majestosa educaÇÃo: famÍlia e civilidade no …lia e... · m 18 de julho de 1841 d. pedro ii era...

365
Flávio Carreiro de Santana MAJESTOSA EDUCAÇÃO: FAMÍLIA E CIVILIDADE NO SEGUNDO REINADO DO BRASIL (1840-1889) Tese de Doutorado em Identidade, Práticas e Representações no Mundo Contemporâneo, na área de especialização em História Contemporânea, orientada pela Doutora Irene Maria Montezuma de Carvalho Mendes Vaquinhas, apresentada ao Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 2013

Upload: trinhkhanh

Post on 08-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • ~ 1 ~

    Flvio Carreiro de Santana

    MAJESTOSA EDUCAO:

    FAMLIA E CIVILIDADE NO

    SEGUNDO REINADO DO BRASIL

    (1840-1889)

    Tese de Doutorado em Identidade, Prticas e Representaes no Mundo

    Contemporneo, na rea de especializao em Histria Contempornea,

    orientada pela Doutora Irene Maria Montezuma de Carvalho Mendes

    Vaquinhas, apresentada ao Departamento de Histria, Arqueologia e Artes

    da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

    2013

  • Faculdade de Letras

    MAJESTOSA EDUCAO:

    FAMLIA E CIVILIDADE NO

    SEGUNDO REINADO DO BRASIL

    (1840-1889)

    Ficha Tcnica:

    Tipo de trabalho Tese de Doutoramento

    Ttulo Majestosa educao: famlia e civilidade no Segundo

    Reinado do Brasil (1840-1889)

    Autor Flvio Carreiro de Santana

    Orientadora Doutora Irene MARIA MONTEZUMA DE

    CARVALHO MENDES Vaquinhas

    Jri Presidente: Doutor NN

    Vogais:

    1. Doutor NN

    2. Doutor NN

    Identificao do Curso 3 Ciclo em Identidades, prticas e representaes no

    Mundo Contemporneo

    rea cientfica Histria e Arqueologia

    Especialidade Histria Contempornea

    Data da defesa

    Classificao

  • Amo a histria. Se no a amasse no seria historiador. Fazer a vida em duas:

    consagrar uma profisso, cumprida sem amor; reservar a outra satisfao

    das necessidades profundas algo de abominvel quando a profisso que se

    escolheu uma profisso de inteligncia. Amo a histria e por isso que

    estou feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo... da histria pura e

    simplesmente. Daquela que procuro avanar. A que amo.

    FEBVRE, Lucien (1989), Viver a Histria in: Combates pela histria, 3

    edio, Lisboa, Editorial presena, pp. 28-29.

  • RESUMO

    Civilidade, polidez, cortesia, urbanidade, savoir-vivre, trato de mundo, bom-

    tom... Muitos foram os termos empregados para representar um cdigo social recente

    no Brasil, figurado como prtica entre os fins do sculo XVIII, mas decididamente

    ampliando no sculo XIX. Aos variados sentidos tambm se acompanhou, de uma s

    vez no tempo, variadas significaes ambientadas no imprio: se na Europa a civilidade

    era uma marca histrica, acompanhada pelo refinamento dos modos desde a

    Antiguidade, e com maior fora durante a modernidade, ela se fazia novidade no Brasil

    oitocentista. Razes no faltaram: transferncia da famlia real portuguesa, da sede da

    coroa e de boa parte da sua nobreza; emancipao poltica brasileira; incio de dois

    reinados, com breve intervalo regencial. Se o cenrio poltico e o tempo eram de

    mudanas para o Brasil, igualmente deviam ser suas prticas, julgadas como algo que

    deveria sofrer melhorias, no apenas pelo desejo de se civilizar, como pela exigncia em

    faz-lo. Afinal, se a sociedade tinha sua gramtica, era urgente estud-la, e no houve

    melhor escola que a vida privada, e nem melhor educadora a ensin-la que a prpria

    famlia. Nela consiste nossa ateno: entender como se relaciona, durante o Segundo

    Reinado no Brasil, a famlia com o cdigo da civilidade, num tempo de marcas

    burguesas, e no mais cortess, embora tropicalmente escravocrata.

    Palavras-chaves: Histria. Civilidade. Famlia. Vida Privada. Imprio do Brasil.

  • ABSTRACT

    Civility, politeness, courtesy, urbanity, "savoir-vivre", "world tract", "good manners"...

    Many were the terms used to represent a recent social code in Brazil, figured as a

    practice in the late eighteenth century, but surely expanding in the nineteenth century.

    The various senses has accompanied, at once in time, varied meanings acclimated in the

    empire: if in Europe civility was a historical mark, accompanied by refinement of

    manners since Antiquity, and with greater force during modernity, it was novelty in

    nineteenth-century Brazil. Reasons were not lacking: the transfer of the Portuguese

    royal family, the headquarters of the crown and a good part of his nobility; brazilian

    political emancipation; the beginning of two reigns with short regency interval. If the

    political landscape and the time were of change for Brazil, should also be its practices,

    judged as something that should undergo improvements, not only by the desire to

    civilize, as per the requirement to do so. After all, if society had its grammar, it was

    urgent to study it, and there was no better school than private life, neither better teacher

    to teach it that own family. In it consists our attention: understanding how it relates,

    during the Second Empire in Brazil, the family with the code of civility, in a time of

    bourgeois marks, and no more courtesans, although tropically enslaver.

    Keywords: History. Civility. Family. Private Life. Empire of Brazil.

  • Sumrio

    Introduo........................................................................................................................01

    Captulo 1

    s voltas com a civilidade: um conceito e suas mudanas no tempo........................23

    1.1 Um parto de discrdias: o nascimento da civilizao............................................31

    1.2 A sociedade de corte e o processo civilizador...........................................................37

    1.2.1 A civilidade pueril..................................................................................................41

    1.3 Aproximaes possveis: a civilidade nos quadros do Brasil Oitocentista...............45

    1.3.1 A incivilidade tropical............................................................................................52

    1.3.2 Arranjos de uma civilidade tropical........................................................................60

    Captulo 2

    A civilidade como empreendimento da famlia real portuguesa (1808-1821)..........70

    2.1 Uma Queluz tropical..................................................................................................75

    2.2 Convivendo com os novos trastes da corte............................................................82

    2.3 Tornar o corpo uma majestade: o gosto pela moda na corte carioca.........................88

    2.4 O cotidiano feminino e a vida privada nos tempos da nova corte.............................94

    2.5 O Rio de Janeiro como vitrine da nova corte............................................................98

    2.6 Os artistas franceses e o gosto do reino pela civilizao.........................................106

    Captulo 3

    Nao e civilizao no Brasil nascente (1822-1840)..................................................112

    3.1 A civilidade como adorno da nao........................................................................122

    3.2 A nao e sua representao: retratos da famlia real brasileira no Primeiro

    Reinado..........................................................................................................................133

    3.3 Medos pblicos e o reforo da civilidade da nao em tempos de regncias

    (1831-1840)...................................................................................................................144

    Captulo 4

    Dimenses da civilidade no cotidiano brasileiro: uma amostra dos primeiros

    impressos (1780-1830).................................................................................................155

    4.1 A literatura normativa no desmonte da sociedade colonial (1780-1820)...............161

    4.2 Na boca do povo: a civilidade na imprensa brasileira (1820-1830)..................174

  • Captulo 5

    A civilidade na intimidade da famlia brasileira: personagens e papis na vida

    cotidiana.......................................................................................................................187

    5.1 Encenaes masculinas: o pai, o marido e o chefe do lar....................................201

    5.2 Encenaes femininas: a me, a esposa e o augusto sacerdcio

    exercido no lar...............................................................................................................208

    5.3 O matrimnio como alicerce da famlia: uma aliana entre a inteligncia e a

    sensibilidade..................................................................................................................223

    5.4 Educando o corpo, traando uma vida: o caso das Cartas sobre a educao de

    Cora.............................................................................................................................238

    Captulo 6

    A mediao da civilidade na educao filial..............................................................248

    6.1 Instrues aos filhos para representarem a boa educao.......................................255

    6.2 Os mestres e a educao domstica.........................................................................266

    6. 3 Corpo civilizado, corpo santo: a correta educao infantil segundo o Compndio

    de civilidade Christ....................................................................................................275

    Concluso......................................................................................................................285

    Fontes e Referncias Bibliogrficas................................................................................00

  • ~ 1 ~

    Introduo

    I

    m 18 de julho de 1841 D. Pedro II era sagrado e coroado imperador do Brasil.

    Aps o tumultuado contexto de abdicao do pai, D. Pedro I, em 1831, o jovem

    (e rfo) imperador, j aclamado, foi preparado para atuar nessa cerimnia. Nesse

    instante, sagrava-se tambm, para a histria do Brasil, o longo Segundo Reinado (1840-

    1889).

    A festa preparada para celebrar a sagrao e a coroao do novo imperador deixa

    entrever o que a elite poltica e a boa sociedade esperavam do Brasil a partir dali:

    iniciava-se um contexto novo; uma marcha adiante no tempo; o instante de

    prognosticar grandeza e riqueza para o Imprio do Brasil1. Para tanto, a nao era

    to jovem quanto o seu imperador: este contava com apenas 15 anos no ato da festa; ela

    no havia celebrado o seu vigsimo aniversrio.

    Entre a chegada da famlia real portuguesa, a emancipao da nao, e a

    conturbada dcada de 1830 com o perodo regencial, o tempo era curto e demais agitado

    para forjar uma forte memria nacional em torno da realeza. Por isso, a festa de

    coroao de D. Pedro II foi tornada num espetculo: foram meses de planejamento;

    1 Coroao e sagrao de D. Pedro II, 18 de julho de 1841, Jornal do Comercio in: BONAVIDES,

    Paulo; AMARAL, Roberto (2002), Textos polticos da Histria do Brasil: Imprio Segundo

    Reinado (1840-1889), volume II, 3 edio, Braslia, Editora do Senado Federal, p. 68.

    E

  • ~ 2 ~

    recorreu-se artistas reconhecidos para elaborar artes; usou-se de um cerimonial rigoroso,

    rascunhado da tradio monrquica europeia; abusou-se de uma ornamentao luxuosa;

    produziram-se novas insgnias reais (trono, manto, cetro, coroa, entre outros apetrechos

    da majestade); alistou-se convidados ilustres; decorreram missas, bailes, bnos,

    pronunciamentos e outras encenaes em nome do novo imperador.

    Entre a grandiosidade da festa, a exibio do luxo, sem contar com a multido

    entre doze e quinze mil pessoas que assistiu a tudo em polvorosa2, o Segundo Reinado

    seria marcado pela distino de uma elite brasonada e de profissionais liberais. As

    informaes do articulista do Jornal do Comrcio carioca sobre a riqueza, a

    concorrncia das cerimnias, a boa figurao das senhoras de distino, a

    participao da boa sociedade em bailes, sales e jantares, indicam alguns signos dessa

    mudana no tempo no Brasil oitocentista.

    Os novos profissionais estrangeiros da esttica e da moda, o ambiente pblico

    cada vez mais ocupado pela sociedade, o reforo da hierarquia social escravocrata com

    a ampliao de alguns poucos nobres e fidalgos, a mudana na materialidade das casas e

    dos ritos privados, a emergncia do bom gosto, tudo enfim, indicava que o Brasil

    mudara bastante, principalmente aps 1808. Mas a marcha da civilizao, dizia-se,

    estava em curso, e o perodo de D. Pedro II seria melhor contexto a represent-la, o que,

    a contar pela sua festa de coroao, era algo indubitvel segundo informou certa

    testemunha ocular:

    devo dizer, a bem da verdade, que a Corte ostentou nessa ocasio um luxo

    em quipages, em librs e em mobilirio de toda a espcie, realmente

    espantoso nesse pas, onde os recursos so muito limitados, onde outrora tudo

    faltava, e onde h to pouco e, por assim dizer, nenhum precedente; porque

    tudo que tinha feito ao tempo de dom Pedro I, no se aproximava, nem de

    longe do que vimos atualmente, nem da riqueza, nem do bom gosto, nem em

    dignidade3.

    A correspondncia do baro Leopoldo Daiser remetida ao prncipe de

    Metternich permite entrever as mudanas operadas no Brasil at a coroao de D. Pedro

    II. Mas elas no parariam por a: Wanderley Pinho (1959) traou um perfil do que era a

    vida social durante o Segundo Reinado em algumas provncias do Imprio, descrevendo

    2 Aponta Pedro Calmon que a coroao de D. Pedro II seria comemorada no apenas pela corte, mas por

    todo o povo, generalizando a impresso de que raiara, desanuviava, a era da ordem. Contudo, muitos

    insurgentes ainda se levantavam de norte a sul pelo pas, tal como aqueles envolvidos no movimento

    conhecido como Balaiada (1838-1842) e com a Guerra dos Farrapos (1835-1845). CALMON, Pedro

    (1981), Histria do Brasil, sculo XIX O imprio e a ordem liberal, volume 5, Rio de Janeiro,

    Livraria Jos Olympio Editora, p. 1674. 3 SCHWARCZ, Lilia Moritz (1998), As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trpicos,

    So Paulo, Companhia das Letras, p. 83.

  • ~ 3 ~

    a circulao nas praas, o hbito das visitas, o bailado em sales e saraus, todos

    encenados a partir da arte das boas maneiras, da polidez4.

    A partir do seu estudo observa-se o detalhamento da vida mundana, sobretudo

    nos sales do imprio. Ali encontramos a descrio de algumas residncias tidas pelo

    autor como verdadeiras casas de negcio, ponto de encontro, clube elegante,

    centro de distino e cultura. O pblico de convidados projetava-se por um perfil

    social no menos acurado: eram homens ilustrados e senhoras notveis por suas

    fidalgas maneiras5.

    Assim, o convvio de notveis figuras nessas ocasies era balizado pela

    distino das maneiras ou pela acentuada finura europeia, adotada por damas e

    cavalheiros. Num golpe de vista, tudo parecia francs ou ingls: os modos, as modas, as

    casas e suas utensilagens. O rito da vida privada tambm havia de ser marcado

    diferentemente, civilizando-se.

    A decorao dos ambientes, a recorrncia dos jantares, o hbito das visitas, o

    convvio no social, as condutas amenas, a prtica das danas, o hbito do piano e do

    canto, a presena nos teatros, os passeios e os jogos de salo, tudo isso, enfim, esteve

    associado ao Segundo Reinado. Nas palavras do Wandeley Pinho, tudo se modificava,

    da alimentao ao falar. Esqueciam-se expresses da gria antiga, o caipira [foi]

    cedendo lugar ao estrangeiro. Aprimorava-se a civilizao6.

    O efeito distintivo no Segundo Reinado estava preso no apenas descrio de

    apurados sales expressos em gosto e elegncia. Ele se prende, sobretudo, ao nome de

    certas famlias, reconhecidas pela nobreza, no apenas de ttulos, mas ainda de sangue e

    de boa educao. As nobres famlias distinguiam-se tambm pela riqueza em posses.

    Por ttulos, bom nascimento, educao ou posses, tais famlias constituam a boa

    sociedade daquele momento, quase sempre perfazendo os quadros da poltica nacional

    ou ocupando funes administrativas igualmente ligadas ao governo, tais como os

    magistrados.

    Lilia Moritz Schwarcz (1998) detalha com propriedade a nobreza constituda

    durante o Segundo Reinado. As mercs honorficas no tempo de D. Pedro II no foram

    poucas, porm, ao contrrio do av (D. Joo VI) e do pai, estes agraciamentos foram de

    menor distino e prestgio, preferindo o imperador conceder, sobretudo, os ttulos de

    4 PINHO, Wanderley (1959), Sales e damas do Segundo Reinado, 3 edio, So Paulo, Livraria

    Martins Editora, p. 13. 5 Ibidem, p. 54.

    6 Ibidem, p. 93.

  • ~ 4 ~

    baro ou de visconde a outros de maior significado, tal como os de marqus e duque.

    Porm, largo foi o emprego desses agraciamentos no seu governo7.

    As mercs tinha um propsito definido: estabelecer a vida de corte no Brasil.

    Como tais mercs no eram hereditrias, tais como as da fidalguia, o imperador firmava

    interesse em dignificava a sua corte com um corpo de novos nobres, chegando a um

    total de mil novos agraciados durante todo o seu tempo de governo. Porm, ao lado dos

    grandes senhores rurais, a nova nobreza surgida no Segundo Reinado contemplava

    muitos profissionais liberais, especialmente os identificados como letrados.

    Os diletos letrados representavam, para o imperador, aquilo que se esperava da

    que a nao aparentasse: ser culta, educada, urbana, civilizada. Tais letrados tambm

    representavam uma amostra do cotidiano da nao brasileira na segunda metade de

    Oitocentos: embora sinalizasse uma forte presena escravocrata e agrria, a sociedade

    brasileira tambm aclimatava uma vida liberal e algum instilar do modo burgus nos

    trpicos8. No Brasil daqueles idos, tradio e modernidade conviviam, mas no de

    forma harmoniosa, mas sim gerando, pelo contrrio, muita confuso, especialmente aos

    dos olhos estrangeiros, tal como apontou Ramalho Ortigo9.

    7 Segundo nos explica a historiadora Lilia Moritz, durante o Segundo Reinado as mercs honorficas eram

    classificadas a partir das seguintes graduaes: 1 Ttulos de duque, marqus, conde, visconde e baro; 2

    Ttulo de Conselho e os tratamentos de Excelncia e Senhoria, quando no anexos a empregos ou

    graduaes; 3 Empregos da Casa Imperial: maiores ou menores; 4 Condecoraes das vrias ordens

    do Imprio; 5 Graduaes militares honorrias. SCHWARCZ, Op. cit., pp. 172-173. 8 No sendo do interesse desse trabalho adensar a discusso, apenas preciso registrar que do

    entendimento entre os historiadores brasileiros que as transformaes burguesas no Brasil durante o

    perodo imperial muito mais avanaram (sem findar) em termos econmicos do que polticos. Caio Prado

    Jnior (1977) considera-o um tempo de aurora burguesa, mas no efetivamente um tempo econmico

    burgus. Florestan Fernandes (1987), por sua vez, provoca uma maior reflexo considerando que, dado

    em descompasso no Brasil, apenas com o fim da abolio da escravido e a adoo poltica pelo regime

    republicano, possvel pensar em um Estado burgus. Dessa feita, a verificao da literatura normativa

    de civilidade que circulou durante o Segundo Reinado, de cariz burgus e no mais cortes, ser tomada

    tambm como parte da aurora burguesa vivida no Brasil oitocentista. 9 Ramalho Ortigo, em clebre texto publicado na Revista de Portugal em 1889, logo aps a Proclamao

    da Repblica, traa algumas observaes sobre o Brasil e o brasileiro que julgara ter conhecido durante

    uma visita em 1882. Para Ortigo, o Brasil era um pas de instituies modernas, porm divergentes e

    contraditrias com a velha estrutura que acompanhava a nao, tal como era o regime de escravido. Tal

    incompatibilidade era apenas mais uma das muitas confuses havidas no pas, frequentemente operadas

    na educao domstica e civil dos brasileiros, sem disciplina e ao desonrar qualquer trabalho livre:

    ningum queria ser confundido por exercer qualquer atividade servil, por menor que essa fosse, pois essa

    espreitava os sinais da escravido; ningum respeitava o monarca, nem tinha para com ele uma

    urbanidade pblica que reconhecesse sua majestade, pois tal atitude era entendida como uma

    extravagante affectao palaciana ou ainda uma servil bajoujice. Enquanto nenhum cidado livre se

    dispunha a engraxar um sapato que fosse para no curvar-se diante de algum, tambm no se mantinha a

    ordem nas relaes e no trato com as coisas pblicas. O passeio de trem, nesse sentido, foi assaz

    desagradvel par Ramalho Ortigo: a falta de educao e de hbitos, tratando tudo com desasseio e

    azfama, fosse entre as pessoas da primeira ou da terceira classe nos vages, bastou para anotar

    desabonado julgamento sobre os caminhos da civilizao no futuro do pas. A propsito ver ORTIGO,

  • ~ 5 ~

    Por isso mesmo, pela fragilidade dos sinais de civilizao no Brasil, a corte de

    D. Pedro II haveria de representar um papel disciplinador para toda a nao: dela

    deveriam ser copiadas o estilo de vida e o trato nos modos. A boa sociedade da corte,

    assim, cumpriria com a funo de abrandar os costumes do pas, servindo-lhe de

    vitrine. Nesse sentido, Lilian Moritiz Schwarcz observou que, sobretudo entre 1840-

    1860, a corte arrogou-se o papel de informar os melhores hbitos de civilidade, ento

    representada pela notvel vida pblica expressa em concertos, bailes, reunies e festas10

    .

    Porm, a vida social da corte no dependia verdadeiramente do imperador, e

    nem dele recebeu grande incentivo para se promover. Recordou Jos Murilo de

    Carvalho a preocupao da irm do monarca, D. Francisca, com o fato do irmo no se

    esmerar na arte de dar festas na corte, o que era de um efeito pssimo para o prestgio

    social da monarquia11

    . Antes, o imperador at frequentou a vida social fluminense

    entre as dcadas de 1840-1860, mas abandonando-a quase completamente em seguida,

    julgando tudo aquilo uma maada.

    O efeito, nesse sentido, era o de que havia uma monarquia sem uma vida de

    corte, segundo Jos Murilo de Carvalho, o que foi reforado por outro membro real, o

    Conde dEu, genro do imperador, ao comentar com certo tom de chateao o cotidiano

    imperial: o que quer que faamos para apreciar um pouco a vida social, ela continua

    absolutamente montona, e por conseguinte se no se alcana um certo grau de

    intimidade, ela difcil de manter12

    .

    Nesse sentido, afirmou Wanderley Pinho de forma muito apropriada que, se

    numa monarquia o rei e a famlia imperial que cumpria o dever de dar o tom na vida

    social, pode-se considerar que D. Pedro II no deu nem tom nem som, sobretudo aps

    a dcada de 1860, quando os sales imperiais se no fecharam, estiveram sempre

    semiencerados13

    .

    Foi Ramalho Ortigo quem parece ter entendido bem o carter incompleto da

    civilizao brasileira. Ao escrever ao amigo brasileiro, Eduardo Prado, o portugus

    comentaria suas impresses sobre a interrupo na formao de uma sociedade mais

    civilizada, e que tinha por principal responsvel o prprio imperador. Em sua opinio,

    Ramalho, Quadro social da revoluo brazileira in: Revista de Portugal, edio de dezembro de 1889,

    pp. 79-102. 10

    SCHWARCZ, Op. cit., p. 111. 11

    CARVALHO, Jos Murilo de (2007) D. Pedro II: ser ou no ser, 7 reimpresso, So Paulo,

    Companhia das Letras, p. 91. 12

    MAURO, Frdric (1989), O Brasil no tempo de Dom Pedro II (1831-1889), So Paulo, Companhia

    das Letras/Crculo do Livro, p. 191. 13

    PINHO, Op. cit., p. 115; p. 119.

  • ~ 6 ~

    D. Pedro II representava uma nulidade no intento de incentivar o apreo da nao pelo

    bom gosto ou pelo cotidiano de corte, atravs da participao na vida pblica. Por essa

    razo, o imperador teria lhe causado bem triste effeito, o que foi justificado: a

    influncia dos prestgios da corte sobre a sociedade brazileira durante o reinado do

    senhor D. Pedro II uma coisa verdadeiramente deplorvel, e s explicada pela

    nulidade do imperador em no influir, atravs do prestgio da sua categoria social, na

    distinco hyerarchica dos talentos e dos caracteres, na organisao dos costumes, no

    culto da arte, na formao do gosto, na moda, na toilette, nas maneiras, nesse

    conjunto de regras, de convenes, de hbitos nobres e delicados que formam a

    civilizao, preferindo, antes manter-se absolutamente inesthetico, e fundamentalmente

    anti-artistico, rebelde a toda noo de bom gosto14

    .

    Por isso mesmo, era explcito que a vida social na corte no dependia da famlia

    imperial para acontecer, sendo o Segundo Reinado muito mais marcado por mudanas

    conjunturais que animaram a cena pblica da corte. Dessa amostra, Lilia Moritz nos

    aponta os passeios e os novos hbitos de consumo da animada Rua do Ouvidor, ento

    espao tambm dos chs de fim de tarde em galantes cafeterias, a exibir a

    indumentria requintada com os tecidos ingleses e modelos vindos de Paris. A artria

    era uma passarela de toda sorte de lojas: perfumarias, confeitarias, cabeleireiros,

    restaurantes, livrarias, casas de pouso, floristas, charuteiros e joalheiros. Assim, com

    ou sem imperador a sociedade carioca experimentava as maravilhas da convivncia

    social15

    .

    Contudo, nem toda nao, num pas de dimenses continentais como era o

    Brasil, podia esperar algum convvio com a corte, a fim de copiar os seus modos, e nem

    imitar o seu ritmo animado. Nas provncias, embora muito mais modestas, ainda assim

    no abandonaram o gosto em civilizar-se, nem que para isso se lanasse mo de certo

    diletantismo na sua educao.

    A passagem do imperador D. Pedro II pela Provncia de Pernambuco, nesse

    sentido, amostra emblemtica. No porque estivesse distante da corte que os

    pernambucanos deixariam de receber com luxo e distino o imperador, ainda mais

    quando, por destino, tambm era celebrado o aniversrio natalcio da majestade.

    14

    Carta de Ramalho Ortigo a Eduardo Prado em 14 de dezembro de 1887 in: Cartas da Biblioteca

    Guita e Jos Mindlin (2008), So Paulo, Editora Terceiro Nome, pp. 58-59. 15

    SCHWARCZ, Op. cit., p. 106; p. 115.

  • ~ 7 ~

    Ao folhear o impresso O Monitor das Famlias de 1859, depreende-se que a

    sociedade pernambucana se apresentava no melhor garbo s majestades e em todas as

    ocasies narradas: as cerimnias de recepo no cais, as visitas ao Pao Imperial para o

    beija-mo e Te-Deuns, as bandas de msica, os recitais de poesias, o passeio com os

    criados e coches ricamente adornados, as casas iluminadas com mais pompa e

    gosto do que nas [noites] precedentes, a visita ao teatro e gabinete, tudo, enfim, foi

    retratado em textos e imagens pelo impresso, e transparecia o bom-tom das mais

    gradas pessoas da provncia diante das augustas presenas16

    .

    Logo, o bom-tom no era apenas uma importao da corte para o restante do

    imprio, ou um modelo a ser copiado pelo modo de vida das elites entre as distantes

    pro

    16

    O Monitor das Famlias, edio de n 1 de 02 de dezembro de 1859, p. 16-17.

  • ~ 8 ~

  • ~ 9 ~

    17

    SANTOS, Maria de Lurdes Costa Lima dos (1983), Para uma sociologia da cultura burguesa em

    Portugal no sculo XIX, Lisboa, Editorial Presena, pp. 12-13.

  • ~ 10 ~

    18

    VAQUINHAS, Irene; CASCO, Rui (1998), Evoluo da sociedade em Portugal: a lenta e complexa

    afirmao de uma civilizao burguesa in: TORGAL, Lus Reis; ROQUE, Joo Loureno, Histria de

    Portugal: o Liberalismo (1807-1890), 5 volume, Editoral Estampa, p. 386.

  • ~ 11 ~

    19

    HABERMAS, Jngen (1984), Mudana estrutural da esfera pblica: investigaes quanto a uma

    categoria da sociedade burguesa, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, p. 43; p. 65. 20

    Habermas (1984) traa os novos espaos pblicos de representatividade burguesa, ento considerada

    mais urbana e no cortes e aristocrtica. Ao tornar a prpria cultura em mercadoria, a burguesia passaria

    a frequentar os coffe-houses, os salons, as salas de leituras, o teatro, os concertos e museus, mas tambm

    o estabelecimento do prprio trabalho e mesmo as reunies familiares, que contava com a presena de

    seletos e diletos convidados a adentrarem o refgio do lar.

  • ~ 12 ~

    21

    SENNET, Richard (1998), O declnio do homem pblico: as tiranias da intimidade, So Paulo,

    Companhia das Letras, p. 30. 22

    Ibidem, p. 35.

  • ~ 13 ~

    23

    ARIS, Philippe (1997), Introduo in: Histria da Vida Privada: da Renascena ao Sculo das

    Luzes, volume 3, 6 reimpresso, So Paulo, Companhia das Letras, p.10-11.

  • ~ 14 ~

    24

    RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (1995), A distino e suas normas: leituras e leitores dos manuais

    de etiqueta e civilidade Rio de Janeiro, sculo XIX in: ACERVO: revista do Arquivo Nacional, v. 8,

    n. 1-2 (jan/dez. 1995), Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, p. 139. 25

    A autora retomaria a discusso sobre a civilidade de modo mais alongado em outro trabalho, por sua

    vez agora pensando a emergncia e consumo da moda na corte brasileira. A literatura de civilidade, nesse

    sentido, serviria para prescrever as condutas tidas por mais civilizadas, sendo a moda uma importante

    manifestao a demonstrar a preocupao com a normatizao do corpo e com a boa apresentao pblica

    dos sujeitos civilizados. A propsito ver Idem (2002), A cidade e a moda: novas pretenses, novas

    distines Rio de Janeiro, sculo XIX, Braslia, Editora da Universidade de Braslia.

  • ~ 15 ~

    26

    A discusso sobre a literatura de civilidade ser retomada pela autora novamente, ao pontuar as

    particularidades da nobreza brasileira. Dentre elas estava, justamente, a observao e o consumo de

    variados manuais de bons costumes, cujo interesse era bem civilizar-se. A propsito ver SCHWARCZ

    (1998), Op. cit., pp. 195-205.

  • ~ 16 ~

    27

    AUGUSTI, Valria (1998), O romance como guia de conduta: A moreninha e Os dois amores,

    dissertao de mestrado do Programa de Ps-graduao do Instituto de Estudos da Linguagem,

    Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

  • ~ 17 ~

    28

    De modo atento, pode-se verificar duas proposituras em torno dos trabalhos produzidos nos quadros do

    regime republicano e que tratam da literatura normativa: o primeiro trata-se do melhor enquadramento do

    modelo de vida e de famlia burguesa observada entre os fins do sculo XIX e incio do XX, mas j

    presente na literatura normativa adiante consultada nesse trabalho; a segunda projeta-se na preocupao

    com a educao escolar brasileira, onde, no apenas pode se verificar o interesse pelo ensino das boas

    maneiras, especialmente entre o pblico feminino, mas tambm pela educao cvica entre o pblico

    infantil, de cariz nacionalista. Como amostra parcial possvel citar: PILLA, Maria Ceclia Barreto

    Amorim (2004), A arte de receber: distino e poder boa mesa (1900-1970), Tese de doutorado

    apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria do Departamento de Histria da Universidade

    Federal do Paran; HANSEN, Patrcia Santos (2007), Brasil, um pas novo: literatura cvico-

    pedaggica e a construo de um ideal de infncia brasileira na Primeira Repblica, Tese de

    doutorado apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humana da Universidade de So

    Paulo. H toda uma produo de trabalhos da professora Maria Teresa Santos Cunha, realizada a partir do

    projeto Tenha modos! Educao e Sociabilidades nos manuais de civilidade e etiqueta (1845-1950),

    Saberes Impressos: Imagens de civilidade em textos escolares (Srie Pedrinho de Lourena Filho) e

    textos no escolares: composio e circulao (dcadas de 50 a 70 do sculo XX) e Protocolos de

    civilidades: modelos de conduta pessoal e cvica em leituras escolares (Santa Catarina/ dcadas de 20 a

    50 do sculo XX), cujas pesquisas foram realizadas entre os anos de 2005 a 2010.

  • ~ 18 ~

  • ~ 19 ~

  • ~ 20 ~

  • ~ 21 ~

    29

    VEYNE, Paul (1998), Como se escreve a histria; Foucault revoluciona a histria, 4 edio,

    Braslia, Editora da Universidade de Braslia, p. 18. 30

    BLOCH, Marc (s/d), Introduo histria, 4 edio, Lisboa, Publicaes Europa-Amrica, p. 58.

  • ~ 22 ~

    31

    Aqui asseguramo-nos nos ensinamentos de Michel de Certeau (2000) ao justificar a capacidade do

    historiador em transformar algum material ou registro do passado em fonte histrica, para da, ento,

    produzir a escrita da histria. Assim, o historiador lanar mo de tcnicas, de procedimentos ou de cortes

    metodolgicos operados a partir de uma variedade de interesses traados pelo pesquisador ou combinados

    pelas particularidades da pesquisa, para ento presentificar uma situao vivida no passado. A propsito

    consultar CERTEAU, Michel de (2000), A Escrita da Histria, 2 edio, Rio de Janeiro, Forense

    Universitria.

  • ~ 23 ~

  • ~ 24 ~

  • ~ 25 ~

  • ~ 26 ~

  • ~ 27 ~

  • ~ 28 ~

  • ~ 29 ~

    32

    FREITAS, Gustavo de (s/d), Civilidade in: Vocabulrio de Histria: poltica, social, econmica,

    cultural, geral, Lisboa, Pltano Editora, p. 62. 33

    SILVA, Antonio de Moraes (1813), Civilidade in: Diccionario da Lingua Portugueza, tomo I,

    Lisboa, Typografia Lacerdina, p. 402. 34

    BLUTEAU, D. Raphael (1712), Civilidade in: Vocabulrio Portuguez e Latino, Coimbra, Collgio

    das Artes da Companhia de Jesus, p. 332.

  • ~ 30 ~

    35

    LIMA, Lus Felipe (2012), Civil, civilidade, civilizar, civilizao: usos, significados e tenses nos

    dicionrios de lngua portuguesa (1532-1831), in: Almanack, n 03, Guarulhos, Departamento de

    Histria da Univesidade Federal de So Paulo, pp. 66-81. 36

    Alan Pons (1995) afirma que, antes mesmo de sua acepo poltica (cvica), a civilidade contrape, em

    sentido universal, a vila em favor da cidade. Enquanto espao propriamente humano, era na cidade que se

    observava a urbanidade dos seus habitantes, cujos modos de sociabilidade a vividos eram associados

    mesura nas aes, ao modo elegante e corts. Lembra ainda que, desde Aristteles, a civilidade tinha por

    oposio o sentido daquilo que era rural, grosseiro, rstico. A propsito ver PONS, Alain (1995),

    Civilit Urbanit in: MONTANDON, Alain (dir) Dictionnaire Raisonn de La Politesse et du

    Savoir-Vivre: du moyen ge nos jour, Paris, ditions du Seuil, pp. 91-109.

  • ~ 31 ~

    37

    Para este autor, a aproximao semntica entre os termos civil, civilit e civilment se colocavam,

    ao menos em lngua francesa, como oposio a barbrie, tirania e despotismo, e em favor das sociedades

    citadinas. civilidade, nesse sentido, agregava sintaxes ou circunstncias prprias aos tratamentos de

    polidez, de cortesia e dos usos do mundo, como gestos e comportamentos humanos (exteriores nos modos

    de proceder, mas interiorizados no plano tico) que se diferenciavam daqueles considerados grosseiros,

    brbaros, enfim, selvagens. A propsito ver MARGOLIN, Jean-Claude (1994), La civilit Nouvelle:

    de La notion de civilit a as pratique et aux traits de civilit in: MONTANDON, Alain, Pour une

    histoire des traites de savoir-vivre em Europe, Clermont II, Association des publications de La Facult

    des Lettres et Sciences humaines/Universit Blaise-Pascal, pp. 151-177. 38

    POIRIER, Jean (2003), O homem e a boa educao in: Histria dos Costumes: o homem e o outro,

    volume 8, Lisboa, Editorial Estampa, p. 273.

  • ~ 32 ~

    39

    Alain Montandon (1995), simplificaria a descrio dizendo que a civilidade um sacrifcio de nossa

    auto-estima para com as pessoas com as quais estamos conectados. A propsito ver MONTANDON,

    Alain (1995), Polietesse in: Dictionnaire Raisonn de La Polietesse et du Savoir-Vivre: du moyen

    ge nos jour, Paris, ditions du Seuil, pp. 711-729. 40

    HAROCHE, Claudine (1998), Civilidade e polidez: os objetos negligenciados da cincia poltica in:

    Da palavra ao gesto, Campinas, Papirus, p. 19.

  • ~ 33 ~

    41

    Ibidem, p. 36. Na mesma ocasio, a autora ainda esclarece que o governo de si, quer se trate do corpo

    quer dos sentimentos, exige conteno: o bem-estar do prximo, o respeito por ele exige o exerccio

    constante de um controle vigilante de si mesmo. (Ibidem, p. 38). 42

    Para Jean Poirier (2003), essa diferenciao se d principalmente em duas matizes, uma de ordem

    natural (sexo e idade) e outra de ordem cultural (estatuto e situao social, onde se manifesta, nessa

    ltima componente, o poder, a fora e o prestgio dos sujeitos).

  • ~ 34 ~

    43

    MONTANDON, Alain (1994), Modles de comportament social in: Pour une histoire des traites

    de savoir-vivre em Europe, Association des publications de la Facult des Lettres et Sciences

    Humaines/Universit Blaise-Pascal, pp. 401-455. 44

    CMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da (2005), A arte de bem viver: a encenao do

    quotidiano na azulejaria portuguesa da segunda metade de Setecentos, Porto, Fundao Calouste

    Gulbenkian/FCT, p. 14. 45

    CMARA, Op. cit., p. 18.

  • ~ 35 ~

    46

    DORTIER, Jean-Franois (2010), Civilizao in: Dicionrio de Cincias Humanas, So Paulo,

    Editora WMF Martins Fontes, p. 77. 47

    FEBVRE, Lucien (1930), Civilisation: volution dun mot et dun groupe dides in: Civilisation: le

    mot et lide, Paris, La Renaissance du livre, pp. 10-59.

  • ~ 36 ~

    48

    A data de 1766, como momento de lavra do termo civilizao, no consensual entre os

    historiadores. O prprio Lucien Febvre reconhecia a sua existncia, desde 1752, atravs do escrito de

    Turgot sobre histria universal, mas que no foi publicado. Para tanto, Fernand Braudel (1970) e mile

    Benveniste (1974) insistem que a origem remete para a obra do Marqus de Mirabeau, Amis des hommes,

    no ano de 1756. 49

    ELIAS, Norbert (1994), O processo civilizador: uma histria dos costumes, volume I, Rio de

    Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 67. 50

    Alain Montandon (1994) enumera uma srie de tipos humanos associados prtica social da polidez,

    variveis conforme mudam-se contextos histricos. Se, no incio, o trato polido foi associado ao

    corteso, o primeiro modelo de comportamento social da poca moderna, j no sculo XVII, ser

    considerado como expresso do homem honesto (Lhonnte homme), cuja principal marca ser a mesura e

  • ~ 37 ~

    o decoro nos comportamentos. A estes segue, no sculo XIX, certo perfil de comportamento assumido

    pelas figuras do gentleman e do dandy, cuja educao civilizada foi considerada quase uma segunda

    religio. J no decurso do sculo XX, Alain Montandon percebe certa crtica dirigida polidez e que

    pode ser identificada na figura do snob. O tipo snob representaria apenas aquelas pessoas que,

    julgadas por sua boa educao, faziam parte de um seleto grupo de pessoas consideradas elegantes, chics,

    enfim, consideradas de bom gosto. MONTANDON, Op. cit., pp. 404-455. 51

    STAROBINSKI, Jean (2001), As mscaras da civilizao, So Paulo, Companhia das Letras, p. 18.

  • ~ 38 ~

    52

    Na esteira da interpretao de Lucien Febvre, Fernand Braudel entende a civilizao como um conjunto

    de traos ou fenmenos culturais observados nos microelementos da civilizao, agrupados pela

    histria geral (ou global). Desfazendo-se de uma ideia de tempo linear, Braudel prope ao historiador

    abandonar velhas certezas do ofcio, tais como aquela que julgava uma civilizao pelo tempo de vida

    til, como se a ela fosse imputado um tempo de nascimento, desenvolvimento e morte. O que interessa

    o seu conjunto (totalidade), sobretudo em sua ligao cultural com outras sociedades e outros contributos,

    rejeitando a ideia de originalidade ou independncia entre mundos diferentes e que pertencem a uma

    mesma temporalidade. A propsito ver BRAUDEL, Fernand (1970), La historia e las Ciencias Sociales,

    Madrid, Ediciones Castilla, pp. 130-201. 53

    JAUCOURT, Jean Louis (1778), Civilit, Polietesse, Affabilit in: DIDEROT, M; DALAMBERT,

    M., Encyclopdie, ou Dictionnarie Raisonn des Sciences, des Arts et des Lettres, Tome Huitime,

    Troisime dition, A Geneve/A Neufchatel, pp. 198-199.

  • ~ 39 ~

    54

    REVEL, Jacques (2009), Os usos da civilidade in: CHARTIER, Roger (org.), Histria da Vida

    Privada: da Renascena ao Sculo das Luzes, volume 3, So Paulo, Companhia das Letras, p. 205. 55

    STAROBINSKI, Op. cit., p. 33.

  • ~ 40 ~

    56

    CHARTIER, Roger (2004), Leituras e leitores na Frana do Antigo Regime, So Paulo, Editora

    UNESP, p. 62.

  • ~ 41 ~

    57

    Ibidem, p. 68 58

    Ibidem, p. 73. 59

    Segundo Jacques Le Goff, a ideia explcita de progresso se desenvolve entre o nascimento da imprensa

    no sculo XV e a Revoluo Francesa. Nesse nterim, com avanos e recuos, podemos observar o seu

    favorecimento a partir das invenes materiais, do nascimento da cincia moderna, do crescimento da

    confiana na razo e na ideia de que o mundo fsico, moral e social governado por leis. Mas foi

    sobretudo no sculo XIX que o progresso se imps em definitivo, estabelecendo-se a ideia de que estava

    contido nas civilizaes. Tal momento foi considerado o sculo do progresso, sendo justificado pelo

    desenvolvimento cientfico e tcnico, os sucessos da Revoluo Industrial, a melhoria, pelo menos para

  • ~ 42 ~

    as elites ocidentais, do conforto, do bem-estar e da segurana, mas tambm os progressos do liberalismo,

    da alfabetizao, da instruo e da democracia. LE GOFF, Jacques (2003), Histria e memria, 5

    edio, Campinas, Editora da Unicamp, p. 257. Para Robert Nisbet, aps se tornar secularizado no sculo

    XIX, o progresso viria a ser entendido como enquadramento histrico ao desenvolvimento da prpria

    civilizao, cuja marcha, sempre para frente, reafirmava a crena no apenas do crescimento

    econmico do Ocidente, mas reforava a f na razo, encontrando na cincia e nos cientistas,

    verdadeiros objetos de reverncia entre acadmicos e populares. Logo, a civilizao se encontra e se

    reafirma no contexto do progresso iluminista. Sobre o tema consultar tambm NISBET, Robert (1985),

    Histria da ideia de progresso, Braslia, Editora da UNB.

  • ~ 43 ~

    60

    ELIAS, Norbert (1994), O processo civilizador: formao do Estado e Civilizao, volume II, Rio

    de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 198. 61

    Ibidem, p. 196. 62

    Idem, Op. cit., p. 67.

  • ~ 44 ~

    63

    Ibidem, p. 214. 64

    Idem (2001), A sociedade de corte: investigao sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de

    corte, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p. 97. 65

    Utilizando mais uma vez o entendimento do Chevalier Jacourt, este descreve o savoir-vivre como o

    conhecimento dos usos inseridos pela moralidade, honestidade e educao, e manifestado atravs do trato

    de mil pequenas coisas inominveis, mas que concorrem para o bem viver em sociedade. Por nossa conta

    aproximamos tais usos da moralidade e educao prtica da civilidade/polidez, como habilidades para

    lidar com os costumes da vida social. A propsito consultar o termo savoir-vivre no dcimo quarto

    tomo da Enciclopdia francesa (JAUCOURT, Op. cit., p. 719).

  • ~ 45 ~

    66

    ELIAS, Op. cit., p. 112. interessante percebermos que a civilidade retroalimenta o prprio sentido de

    ser nobre atravs do constante emprego de uma atenta etiqueta, pois, como adianta Norbert Elias,

    ningum escapava presso da opinio sem pr em jogo sua qualidade de membro e sua identidade

    como representante da elite, parcela essencial de seu orgulho pessoal e de sua honra. (Ibidem, p. 113). 67

    Idem (1994), Op. cit., p. 223.

  • ~ 46 ~

    68

    REVEL, Op. cit., p. 170.

  • ~ 47 ~

    69

    ARIS, Philippe (1978), Prefcio in: ERASMO, A Civilidade Pueril, Lisboa, Editorial Estampa, p.

    14. 70

    BOUNNEAU, Alcides (1978), Os livros de Civilidade desde o sculo XVI in: ERASMO, Op. cit., p.

    29. Alcides Bouneau ainda sequencia a descrio de outras obras voltadas ao tratamento do decoro das

    maneiras e do bom tom entre os sculos XIV e XV, mas sem se constiturem, especificamente, como

    livros de carter escolar. Para citar alguns, temos o El libro del Infante composta no sculo XIV pelo

    prncipe Juan Manuel; o tratado De Educatione Liberorum et Eorum Claris Moribus Libri Sex de

    Maffeo Vegio em 1491; e o Doctrinal Du Temps Prsent do poeta Pierre Michault em 1466.

  • ~ 48 ~

    71

    ERASMO, Op. cit., p. 70.

  • ~ 49 ~

    72

    ELIAS, Op. cit., p. 69. 73

    CHARTIER, Op. cit., p. 54.

  • ~ 50 ~

    74

    Como apontou Jean-Claude Morgolin (1994), a utilizao do opsculo de Erasmo extrapolou os limites

    sociais que diferenciavam as pessoas por sua fortuna ou linhagem (nome familiar). Seus preceitos

    pedaggicos em torno das prticas morais, em pleno contexto da Reforma Protestante, conseguiram ser

    adaptados por pases reformados e no reformados, ao que, acima das diferenas dogmticas, certificava o

    autor como grande expoente humanista poca. Recorda ainda a audcia em que concorria Erasmo ao

    publicar A civilidade pueril: j com idade avanada (63 anos) e admirado por toda a Europa como

    importante telogo e humanista, Erasmo assumiu o projeto de escrever um pequeno tratado pedaggico

    para educao das crianas, tema considerado, pelo prprio, como sendo menor no campo da filosofia,

    porm inaugurando um novo gnero literrio da cultura escrita. A propsito ver MARGOLIN, Op. cit.,

    pp. 161-168. 75

    ERASMO, Op. cit., p. 107-108.

  • ~ 51 ~

  • ~ 52 ~

  • ~ 53 ~

    76

    CHARTIER, Op. cit., p. 89.

  • ~ 54 ~

  • ~ 55 ~

    77

    ELIAS, Op. cit., p. 253. 78

    Como afirmou Jos Augusto Frana, poca do terremoto em Lisboa no ano de 1755, o Marqus de

    Pombal foi buscar apoio para a reconstruo da corte junto burguesia, j que no tinha o apoio moral da

    velha nobreza cortes. Para esse historiador, essa velha nobreza tambm se mostrava inapta para as

    novas situaes econmico-sociais, o que tambm limitava ainda mais um efetivo apoio, acrescendo ao

    fato de que o seu patrimnio tambm sucumbiria com a catstrofe natural, precisando de igual socorro.

  • ~ 56 ~

    Assim como ocorreria no Brasil, onde parte do financiamento burgus ajudaria a compor a corte nos

    trpicos, tambm ele ser bem colocado na reconstruo de Lisboa, fazendo emergir novos nobres, cujas

    famlias pombalinas, tais como os Rattons, representavam o novo tempo do pas, agora burgus, e que

    unia o estilo de baronia e aristocracia monetria. FRANA, Jos Augusto (1984), Burguesia pombalina,

    nobreza mariana, fidalguia liberal in: SANTOS, Maria Helena Carvalho dos, Pombal revisitado:

    comunicaes ao Colquio Internacional, volume I, Lisboa, Editora Estampa, p. 17-33. 79

    MONTEIRO, Nuno Gonalo (1998), O crepsculo dos grandes: a casa, e o patrimnio da

    aristocracia em Portugal: 1750-1832, Lisboa, IN-CM, p. 430. Noutra ocasio, recorda Nuno Gonalo

    Monteiro, que a nobreza de corte portuguesa de fins do Antigo Regime residia em Lisboa e arredores,

    quase sempre em casas suntuosas e palcios, contando ainda com tantos outros titulados que residiam

    fora (provncias, colnias ou no estrangeiro), desempenhando nesses locais funes ligadas

  • ~ 57 ~

    administrao central (militares, diplomticas, etc.). Idem (1987) Notas sobre nobreza, fidalguia e

    titulares nos finais do Antigo Regime in: Ler Histria, n 10, s.n.t., p. 27. 80

    FREYRE, Gilberto (1977), Sobrados e Mucambos: decadncia do patriarcado rural e

    desenvolvimento do urbano, tomo I, 5 edio, Rio de Janeiro, Livraria Jos Olympio Editora/MEC.

  • ~ 58 ~

    81

    Embora perenizado pelos estudos de Gilberto Freyre e Antonio Candido, a famlia patriarcal acabou

    por se constituir como uma organizao idealizada pela sua prpria formao e historicidade. Dela se fez

    um padro para entender a sociedade brasileira, cujas referncias, para Mariza Crrea, remontavam

    trajetria de algumas famlias dominantes, esquadrinhadas no tempo colonial, ambientada no espao

    rural, sendo esse espao a propriedade comum manuteno dos interesses polticos de um grupo, bem

    como ao deleite dos impulsos sexuais e afetivos atendidos fora do crculo imediato ou endogmico. As

    representaes da famlia patriarcal, nesse sentido, foram traduzidas pelas imagens do engenho, do

    senhor, e ambientadas no perodo colonial. Para essa historiadora, essa concepo de organizao

    familiar tipo patriarcal precisa ser revista, dando possibilidade ao entendimento de outras formas de

    Figura 2

    Rua Direita Rio de Janeiro

    Gravura de Johhan Moritz Rugendas (1828-1835)

    Figura 1

    Rua da Cruz Recife Pernambuco

    Gravura de Luis Schlappriz (1863-1868)

  • ~ 59 ~

    relaes familiares pela massa annima que constitua uma sociedade multifacetada, mvel, flexvel e

    dispersa. Tais consideraes propostas, e aqui partilhadas, embora no desconsiderem a existncia da

    famlia patriarcal, relativiza a compreenso para a possibilidade de outras organizaes familiares.

    CRREA, Mariza (1982), Repensando a famlia patriarcal brasileira: notas para o estudo das formas de

    organizao familiar no Brasil in: ALMEIDA, Maria Suely Kofes de (et alii), Colcha de retalhos:

    estudos sobre a famlia no Brasil, So Paulo, Editora Brasiliense, p. 22 82

    Em seu trabalho Gilberto Freyre apresenta uma gama muito rica de evidncias e que servem como

    provas para a anlise do autor, procurando entender a mudana no apenas do tempo no Brasil

    oitocentista, mas, sobretudo, a transformao na famlia patriarcal brasileira. Para tanto, um fragmento

    disposto na obra serve-nos de amostra do tempo em transformao durante o Imprio do Brasil, pela

    adoo no apenas de novos hbitos, mas pela desenvoltura em pratic-los, tal como se apresentava a

    formao da perfeita mucama brasileira do sculo XIX, e como consta em anncio no Jornal do

    Commercio de 25 de outubro de 1848, e transcrito por Freyre: Vende-se uma preta de nao a qual sabe

    cortar e coser tanto camisa de homem como costuras de senhora as mais difceis, engomma, lava,

    cosinha, faz doces de calda de todas as qualidades, veste e prega uma senhora, aprompta um ch e tudo

    que devido a uma perfeita mucama. Ibidem, p. 218.

    Figura 3

    Interior de um sobrado urbano, meados do sculo XIX.

    Gravura de Lula Ayres Cardoso (Fundao Gilberto Freyre)

  • ~ 60 ~

    83

    SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e (2000), Projetos para o Brasil, textos reunidos por Mirian

    Dolhnikoff, So Paulo, Companhia das Letras/Publifolhas, p. 89. (Coleo Grandes nomes do

    pensamento brasileiro).

  • ~ 61 ~

    84

    CHACHAM, Vera (2003), A natureza americana, a cincia e a paisagem oriental em narrativas de

    viagem do sculo XVIII in: Locus revista de Histria, volume 9, n 2, Juiz de Fora, p. 80. Figura 4 Le Djeneu sur l'herbe Tupinamb, Theodore de Bry (1592)

  • ~ 62 ~

    85

    AZEVEDO, Ana Maria de (2000), Desta Vossa Ilha de Vera Cruz... j outro Portugal! in: Cames:

    Revista de Letras e Culturas Lusfonas, n 8, Lisboa, Maiadouro, pp. 40-52. SOUZA, Laura de Mello e

    (2002), O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiaria e religiosidade popular no Brasil colonial, 8

    reimpresso, So Paulo, Companhia das Letras.

    Figura 5

    Amrigo Vespucci et lAmrique, Thodore Galle (1589)

    Figura 6

    Amerika, ciclo os quatro continentes, Jan Van Kessel (1666),

    Pinacoteca de Munique

  • ~ 63 ~

    86

    ROWLAND, Robert (2003) Patriotismo, povo e dio aos portugueses: notas sobre a construo da

    identidade nacional no Brasil independente in: JANCSN, Istvn (org.), Brasil: formao do Estado e

    da Nao, So Paulo, HUCITEC, pp. 365-368. 87

    Exemplo de narrativa enaltecedora da natureza brasileira pode ser vista na Histria do Brasil escrita

    pelo ingls Robert Southey e publicada entre 1810 e 1819. No primeiro tomo ps-se o historiador em tom

    romntico a afirmar o Brasil nos quadros da Amrica portuguesa de 1500: Bello era o paiz e abundante

    de quanto podia desejar o corao humano: a brilhante plumagem das aves deleitava os olhos dos

  • ~ 64 ~

    Europeus; exhalavo as arvores inexpremiveis frangancias, distillando tantas gommas e sumos, que se

    entendeu, que, bem conhecidas todas as virtudes destas plantas, nada impediria o homem de gozar de

    vigorosa sade at extrema velhice. Se o paraizo terrestre existe em alguma parte, no podia ser longe

    dalli. Impressionante relato de quem nunca esteve no Brasil, devotando natureza brasileira valorosa

    narrativa historiadora. SOUTHEY, Rorbert (1862), Histria do Brazil, tomo I, Rio de Janeiro, Livraria

    Garnier, pp. 40-41. 88

    SCHWARCZ, Lilia Moritz (2003), A natureza como paisagem: imagem e representao no Segundo

    Reinado in: Revista USP, n 58, So Paulo, p. 17. A mesma autora afirma ainda que, aps a

    independncia poltica em 1822, desenha-se uma cultura imperial pautada em dois elementos

    constituidores da nacionalidade: a realeza como centro de civilizao; a natureza territorial com suas

    gentes e frutas como base natural desse mesmo Estado. Ibidem, p. 09.

    Figura 7

    Pano de boca executado para a representao extraordinria dada no teatro

    da corte por ocasio da coroao de D. Pedro I, imperador do Brasil.

    Jean Baptiste Debret (1822)

  • ~ 65 ~

    89

    DEBRET, Jean-Baptiste, Viagem Pitoresca e Histrica ao Brasil (1816-1831), v. I, So Paulo,

    Crculo do Livro, p. 446.

    Figura 8:

    Campo degli Aimor, ato III,

    Cenrio de Carlo Ferrario para a pera O Guarani em Milo (1870)

    Iconografia do Arquivo do Museu Imperial

  • ~ 66 ~

    90

    SCHWARCZ (1998), Op. cit., p. 139.

  • ~ 67 ~

    91

    Directorio, que se deve observar nas povoaoens dos ndios do Par, e Maranha, em quanto Sua

    magestade na mandar o contrario (1758), Lisboa, Officina de Miguel Rodrigues, p. 02. 92

    Ibidem, p. 03. 93

    Ibidem, p. 04.

  • ~ 68 ~

    94

    Ibidem, p. 06. 95

    Ibidem, pp. 07-08. 96

    Ibidem, p. 38.

  • ~ 69 ~

  • ~ 70 ~

    97

    FONSECA, Thais Nvia de Lima (2009), Letras, ofcios e bons costumes: civilidade, ordem e

    sociabilidades na Amrica Portuguesa, Belo Horizonte, Editora Autntica, p. 84. Ao arrolar os nomes

    dos professores rgios na capitania de Minas Gerais, a historiadora Thais Nvia de Lima e Fonseca pde

    verificar a listagem de livros adotados por cada um em suas aulas. Nestes documentos se encontram

    variados ttulos voltados ao ensino da lngua, artes, catecismo, bem como alguns ttulos atinentes ao

    cuidado com a civilidade e urbanidade dos alunos, mas tendo na figura do mestre, a principal personagem

    irradiadora do bom exemplo. 98

    Dos ttulos arrolados pelas pesquisadoras junto lista de livros enviados Colnia elencam-se O

    amigo da Juventude, Thesouro da Pacincia, O amigo das mulheres, Aviso de huma mi a seu

    filho, Instrues de huma mi a sua filha, Thesouro de meninas e Thesouro de meninos, Instruo

    da mocidade, entre outras amostras. A propsito ver AUGUSTI, Op. cit., p. 15.

  • ~ 71 ~

    99

    EDMUNDO, Lus (2000), O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis (1763-1808), Braslia, Editora

    do Senado Federal, p. 237. 100

    HOLANDA, Srgio Buarque (1995), Razes do Brasil, 26 edio, So Paulo, Companhia das Letras,

    p. 146.

  • ~ 72 ~

    101

    Ibidem, p. 147. 102

    Ibidem, p. 147. 103

    Ibidem, p. 141.

  • ~ 73 ~

  • ~ 74 ~

    104

    AZEVEDO, Andr Nunes de (2003), Da monarquia Repblica: um estudo dos conceitos de

    Civilizao e Progresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868-1906, Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio de Janeiro, tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social da

    Cultura. 105

    Ibidem, p. 77.

  • ~ 75 ~

  • ~ 76 ~

    http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/
  • ~ 77 ~

    106

    HABNER, June E. (2012), Honra e distino das famlias in: PINSK, Carla Bessanezi; PEDRO,

    Joana Maria, Nova Histria das Mulheres no Brasil, So Paulo, Contexto, pp. 43-64. 107

    Em transcrio completa, afirmaria tal viajante em visita s ruas do comrcio do Rio de Janeiro, entre

    1845-1846, que os preges de Londres so ridicularias comparados aos da capital brasileira... sapatos,

    bons enfeitados, joias de fantasia, livros infantis, novelas para jovens e obras de devoo para os

    devotos, A Arte de Danar para os desajeitados. Escolas de Bem Vestir para os moos, Manual de

    Polidez para os rsticos... tais coisas e milhares de outras so, diariamente, apregoadas pelas ruas.

    EWBANK, Thomas (1973), A vida no Brasil ou dirio de uma visita ao pas do cacau e das

    palmeiras, v. 1, Rio de Janeiro, Editora Conquista, p. 99.

  • ~ 78 ~

  • ~ 79 ~

    108

    NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira; MACHADO, Humberto Fernandes (1999), O Imprio do

    Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, p. 185.

  • ~ 80 ~

  • ~ 81 ~

  • ~ 82 ~

    109

    O nmero exato do squito que acompanhou a famlia real Portuguesa ao Brasil ainda no

    consensual entre os estudiosos do tema. Estima-se que esta contabilidade esteja entre 6 mil e 15 mil

    pessoas, segundo a Relao das pessoas que saram desta cidade para o Brasil, em companhia de

    S.A.R., no dia 29/11/1807, documento depositado no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.

    Observa Jurandir Malerba que, em se tratando de um documento cujo levantamento da tripulao estava

    mais bem detalhada, a Relao das pessoas... informa um total de 514 tripulantes, sendo, porm, uma

    descriminao imprecisa pois no os anotou individualmente. Ento, temos como exemplo citado pela

    lista Francisco Incio, capito-de-fragata, com famlia, Jos Maria, capito-de-mar-e-guerra,e sua

    famlia, Luis Fernandes, cozinheiro com sua famlia, Vicente Jos, contramestre dos navios, com sua

    mulher e filhos, entre outros casos citados. Para tanto, no se sabe ao certo quantos membros esto

    arrolados no termo famlia e filhos, e at alguns serviais, inclusos tambm na condio de

    aparentados. Sabe-se que em, 1807, partiram 56 navios, sendo 16 da esquadra inglesa, nove do esquadro

    britnico e 31 navios mercantes. A lista no arrola, assim, o considervel nmero de pessoas que

    constituam a esquadra britnica. A propsito ver MALERBA, Jurandir (2008), Sobre o tamanho da

    comitiva in: Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 21, n I, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, p.

    57.

  • ~ 83 ~

    110

    Idem, Op. cit., p. 172. 111

    SCHULTZ, Kirsten (2008), Versalhes tropical: Imprio, monarquia e a corte portuguesa no Rio

    de Janeiro (1808-1821), Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, p. 127.

  • ~ 84 ~

    112

    No tardou para que, uma vez achado, o Novo Mundo fosse incorporado aos preceitos morais

    pensados pelos europeus, presentes na carta lavrada pelo navegador portugus Pedro lvares Cabral, em

    maio de 1500: Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que ser salvar esta gente. E

    esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar. Nesse sentido, seria o nativo

    considerado brbaro, um selvagem diante de uma cultura superior. A justificativa da colonizao passava

    de sobremaneira em retificar a inferioridade do Novo frente ao progresso civilizacional do Velho Mundo.

    No tardaria para que se investisse, na Amrica Portuguesa, num imaginrio de regenerao daquilo que a

    natureza havia degradado. J em fins do sculo XVI afirmaria o jesuta Ferno Cardim: Este Brasil j

    outro Portugal, embora muitas fossem as discrepncias socioculturais da Metrpole com relao

    Colnia, posto que o Brasil se tornara uma experincia histrica cada vez mais mestia. A respeito ver

    COUTO, Jorge, A gnese do Brasil; MELLO, Evaldo Cabral de (2009), Uma Nova Lusitnia in:

    MOTA, Carlos Guilherme, Viagem Incompleta 1500/2000: a experincia brasileira, So Paulo,

    Editora do SENAC. 113

    MARROCOS, Joaquim dos Santos (1934), Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, volume

    54, Rio de Janeiro, Servio Grfico do Ministrio da Educao, p. 68. Tambm em correspondncia,

    apontava o mesmo Lus Marrocos a sua insatisfao de residir na nova corte: (...) eu no gosto de

    prender-me nessa terra, que julgo para mim de Degredo. Ibidem, p. 41.

  • ~ 85 ~

    114

    WILCKEN, Patrick (2010), Imprio deriva: corte portuguesa no Rio de Janeiro (1808-1821), Rio

    de Janeiro, Objetiva, p. 137. 115

    A pressa do embarque e travessia para a colnia americana foi causadora de muitos problemas

    enfrentados pela real famlia portuguesa, nobreza e funcionrios, cujo improviso e constrangimento foi

    bem apontado por Lus Norton: A bordo, a confuso era indescritvel; ningum encontrava o que era

    seu; a poucos dias de viagem, faltava a gua e os mantimentos estavam corruptos. Isso mesmo era

    sentido no navio-almirante, onde mais foi preciso cortar lenis para fazer camisas para D. Joo...

    NORTON, Lus (1979), A corte de Portugal no Brasil, Coleo Brasiliana, Volume 124, Rio de Janeiro,

    Companhia Editora Nacional/INL-MEC, p. 15. 116

    LUCCOCK, John (1975), Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil, Belo

    Horizonte, Editora Itatiaia, p. 66.

  • ~ 86 ~

    117

    LIMA, Oliveira (1908), D. Joo VI no Brasil, Tomo I, Rio de Janeiro, Tipografia do Jornal do

    Comrcio, p. 97. 118

    NORTON, Op. cit., p. 19. 119

    SCHULTZ, Op. cit., p. 16.

  • ~ 87 ~

    120

    CHANTAL, Suzanne (1965), A vida cotidiana em Portugal ao tempo do terremoto, Lisboa,

    Edies livros do Brasil, p. 103. Como sugere Suzanne Chantal, no era apenas entre a burguesia que

    bem se afigurava a aristocracia portuguesa. Mesmo dizimada pelo ministro Marqus de Pombal, a

    aristocracia mantinha prxima a si toda uma massa de homens rudes e ignorantes, o que acabava por

    resvalar certo tom de familiaridade, deferncia e cumplicidade que os enobrecia e que no era

    compreendido entre os estrangeiros. Na verdade, grande parte dessa populao comum era constituda por

    criados, ou seja, por pessoas criadas na famlia e que dela faziam parte, a exemplo do Conde de Vale de

    Reis, onde, na Casa das Cruzes, possua noventa e duas pessoas e dois capeles agregados ao seu

    palacete. Ibidem, Op. cit., p. 105. Tambm o aristocrata ingls William Beckford, em 3 de junho de 1787,

    pode observar todo o squito que acompanhava o Marqus de Marialva, causando-lhe imensa surpresa

    pela grande quantidade de pessoas. Com Marialva desceram de um escaler uma multido de msicos,

    poetas, toureiros, laais, macacos, anes e crianas de ambos os sexos, o que fez o observador

    comparar a cena com a da Arca de No narrada no Antigo Testamento, mas cuja coleo de espcimes

    trazidos pelo marqus pareceu-lhe mais heterognea do que a cena bblica. BECKFORD, William (2007),

    A corte da Rainha D. Maria I correspondncias (1787), Lisboa, Textype Artes Grficas, p. 29.

  • ~ 88 ~

    121

    WILCKEN, Op. cit., p. 69. 122

    BECKFORD apud WILCKEN, Op. cit., p. 86. 123

    CHANTAL, Op. cit., p. 72. Tal isolamento mantido pela corte portuguesa em relao prpria nao,

    talvez revele o que pde perceber Antnio Pedro Vicente ao comentar: Portugal se constitura como

    nao criadora de imprios, mas sempre de costas voltadas Europa, mantendo uma poltica dbia

    durante os anos de equilbrios e desequilbrios de poderes na Europa aps a Revoluo Francesa. Logo,

    no foi por acaso que esta tambm tentou se ausentar do conflito entre a Frana e a Inglaterra em fins do

    sculo XVIII, bem como durante o tenso perodo armado das Guerras Peninsulares, iniciadas por entre

    1793, quando ento Portugal foi invadido pelas tropas napolenicas em 1807, e permanecendo at 1814,

    quando da retirada dos soldados franceses. VICENTE, Antnio Pedro (2007), Guerra Pensinsular

    (1801-1814), Lisboa, QUIDNOVI, pp. 16-23.

  • ~ 89 ~

    124

    O Palcio de Queluz, embora adotado como Casa real, ainda dividia ateno com outros monumentos

    reais, tais como o Palcio de Mafra, o Palcio da Bemposta, o Palcio das Necessidades, e mesmo a

    quinta do Ramalho, morada da princesa Carlota Joaquina, esposa de D. Joo. Contudo, sem perceber

    algum signo da realeza que ostentasse luxo ou requinte, ps-se Carrre a descrever, em 1796, sua

    impresso sobre a corte portuguesa que encontrara: Chega-se corte, instalamo-nos, temo-la diante dos

    olhos e ficamos procura dela. Apenas nos apercebemos de uma multido de sujeitos, entre os quais no

    podemos distinguir quais so os grandes, quem faz parte da corte, qual o pessoal do rei, nem seque

    quem o prprio prncipe; tudo ali se baralha e todos se confundem. O prncipe no se rodeia nem de

    magnificncia, nem de representao, nem de majestade. CARRRE apud PEDREIRA & COSTA, Op.

    cit., p. 43. 125

    VON FLEMMING apud WILCKEN, Op. cit., p. 300.

  • ~ 90 ~

    126

    LA TOUANNE apud NORTON, Op. cit., p. 86.

  • ~ 91 ~

    127

    LEITHOLD, T. Von. & RANGO, L. Von (1966), O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em

    1819, So Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 147. 128

    Para o historiador Russell-Wood, a importao de escravos foi essencial para a economia brasileira.

    Iniciada a partir de 1549, com o desenvolvimento das fazendas de acar, seu crescimento foi gradual ao

    longo dos sculos, no apenas em consequncia da substituio do trabalho amerndio, mas tambm pelo

    emprego de novos ciclos econmicos, como fora a extrao de metais preciosos no sculo XVIII. Assim,

    longe de ser recente, a escravido era uma entidade secular na Amrica portuguesa. A propsito ver

    RUSSEL-WOOD, A. J. R. (2005), Escravos e libertos no Brasil colonial, Rio de Janeiro, Civilizao

    Brasileira. 129

    LEITHOLD, T. Von. & RANGO, L. Von, Op. cit., p. 34.

  • ~ 92 ~

    130

    COUTINHO apud SILVA, Maria Beatriz Nizza da (1993), Vida privada e quotidiano no Brasil na

    poca de D. Maria e D. Joo VI, Lisboa, Editorial Estampa, pp. 22-25. 131

    Comenta Suzanne Chantal que as mulheres portuguesas no se preocupavam com coisa alguma,

    passando os dias sentadas no cho do quarto, de janelas fechadas, por onde se olhava o movimento

    pblico atravs de apertadas gelosias. Elas no tinham contato com outros homens alm dos da famlia,

    exceto com os clrigos. Assim, completou que nas famlias mais severamente tradicionalistas, a mulher,

    que s saa em trs ocasies, em toda a sua vida para ser baptizada, para se casar e para ser

    enterrada. CHANTAL, Op. cit., p. 110. 132

    LUCCOCK, Op. cit., p. 77.

  • ~ 93 ~

    133

    O carter modesto das moradas na Amrica portuguesa em grande parte se justificava pela ausncia de

    planejamento tcnico ou arquitetnico, uma vez que, como lembra Maria Beatriz Nizza da Silva

    (1993:211), mesmo na metrpole, muito tardiamente foi criada a Aula de Arquitetura Civil, quando do

    reinado de D. Maria I (1777-1816). Assim, as habitaes na Amrica portuguesa compreenderam mais

    um trabalho de pedreiros e carpinteiros, do que construes elaboradas, projetadas por profissionais da

    arquitetura.

  • ~ 94 ~

    134

    Em parte, uma residncia carioca no diferia muito daquelas encontradas em Portugal por William

    Beckford. Em se tratando do tom lgubre das residncias, especialmente por se manterem constantemente

    encerradas, pde anotar o ingls que a morada dos nobres mantinha o tom de sobriedade, sem o menor

    rumor, por mais leve fosse, como o de insetos. Nela tambm no havia espelhos, nem pinturas, nem

    dourados, o que observou: as prprias mesas esto ocultas com fofos acairelados de veludo lavrado, no

    estilo dos que as nossas vivas antigamente usavam para ornar os seus toucadores. Basta a vista destas

    mesas assim para nos fazer transpirar, e no posso imaginar que demnio levou os portugueses a

    inventarem to antiquada moda!. BECKFORD, Op. cit., pp. 18-19. 135

    LEITHOLD, Op. cit., p. 29.

  • ~ 95 ~

    136

    Tendo chegado Capitania da Bahia no dia 22 de janeiro de 1808, D. Joo decretaria seis dias aps,

    uma Carta Rgia determinando a abertura dos portos do Brasil s naes amigas. Era o fim do monoplio

    comercial, onde qualquer comerciante, fosse de nao amiga de Portugal, poderia comprar e vender

    produtos diretamente nos portos brasileiros. A abertura dos portos incentivaria, assim, uma maior

    presena estrangeira, observada pelo Padre Perereca, a partir do nmero de embarcaes chegadas ao

    Brasil. Tendo, em 1805, desembarcado em terras brasileiras 810 embarcaes exclusivamente

    portuguesas, aps 1808 j se observa 90 delas sendo estrangeiras. O nmero s acrescentaria ao longo do

    tempo: em 1810 foi anotado o nmero de 422 embarcaes estrangeiras, mantendo-se com essa mdia at

    o ano de 1815. Sua ltima informao sobre a matria refere-se ao ano de 1819, registrando o nmero de

    340 embarcaes. SANTOS, Luiz Gonalves dos (1981), Memrias para servir Histria do Reino do

    Brasil, Tomo I, Belo Horizonte/So Paulo, Itatiaia/USP, p. 348.

  • ~ 96 ~

    137

    SANTOS, Op. cit., p. 349; p. 248. 138

    Para os historiadores Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, o episdio da elevao da antiga colnia

    portuguesa categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, comprovaria o desinteresse do prncipe D.

    Joo em regressar Lisboa. Outrossim, conferia ao Brasil um carter simblico de ser sede da monarquia,

    e que at ento, mesmo aps sete anos, ainda no tinha sido reconhecido. Logo, a elevao do Brasil

    categoria de Reino Unido correspondia sua consolidao como corpo poltico autnomo e ao culminar

    de um processo de institucionalizao, que no ficara espera dessa promoo para avanar, tais

    como aquelas variadas mudanas verificadas no cotidiano da nova corte. PEDREIRA, Jorge; COSTA,

    Fernando Dores (2006), D. Joo VI O Clemente, Circulo de Leitores, p. 239. (Coleo Reis de Portugal

    4 Dinastia). 139

    Esclarece Maria Beatriz Nizza da Silva que o termo traste, no incio dos oitocentos, no vertia ao

    tom pejorativo que hoje fazemos uso, significando antes peas de uso e servios, tal como aplicamos ao

  • ~ 97 ~

    sentido atual de mobilirio para/do uso domstico. O termo mvel, em seu sentido mais restrito, e que

    hoje adotamos no Brasil tem, pois, influncia do comrcio francs desde o incio do sculo XIX. SILVA,

    Maria Beatriz N. da (1978), Cultura e Sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821), 2 edio, Coleo

    Brasiliana, volume 363, So Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 49. 140

    FREYCINET apud SILVA, Op. cit., p. 18. 141

    Ibidem, p. 18.

  • ~ 98 ~

    142

    KOSTER, Henry (1936), Viagens ao Nordeste do Brasil (1809-1815), So Paulo, Companhia Editora

    Nacional, p. 105. 143

    DEBRET, Op. cit., p. 306.

  • ~ 99 ~

    144

    Ibidem, p. 173. 145

    SPIX, Johann Baptiste Von; MARTIUS, Carl Friedrich Philippe von (1938), Viagem pelo Brasil

    (1818-1819), vol. II, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, p. 293. 146

    LUCCOCK, Op. cit., p. 84.

  • ~ 100 ~

    147

    Ibidem, p. 84. 148

    Ibidem, p. 84.

  • ~ 101 ~

    149

    Ibidem, p. 84-85. 150

    Para tanto, a mesma prtica de coletivizar os objetos durante a refeio foi apontada por Suzanne

    Chantal, ao afirmar que, mesmo com o requinte que lhe era imputado, o Marqus de Marialva, mestre na

    arte de receber, um grande jarro de prata passava de boca em boca um grande jarro de prata. Afirma,

    igualmente, que era raro haver um garfo para cada conviva em Portugal. CHANTAL, Op. cit., p. 127.

  • ~ 102 ~

    151

    LUCCOCK, Op. cit., p. 84.

  • ~ 103 ~

    152

    SILVA (1993), Op. cit., p. 232-233. 153

    Para SANTOS essas aes podem ser exemplificadas atravs da atuao edilcia da Intendncia Geral

    da Polcia, e suas aes vigilantes, controladoras e repressoras, e da criao de cenrios, arquiteturas e

    ocasies formais (como a construo do Pao Imperial, Jardim Botnico, festas, velrios, procisses, ou

    mesmo importantes cerimnias, como a coroao de D. Joo VI em 1818, por exemplo). SANTOS,

    Afonso Carlos Marques dos (2008), A fundao de uma Europa possvel in: Um novo mundo, um

    novo imprio: a corte portuguesa no Brasil (1808-1822), Rio de Janeiro, Edio do Museu Histrico

    Nacional, p. 29-30. 154

    LEITO, C. de Mello (1934), Visitantes do Primeiro Imprio, Biblioteca Pedaggica Brasileira,

    srie V, v. 32, So Paulo, Companhia Editora Nacional, p. 79.

  • ~ 104 ~

    155

    TOLLENARE, Louis Franois de (1956), Notas Dominicais Tomadas Durante uma Viagem em

    Portugal e no Brasil em 1816, 1817 e 1818, Salvador, Livraria Progresso Editora, p. 308-309. 156

    LIMA, Vera (2008), A moda no perodo de d. Joo VI: moda e modos in: Anais do Museu

    Histrico Nacional, v. 40, Rio de Janeiro, Edio do Museu Histrico Nacional, p. 511.

  • ~ 105 ~

    157

    LEITHOLD, Op. cit., p. 29. 158

    Ibidem, p. 30-32. 159

    Contudo, no afirmamos que no houvesse apreo pela moda europeia antes da transmigrao da Corte

    portuguesa. Para efeito, temos a descrio deixada pelo ingls Thomas Lindley, em 1802, ao observar o

    gosto pela moda entre os brasileiros abastados, e especialmente voltado para o uso em ocasies pblicas,

    o que contrastava com aqueles praticados na vida privada: "Os homens daqui vestem-se geralmente como

    em Lisboa, acompanhando o figurino Ingls, exceto quando fazem visitas ou saem nos feriados, ocasies

    em que exibem excesso de bordados, lantejoulas nos coletes, e rendas nas roupas de baixo. A espada, que

    usam bem de lado (salvo em servio), e as cartolas, esto passando de moda. As fivelas para os sapatos e

    cales, de ouro macio e feitas aqui, so muito comuns. Tm os homens grande atrao por toda a sorte

    de adereos. Quando voltam para casa, essas roupas de gala so imediatamente despidas e alguns

    envergam um jibo ou jaqueta fina, ao passo que outros ficam em ceroulas e camisa." LINDLEY,

    Thomas (1969), Narrativas de uma Viagem ao Brasil (1802-1803), So Paulo, Companhia Editora

    Nacional, p. 177.

  • ~ 106 ~

    160

    A propsito ver HOLANDA, Sergio Buarque de (1985), Histria Geral da Civilizao Brasileira,

    Tomo I, So Paulo, Difel, p. 12. 161

    SILVA, Op. cit., p. 32.

  • ~ 107 ~

    162

    Gazeta do Rio de Janeiro, edio de 02 de maro de 1816. 163

    MONTEIRO, Tobias (1981), Histria do imprio: a elaborao da Independncia, v.1, So Paulo,

    EDUSP, p. 67.

  • ~ 108 ~

    164

    Como apontou Srgio Buarque de Holanda, embora constitussem de boa qualidade, muitos foram os

    produtos inapropriados s necessidades e hbitos de consumo do Brasil, fosse pelo erro do

    desconhecimento das condies brasileiras, fosse pela vinda de aventureiros com pacotilhas compradas s

    pressas e a baixos preos, como patins para gelo, espartilhos para senhoras (desconhecidos por elas,

    portanto, sem uso), instrumentos de matemtica numa realidade de leigos, carteiras e porta notas, numa

    terra em que no existia papel-moeda e nem se usava dinheiro. HOLANDA, Sergio Buarque de (2003),

    A presena inglsa in: Histria da Civilizao Brasileira O Brasil monrquico, tomo II, v. 3, Rio

    de Janeiro, Bertrand Brasil, p. 90.

  • ~ 109 ~

    165

    SAINT-HILAIRE, Auguste de (1975), Viagem s Nascentes do Rio So Francisco (1819), So Paulo,

    Belo Horizonte, EDUSP/ Itatiaia Editora, p. 132. 166

    LEITHOLD, Op. cit., p. 29-30.

  • ~ 110 ~

    167

    Em 1807, comentou o ingls John Mawe sobre a figura feminina de boas posses: "Na realidade, a sua

    educao se restringe a conhecimentos superficiais; ocupam-se muito pouco com assuntos domsticos,

    confiando tudo quanto se refere s dependncias inferiores da direo da casa, ao negro ou negra

    cozinheira, e deixando todos os outros assuntos a cargo dos servos [...] ocupam-se, principalmente, em

    casa, em cozer, bordar e fazer renda." MAWE, John (1978), Viagens ao Interior do Brasil (1807-1810),

    So Paulo, Belo Horizonte, EDUSP/ Itatiaia Editora, p. 72. 168

    importante lembrar que o casamento colonial era acompanhado, por parte as mulheres, do valor do

    seu dote, o que equivalia a sua parte da herana na morte de cada um dos pais, o que ajudava o

    estabelecimento do jovem casal ou tambm se somava fortuna da famlia do noivo. Indicava constituir

    um bom casamento no apenas a importncia da linhagem familiar (se branca e catlica), mas tambm

    a fortuna patrimonial. Para Maria Beatriz Nizza da Silva, a importncia do dote na negociao e na

    realizao dos matrimnios foi reduzida no fim do perodo colonial, dada a crescente quantidade de

    mulheres brancas na sociedade e a diversificao das atividades profissionais masculinas, o que j no

    era to crucial para o casamento e nem exigia to grandes sacrifcios da parte dos pais. SILVA,

    Op.cit., p. 49. 169

    Casos como a de mulheres solteiras, vivas ou abandonadas, mas que se tornaram chefes de famlia,

    foram estudados por Paulo Eduardo Teixeira. Na oportunidade pode esse historiador observar certo

    ensaio da independncia feminina no contexto colonial da Amrica portuguesa, sobretudo a partir do

    estudo de caso da realidade de Campinas na Capitania de So Paulo, estendendo-se primeira metade do

    sculo XIX. Tal estudo rompe com uma variante da historiografia brasileira que enquadra o sujeito

    feminino envolta em relaes de submisso ao marido/pai, embrutecida, nervosa e indolente. Entendendo

    a chefia feminina diante da famlia como parte do processo de povoamento de Campinas, cujo ambiente

    era eminentemente rural, centrado no domiclio, e, por isso, composto pela famlia nuclear. A propsito

    ver TEIXEIRA, Paulo Eduardo (2004), O outro lado da famlia brasileira: mulheres chefes de famlia

    (1765-1850), Campinas, Editora da UNICAMP.

  • ~ 111 ~

    170

    LIMA, Op. cit., p. 513. 171

    LIMA, Op. cit., p. 101. 172

    Para tanto, a historiadora Leila Mezan Algranti alerta que erroneamente forada uma compreenso

    onde o emprego de gelosias nos domiclios serviria, quase que exclusivamente, ao ocultamento feminino

    do mundo. Antes, o emprego desse tipo de janela revela as marcas de certa privacidade colonial,

    justamente por ser esse um perodo onde a vida privada era devassada pelos olhos e presenas alheias,

    no propiciando o sentimento de intimidade no seio da famlia colonial. Por mais que fosse empregado no

    espao domiciliar artifcios como muros, trelias nas janelas, quintais nos fundos da casa, pomares e

    jardins dividindo domiclios, tentando dotar de certa privacidade a famlia colonial, ainda assim, esta no

    estava preservada em sua intimidade, o que faz com que no se aplique bem vida colonial antes do fim

    do sculo XVIII e incio do sculo XIX, a distino comum entre o que era o espao pblico e o que era o

    privado. Nesse sentido, a historiadora Sheila de Castro Faria corrobora com Leila Mezan Algranti sobre

    os limites de certa vida privada na Amrica portuguesa. Estudando a sociedade patriarcal, os laos de

    parentesco e o amparo patrimonial no perodo colonial, esta historiadora pode apontar que a concepo de

    privacidade vertida intimidade e individualidade da famlia em torno da casa, no figurava como uma

    experincia na Amrica portuguesa. Antes, o cotidiano era marcado pela presena de muitos sujeitos de

    uma mesma famlia e variadas casas, e que, por sua vez, formavam as casas de vivenda ou de morada.

    Estas eram compostas pelos lugares de beneficiamento da produo, das senzalas, das casas de agregados,

    das casas de filhos, das casas onde se cozinhava e dormia, das casas dos animais, dos paiis ou casas de

    despejos, enfim, num conjunto de lugares que formavam um complexo de casas e marcadas pela

    pluralidade de sujeitos, divises e funes. Tambm lembra da ausncia de intimidade nesse complexo

    colonial j que seus moradores estavam sempre s voltas com parentes