mais velho, mais vulnerÁvel batalha · batalha _ no fim da vida brasileiros com mais de 60 anos...

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Domingo 16.2.2014 O GLOBO l 3 País ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO TJs QUE CONTABILIZAM INTERDIÇÕES DE PESSOAS COM MAIS DE 60 ANOS IDOSOS QUE VIVEM SOZINHOS RIO DE JANEIRO Sentenças sobre interdições de idosos CEARÁ Interdições de idosos concedidas MATO GROSSO Interdições de idosos concedidas AMAPÁ Pedidos de interdições de idosos 18,66 26,54 27,77 29,14 30,64 32,28 45,09 76,39 113,19 160,96 206,16 1,8 (12,1%) 2,2 (12,7%) 2,8 (13,7%) 2,9 (13,8%) 3,3 (144%) 3,6 (14,8%) 2013 2012 2011 2010 2009 348 509 591 623 789 2013 2012 2011 2010 2009 1 2 3 8 11 2013 2012 2011 2010 2004 17 82 124 114 110 Percentual da população com 65 anos ou mais em relação à população de até 14 anos 60 anos ou mais, em milhões e percentual do total de idosos 2060 2050 2040 2030 2020 2014 2013 2012 2011 2010 2000 Com 100%, número de idosos e de jovens é igual Em 2060, a população de idosos deverá ser o dobro da de jovens 2001 2012 2011 2009 2008 2004 2013 2012 2011 13 63 60 Fontes: Tribunais de Justiça de Rio de Janeiro, Ceará, Mato Grosso e Amapá e IBGE MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL _ BATALHA NO FIM DA VIDA Brasileiros com mais de 60 anos são vítimas de todo tipo de exploração e golpes pelo país Num Brasil que vive mais tempo, multiplicam-se crimes e golpes contra quem tem mais de 60 anos. Há todo tipo de exploração: casamentos por inte- resse, empréstimos bancários nebulosos e anteci- pação da disputa pela herança mesmo com o pro- prietário vivo. Um número cada vez maior de ido- sos passa a ter seu destino decidido na Justiça, nu- ma batalha que quase sempre começa em casa. Fi- lhos, netos, companheiros ou conhecidos travam disputas ferrenhas para controlar o patrimônio, a renda e a vida de quem um dia chefiou a família. Contraponto notável é o abandono de idosos sem dinheiro. Esquecidos em abrigos, muitas ve- zes vítimas de demência, esses idosos ficam sob responsabilidade legal de desconhecidos. Ou en- tram na longa espera por um curador. No último mês, O GLOBO investigou dramas familiares e acompanhou a rotina de idosos, juí- zes e curadores para revelar uma das faces mais obscuras do envelhecimento. A população com mais de 60 anos soma hoje 23 milhões de brasilei- ros — é o grupo etário que mais cresce no país, e chegará a 34 milhões em dez anos. Mas o país ainda improvisa para tentar assegurar o mínimo de dignidade a quem está no ciclo final da vida. l -GOIÂNIA E BRASÍLIA- Clarice tenta provar à Justiça que está sã. Com um raciocínio limpo, nostalgia e res- sentimento, ela repisa o que viveu nos últimos anos e sabe o que deseja para hoje. A uma juíza, um promotor, uma psiquiatra e um psicólogo, Clarice relembra ter sido vítima de cárcere priva- do, ter comido restos de refeições, ter habitado um quarto escuro e com as janelas trancadas. No aniversário de 90 anos, em março, certamente já terá em mãos o veredicto da Justiça sobre sua ca- pacidade — ou não — de cuidar da própria vida. — Hoje, eu me sinto com 40 anos de idade. Na cobertura de um prédio numa área nobre de Goiânia, sob vigilância armada e eletrônica (duas câmeras monitoram a porta principal do aparta- mento), Clarice passa os dias rezando o terço e lendo livros sobre fazendas históricas, na compa- nhia de uma filha e de um neto. Uma outra neta acionou a Justiça para que ocorra a interdição da matriarca. O processo, aberto para avaliar se Clari- ce tem saúde mental para tomar as próprias de- cisões, intriga juízes, promotores e advogados. Se o processo de interdição avançar e a guarda for con- cedida à neta, ela será responsável por um patri- mônio de R$ 15 milhões da avó viúva, valor esti- mado de uma herança constituída por extensos pedaços de terra em Goiás. Hoje, quase 23 milhões de brasileiros têm 60 anos de idade ou mais, o dobro de 20 anos atrás. O IBGE projeta que, em 2060, serão 73,5 milhões de idosos — ou um terço da população. A expec- tativa média de vida ultrapassará 81 anos. Disputas e segredos de avós, pais e filhos dei- xam a sala de estar e passam a ocupar a rotina das Varas de Família país afora, num ritmo que acompanha o envelhecimento da população. As histórias investigadas pelo GLOBO no último mês comprovam que aumentaram os pedidos de interdição e as decisões pela retirada dos ple- nos poderes de idosos tidos como incapazes. Em razão do envelhecimento da população e do aumento da incidência de demências, principal- mente o mal de Alzheimer, aumentou a quantida- de de interdições decretadas pela Justiça. Para muitas famílias, a iniciativa se transformou numa antecipação da briga pela herança, ainda com o familiar vivo. Quanto maiores o patrimônio e a renda, maior o conflito. A judicialização, em vez de proteger, leva à perda da dignidade de homens e mulheres que ultrapassaram os 60 anos de idade. O GLOBO pediu aos Tribunais de Justiça (TJs) das 27 unidades da Federação os dados estatísti- cos sobre a interdição de idosos. Dezesseis respon- deram, com dados que apontam um aumento do número de decisões gerais sobre interdições nos últimos cinco anos, o que inclui os casos de pesso- as com deficiência e dependentes de drogas. Ape- nas os tribunais de quatro estados conseguiram separar os casos de idosos. No Rio de Janeiro, os juízes proferiram pelo me- nos 789 sentenças sobre pedidos de interdição de idosos em 2013, uma média de mais de duas sen- tenças por dia. Cinco anos atrás, em 2009, foram 348, menos da metade. No Ceará, os juízes de Fa- mília determinaram a interdição de 60 idosos no ano passado, 4,5 vezes a mais do que em 2011. Em Mato Grosso, foram 11 decisões favoráveis em 2013; em 2009, apenas uma. No Amapá, há 17 anos, apenas uma família pediu a interdição de um idoso na Justiça. No ano passado, foram 110 pedidos, com 69 interdições decretadas. NETA ESTÁ PROIBIDA DE SE APROXIMAR DE CLARICE A interdição é, na verdade, uma medida de proteção, já prevista no Código Civil brasileiro de 1916. No texto de quase um século atrás, o código previa a medida para “loucos de todo o gênero”, “surdos-mudos sem educação” e “pródigos”. O novo código, a partir de 2002, es- tabeleceu que devem ser interditadas pessoas sem o “necessário discernimento para os atos da vida civil”, em razão de uma doença ou uma deficiência mental. Se a interdição é total, o idoso deixa de votar, de movimentar uma con- ta bancária, de assinar um documento. E ga- nha um curador, que fica responsável pelo cui- dado e pelo patrimônio. No caso de Clarice, a neta que quer interditar a avó e se transformar em sua curadora está há mais de dois anos impedida de se aproximar da idosa, por força de uma medida judicial. Foi na casa dessa neta que Clarice diz ter sido vítima de cárcere privado e de maus-tratos, versão susten- tada pela filha. A Justiça avaliou provas, concluiu pela existência de “violência psicológica” e já de- cidiu em caráter de urgência que a neta deve se manter a uma distância mínima de 300 metros, sob pena de ser presa preventivamente. A filha de Clarice é taxativa: o interesse da ne- ta é apenas no dinheiro e no testamento. A juíza responsável pelo caso já mandou averiguar se este é o real interesse. Com todos os laudos con- cluídos, a 1ª Vara de Família de Goiânia está bem próxima de uma decisão. O diagnóstico aponta que Clarice não possui do- ença mental, mas uma “perturbação” da saúde mental, em razão da idade avançada. “Assim, en- contra-se parcialmente incapacitada para gerir seus bens, porém ainda capaz de gerir a si mesma” , diz o laudo psiquiátrico encomendado pela Justi- ça, concluído em 28 de novembro. — Na casa da minha neta, era uma escuridão. Ela não deixava eu fazer nada. Nunca vi malda- de daquele tamanho. Eu não merecia, não fiz nada errado. Vou viver o restinho da minha vida sem precisar dela — resigna-se a mulher que, quando vivia nas fazendas com o marido, costu- rava vestidos de noiva por encomenda. No aniversário de 90 anos, Clarice planeja estar com a filha e o neto em Buenos Aires. Uma situação bem diferente de cinco anos atrás, quando vivia com a neta e dormia num quarto nos fundos de um sobrado. Quando o marido adoeceu, ela aceitou vi- ver na casa da neta. No dia da morte do compa- nheiro, foi até impedida de acompanhar o velório. — Assinava tudo que ela colocava na minha frente. Para que eu não falasse com minha filha, ela colocava a bateria do meu celular ao contrá- rio. Meu marido deixou R$ 150 mil em conta, e minha neta sacou tudo. A neta se limita a dizer que o processo de in- terdição corre em segredo de Justiça, que não há provas de maus-tratos, que a mãe e o irmão “têm problemas na cabeça” e que a investigação de cárcere privado foi arquivada: — É doloroso o fato de eu estar afastada da minha avó. Fora isso, não existe mais nada. A juíza do caso chegou a conceder a curate- la provisória à neta em caráter liminar. Con- vencida do equívoco, uma vez que os mesmos documentos apresentados para provar limi- tações já haviam sido rechaçados por outro magistrado, revogou a decisão. A neta omitiu, por exemplo, a existência da medida proteti- va que a impede de se aproximar da avó. Ago- ra, a juíza aguarda o posicionamento do Mi- nistério Público para decidir, em definitivo, o destino de Clarice. l NETA TENTA INTERDITAR IDOSA COM PATRIMÔNIO ALTO E MEMÓRIA EM DIA ANDRÉ COELHO Fortuna em jogo. Clarice, cujo patrimônio é estimado em R$ 15 milhões, luta para não ser interditada pela neta CLARICE, 89 ANOS VINÍCIUS SASSINE [email protected]

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Page 1: MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL BATALHA · BATALHA _ NO FIM DA VIDA Brasileiros com mais de 60 anos são vítimas de todo tipo de exploração e golpes pelo país Num Brasil que vive

Domingo 16 .2 .2014 O GLOBO l 3

País

ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO TJs QUE CONTABILIZAM INTERDIÇÕES DE PESSOAS COM MAIS DE 60 ANOS IDOSOS QUE VIVEM SOZINHOSRIO DE JANEIROSentenças sobreinterdições de idosos

CEARÁInterdições deidosos concedidas

MATO GROSSOInterdições deidosos concedidas

AMAPÁPedidos de interdiçõesde idosos

18,66

26,54

27,77

29,14

30,64 32,28

45,09

76,39

113,19

160,96

206,16

1,8(12,1%) 2,2

(12,7%)

2,8(13,7%)

2,9(13,8%)

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3,6(14,8%)

2013

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2012

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2010

2004

17

82

124

114

110

Percentual da população com 65 anos ou mais emrelação à população de até 14 anos

60 anos ou mais, em milhõese percentual do total de idosos

20602050204020302020201420132012201120102000

Com 100%, número de idosos e de jovens é igual

Em 2060, a população de idosos deverá ser o dobro da de jovens

2001 20122011200920082004

2013

2012

2011

13

63

60

Fontes: Tribunais de Justiça de Rio de Janeiro,

Ceará, Mato Grosso e Amapá e IBGE

MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL_

BATALHANO FIM

DA VIDABrasileiros com mais de 60 anos são vítimasde todo tipo de exploração e golpes pelo país

Num Brasil que vive mais tempo, multiplicam-secrimes e golpes contra quem tem mais de 60 anos.Há todo tipo de exploração: casamentos por inte-resse, empréstimos bancários nebulosos e anteci-pação da disputa pela herança mesmo com o pro-prietário vivo. Um número cada vez maior de ido-sos passa a ter seu destino decidido na Justiça, nu-ma batalha que quase sempre começa em casa. Fi-lhos, netos, companheiros ou conhecidos travamdisputas ferrenhas para controlar o patrimônio, arenda e a vida de quem um dia chefiou a família.

Contraponto notável é o abandono de idosossem dinheiro. Esquecidos em abrigos, muitas ve-zes vítimas de demência, esses idosos ficam sobresponsabilidade legal de desconhecidos. Ou en-tram na longa espera por um curador.

No último mês, O GLOBO investigou dramasfamiliares e acompanhou a rotina de idosos, juí-zes e curadores para revelar uma das faces maisobscuras do envelhecimento. A população commais de 60 anos soma hoje 23 milhões de brasilei-ros — é o grupo etário que mais cresce no país, echegará a 34 milhões em dez anos. Mas o paísainda improvisa para tentar assegurar o mínimode dignidade a quem está no ciclo final da vida. l

-GOIÂNIA E BRASÍLIA- Clarice tenta provar à Justiça queestá sã. Com um raciocínio limpo, nostalgia e res-sentimento, ela repisa o que viveu nos últimosanos e sabe o que deseja para hoje. A uma juíza,um promotor, uma psiquiatra e um psicólogo,Clarice relembra ter sido vítima de cárcere priva-do, ter comido restos de refeições, ter habitadoum quarto escuro e com as janelas trancadas. Noaniversário de 90 anos, em março, certamente játerá em mãos o veredicto da Justiça sobre sua ca-pacidade — ou não — de cuidar da própria vida.

— Hoje, eu me sinto com 40 anos de idade.Na cobertura de um prédio numa área nobre de

Goiânia, sob vigilância armada e eletrônica (duascâmeras monitoram a porta principal do aparta-mento), Clarice passa os dias rezando o terço elendo livros sobre fazendas históricas, na compa-nhia de uma filha e de um neto. Uma outra netaacionou a Justiça para que ocorra a interdição damatriarca. O processo, aberto para avaliar se Clari-ce tem saúde mental para tomar as próprias de-cisões, intriga juízes, promotores e advogados. Se oprocesso de interdição avançar e a guarda for con-cedida à neta, ela será responsável por um patri-mônio de R$ 15 milhões da avó viúva, valor esti-mado de uma herança constituída por extensospedaços de terra em Goiás.

Hoje, quase 23 milhões de brasileiros têm 60anos de idade ou mais, o dobro de 20 anos atrás.O IBGE projeta que, em 2060, serão 73,5 milhõesde idosos — ou um terço da população. A expec-tativa média de vida ultrapassará 81 anos.

Disputas e segredos de avós, pais e filhos dei-xam a sala de estar e passam a ocupar a rotina dasVaras de Família país afora, num ritmo queacompanha o envelhecimento da população. Ashistórias investigadas pelo GLOBO no últimomês comprovam que aumentaram os pedidosde interdição e as decisões pela retirada dos ple-nos poderes de idosos tidos como incapazes.

Em razão do envelhecimento da população e doaumento da incidência de demências, principal-

mente o mal de Alzheimer, aumentou a quantida-de de interdições decretadas pela Justiça. Paramuitas famílias, a iniciativa se transformou numaantecipação da briga pela herança, ainda com ofamiliar vivo. Quanto maiores o patrimônio e arenda, maior o conflito. A judicialização, em vez deproteger, leva à perda da dignidade de homens emulheres que ultrapassaram os 60 anos de idade.

O GLOBO pediu aos Tribunais de Justiça (TJs)das 27 unidades da Federação os dados estatísti-cos sobre a interdição de idosos. Dezesseis respon-deram, com dados que apontam um aumento donúmero de decisões gerais sobre interdições nosúltimos cinco anos, o que inclui os casos de pesso-as com deficiência e dependentes de drogas. Ape-nas os tribunais de quatro estados conseguiramseparar os casos de idosos.

No Rio de Janeiro, os juízes proferiram pelo me-nos 789 sentenças sobre pedidos de interdição deidosos em 2013, uma média de mais de duas sen-tenças por dia. Cinco anos atrás, em 2009, foram348, menos da metade. No Ceará, os juízes de Fa-mília determinaram a interdição de 60 idosos noano passado, 4,5 vezes a mais do que em 2011.Em Mato Grosso, foram 11 decisões favoráveisem 2013; em 2009, apenas uma. No Amapá, há 17anos, apenas uma família pediu a interdição deum idoso na Justiça. No ano passado, foram 110pedidos, com 69 interdições decretadas.

NETA ESTÁ PROIBIDA DE SE APROXIMAR DE CLARICEA interdição é, na verdade, uma medida deproteção, já prevista no Código Civil brasileirode 1916. No texto de quase um século atrás, ocódigo previa a medida para “loucos de todo ogênero”, “surdos-mudos sem educação” e“pródigos”. O novo código, a partir de 2002, es-tabeleceu que devem ser interditadas pessoassem o “necessário discernimento para os atosda vida civil”, em razão de uma doença ou umadeficiência mental. Se a interdição é total, oidoso deixa de votar, de movimentar uma con-

ta bancária, de assinar um documento. E ga-nha um curador, que fica responsável pelo cui-dado e pelo patrimônio.

No caso de Clarice, a neta que quer interditar aavó e se transformar em sua curadora está hámais de dois anos impedida de se aproximar daidosa, por força de uma medida judicial. Foi nacasa dessa neta que Clarice diz ter sido vítima decárcere privado e de maus-tratos, versão susten-tada pela filha. A Justiça avaliou provas, concluiupela existência de “violência psicológica” e já de-cidiu em caráter de urgência que a neta deve semanter a uma distância mínima de 300 metros,sob pena de ser presa preventivamente.

A filha de Clarice é taxativa: o interesse da ne-ta é apenas no dinheiro e no testamento. A juízaresponsável pelo caso já mandou averiguar seeste é o real interesse. Com todos os laudos con-cluídos, a 1ª Vara de Família de Goiânia estábem próxima de uma decisão.

O diagnóstico aponta que Clarice não possui do-ença mental, mas uma “perturbação” da saúdemental, em razão da idade avançada. “Assim, en-contra-se parcialmente incapacitada para gerirseus bens, porém ainda capaz de gerir a si mesma”,diz o laudo psiquiátrico encomendado pela Justi-ça, concluído em 28 de novembro.

— Na casa da minha neta, era uma escuridão.Ela não deixava eu fazer nada. Nunca vi malda-de daquele tamanho. Eu não merecia, não fiznada errado. Vou viver o restinho da minha vidasem precisar dela — resigna-se a mulher que,

quando vivia nas fazendas com o marido, costu-rava vestidos de noiva por encomenda.

No aniversário de 90 anos, Clarice planeja estarcom a filha e o neto em Buenos Aires. Uma situaçãobem diferente de cinco anos atrás, quando viviacom a neta e dormia num quarto nos fundos de umsobrado. Quando o marido adoeceu, ela aceitou vi-ver na casa da neta. No dia da morte do compa-nheiro, foi até impedida de acompanhar o velório.

— Assinava tudo que ela colocava na minhafrente. Para que eu não falasse com minha filha,ela colocava a bateria do meu celular ao contrá-rio. Meu marido deixou R$ 150 mil em conta, eminha neta sacou tudo.

A neta se limita a dizer que o processo de in-terdição corre em segredo de Justiça, que não háprovas de maus-tratos, que a mãe e o irmão“têm problemas na cabeça” e que a investigaçãode cárcere privado foi arquivada:

— É doloroso o fato de eu estar afastada daminha avó. Fora isso, não existe mais nada.

A juíza do caso chegou a conceder a curate-la provisória à neta em caráter liminar. Con-vencida do equívoco, uma vez que os mesmosdocumentos apresentados para provar limi-tações já haviam sido rechaçados por outromagistrado, revogou a decisão. A neta omitiu,por exemplo, a existência da medida proteti-va que a impede de se aproximar da avó. Ago-ra, a juíza aguarda o posicionamento do Mi-nistério Público para decidir, em definitivo, odestino de Clarice. l

NETA TENTA INTERDITARIDOSA COM PATRIMÔNIOALTO E MEMÓRIA EM DIA

ANDRÉ COELHO

Fortuna em jogo. Clarice, cujo patrimônio é estimado em R$ 15 milhões, luta para não ser interditada pela neta

CLARICE, 89 ANOS

VINÍCIUS SASSINE

[email protected]

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4 l O GLOBO l País l Domingo 16 .2 .2014

MERVALPEREIRA

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O economista José Roberto Afonso, um dosmaiores especialistas em finanças públicas,acaba de publicar um artigo num livro que estásendo lançado no Chile com uma tese simples,mas polêmica, sobre a incapacidade de seaprovar uma reforma tributária no Brasil: paraele, os governos do PT sempre tiveram maioriaparlamentar e apoio popular, e não se avançana reforma porque o governo nacionalefetivamente não quer, não se interessa.

A disputa pelo tributo

E não se interessa também porque este é um te-ma que não mexe com a sociedade brasileira,que ainda não é capaz de ligar causa e efeito.

Ele dá como exemplo os recentes movimentos decontestação, iniciados em junho do ano passado,com demonstrações contra o aumento do preço daspassagens de ônibus em vários pontos do país, masque persistem até hoje, com uma pauta difusa:

“Muito se reclamou das políticas públicas para otransporte coletivo, mas nada foi dito, nem pela im-prensa, nem pelos formadores de opinião, sobre osmilionários incentivos tributários que beneficiam eestimulam o transporte individual”, comenta JoséRoberto Afonso, ressaltando que a principal ação dogoverno federal para combater a crise financeira foiretirar imposto da produção de veículos e reajustarcom defasagem o preço da gasolina para conter a in-flação, incentivando assim o uso de automóveis.

Ele adverte que se esses movimentos popularescaírem na tentação populista de que é possível sub-sidiar o preço das passagens de ônibus e aumentaros gastos sociais se aumentar a necessidade de fi-nanciamento, resultarão daí pressões para aumen-tar ainda mais a carga tributária e, pior ainda, nãorealizar a reforma tributária mesmo que seja paramelhorar a equidade da distribuição de encargos.

Para o economista, está em aberto o desafio decaptar os recursos de uma maneira mais equitativae menos danosa para a competitividade da econo-mia. A reforma tributária, sendo uma mudança es-trutural, não pode ser confundida com modifica-ções pontuais de caráter cíclico ou conjuntural, ad-verte José Roberto Afonso.

No entanto, o governo central segue apostando emmudanças pontuais no sistema tributário, reduzindoos impostos federais e mudando os impostos provin-ciais. Nem o governo federal nem os movimentos or-ganizados da sociedade se interessam por essa mu-dança, acusa José Roberto Afonso, para quem é pre-ciso superar a ideia tão simples e querida da esquer-da brasileira: só impor-ta como se gasta, e nãocomo, quanto e dequem se cobra.

As resistências à pro-moção de uma reformatributária se encontramno próprio governo, nassuas três esferas: fede-ral, estadual e munici-pal, por receio de queuma reforma leve auma redução da arreca-dação. Nenhum delesquer correr o risco deter de gastar menos ediminuir o tamanho deseu respectivo governo.“Se a visão predomi-nante é de quem co-manda a arrecadação ese a carga tributáriacresce e quebra recor-des todos os anos, porque correr o risco demudar a estrutura da le-gislação e perder tal de-sempenho, perguntaJosé |Roberto Afonso, demaneira irônica.

De forma indireta e sem uma atuação política orga-nizada, os contribuintes de maior poder econômico epolítico também não querem mudanças, ressalta JoséRoberto Afonso. A principal tese para explicar o desin-teresse por uma reforma tributária seria a objeção dosgovernos subnacionais, que foram os mais beneficia-dos pela reforma promovida pela Constituição de1988. Essa resistência se refletiria no Congresso Naci-onal mais vulnerável à pressão dos governadores eprefeitos do que a do presidente da República.

Para José Roberto Afonso, essa é uma desculpa quenão corresponde aos fatos, pois o governo centralvem recuperando ao longo do tempo sua capacida-de de arrecadação, e dependeria dele um movimen-to político mais forte para reverter essa situação.

Dos candidatos à presidência da República esteano, o governador Eduardo Campos e o senadorAécio Neves têm uma pauta em comum: o fortale-cimento da Federação, alegando que o governo fe-deral centraliza muito a arrecadação e os estados emunicípios ficam na dependência da boa vontadedo Executivo. De qualquer maneira, uma coisa écerta: a reforma tributária ganhará um espaço nun-ca antes visto nos debates eleitorais este ano. l

1 Para o economista JoséRoberto Afonso, aincapacidade de se aprovaruma reforma tributária noBrasil se dá pelo seguinte: osgovernos do PT sempretiveram maioria parlamentare apoio popular. Não seavança porque o governonão quer.

2 Segundo ele, o tematambém não é de interesseda sociedade.

3 As resistências àpromoção de uma reformatributária se encontram nopróprio governo, nas suastrês esferas: federal,estadual e municipal, porreceio de que uma reformaleve a uma redução daarrecadação.

U

Os pontos-chave

-BRASÍLIA- As cartas não previram ofuturo de Helena. Quando pro-curava as cartomantes, a taquí-grafa do Senado queria que o ta-rô desenhasse suas perspectivasamorosas. Nem a previsão maisnegativa chegaria perto da reali-dade atual de Helena, aos 93anos. Sozinha, sem nenhum pa-rente e sem amigos, a hoje apo-sentada está num abrigo em lo-cal incerto, endividada — mes-mo recebendo remuneraçãobruta de R$ 29,4 mil, o teto dofuncionalismo público, que é osalário de um ministro do Supre-mo Tribunal Federal (STF) — esob a responsabilidade de umapolicial civil do Distrito Federal.

Depois de dois empréstimossuspeitos no Banco do Brasil novalor de quase R$ 700 mil e deuma denúncia de maus-tratos,sob investigação, Helena foi reti-rada sob aparato policial da casaonde vivia, em cumprimento auma decisão judicial. A proprie-tária do imóvel e ex-curadoraprovisória da idosa é uma servi-dora da ativa do Senado: NinaLúcia de Lemos Torres, tambémtaquígrafa e também remunera-da com um salário que bate noteto constitucional. Helena e Ni-na não se veem desde então. Aguarda definitiva foi assumidapela policial civil por indicaçãodo Ministério Público do DF. Aantiga e a atual curadora estãoem pé de guerra.

Por conta de uma demência,que gera uma incapacidade “de-finitiva e irreversível”, conformeos últimos laudos médicos, He-

lena foi interditada pela Justiça.Primeiro, em junho de 2011,houve uma interdição provisó-ria, conforme relato de Nina, aprimeira curadora. Depois, a cu-ratela mudou de mãos a pedidodo Ministério Público e por deci-são da Justiça: foi transferida emdefinitivo para a policial civil emjunho de 2012.

MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIAA estranha movimentação

bancária ocorreu em junho de2011. O primeiro empréstimo,em conta-corrente, foi feito nodia 22, com 60 parcelas de R$2,3 mil, que totalizam R$ 141,5mil. O segundo foi um emprés-timo consignado em folha, trêsdias depois, com 96 prestaçõesde R$ 5,8 mil, num total de R$557,2 mil. Dessa forma, Helenasó terminaria de pagar as par-celas em 2019, quando estariacom 98 anos de idade.

Nina nega qualquer responsa-bilidade pelos empréstimos. Dizque apenas apresentou o gerenteda agência do Banco do Brasil aHelena. Ela atribui toda a opera-ção — o que pode representarfraude — aos servidores do ban-co. Tanto a antiga curadoraquanto a atual sustentam que aassinatura nos contratos dos em-préstimos não coincide com agrafia de Helena.

Por iniciativa da atual curado-ra, uma ação de anulação dosempréstimos e revisão dos con-tratos passou a tramitar na 13ªVara Cível de Brasília, com baseno Estatuto do Idoso. Os advo-gados que defendem Helenaapontam um saldo negativo deR$ 40 mil no cheque especial.

A defesa do banco sustenta noprocesso que Helena compare-ceu pessoalmente à agência e as-sinou os contratos. “Não há co-mo o banco saber se a pessoa

portadora de tais documentos éo verdadeiro titular. O banco nãoé perito em grafotecnia”. O Bancodo Brasil disse que vai se pronun-ciar no curso do processo, que,frisa o banco, está “sob sigilo”.

— Helena nunca sofreu maus-tratos. Ela se machucou uma vez,mas foi numa queda — diz Nina.

No ano passado, a Polícia Le-gislativa do Senado foi informadapela Polícia Civil sobre a existên-cia de um inquérito contra Nina,o que levou a um “registro daocorrência”. O Senado não deta-lha o que é esse registro. Nina es-tá de licença do cargo.

O BEM COBIÇADOQuando a curatela foi transfe-rida para a policial civil, a ser-vidora estava cedida ao Minis-tério Público e coordenava oSetor de Proteção a Interdita-dos do órgão. A policial já co-nhecia Helena de feiras esoté-ricas — as duas tinham umaamiga cartomante em comum.

O bem de Helena mais cobiça-do é um apartamento na Asa Sul,área nobre de Brasília. Quando jáestava interditada, manifestou aintenção de transferir o imóvelpara Nina, o que foi negado pelaJustiça. Como não tem nenhumparente vivo — seu único irmãonão teve filhos — nem discerni-mento ou direito constituído pa-ra decidir, o apartamento ficarápara o Estado.

No abrigo onde foi colocada,em local não revelado, Helenacostuma receber as pessoas comuma figa, um amuleto feito coma mão fechada:

— É para espantar “urubu” e“amigo da onça” — repete. l

VINÍCIUS SASSINE

[email protected]

FOTOS DE ANDRÉ COELHO

Ex-curadora. A idosa foi retirada da casa de Nina (foto), também taquígrafa e suspeita de explorar a remuneração e tentar obter um apartamento de Helena

MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL_

APOSENTADA RECEBE PROTEÇÃOJUDICIAL PARA EVITAR QUE

PATRIMÔNIO SEJA DILAPIDADO

HELENA, 93 ANOS

Memória. Foto antiga é uma das poucas recordações guardadas por Helena

A idade avançadanão é critério para ainterdição de ido-sos, ao contrário do

que pensam muitos filhos enetos que vêm procurando asVaras de Família. O presidentedo Instituto Brasileiro de Di-reito de Família, o advogadoRodrigo da Cunha Pereira,lembra que a medida jurídica“reforça psiquicamente a in-capacidade e a exclusão” doidoso e deve ser utilizada ape-nas quando há necessidade

de proteção. O instituto reúneadvogados, promotores, defen-sores e juízes da área.

— A incapacidade não é prove-niente da idade, mas do demen-ciamento e de outras síndromesque surgem com a idade. É preci-so saber os limites da capacidadecivil — diz Rodrigo.

A titular da 2ª Promotoria deFamília de Brasília, Sandra deAlbuquerque Beze, tem umpensamento semelhante:

— Os pedidos aumentam porconta do envelhecimento e doaumento de doenças comoParkinson e Alzheimer. A interdi-ção não é vilã. Vilões são os cura-dores de má-fé, e a má-fé dos cu-radores não é regra.

Promotores de Família e daárea de Idosos vêm discutindo apossibilidade de haver um exces-so de interdições totais. A lei per-mite interdição parcial.

— Esta é a tendência. A in-terdição total pode ser injusta.Às vezes, há discernimentopor parte do idoso que permi-te a ele fazer alguns atos e ou-tros, não — diz a promotoraem Natal Iadya Gama, presi-dente da Associação Nacionaldo Ministério Público de De-fesa dos Direitos dos Idosos ePessoas com Deficiência.

A estimativa é que, no Bra-sil, entre 1,2 milhão e 1,5 mi-lhão de pessoas têm Alzhei-mer, a principal razão parapedidos de interdição. A mai-or parte ainda não tem um di-agnóstico em mãos. Segundoo médico geriatra Salo Buks-man, da Sociedade Brasileirade Geriatria, os casos vêm au-mentando porque mais pes-soas envelhecem. Na faixa dos80 anos, as chances de Alzhei-mer são de até 50%. l

Medida só deve serusada quando hánecessidade deproteção, diz advogado

Interdição: idade não é critério Contexto

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“O pai demonstrou que pretende deliberar sobreseu dinheiro, sua família e seus amores”

Angela GimenezJuíza da 1ª Vara de Família de Cuiabá

Domingo 16 .2 .2014 l País l O GLOBO l 5

NA VELHICE, A LUTA PELODIREITO DE DECIDIR SOBRE SEU

DINHEIRO E SEUS AMORES

VINICIUS SASSINE

[email protected]

-BRASÍLIA- O Código Civil brasi-leiro prevê que pessoas pró-digas — gastadoras em ex-cesso — podem ter a interdi-ção decretada pela Justiça, apartir de um pedido formu-lado por um familiar. Nãosão raras as demandas nessesentido nas Varas de Famíliarelacionadas a idosos, comum componente a mais : ouso do argumento da prodi-galidade para impedir novasrelações afetivas dos pais ouaté mesmo de avós.

Em agosto do ano passado,a 1ª Vara de Família de Cuia-bá negou o pedido de um fi-lho para interditar o pai de81 anos, amparado no argu-mento de que o idoso é pró-digo, gasta em excesso. A juí-za responsável pelo caso,Angela Gimenez, detectouum conflito na família, emrazão de um caso extracon-jugal do pai por mais de 20anos. O idoso, inclusive, temuma filha fora do casamentoe custeia despesas da jovem.

FILHO ARGUMENTA DÍVIDASO filho argumentou que opai estava se endividando edeixando de pagar o próprioplano de saúde. Não conven-ceu a juíza.

“O pai demonstrou que,não apenas sobre seu di-nheiro pretende deliberar,mas também sobre sua famí-lia e seus amores”, escreveu amagistrada na sentença, on-de completa: “A questão daprodigalidade deve ser vistacom cuidado redobrado, jáque não se pode retirar doindivíduo o direito de gerirsua fortuna, conforme seusdesejos.”

A mesma juíza negou, tam-bém em agosto, pedido deinterdição formulado poruma mulher que queria evi-tar o divórcio. Se fosse no-meada curadora, garantiriao controle do patrimônio domarido, presidente de umaimportante associação emMato Grosso. “Ela fez ummau uso do instituto assis-tencial protetivo do incapaz”,argumentou a magistrada.

O idoso de 76 anos temproblemas de saúde, em es-pecial a doença de Parkin-son, mas mantém “plena hi-gidez mental”. “Havia apenasum momento conturbado derompimento conjugal. A in-terdição tem, indubitavel-mente, natureza protetiva,não se configurando emmeio idôneo para impedirque a pessoa delibere sobresua vida e expresse seus de-sejos”, concluiu a juíza. l

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OS ‘PRÓDIGOS’

GUSTAVO STEPHAN

Resistência. Por vezes, filhos e netos buscam a Justiça para interditar patriarcas e barrar novas relações afetivas

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6 l O GLOBO l País l Domingo 16 .2 .2014 Domingo 16 .2 .2014 l País l O GLOBO l 7

BB MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVELAMANHÃ: As pensões de servidores públicos sob suspeita

-BRASÍLIA- O bloco C do Lar dosVelhinhos Maria Madalena,no Núcleo Bandeirante, emBrasília, recebe bem menosvisitantes do que as outrasalas do abrigo, um dos maio-res da capital. Os idosos queestão nesse bloco precisam deajuda para as necessidadesmais básicas e contam com apresença constante de cuida-dores e enfermeiros. Doze es-tão interditados por decisãoda Justiça, em razão de de-mências diversas — princi-palmente a doença de Alzhei-mer — e de sequelas de umacidente vascular cerebral(AVC). Eles são a tradução doabandono: em razão da au-sência completa de familia-res, o curador nomeado porvias judiciais é o presidentedo abrigo.

O dinheiro é fiel da balançanum processo de interdição.Se existem renda e patrimô-nio em jogo, as chances de fi-

lhos disputarem a curatelase multiplicam. Se não, oprocesso transcorre semmuitos sobressaltos nas Va-ras de Família. Em muitoscasos, o problema reside nassituações de abandono, naausência completa de inte-ressados em assumir a res-ponsabilidade por um idososem saúde física e mental. Eisso se reflete principalmen-te nas instituições filantrópi-cas, como o Lar Maria Mada-lena.

IDOSOS SEM QUALQUER RENDA Passou a ser comum por par-te dessas entidades a corridaà Justiça para garantir a in-terdição de idosos e uma re-muneração mínima — de umsalário mínimo — que per-mita o custeio de despesasbásicas.

São recorrentes os casos deidosos sem qualquer rendaou cujas aposentadorias sedestinam à sobrevivência dafamília. A partir da interdi-ção e da nomeação de um

gestor do abrigo como cura-dor, a instituição passa abuscar o Benefício de Presta-ção Continuada (BPC), pagopelo governo federal a pes-soas sem meios de garantir opróprio sustento.

O Estatuto do Idoso prevêque entidades que abrigamidosos podem fazer cobran-ças para o custeio da insti-tuição, num limite de até70% da aposentadoria ou doBPC recebido. É esta a práti-ca comum nos abrigos queacolhem idosos pobres. A in-terdição na Justiça permite

um maior controle desse di-nheiro.

No Lar Maria Madalena,uma fila de 20 idosos aguardaque a Justiça decida pela inter-dição, o que só não ocorre porfalta de curadores. O presiden-te da instituição, Nivaldo Tor-res Vieira, já é o curador de dezpessoas.

— São idosos que não têmfamiliares. Nos casos em quehá filhos, primos ou sobrinhos,eles pegam o dinheiro e so-mem. Com a interdição, os juí-zes determinam que o dinhei-ro vá para a conta da institui-

ção. É difícil conseguir quemquer ser curador. É uma dor decabeça — diz Nivaldo.

O BPC foi instituído pelaConstituição de 1988 e sedestina a pessoas com maisde 65 anos ou com deficiên-cia. Hoje, 1,8 milhão idososrecebe o salário mínimo doBPC, o que representa umgasto anual de R$ 14,5 bi-lhões.

Na folha de pagamento dejaneiro deste ano, 7.232 bene-ficiários tinham curadores co-mo responsáveis pelo recebi-mento. Os benefícios pagos a

esses interditados somam R$57,6 milhões por ano.

Balbina, de 85 anos, é umadas idosas interditadas pelaJustiça que vivem no bloco Cdo Lar dos Velhinhos MariaMadalena. Ela tem uma de-mência e fala frases desco-nexas. Passa os dias comuma boneca no colo:

— O único parente que eu te-nho é ela. Tem duas irmãs quenão gostam de mim. Mandeielas se danarem.

‘DO QUARTO PARA O PÁTIO’ O relatório de serviço socialdo abrigo conta um poucomais sobre Balbina : a mu-lher era cozinheira, mudou-se de Campina Grande, naParaíba, para Brasília, viveuna rua e foi levada para oabrigo há oito anos. Teve seisfilhos. Os seis morreram. Aaposentadoria de um saláriomínimo é usada pelo cura-dor nas despesas básicas doasilo.

Claudianor, de 75 anos,não tem ninguém na vida —

é outro sob a responsabilida-de legal do presidente do Lardos Velhinhos Maria Mada-lena. Também é um homemsem amigos. Os cuidadorescontam que Claudianor nãogosta de conversar com osoutros idosos e é agressivoem alguns momentos. Passaos dias sentado, calado, semfazer nada.

— Só saí daqui duas vezes,uma para ir ao banco e outrapara ir ao hospital. É doquarto para o pátio e do pá-tio para o quarto — conta.

Ele diz estar há sete mesesno Maria Madalena. Já sãocinco anos, na verdade, se-gundo o relatório de serviçosocial, que informa tambémque Claudianor morava narua, catava latinhas no Setorde Embaixadas e teve todosos seus documentos extravi-ados. Depois de um acidentecom uma barra de ferro, quecaiu em sua cabeça, Claudia-nor se aposentou. Então,passou a receber um saláriomínimo. l

ANDRÉ COELHO

Solidão. Balbina com a boneca que é sua companhia: “O único parente que tenho é ela”, diz a idosa que é interditada pela Justiça e vive no Lar Maria Madalena

Hoje na weboglobo.com.br/pais

ESPECIALMULTIMÍDIAMAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL

l AMBIENTE: As histórias por trásdas interdições de idosos

l VÍDEOS: Os relatos dosprincipais personagens dareportagem

l ENTENDA: Números e conceitossobre o tema

ABANDONADOS, IDOSOS SÓCONTAM COM CURADOR

NOMEADO PELA JUSTIÇA

BALBINA, 85 ANOS, E CLAUDIANOR, 75

MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL _

VINICIUS SASSINE

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-BRASÍLIA- O pente-fino que o Tribunal de Contas daUnião (TCU) é obrigado a fazer nas pensões pagaspelos órgãos públicos federais tem detectado, cadavez mais, casamentos e uniões estáveis entre par-ceiros com uma grande diferença de idade. O fenô-meno alimenta a suspeita de relações forjadas porservidores no fim da vida, para assegurar pagamen-to de pensões vitalícias aos respectivos cônjuges.

Companheiros também são suspeitos de simulara relação, com ou sem anuência do servidor, parater as pensões. Levantamento inédito da Secretariade Fiscalização de Pessoal (Sefip) do TCU dá umadimensão do prejuízo aos cofres públicos em razãode pagamentos irregulares do benefício.

A Sefip listou 25 casos de pensões em que o casa-mento ou a união estável envolviam parceiros comdiferença de idade de 36 a 60 anos. Em todas as si-tuações, o plenário do tribunal identificou irregula-ridades na concessão do benefício e determinousua interrupção. Até isso ocorrer, pensões foram pa-gas por décadas a fio, pois os beneficiários eram jo-vens, e os pagamentos são vitalícios para cônjuges,conforme previsto na lei dos servidores públicos fe-derais. O total pago pela União, somente nos casosdessas 25 pensões, chegou a R$ 30,4 milhões.

A diferença de idade não foi determinante pa-ra a constatação da irregularidade no pagamen-to, uma vez que não há previsão legal para esseaspecto envolvendo servidores e pensionistas,ressalta o próprio TCU. Também não está portrás da decretação da ilegalidade uma eventualsimulação de casamento ou união estável.

Em apenas um caso, a pensão foi considerada ir-regular por falta de comprovação da união estável.A diferença de idade entre uma servidora do Minis-tério da Saúde em Minas e o pensionista era de 49anos. Em 38 anos de pagamentos ilegais, desde amorte da servidora, o beneficiário recebeu R$ 866,6mil dos cofres públicos. O TCU decretou a ilegalida-de em junho de 2011 e decidiu que os valores rece-bidos indevidamente não devem ser devolvidos.

As irregularidades mais comuns, determinantespara a suspensão dos pagamentos, são erros naproporcionalidade do benefício e repasses a maisaos pensionistas. O tribunal tem dificuldades paracomprovar casamentos e uniões estáveis forjados.Mas, diante da recorrência dos casos, o órgão pre-tende fazer auditoria para listar o maior númeropossível de situações assim e calcular o prejuízo.

—Diferença muito grande de idade, por si só,não é motivo de ilegalidade. E, para anular umcasamento, só o Judiciário. A partir daí é que oTCU pode atuar. Nos casos de união estável, émais fácil reunir provas. Já detectamos diversassimulações — afirma o secretário de Fiscaliza-ção de Pessoal do TCU, Alessandro Laranja.

A Sefip analisa, por ano, 15 mil pensões e 35mil aposentadorias. Do total, cerca de 4 mil(8%) são consideradas irregulares. O TCU temde analisar a legalidade do pagamento de umanova pensão em 120 dias. Mas, pela fila de pro-cessos, a análise costuma demorar oito meses.Os órgãos públicos podem iniciar os pagamen-tos antes do veredicto do TCU. Decisões do Su-premo legitimam esses pagamentos precários.

Cônjuges, companheiros em união estável, pais,mães, idosos e pessoas com deficiência dependen-tes do servidor falecido têm direito a uma pensãovitalícia. Já pensões temporárias se destinam a fi-lhos até fazerem 21 anos. O número de beneficiári-os se mantém praticamente constante nos últimosdez anos. Mais de 408 mil servidores deram origema pensões, segundo dados de 2013 do Ministério dePlanejamento, um gasto anual de R$ 31,7 bilhões.

Numa decisão de julho de 2013, o TCU consi-derou legal o casamento de um general do Exér-cito de 97 anos com uma mulher quase 40 anosmais jovem. Ele já estava com a saúde “bastantedebilitada” e morreu dois anos depois. “Não hádocumentos que evidenciem que o interessadoera incapaz para os atos da vida civil, de formaque o casamento é legítimo. Não há que se re-formar o ato de concessão de pensão”, concluiu.

Já a adoção de uma neta de 24 anos, quando o ge-neral tinha 91, foi considerada ilegal. Os filhos domilitar já eram maiores e não teriam direito ao be-nefício. O único objetivo da adoção foi perpetuar apensão à neta, disse o TCU, que determinou sus-pender o benefício. A ex-companheira e a neta tra-vam na Justiça um duelo pela pensão integral. l

União pagou R$ 30 milhões em apenas 25 benefícios irregulares a cônjuges de servidores idosos VINICIUS SASSINE

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GOLPE PARA FRAUDAR PENSÕES

“Nos casos de uniãoestável, é mais fácil reunirprovas. Já detectamosdiversas simulações”Alessandro LaranjaSecretário de Fiscalização de Pessoal do TCU

MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL_

Segunda-feira 17 .2 .2014 O GLOBO l 3

País

CIVIS +13,3%

-15,1%

+23,3%

-27,1%

-11,5%

+0,4%

222,3 mil

174,7 mil

490

3,4 mil

5,6 mil

406,6 mil

251,8 mil

148,3 mil

604

2,5 mil

5 mil

408,2 mil

MILITARES

MINISTÉRIOPÚBLICO

DA UNIÃO

LEGISLATIVO

JUDICIÁRIO

TOTAL

QUANTIDADE DE SERVIDORES DA UNIÃOINSTITUIDORES DE PENSÃO

O RETRATO DOS SERVIDORES BENEFICIÁRIOS DE PENSÕES

2003 2013

DESPESA MÉDIACOM CADA PENSÃO

R$ 5,7mil

R$ 4,8mil

R$ 15,7mil

R$ 18,3mil

R$ 14,9mil

GASTO ANUALDA UNIÃO

1995 2003 2013

R$ 4,7bilhões

R$ 11,8bilhões

R$ 31,7bilhões

+574%

Fontes: Estudo da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), com base em dados do Ministério do Planejamento, e Boletim Estatístico de Pessoal do ministério de novembro de 2013

Casos são cada vez maisfrequentes nas Varas de Família,

afirmam promotores e juízes

-BRASÍLIA E GOIÂNIA- Juízes e promotores dasVaras de Família passaram a gastar seutempo com um peculiar tipo de demanda:cuidadores interessados em assegurarunião estável com os idosos cuidados, sejaem vida ou após a morte. O desafio é iden-tificar quando existe má-fé do cuidador.

Magistrados têm dificuldade em reunirprovas sobre a relação amorosa e preocu-pação em não manifestar preconceito.Mas são cada vez mais comuns provas for-jadas e relações simuladas para garantirpensões e partilha de bens.

— São muitos os casos de pedidos deunião estável por cuidadores, com mui-tos conflitos familiares — afirma a pro-motora Maercia Correia de Mello, da 11ªPromotoria de Família de Brasília.

Em Goiânia, uma governanta de um fa-zendeiro morto em 2009, quando tinhamais de 70 anos, tenta provar na Justiçaque tinham uma união estável. Para isso,reuniu provas como fotos com o ex-patrãoe depoimentos de testemunhas.

Um motorista, porém, disse à Justiçaque a relação dos dois era só empregatícia.E os advogados dos filhos do fazendeirodemonstraram ser comum a governantareceber e servir em casa companheiras dopai. A cuidadora continua morando, como filho, na cobertura de um prédio em áreanobre da capital, onde antes vivia o fazen-deiro. Os filhos tentam reaver o imóvel.

Na 1ª instância, a família venceu: a Justi-ça não reconheceu a união estável. Agora,o caso está no Superior Tribunal de Justi-ça. A governanta quer metade do patrimô-nio construído desde a suposta união. Nãoé pouco. Ela trabalhou 26 anos com ele. l

QUANDO OCUIDADOR PEDEA UNIÃO ESTÁVEL

BB MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL

ONTEM:Idosos são vítimas de todo tipo deexploração e golpes pelo paísAMANHÃ:Os casos de curatela compartilhada depais por seus filhos

NA WEBoglobo.com/paisESPECIAL MULTIMÍDIA MAIS VELHO,

MAIS VULNERÁVEL

VÍDEOS: Os relatos dos principaispersonagens da reportagem

-BRASÍLIA- Os servidores da Coordenadoria deInativos e Pensionistas da Câmara dos De-putados passaram a atender ligações fre-quentes de moradores e funcionários de umprédio na Asa Sul, região nobre em Brasília,durante mais de dois anos. Do outro lado dalinha, porteiros, zeladores e vizinhos denun-ciavam o abandono de uma pensionista deum servidor da Câmara.

Nede, como é conhecida a idosa de 89 anos,passava fome, não tinha acesso a medicamen-tos e não conseguia saciar as necessidades maisbásicas. A falta de comida e de cuidados teveinício com a chegada de um sobrinho, suposta-mente interessado nas pensões recebidas porNede e pelo filho com deficiência mental. Osbenefícios somam R$ 25 mil brutos.

O sobrinho conseguiu afastar da idosa e dofilho uma jovem que havia convivido com a fa-mília na adolescência. Raquel Viana da Silva,hoje com 37 anos, era a responsável pelos cui-dados de Nede desde que a idosa sofreu umacidente vascular cerebral (AVC), em 2003.Raquel tinha uma procuração assinada porNede dentro do hospital. Não demorou para osobrinho aparecer. A procuração acaboutransferida para ele.

— Foi tudo muito complicado, uma pressãogrande. Ninguém ligava, ninguém aparecia. E,de repente, apareceu. Foi a primeira vez que al-guém surgiu face a face — conta Raquel.

O sobrinho ficou mais de dois anos à frentedos cuidados de Nede e do filho. Durante esseperíodo, a Coordenadoria de Inativos e Pensio-nistas da Câmara passou a receber as denúnciasde maus-tratos. Na Justiça, ele conseguiu a in-terdição da idosa e do filho e foi nomeado cura-dor dos dois. Em 2010, a curatela foi transferidaem definitivo para Raquel.

Ela vive no apartamento com os dois curatela-dos e com uma filha adolescente. Recebe umaremuneração para cuidar dos dois e precisaprestar contas anualmente à Justiça.

— Eu costumo dizer que tenho três filhos,dois independentes financeiros e uma de-pendente. Ser curadora é ser mãe. Abre-semão da liberdade, e existe muito julgamentoda sociedade — diz.

A pensionista da Câmara tem limitações físi-cas, anda numa cadeira de rodas e faz fisiotera-pia três vezes por semana. Lúcida, está sempredando atenção ao filho.

— Isso é que é importante: a lucidez — diz Ne-de. (Vinicius Sassine) l

SEM COMIDA, SEM REMÉDIOS, SEM HIGIENE E COM BENEFÍCIOS

DE R$ 25 MIL MENSAIS

NEDE, 89 ANOS

ANDRÉ COELHO

Nede. A pensionista da Câmara anda em cadeira de rodas, mas continua lúcida: “Isso é que é importante, a lucidez”

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Terça-feira 18 .2 .2014 O GLOBO l 3

País

-BRASÍLIA- Os quatro irmãos da família Mariano sãoinimigos entre si. Diante das brigas ferrenhas doquarteto ao longo do processo de interdição damãe na Justiça, uma advogada relacionada nos au-tos tinha um pensamento recorrente:

— Essa mulher precisa morrer logo. Ruth, a mãe, já estava bastante debilitada em ra-

zão de um câncer e de um acidente vascular cere-bral. Morreu em 2012, aos 74 anos de idade, depoisde enfrentar um longo processo de interdição naVara de Família de Sobradinho, região de Brasília. Ocurador de Ruth, até a morte, foi o filho mais velho.

— Meus filhos são bons. Faça eles pararem debrigar, doutora — repetia a mãe à juíza do caso.

O pano de fundo da briga entre os irmãosnos processos de interdição da mãe e do pai,João, morto em 2008, aos 77 anos, era a pers-pectiva do pagamento de precatórios à famíliano valor de R$ 5 milhões. Os títulos se referiamà desapropriação de um terreno que hoje per-tence ao município de Cuiabá.

Os irmãos passaram a desferir acusações mútuascom interesse nos rendimentos de João, aposenta-do do Banco do Brasil. Primeiro, os três mais velhosse uniram contra a caçula, até então a responsávelpelos cuidados dos pais. Acusaram a jovem de nãocuidar a contento do casal. Depois, com a dianteiraassumida pelo primogênito, os irmãos o acusaramde querer ser o curador para administrar os preca-tórios, caso fossem liberados.

Os precatórios só começaram a ser pagos apósa morte de Ruth — o lugar onde seria velada eenterrada foi decidido numa delegacia de polí-cia. No ano passado, cada irmão terminou dereceber mais de R$ 1 milhão. Eles não se falam.Processos do inventário e da prestação de con-tas da curatela ainda tramitam na Justiça.

— Parecia que os filhos estavam interessadosapenas no dinheiro — afirma Mariany Simões, 32, afilha caçula, a única dos quatro irmãos localizada.

Para lidar com situações de conflito como a dafamília Mariano, a Justiça passou a buscar algu-mas saídas à falta de previsões legais diante do fe-nômeno. Uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ)de Minas Gerais, de outubro de 2011, abriu prece-dentes para outros casos de interdição e virou ju-risprudência: foi concedida a curatela comparti-lhada de um idoso, a exemplo da guarda compar-tilhada de filhos, em que os pais dividem a res-ponsabilidade pelas crianças.

Os graves problemas de saúde de Assis de Santa-na Silva e o patrimônio amealhado ao longo desua vida levaram a um conflito entre a mulher, AfraRegina de Santana, de 52 anos, e os irmãos do ido-so. Assis não tinha condições de tomar decisões ecuidar de seus negócios, o que motivou um pedi-do de interdição à Justiça. Os irmãos discordavam

do tratamento médico dispensado a ele, que sofriade uma paralisia progressiva.

Assis chegou a ser retirado da casa onde viviacom a mulher e levado ao convívio com os ir-mãos. Eles contestavam a destinação da curate-la a Afra Regina, sob a alegação de “dilapidaçãode patrimônio”. Depois de uma decisão em pri-meira instância em Belo Horizonte, que negou aguarda provisória à mulher, os irmãos recorre-ram ao TJ de Minas.

O relator do caso foi o desembargador EdgarPenna Amorim, que não encontrou comprovaçãoda dilapidação do patrimônio. Ao perceber queuma irmã cuidava da saúde de Assis e a mulheradministrava os bens, ele decidiu pela curatelacompartilhada. As duas atuavam nos cuidados aAssis. A votação foi unânime a favor do relatório.

— A curatela compartilhada atendeu a ummaior interesse do idoso. Fiquei em dúvida naépoca porque não há previsão expressa na lei.Mas há momentos em que o juiz tem de ser sen-sível à causa. Fiz analogia com a guarda com-partilhada e não há informação sobre a ilegali-dade da decisão — diz o desembargador.

A mulher de Assis conta que viu o marido ape-nas duas vezes no período em que ele foi levadopara a casa dos irmãos. Com a decisão da cura-tela compartilhada, que teve validade por qua-tro meses, até a morte de Assis há dois anos, oconflito diminuiu.

— Eu queria o Assis dentro de casa, mas pelomenos a irmã dele passou a não mexer nas mi-nhas coisas. Não passei mais necessidade nesseperíodo. Ela não mexeu em nada — conta Afra.

O advogado da mulher é Rodrigo da CunhaPereira, presidente do Instituto Brasileiro deDireito de Família (IBDFAM). Ele afirma quecostuma fazer pedidos de compartilhamentoda curatela:

— É uma noção nova e os juízes começam aquebrar a resistência. O pedido deve levar emconta o melhor interesse do idoso. É muito me-lhor ser cuidado por duas pessoas. l

GUERRAS FAMILIARESLEVAM JUSTIÇA A INOVAR

PARA DAR AMPARO

GUARDA COMPARTILHADA

JACKSON ROMANELLI

Com os bens. Por decisão judicial, Afra, a viúva de Assis, ficou responsável apenas pela administração do patrimônio

NA WEBglo.bo/1gbqXH2Ambiente multimídia traz vídeos depersonagens

MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL_

SEM VERBAPARA CUIDAR

DE IDOSOSProgramas federais de proteção à

terceira idade têm orçamento restrito

-BRASÍLIA- As ações do governo federal criadas es-pecificamente para a proteção dos idosos têm,além de uma baixa previsão de recursos, um gas-to muito aquém do autorizado para preservar osdireitos de uma fatia da população cada vez maissubmetida à exploração. Dentro do programa deaperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde(SUS), o governo da presidente Dilma Rousseffautorizou nos últimos três anos repasses de R$28,5 milhões para implementar políticas de aten-ção à saúde de pessoas com idade superior a 60anos. Porém, o Ministério da Saúde gastou ape-nas R$ 14,8 milhões — pouco mais de 50%.

No caso da Secretaria de Direitos Humanos(SDH) da Presidência da República, pasta quehistoricamente já convive com a baixa previsãode recursos orçamentários, os gastos efetivossão ainda menores. No ano passado, ficou auto-rizado o gasto de R$ 5,8 mi-lhões com a ação de promoçãoe defesa dos direitos da pessoaidosa. Apenas R$ 623,1 mil —10,7% — acabaram efetiva-mente pagos pelo governo.

Duas ações importantes acargo da SDH desaparece-ram do Orçamento da Uniãode 2013. A construção decentros integrados de apoiopara prevenção e enfrenta-mento à violência contraidosos e o fortalecimento darede nacional de proteção dedireitos deixaram de existircomo ações específicas. Em2012, o gasto com os centrosfoi de R$ 645,4 mil. Já a redenacional deveria receber R$3,3 milhões em recursos,conforme autorizado em2011. Nada foi gasto nos últi-mos três anos.

O governo só conseguegastar o que prevê — ou atéalém do previsto — com umbenefício instituído pelaConstituição Federal de1988. O Benefício de Presta-ção Continuada (BPC) foi re-gulamentado por uma leique já tem mais de 20 anos.Idosos com 65 anos ou mais— e pessoas com deficiênciafísica — com baixíssima ren-da têm direito a receber umrepasse mensal de um salá-rio mínimo. Em 2010, 1,6 mi-lhão de idosos recebia R$ 9,6bilhões por ano. Em 2013, a

quantidade de beneficiários saltou para 1,8milhão, e o total pago, para R$ 14,5 bilhões.

O GLOBO procurou o Ministério da Saúde em29 de janeiro para obter uma explicação sobreos baixos gastos com ações específicas aos ido-sos. O programa “Valorização e saúde do idoso”,por exemplo, teve gasto zero em 2010, 2011,2012 e 2013. A assessoria de imprensa do minis-tério disse que não conseguiria “finalizar o le-vantamento a tempo” e que daria um retorno“assim que possível”, o que não ocorreu até o fe-chamento desta edição.

Já a SDH sustenta que os desembolsosocorrerão ao longo deste ano, como parte daexecução dos convênios de capacitação assi-nados no ano passado. Boa parte do dinheiroé proveniente do Fundo Nacional do Idoso,que só começou a arrecadar mais a partir dosegundo semestre, segundo os gestores dasecretaria. Os editais só poderiam ser lança-dos a partir de uma previsão mais certa de

recursos no fundo, sustentao governo. Sobre a extinçãodas ações destinadas a finan-ciar os centros integrados e arede nacional de proteçãodos idosos, a secretaria dizque já não fazia sentidomanter os programas.

— A secretaria entendeu queseriam mais efetivos os centrosde referência em direitos hu-manos, que são mais amplos.Já são 40 centros no país. E a re-de está consolidada, articuladacom vários ministérios. Não hámais necessidade de ser umaação específica — explica a co-ordenadora geral dos Direitosdo Idoso da secretaria especi-al, Neusa Muller.

O diretor de Promoção dosDireitos Humanos da secre-taria, Marco Antonio Juliat-to, cita o decreto assinadopela presidente Dilma quefirmou o “compromisso na-cional para o envelhecimen-to ativo”. O documento foi as-sinado em setembro do anopassado e criou uma comis-são interministerial paraavaliar ações na área.

— São 17 ministérios, sob ocomando da Secretaria deDireitos Humanos. Os con-vênios assinados em 2013 se-rão pagos ao longo de 2014.O gasto de R$ 623,1 mil (coma ação de defesa dos direitosda pessoa idosa) é irreal —diz Juliatto. l

VINICIUS SASSINE

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| Opinião |

ASSALTOAO ERÁRIO

O RESULTADO de auditoriasfeitas pelo Tribunal de Con-tas da União em pensõespagas por órgãos públicosfederais reforça a necessida-de imperiosa de as normasdestes benefícios serematualizadas, em defesa doErário.

MUITO MAGNÂNIMAS, asregras incentivam golpescontra os contribuintes. Umdeles, a união fraudulentaentre idosos e pessoas mui-tos jovens, que depois rece-berão pensões polpudasdurante décadas. Há, inclusi-ve, extorsões feitas dentro defamílias de segurados.

E ASSIM chegou-se ao absur-do de a União ter destinadoR$ 31,7 bilhões, quase umBolsa Família e meio, paraeste fim, no ano passado. Umaumento absurdo de 574%desde 1995.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

SECRETARIA DE DIREITOS

HUMANOS DA PRESIDÊNCIA

DA REPÚBLICA

Implementação de políticas de atenção à saúde da pessoa idosa (2011, 2012 e 2013)

Ação de promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa

Fortalecimento institucional da rede nacional de proteção e defesa dos direitos da pessoa idosa

Autorizado Gasto

Fonte: Siga Brasil/Senado

R$ 28,5 milhõesR$ 14,8 milhões

Execução orçamentária de programas do governo

O ORÇAMENTO PARA OS IDOSOS

51,9%R$ 5,8 milhões

R$ 623,1 mil

0

10,7%R$ 3,3 milhões

Do total autorizado em 2011, Nada foi gasto naquele ano e em 2012. A ação desapareceu em 2013

Benefício de PrestaçãoContinuada (BPC)Repasse mensal de um salário mínimo a idosos ou pessoas com deficiência física com baixíssima renda

2010 TOTAL GASTO

2013

1,6 milhão de idosos beneficiados

1,8 milhão de idosos beneficiados

R$ 9,6 bilhões

R$ 14,5 bilhões

BB MAIS VELHO, MAIS VULNERÁVEL

DOMINGO:Idosos são vítimas de todo tipo de exploraçãoONTEM:Uniões suspeitas, pensões irregulares