mal estar sofrimento e sintoma

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    Mal-estar, sofrimento e sintomaReleitura da diagnstica lacaniana a partir do perspectivismo

    animista

    Christian Ingo Lenz Dunker

    Introduo

    Consideremos que a diagnstica1

    psicanaltica insere-se no quadro maiorde uma metadiagnstica da modernidade. Esta metadiagnstica supe aexistncia de um elemento comum, que caracteriza antropologicamente e

    define historicamente os modos de subjetivao que chamamos de moder-nidade. O centro sem substncia dessas formas de vida seria composto pornarrativa, discursos e teorias acerca da perda da experincia (Ehrfahrung).Segundo Honneth (2006), h uma dupla interpretao da modernidade,a partir da antropologia filosfica, de Montaigne a Rousseau, e a partir da

    filosofia da histria, de Hobbes a Hegel. Ambas partilham a ideia comumda perda da experincia, entendida alternativamente como incapacidade dosujeito de reconhecer-se em sua prpria histria particular ou como dificul-

    dade de estabelecer formas sociais universalmente compartilhveis. Alienaoe fetichismo seriam duas figuras fundamentais de nomeao desse bloqueioda experincia.

    Todo diagnstico, seja ele formal ou informal, clnico ou crtico, disci-plinar ou discursivo, reconhece, nomeia e sancionaformas de vidas enten-

    didas como perspectiva provisria e montagem hbrida entre exigncias delinguagem, de desejo e de trabalho. O ressentimento social um diagnstico(deleuze-nietzschiano), a biopoltica um diagnstico (foucaultiano), a

    1. Empregamos a palavra diag-nstica para designar a atividade

    continuada de exame e verifi-

    cao clnica. O termo um

    adjetivo substantivado referente

    a expresses como arte diagns-

    tica ou tcnica diagnstica.

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    personalidade autoritria um diagnstico (adorniano), a vida nua umdiagnstico (agambeniano), o declnio do homem pblico um diagnstico(sennetiano), a cultura do narcisismo um diagnstico (laschiano), o cinismo

    um diagnstico (zizekiano). So exemplos de diagnsticos parciais: damodernidade, do espao pblico, da gnese de um discurso, da valncia

    de um tipo social. A crtica de Politzer ([1928]* 1998) e de Canguilhem([1966] 1990) tambm so diagnsticos, que nomeiam este sintoma socialchamadopsicologiae este outro sintoma social chamado normalidade-normal.Contudo a ideia deperda da experincia um diagnstico (benjaminiano)de outro tipo, pois condiciona os demais, que aparecem diante dele como

    casos particulares ou verses especficas.

    Em nenhum caso o diagnstico universal (a sociedade patolgica, porexemplo), nem particular (este grupo social especfico chamado ressentidos,por exemplo). Trata-se da relao entre universal e particular, ou seja, da rela-o contingente entre o sujeito e a lei. O diagnstico no deve ser entendido

    como classificao ou incluso do caso em sua clusula genrica, mas comoreconstruo de umaforma de vida.

    Retomemos uma antiga partio diagnstica presente na classificao

    esboada por Freud dos tipos de sintoma: transitrios, tpicose individuais

    (cf. Freud, [1917] 1988f). Esta classificao um tanto inslita por doismotivos. Primeiro, suas categorias no so excludentes: sintomas tpicossosempre individuais, sintomas transitriospodem ser tambm tpicos, almdisso, existem sintomas individuais transitrios. Segundo, Freud comparasintomas segundo critrios distintos, a saber, a relao do sintoma com otempo (transitrio, permanente, intermitente, crnico), a regularidade so-

    cial do sintoma para uma determinada poca, cultura ou contexto (tpico,atpico, nico, especfico, genrico) e sua funo para o sujeito (indivi-

    dual, coletivo, produtivo, improdutivo, criativo, empobrecedor). Apesarde inslita e inconsistente e talvez justamente pela sua incapacidade dereunir um conjunto que inclua todos os casos possveis , esta classificaorevela nveis diferenciais de leitura do patolgico, nem sempre explicitados

    pelos que se dedicam a estudar a diagnstica psicanaltica. O que generi-camente designa-se por sintoma esta categoria que funda historicamente

    toda clnica possvel admite tanto o sentido de experincia de sofrimento(sintomas transitrios), como o sentido de signo de um processo patolgico

    (sintomas tpicos), alm do sentido de mal-estar ainda no reconhecido ounomeadocoletivamente(sintomas individuais). H formas de sofrimentoque ainda no podem ser nomeadas e outras que j no podem mais ser

    A data entre colchetes refere-

    se edio original da obra. Ela

    indicada na primeira vez que

    a obra citada. Nas demais,

    indica-se somente a edio

    utilizada pelo autor (N. E.).

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    reconhecidas, assim como h mitos individuais e coletivos, transitrios epermanentes, tpicos e atpicos. Isso nos habilita distinguir o sofrimentoexcessivamente nomeado, codificado sob formas jurdicas, morais ou clni-

    cas, ao modo do sintoma tpico, do sofrimento insuficientemente nomeadoque se apresenta como mal-estar difuso (Unbehagen), angstia flutuanteou condio incurvel atinente a uma forma de vida. Levando adiante ainconsistncia da classificao freudiana podemos perceber que o diag-nstico se faz sobre umaforma de vidaque deve incluir ou pressupor suasprprias prticas, produtivas ou improdutivas, de nomeao (autodiagns-tico), sua economia social de converso, determinativa ou indeterminati-

    va, do sofrimento em sintoma ou mal-estar (interdiagnstico), bem como

    sua insero em dispositivos prticos ou institucionais de tratamento dafalta ou do excesso (paradiagnstico).

    Essa partio corrobora a valorizao verificada na clnica psicanaltica,em contraste com a clnica mdica, da diagnstica espontnea trazida pelo

    prprio paciente. Mesmo que esta autodiagnstica seja desconstruda e re-vertida em heterodiagnstica, mesmo que se revele a natureza significante,proveniente do Outro ao qual o sujeito se aliena, este o primeiro passo

    incontornvel da experincia e da diagnstica psicanaltica. por motivos

    semelhantes que a psicanlise valoriza os esforos de nomeao do sintoma,na transferncia e no discurso ao longo do tratamento (interdiagnstica).Mas isso no invalida o fato de que h uma teoria do diagnstico em psica-nlise que aspira universalidade, transmissibilidade, justificao clnica

    e terica (paradiagnstica).O objetivo deste artigo apresentar a noo de forma de vida como

    conceito til para a recontextualizao da diagnstica psicanaltica, parti-cularmente aquela decorrente dos trabalhos de Jacques Lacan, no quadro

    da metadiagnstica da modernidade, desenvolvida pelas teorias sociais, emespecial aquelas de extrao crtica. Definimos uma forma de vida tantopela negatividade que a constitui como pelas formaes de recomposio,unidade ou identidade que lhe so caractersticas. Contando com essas

    formaes de retorno e com essas experincias de constituio possvelpropor um diagnstico social que inclua tanto formas de sintoma, comomodalidades de sofrimento e de mal-estar. Para justificar a utilidade clnicae crtica do conceito de forma de vidavamos realizar um breve exame e

    uma redescrio preliminar de algumas oposies fundamentais da racio-nalidade diagnstica psicanaltica: falta e excesso, produo e improduo,determinao e indeterminao. Esta releitura ser apresentada com base

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    em uma espcie de contramodelo, alternativo razo diagnstica ocidental,totmico-naturalista, na qual a psicanlise estaria inserida.

    Ao se apropriar da noo de estrutura proposta por Lvi-Strauss ([1949]

    1973a, [1949] 1973b), Lacan (1987) herdou tambm a tese da primaziado totemismo, que, posteriormente, foi questionada nos momentos mais

    avanados de sua obra, pelo apontamento da no paridade entre os mitosaxiais da psicanlise: dipo (cf. Freud, [1924] 1988h), Totem e tabu(cf.Freud, [1912-1913] 1988e) e Moiss e a religio monotesta (cf. Freud,[1939] 1988i). Mas a crtica, interna e externa, ao modelo estruturalistano precisa ser feita de modo a derrogar as vantagens de seu mtodo, o que

    a prpria antropologia ps-estruturalista tem mostrado com seus ltimos

    desenvolvimentos. neste contexto, de renovao dos estudos estrutu-ralistas e atualizao do pensamento dialtico igualmente presente em

    Lacan e sem o qual sua verso do estruturalismo incompreensvel , quepropomos esta homologia entre a psicopatologia psicanaltica e a noo de

    perspectivismo amerndio, formulada por Viveiros de Castro (2002). Talhomologia adquire, neste trabalho, uma dupla finalidade: 1) responder acrticas internas (cf. Miller, 2006; Soler, 2009) e externas (cf. Deleuze, 1976;

    Parker, 1999), dirigidas ao estruturalismo lacaniano em psicopatologia, e 2)

    habilitar a noo deforma de vida(cf. Safatle, 2008) como conceito capazde justificar uma patologia do social e explicar tanto a penetrncia de certossintomas em detrimento de outros, como sua ligao com modalidades,determinativas e indeterminativas, de sofrimento e mal-estar.

    Formas de vida e perda da experincia

    Hamlet (1599), Dom Quixote (1605), Dom Juan (1620), Robinson Cru-

    so (1719) e Fausto (1808) so narrativas cruciais quando se pensa no tipode subjetividade que caracteriza a modernidade (cf. Dunker, 2010). Cadaum desses heris, em cada caso de maneira distinta, expressa uma mesmaforma de monomania. Eles esto exclusiva e egoisticamente interessados em

    seus empreendimentos pessoais, seus atos e suas obras, definindo-se discur-sivamente e se fazendo reconhecer por seu desejo. So definidos pelo tipode diviso subjetiva que lhes caracteriza. Fausto, o professor errante, vive a

    alienao de satisfazer-se atravs de uma alma vazia que j no lhe pertence

    mais. Dom Quixote enlouquece porque leu livros de cavalaria em excessoe sonha habitar um tempo que no lhe mais contemporneo. RobinsonCruso realiza a experincia trgica da liberdade, como solido e desamparo,

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    depois de visitar sua fazenda de escravos no Brasil. Hamlet hesita diante doato de vingana reivindicado pelo fantasma de seu pai, cuja autoridade nogarante mais o sentido legtimo de sua ao. Dom Juan padece da efeme-

    ridade do desejo e do abismo infinito e infinitesimal que cerca sua escolhaamorosa, sempre nova e laboriosa.

    So formas de vida que demandam uma gramtica especfica de reco-nhecimento e localizao de impasses e conflitos. No campo da linguagemesta contradio estrutura-se na oposio fundamental entrefaltae excesso.Da advm uma concepo do patolgico como impasse, bloqueio ou sus-penso de simbolizao, e o sintoma como forma restitutiva, em excesso e

    no reconhecida, do fracasso de uma experincia. Do universo do desejo

    derivamos a oposio entre determinaoe indeterminao.Neste caso opatolgico define-se por uma forma de falsa realizao estrutural (ber-determinierung) do desejo, quer por sua alienao a objetos empricos,quer pelo fracasso de sua subjetivao. Por fim, do mundo do trabalho

    derivamos a oposio entre produoe improduo. Neste caso o patol-gico aparece como efeito de um trabalho psquico ou de uma elaborao(Ducharbeiten) entre desejo e linguagem, capaz de criar novos objetos detroca, de consumo, de cesso ou de fantasia. Contudo, tais objetos ins-

    tituem subtraes, deformaes e repeties que acabam por disseminara perda da experincia que em tese eles mesmos deveriam recompor ereparar. Encontramos assim a forma lacaniana para designar esta perdada experincia na ideia de objeto a, simultaneamente como localizao dafalta (como objeto flico ou traumtico), determinao do desejo (comoobjeto causa de desejo) e produtor de gozo (como objeto mais-de-gozar).

    No falta a nossos heris, todos de nobre estirpe, o trabalho da ast-cia ou engenho, nem coragem ou perseverana em fazer reconhecer seus

    desejos, muito menos potncia discursiva ou narrativa para reconstruirsuas histrias. Mas a soma destas virtudes clssicas insuficiente pararepresent-los, uma vez que aquilo que os define a prpria diviso subje-tiva reconhecida como perda, falta, corte ou vazio. Eles so expresses do

    paradigma mrbido, que caracteriza a subjetividade moderna como uminventrio de desencontros, falsas restituies, promessas irrealizadas e ela-

    boraes melanclicas (cf. Matos, 1989). So ao mesmo tempo senhoresde suas histrias de vida apresentadas como obras de autodeterminao,

    mas tambm escravos do luto por uma experincia que no conseguemlembrar, reconhecer ou incorporar. Eles evocam existncias pstumas,desprovidas de acontecimentos, como o caso de nosso Brs Cubas, ou

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    vivncias amnsicas como nosso Macunama, ou ainda uma sobrevivnciainstrumental como nosso sargento de milcias.

    No so apenas histrias clnicas ou literrias que descrevem como pessoas

    conseguiram transformar em realidade aquilo que almejaram, superandoobstculos internos e externos. So histrias sobre a descoberta, contradit-

    ria, pardica ou irnica, daquilo que ainda no era conhecido a respeito dosprprios desejos (cf. Watt, 1997). Tais narrativas possuem valor formativopara nossa razo diagnstica ao localizar a falta entre regra paterna e lei

    social, o que necessrio no s para a formao de sintomas, mas tambmpara produzir legitimao social do sofrimento, sendo condio para tornar

    legvel o sofrimento como aspirao de reconhecimento e tambm para

    determinar o mal-estar ainda no todo nomeado, o que tornaria possvelseu tratamento pelos discursos, conforme a tipologia lacaniana dos laos

    sociais: educar, governar, fazer desejar, analisar (cf. Lacan, 1992).No h nenhum motivo para que a psicanlise, herdeira do debate das

    luzes, no seja considerada um captulo particular desta metadiagnstica damodernidade. A alegoria das trs feridas narcsicas Coprnico, Darwin...e a psicanlise um exemplo de como a prpria histria da psicanlise

    absorveu tal diagnstico desde o incio. A ambio clnica da psicanlise

    envolve a cura como realizao de uma experincia. A tese do declnio daautoridade paterna (cf. Lacan, 2003) outro bom exemplo de como alte-raes em formas de vida (famlia patriarcal) implicam reinterpretaes daperda das experincias (liberais, disciplinares, romnticas), que, por sua vez,

    implicam reformulaes de modos de sofrimento, expressos na contradioentre aspiraes de reconhecimento e determinaes simblicas pelas quais

    estas deveriam se efetuar. Por conta disso, no seguimento do texto em questoLacan sugere que a consequncia provvel do declnio da imago paterna

    o fato de, no futuro, as neuroses de transferncia (com seus sintomas con-versivos e dissociativos) serem substitudas pelas neuroses de carter (comsuas disposies de personalidade, variaes narcsicas e impulsividades). Apreviso mostrou-se verdadeira, mas s at o ponto em que nossa civilizao

    permanece totemicamente organizada.A descrio das formas de recomposio, degradao, soerguimento,

    enfraquecimento ou exagerao da autoridade paterna to correlata daproduo de sintomas que em uma de suas ltimas reformulaes tericas

    Lacan (2007) chamou o nome-do-pai (ou a verso do pai) de sinthoma. precisamente neste lugar de determinao simblica da lei e com esta funoordenadora e classificatria da falta que o pai aparece como figura totmica

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    nos sintomas dos grandes casos clnicos de Freud. A paralisia de Elisabethvon R. ou de Ana O. surgem quando elas se veem libertas dos cuidadosdispensados ao pai (cf. Freud e Breuer, [1895] 1988). A afonia de Dora tes-

    temunha que o pai apesar de impotente ainda relaciona-se sexualmente coma senhora K (cf. Freud, [1905] 1988a). A fobia a cavalos do Pequeno Hans

    um suplemento funo do pai (cf. Freud, [1909] 1988b). O Homemdos Ratos s pode decidir casar-se e concluir seus estudos se antes quitar advida legada por seu pai (cf. Freud, [1909] 1988c). O Homem dos Lobos

    est possudo pelo olhar que ele mesmo acrescenta cena do lobo paternocopulando com sua me (cf. Freud, [1918] 1988g). Schreber constri um

    delrio em torno de sua transformao em mulher e subsequente cpula

    com Deus-pai para dar origem a uma nova raa de seres humanos (cf.Freud, [1911] 1988d). Ou seja, o sintoma uma determinao paterna,

    como significao e satisfao, que recai sobre o mal-estar, nomeando-o eestabelecendo a gramtica na qual o sofrimento que ele veicula pode ser

    reconhecido como demanda suprimida, inarticulada ou informulada. Daque o nome clnico do mal-estar seja angstia.

    Nossos heris psicanalticos, assim como nossos heris literrios, podem

    evocar uma resposta moral conservadora cuja enunciao seria: veja o que

    acontece com aqueles que viram as costas para a solidariedade csmica da vida,para a comunidade de origem e para o sentido coletivo da convencionalidadede significados. A loucura alucinatria de Dom Quixote, a erotomania deDom Juan e Bovary, a obsesso de Kant, a paranoia de Kafka, a melancolia

    de Fausto, a depresso de Baudelaire, a histeria de Hamlet, Montaigne e He-gel, a megalomania de Cruso so verses comensurveis com o totemismo

    psicanaltico e seus temas relativos perda da experincia: a transgresso, osacrifcio, a converso, a interdio, a identificao, o luto. A lio legada pela

    dialtica entre senhor e escravo, trazida por Lacan (1998b) para a psicanlise,a partir de uma leitura antropolgica da Fenomenologia do esprito, comomodelo para uma teoria do reconhecimento, de que a experincia elamesma uma dialtica. Dialtica cujo circuito ontolgico formado pela perda

    da experincia e seu retorno como experincia da perda real.No por outro motivo que Lacan sempre definiu a psicanlise como

    uma experincia. Primeiro tratava-se do tratamento psicanaltico como umaexperincia dialtica (cf. Lacan, 1998a), em seguida da cura como experincia

    de subjetivao do desejo inconsciente (cf. Lacan, 1998c), depois experinciade castrao, de luto e de travessia de identificaes (cf. Lacan, 1988), e,para terminar, experincia de queda do analista como objeto na transfern-

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    cia e na fantasia do analisante (cf. Lacan, s/d). Nesse sentido, o tratamentopsicanaltico, como verdadeira e genuna experincia de reconhecimento,coordenada pela funo lgica representada pelo totemismo paterno, seria

    uma aposta naproduo de uma experincia produtiva de determinao.Esta aposta clnica condizente com um primeiro metadiagnstico damodernidade, que enfatiza o excesso deexperincias improdutivas de determi-nao. Ou seja, na forma de vida que caracteriza a modernidade h hipertrofiade sistemas e dispositivos disciplinares (cf. Foucault, [1978-1979] 2008), da

    que o campo do sofrimento seja indissocivel da experincia de alienao,tanto em sua vertente de exteriorizao (Entusserung) do sujeito, como emsua vertente de estranhamento (Entfremdung) do desejo. H demasiada racio-

    nalizao do trabalho (cf. Marx, [1844] 1973), da linguagem (cf. Benjamin,[1936] 1994) e da vida (cf. Weber, [1946] 1963), que redunda em perda do

    carter orgnico e autntico da experincia (Erfahrung). H uma reificao ge-neralizada da conscincia e uma hipertrofia do pensamento da identidade (cf.

    Adorno e Horkheimer, [1944] 1985) que se prolonga em uma colonizao domundo da vida (Lebenswelt) pela razo instrumental (cf. Habermas, 1990). Asestratgias de determinao e de discriminao, prprias ao mundo da tcnica

    (Gestellt), acabam gerando vivncias (Erlebnis) improdutivas (cf. Heidegger,

    [1953] 2002), incapazes de produzir reconhecimento social simblico (cf.Jameson, [1981] 1992), o que acarreta mais ambivalncia, indeterminao,indiscriminao (cf. Bauman, 1999) e consequente percepo de risco (cf.Beck, 1997). Este primeiro metadiagnstico baseado na perda da experincia

    geralmente conduz a uma linhagem paranoide, como se v em Dom Quixote,Hamlet e Dom Juan, e mais tarde em Henry James (cf. Zizek, 2008), Kafka

    (cf. Santner, 1997) e Flaubert (cf. Kehl, 2008).Mas h um segundo metadiagnstico da modernidade, baseado em um

    dficit de experincias produtivas de indeterminao. Ou seja, certas expe-rincias de indeterminao, necessrias para que a liberdade se exprima emato real e no apenas no reconhecimento indireto, atravs da submisso emediao dos sistemas simblicos reunidos em uma unidade teolgico-

    poltica. Poderamos voltar aqui ao tema do declnio da imago paterna comocondio potencialmente favorvel produo de experincias produtivas de

    indeterminao. Esta teria sido a preocupao fundamental de autores comoNietzsche e Bataille. Ou seja, ali onde um diagnstico percebe o dficit, o

    outro localiza excesso. Onde o primeiro l uma experincia improdutiva dedeterminao, o outro reconhece uma experincia produtiva de indetermi-nao. Ambos metadiagnsticos no so redutveis nem complementares

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    entre si porque a indeterminao no s a falta simtrica da determinao(cf. Honneth, 2007). A indeterminao possui estatuto ontolgico prprio,mesmo que negativo, e no deve ser concebida apenas como negao, sus-

    penso ou transgresso da lei (automaton), mas tambm como contingnciae encontro (tich ). isso que se encontra sistematicamente na noo laca-niana de gozo, ou seja, uma experincia de no identidade, informidade,estranhamento. Falta, contudo, um modelo antropolgico do que seria umaforma de vida baseada nesta outra lgica de reconhecimento.

    Agrupamos nesta segunda metadiagnstica a crtica da moral do ressenti-mento (cf. Nietzsche, [1884] 1997), da institucionalizao da experincia e a

    asfixiante dependncia sentida com relao s instncias de representao (cf.

    Taylor, 1997). Assim como o excesso de experincias de determinao aparececomo mal-estar na forma de desconfiana, sentimento de solido e insegu-

    rana social, o dficit de experincias produtivas de indeterminao aparececomo mal-estar na forma de inadaptao, sentimento de vazio e valorizao da

    anomia social. Esse diagnstico aparece de modo descritivo, nos tericos da so-ciologia compreensiva, como colonizao da esfera pblica pela gramtica pri-vada do reconhecimento intersubjetivo (cf. Sennett, [1973] 1993), ou como

    encurtamento da narrativa amorosa (cf. Giddens, 1993). Entre os filsofos

    da diferena, o diagnstico reaparece como reconhecimento da indetermina-o das relaes entre crenas e prticas (cf. Deleuze, [1953] 2001) ou comoreconhecimento da indeterminao do sentido em sua iterao (cf. Derrida,[1966] 1973). Nesta linhagem esquizoide encontram-se inicialmente Cruso

    e Fausto, depois Hlderlin (cf. Laplanche, [1961] 1991), Baudelaire (cf.Jameson, 2005), Joyce (cf. Laberge, 2007) e, entre ns, Guimares Rosa (cf.

    Rivera, 2005).H vrias maneiras de ler, com a psicanlise, este duplo diagnstico

    histrico da modernidade como perda da experincia e como experinciada perda. A mais simples e amplamente empregada por Freud consiste emsincronizar as experincias particulares de negatividade e de no identidade,que marcam a constituio do sujeito, com experincias universais, que

    descrevem a gnese lgica do sujeito, dos grupos, das massas e da civiliza-o. Para Lacan estas experincias negativas da perda incidem de maneira

    um pouco distinta. No registro do desejo, a negatividade da perda doobjeto (Versagung) articula-se a partir da falta, como frustrao imaginria,

    privao real (Entbehrung) e castrao simblica (Kastration). Esta perdade natureza ontolgica (real, simblica ou imaginria) articula-se diferen-cialmente conforme entendido o campo antropolgico do Outro como

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    campo de linguagem e sentido (Bedeutung), no qual ocorrem experincias dealienao, separao e angstia (Angst), ou se consideramos o Outro comoexperincia de corpo, na qual insistem os temas do desamparo (Hilflosigkeit),

    da precariedade da unidade corporal ou da inexistncia da relao sexual.Mas esta dimenso antropolgica da perda pode ser novamente revertida

    na dimenso ontolgica do vazio. Neste caso, falamos do encontro com oreal, do trauma-verdade (trumatisme), da coisa (das Ding) e do objeto daangstia. H, portanto, em Lacan, uma tentativa de descrever uma gram-

    tica de negaes da experinciacomo releitura da teoria freudiana da defesa:negao (Verneinung), recalque (Verdrngung), foracluso (Verwerfung) erecusa (Verleugnung). Mas h, por outro lado, o esforo por estabelecer

    uma lgica das experincias de negao, como releitura da teoria freudianada pulso: sublimao (Sublimierung), retorno ao prprio eu (Wiederkehr),inverso (Umwendlung) entre sadismo-masoquismo, fuso e desfuso daspulses, degradao do objeto na vida amorosa (Erniedrigung). Em suma,Lacan tentou condensar as variedades da experincia da perda na noo deobjeto a e as variedades da perda da experincia com a noo de sujeitodividido. O corte a figura conceitual que representa a no identidade entreum e outro. Isso basta para justificar a ideia de que o duplo metadiagnstico

    social da modernidade est presente e ativo no interior da racionalidadediagnstica elaborada por Lacan.

    A noo deforma de vidano tem nada a acrescentar diante desta ar-ticulao lgica e antropolgica da negatividade em Lacan. Ela nos serve

    apenas para agrupar, metodologicamente, diferentes montagens clnicas emtorno do objeto ae do sujeito, tendo em vista um problema prtico que odiagnstico. Em vez de dizer que h diagnsticos sobre a estrutura da defesae diagnsticos sobre a fantasia, ou que h diagnsticos que privilegiam as

    articulaes entre real, simblico e imaginrio em detrimento da posiodiante da sexuao, ou de modalidades prevalentes de discurso, preferimosdizer que o diagnstico incide sobre uma forma de vida. Diagnosticar reconstruir uma forma de vida, definida pelo modo como esta lida com a

    perda da experincia e com a experincia da perda. Diagnosticar dizer comouma forma de vida se mostra mais determinada ou mais indeterminada,

    como cria sua singularidade entre falta e excesso e como se relaciona comoutras formas de vida por meio da troca e da produo. Linguagem, desejo

    e trabalho so formas de relao, da que nosso conceito seja adequado nopara um relativismo, mas para um relacionalismo.

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    Christian Ingo Lenz Dunker

    Psicopatologia psicanaltica e perspectivismo amerndio

    Devemos entender uma forma de vida exatamente como os viajantes

    da nave Enterprise, dirigida pelo capito James Kirk (William Shatner), nofamoso seriado de televisoJornada nas estrelas(Star Trek), produzido porGene Rodenberry nos anos de 1960-1980. A expresso forma de vida apa-

    recia ali para designar seres humanos ou humanoides, mas tambm animais,plantas, minerais aos quais se aplicaria a regra da no interferncia. Por outrolado, a prpria tripulao da nave no era composta por uma nica forma de

    vida, incluindo russos, japoneses, americanos, bem como o doutor Spock,meio terrestre meio vulcano. A srie, concebida em meio Guerra Fria e ao

    nascente multiculturalismo norte-americano, antecipava tambm, de modoinadvertido, o contexto no qual queremos introduzir a noo de forma devida, ou seja: o multinaturalismo.

    Formas de vida nem sempre so humanas, o que permite um recuo es-tratgico em relao aos esforos essencialistas por definir o que o homem,

    qual seu parmetro de racionalidade, quais suas disposies universais deao ou no que exatamente ele se diferencia dos animais. Vamos nos serviraqui do que Viveiros de Castro chamou de perspectivismo amerndio,

    para redescrever a diagnstica psicanaltica.Partimos da ideia de que a psicopatologia lacaniana articulou a teoria das

    estruturas clnicas a partir de uma deriva metodolgica do conceito antropo-lgico de estrutura. neste sentido que estruturas clnicas se apresentam maiscomo mitos individuais (cf. Lacan, 1987), como posies existenciais (cf.

    Juranville, 1987), como discursos ou modalidades de transferncia (cf. Calli-garis, 1989), e menos como desvio, anomalia ou perda de funo. Mas juntocom o mtodo estrutural Lacan importou seu contexto de aplicao, a saber,

    a premissa totmica alis, adquirida por Lvi-Strauss via Freud. O mtodoestrutural, conjugado a uma teoria dialtica do desejo e da histria, permitiu,

    como vimos, uma redescrio do tema freudiano do complexo paterno. Pode-se apontar a crtica de que o discurso sobre a vacuidade de contedo e as purasformas simblicas, que caracterizou o primeiro captulo do estruturalismo, ou

    o discurso da purificao lgica da intuio, que marca o segundo captulo,so potencialmente conformistas em relao ao metadiagnstico de perda da

    experincia e seu sintoma mais trivial, a hipertrofia da razo sistmica. Ota

    (2010) chamou este terceiro momento da aplicao estruturalista, dispostoa incorporar o tema da indeterminao, de formalismo normativo. Nele

    as descries lgicas das estruturas abandonam definitivamente sua funo

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    descritiva e assumem feio normativa, procedimental e poltica. Se antes asestruturas pensam os homens, agora teramos homens que pensam a si mes-mos sendo pensados pelas estruturas.

    O contexto da razo diagnstica no passou imune a este movimentode inverso de perspectivas (cf. Viveiros de Castro, 2002, p. 353). A psico-

    patologia psicanaltica pode ser criticada por seu neurtico-centrismo, porseu androcentrismo e por seu totemismo-naturalista. Em reao defensivapassa-se ento a advogar um psictico-centrismo, um feminino-centrismo

    ou um relativismo-culturalista. Sem substituir a ideia de centro pela deelipse e a geometria da elipse pela topologia do toro a inverso do

    totemismo-naturalista, expresso no mito freudiano de Totem e tabu (cf.

    Freud, 1988e), no precisa gerar um relativismo-mononaturalista, ao mododas psicopatologias culturalistas da contemporaneidade, mas pode dar

    ensejo a um animismo-multinaturalista. A inverso do neurtico-centrismono se faz, necessariamente, pela admisso do carter universal da psicose

    humana, como pretende a chamada teoria da foracluso generalizada, maspode ocorrer pelas vias da recuperao da categoria de loucura, como pa-tologia do reconhecimento e do sofrimento social. Tambm a inverso do

    androcentrismo no precisa corresponder sua substituio pelo simples

    oposto, do feminismo generalizado, derivado da noo de gozo feminino,mas pode ser contraposta noo de experincia produtiva de indeterminao,equivalente conceitual da no proporcionalidade clnica entre os gnerosou entre as modalidades de gozo. Mas para isso teramos que introduzir

    um tipo de toro diferente da toro simtrica e reflexiva que caracterizao totemismo.

    exatamente isso que encontramos no animismo perspectivista amerndiotal como descrito por Viveiros de Castro (2002, p. 377). A noo de pers-

    pectiva no deve nos enganar aqui, no se trata de um multiculturalismo,mas de um multinaturalismo:

    [...] multiculturalismo supe uma diversidade de representaes subjetivas e parciais,

    incidentes sobre uma natureza externa, una e total, indiferente representao;

    os amerndios propem o oposto: uma unidade representativa ou fenomnica

    puramente pronominal, aplicada indiferentemente sobre uma diversidade real

    (Idem, p. 379).

    A noo de perspectivismo pode ser aplicada razo diagnstica, pormeio da noo de forma de vida, desde que se a considere como perspec-

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    Christian Ingo Lenz Dunker

    tiva, no representao. Os diferentes grupos clnicos, quadros, sintomas esignos que compem uma psicopatologia usualmente descrevem variedadesdo esprito reunidas na unidade material e biolgica dos corpos. Temos,

    de um lado, a universalidade objetiva dos corpos (mononaturalismo), deoutro, a particularidade subjetiva do significado (totemismo). Podemos

    ento descrever formas de vida particulares, segundo o tipo de organizaodo significado que lhes caracteriza. aqui que a psicanlise convoca a srietotmica do pai simblico, da funo paterna, da metfora paterna, do

    significante mestre, da verso do pai (pre-version) etc. Esta srie define aincidncia do real, concebido como mundo epistemologicamente unificado,metodologicamente conveniente e logicamente necessrio. Neste universo,

    funes dixicas tal como ontem ou amanh so to logicamente vli-das quanto relaes de parentesco como filho de, sobrinho de etc. (cf.

    Idem, p. 385) e to naturais como um pedao de peixe ou uma canoa. Estecontexto trivial define a normalidade administrada como aptido reflexiva:

    os seres humanos veem os humanos como humanos e os animais como animais.Animais a funo lgica do argumento na qual podemos substituir todaforma de vida que no partilhe esta lei totmica. Historicamente: loucos,

    brbaros, estrangeiros, marginais, doentes, selvagens, crianas, e assim por

    diante. neste ponto que o animismo levanta uma resposta alternativa.No existem apenas humanos e animais, h tambm formas de vida que,como espritos, podem ser, por exemplo, no-todo-humanos ou ainda-no-animais. Onde o totemismo reconhece uma oposio do tipo homem/

    animal, o animismo percebe um nmero indeterminado de formas de vida,todas elas humanas, vestidas com as mais diversas roupas no humanas.

    Encontrar-se com tais formas de vida desnudas um signo seguro de queas condies no so normais(cf. Idem, p. 350), ou seja, de que a perspectiva

    no normal, mas nunca de que o outrono normal.Podemos pensar, de modo homlogo, que a psicose, ao contrrio, mas

    no simetricamente neurose, implica uma gramtica semelhante dospovos animistas, que privilegiam a metonmia como funo ordenadora e

    que se aliam ao multinaturalismo para afirmar que as relaes entre culturae natureza so em ltima instncia culturais. Se a paternidade uma relao

    adotada pela neurose como matriz de todas as outras relaes, a objetalida-de, que uma propriedade dos corpos ou dos seres, adotada pela psicose

    como matriz de todas as outras objetalidades. Basta imaginar as diferenaspsicopatolgicas colocadas desta maneira, para compreender que no hnenhum dficit de simbolizao na psicose, nenhuma carncia de funo re-

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    presentativa, apenas uma diferena quanto ao lugar de incidncia da questoestrutural: o corpo ou o sujeito. Isso corroborado pela observao de queo perspectivismo amerndio somtico, no qual o corpo entendido como

    roupa, envoltrio ou semblante que deve ser continuamente produzido oufabricado (cf. Idem, p. 389). A roupa, concebida como produo de umcorpo (cf. Idem, p. 393), est mais para um equipamento de mergulho queinstrumentaliza aes do que para a mscara de carnaval, que esconde umaidentidade essencial (cf. Idem, p. 394).

    Vendo-nos como no humanos, a si mesmos que os animais e espritos veem

    como humanos [...] os jaguares veem o sangue como cauim, os mortos veem os

    grilos como peixes, os urubus veem os vermes da carne podre como peixe assadoetc. (Idem, p. 350).

    O psicanalista como xam: reformulao

    Reencontramos aqui, de forma renovada, a antiga tese de Lvi-Strauss

    (1973b) de que o xam, do qual o psicanalista seria uma verso moderna, um mestre neste esquematismo csmico, dedicado a comunicar e administrar

    as perspectivas cruzadas e os estados informulados, conferindo sensibilidadeaos conceitos e inteligibilidade s intuies. O xam este ser transespe-cfico, humanoide e andrgino, capaz de ver a forma interna humana sob

    a roupa vestida por determinada forma de vida e ao mesmo tempo ler seumito, ou seja, a histria do tempo em que homens e animais no distinguiam(cf. Lvi-Strauss, [1988] 2005, p. 193).

    Vendo os seres no humanos como eles se veem (como humanos), os xams so

    capazes de assumir o papel de interlocutores ativos no dilogo; sobretudo so ca-pazes de voltar para contar a histria, algo que os leigos dificilmente podem fazer.

    O encontro ou intercmbio de perspectivas um processo perigoso, e uma arte

    poltica uma diplomacia (Viveiros de Castro, 2002, p. 358).

    Em trabalho anterior sobre a histria das prticas que determinam a

    inveno do tratamento psicanaltico, insistimos na tese da cura comoarte poltica. Tentamos mostrar que, desde a antiguidade (medicina grega,

    cuidado de si helenstico, a retrica) at a modernidade (Montaigne, Kant,Hegel), as diferentes prticas de cura, de tratamento e de cuidado presentesna arqueologia da clnica psicanaltica tm em comum esse componente

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    poltico (cf. Dunker, 2010). Outra coisa, entretanto, apresentar umadiagnstica compatvel com essa arte poltica da cura.

    Se a arte poltica parece um terreno por demais vasto e incerto, con-

    vm lembrar que as teorias indgenas sobre o adoecimento no divergemtanto assim das concepes hegemnicas do mononaturalismo moderno,

    reduzindo-se no total a quatro hipteses recorrentes: 1) perda da alma oupossesso; 2) quebra de tabu; 3) intruso de um objeto; 4) desregulao doesprito (cf. Clements, 1932). Os casos 1 e 2 predominam em formas de vida

    totmicas, nos quais a cura se estrutura por meio do sacrifcio, da solido eda aliana. Os casos 3 e 4 prevalecem entre os povos animistas, nos quais o

    canibalismo e a incorporao so uma constante, e o xamanismo e a meta-

    morfose corporal compem o modelo do processo de cura. No totemismopredomina o temor ao isolamento e solido. No animismo prevalece o

    horror s experincias de indiferenciao entre homens e animais (cf. Viveirosde Castro, 2002, p. 391). Reencontramos agora as duas metadiagnsticas da

    modernidade. Na variante totmico-paranoide, a experincia recompostapela determinao, enquanto na vertente animista-esquizoide a experincia recuperada por meio da indeterminao.

    O prximo passo inverter o mononaturalismo totmico para o mul-

    tinaturalismo animista. No perspectivismo amerndio a condio originalcomum a homens e animais no a animalidade, mas a humanidade (Idem,p. 355). Homologamente, na diagnstica psicanaltica a condio comumentre normalidade e patologia a patologia e no a normalidade. Se os

    humanos so aqueles que continuaram iguais a si mesmos: os animais soextra-humanos, e no os humanos ex-animais. Homologamente, os neurti-

    cos, psicticos ou perversos so formas de vida patolgicas, que perderam osatributos herdados ou mantidos pelos humanos normais. Contudo tais hu-

    manos normais so uma perspectiva e uma forma de vida impossvel, umavez que esta no mais pensada como essncia interior comum e universal,consoante ao humanismo trivial. Animais e demais seres cosmopatolgicoscontinuam a ser humanos, como as outras indeterminadas formas de vida,

    porque o mundo que se transforma a partir da mudana de perspectiva.Se no mononaturalismo convencional que caracteriza a modernidade

    pensa o sujeito como objeto insuficientemente analisado, o multinaturalismopresente nos povos amaznicos entende o objeto como um sujeito incom-

    pletamente interpretado(cf. Idem, p. 360). Se para Saussure o ponto de vistacria o objeto, para o perspectivismo o ponto de vista cria o sujeito. No uma disputa para estabelecer a hegemonia entre modos de ver, representar

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    ou conceituar, mas uma luta para fazer reconhecer qual mundo necessrioe obrigatrio, tendo em vista um conjunto indeterminado de perspectivaspossveis. No o sujeito que cria a perspectiva, mas a perspectiva que cria

    o sujeito. Todos os seres veem o mundo da mesma maneira, o que muda o mundo que eles veem (multinaturalismo), ou seja, a epistemologia

    constante, a ontologia varivel. H certos impasses na teoria lacanianado sujeito que poderiam ser redimensionados a partir do perspectivismoamerndio (cf. Silva Jr., 1999; Bairro, 2003).

    A toro assimtrica do animismo perspectivista

    Dessa maneira, o que ns chamamos de sangue a cerveja para o jaguar,e o que ns chamamos de barro lamacento a grande casa de cerimnia paraas antas. O crucial que ns ainda no sabemos disso e raramente vemos

    as antas sem suas roupas de antas. Ocorre que ns no quadro do perspec-tivismo amerndio significa menos uma referncia a substantivos e mais umuso pronominal indeterminado. Ao contrrio do totemismo, no qual o nome

    comum tomado na funo dos nomes prprios, no animismo a identidadecoletiva de ns est sujeita extenso indeterminada, indo desde a parentela

    ao grupo de origem e incluindo seres desconhecidos.H restries e evitaes calculadas quanto ao uso da autorreferncia e

    da onomstica pessoal, de tal forma que o prprio nome raramente pro-

    nunciado por seu portador. Sutil diferena necessria entre dizer eu mechamo X (totemismo) e sou chamado de X por Y (animismo). Logo,toda posio qual se atribua um ponto de vista ou uma intencionalidade

    ser tambm um sujeito. Ora, basta pensar a topologia do significante comodois pontos necessrios para formar um conjunto, dos quais um deles re-

    presenta um sujeito, para perceber a profunda afinidade entre o animismoperspectivista e a teoria lacaniana. Inversamente, basta ver como o problemada autorreferncia confunde-se em Lacan com o tema da metfora, para

    perceber a proximidade entre a teoria das estruturas clnicas e o totemismo.Tendo em vista essa aproximao, podemos formalizar um exemplo de como

    o animismo perspectivista acrescenta uma nova articulao nas oposiesentre falta e excesso e entre determinao e indeterminao: (a) humanosesto para si mesmos, assim como os salmes esto para si mesmos (mo-

    nonaturalismo reflexivo identitrio); (b) salmes veem a si mesmos comohumanos,porqueos humanos os veem como salmes, vendo a si mesmoscomo humanos (toro simtrica do totemismo).

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    Comparemos esta dupla alternncia com a assimetria da toro animista:(a) salmes parecem com outros salmes, assim como os humanos parecemcom outros humanos (animismo); (b) salmes no parecem humanos para

    outros humanos, assim como os humanos no parecem salmes para outrossalmes (perspectivismo); (c) humanos veem-se como humanos, mas so

    vistos como no humanos (animais, espritos) pelos no humanos (toroassimtrica do animismo).

    O primeiro grupo transformativo lembra a frmula cannica proposta

    por Lvi-Strauss para formalizar a estrutura dos mitos, na qual um elemento substitudo por sua funo e a funo substituda pelo inverso do elemento

    (cf. Lvi-Strauss, [1955] 1973c). Desta maneira, uma correlao entre iden-

    tidades reflexivas explica o surgimento das diferenas, conforme o modelototemista. Lacan absorveu este conceito ao pensar a estrutura do sujeito como

    uma fita de Moebius, definida por sua toro simples. A novidade representa-da pelo animismo perspectivista exigiria a reescrita da frmula cannica, pois

    envolveria dupla toro assimtrica, cuja melhor representao topolgicaseria a garrafa de Klein, composta por duas fitas de Moebius com tores emsentido contrrio.

    Se isto se demonstrar correto, poderamos corrigir a ideia de que a neurose

    um mito individual (cf. Lacan, 1987) com a tese de que o mito nem semprereflete a comensurabilidade totmica entre humanos e no humanos, maspode indicar a ideia animista de que tanto humanos como no humanosso diferentes de si mesmos. a correlao entre duas sries de diferenas

    que produz a identidade como estrutura simtrica e reversvel: se todos tmalma, ningum idntico a si(cf. Viveiros de Castro, 2002, p. 377).

    Concluso

    Vimos que o perspectivismo animista um contraexemplo s formasde vida de prevalncia totemista, extensivamente presentes na diagnsticapsicanaltica desde Freud. Se o animismo amerndio uma orientao

    consistente para a produo constante e indeterminada de um corpo, comomatriz da posio do sujeito, isso no o aproxima da psicose de nenhuma

    maneira, apenas permite pens-la de forma menos deficitria.Percebemos agora como a matriz neurtico-cntrica da psicopatologia

    psicanaltica, mesmo que subsidiada por uma teoria da constituio do su-jeito na qual processos metonmicos ocupam papel significativo, entende osintoma como dficit de reconhecimento de uma determinao metafrica

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    (paterno-totmica). O sofrimento, por sua vez, pode ser agora mais bemconcebido como excesso de indeterminao metonmica, ao modo de umademanda inarticulada, que mais facilmente pensvel em uma lgica do

    reconhecimento de tipo animista.O problema do mal-estar agora pode ser redescrito como perda de expe-

    rincia, no s adotando por referncia a oposio histrica entre modernida-de e pr-modernidade, mas tambm pela oposio entre mononaturalismo emultinaturalismo. Entendemos agora por que a metadiagnstica centrada na

    ideia de excesso de experincias improdutivas de determinao s percebe nasexperincias indeterminativas improdutividade ou dficit de determinao.

    porque este diagnstico se emparelha com o mononaturalismo totemista,

    que s consegue perceber um mesmo mundo, idntico a si e no qual nssomos o elemento varivel. Da que o sofrimento de indeterminao tenda

    a ser abordado com mais esquemas determinativos em vez de reconhecidono quadro de outra dialtica do reconhecimento.

    As recentes pesquisas etnogrficas, no quadro renovado do ps-estrutura-lismo, longe de descartar a importncia do totemismo vm revelando comoeste deve ser pensado como um caso particular, separvel tanto do mono ou

    multinaturalismo como do totemismo. No quadro do animismo multina-

    turalista o sinthoma e agora esta expresso neolgica lacaniana nos parecemuito mais adequada deveria ser pensado como excesso, indeterminaometonmica, expresso pelo temor ao canibalismo, pelo horror antropofgicoe pela linhagem esquizoide da modernidade.

    Enquanto o totemismo ergue-se diante da perda da experincia de si,o animismo aponta para a perda da experincia do Outro. Enquanto o

    totemismo enfatiza a experincia da perda do Outro, o animismo perspec-tivista prende-se experincia da perda de si. Mas o resultado mais interes-

    sante deste experimento mental baseado na suposio de homologia entreformas vida, antropolgica e historicamente definidas, e a racionalidadediagnstica da psicanlise lacaniana que em ambos os casos a soma daspossibilidades no nos leva a encontrar a totalidade do sistema. O sonho

    com um catlogo das formas de sofrimento, de sintoma e de mal-estar, um trao do totemismo. A soma das posies naturalista (mono e mlti-

    plo), totemista e animista no forma e jamais formar, como esperamoster demonstrado, um ponto de vista comum, sem que isso represente ao

    mesmo tempo um relativismo. Este universal fraturado, ou esta psicopa-tologia no-toda, o que se pode esperar desta nova fase das relaes entrepsicanlise e teoria social.

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    Christian Ingo Lenz Dunker

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  • 8/13/2019 Mal Estar Sofrimento e Sintoma

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    135junho 2011

    Christian Ingo Lenz Dunker

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    22/22

    mal-estar, sofriento e sintoa, pp. 115-136

    Resumo

    Mal-estar, sofrimento e sintoma: releitura diagnstica lacaniana a partir do perspecti-

    vismo animista

    O objetivo deste artigo apresentar a noo de forma de vidacomo conceito til paraa recontextualizao da diagnstica psicanaltica, decorrente dos trabalhos de Jacques

    Lacan, no quadro da metadiagnstica da modernidade, desenvolvida pelas teorias so-

    ciais, especialmente as de extrao crtica. Para justificar a utilidade clnica e crtica do

    conceito de forma de vida vamos realizar uma redescrio das oposies fundamentais

    da diagnstica psicanaltica (falta e excesso, produo e improduo, determinao e

    indeterminao), consideradas, respectivamente, como derivativos da esfera do desejo,

    da linguagem e do trabalho. Para tanto, propomos uma homologia entre a psicopatolo-

    gia psicanaltica e a noo de perspectivismo amerndio, desenvolvida por Viveiros deCastro (2002), que adquire neste trabalho uma dupla finalidade: 1) responder a crticas

    dirigidas ao estruturalismo lacaniano em psicopatologia; e 2) justificar a distino entre

    sintoma, sofrimento e mal-estar.

    Palavras-chaves: Diagnstico; Psicanlise; Perspectivismo.

    Abstract

    Discontent, suffering and symptom: a Lacanian diagnostic re-reading via animist pers-

    pectivismThe objective of this article is to explore the notion of life form as a useful concept for

    recontextualizing psychoanalytic diagnosis, as inspired by the works of Jacques Lacan,

    within the framework of the metadiagnosis of modernity developed by social theories,

    especially those of a critical inclination. To justify the clinical and critical utility of the

    concept of life form, the text embarks on a re-description of the fundamental opposi-

    tions of psychoanalytic diagnosis (lack and excess, production and non-production,

    determination and indetermination) as derived from the spheres of desire, language

    and work respectively. This aim in mind, the text proposes a homology between psy-choanalytic psychopathology and the notion of Amerindian perspectivism developed

    by Viveiros de Castro (2002), which assumes a double purpose in this work: (1) to

    respond to critiques of Lacanian structuralism in psychopathology; and (2) to justify

    the distinction between symptom, suffering and discontent.

    Keywords: Diagnosis; Psychoanalysis; Perspectivism.Texto recebido e aprovado em

    10/3/2011.

    Christian Ingo Lenz Dunker

    psicanalista e professor livre-do-cente do Instituto de Psicologia

    da USP. E-mail: .