falta de
previsão legal de envio de autos da Justiça Comum para a Justiça Militar.
O artigo 23 do Código de Processo Penal Militar tem o seguinte ordenamento:
“Os autos do inquérito serão remetidos ao auditor da Circunscrição Judiciária Militar
onde ocorreu a infração penal, acompanhados dos instrumentos desta, bem como dos
objetos que interessem à sua prova”. Norma esta que reforça o pensamento exposto,
pois, registrado o IPM, abrindo vistas para sua primeira análise feita pelo Ministério
Público dentro da Justiça Militar, esta autoridade será a primeira a formar a “opinio
delicti” e, estando presente um dos crimes dolosos contra a vida, os quais se
encontram nos artigos 205, 207 e 208 no Decreto Lei nº 1.001/69, verificará se é
hipótese de ser encaminhado ou não para Justiça Comum, isto porque, em regra, se
crime praticado contra civil, será caso de Justiça Comum; se for praticado contra
militar, se manterá na Justiça Militar.
48
Artigo 158 do Código de Processo Penal: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Artigo 564 do Código de Processo Penal: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (...) III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (...) b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no Art. 167.
49
Cabe realizar um breve histórico sobre o parágrafo anterior. Os artigos 124 e
125, §3º e §5º da Carta Maior colocavam os crimes militares como sendo competência
exclusiva da Justiça Militar. Se o infrator fosse membro da Polícia Militar ou dos
bombeiros militares, caberia à Justiça Militar Estadual o processo e julgamento e,
quando membro das Forças Armadas, a Justiça Militar Federal julgaria. Ainda ressalto
que a Justiça Militar Estadual não tem autorização para julgar civis que pratiquem
crimes militares, consoante súmula nº 53 do STJ49, diferentemente da Justiça Militar
Federal que tem autorização constitucional para cuidar deste tipo de caso.
O crime doloso contra a vida cometido por militar contra militar ou civil era
sempre competência da Justiça Militar, como se retira de simples interpretação dos
artigos constitucionais citados no parágrafo anterior antes da alteração da Emenda
Constitucional nº 45. Entretanto, com o surgimento da Lei nº 9.299/96, tal tipo de crime
quando praticado contra civis começou a ser julgado pela Justiça Comum. O Superior
Tribunal de Justiça entendeu que esta lei deveria ter aplicação imediata, abrangendo
até mesmo os processos que se encontravam em andamento.
Nessa época, nasceu uma discussão sobre a constitucionalidade da lei, pois
esta não poderia transferir competência constitucional para a Justiça Comum. Parcela
da doutrina defendeu tal alteração baseada em uma interpretação teleológica, dizendo
que tais delitos deixaram de ser militares, tornando-se comuns. Desse modo, o que
teria se alterado era a natureza do crime. Vale observar que na data de 08 de
dezembro de 2004, a Emenda Constitucional n°. 45 alterou o artigo 125 da
Constituição Federal50, inserindo o mandamento já existente na lei supracitada,
49
STJ Súmula nº 53 - 17/09/1992 - DJ 24.09.1992. Competência - Civil Acusado - Processo e julgamento - Crime Contra Instituições Militares Estaduais: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”. Disponível em http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_ sumula_stj/stj__0053.htm. Acessado em 20/11/2011. 50
Constituição Federal. Artigo 125. “Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição (...) § 4º - Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação anterior à Emenda Constitucional n°45 de 2004). § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
50
extinguindo qualquer dúvida sobre a constitucionalidade desta alteração.
Visando esclarecer melhor a questão apresentada, podemos citar algumas
hipóteses que dependeriam de análise do Ministério Público para que fosse
constatada a necessidade de envio para Justiça Comum, por exemplo: a) se for
identificada legítima defesa ou estrito cumprimento de dever legal, se realizará o
arquivamento do IPM ou a permanência dos autos na Justiça Militar; b) se for crime de
militar contra militar, não será enviado para Justiça Comum; c) caso se verifique que o
crime de homicídio foi culposo, mesmo tendo como vítima um civil, a competência será
da Justiça Militar.
Neste sentido:
“Processual Penal. Homicídio cometido por policial militar em atividade contra militar em idêntica situação. Competência da Justiça Militar. Ausência de constrangimento ilegal. Inexiste constrangimento ilegal no processo e julgamento pela Justiça Militar, de paciente, policial militar, que cometeu homicídio contra militar em idêntica situação. Precedentes da 3a seção. Ordem denegada. Unânime.” (STJ, 5a Turma, HC n.º2003.0001583-4/ SP- Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 18.08.2003). “Troca de tiros entre marginais e policiais militares – Perseguição como obrigação funcional – nega-se provimento inclusive com suporte em parecer ministerial, por incorrer, no caso, crime doloso contra a vida de civil. Não se deve mandar a Júri Popular policiais militares que trocam tiros com bandidos, em razão de uma construção, tão só doutrinária, de dolo eventual, ao atingir marginais. As excludentes de ilicitudes conhecidas como causa de Justificação afastam a existência de uma conduta criminosa, tanto que o legislador, ao estatuir o art. 42 do CPM, dispôs sobre a inexistência de crime quando presentes uma das causas justificantes. Nega-se provimento, mantida decisão do juízo monocrático. Unânime.” (TJM/MG – Recurso Inominado n.º 63, Relator Juiz Dr. Décio de Carvalho Mitre, julgado em 21.11.2002, O Minas Gerais de 29.11.2002).
3.6. O HOMICÍDIO NO CÓDIGO PENAL MILITAR
O crime em questão esta previsto no artigo 205 do Código Penal Militar51.
51
Artigo 205 do Código Penal Militar: “Homicídio simples Art. 205. Matar alguém:
51
O caput trata do homicídio simples, o parágrafo primeiro se refere à
minoração facultativa da pena, enquanto que o parágrafo segundo cuida do homicídio
qualificado.
Antigamente, esse crime possuía previsão no artigo 181 do Código Penal
Militar de 1944 e, no Código Penal para a Armada e o Exército de 189152, estava
fixado no artigo 150.
Tal delito sofreu importante alteração com a edição da Lei 9.099 de 07 de
agosto de 1996, que inseriu o parágrafo único do artigo 9° do Código Penal Militar,
resultando na mudança de competência nos casos dos crimes dolosos contra a vida
cometidos por militares e contra civis, como se verificou no item anterior desse estudo.
Parte da doutrina53 combatia rigorosamente a constitucionalidade dessa
Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Minoração facultativa da pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - por motivo fútil; II - mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou saciar desejos sexuais, ou por outro motivo torpe; III - com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; VI - prevalecendo-se o agente da situação de serviço: Pena - reclusão, de doze a trinta anos”. 52
Artigo 150 do Código Penal para a Armada e para o Exército previsto no Título VI – “Dos crimes contra a segurança da pessoa e vida” – Capítulo I: “Art. 150. Todo individuo ao serviço da marinha de guerra que matar outro com as circumstancias aggravantes dos §§ 1º, 2º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 16º, 17º, 19º e 20º do art. 33, e § 1º do art. 35: Pena - de prisão com trabalho por dez a trinta annos. Si o crime for commettido em presença do inimigo, em aguas submettidas a bloqueio ou militarmente occupadas: Penas - de morte, no gráo maximo; de prisão com trabalho por vinte annos, no médio; e por dez, no minimo. § 1º Si o homicidio não for revestido de alguma das circumstancias referidas: Pena - de prisão com trabalho por dez a vinte annos. § 2º Si a morte resultar, não da natureza e séde da lesão, e sim por ter o offendido deixado de observar regimen medico-hygienico, reclamado pelo seu estado: Pena - de prisão com trabalho por dous a dez annos”. 53
“Tal lei é, em nosso entender, inconstitucional, eis que a competência da Justiça Militar, seja Federal ou seja Estadual, é prevista na rata Magna e não pode ser alterada por simples lei
52
alteração, alegando que uma lei ordinária não poderia estabelecer competência
diferente da prevista na Constituição Federal. Essa corrente ganhou força com a
declaração de inconstitucionalidade realizada pelo Superior Tribunal Militar no Recurso
Criminal 6.348-5/PE54.
3.6.1. HOMICÍDIO SIMPLES
Essa espécie de homicídio, prevista no artigo 205, caput do CPM, é aquela que
não se vale de nenhum motivo especial de atenuação, ou de alguma condição
determinante de pena mais rigorosa.
O objeto jurídico tutelado, como já visto nesse capítulo, é a preservação da
vida humana, valendo observar que sujeito ativo desse tipo pode ser qualquer
indivíduo, não importando se foi executado por um civil ou por um militar, pois os
ordinária. Este é o entendimento também de Antonio Carlo Batista Torres, Promotor de Justiça gaúcho, quando concluiu que “a Justiça Militar, qualquer que seja o sujeito passivo, continua competente a julgar os crimes dolosos contra a vida, praticados por militares, nas circunstâncias mencionadas no art. 9°, do Dec.-lei 1.001/69” (RJ 237/48-49)”. (ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar: Comentários – Doutrina – Jurisprudência dos Tribunais Militares e Tribunais Superiores, pág 423, 6º edição. Curitiba: Juruá Editora, 2007). 54
“RECURSO INOMINADO - DECLA-RAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE "INCIDENTER TANTUM" - "EXCEPTIO INCOMPETENTIAE". I - Exceptio incompetentiae da Justiça Militar da União, para processar e julgar crime doloso contra a vida de civil, em face, em face da Lei nº 9.299, de 07.08.96, oposta pelo MPM e rejeitada, sem discrepância de votos, pelo Conselho Permanente de Justiça, para o Exército. II - Em decorrência de rejeição da exceção oposta, o Parquet Militar interpôs Recurso Inominado. III - Declarada, incidentalmente, pelo tribunal, a inconstitucionalidade da Lei nº 9.299, de 07.08.96, no que se refere ao parágrafo único do art. 9º, do CPM e a o caput do art. 82 e seu § 2º, do CPPM, na forma do art. 97, da Constituição Federal, do art. 6º, III, da Lei nº 8.457/92 e dos art. 4º, III e 65, § 2º, I, do RISTM. IV - Recurso Ministerial Improvido. V - Decisão uniforme. RELATOR: Ministro Gen. Ex. JOSÉ SAMPAIO MAIA RECORRENTE: O Ministério Público Militar junto à Auditoria da 7ª CJM. RECORRIDA: A decisão do Conselho Permanente de Justiça da Auditoria da 7ª CJM, de 12.09.96, que rejeitou a exceção de incompetência da Justiça Militar, argüida pelo Recorrente nos autos do Processo nº 03/96-7. ADVOGADA: Drª. ELIANE OTTONI DE LUNA FREIRE. Defensora Pública”. Acessado em 15.02.2012, disponível em http://www.amajme-sc.com.br/jornal8.htm
53
critérios para caracterização do crime militar são estabelecidos pelo artigo 9° do
Código da Caserna. Por se tratar de um crime militar impróprio, o sujeito passivo
pode ser qualquer pessoa com vida.
A consumação ocorre com a cessação das atividades cerebrais55, denominada
“morte encefálica”, sendo possível a tentativa nos casos em que se verifique a
inequívoca intenção de matar.
O homicídio simples do CPM é uma espécie dolosa, devendo existir vontade
livre e consciente de matar56 (animus necandi).
3.6.2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
Entende-se por “privilegiado”, segundo o parágrafo primeiro do artigo 205 do
55
Lei 9434 de 04 de fevereiro de 2007 (“Lei do Transplante”): “Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”. 56
Ementa: “Policial militar que, conscientemente, saca do revólver e atira em direção à vítima, matando-a, mesmo ausente o animus necandi, previu o resultado, consentindo em sua superveniência. Deve ser apenado pelo dolo eventual, em razão do risco assumido. Negado provimento ao apelo. Unânime”. (TJM/MG – Ap. 2074 – Rel. Juiz Cel. PM. Paulo Duarte Pereira – Minas Gerais, 07.05.1998). Ementa: “Homicídio. Dolo Eventual. Responde por homicídio com dolo eventual o militar que dispara sua arma em direção a um grupo de pessoas, atingindo mortalmente uma delas”. (TJM/MG – Ap.2.290 – Rel. Juiz Dr. Décio de Carvalho Mitre – J. em 17.11.1998 – Minas Gerais, 25.02.1999). Ementa: “Tentativa de Homicídio. Policial Militar que, à paisana, com sintomas de embriaguez alcoólica, na saída de um “bailão”, saca de seu revólver, apontando-o em direção aos integrantes de guarnição policial militar e aperta o gatilho, somente não conseguindo o disparo, porque um Sargento, também à paisana, ao tentar evitar o disparo, introduziu o dedo indicador em ter o gatilho e a guarnição da arma, vindo a ser perfurado pela agulha do aparelho de percussão, impedindo novos acionamentos, comete o delito de tentativa de homicídio, previsto no art. 205, caput, c.c. o art. 30, inc. II, ambos do CP Militar. Apelo improvido, nessa parte, à unanimidade”. (TJM/RS – Ap. Crim. 3.322/01 – Revisor e Relator para o acórdão juiz Cel. Antonio Carlos Maciel Rodrigues – J. em 06.06.2001 – Jurisprudência Penal Militar, Porto Alegre, jan./jun. 2001, p.177). Ementa: “Ameaça e tentativa de homicídio. Desclassificação. Furto qualificado. Insuficiência de provas. Configura crime de homicídio tentado, o soldado que aponta sua arma de serviço para o Auxiliar do Oficial-de-Dia, acionando o gatilho por duas vezes, tentado destravar o fuzil, enquanto era dominado por outros militares e a vítima empreendia fuga. Incerteza quanto à autoria do crime de furto, em face da importunidade da ação de busca da res, realizada cinco dias após o ocorrido. Provido parcialmente o apelo ministerial. Decisão majoritária”. (STM – Ap. 2004.01.049686-6-PA – Rel. Min. Gen. Ex. Valdésio Guilherme de Figueiredo – J. em 02.09.2004).
54
Código Penal Militar, o crime que ocorre por relevante valor social ou moral, sob
domínio de violenta emoção57, ou logo em seguida à injusta provocação da vítima.
De maneira geral, podemos esclarecer o seguinte: a) relevante valor moral:
aquele que atende aos interesses do próprio cidadão (piedade, misericórdia,
compaixão). Ex: eutanásia; b) relevante valor social: aquele que atende aos interesses
da coletividade. Ex: matar um estuprador; matar um traficante de drogas que esta
disseminando tóxicos em determinada comunidade; c) “logo em seguida”: enquanto
houver o domínio da violenta emoção, qualquer reação será considerada imediata.
Tratamos aqui de situações em que a lei acrescenta uma condição que torna a
infração menos grave, consequentemente, reduzindo as sanções. Temos motivos,
sentimentos que despertam simpatia, bondade, refletida, por disposição expressa, em
uma lei menos severa.
3.6.3 HOMICÍDIO QUALIFICADO
Previsto no artigo 205 em seu §2° do Código da Caserna. São crimes com
circunstâncias taxativamente estabelecidas que, devido à motivação do agente, ao
meio empregado para execução, à maior reprovabilidade da conduta, possuem pena
mais grave58.
57
Ementa: “Representação para perda da graduação. Soldado da brigada Militar condenado definitivamente a 4 anos de reclusão como incurso nas sanções do art. 205,§1° do CP Militar (homicídio privilegiado). Não é incapaz de continuar no serviço público policial militar que, no exercício da função, e em atendimento de grave ocorrência, em meio a tumulto e em seguida à luta corporal travada com a vítima e seus familiares, agindo com animus necandi, mas sob verossímil estado de ânimo caracterizado por aguda excitação dos sentimentos e na fisiológica e subitânea descarga nervosa, desfere um único tiro, que produz o resultado letal. Representação rejeitada à unanimidade”. (TJM/RS – Representação para perda de graduação 037/98 – Rel. juiz. Cel. João Vanderlan Rodrigues Vieira – J. em 06.05.1998 – Jurisprudência Penal Militar, jan./jun. 1998, p.316). Ementa: “O Policial Militar que se descontrola e atira contra grupo de rapazes que tumultuava sua atuação funcional na portaria de um clube social responderá por homicídio, se vem a matar um dos oponentes, mas deve ser conhecida a seu favor, a minorante prevista no §1° do art. 205 do COM, eis que é razoável admitir-se que a ação provocadora da turba tenha influído no estado psíquico do agente, levando-o a cometer o crime sob domínio de violenta emoção”. (TJM/MG – Ap. 1.486 – Rel. Juiz Luis Marcelo Inacarato – Acórdão de 05.11.1982) 58
“Ementa: Motivo Fútil. É aquele que, pela sua insignificância ou desproporcionalidade, não deveria ter levado o agente a cometer o crime. Comete homicídio qualificado pelo motivo fútil o policial militar que, despropositadamente, faz um disparo com a arma de serviço contra a vítima, no ato de identificá-la”. (TJM/MG – Ap. 1.790 – Rel. Juiz Dr. Luiz Marcelo Inacarato – Acórdão de 04.03.1983). “Ementa: Homicídio qualificado. Concurso de agentes. Duplicidade de circunstâncias agravantes genéricas. Militares de serviço que, após ingestão de bebida alcoólica e luta
55
O homicídio qualificado do Código Penal Comum59 é um dos crimes
presentes no rol de crimes hediondos da Lei n°8.072/9060. Ao observarmos as
qualificadoras do homicídio qualificado previsto no CPM e do homicídio qualificado
previsto no CP61, encontraremos diversas semelhanças, salvo em relação à cupidez, à
excitação ou saciedade de desejos sexuais e, à prevalência do agente da situação de
serviço. Entretanto, descumprindo com o Princípio da Igualdade e protegendo de
maneira insuficiente o mandado de criminalização do artigo 5°, inciso XLIII da CF, o
artigo 205§2° do CPM não esta elencado na lista de crimes hediondos.
corporal, tendo um deles alimentado a arma de serviço e outro promovido disparo, lesionaram fatalmente um dos soldados que se encontrava imobilizado, o que evidencia homicídio qualificado, nos termos do art. 205 §2°, inc. IV, do CPM. Em seguida, procuraram dissimular o acontecido, dando a entender suicídio, sem preocupação em socorrer a vítima. Incidência de circunstâncias agravantes genéricas decorrentes de embriaguez, do fato de estar de serviço e do emprego de arma utilizada para realização do referido serviço. Apelos defensivos desprovidos. Recurso ministerial agasalhado por decisão majoritária para exacerbar as penas impostas”. (STM – Ap. 2004.01.0496647-5-RJ – Rel. Min. Flávio de oliveira Lencastre – J. em 11.10.2005 – DJU 14.03.2006). 59
Artigo 121, §2° do Código Penal comum. 60
Artigo 1° da Lei 8.072/90. 61
“Art 121. Matar alguém (...) Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo futil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime”.
56
4. MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO
4. 1. MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS
Para concluirmos sobre a necessidade de que certo bem jurídico seja objeto
de tratamento penal, devemos observar os princípios da subsidiariedade, da
lesividade, entre outros princípios do Direito Penal.
O legislador estará obrigado a prever sanções penais apenas para os casos
em que as medidas administrativas e civis não forem suficientes.
Nesse sentido temos a decisão 39, I, do Tribunal Constitucional Alemão que
estipula que só se produzirá leis com previsões de sanções penais “em casos
excepcionais, se a proteção ordenada pela Constituição não pode ser alcançada de
nenhuma outra forma (...)”.62
A nossa Carta Magna possui mandados de criminalização explícitos e
implícitos de criminalização, assim como na constituição espanhola, alemã, francesa e
italiana.
62
“A passagem do sistema constitucional criminalizador - ou dos mandados expressos de criminalização - para os mandados implícitos de criminalização foi veloz, haja vista a tendência de expansão do Direito Penal, a qual é de clara e inegável verificação em diversos países da “Civil Law”, realidade da qual não se afasta o Brasil. E assim ocorreu. Na Alemanha, país precursor de tal construção dogmática (com origem jurisprudencial), a decisão paradigmática foi a “Schwangerschaftsabbruch I” (ALEMANHA, 2005, 266 p.ss.), do Tribunal Constitucional Alemão, em 25-02-1975. Nela, julgou-se inconstitucional o § 218a, introduzido ao Código Penal Alemão pela 5a Lei de Reforma do Direito Penal de 1974 (5. StrRG), o qual criava uma dirimente especial no aborto, sempre que realizado por um médico, com a concordância da grávida e desde que não tivessem passado doze semanas desde a concepção. Se assim configurado, estaria excluída a antijuridicidade da conduta dos eventuais agentes. Quando questionada a constitucionalidade da “Solução de Prazo” (a denominação faz menção ao período de 12 semanas a partir da gravidez em que seria lícito abortar) por 193 membros da Câmara Federal e por certos governos estaduais, o Tribunal Constitucional Federal Alemão (BverfG) passou à sua análise, sustentando, de forma inaugural, a existência de mandados constitucionais implícitos de criminalização. Isso restou muito claro no argumento de que “em caso extremo, se, a saber, a proteção ordenada constitucionalmente não puder ser alcançada de outra maneira, o legislador ordinário é obrigado a valer-se dos instrumentos do direito penal”, (ALEMANHA, 2005, 271) a fim de proteger e garantir a vida em desenvolvimento”. (SCALCON, Raquel Lima. Crítica à Teoria dos Mandados Constitucionais Implícitos de Criminalização, pág. 04. Disponível em: http://www6.ufrgs.br/ressevera/wp-content/uploads/ 2009/09/26-artigo-12.pdf. Acessado em 21 de agosto de 2012).
57
Nos mandados explícitos de criminalização o membro do Poder Legislativo
tem a obrigação de criminalizar o que a Constituição Federal estabelece, seguindo a
maneira prevista. Diferentemente dos mandados implícitos, onde deve se verificar se o
bem jurídico em questão configura grave manifestação de dano social, devendo
receber uma previsão de sanção penal (dignidade penal). Além disso, também deve
observar se é realmente imprescindível a intervenção do direito penal, não havendo
meio menos gravoso para proteger o bem jurídico (necessidade da pena).
Diante disto, percebe-se que o legislador ordinário não possui escolha sobre
criminalizar ou não as matérias indicadas pelos mandados de criminalização. Deve a
lei proteger o bem jurídico selecionado de maneira adequada.
O princípio da proporcionalidade, composto pela proibição da proteção
insuficiente e pela proibição do excesso, é utilizado pelo legislador ao realizar o juízo
para reconhecimento de um mandado de criminalização implícito.
O Legislativo, acompanhado do princípio da reserva legal, faz com que os
representantes do povo, sejam responsáveis pela discussão entre as escolhas
possíveis, respeitando a oportunidade e conveniência, para criação ou não de sanções
penais. O artigo 5°, inciso XXXIX da CF/8863 fornece a legitimidade desse juízo ao
legislador.
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção e
a arguição de descumprimento de preceitos fundamentais são instrumentos de
controle judicial para serem utilizados quando o Poder Legislativo não atuar, não
construir leis que protejam de maneira eficaz as matérias previstas pelo constituinte.
Entretanto, não há uma sanção efetiva fixada para o membro do Legislativo
que não legislar sobre o que o mandado de criminalização indica, mesmo depois de
63
TÍTULO II Dos Direitos e Garantias Fundamentais CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
58
cientificado dessa omissão64.
Cumprido o mandado de criminalização, deverá o Poder Judiciário controlar a
adequação da lei prevista, verificando se o Poder Legislativo agiu conforme a ordem
constitucional.
4.2 HISTÓRICO DOS MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS
Não poderemos considerar para esta análise os pressupostos utilizados na
Constituição Federal atual. Ou seja, a democracia, a obrigação do Legislativo atuar
etc, não serão buscadas na elaboração desse esforço histórico.
Entretanto, instrumentos semelhantes aos mandados de criminalização
podem ser descobertos ao se estudar as constituições passadas.
A nossa primeira Constituição outorgada, criada após a independência do
Brasil por encomenda do Imperador Dom Pedro I e que teve a maior vigência, já
possuía determinações com características dos mandados de criminalização.
64
Art. 103 da CF: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. § 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal. § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (grifo nosso). § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
59
No dia 25 de março do ano de 1824 essa Carta Magna apresentou
disposições65 que previam a exceção do flagrante e da ordem escrita para efetivação
da prisão, a organização de um Código Civil e de um Código Penal, os crimes de
responsabilidade, além de estabelecer diversos direitos e garantias para o cidadão66.
65
Constituição Política do Império do Brasil de 1824: Art. 133. Os Ministros de Estado serão responsaveis I. Por traição. II. Por peita, suborno, ou concussão. III. Por abuso do Poder. IV. Pela falta de observancia da Lei. V. Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos. VI. Por qualquer dissipação dos bens publicos. Art. 134. Uma Lei particular especificará a natureza destes delictos, e a maneira de proceder contra elles. Art. 156. Todos os Juizes de Direito, e os Officiaes de Justiça são responsaveis pelos abusos de poder, e prevaricações, que commetterem no exercicio de seus Empregos; esta responsabilidade se fará effectiva por Lei regulamentar. Art. 157. Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei. Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as Ordenanças Militares, estabelecidas como necessarias á disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro do determinado prazo. XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm. Acessado em 26/08/2012. 66
Constituição Política do Império do Brasil de 1824: Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei. II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica. III. A sua disposição não terá effeito retroactivo. VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as. XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta. XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do Réo se transmittirá
aos parentes em qualquer gráo, que
seja.
60
Já a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de vinte e
quatro de fevereiro de 1891, escrita principalmente por Prudente de Morais67 e Rui
Barbosa68, apesar de ter aumentado as garantias penais e processuais penais69
(proibição da pena de morte, “plena defesa”, habeas corpus), diminuiu o rol de
disposições que poderiam ser consideradas como precursoras dos mandados em
estudo.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho do
ano de 1934 que vigorou oficialmente apenas um ano, surgindo por consequência da
Revolução Constitucionalista de 193270, acompanhou a Carta anterior, não
colaborando muito com o surgimento dos mandados de criminalização. Entretanto,
vale observar seu tratamento referente aos crimes de responsabilidade:
XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm. Acessado em 26/08/2012. 67
Prudente José de Morais e Barros (1841-1902), advogado e político, foi o paulista que se tornou o primeiro Presidente Civil da Primeira República e encerrou o período dos governos dos marechais, dando início à oligarquia cafeicultora. 68
Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923) nascido na cidade de Salvador/Bahia, foi jurista, diplomata, deputado, senador, ministro e candidato à Presidência da República. Membro fundador da Academia Brasileira de Letras. 69
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: SEÇÃO II Declaração de Direitos Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 16 - Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas. § 21 - Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra. § 22 - Dar-se-á o habeas corpus , sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acessado em 26/08/2012. 70
A Constituição de 1934 foi consequência direta da Revolução Constitucionalista de 1932, quando a Força Pública de São Paulo lutou contra as forças do Exército Brasileiro. Com o final da Revolução Constitucionalista, a questão do regime político veio à tona, forçando desta forma as eleições para a Assembleia Constituinte em maio de 1933, que aprovou a nova Constituição substituindo a Constituição de 1891, já recente devido ao dinamismo e evolução da política brasileira. Em 1934, a Assembleia Nacional Constituinte, convocada pelo Governo Provisório da Revolução de 1930, redigiu e promulgou a segunda constituição republicana do Brasil. Reformando profundamente a organização da República Velha, realizando mudanças progressistas, a Carta de 1934 foi inovadora mas durou pouco: em 1937, uma constituição já pronta foi outorgada por Getúlio Vargas, transformando o presidente em ditador e o estado "revolucionário" em autoritário. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7 %C3%A3o_brasileira_de_1934. Acessado em: 27/08/2012.
61
Art 57 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República, definidos em lei, que atentarem contra: a) a existência da União; b) a Constituição e a forma de Governo federal; c) o livre exercício dos Poderes políticos; d) o gozo ou exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais; e) a segurança interna do País; f) a probidade da administração; g) a guarda ou emprego legal dos dinheiros públicos; h) as leis orçamentárias; i) o cumprimento das decisões judiciárias. Art 61 - São crimes de responsabilidade, além do previsto no art. 37, in fine , os atos definidos em lei, nos termos do art. 57, que os Ministros praticarem ou ordenarem; entendendo-se que, no tocante às leis orçamentárias, cada Ministro responderá pelas despesas do seu Ministério e o da Fazenda, além disso, pela arrecadação da receita. § 1º - Nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os Ministros serão processados e julgados pela Corte Suprema, e, nos crimes conexos com os do Presidente da República, pelo Tribunal Especial. § 2º - Os Ministros são responsáveis pelos atos que subscreverem, ainda, que conjuntamente com o Presidente da República, ou praticarem por ordem deste.
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro do ano de
1937, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, foi a responsável pelo total
desacordo entre o cotidiano e as suas disposições.
Esse documento ficou reconhecido como “Constituição Polaca”, sendo um
dos motivos para tal nome, o fato de ser baseada na constituição autoritária da
Polônia.
O inciso XIII do artigo 12271, apesar de não ser um mandado de
71
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937: DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 13) não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos previstos na legislação militar para o tempo de guerra, a lei poderá prescrever a pena de morte para os seguintes crimes: a) tentar submeter o território da Nação ou parte dele à soberania de Estado estrangeiro; b) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, contra a unidade da Nação, procurando desmembrar o território sujeito à sua soberania; c) tentar por meio de movimento armado o desmembramento do território nacional, desde que para reprimi-lo se torne necessário proceder a operações de guerra; d) tentar, com auxilio ou subsidio de Estado estrangeiro ou organização de caráter internacional, a mudança da ordem política ou social estabelecida na Constituição;
62
criminalização, pois não fixa uma ordem para que o legislador atue, merece atenção.
Ocorre um aumento das hipóteses de pena de morte previstas na Carta Magna,
deixando de valer apenas as da legislação militar. Entretanto, no momento da história
em que vigeu esta constituição, não havia necessidade que uma lei fosse criada para
poder se utilizar das novas situações em que a pena capital pudesse ser aplicada,
bastava a expedição de um “decreto lei”.
Os artigos 85 e 89 da Constituição de 193772 continuam prevendo os crimes
de responsabilidade.
A Constituição de 1946, visando trazer à tona as liberdades excluídas pela
Constituição de 1937, reduziu o rol de hipóteses previstas para pena de morte,
retornando às disposições da legislação militar. Na análise do artigo 14173 podemos
falar, em sentido amplo, de um mandado de criminalização, apesar disso, por não
haver previsão de tutela penal ao falar em “sequestro e perdimento de bens”, não
existe uma ordem de criminalização propriamente dita.
e) tentar subverter por meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social; f) o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade; Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm. Acessado em 28 de agosto de 2012. 72
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937: DA RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA Art 85 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República definidos em lei, que atentarem contra: a) a existência da União; b) a Constituição; c) o livre exercício dos Poderes políticos; d) a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros público; e) a execução das decisões judiciárias. Art 89 - Os Ministros de Estado não são responsáveis perante o Parlamento, ou perante os Tribunais, pelos conselhos dados ao Presidente da República. § 1º - Respondem, porém, quanto aos seus atos, pelos crimes qualificados em lei. § 2º - Nos crimes comuns e de responsabilidade, serão processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e, nos conexos com os do Presidente da República, pela autoridade competente para o julgamento deste. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm. Acessado em 28 de agosto de 2012. 73
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 31 - Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. A lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acessado em 29 de agosto de 2012.
63
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946
continuou tratando dos crimes de responsabilidade em seu artigo 8974. Entretanto,
dessa vez, em seu parágrafo único, determinou que fosse crida lei especial
regulamentando o assunto.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 em seu primeiro
parágrafo do artigo 150 nos apresenta um mandado de criminalização:
“CAPÍTULO IV Dos Direitos e Garantias Individuais Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei”.
Essa Carta Maior, criada através de um Ato Institucional, representou mais
uma tentativa de legalizar o regime militar oriundo do Golpe de 194675. Mais uma vez
74
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: Art 89 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII - o cumprimento das decisões judiciárias. Parágrafo único - Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acessado em 29 de agosto de 2012. 75
“Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart. A falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável. Não se conseguiu articular os militares legalistas. Também fracassou uma greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao governo. João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1
o de abril do Rio, para Brasília, e
em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976. Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência, conforme previsto na Constituição de
64
tínhamos um descompasso entre a realidade e as previsões constitucionais.
A Constituição de 196976 manteve o mandado previsto no artigo 150, §1°. Já
o §11° desse mesmo artigo sofreu grave modificação no tratamento das penas de
morte:
“Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta”. (Grifo nosso).
Do mesmo modo que ocorreu no primeiro momento em que a ditadura militar
se estabeleceu (1937), a ordem de criminalização não era necessária, visto que
poderia se “regulamentar” uma situação de imputação da pena de morte através de
1946, e como já ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas(...) (...)Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". Com o golpe, deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo "autoritarismo", isto é, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário”. (CASTRO, Celso. O golpe de 1964 e a instauração do regime militar. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964. Acessado em 29/08/2012). 76
“A Constituição de 1967 recebeu em 1969 nova redação conforme a Emenda Constitucional n° 1, decretada pelos "Ministros militares no exercício da Presidência da República". É considerada por alguns especialistas, em que pese ser formalmente uma emenda à constituição de 1967, uma nova Constituição de caráter outorgado. A Constituição de 1967 foi alterada substancialmente pela Emenda Nº 1, baixada pela Junta Militar que assumiu o governo com a doença de Costa e Silva, em 1969. Esta intensificou a concentração de poder no Executivo dominado pelo Exército e, junto com o AI-12, permitiu a substituição do presidente por uma Junta Militar, apesar de existir o vice-presidente (na época, Pedro Aleixo). Além dessas modificações, o governo também decretou uma Lei de Segurança Nacional, que restringia severamente as liberdades civis (como parte do combate à subversão) e uma Lei de Imprensa, que estabeleceu a Censura Federal que durou até o governo José Sarney”. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1967. Acessado em 29/08/2012)
65
um decreto-lei77.
4.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E OS
MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO
A Constituição de 5 de outubro de 1988 é uma das mais amplas e detalhadas
do mundo. Ela surgiu para retirar a última Carta Magna que foi imposta pelo governo,
buscando representar o momento de redemocratização. Foi responsável pelo
surgimento de diversas garantias e direitos (individuais, coletivos, sociais, de
nacionalidade, políticos).
Esse novo entendimento pode ser observado no mandado de criminalização
previsto no artigo 5° da CF/88:
“Artigo 5°, XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”;
Temos uma constituição analítica que expõe detalhadamente todos os
direitos e os deveres por ela fixados, existindo partes que poderiam ser cuidadas pela
própria legislação ordinária (prolixa).
O Direito Penal e o Direito Processual Penal estão espalhados por toda
constituição hodierna. Ao longo de todo esse documento encontramos os princípios da
lesividade (não havendo fato típico sem lesão ao bem jurídico tutelado), da
retroatividade benéfica, da intervenção mínima etc.
77
Constituição de 1969: “Art 58 - O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias: I - segurança nacional; II - finanças públicas. Parágrafo único - Publicado, o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação o texto será tido como aprovado”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm. Acessado em 29/08/2012.
66
Não apenas princípios, como também uma série de normas de cunho penal
podem ser verificadas, tais como: crimes inafiançáveis, regimes prisionais, espécies
de penas proibidas.
4.4 CRITÉRIOS DE ELEIÇÃO
A Constituição Federal serve como parâmetro para eleição dos mandados de
criminalização.
Não podemos optar pela proteção penal de um bem jurídico que ofenda a
Carta Magna, mas também não é necessário que a CF indique o bem para que se
possa criar uma lei penal.
Os mandados de criminalização não pretendem criar obrigações para o
legislador, nem visam apenas fixar leis que protejam as cláusulas pétreas, o que
pretendem é estabelecer os limites necessários para uma adequada atuação do Poder
Legislativo.
Nesse momento surge a discussão sobre qual o papel do mandado de
criminalização: justiça social ou a proteção dos direitos e garantias individuais.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves entende que os mandados de
criminalização possuem a função de mecanismo de proteção de direitos fundamentais,
relacionando cada ordem de criminalização (artigo 37, §4°; 5°, incisos XLI, XLII, XLIII,
XLIV; 7°, inciso X; 225, §3°; 227, §4°; 243, parágrafo único, todas da Constituição
federal de 1988) à um direito fundamental (igualdade, dignidade da pessoa humana,
liberdade, honra, integridade física e emocional, vida, saúde). Diz o autor
supracitado78:
“(...) concluímos que as ordens constitucionais de criminalização são um instrumento da Constituição para oferecer a proteção adequada e suficiente a alguns direitos fundamentais, diante de lesões ou
78
Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção dos Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988, pág. 131. Tese de Doutorado. São Paulo, PUC-SP, 2006.
67
ameaças vindas de agentes estatais ou de particulares”.
Para que o mandado de criminalização tenha uma aplicação que resguarde
os valores da Constituição não é suficiente que apenas proteja os direitos e garantias
individuais, pois teríamos situações em que a justiça social seria ofendida e o direito
individual protegido.
Os meios utilizados para o combate às organizações criminosas, ao
terrorismo, à lavagem de dinheiro, não seriam permitidos caso se optasse pela
proteção absoluta dos direitos e garantias individuais (direito à intimidade, presunção
de inocência etc)79.
Entretanto, buscando a justiça social, realizaremos uma proteção de maneira
ampla aos direitos e garantias individuais o que demonstra uma atitude que cumpre
com o ideal do Estado Democrático de Direito.
Encerrando essa discussão vale atentar ao pensamento de Antonio Carlos da
Ponte80:
A eleição dos mandados de criminalização está muito mais ligada à Justiça Social, do que a proteção absoluta a direitos e garantias individuais. A justificativa é simples: sem proteção aos direitos e garantias individuais, considerados de forma ampla, não há Justiça
79
Lei 8072/90: “Art.8° Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”. Lei n° 9296/96: “Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática”. Código Penal de 1940: “Extorsão mediante seqüestro Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate (...) § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)”. 80
A Fundamentação Constitucional dos Crimes Eleitorais e o Efetivo Combate à Corrupção Eleitoral, págs. 284/285. Tese de Livre-Docência em Direito Penal. São Paulo, PUC-SP, 2008.
68
Social. Porém, é possível o respeito absoluto aos direitos e garantias individuais sem Justiça Social. O respeito aos direitos e garantias individuais devem atuar como ferramentas aptas à garantia da Justiça Social em um Estado Democrático de Direito que conte com um sistema punitivo que, sem descurar da sua face garantista, assegure a consecução de políticas criminais que permitam a convivência pacífica e harmônica em
sociedade.
69
5. MANDADOS EXPLÍCITOS DE CRIMINALIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição Federal de 1988 possui diversos mandados de criminalização
explícitos em seus artigos.
O legislador ordinário não satisfez todos os mandados explícitos existentes,
entretanto, alguns deles já foram atendidos.
São mandados explícitos da nossa CF:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; (...) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.
70
O artigo 5°, inciso XLII da CF trata do crime de racismo que apesar da
existência da Lei n°7.716/89, ainda existem formas de discriminação que não são
tipificadas penalmente. A antiga lei 1390/1951 (Lei Afonso Arinos) já tratava do
racismo, mas até então era encarado como contravenção penal.
A leitura do artigo 1° da Lei n°7.71681 demonstra que não há qualquer
previsão sobre a opção sexual, o que atualmente vem sendo objeto de vários fatos
delituosos no Brasil.
A ordem de criminalização que se refere aos crimes hediondos também não
foi cumprida por completo, apesar da existência da Lei n°8.072/90.
O legislador, ao criar a Lei nº 8.072 de 1990 buscou elencar uma série de
crimes diferenciados, que merecem um tratamento mais rigoroso devido ao grau de
revolta e caos que criam dentro da sociedade brasileira. Isto porque quando ocorre um
delito, ele não só fere um bem jurídico especificamente tutelado como também
desequilibra a ordem social, ofende a harmonia, a paz, a segurança que deve existir
para que os cidadãos possam exercer seus direitos e cumprir com seus deveres.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira82, pesquisador da língua portuguesa,
define a palavra “hediondo” como “(...) 1. Depravado, vicioso, sórdido, imundo. 2.
Repelente, repulsivo; horrendo (...) 3. Sinistro, pavoroso, medonho”.
A Lei de Crimes Hediondos foi alterada pela Lei n° 8.930/94, pela Lei n°
9.695/98 e pela Lei n°12.015/09. Essas modificações acrescentaram o homicídio
simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio e o homicídio qualificado,
além de ter retirado o artigo 270 combinado com o artigo 285, ambos do Código
Penal83.
81
“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. 82
Novo Aurélio Século XXI, 3º edição, pág. 1030. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. 83
Código Penal: “Envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal Art. 270 - Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo: Pena - reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) § 1º - Está sujeito à mesma pena quem entrega a consumo ou tem em depósito, para o fim de ser distribuída, a água ou a substância envenenada. Forma qualificada
71
O artigo 1°, inciso VII-B, incluído pela Lei n° 9.695/9884 foi uma das piores
alterações realizadas, pois segundo essa previsão, uma pessoa que falsificar, alterar
um perfume, por exemplo, estará cometendo um crime hediondo, podendo sofrer pena
de dez a quinze anos de reclusão.
Os artigos supracitados demonstram que o mandado de criminalização em
questão não foi cumprido de forma correta, surgindo leis que provocaram situações
absurdas, originando a diferença de tratamento entre crimes que merecem o mesmo
rigor em seus julgamentos, descumprindo com o princípio da proporcionalidade,
causando penas injustas, desiguais.
O critério adotado pelo legislador para dizer qual crime é hediondo foi
enumerativo. Criou-se um rol taxativo de maneira extremamente frágil, devido à
Art. 285 - Aplica-se o disposto no art. 258 aos crimes previstos neste Capítulo, salvo quanto ao definido no art. 267. Formas qualificadas de crime de perigo comum Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço”. 84
Art. 1o da Lei n°8.072/90: São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados
no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
(Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (...) VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1
o, § 1
o-A e § 1
o-B, com a redação dada pela Lei
no 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 1998)
Art. 273 do Código Penal - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; ((Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) V - de procedência ignorada; (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
72
quantidade de delitos que deveriam estar abarcados por essa lei e que não estão.
Apesar da segurança no momento da aplicação da lei, esse critério fornece ao
legislador a possibilidade de inserir ou excluir situações de acordo com sua avaliação,
o que após verificar as alterações ocorridas nessa lei, faz com que constatemos uma
falta de lógica na atuação do Poder Legislativo.
O critério judicial subjetivo ou o critério legislativo definidor poderiam ser uma
opção melhor para a satisfação dessa ordem de criminalização. O primeiro consiste
em fornecer ao juiz a possibilidade de considerar como hediondo um crime de acordo
com a análise do caso concreto, por exemplo, ao verificar que um assaltante se
utilizou de violência exagerada, desnecessária, causando repulsa extrema da
sociedade.
No caso do legislativo definidor, o legislador criaria limites, enumeraria
características que deveriam estar presentes para que um crime fosse considerado
hediondo, sem estabelecer um rol taxativo de fatos típicos, então os juízes
encaixariam os casos concretos dentro desses conceitos estabelecidos.
Há quem entenda que a melhor opção seria combinar os três critérios85.
Diante disso, até o momento, o mandado de criminalização explícito do artigo
5°, inciso XLIII, da Carta Magna ainda não foi cumprido de maneira eficaz, suficiente,
como se verifica no caso do artigo 205 do Código Penal Militar que apesar de sua
natureza hedionda não se encontra elencado no rol taxativo da Lei n° 8.072/90, o que
além de demonstrar o descumprimento de um mandado de criminalização expresso,
ofende flagrantemente um dos princípios mais importantes da nossa Constituição, o
princípio da igualdade.
Um dos mandados que até agora não foi atendido satisfatoriamente pelo
nosso Poder Legislativo e que tem sido considerado um dos crimes mais marcantes
do século XXI é o terrorismo. Esse crime se expande pelo mundo, atingindo diversos
países, não só onde ocorre o ato terrorista. Diversas organizações políticas, grupos
separatistas, entidades religiosas se utilizam de atos terroristas para alcançar seus
objetivos.
85
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2° edição, págs. 595/596. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
73
O artigo 5°, inciso XLIII da CF é claro ao indicar o terrorismo como crime
equiparado a hediondo86.
Enfrentamos grande dificuldade para conceituar esse delito, apesar da
existência de tratados internacionais que tratam do tema e do projeto de lei 3714/2012
do Deputado Edson Pimenta que tipifica o crime de terrorismo87.
O artigo 7°, inciso X da CF/88 protege o salário, constituindo outra ordem de
criminalização que ainda não foi atendida pelo Poder Legislativo Brasileiro. Apesar da
CLT e da legislação ordinária apresentarem mecanismos de proteção do salário, a CF
optou pela criação de um tipo penal, o que não ocorreu até o momento.
A ordem de criminalização expressa que trata da ação de grupos armados,
civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático vem sendo
cumprida pela Lei n° 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional)88.
A Lei de Segurança Nacional tem o intuito de garantir a ordem política e
social, o Estado de Direito, o regime democrático.
Dessa maneira, o artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição visa proteger o país
dos golpes militares, das tomadas de poder de maneira ilegal, fatos que o Brasil já
86
Art. 2º da Lei n°8072/90: “Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) § 1
o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
(Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) § 2
o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-
se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) § 3
o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá
apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) § 4
o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei n
o 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos
crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade”. 87
Projeto de Lei n°3714/2012: “Art. 1º Esta lei tipifica o crime de terrorismo e dá outras providências. Art. 2º Para fins desta lei, considera-se terrorismo qualquer ato praticado com uso de violência ou ameaça por pessoa ou grupo de pessoas com intuito de causar pânico, através de ações que envolvam explosivos ou armas de fogo, com vistas a desestabilizar instituições estatais”. 88
Lei n° 7.170/83: “Art. 1º - Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I - a integridade territorial e a soberania nacional; Il - o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; Ill - a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.
74
vivenciou décadas atrás.
A Lei n° 9.455/9789 concretiza a atuação do legislador ordinário quanto à
ordem de criminalização da tortura. Havendo também a previsão no artigo 2° da Lei
n°8.072/90 onde se configura como crime equiparado aos hediondos.
Além da lei supracitada, o Brasil é signatário de tratados internacionais que
tratam da repressão desse crime, tendo se comprometido a punir a tortura dentro de
sua jurisdição.
A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanas e Degradantes de 1984 e a Convenção Interamericana para Prevenir e
Punir a Tortura de 1985 já cuidavam desse delito, porém, consideravam como um
crime próprio90, o que não ocorre na lei brasileira91.
89
“Art. 1º da Lei 9455/97: Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) III - se o crime é cometido mediante seqüestro. § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. § 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. § 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”. 90
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes: “PARTE I ARTIGO 1º 1. Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
75
O mandado de criminalização expresso que trata do meio ambiente foi
atendido pela Lei n° 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente. Essa preocupação se torna cada vez
mais importante a partir das constatações de que os avanços tecnológicos, industriais,
nem sempre são compatíveis com a preservação da natureza.
O artigo 225, §3° da CF prevê a punição inclusive das pessoas jurídicas,
principal causadora da degradação ambiental, tal como o artigo 3° da Lei n°9.60592.
Entretanto, até os dias de hoje não há um procedimento adequado para a
responsabilização penal das empresas envolvidas em crimes ambientais.
A culpabilidade, a individualização da pena, o caráter ressocializante do
Direito Penal, os fundamentos clássicos desse ramo são grandes obstáculos para
imposição da sanção penal à pessoa jurídica.
qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura: “ARTIGO 3 Serão responsáveis pelo delito de tortura: a) Os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam; b) As pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se refere a alínea a, ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, comentam-no diretamente ou nela sejam cúmplices”. 91
"A tortura deve ser castigada em si mesma e por si mesma, em razão de seus detestáveis métodos e por seus fins contrários à liberdade e dignidade. Destarte, não considerar que particulares ou extremistas de qualquer tendência possam também empregar a tortura, tanto em relação a outros indivíduos, como aos próprios funcionários públicos, é limitação demagógica e contraproducente, pois tal conclusão carece de lógica jurídica, se se consideram crimes internacionais, fatos cometidos por particulares , como, por exemplo, o tráfico de brancas e de drogas, e se ainda, como parece óbvio, nem todos os funcionários públicos de todos os países foram ou serão torturadores. O monopólio do tipo, pelos funcionários públicos, não contribui para melhorar suas atuações, nem para incrementar seu apreço pelos direitos humanos" (MARZAL, Alejandro Del Toro. La Reforma del Derecho Penal, p. 271, Universidad Autonoma de Barcelona, 1980, apud Alberto Silva Franco, em artigo publicado na Revista do IBCCRIM, p. 60). 92
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.
76
A atividade humana conscientemente destinada a um objetivo necessita de
uma vontade, algo que apenas a pessoa física possui. A imputabilidade, a potencial
consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa são todos argumentos
utilizados na discussão existente na doutrina.
O princípio da personalidade da pena protege o indivíduo que não colaborou
com a consumação do crime, impondo a sanção apenas ao autor, ao partícipe do
delito. Desse modo, a punição feita contra a pessoa jurídica poderia afetar sócios que
não tiveram participação alguma, ou que tiveram seus votos vencidos.
Todos esses conceitos tornam necessária a criação de um sistema penal e
processual penal para efetivação dessa medida relativa às pessoas jurídicas.
O inciso XLIII do artigo 5° da Constituição que trata do tráfico de drogas se
encontra atendido hodiernamente pela Lei n° 11.343/06 após ter passado por outras
leis93.
Os artigos 33, “caput” e §1°, 34 e 36 da legislação supracitada94 criminalizam
a importação, exportação, preparação, fabricação, venda, depósito, fornecimento,
93
Lei n° 6.368/76 e lei n° 10.409/02. 94
“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1
o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas (...) Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa (...) Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1
o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa”.
77
ainda que gratuitamente, de drogas; fabricação, transporte, distribuição, guarda, ainda
que gratuita, de maquinário, de aparelho, de objeto destinado à preparação de drogas,
sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; além do
financiamento ou custeio dessas práticas e muitos outros núcleos.
O artigo 28 da Lei n° 11.343/0695, equivalente ao revogado artigo 16 da Lei n°
6.36896, demonstra a política adotada pala nova lei, onde o traficante esta sujeito a
penas mais rigorosas, havendo um aumento no mínimo da pena privativa de reclusão,
como se verifica em comparação ao artigo 12 da Lei n° 6.36897 e as previsões de
95
“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1
o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou
colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2
o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e
à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3
o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo
máximo de 5 (cinco) meses. § 4
o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão
aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5
o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários,
entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6
o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos
incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa. § 7
o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente,
estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado”. 96
“Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa”. 97
“Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-
78
impossibilidade de liberdade provisória, anistia, graça, indulto, etc, e o usuário é visto
como uma espécie de “doente”, não podendo nem mesmo ser condenado à pena
privativa de liberdade, o que gerou a discussão sobre a despenalização ou
descriminalização da conduta realizada pelo usuário.
O artigo 5°, inciso LI, o artigo 144 e o artigo 243 da CF/8898 também se
referem ao tráfico de drogas.
O abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente
devem ser severamente punidos conforme a ordem de criminalização do artigo 227,
§4° da Constituição do Brasil.
prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substãncia que determine dependência física ou psíquica. § 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica; II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência fisica ou psíquica. III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. 98
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos (...) § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a (...) II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;(...) Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
79
O artigo 5° da Lei n° 8.069/12 (Estatuto da Criança e do Adolescente) reforça
essa ideia dizendo que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais”.
A filmagem ou fotografia de cenas de sexo explícito ou pornográfico com
menores, a venda ou exposição dessas fotos ou vídeos, o armazenamento desse tipo
de registro, o aliciamento, o assédio, a instigação de criança com o fim de com ela
praticar ato libidinosa, são todas condutas previstas no ECA que cumprem com o
mandado de criminalização do artigo 227 da CF.
Os artigos 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D, 241-E, 244-A, 244-B, todos
da Lei n° 8.069 de 199099; os artigos 213, §1°; 216-A, §2°; 217-A, 218, 218-A, 218-B,
99
Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) § 1
o Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo
intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) § 2
o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: (Redação dada pela Lei
nº 11.829, de 2008) I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la; (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 1
o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008)
I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.(Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 2
o As condutas tipificadas nos incisos I e II do § 1
o deste artigo são puníveis quando o
responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o
80
acesso ao conteúdo ilícito de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 1
o A pena é diminuída de 1 (um) a 2/3 (dois terços) se de pequena quantidade o material a
que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 2
o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às
autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) I – agente público no exercício de suas funções; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) II – membro de entidade, legalmente constituída, que inclua, entre suas finalidades institucionais, o recebimento, o processamento e o encaminhamento de notícia dos crimes referidos neste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) III – representante legal e funcionários responsáveis de provedor de acesso ou serviço prestado por meio de rede de computadores, até o recebimento do material relativo à notícia feita à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) § 3
o As pessoas referidas no § 2
o deste artigo deverão manter sob sigilo o material ilícito
referido. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui ou armazena o material produzido na forma do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais. (Incluído pela Lei nº 11.829, de 2008) Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2
o desta Lei,
à prostituição ou à exploração sexual: (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000) Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa. § 1
o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que
se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000) § 2
o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de
funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 9.975, de 23.6.2000) Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1
o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas
utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 2
o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a
infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1o da Lei n
o 8.072, de 25 de julho de
1990. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
81
todos do Código Penal Brasileiro de 1940100, o artigo 1° da Lei de Crimes
Hediondos101, são normas que satisfazem o mandado em questão trazendo condutas
100
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1
o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18
(dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função." (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001) Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001) § 2
o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído
pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1
o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 2
o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009) Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 4
o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.” (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1
o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 2
o Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 3
o Na hipótese do inciso II do § 2
o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da
licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) 101
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n
o
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (...) V - estupro (art. 213, caput e §§ 1
o e 2
o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2
o, 3
o e 4
o); (Redação dada pela Lei nº
12.015, de 2009)(...)
82
que punem os infratores que ofendem a previsão constitucional, que causam mal a
crianças e adolescentes.
83
6. MANDADOS EXPLÍCITOS DE CRIMINALIZAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL
Como dito no item 4.1, não foi apenas a Constituição Brasileira que se valeu
dos mandados de criminalização.
A Argentina ao tratar da democracia, dos atos de violência em desfavor da
ordem institucional, da traição ao país, da liberdade, referindo-se à escravidão, e de
outras matérias, demonstra claramente uma série de ordens de criminalização:
Art. 15 - Na Nação Argentina não há escravos: os poucos que ainda existem devem tornar-se livres a partir da tomada de posse de sua Constituição e uma lei especial regulará qualquer compensação que tal declaração possa dar origem. Todo contrato de compra e venda de pessoas é um crime para o qual as partes serão responsáveis, bem como o notário ou oficial que a autorize. E escravos que, por qualquer meio entrarem no país devem ser libertados, pelo simples fato de estar no território da República. Art. 22 -. As pessoas não devem deliberar nem governar, exceto por meio de seus representantes e das autoridades estabelecidas por esta Constituição. Toda força armada ou reunião de pessoas assumindo os direitos das pessoas e pedindo em seu nome, comete o crime de sedição. Artigo 29 - O Congresso não pode conceder ao Executivo, nem aos Legislativos ou governadores das províncias, faculdades extraordinários ou poder público total, nem pode outorgar atos de submissão ou supremacia em que a vida, a honra, ou a riqueza dos argentinos vai estar à mercê de governos ou de qualquer pessoa que seja. Atos desta natureza levam consigo uma nulidade insanável, e aqueles que os formularem, os consentirem ou os firmarem, estarão sujeitos à responsabilização e condenação como traidores infames da pátria. Artigo 36 – Esta Constituição manterá seu império mesmo quando a sua observância for interrompida por atos de força contra a ordem institucional e o sistema democrático. Esses atos serão irremediavelmente nulos. Seus autores serão punidos com a pena prevista no artigo 29, inabilitados perpetuamente de ocupar cargos públicos e excluídos dos benefícios de indulto e comutação de penas. Aqueles que, como consequência desses atos, usurparem os poderes previstos para as autoridades desta Constituição ou das províncias, serão punidos com as mesmas penas e responderão civil e penalmente pelos seus atos. As respectivas ações serão imprescritíveis. Seção 119 -. A traição contra a Nação consistirá unicamente no em levantar armas contra ela, ou em se juntar a seus inimigos, fornecendo-lhes ajuda e assistência. O Congresso fixará por uma lei especial, a punição para este delito, mas a pena não ultrapassará a pessoa do condenado, nem essa desonra será transmitida a parentes de qualquer grau.
84
As constituições europeias também possuem diversos exemplos de
mandados expressos de criminalização.
A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha102 é uma das
legislações que comprova a afirmação supra:
“Artigo 26 [Garantia da paz] (1) Os atos suscetíveis de perturbar a coexistência pacífi ca entre os povos e praticados com essa intenção, em especial os que tenham por objetivo preparar uma guerra de agressão, são anticonstitucionais. Estes atos estão sujeitos às penas da lei”.
Outros mandados expressos de criminalização podem ser encontrados na
Constituição Espanhola tratando do patrimônio histórico, do meio ambiente e da
liberdade103.
Nesse mesmo sentido temos a Constituição da Itália104 com um mandado de
criminalização que protege o direito à liberdade:
“Art. 13 - A liberdade pessoal é inviolável.Não é admitida forma alguma de detenção, de inspeção ou perquirição pessoal, nem tampouco qualquer outra forma de restrição à liberdade pessoal, a não ser por determinação motivada da autoridade judiciária e, unicamente, nos casos e formas previstos por lei. Em casos excepcionais de necessidade e urgência, indicados categoricamente pela lei, a autoridade de segurança pública pode adotar medidas provisórias, que devem ser comunicadas no prazo de quarenta e oito horas à autoridade judiciária e, se esta não as reconhecer como válidas nas sucessivas quarenta e oito horas, as mesmas entender-se-ão revogadas e nulas para todos os efetivos. É punida toda violência física e moral contra as pessoas que sejam de qualquer modo submetidas a restrições de liberdade. A lei estabelece os limites máximos da prisão preventiva”.
102
Disponível em: http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3160404/Daten/1330556/Gundgesetz _pt.pdf. Acessado em 21 de agosto de 2012. 103
Artigos 45, 46e 55 da Constituição Espanhola. 104
Disponível em: http://www.tudook.com/abi/constituicao_italiana.html. Acessado em 25 de agosto de 2012.
85
Ainda podemos falar em mandados de criminalização expressos nas
Constituições que reconhecem os Tratados Internacionais concedendo-lhes força
constitucional. Nesses casos, apesar de não ser uma forma imediata, podemos dizer
que esses documentos internacionais trazem um mandado explícito de criminalização
de maneira mediata.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves105 exemplifica em sua obra:
A Carta Argentina contém, também, diversos outros mandados de criminalização em razão do reconhecimento de hierarquia constitucional para diversos Tratados, Declarações e Convenções que enumera, artigo 22, entre eles, a Convenção sobre a Prevenção e Sanção do Delito de Genocídio, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial; a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher; a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis. Considerando que todos esses instrumentos internacionais trazem ordens de criminalização é possível dizer que, embora mediatamente, são normas constitucionais.
105
Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção dos Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988, págs. 111/112. Tese de Doutorado. São Paulo, PUC-SP, 2006.
86
7. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O objetivo desse capítulo não é exaurir o tema, nem aprofundar
demasiadamente no estudo dos Princípios Jurídicos. Pretendemos apenas localizar o
Princípio da Igualdade dentro do nosso ordenamento e demonstrar sua relevância.
Inicialmente, trataremos dos princípios em geral, conceito, função,
importância e interpretação. Iremos fornecer uma visão panorâmica da teoria dos
princípios, construindo uma base para melhor compreensão do capítulo.
Em seguida, daremos um enfoque maior ao Princípio da Igualdade e a
necessidade de sua aplicação frente aos dispositivos do artigo 205 do Código Penal
Militar e o Mandado de Criminalização do artigo 5°, inciso XLIII, da Constituição
Federal de 1988.
7.1. CONCEITO DE PRINCÍPIO
Os princípios são mandamentos primordiais, representam a essência do
ordenamento, indicam a direção a ser seguida. Os princípios funcionam como uma
base para que se construam as demais estruturas. De acordo com o doutrinador
Rizzatto Nunes106, "nenhuma interpretação será bem feita ser for desprezado um
princípio".
A definição em pauta é uma das mais difíceis de realizar, apesar da clareza
dos conceitos encontrados nas diversas obras brasileiras e do direito comparado.
O conceito de princípio em sentido amplo, segundo Nicola Abbagnano107,
significa: "ponto de partida e fundamento de um processo qualquer".
Nessa esteira, faz-se mister transcrever, o pensamento de José Cretella
106
Manual de Introdução ao Estudo do Direito, pág.178. São Paulo: Editora Saraiva. 2005. 107
Dicionário de Filosofia, 4° ed., pág.792. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.
87
Júnior108: "princípios de uma ciência são as proposições básicas fundamentais, típicas,
que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, nesse sentido, são
os alicerces da ciência".
Luiz Alberto David Araujo109 diz que princípios constitucionais são aqueles
onde se projetam “os valores fundamentais tratados na Constituição”.
Celso Antônio Bandeira de Mello110 preleciona que princípio é:
"(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico".
A esse propósito, urge mencionar o entendimento de Paulo Bonavides111
(1990 apud TAVARES, 2003, pág. 26), que ensina que os princípios fixados na
Constituição são, ad litteram:
“(...) postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização, que é ao mesmo passo positivação no mais alto grau, recebem como instância valorativa máxima categoria constitucional, rodeado do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em “norma normarum”, ou seja, normas das normas”.
Segundo Miguel Reale:
108
Apud MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, pág 73. São Paulo. Atlas. 2002. 109
A Proteção Constitucional do Transexual, pág. 80. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. 110
Elementos de Direito Administrativo, págs. 299/300. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais, 1991. 111
TAVARES, André Ramos. Elementos para uma Teoria Geral dos Princípios na Perspectiva Constitucional. In LEITE, George Salomão (Org.). Dos Princípios Constitucionais. Constituições em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Editora Malheiros, 2003.
88
“Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis"
112.
“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes de validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários” 113
.
Analisando todas as definições expostas, podemos concluir que princípio
sempre representará o que há de mais relevante, a essência, algo que não pode
jamais ser ignorado.
7.2. O PRINCÍPIO E SUA IMPORTÂNCIA
Até o século XX, vigorava o “direito das regras dos códigos”, ou seja, um
direito que não observava a enorme importância dos princípios, que os tratava como
uma mera fonte do Direito. Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, apenas a partir
da segunda metade do século XX que se estabeleceu o “direito de princípios”114.
Os princípios podem ser vislumbrados nas mais diversas situações do
cotidiano. A maioria das divergências mais complexas do direito é dirimida através dos
princípios.
Ronald Dworkin115, em sua obra, demonstra que os “hard-cases”, momento
em que os juristas debatem e tomam decisões acerca de direitos e obrigações
jurídicas, eles utilizam “standards” que não funcionam como regras, mas, trabalham
com princípios, políticas e outros gêneros de “standards”. Princípios são, segundo este
autor, exigências de justiça, de equidade ou de qualquer outra dimensão da moral, e
que junto com as regras compõem o sistema jurídico.
112
Apud MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, pág 73. São Paulo. Atlas. 2002. 113
REALE, Miguel. Filosofia do Direito, pág.60. São Paulo. Saraiva. 2002. 114
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A Principialização da Jurisprudência através da Constituição. Revista de Processo, pág. 83, ano25, n°98, 2000. 115
I diritti presi sul serio, pág. 90. Bologna: Il Mulino, 1982.
89
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello116 diz que o princípio “é o
mandamento nuclear de um sistema”, sendo que “violar um princípio é mais grave que
violar uma regra”. Na visão de Limongi França117, os princípios que fornecem unidade
à Constituição Federal, fixando suas diretrizes fundamentais.
Analisando o Direito como um sistema, visto que é dotado de unidade e
ordenação118, Claus-Wilhelm Canaris119 diz que é correta a ideia do sistema jurídico
baseado nos princípios gerais de Direito.
Eugênia Augusta Gonzaga Favero120, expondo o pensamento de Claus Canaris
em sua tese de mestrado, elenca os motivos pelos quais o autor diz que as normas,
conceitos e valores não são a linha mestra do sistema jurídico:
a) Um “sistema de normas” é pouco significativo, “porquanto se deve procurar justamente a conexão aglutinadora das normas e esta não pode, por seu turno, consistir também numa norma”;
b) Um “sistema de conceitos gerais de Direito” é inadequado, pois o “sistema deve fazer claramente a adequação valorativa e a unidade interior do direito e, para isso, os conceitos são muito impróprios”, ou seja, no “conceito a valoração esta implícita; o princípio, pelo contrário, explicita-a e por isso ele é mais adequado para extrapolar a unidade valorativa do Direito”;
c) Um “sistema de institutos jurídicos”, por sua vez, “iria exprimir a unidade jurídica de modo fragmentário, pois a conexão ainda mais profunda existente entre os institutos não se tornaria visível”;
d) Já o “sistema como ordem de valores”, apesar de possível, leva à constatação de que a “passagem do valor para o princípio é extraordinariamente fluída”, porque o “princípio está num grau de concretização maior do que o valor”.
116
Elementos de Direito Administrativo, pág. 299. São Paulo: Editora: Revista dos Tribunais,
1991. 117
FRANÇA, Rubens Limongi. Teoria e Prática dos Princípios Gerais de Direito, pág 135. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. 118
“Ordenação e unidade são pressuposto “teorético-científicos e hermenêuticos” do sistema jurídico. Tendo que, para ele, a ordenação no sistema jurídico pretende “exprimir um estado de coisas intrínseco-racionalmente apreensíveis, isto é, fundado na realidade” e a unidade “modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multiplicidade de singularidades desconexas, antes devendo deixá-las reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais”. Coerência e Ordenamento Jurídico: A questão da coerência tratada sob as perspectivas de autores nacionais e estrangeiros. Disponível em http://coerenciaeordenamento.wordpress.com/2009/11/16/o-direito-como-sistema-a-ordem-como-postulado-de-justica-e-a-unidade-como-uma-reconducao-da-multiplicidade-do-singular-a-alguns-poucos-principios-constitutivos/, na data de 27 de maio de 2012. 119
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, págs. 80/88. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. 120
“O Princípio da Igualdade e sua Implementação pelas Convenções Internacionais”, pág.06/07. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
90
Por fim, é necessário trazer à baila, o pensamento de Luiz Alberto David
Araujo121, representando uma série de estudiosos que compartilham do entendimento
de que a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios122:
“Não é possível conceber um sistema jurídico formado apenas por regras, pois este, embora pudesse ser considerado um „sistema de segurança‟, não permitiria a sua própria complementação e o seu desenvolvimento (...). Da mesma forma, um sistema exclusivamente constituído por princípios seria inaceitável, por conduzir à indeterminação e incerteza, devido à inexistência de regras precisas”.
7.3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A MÁXIMA ARISTOTÉLICA
A máxima aristotélica que liga justiça à igualdade de tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade, é amplamente
conhecida. Entretanto, não podemos negar o fato de que diversos juristas indicam a
necessidade de alguns aperfeiçoamentos, como verificaremos no tópico seguinte.
O problema surge quando tentamos indicar quem são os iguais, quem são os
desiguais e, além disso, qual é a “medida de desigualdade” existente entre eles.
Essa discussão que fez com que surgisse a necessidade de buscar
instrumentos para solucionar essas questões, visto que não há como discordar do
valor da máxima em questão.
7.4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Neste item passaremos pelo estudo de algumas doutrinas contemporâneas
121
A Proteção Constitucional do Transexual, pág 85. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. 122
ALENCAR, Martsung F.C.R.. O sistema jurídico: normas, regras e princípios. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1110, 16 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8628>. Acesso em: 16 jul. 2006.
91
que se preocuparam com a implementação desse princípio.
Como ponto de partida, analisaremos a visão de Chaïm Perelman123, autor
que discordava da visão positivista representada por Hans Kelsen, pois em sua
opinião, essa doutrina criava uma dissociação em relação à justiça.
Afirma que a Teoria Pura do Direito foi um esforço para que se livrasse a
ciência do Direito de qualquer ideologia, de qualquer intervenção não jurídica, fixando
um dualismo intransigente entre ser e dever ser. Teríamos no positivismo uma teoria
que desconsidera totalmente a argumentação.
Para Chaïm Perelman, o Direito não é tão formal e impessoal como os
sistemas matemáticos, visto que a comprovação da coerência dentro de um sistema
axiomático utiliza como fundamento apenas sua própria estrutura, o que não ocorre
com a teoria apresentada por Kelsen, principalmente diante da “norma fundamental” a
qual diferente de todas as outras normas, tem sua validade fundamentada não em
outra norma, mas sim na simples aceitação de sua validade, sendo pressuposta por
todas as normas e atos jurídicos do sistema. A esse propósito, faz se mister
transcrever o seguinte trecho do texto de Perelman124:
“Todo o sistema de normas e atos jurídicos é hierarquizado e dinâmico. Fala-se em hierarquia porque os atos jurídicos têm validade se e desde que conformes com as normas jurídicas, que, por sua vez, dependem de outras normas jurídicas e assim por diante, até que se alcance a norma fundamental. Esta norma, que não tem justificação jurídica, é pressuposta por todas as normas e todos os atos jurídicos do sistema”.
Além disso, outros dois motivos apresentados por Perelman (1990, págs.
123
Teoria Pura do Direito e a Argumentação. Tradução do francês por Cassio Scarpinella Bueno. O texto foi extraído de Ethique et Droit, Editions de l'Universite de Bruxelles, 1990, pp. 567-575, coletânea de estudos de Perelman organizada por Alain Lempereur. Originalmente, o texto foi inserido em livro dedicado a ensaios em homenagem a Hans Kelsen: Law, State and International Legal Order, Essays in Honor of Hans Kelsen, publicado por The Universitiy of Tennessee Press, Knoxville, em 1964. A publicação, à época, foi autorizada pela Livraria Martins Fontes Editora Ltda., titular dos direitos de versão para o português daquela obra. Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Perelman%202.pdf. Acessado em 07/06/2012. 124
PERELMAN, Chaïm. Teoria Pura do Direito e a Argumentação. Tradução do francês por Cassio Scarpinella Bueno. Ethique et Droit, Editions de l'Universite de Bruxelles, 1990, pp. 567-575. Disponível em: http://www.scarpinellabueno.com.br/Textos/Perelman%202.pdf. Acessado em 10/06/2012.
92
567-575) para que se abandone o positivismo é a necessidade do juiz para julgar e
motivar suas decisões, sendo ele o responsável pela aplicação desse sistema como
se não existissem lacunas, ambiguidades; e a discussão existente entre uma norma
fundamental como norma estatal baseada na soberania do Estado ou como uma
norma supraestatal diante da necessidade de um direito público internacional:
“(...) Decorre, portanto, a necessidade de o juiz julgar e argumentar como se o sistema jurídico que aplica não tivesse lacunas e não comportasse antinomias. Para evitar denegação de justiça, o juiz deve tratar, obrigatoriamente, as lacunas e as antinomias como se fossem meramente aparentes, não deixando transparecer que decorrem do sistema. Demonstrando, sem ambigüidades, o percurso que fez para alcançar o resultado final, deverá fornecer a decisão motivada que dele se espera. Se o sistema jurídico não tem lacunas ou antinomias, é graças ao poder de decisão conferido ao juiz. (...) A teoria pura do direito encontrou dificuldades derivadas da oposição inegável que existe entre a idéia de um sistema de direito identificado com a soberania do Estado, em que a norma fundamental é uma lei estatal, e as exigências da construção de um direito público internacional, no qual esta mesma norma seria supra estatal. As duas construções são arbitrárias, ou, ao contrário, há razões plausíveis para se preferir uma concepção nacional da norma fundamental a uma internacional?”.
Demonstrado o pensamento onde se apresentou algumas das razões pelas
quais alguns estudiosos defendem que o positivismo de Kelsen não é apto para
alcançar a justiça, passamos a tratar dos critérios elencados por Perelman atinentes à
noção de “justiça”, partindo da ideia de que todos os seres humanos que se encontram
em situações iguais devem ser tratados da mesma forma. São eles: igualdade
absoluta, igualdade de caridade, igualdade aristocrática, igualdade distributiva,
igualdade comutativa e igualdade formal.
A igualdade absoluta significa que a cada qual a mesma coisa. Não seria uma
concepção razoável a partir do momento que trataríamos um deficiente físico da
mesma forma que uma pessoa sem qualquer deficiência. Aqui as pessoas seriam
tratadas da mesma forma sem se considerar qualquer diferença.
Igualdade de caridade: a cada qual segundo suas necessidades. Essa
concepção busca satisfazer as necessidades essenciais daqueles que não têm
condições de supri-las.
93
Igualdade aristocrática: a cada qual segundo sua posição. As pessoas devem
ser tratadas de acordo com a posição que ocupam, de acordo com a sua classe, de
acordo com a sua categoria. Existe nesse critério uma enorme discriminação, como
ocorria entre senhores e escravos. Logo, essa é a concepção mais defendida entre os
possuidores do poder, entre os ocupantes do degrau mais alto da pirâmide
hierárquica.
Igualdade distributiva: a cada qual segundo seus méritos. Como critério
material de distribuição de justiça, se valoriza o mérito do ser humano. Esse critério
estabelece um tratamento proporcional a uma característica intrínseca. Observa-se o
esforço, a causa da ação, e não o seu simples resultado.
Igualdade comutativa: a cada qual segundo suas obras. Aqui, segundo
Perelman, só se observa os resultados da ação, ignorando a moral. Difere da
concepção que leva em conta o mérito, pois esta última valoriza o esforço, não apenas
o resultado final.
Igualdade formal: a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. Segundo essa
concepção, cada legislação criará um critério de distribuição de justiça, dando a cada
um o que lhe cabe, que, nesse caso, será o que a lei disser. Perelman diz que a
injustiça só ocorrerá quando houver a aplicação da norma de maneira distorcida.
Apresentado os critérios supra, vale observar que Chaïm Perelman diz que
eles são complementares, entretanto, também alerta sobre possíveis contraposições.
Diante disto, ele fornece algumas possibilidades, apontando a última como a mais
adequada: a) assumir que as concepções estudadas não possuem vínculo, buscando
a diferenciação dos seus sentidos; b) não adotar nenhuma das concepções; c)
escolher apenas um critério; d) mesclar as concepções utilizando seus pontos
comuns.
Válido analisarmos a teoria da justiça de John Rawls.
Autor nascido nos Estados Unidos (1921), estudante e professor da
Universidade de Princeton, com estudos em Oxford, Cornell e Harvard, possuindo
como principal obra Uma Teoria da Justiça, escrita por volta do ano de 1970 durante
sua estadia no Centro de Estudos Avançados da Universidade de Stanford.
94
Inicialmente Rawls já denomina sua concepção de “justiça como equidade”,
através da noção de “superposição consensual”. Encontramos uma busca de uma
síntese da noção aristotélica de justiça, centrada na igualdade, e a noção kantiana,
mirada na busca da autonomia.
Afirma não acreditar que o utilitarismo seja capaz de esclarecer as liberdades
e direitos básicos dos cidadãos como pessoas livres e iguais, uma exigência de suma
importância para consideração das instituições democráticas. Desse modo,
percebemos sua crença na igualdade democrática, conduzindo ao princípio da
diferença e da igualdade equitativa de oportunidades.
O ponto de partida se baseia na ideia de que todos os bens sociais primários
(oportunidades, riquezas, liberdades) devem ser divididos igualmente, salvo se uma
distribuição desigual beneficie os menos favorecidos. A questão é que tratar os
indivíduos como iguais não significa retirar todas as diferenças, mas somente as que
causam desvantagens para alguém.
Visando solucionar os conflitos que podem surgir com essa concepção supra,
John Rawls estabelece três princípios. O primeiro é o Princípio da Diferença onde a
coletividade deve promover a divisão igual da riqueza, salvo se as desigualdades
econômicas e sociais causarem maior favorecimento aos menos beneficiados.
O segundo é o Princípio da Liberdade Igual o qual indica que a coletividade
deve garantir a máxima liberdade para cada indivíduo compatível com uma liberdade
igual para todos os outros.
Por fim, temos o Princípio da Oportunidade Justa esclarecendo que as
desigualdades sociais e econômicas devem estar em posições acessíveis a todas as
pessoas em situação de justa igualdade de oportunidades.
A intenção de Rawls é que ninguém esteja abaixo de um patamar decente de
vida, garantindo a todos determinadas proteções contra acidentes de trabalho, e
problemas de saúde. As instituições básicas devem fornecer às pessoas condições
que lhes possibilitem alcançar a posição de membros totalmente comparativos da
coletividade.
95
Jorge Miranda125, assim como José Joaquim Gomes Canotilho, recorre à
proporcionalidade como instrumento para obter a “igualdade justa” e, da mesma forma
que os autores supracitados, estabelece alguns critérios.
O primeiro critério é o de tratamento igual para casos iguais (ou tratamento
semelhante para casos semelhantes). O segundo é tratamento desigual para casos
desiguais, observe que desiguais por imposição das diferenças das circunstâncias,
das diferenças criadas pela natureza das coisas, excluindo qualquer diversidade fixada
artificialmente pela lei.
O terceiro indica tratamento desigual que de acordo com a situação pode ser
uma faculdade ou um dever para o legislador. Em seguida temos o tratamento igual ou
semelhante, em moldes de proporcionalidade, dos casos desiguais relativamente
iguais. Como último critério, o tratamento dos casos não somente como existem, mas
também como devem existir, em conformidade com os padrões da Constituição
material.
Os estudos apresentados nos tramitem a ideia necessária sobre o princípio
da igualdade para que no próximo capítulo, utilizando os ensinamentos sobre
mandados de criminalização, sobre o princípio supracitado e tratando ainda da visão
de Celso Antônio Bandeira de Mello, possamos perceber a ofensa a esse pilar da CF,
e a proteção insuficiente presente na Lei de Crimes Hediondos.
125
Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2° edição, págs. 213/215. Coimbra: Editora Coimbra, 1993.
96
8. O ARTIGO 205 DO CÓDIGO PENAL MILITAR FRENTE AOS MANDADOS DE
CRIMINALIZAÇÃO
Após o estudo dos conceitos de crime militar, da origem da legislação militar,
dos mandados de criminalização expressos, do Princípio da Igualdade e do homicídio
doloso, discutiremos nesse capítulo, os motivos que nos levam a entender porque o
crime militar de homicídio doloso deve sofrer a aplicação da Lei de Crimes Hediondos
e porque tal inaplicabilidade constitui grave ofensa ao Princípio da Igualdade e
descumprimento de uma ordem de criminalização.
8.1. O TRATAMENTO ADEQUADO DO ARTIGO 205 DO CÓDIGO PENAL MILITAR
COMO MEDIDA NECESSÁRIA PARA O CUMPRIMENTO DO MANDADO DE
CRIMINALIZAÇÃO EXPRESSO
O Direito Penal deve proteger a dignidade da pessoa humana, o direito à
vida, o direito à propriedade visando estabelecer a Justiça Social, jamais ofendendo os
princípios da igualdade, da lesividade, da presunção de inocência, entre outros.
Os valores, os ideais sociais devem ser resguardados pelo Direito Penal
independente de classe, cor, raça. As infrações penais, as sanções estipuladas pelo
nosso legislador ordinário devem cumprir com essa função.
O mandado expresso de criminalização do artigo 5°, inciso XLIII da CF fixa a
obrigação do legislador e dos aplicadores do direito tratarem de maneira rigorosa os
crimes que tiverem as características de um delito hediondo.
Dessa maneira, ao verificar que o homicídio qualificado do CP, considerado
hediondo, possui as mesmas características do artigo 205 do Código Penal Militar,
visando cumprir com o direito à igualdade, o direito à vida, garantidos pela nossa Carta
Magna, a não aplicação da Lei n° 8.072/90 nos casos que envolvem o homicídio militar
qualificado é um caso explícito de proteção insuficiente, não devendo ser admitido
pela sociedade.
Essa é a única interpretação que cumpre com os objetivos elencado no artigo
97
3° da CF126, dentre eles, nos referindo nesse momento, principalmente, à construção
de um Estado Democrático de Direito justo.
O combate a essa desigualdade não significa apenas um maior rigor, ou
somente agravar a lei penal, mas sim tomar uma medida que represente os ideais que
buscamos e que nosso constituinte demonstrou expressamente sua intenção de
resguardá-los, valendo-se para tanto, de uma determinação que implica na criação de
uma lei penal que punisse os crimes hediondos.
O Direito Penal de um Estado Democrático deve reproduzir os interesses e
valores enraizados na comunidade. Para tanto, o Estado se vale de suas normas, para
representar e fazer com que se cumpra a ideologia de seu povo.
O ponto de discussão desse capítulo nos remete a duas funções desse ramo,
tanto a de ser responsável pelo controle, pela proteção dos ideais, dos objetivos, dos
valores, dos direitos da sociedade; como também de ser um mecanismo de mudança
social. Antonio Carlos da Ponte127 ensina:
“Neste quadro, não é difícil constatar que o Direito Penal pode atuar exclusivamente como principal ferramenta destinada à manutenção do “status quo”, ou também como instrumento auxiliar de mudança social”.
Para que se protejam as aspirações dos cidadãos, o Direito Penal deve punir
de maneira suficiente e igualitária os infratores que praticam o homicídio qualificado,
independente de se constatar que a situação em que ele foi praticado configure ou não
um crime militar.
Nesse aspecto que surge a dúvida sobre a real necessidade de existir um
código penal militar que cuide de crimes comuns quando praticados na caserna, ou se
126
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 127
A Fundamentação Constitucional dos Crimes Eleitorais e o Efetivo Combate à Corrupção Eleitoral, pág. 308. Tese de Livre-Docência em Direito Penal. São Paulo, PUC-SP, 2008.
98
bastaria apenas sua previsão no código penal comum e deixarmos como função do
CPM prescrever apenas sobre os crimes militares próprios, como a deserção por
exemplo.
Diante disso, o aplicador do Direito deve ser responsável pelo início dessa
mudança social, atuando de maneira responsável, manuseando as normas de acordo
com a intenção do nosso constituinte, fazendo com que todos que forem julgados
recebam o mesmo tratamento, sendo condenados ou absolvidos não por causa de
suas condições sociais, raças, funções, mas sim porque a norma é aplicada de
maneira igualitária para todos.
8.2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A nossa Carta Magna de 1988 em seu artigo 5º, “caput”128, deixa clara a ideia
de que todos devem ser tratados igualmente. Analisando nossa Constituição, você
percebe a utilização do ideal aristotélico por toda ela, tratando igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, isto é, existe uma série
de dispositivos que criam determinadas “desigualdades” para que o princípio da
igualdade de fato funcione. Não seria justo, nem igualitário, tratar uma pessoa que
possui certa deficiência mental da mesma forma que tratamos uma pessoa totalmente
sadia, com as capacidades mentais funcionando perfeitamente, sem necessidade
especial alguma.
Conforme o pensamento de Pedro Lenza129:
“Deve-se, contudo, buscar não somente esta aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. (...) Essa busca por uma igualdade substancial, muitas vezes idealista,
128
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”. 129
LENZA, Pedro. “Direito Constitucional Esquematizado”, 9º edição, pág 521. São Paulo: Editora Método, 2005.
99
reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirado na lição secular de Aristóteles, devendo se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Em diversas hipóteses a própria Constituição se encarrega de aprofundar a regra da isonomia matéria: a) art. 3º, I, III e IV; b) art. 4º, VIII; c) art. 5º, I, XXXVII, XLI e XLII; d) art. 7º, XX, XXX, XXXI, XXXI e XXXIV; e) art. 12,§§2º e 3º; f) art. 14, caput; g) 19,III; h) 23, II e X; i) 24, XIV; j) 37, I e VIII; k) 43, caput; l) 146, III, „d‟ (EC n. 42/2003 – Reforma Tributária); m 150, II; n) 183, §1º e 189, parágrafo único; o) 203, IV e V; p) 206, I; q) 208, III; r) art. 226, §5º; s) 231, §2º etc”.
A própria CF também fixa “desigualdades” em uma série de artigos, por
exemplo: mulheres que podem ficar com seus filhos na prisão durante o período de
amamentação, licença para gestante, serviço militar obrigatório apenas para os
homens, regras de aposentadoria diferentes etc.
No capítulo anterior citamos diversos pensadores e suas respectivas
maneiras de estabelecer quando uma igualdade e quando uma desigualdade foi
aplicada de maneira justa. Nesse capítulo utilizaremos mais uma série de critérios,
entretanto, a cada ideia estabelecida se realizará uma comparação com a situação
estudada no presente trabalho, ou seja, a inaplicabilidade da Lei de Crimes Hediondos
ocasionando a proteção insuficiente dos direitos e valores resguardados pela CF.
Para se identificar quando uma discriminação, uma “desigualdade” se torna
inconstitucional, ofendendo o Princípio da Isonomia, Celso Antônio Bandeira de
Mello130 criou três regras básicas:
“a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação, b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados”.
O doutrinador esclarece que é necessária a presença das três regras
cumulativamente para que se obtenha a análise correta do problema e para que seja
inobjetável em face do Princípio da Igualdade. Desse modo, nos próximos itens
trataremos de cada uma das regras expostas.
130
O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, pág. 21. São Paulo: Malheiros, 2008.
100
8.2.1. FATOR DE DESIGUALAÇÃO
Em relação a esse fator a lei não pode estabelecer no critério diferencial algo
tão específico que singularize o destinatário, visando evitar privilégios individuais e
perseguições. Caso a lei direcionasse seu mandamento, beneficiaria um indivíduo sem
fornecer oportunidade aos demais ou proporcionaria um mal à pessoa determinada.
Nesse ponto, a norma prevista na Lei de Crimes Hediondos não acarreta
inviabilidade lógica, nem material. Ou seja, a regra questionada possibilita incidência
futura sobre destinatários até o momento desconhecidos, sem apontar apenas um
destinatário atual.
Tratando-se de uma regra geral e abstrata, não pode nesse aspecto ofender
a isonomia. Importante fazer a ressalva da maliciosa figuração de generalidade ou
abstração, isto é, da norma que se veste aparentemente dessas características, tendo
por real objetivo favorecer ou perseguir pessoa determinada, o que não ocorre na
norma em análise.
Ainda em relação ao fator de discriminação é inadmissível que se adote um
traço desigualador que não resida na pessoa a ser diferenciada. O que se utiliza,
portanto, são sempre os fatos, situações ou pessoas, visto que apenas neles podem
ser estabelecidas as diferenças, motivo pelo qual o tempo em si, não pode ser tomado
como fator onde se fixa algum tratamento jurídico diferenciador.
Em relação ao tempo, o que a lei pode utilizar como fator de discriminação é
o acontecimento, ocorrido em determinado tempo por ele delimitado. O que possui
efeito para essa distinção é verificar se os fatos fixados no tempo transacto são
diferentes, ao invés de se perguntar se aconteceram em períodos passados distintos.
Nesse ponto, o doutrinador tomado como referência diz que131 “(...) não há
como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores
131
MELLO, Celso Antônio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, pág. 35. São Paulo: Malheiros, 2008.
101
desiguais”. Logo, ao olharmos para os motivos arguidos pelos aplicadores do Direito
para não se utilizar a Lei de Crimes Hediondos no julgamento dos casos que envolvem
o artigo 205 do Código Penal Militar, percebemos que apesar do fator estar
relacionado a um aspecto que reside na pessoa a ser punida, é evidente que o
tratamento mais rigoroso esta sendo utilizado para a parte errada.
8.2.2. CORRELAÇÃO LÓGICA ENTRE FATOR DE DISCRÍMEN E A
DESEQUIPARAÇÃO PROCEDIDA
Como visto anteriormente, essa é a segunda regra estabelecida pelo
professor Celso Antônio Bandeira de Mello, tratada no capítulo V da sua obra O
Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade132.
Nesse aspecto, devemos verificar se existe correlação lógica entre o fator
escolhido como critério de discriminação e a diferenciação legal fixada em razão dele.
A diferença existente entre o homicídio previsto no Código Penal e o previsto
no CPM é plausível, o problema não consiste no elemento fático adotado como
critério. Entretanto, o que é inadmissível é a falta de correlação lógica entre os efeitos
jurídicos estabelecidos e o elemento de discriminação.
Exemplificando para esclarecer: imagine-se uma lei que permitisse que as
pessoas magras utilizassem dois lugares no ônibus e não permitisse isso aos gordos.
O porte físico pode ser tomado como elemento fático discriminador, o que não pode
ocorrer é a falta de correlação lógica com a desequiparação procedida. Não há motivo
plausível para que os gordos que possuem maior problema de acomodação, além do
que têm mais dificuldade para ficar em pé dentro de um ônibus, não pudessem utilizar
dois assentos. Enquanto os magros, geralmente com maior facilidade para ficar em pé
de maneira confortável e que cabem em um assento só, pudessem ocupar sozinhos
um banco de dois lugares.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello diz:
132
Págs. 37/40. São Paulo: Malheiros, 2008.
102
“Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arrendamento do gravame imposto. Cabe, por isso mesmo, quanto a este aspecto, concluir: o critério especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma situação jurídica – a dizer: o fator de discriminação – pode ser qualquer elemento radicado neles; todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia”.
Observando o critério fornecido pelo professor da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, podemos falar que é inconstitucional utilizar a característica de
crime militar para não inserir o artigo 205 do Código Penal Militar na Lei de Crimes
Hediondos, para não aplicar o tratamento mais rigoroso previsto nessa lei aos
homicídios que possuem características semelhantes, tendo como única diferença, um
fator que implica exatamente em maior gravame e não benefício. Essa ideia apenas é
reforçada com o fato de que até o momento isso configura uma omissão do legislador
ordinário diante da previsão fixada pelo constituinte.
O Princípio da Isonomia como bem jurídico imprescritível, inalienável que
busca fazer com que todos os seres humanos sejam equiparados, tratados igualmente
na visão aristotélica quando comparados a outro indivíduo, outro país, outra
organização etc., não pode deixar que um militar receba um tratamento menos
rigoroso que um civil quando ambos praticarem um homicídio doloso qualificado.
8.2.3. CONSONÂNCIA DA DISTINÇÃO EM RELAÇÃO AOS INTERESSES
PROTEGIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O vínculo de correlação lógica entre os elementos desequiparadores e a
diferenciação de regime jurídico em razão deles deve guardar pertinência com os
interesses protegidos pela nossa Constituição Federal.
103
O fato de existir uma diferença explicável não significa que possui aparato
para distinções legais. Ou seja, as vantagens ou desvantagens estabelecidas devem
ter compatibilidade com os valores guardados pala Carta Magna.
Os artigos133 142, §2°; 142, §3°, inciso IV; 143, §2°; demonstram que a nossa
Constituição em momento algum visa beneficiar o militar em detrimento do civil
quando ambos se encontram em situações iguais, pelo contrário, isto é, a CF de 1988
entende que a hierarquia e disciplina devem estar presentes em todas as situações
que envolvam as Forças Armadas e que o militar é um indivíduo que tem uma função
importante dentro da população devendo se portar de acordo e ser punido mais
rigorosamente caso descumpra as regras.
Além disso, o artigo 5°, inciso XLIII da Carta Magna configura uma ordem de
criminalização expressa, que até o momento vem recebendo proteção insuficiente,
conforme comprovado ao longo da presente tese.
Diante do exposto, verificamos que o terceiro critério não é cumprido pelo
tratamento diferenciado entre os casos do artigo 121 do CP e do artigo 205 do CPM
em face da Lei n°8072/90, ferindo claramente o Princípio da Igualdade e o
mandamento de criminalização supracitado.
133
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (...)§ 2º - Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares. § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) (...) IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998) Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. (...)§ 2º - As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.
104
8.2.4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A INTERPRETAÇÃO DAS LEIS
Ao final de sua obra134, Celso Antônio Bandeira de Mello chama a atenção
para um momento comum na atividade dos juristas: a interpretação.
Caso a lei traga distinções entre pessoas, raças, fatos que sejam compatíveis
com o Princípio da Igualdade, não há que se buscar um sentido diverso, devendo
aplicar cada uma delas. Entretanto, não se pode utilizar uma interpretação que
desfavoreça esse princípio em uma situação em que a lei não instituiu diretamente
uma desigualdade.
Nesse sentido:
“(...) Daí, o haver-se afirmado que discriminações que decorram de circunstâncias fortuitas, incidentais, conquanto correlacionadas com o tempo ou a época da norma legal, não autorizam a se pretender que a lei almejou desigualar situações e categorias de indivíduos. E se este intento não foi professado inequivocamente pela lei, embora de modo implícito, é intolerável, injurídica e inconstitucional qualquer desequiparação que se pretenda fazer”.
A Lei de Crimes Hediondos demonstra claramente sua intenção de punir o
homicídio qualificado ao elencá-lo em seu artigo 1°, inciso I, da mesma maneira que o
artigo 5°, inciso XLIII da CF. Desse modo, não havendo previsão expressa para que
não se trate o artigo 205 do Código Penal Militar em sua forma qualificada como crime
hediondo, nos parece que a melhor interpretação, conforme o Princípio da Igualdade e
a Constituição, é pela aplicabilidade da Lei n°8.072/90 nesse crime militar.
8.3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Para que se tenha um sistema penal militar justo se exige que sigamos o
Princípio da Legalidade, portanto, para evitar qualquer ofensa à segurança jurídica, ou
134
O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, págs. 45/46. São Paulo: Malheiros, 2008.
105
até mesmo para que não haja dúvida sobre a interpretação correta a se fazer, a Lei de
Crimes Hediondos deve inserir em seu conteúdo o artigo 205 do Código Penal Militar.
Sobre a legalidade penal, podemos citar o constitucionalista José Afonso da
Silva135:
“Trata-se também da garantia individual prevista no art. 5º, XXXIX, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, em que se consubstancia o princípio “nullum crimen nulla poena sine lege”. O dispositivo contém uma reserva absoluta de lei formal, que exclui a possibilidade de o legislador transferir a outrem a função de definir o crime e de estabelecer penas. Demais, a definição legal do crime e a previsão da pena hão que preceder o fato tido como delituoso. Sem lei que o tenha feito não há crime nem pena”.
Desde a Carta Magna Inglesa de 1215 e da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, se entende que ninguém pode ser sancionado na ausência de
lei. E para alguns doutrinadores, não basta que esteja previsto em lei, deve se buscar
a maior precisão técnica possível, privilegiando o Princípio da Taxatividade.
Apesar de existir quem defenda a analogia no direito penal, acreditando que
isto não causaria uma arbitrariedade por meio do Estado e que não traria a
insegurança jurídica, esta posição é minoritária e, buscando evitar uma norma
genérica, o que também ofenderia o Princípio da Legalidade, já que o cidadão não
teria certeza do que poderia ou não fazer, me parece que o legislador falou menos do
que deveria no artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos136, esquecendo do Código Penal
135
Curso de Direito Constitucional Positivo, 23º edição, pág. 428. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. 136
Art. 1° São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2°, I, II, III, IV e V); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) II - latrocínio (art. 157, § 3°, in fine); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2°); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ l°, 2° e 3°); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) V - estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) VI - atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994)
106
Militar, o qual também possui crimes com a característica de hediondo.
Diante do exposto, para que não haja qualquer ofensa ao Princípio da
Legalidade e ao Princípio da Igualdade, para que o legislador ordinário proteja de
maneira suficiente o mandado de criminalização em questão, para que se complete o
rol da Lei n° 8.072/90, deve se inserir o artigo 205 do CPM no artigo 1° supracitado.
8.3.1 LEI INJUSTA
Um problema que deve ser encarado nesse momento é o chamado “lei
injusta”. O juiz sabendo que uma lei que rege determinado caso é injusta deve aplicá-
la mesmo assim?
Essa questão apenas nos remete a outro ponto de discussão: o Direito tem
como objetivo o cumprimento da justiça ou da lei?
Encontraremos diversos argumentos para dar preferência ao cumprimento da
lei em detrimento da justiça, tais como: a) separação dos poderes – o Poder Judiciário
tem que julgar de acordo com as normas criadas pelo Poder Legislativo; b) segurança
jurídica – deve se julgar de acordo com os parâmetros já estabelecidos; c) objetividade
– não cabe ao juiz realizar uma decisão valorativa; d) imparcialidade da jurisdição; e)
equidade – casos iguais devem ser decididos de acordo com o mesmo critério definido
pela lei.
Entretanto, parte dos estudiosos137 defende a realização da justiça baseado
nas seguintes justificativas: a) segurança jurídica – é válida apenas quando cumpre
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1°). (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) VII-A – (VETADO) (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 20.8.1998) VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1°, § 1°-A e § 1°-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 20.8.1998) Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1°, 2° e 3° da Lei no 2.889, de 1° de outubro de 1956, tentado ou consumado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) 137
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo, 4° edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. FERNANDEZ, Atahualpa. O Direito, a “Lei Injusta” e a Função do Operador do Direito. Disponível em http://www.profpito.com/odireitoalei.html. Acessado em 13/08/2012.
107
com a justiça; b) sistema de “freios e contrapesos” – o Poder Judiciário não pode julgar
de acordo com leis criadas pelo Poder Legislativo que fixem injustiças à sociedade; c)
objetividade – aplicar uma lei justa ou injusta já configura uma atitude valorativa. Não é
possível tomar uma decisão sem influência alguma, visto que somos seres racionais e
involuntariamente teremos nossos pontos de vista; d) imparcialidade – deve ser
utilizada tanto quando se referir às partes, como também quando se referir à lei, a qual
deverá ser declarada injusta quando for o caso; e) equidade – não é válida caso não
observe os critérios de igualdade e de justiça.
A controvérsia exposta possui duas posições bem fundamentadas no nosso
ordenamento jurídico. Estamos diante de dois valores de extrema importância para o
Direito, até mesmo porque não cabe falar em legalidade sem justiça, nem justiça sem
legalidade. Ambos são ideais enraizados na nossa cultura jurídica que,
aparentemente, nessa situação, nos colocam em um problema insolúvel.
Porém, existe uma resposta juridicamente válida baseada na interpretação. Ou
seja, imagine uma lei que fixa que “o civil que matar alguém será tratado de maneira
mais rigorosa do que o militar que realizar a mesma conduta”. Ora, se o jurista que
defende a posição referente à justiça fosse chamado a responder por que considera
essa lei injusta, ele iria se basear, principalmente, no Princípio da Igualdade, axioma
protegido na Constituição Federal e em uma série de acordos internacionais. Feito
isso, acrescente o poder de controle difuso de constitucionalidade existente no
Judiciário brasileiro, desse modo a lei supra seria considerada inconstitucional, não
sendo aplicada ao caso concreto, sem ofender os defensores da legalidade, nem os
partidários da justiça.
O exemplo demonstra que o Direito pode ser encarado e aplicado dentro de
uma tradição constitucional, valendo-se de uma justiça interna à própria legalidade,
tornando indispensável a presença da justiça em qualquer análise sobre a legalidade
de uma lei. O que se verifica é que não é necessário optar entre uma ou outra, mas
sim conciliar em cada caso, buscando encontrar a melhor resposta que baseada na lei
reflita a justiça e como devo realizar a justiça para que o ideal de justo previsto na lei
se evidencie.
108
8.4. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
É pacífico o entendimento de que não se pode editar uma lei para prejudicar
direito do cidadão, isto seria uma afronta à estabilidade das relações jurídicas. Visando
proteger a segurança jurídica que se criou a regra “tempus regit actum” no Direito
Processual Penal.
Sobre este tema, diz José Afonso da Silva138:
“O princípio da irretroatividade das leis é também princípio complementar ao da legalidade, porque, se se permitisse a retroatividade das leis, estas alcançariam períodos não regidos por normas legais ou fatos não sujeitos a ditames legais, por via de uma ficção inaceitável, pelo menos quando obriga a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. É que a exigência constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei significa lei existente no momento em que o fazer ou o deixar de fazer está acontecendo”.
Ainda neste sentido, o penalista Magalhães Noronha139 ensina:
“Irretroatividade da lei penal. Retroatividade benéfica. Como decorrência do princípio „nullum crimen, nulla poena sine praevia lege‟, segue-se o da irretroatividade da lei penal. É claro que, se não há crime sem lei, não pode esta retroagir para alcançar um fato que, antes dela, não era considerado delito. (...) Em conclusão: a lei penal retroage, a despeito da coisa julgada, nas hipóteses de „abolitio criminis‟ (art.2°) e da „novatio legis in mellius‟ (art. 2°, parágrafo único)”.
Considerando que a Lei de Crimes Hediondos nasceu em 1990, e que os
julgados têm ignorado o mandado de criminalização expresso e o Princípio da
Igualdade constantemente, já faz quase duas décadas que crimes hediondos como o
homicídio qualificado praticado por militar contra militar deixam de ser punidos da
forma que deveriam. Assim, o princípio da irretroatividade das leis demonstra a
138
Curso de Direito Constitucional Positivo, 23º edição, pág. 429. São Paulo: Editora Malheiros, 2003 139
Direito Penal, vol. 1, 28° edição, págs. 75/76. São Paulo: Editora Saraiva, 1991.
109
urgência que existe em se mudar a maneira como se vem julgando os casos
referentes ao artigo 205 do CPM isoladamente, além da necessidade de se realizar a
modificação legislativa proposta supra para que não exista mais possibilidade de se
defender a inaplicabilidade da Lei de Crimes Hediondos nessas situações e para que
se efetive a proteção suficiente dessa questão.
8.5. RIGOR NO TRATAMENTO COM O MILITAR
Durante toda essa pesquisa, nos itens anteriores, demonstramos que o
membro das Forças Militares possui um cotidiano, uma filosofia de vida diferenciada
do civil. O membro da caserna se sujeita diariamente a uma série de regras de
disciplina, subordinação, respeito, ordem que não são encontradas no dia a dia de
qualquer cidadão. Citemos como exemplo o artigo 1º da Lei Complementar n° 893 de
2001: “A hierarquia e a disciplina são as bases da organização da Polícia Militar”.
No item 2.4 enumeramos uma série de diferenças entre o crime militar e o
crime comum e a maneira com que as leis penais tratam um e outro. Estas
comparações deixaram expresso o pensamento de que o militar deve ser tratado de
maneira mais severa ao praticar qualquer tipo de infração penal.
Diante do exposto, é evidente que há uma contradição dentro do próprio
sistema penal em não tratar crimes como o homicídio doloso qualificado do CPM como
crime hediondo, já que a lei n°8.072/90 possui um procedimento mais rigoroso. É
incabível pensar que um militar recebe benefícios previstos na lei militar, enquanto o
civil que praticou o mesmo crime tem uma série de benefícios negados por ter essa
previsão na Lei de Crimes Hediondos.
8.6. O ARTIGO 205 DO CPM E A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME HEDIONDO
O legislador, ao criar a Lei nº 8.072 de 1990 buscou cumprir com o mandado
de criminalização do artigo 5° da CF que determina a criação de sanções penais para
os crimes hediondos, que merecem um tratamento mais rigoroso devido ao grau de
110
revolta e caos que criam dentro da sociedade brasileira. Isto porque quando ocorre um
delito, ele não só fere um bem jurídico especificamente tutelado como também
desequilibra a ordem social, ofende a harmonia, a paz, a segurança que deve existir
para que os cidadãos possam exercer seus direitos e cumprir com seus deveres.
Não me parece discutível a questão de que um homicídio praticado nas
condições do artigo 205 do CPM possa receber o adjetivo “hediondo”. Trata-se de um
delito que atinge diretamente diversos valores morais e que ofende de maneira
absurda o princípio da dignidade da pessoa humana.
Certamente o legislador teve a intenção de inserir na lei em pauta, um
homicídio praticado por um major do exército contra um soldado dentro do quartel,
visando receber determinada quantia em dinheiro e, não satisfeito em matar, o major
ainda tenha se utilizado de fogo para assistir o homem queimando.
Como já verificado ao longo do presente trabalho, o homicídio qualificado do
código da caserna reúne todas as características de um crime hediondo, logo, por
força do mandando de criminalização expresso e pelo princípio da igualdade, deve ser
tratado como tal.
8.7. PROJETO DE LEI Nº 6.685/02
O projeto trata da inserção de uma série de artigos do Código Penal Militar,
inclusive o artigo 205, §2º, na Lei de Crimes Hediondos. A criação do projeto veio do
Sr. Mendes Ribeiro Filho e sua justificativa foi o cumprimento do Princípio da
Isonomia.
É um projeto que forneceria uma proteção maior ao mandado de
criminalização em pauta, demonstrando uma atuação necessária do legislador
ordinário.
Esse projeto teve resposta favorável da Câmara de Constituição e Justiça e
Cidadania (CCJC) como demonstrado pelo parecer do Deputado Rubinelli140.
140
O voto do Deputado Rubinelli no Projeto de Lei n°6685/02 diz:
111
Infelizmente, devido à ineficiência do Poder Legislativo, este projeto ainda não se
concretizou em uma alteração da Lei de Crimes Hediondos.
“II - VOTO DO RELATOR Compete a esta Comissão apreciar o projeto de lei quanto à constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito. Estão atendidos os pressupostos formais de competência da União, atribuição do Congresso Nacional, sujeita à sanção presidencial, suscetibilidade de normatização por lei ordinária e iniciativa aberta aos membros do Poder Legislativo. Quanto ao conteúdo, não há afronta a disposições constitucionais, sendo pertinente salientar que já restou pacificada pelos Tribunais Superiores a controvérsia acerca da constitucionalidade das disposições da Lei dos Crimes Hediondos, com solução no sentido de sua adequação aos preceitos da Carta Magna. O projeto tampouco apresenta vícios relacionados à juridicidade. Quanto à técnica legislativa, vislumbramos a possibilidade de efetuar pequenas correções no texto proposto, com o fim de aprimorar a redação da ementa e dos artigos do projeto, o que fazemos na forma do substitutivo anexo. Além disso, a Lei Complementar nº 95, de 1998, prevê a utilização da expressão “(NR)” após os artigos que tenham sua redação alterada e ordena a referência a outros trechos da Lei através de remissão expressa, evitando-se a expressão “parágrafo anterior”. Analisando o mérito da proposição, entendemos que a medida é válida para corrigir a injusta distorção hoje existente no âmbito dos crimes militares. Com efeito, não é condizente com o Estado Democrático de Direito o tratamento diferenciado dado a situações semelhantes, por constituir desrespeito ao princípio da igualdade. Assim, se uma pessoa comum comete homicídio qualificado e sofre as restrições impostas pela Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, aquele que pratica o mesmo crime, estando nas situações descritas no art. 9º do Código Penal Militar – o qual define os crimes militares – deve receber o mesmo tratamento. Com a aprovação deste projeto de lei, os autores dos crimes militares previstos nos arts. 205, caput e §2 º (homicídio simples quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio e homicídio qualificado), 208 (genocídio), 232 e 237 (estupro), 242, § 3º (latrocínio), 243, § 2º (extorsão qualificada pela morte) e 244, §§ 1º, 2º e 3º (extorsão mediante seqüestro), todos do CPM, terão o mesmo tratamento dos autores de crimes comuns com idêntica definição. Por fim, entendemos ser necessária pequena modificação na redação a ser dada ao novo § 2º do art. 1º da Lei dos Crimes Hediondos, para evitar controvérsias na aplicação da legislação. Ao fazer referência a crimes tipificados no Código Penal Militar, com a mesma definição dos crimes relacionados no caput e no parágrafo anterior do artigo da Lei a ser alterada, quando praticados nas mesmas circunstâncias, a proposição não deixa claro de que circunstâncias está tratando. O esclarecimento faz-se necessário porque, para que se possa considerar determinada ação como crime militar, não basta que esteja tipificada no Código Penal Militar – como explicado, há crimes com a mesma definição na legislação militar e na comum. É imprescindível, além da tipificação, que o crime seja praticado em uma das circunstâncias previstas no art. 9º do Código Penal Militar – dentre elas, cite-se, como exemplo, “por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado” e “por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil”. Desta forma, a mera referência a “mesmas circunstâncias” não deixa claro de que circunstâncias se trata, o que poderia levar a Lei a ter sua validade questionada nos tribunais. No substitutivo em anexo, preferimos utilizar a fórmula “crimes militares tipificados no Código Penal Militar com a mesma definição dos crimes relacionados no caput e no parágrafo 1º deste artigo”. Entendemos que a menção a crimes militares já engloba o requisito de conduta típica e prevista no rol de circunstâncias do art. 9º do Código Penal Militar. Diante do exposto, por considerarmos necessário o restabelecimento da isonomia no sistema penal pátrio, nosso voto é pela constitucionalidade, juridicidade e adequada técnica legislativa do Projeto de Lei nº 6.685, de 2002, e, no mérito, por sua aprovação, tudo na forma do substitutivo ora apresentado”. Acessado em 5 de outubro do ano de dois mil e onze, disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=50739.
112
Entretanto, o fato de existir um projeto de lei sobre este assunto e que foi
aprovado pela CCJC, demonstra que o Poder Legislativo realmente tinha a ideia de
que o crime que trato nesse trabalho deveria ser objeto das regras da Lei nº 8.072 de
1990 e que o mandamento de criminalização explícito ainda não foi satisfatoriamente
cumprido.
113
CONCLUSÕES
1° Os Tribunais Militares, em relação à classificação dos crimes militares, não
possuem uma opinião unânime sobre a existência de uma classe fronteiriça, os
mistos, os impróprios.
2° O Código Penal Militar utilizou o critério “em razão da lei” para dizer o que é crime
militar. Entretanto, em uma análise detalhada do artigo 9°, os demais critérios (em
razão da matéria, em razão do lugar etc) também podem ser encontrados no CPM.
3° A Lei 9.099/95 que trata dos Juizados Especiais Criminais, utilizando a conciliação,
julgando as infrações penais de menor potencial ofensivo, não é utilizada no campo do
Direito Militar, conforme demonstra o entendimento do Superior Tribunal Militar ao criar
a Súmula nº 9 que diz: “A Lei nº 9.099/95 não se aplica na Justiça Militar da União”.
4° Em regra, o Código Penal Militar é mais severo, mais rigoroso com os crimes
militares do que o Código Penal comum ao tratar dos crimes comuns. Esta ideia é
contrariada ao verificarmos que o homicídio doloso do artigo 205 do CPM não está
abarcado pela Lei de Crimes Hediondos, ao contrário do artigo 121 do CP.
5° O homicídio qualificado do Código Penal Comum é um dos crimes presentes no rol
de crimes hediondos da Lei n°8.072/90. Ao observarmos as qualificadoras do
homicídio qualificado previsto no CPM e do homicídio qualificado previsto no CP,
encontraremos diversas semelhanças, salvo em relação à cupidez, à excitação ou
saciedade de desejos sexuais e, à prevalência do agente da situação de serviço.
Entretanto, descumprindo com o Princípio da Igualdade e protegendo de maneira
insuficiente o mandado de criminalização do artigo 5°, inciso XLIII da CF, o artigo
205§2° do CPM não esta elencado na lista de crimes hediondos.
6° Nos mandados explícitos de criminalização o membro do Poder Legislativo tem a
obrigação de criminalizar o que a Constituição Federal estabelece, seguindo a maneira
prevista. Diferentemente dos mandados implícitos, onde deve se verificar se o bem
jurídico em questão configura grave manifestação de dano social, devendo receber
uma previsão de sanção penal (dignidade penal). Além disso, também deve observar
se é realmente imprescindível a intervenção do direito penal, não havendo meio
114
menos gravoso para proteger o bem jurídico (necessidade da pena).
7° O princípio da proporcionalidade, composto pela proibição da proteção insuficiente
e pela proibição do excesso, deve ser utilizado pelo legislador ao realizar o juízo para
reconhecimento de um mandado de criminalização implícito.
8° Não há uma sanção efetiva fixada para o membro do Legislativo que não legislar
sobre o que os mandados de criminalização indicam, mesmo depois de cientificado
dessa omissão.
9° Os mandados de criminalização só são válidos em um sistema em que a separação
dos poderes é efetiva, onde o Poder Executivo não é comandado pelas mesmas
pessoas que atuam no Poder Legislativo.
10° Não podemos optar pela proteção penal de um bem jurídico que ofenda a Carta
Magna, mas também não é necessário que a CF indique o bem para que se possa
criar uma lei penal.
11° Os mandados de criminalização sempre devem buscar a Justiça Social, visando
evitar a proteção absoluta a um determinado direito ou a uma determinada garantia
sem que haja Justiça Social.
12° O legislador ordinário não satisfez todos os mandados explícitos existentes,
entretanto, alguns deles já foram atendidos de maneira eficaz e outros possuem uma
proteção insuficiente.
13° O mandado de criminalização que trata dos crimes hediondos não foi cumprido de
maneira eficaz, surgindo leis que provocaram situações absurdas, originando a
diferença de tratamento entre crimes que merecem o mesmo rigor em seus
julgamentos, descumprindo com o princípio da proporcionalidade, causando penas
injustas, desiguais.
14° Ao verificar que o homicídio qualificado do CP, considerado hediondo, possui as
mesmas características do artigo 205 do Código Penal Militar, visando cumprir com o
direito à igualdade, o direito à vida, garantidos pela nossa Carta Magna, a não
aplicação da Lei n° 8.072/90 nos casos que envolvem o homicídio militar qualificado é
um caso explícito de proteção insuficiente, não devendo ser admitido pela sociedade.
115
15° O Direito Penal deve funcionar não apenas como um mecanismo de controle, mas
também como instrumento de mudança social.
16° A diferença existente entre o homicídio previsto no Código Penal e o previsto no
CPM é plausível, o problema não consiste no elemento fático adotado como critério.
Entretanto, o que é inadmissível é a falta de correlação lógica entre os efeitos jurídicos
estabelecidos e o elemento de discriminação.
17° É inconstitucional utilizar a característica de crime militar para não inserir o artigo
205 do Código Penal Militar na Lei de Crimes Hediondos, para não aplicar o
tratamento mais rigoroso previsto nessa lei aos homicídios que possuem
características semelhantes, tendo como única diferença, um fator que implica
exatamente em maior gravame e não benefício. Essa ideia apenas é reforçada com o
fato de que até o momento isso configura uma omissão do legislador ordinário diante
da previsão fixada pelo constituinte.
18° Caso a lei traga distinções entre pessoas, raças, fatos que sejam compatíveis com
o Princípio da Igualdade, não há que se buscar um sentido diverso, devendo aplicar
cada uma delas. Entretanto, não se pode utilizar uma interpretação que desfavoreça
esse princípio em uma situação em que a lei não instituiu diretamente uma
desigualdade.
19° A Lei de Crimes Hediondos demonstra claramente sua intenção de punir o
homicídio qualificado ao elencá-lo em seu artigo 1°, inciso I, da mesma maneira que o
artigo 5°, inciso XLIII da CF. Desse modo, não havendo previsão expressa para que
não se trate o artigo 205 do Código Penal Militar em sua forma qualificada como crime
hediondo, nos parece que a melhor interpretação, conforme o Princípio da Igualdade e
a Constituição é pela aplicabilidade da Lei n°8.072/90 nesse crime militar.
20° O Princípio da Igualdade, acompanhado do Princípio da Legalidade e do Princípio
da Irretroatividade da Lei, demonstram que a cada dia que passa, deixamos de punir
adequadamente autores de crimes hediondos em sentido amplo, fornecendo
benefícios presentes na Justiça Militar que eles não merecem, simplesmente pela falta
da inserção de um parágrafo em uma lei que trata de crimes que possuem todas as
características encontradas no crime militar em pauta.
116
21° O artigo 205 do CPM é crime hediondo mesmo sem existir a previsão expressa na
Lei n°8.072/90, ele se encontra de forma implícita, visto que a norma já se refere ao
artigo 121 do CP, o qual trata da mesma espécie de delito. Esse pensamento já foi
defendido no Supremo Tribunal Federal141 ao tratar do atentado violento ao pudor,
decidindo-se pela aplicabilidade da Lei de Crimes Hediondos mesmo quando não
estivesse combinado ao antigo artigo 223142, “caput” e parágrafo único do Código
Penal.
22° A existência de dois códigos tratando da mesma espécie de crimes, como ocorre
com o artigo 121 do CP e o artigo 205 do CPM pode causar grave ofensa ao princípio
da igualdade ao nos depararmos com duas previsões distintas para pessoas que
praticaram o mesmo crime.
23° Para se evitar a proteção insuficiente de um mandado de criminalização e para
resguardar os valores da Carta Magna, a melhor opção seria um CPM que cuidasse
apenas dos crimes militares próprios, como a deserção, por exemplo, e das infrações
disciplinares.
24° O fato de existir o Projeto de Lei n°6.685/02 que visa inserir o artigo 205 do CPM
na Lei de Crimes Hediondos e que foi aprovado pela CCJC, demonstra que o Poder
Legislativo realmente tem a ideia de que o crime supracitado deveria ser objeto das
regras da Lei nº 8.072 de 1990 e que o mandamento de criminalização explícito ainda
não foi satisfatoriamente cumprido.
141
"Atentado violento ao pudor. Tipo penal básico ou forma simples. Inocorrência de lesões corporais graves ou do evento morte. Caracterização, ainda assim, da natureza hedionda de tais ilícitos penais (L.8.072/90). Legitimidade das restrições fundadas na CF (art. 5.º, XLIII) e na L.8.072/90 (art.2.º).Os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que em sua forma simples, configuram modalidades de crime hediondo, sendo irrelevante - para efeito de incidência das restrições fundadas na CF (art. 5.º, XLIII) e na L. 8.072/90 (art. 2.º)– que a prática de qualquer desses ilícitos penais tenha causado, ou não, lesões corporais de natureza grave ou morte, que traduzem, nesse contexto, resultados qualificadores do tipo penal, não constituindo, por isso mesmo, elementos essenciais e necessários ao reconhecimento do caráter hediondo de tais infrações delituosas. Precedente (Pleno). Doutrina.” (STF- HC 81.317-8-SC-2.º T.- Rel. Min.Celso de Mello – DJU 08.03.2002). 142
Formas qualificadas (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) Art. 223 - Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de quatro a doze anos. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de oito a doze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) Parágrafo único - Se do fato resulta a morte: (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de oito a vinte anos. (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de doze a vinte e cinco anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
117
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