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O rebelde da paz A VIDA, A MORTE E AS POLÊMICAS DE MAHATMA GANDHI Há 71 anos o líder da Independência Indiana era assassina- do. Pela violência, tombava aquele que havia provado ao mundo que revolução não precisa de violência. >08 Filtro 02 de Fevereiro de 2019 ANO I Nº 14 MAHATMA GANDHI

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Page 1: MAHATMA GANDHI€¦ · para acreditar na veracidade desse testemu-nho. A repetição da tragédia demonstra que a empresa é, no mínimo, negligente. O maior desastre ambiental na

O rebelde da pazA VIDA, A MORTE E AS POLÊMICAS DE MAHATMA GANDHIHá 71 anos o líder da Independência Indiana era assassina-do. Pela violência, tombava aquele que havia provado ao mundo que revolução não precisa de violência. >08

Filtro02 de Fevereiro de 2019

ANO I Nº 14

MAHATMA GANDHI

Page 2: MAHATMA GANDHI€¦ · para acreditar na veracidade desse testemu-nho. A repetição da tragédia demonstra que a empresa é, no mínimo, negligente. O maior desastre ambiental na

FiltroO2 DESTAQUE DA SEMANA

MOMENTO EXATO DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM EM BRUMADINHOConfira novas imagens do momento exato em que a barragem da Vale na cidade de Brumadinhoem Minas Gerais se rompeu. As imagens são das câmeras que monitoravam o local.

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Filtro 03

Juan Arias – El Pais

Brasil nunca ganhou o Nobel em nada. ONa América Latina, a Argentina tem cinco, o México três, a Colômbia dois, a

Guatemala dois e a Venezuela e o Peru um cada. O Brasil, que é o coração econômico do continente, nunca foi premiado em nenhum campo com o maior galardão do mundo. Por que não dar o Nobel da Paz este ano aos bom-beiros de Brumadinho que conquistaram sim-patia e admiração dentro e fora do país com seu exemplo de abnegação?

Neste país em que a política quer transfor-mar as mãos das pessoas em armas para matar, esses bombeiros fizeram de suas mãos, mer-gulhadas na lama mortal, um instrumento de paz e de esperança de poder encontrar vida. Talvez tenha sido porque os brasileiros vivem um momento de perplexidade e poucas espe-ranças. Talvez porque os resíduos tóxicos da mina de Brumadinho, que engoliu tantas vidas inocentes, sejam vistos como metáfora políti-ca do país, envolvido na lama de corrupções, violências e desamparo social, a verdade é que poucas vezes tantos brasileiros se identifica-ram com esses bombeiros mergulhadores de vida.

Comoveu o país, por exemplo, o jovem por-ta-voz dos bombeiros de Minas, o tenente Pedro Aihara, de 25 anos, que, sem alarde, embora emocionado, confessou: “Podem estar certos de que estamos trabalhando como se essas pessoas fossem nossas mães e nossos pais”. Uma mulher escreveu nas redes sociais que sentiu aquele jovem bombeiro como

alguém sensível, inteligente e preparado, “com o mesmo orgulho que se fosse meu filho”.

Foram esses bombeiros anônimos, mal pagos, que não hesitaram em arriscar a própria vida para salvar a dos outros, que nos oferece-ram um pouco de oxigênio quando começáva-mos a desconfiar de tudo e de todos. Tínhamos experimentado, de fato, primeiro em Mariana e agora em Brumadinho, que o lucro selvagem das empresas em conivência com os políticos acaba engendrando esses novos campos de extermínio ambiental e humano.

Seria até simbólico que a Academia Sueca pensasse, ao conceder pela primeira vez seu prêmio ao Brasil, no Nobel da Paz. Milhões de brasileiros, de fato, se identificaram, sem diferenças políticas, em um movimento de solidariedade com os bombeiros salva-vidas que conseguiram criar um clima de alento em um contexto de polarização asfixiante. Os bombeiros conseguiram o milagre de unificar por um instante um país quase em guerra.

Se conceder ao Brasil o Nobel da Paz, não poderia ser neste momento a um político, mesmo que seja o popular Lula. A política não é, certamente, o que hoje entusiasma os brasi-leiros céticos de um lado e do outro. A política, com todas as suas corrupções e ambiguidades, não está sendo no Brasil um catalisador de esperanças. O que o país precisa é acreditar que ainda é possível encontrar pessoas comuns e anônimas capazes de oferecer um exemplo de abnegação e de luta para salvar vidas e não para humilhá-las e sacrificá-las.

Já há demasiada morte, demasiada descon-

fiança entre os mais marginalizados, para que se possa pensar que esse galardão dado a um político criaria algum tipo de comoção nacio-nal.

Que o Governo do Brasil, que nunca conse-guiu um Nobel para o país, peça, em todo caso, que seja concedido este ano o da Paz aos bombeiros de Brumadinho.

Seria a melhor metáfora de que as pessoas não abdicaram de lutar por um país mais decente, mais de todos e não somente daque-les que continuam acumulando privilégios. Um país que ainda sabe reconhecer e recom-pensar o sacrifício anônimo daqueles que se recusam a ser o que alguém definiu como “os escravos do vazio”. Que isso são os incapazes de entender que o Brasil que nos salvará da derrota não vive nos salões assépticos e cor-ruptos do poder, mas nos limites em chamas do perigo. Os trabalhadores sempre à espera de que possam ser atropelados por aqueles que lhes prometem perigosos paraísos impossíve-is.

Esse Brasil está vivo nos corações daqueles que ainda são capazes de se oferecer para sal-var a vida de pessoas anônimas como eles. São, sem dúvida, semeadores de paz, capazes de nos emocionar quando acreditávamos que o ceticismo já nos havia secado o coração.

O Nobel para eles engrandeceria o Brasil invisível, fermento de tempos mais brilhantes e menos enlameados que os hoje

NOBEL DA PAZ PARA OS BOMBEIROS DE BRUMADINHO?Foram esses bombeiros anônimos, mal pagos, que não hesitaram em arriscar a própria vida para salvar a dos outros, que nos ofereceram um pouco de oxigênio

Membros da equipe de resgate após buscas na lama de Brumadinho. ADRIANO MACHADO REUTERS

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FiltroO4

Continua...

*Francisco Câmpera – El Pais

“Todas as barragens da Vale estão em risco e podem se romper a qualquer momento. A empresa não quer gastar o dinheiro necessário para recuperar o meio ambiente”. A afirmação é de um dos mais solicitados engenheiros ambientais do Brasil e que já prestou, por um longo período, consultoria à Vale. Por questões óbvias, ele não quer se identificar. Não é preciso, porém, ser perito para acreditar na veracidade desse testemu-nho. A repetição da tragédia demonstra que a empresa é, no mínimo, negligente.

O maior desastre ambiental na área de mineração do mundo aconteceu no municí-pio de Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015. Os responsáveis foram a empresa Samarco, controlada pela Vale, em sociedade com a anglo-australiana BHP Bil-liton. A barragem que se rompeu provocou uma enxurrada de lama tóxica, que dizimou o distrito de Bento Rodrigues e deixou19 mortos, além de devastar a bacia hidrográfi-ca do Rio Doce, matar a vida aquática e aca-bar com o turismo e subsistência de milha-res de pessoas.

A Vale conseguiu a façanha de destruir um rio, que nem a mineração na região, onde está localizada Ouro Preto, foi capaz ao longo de 300 anos de exploração do ouro. Pouco mais de três anos após o incidente, a Vale volta a matar. Repetiu o mesmo erro em outra barragem, em Brumadinho, Minas Gerais. Desta vez, porém, o número de vidas sacrificadas foi muito maior. Nas pri-meiras 24 horas foram confirmadas 34 mor-tes e centenas de pessoas desaparecidas.

Após a tragédia de Mariana, a Vale apoi-ou a criação da Fundação Renova, que se demonstrou pouco eficaz. As vítimas, que perderam suas moradias e familiares dos mortos, não foram totalmente indenizadas. A lama tóxica (embora a empresa negue) continua no mesmo lugar e o Rio Doce con-tinua praticamente morto. Uma das líderes das comunidades ribeirinhas, Maria Auxili-adora de Fátima, diz que foi preciso lutar muito para conseguir alguma reparação. “Se não tivéssemos batalhado, não recebería-mos nada”. Ninguém foi preso e punido como deveria.

Em qualquer país sério agentes públicos responsáveis e os executivos da empresa estariam presos. No mínimo a companhia já

deveria ter pago multas bilionárias, o que não ocorreu. Aqui os envolvidos posam como se uma tragédia anterior não tivesse ocorrido. Dão entrevistas como se eles fos-sem também as vítimas do acidente. Ao invés de buscar soluções reais, a Vale apro-veitou da tragédia para lucrar. Usou a Reno-va para ganhar tempo com as autoridades, recusando-se a cumprir o acordo fechado com o Ministério Público Estadual e levan-do a disputa para o lento caminho judicial.

O objetivo era deixar as ações da Samar-co despencarem de valor para comprar a parte da sócia. Ironicamente, apesar do desastre ter acontecido aqui no Brasil, a BHP Billiton está sofrendo consequências da duras leis ambientais em seus países de origem, Reino Unido e Austrália. Com a Vale, porém, não foi o que aconteceu. Em matéria assinada por José Casado, veiculada em O Globo, o jornalista informa que a Vale concluiu a compra da parte da sócia estran-geira, mas as empresas não confirmaram o negócio. A Samarco continua fechada, o que facilita para a Vale não pagar indenizações e valorizar sua produção em Carajás.

VALE, EXEMPLO MUNDIAL DEINCOMPETÊNCIA E DESCASO

Bombeiros procuram vítimas da tragédia em Brumadinho. DOUGLAS MAGNO AFP

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Filtro 05

ImpunidadeA tragédia em Brumadinho é resultado, em

primeiro lugar, da impunidade do desastre de Mariana. E também de anos de um Estado ausente, incompetente e corrupto. A começar pelo Governo Federal, dominado pela corrup-ção sistêmica nos últimos anos do PT e MDB. Há de se ressaltar que o defeito da Vale come-çou lá atrás na privatização malfeita durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, entregue praticamente de graça à iniciativa privada, mas ainda com grande participação do Estado, que não assume as suas responsabi-lidades perante os desastres.

Ainda é resultado da falência de Minas Gerais pelos governos do PSDB (Aécio Neves e Antônio Anastasia) e do PT (Fernando Pimentel).Tanto que um empresário desco-nhecido acabou se elegendo governador, Romeu Zema. No primeiro momento, pelo menos Zema e Jair Bolsonaro agiram rápido na tragédia em Brumadinho, 25 de janeiro de 2019. O presidente fez uma declaração públi-ca na TV, criou um gabinete de crise, e visitou de helicóptero a região no dia seguinte ao aci-dente. Ao contrário de Dilma Rousseff que apenas se pronunciou pelo Twitter e, após crí-ticas, somente uma semana depois fez um sobrevoo na região.

Sob o governo de Michel Temer, que tinha como ministro do Meio Ambiente Sarney Filho, a Vale continuou protegida, apesar do primoroso relatório do Comitê Inter federati-vo, criado para tratar da reparação da tragédia, que estipulava severas punições e ações efica-zes, mas que não foram executadas. Esta será a primeira oportunidade de Bolsonaro e Zema provarem que são diferentes dos governos anteriores, que falharam vergonhosamente. Está no alcance deles providências como acio-nar as instituições de todos os poderes para obrigar a Vale e os responsáveis a responde-rem pelo crime, pagar o que devem e restaura-rem o meio ambiente. O governo federal pode também intervir na empresa porque possui ações com poder de decisão.

Está claro que não foi promovida manuten-ção adequada pela Vale nas barragens rompi-das. Aliás, o tipo de barragem escolhida pela empresa é a mais barata e perigosa, porque é apenas um aterro de terra que cede com o tem-po. É assustador lembrar que só em Minas exis-tem mais de 500 barragens. Segundo o enge-nheiro ambiental ouvido por este colunista, há

soluções seguras e que não armazenam a lama tóxica, a água é tratada antes de voltar ao meio ambiente. É possível a exploração do minério com baixo impacto ambiental, mas isso requer tecnologia e custos.

Para limpar e manter todo o Rio Doce lim-po, com água potável e a volta dos peixes, o presidente da Vale tem na mesa o orçamento de um projeto de 3 bilhões de reais, com res-paldo técnico do CIF, mas que a empresa não quer assumir. Não só o Executivo, mas o legis-lativo e a Justiça também são cúmplices. Não se viu um parlamentar, da esquerda à direita, fazer um discurso mais duro e tomar uma medi-da eficaz contra a Vale. Todas as iniciativas para aprovar leis que impõem obrigações, melhoram a segurança e aumentam a punição não avançaram. Talvez porque muitos políti-cos recebam fortunas das mineradoras para suas campanhas eleitorais.

Agora é a oportunidade para os novos par-lamentares mostrarem serviço e fazerem algu-ma coisa. O Estado do Espírito Santo, onde está a sede da Samarco, também lavou as mãos. O Secretário de Meio Ambiente disse que é um problema de Minas Gerais, apesar do Rio Doce atravessar o Estado. Parte da imprensa, principalmente a de Minas, também tem a sua parcela de culpa, ao se curvar às ver-bas publicitárias da Vale, e não revelar a ver-dade nua e crua. Em Minas os principais órgãos de comunicação de Belo Horizonte são de propriedade de políticos e empresários que atuam no setor. Diante dessa cumplicidade

toda, o Rio Doce permanece contaminado, as vítimas continuam reclamando nos tribunais seus direitos, e a flora e fauna seguem agoni-zando.

De que adianta o Brasil ter assinado o Acor-do de Paris, ter uma das melhores leis ambien-tais do mundo, se na prática não funciona a contento? A água doce é considerada o petró-leo do Século XXI porque é essencial à vida e está desaparecendo do Planeta. Apenas 2,5%das águas da Terra são potáveis, e a maior quantidade (12%) está no Brasil, onde os rios estão secando em sequência. As maio-res ameaças são as mineradoras, assassinas de rios e vidas. Algo precisa ser feito urgente-mente antes que seja tarde. Bem que o grande poeta Carlos Drummond de Andrade, que nas-ceu em Itabira, Minas Gerais, (onde começou a Vale do Rio Doce, que ironicamente antes de matar o rio tirou o “Rio Doce” do nome) nos avisou décadas atrás: O Rio? É Doce; A Vale? Amarga.

*Francisco Câmpera, jornalista nascido em Minas Gerais, comentarista nas Rádios Tupi Rio e Super Rádio em São Paulo.

ERRATAInicialmente este texto dizia que a Fundação Renova foi criada pela Vale. Na verdade, ela apoi-ou a criação, junto com a BHP Billiton e Samar-co, além do Governo de MG e Espírito Santo,Go-verno Federal, e outros órgãos.

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Continua...

Por Tony Aiex

ra 30 de Janeiro de 1969. Essa data Edefinitivamente é um dos marcos mais importantes na prolífica (e cur-

ta) carreira da banda britânica The Beatles.Foi exatamente há 50 anos que o quarte-

to formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr subiu ao topo do prédio onde ficava a Apple Corps, empresa da própria banda que, entre outras coisas, era também uma gravadora.

Nesse dia os Beatles convidaram o tecla-dista Billy Preston e, completamente de surpresa, tocaram cinco canções, mais de uma vez, aparentemente como uma última tentativa de sentir prazer nas apresentações ao vivo para voltar aos palcos, já que a banda dava seus últimos passos e cada vez menos seus integrantes pareciam dispostos a continuar fazendo shows, mesmo que

viessem a gravar o disco Abbey Road pos-teriormente.

The Beatles' Rooftop ConcertA ideia para o show no telhado da Apple

tem vários donos e ninguém sabe ao certo quem foi que a definiu. Tem gente que diz que foi John Lennon, Ringo Starr já deu declarações dando a entender que foi algo coletivo e até mesmo o engenheiro de som Glyn Johns falou que a iniciativa veio dele.

De qualquer forma, o resultado deu muito certo e os Beatles não apenas pega-ram todo mundo que passava pela rua de surpresa como também surpreenderam seus fãs ao redor do globo, já que de repen-te havia material inédito ao vivo em áudio e vídeo de uma forma que ninguém tinha feito antes.

PolíciaÉ óbvio que uma apresentação de uma

das maiores bandas do planeta iria chamar atenção, e mesmo que uma confusão pro-priamente dita não estivesse acontecendo nas ruas, a Polícia de Londres entendeu que o trânsito estava sendo prejudicado e o baru-lho era muito alto.

Sendo assim, entrou no prédio da Apple e chegou a ameaçar de prisão os funcioná-rios que não liberaram o acesso em um pri-meiro momento.

Quando os policiais chegaram ao telha-do, os Beatles tocaram por mais alguns minutos e eventualmente perceberam que seria hora de terminar. Ao final, John Len-non falou ao microfone:

O ÚLTIMO SHOW DOS BEATLES Há exatos 50 anos, The Beatles subia ao topo de um prédio para seu último show. Banda tocou 5 músicas 9 vezes no rooftop da Apple Corps em Londres

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Fim de Uma EraO show dos Beatles de 30 de Janeiro

de 1969 foi o último da carreira da banda e é possível dizer que o quarteto se foi em grande estilo.

Não apenas causou impacto e entrou para a história mais uma vez com um show icônico que foi gravado em vídeo de boa qualidade e áudio no próprio estúdio da banda que ficava no prédio, a banda ainda pareceu estar muito à vontade fazendo aquilo ali.

Como é possível ver no vídeo ofici-al de , ao final “Don't Let Me Down”do post, os integrantes estão soltos, rindo a todo momento, se olhando e percebendo como a ocasião era espe-cial.

Fosse por finalmente se divertir mais uma vez com a parte ao vivo do negócio ou por saber que tudo estava chegando ao fim e um peso seria tira-do das costas, os Beatles definitiva-mente encerraram a carreira com chave de ouro em uma apresentação de 42 minutos, 9 e 5 canções no takes Inverno inglês.

Você pode ver várias imagens divulgadas pela própria banda em seu site oficial clicando aqui. Trechos das gravações em vídeo foram utilizados no documentário Let It Be, lançado em 1970.

Setlist“Get Back” (take um)“Get Back” (take três)“Don't Let Me Down” (take um)“I've Got a Feeling” (take um)“One After 909”“Dig a Pony”“I've Got a Feeling” (take dois)“Don't Let Me Down” (take dois)“Get Back” (take três)

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Continua...

Eduardo Szklarz – AH

á 71 anos o líder da Independência HIndiana era assassinado. Pela violên-cia, tombava aquele que havia pro-

vado ao mundo que revolução não precisa de violência

Em 30 de janeiro de 1948, por volta das 5 da tarde, Gandhi, o Mahatma, chegava para rezar num jardim de Nova Délhi, Foi morto com três tiros no peito por um extremista hindu, que acreditava que ele havia traído a religião em favor dos muçulmanos. Suas últimas pala-vras foram “He Ram!” - “Oh, Deus” no diale-to devanagari.

Alguns dizem que ele foi um político muito religioso, outros o vêem como um religioso extremamente político. O mais provável é que tenha sido ambas as coisas: para Gandhi, reli-gião e política eram dois lados da mesma moe-da. Normalmente nos lembramos dele como o velhinho careca e seminu, tão frágil quanto seus óculos redondos, que há 7 décadas botou o Império Britânico para correr sem precisar de fuzis ou canhões. Pouco se diz, entretanto, sobre como Gandhi desenvolveu essa estraté-gia e a capacidade de respeitar os outros, não importa o que fizessem (característica que lhe valeu o título de Mahatma - “grande alma”, em sânscrito).

Foi na África do Sul, onde viveu por mais de 20 anos, que Gandhi percebeu que o mundo podia ser mudado com a resistência pacífica.

Depois, na Índia, tornou-se o principal líder do processo de independência. Mas, como veremos, nem ele foi capaz unir um povo divi-dido por disputas políticas e intolerância reli-giosa.

Para inglês verMohandas Karamchand Gandhi nasceu em

2 de outubro de 1869 na cidade indiana de Por-bandar, filho de um político influente e de uma mulher muito religiosa - que costumava jejuar dias seguidos, seguindo um ritual hindu de purificação. Aos 13 anos, o jovem Mohandas se casou com Kasturbai, da mesma idade. Aos 18, foi estudar Direito em Londres. No início, se esforçou para ser um gentleman, pois acha-va que as roupas e os costumes ingleses lhe trariam sucesso. Com o tempo, porém, voltou-se à vida espiritual: passou a recitar de cor o Bhagavad Gita, um dos principais textos hin-dus. Também leu a Bíblia, adotando como lema os versos do Sermão da Montanha - aque-le que diz: "Se vos esbofeteiam, oferecei a outra face".

Em 1891, o advogado Gandhi voltou à Índia. Por causa da timidez em falar em públi-co, sua carreira não engrenava. Mesmo assim, foi convidado para ajudar a defender uma firma de comércio indiana num processo na África do Sul - assim como a Índia, uma colô-nia do Império Britânico. Nem bem pisou o solo sul-africano, em 1893, Gandhi sentiu na

pele a discriminação contra "homens de cor". Durante uma viagem, foi jogado de um trem por se recusar a sair da primeira classe, exclu-siva para brancos. Era um exemplo claro de que, mesmo que se vestisse como um inglês e tivesse estudado em Londres, ele nunca pode-ria ser livre numa colônia.

Após um ano na cidade de Pretória, o traba-lho de Gandhi terminou. Mas ele decidiu ficar e lutar pelos direitos de seus conterrâneos que viviam na África do Sul - a maioria deles tra-balhadores rurais. Em 1894, por exemplo, Gandhi percorreu o país reunindo milhares de assinaturas contra um projeto de lei que impe-dia os indianos pobres de votar. A medida foi aprovada do mesmo jeito, mas a atitude virou manchete na imprensa europeia.

Em 1906, pai de quatro filhos, Gandhi fez um voto celibatário. O objetivo era aumentar o autoconhecimento e se aproximar de Deus. No mesmo ano, lançou a doutrina do satyagra-ha (ou "força da verdade"). Gandhi dizia que seu método exigia muita ação e coragem - con-trariando uma ideia comum, ele não pregava a "resistência passiva". O pilar fundamental é a não-violência: protestar sempre, revidar nunca (muitas vezes, isso significava apanhar quieto da polícia). A regra era se recusar a seguir leis injustas, seguindo o princípio da "desobediência civil".

O REBELDE DA PAZA VIDA, A MORTE E AS POLÊMICAS DE MAHATMA GANDHI

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O satyagraha estreou contra uma lei feita para controlar imigrantes, que obrigava os indianos a se registrar com impressões digitais. Gandhi reu-niu seguidores num teatro e declarou: "Por meio da nossa dor, nós os faremos perceber sua injusti-ça. Podem me torturar e até me matar. Terão meu corpo, não minha obediência". Como o governo não revogou a lei, Gandhi queimou seus registros e foi preso. Sempre que era levado a julgamento, acusado de desafiar o domínio colonial, Gandhi dizia que era isso mesmo que ele estava fazendo. Em vez de tentar escapar da prisão, concordava que merecia a pena máxima. Mas, como suas pri-sões geravam protesto, Gandhi costumava ser solto rapidamente.

O principal rival de Gandhi era o general Jan Christian Smuts, administrador da África do Sul. Aos poucos, contudo, ele foi conquistado pelo teimoso indiano. "Nunca o vi deixar-se contami-nar pelo ódio. Seus métodos me irritavam, mas reconheço que minha situação era difícil. Eu tinha que aplicar uma lei que não contava com respaldo popular. Quando foi embora da África do Sul, me deu sandálias que ele mesmo tinha feito. Eu as devolvi: não me considerava merecedor de usar o mesmo calçado de um homem tão grande", escre-veu Smuts em 1939.

Volta para casaEm 1914, Gandhi voltou à terra natal. Graças à

repercussão de sua atuação na África, logo se tor-nou um dos líderes do movimento pela indepen-dência da Índia. Mas ele percebeu que não seria fácil convencer os grupos religiosos do país a se unirem para lutar de modo pacífico. Naquela época, os indianos estavam divididos em 300 milhões de hindus, 100 milhões de muçulmanos e 6 milhões de sikhs. Unidos pela revolta contra os ingleses, eles tinham muitas diferenças entre si.

No início de 1919, Gandhi evocou a resistência não-violenta contra leis que davam aos ingleses poderes ilimitados contra a oposição. O movi-mento virou uma greve geral que paralisou o país, mas descambou para a violência. Gandhi então interrompeu a ação e começou um período de jejum para expiar sua culpa e se opor ao derrama-mento de sangue. No dia 13 de abril, tropas ingle-sas reprimiram a tiros uma multidão que protesta-va pacificamente na cidade de Amritsar, matando cerca de 400 pessoas e ferindo 1100. Depois do massacre, Gandhi interrompeu a cooperação com os britânicos. Começou mudando a própria ima-gem: raspou totalmente o cabelo e nunca mais usou trajes que não fossem vestimentas indianas tradicionais. Incitou o povo a fabricar suas roupas em casa e parar de comprá-las da Inglaterra- ele mesmo dava o exemplo, fazendo tecido com sua roca.

Os protestos arrancavam concessões dos britâ-nicos, mas a independência ainda parecia distan-te. Em 1930, Gandhi inovou: em vez de fazer jejum, resolveu queimar algumas calorias numa marcha. Seguido por milhares de indianos, cami-nhou quase 400 quilômetros rumo ao mar da Ará-bia para fazer sal. Aparentemente banal, o ato era uma violação do monopólio britânico sobre a fabricação do produto. Indianos de todo o país

seguiram o exemplo, vendendo sal nas ruas. A repressão prendeu desde políticos até pessoas comuns. Com as cadeias lotadas, o vice-rei lorde Irwin, governante inglês da Índia, se dispôs a negociar. Em 1931, foi quebrado o monopólio sobre o sal. Sinal de que a independência seria questão de tempo.

Sonho partidoEnquanto dobrava os britânicos, Gandhi não

conseguia conter os radicais hindus e muçulma-nos, que realizavam atentados terroristas. Duran-te a Segunda Guerra, iniciada em 1939, a tensão cresceu. Gandhi disse que a Índia só apoiaria a Inglaterra se, ao fim do conflito, ganhasse a independência. Não houve acordo. O líder pros-seguiu com seus protestos e foi preso em 1942. Dois anos depois, com a rivalidade entre hindus e muçulmanos beirando o caos, Gandhi começou a jejuar contra as hostilidades. Com medo de que ele morresse, os grupos rivais se acalmaram.

Gandhi voltou a comer, mas logo a violência recomeçou. Em maio, sofrendo de malária, ele foi solto pelos ingleses. Tentou, então, fazer com que os radicais hindus depusessem as armas. Fracas-sou. Por meio de cartas, tentou convencer Mohammed Ali Jinnah, o então maior líder muçulmano da Índia, a apoiar a criação de um só país após a independência. Mas ele tinha outros planos: exigia a divisão do território e a criação de um país islâmico, o Paquistão (ou "terra dos puros").

Após a Segunda Guerra, a Inglaterra estava

frágil demais para manter sua maior colônia. Em março de 1947, desembarcou na Índia Louis Mountbatten, nomeado o último vice-rei. No dia 1º de abril, Gandhi se reuniu com ele e propôs que a colônia virasse um país só. Mal sabia que seu discípulo Jawaharlal Nehru, um dos líderes do Partido do Congresso, já havia dito a Mountbatten que os hindus, assim como os muçulmanos, pre-feriam a divisão.

Em 14 de agosto, o Paquistão declarou sua inde-pendência. À 0h do dia seguinte, a Índia fez o mes-mo. Nehru virou primeiro-ministro da Índia e Jin-nah assumiu o poder da nação vizinha. Gandhi nem foi aos festejos. Tinha 78 anos e viu que era tempo de dedicar-se à vida religiosa. Dedicou-se até 30 de janeiro, quando encontrou seu fim pelas mãos de um fanático hindu.

Gandhi foi logo transformado em mártir. Mas, sua imagem intocada se tornou alvo de críticas. Em um artigo na revista americana em Time,1998, o escritor anglo-indiano Salman Rushdie citou o filme como exemplo da "santifica-Gandhição ocidental não-histórica" do personagem: "Lá estava Gandhi, como guru, provendo esse produ-to da moda, a sabedoria oriental. Gandhi como Cristo, morrendo para que os outros pudessem viver". Segundo Rushdie, o culto ao líder parece insinuar que sempre é possível ganhar a liberdade sendo mais ético que o opressor, o que nem sem-pre ocorre. No fim da vida, o próprio Gandhi reconheceu que a não-violência talvez não tivesse adiantado contra os nazistas.

Jawaharlal Nehru Wikimedia Commons

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Edison Veiga De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

As baterias e os carregadores estão com os dias contados. Isso se estiverem certos os pesquisadores da universi-

dade americana Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) que estudam a transmissão de energia usan-do sinais de wi-fi.

"Apresentamos uma nova maneira de dar energia a sistemas eletrônicos no futuro - sim-plesmente captando energia wi-fi de uma maneira que pode ser facilmente integrada a áreas abrangentes", explica o cientista Tomás Palacios, pro-fessor do Departamento de Engenharia Elétrica e Ciências da Computação do MIT, que há tempos dedica-se a estudar for-mas mais econômicas e inteli-gentes de energia elétrica.

A pesquisa foi tema de artigo publicado nesta segunda-feira pelo periódico científico Natu-re.

Antena flexível de rádi-ofrequência

Os cientistas partiram da

mesma ideia dos transformadores capazes de converter ondas eletromagnéticas de corrente alternada em eletricidade de corrente contí-nua. Em seu modelo, utilizaram um dispositi-vo com uma antena flexível de rádiofrequên-cia, capaz de captar tais ondas.

Esse receptor foi conectado a um dispositi-vo feito de um semicondutor bidimensional extremamente fino - apenas três átomos de espessura.

Esse semicondutor converte o sinal em ten-são elétrica contínua, pronta para alimentar baterias recarregáveis ou, diretamente, circui-tos eletrônicos. Ou seja: o dispositivo não tem

bateria, mas captura os sinais de wi-fi presen-tes no local e os transforma, de forma passiva, em corrente elétrica.

Nas experiências realizadas em laboratório, os cientistas conseguiram obter 40 microwatts de energia elétrica quando o dispositivo esta-va exposto aos 150 microwatts de uma rede wi-fi convencional. É potência elétrica mais que suficiente para manter ligada uma tela de tablet ou fazer funcionar pequenos chips ele-trônicos.

Uso para fins médicosEsse formato bidimensional e flexível do

dispositivo é o que parece empolgar mais os pesquisado-res. "E se pudéssemos desenvol-ver sistemas eletrônicos e envol-ver uma ponte ou uma rodovia inteira? Ou as paredes de nosso escritório? Traríamos inteligên-cia eletrônica a tudo ao nosso redor", prevê Palacios.

Entre os usos do sistema, além de aparelhos eletrônicos do dia a dia, estão os sensores para gadgets integrados à chamada "internet das coisas".

FIM DAS BATERIAS? Pesquisador Xu Zhang segura antena flexível de rádiofrequência XIANJING ZHOU/MIT

Continua...Dissulfeto de molibdênio, material utilizado pelos pesquisadorespara a construção desse eficiente transformador de correntes

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No caso de celulares, uma novidade assim vem de encontro aos avanços da indústria no design de aparelhos flexíveis e cada vez mais finos.

O pesquisador Jesús Grajal, da Universida-de Técnica de Madri, coautor do estudo, lem-bra que também seria possível utilizar o dispo-sitivo para fins médicos. Não só para manter alimentados os equipamentos de um dia a dia hospitalar mas também para futuros gadgets que precisam ser muito pequenos para uma bateria convencional.

Um exemplo: atualmente, há pesquisadores desenvolvendo pílulas que podem ser engoli-das pelos pacientes para coletar e transmitir, com precisão, dados de saúde dos mesmos - para fins de diagnóstico. Uma solução de energia assim seria a ideal em casos específi-cos como este.

Nesses casos, as preocupações vão além do tamanho das baterias convencionais. "O ideal é não usar baterias para alimentar esses siste-mas, porque se houver um vazamento de lítio, o paciente pode morrer", afirma Grajal. "Des-ta forma, é muito mais seguro colher energia do ambiente para ligar esses minúsculos labo-ratórios dentro do corpo."

Composto inorgânicoO material utilizado pelos pesquisadores

para a construção desse eficiente transforma-dor de correntes é o MoS2, ou dissulfeto de molibdênio. Trata-se de um composto inorgâ-nico, que é encontrado no mineral molibdeni-ta - as principais jazidas estão na República Checa, na Noruega, na Suécia, na Austrália, na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Os pesquisadores criaram um dispositivo de MoS2 com apenas três átomos de espessu-ra, o suficiente para que ele funcione, como um dos semicondutores mais finos do mundo. Isso ocorre porque os átomos do material se

comportam de uma maneira particular, se reor-ganizando como um interruptor.

Os pesquisadores envolvidos acreditam que o material tenha capacidade para capturar e converter até 10 GHz de sinais sem fio.

"Esse dispositivo é rápido o suficiente para abranger a maior parte das bandas de frequên-cia utilizadas hoje, de sinais de celular, de blue-tooth, de wi-fi e muitos outros", afirma o pesquisador Xu Zhang, principal autor do estu-do.

A eficiência energética obtida com o mode-lo é de 30%. O grupo agora pretende testar novos modelos e materiais em busca de

melhorar esse potencial e diminuir a perda energética.

Em entrevista à BBC News Brasil, Zhang explicou que ainda é preciso um longo proces-so para que o dispositivo ganhe um versão comercial, ou seja, esteja ao alcance do usuá-rio comum. "Precisamos desenvolver um único dispositivo para uma série de conver-sões e otimizar o processo tanto do projeto quanto da fabricação de circuitos. Só então será viável usar algo assim para os eletrônicos do dia a dia", afirmou.

Pesquisador Tomás Palacios, do MIT, estuda como materiais podem reduzir consumo de energia

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Continua...

Por Miguel Ángel Criado – El Pais

maioria das espécies silvestres de café Acorre o risco de desaparecer nas próxi-mas décadas. De algumas só restam três

ou quatro plantas e de outras não há notícias há quase um século. Uma das ameaçadas é a Coffea arabica, da qual procede a maior parte das variedades cultivadas. Ainda que somente três espécies tenham interesse comercial hoje, a extinção de somente uma das demais amea-ça o futuro tanto do café silvestre como do cul-tivado.

Quase 100% dos 10 milhões de toneladas de café em grão que serão colhidas nessa tem-porada são arabica e robusta (Coffea robusta). Há uma terceira espécie (Coffea liberica) que é consumida em diversas partes da África, mas seu principal valor no cultivo do cafeeiro é como enxerto no rizoma das outras duas espé-cies. Na natureza, entretanto, há muito mais café. Que se saiba, existem pelo menos 124 espécies silvestres de Coffea. E a maioria não é originária das terras úmidas da Etiópia. Estão em Serra Leoa, no extremo ocidental do continente africano, até no Estado de Queens-land no leste da Austrália.

Agora, pesquisadores do Real Jardim Botâ-nico de Kew (Reino Unido) determinaram o estado em que se encontram todas as espécies silvestres conhecidas de café. Os resultados, baseados em uma década de expedições, aca-

bam de ser publicados na Science Advances. Das 124 espécies, 75 estão ameaçadas (60%), de acordo com os critérios estabelecidos pela Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

A porcentagem de ameaçadas sobe até 70% se for descontado do total as quase vinte espé-cies das quais não existem dados confiáveis. De 14 não há informação recente, em boa parte pelas guerras que impediram seu estudo. De algumas, há mais de um século não se têm notícias e de cinco, todas asiáticas, só existem provas nos herbários ocidentais. Do total, 13 estão em perigo crítico de extinção e somente 35 foram catalogadas como não ameaçadas. Ainda que o risco exista em toda a distribuição geográfica do café silvestre, o drama se con-centra em Madagascar, com 43 espécies amea-çadas, Tanzânia, com 12, e Camarões, com sete.

“Entre as espécies ameaçadas de extinção estão aquelas com potencial para ser usadas no cultivo e desenvolvimento dos cafés do futuro”, diz o responsável pela pesquisa do café em Kew e principal autor do estudo, Aaron Davis. Não se trata somente de que sal-var uma espécie do desaparecimento seja um valor em si mesmo, é que, ainda sem ter inte-resse comercial hoje, muitas delas podem con-tribuir com resistência a doenças e ser capazes de enfrentar as cada vez mais complicadas condições climáticas. “O aproveitamento e

desenvolvimento dos recursos do café silves-tre podem ser determinantes à sustentabilida-de a longo prazo do café”, afirma Davis.

Os autores do estudo classificaram todas as espécies em três grupos de acordo com sua atual previsível relevância futura ao cultivo comercial do café. Em um primeiro grupo colocaram as parentes silvestres do arabica, do robusta e do liberica, além do Coffea euge-nioides, antecessor do primeiro. Sua proximi-dade genética com as espécies comerciais as transformam em reservas vitais à renovação de seu acervo genético. Em um segundo grupo incluíram 38 espécies que, mesmo sem hibri-dar naturalmente com as comerciais, podem trazer melhoras em resistência, aromas, rendi-mento... mediante as modernas técnicas agro-nômicas. No último grupo estão 82 espécies sem interesse comercial agora, ainda que pos-sam ser aproveitáveis graças à engenharia genética.

A principal espécie ameaçada, do primeiro grupo, é a arabica, base do cultivo do café. Do segundo grupo, existem outras 23 espécies em perigo. E do restante, outras 51 espécies. Para compreender o alcance desses números e por-centagens, podem ser comparados com o esta-do geral da conservação das plantas. Enquan-to no conjunto do reino vegetal, somente 22% das espécies estão ameaçadas, o estão quase três de cada quatro espécies de café.

ESTAMOS FICANDO SEM CAFÉ

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Entre as causas há uma natural e o restante de origem humana. A primeira é a própria rigi-dez biológica do café. Apesar das variedades comerciais estarem presentes em todas as regiões tropicais do planeta, a maioria das espé-cies silvestres estão em faixas geográficas reduzidas e localizadas, muito adaptadas às condições locais. Por isso, perturbações huma-nas como a perda do habitat, o avanço da agri-cultura e efeitos da mudança climática como a redução da temporada de chuvas e o aumento dos dias de calor, estão afetando a resiliência dos cafezais silvestres.

“No café a questão é crítica. Só existem duas espécies utilizadas comercialmente e des-sas somente uma pequena parte da variabilida-de genética é utilizada”, diz o diretor do Centro Nacional de Pesquisas de Café da Colômbia (Cenicafe), Álvaro León Gaitán, não relacio-nado a esse estudo. “O problema é que na medi-da em que as condições de cultivo mudam, é preciso trocar as plantas e a pouca diversidade genética utilizada nas variedades comerciais não dá para selecionar novos tipos de plantas”, afirma. Por isso a importância das espécies silvestres, que podem ter genes com respostas

a esses problemas. “No caso do , entre-arabicatanto, as florestas naturais da Etiópia e do Sudão do Sul nas quais a espécie se originou foram se degradando, de modo que é preciso recorrer às coleções de germoplasma coleta-das nos anos 60”, diz o responsável do Cenica-fe.

Mas o problema da conservação se in situagrava porque muitas das espécies silvestres não têm cópias de respaldo fora. Boa parte da biodiversidade vegetal (e animal) possui estra-tégias de conservação . Nos jardins botâ-ex situnicos criados no século XIX, herbários e ban-cos de sementes e germoplasma, em vários locais do planeta estão guardados recursos da maioria das plantas de interesse aos humanos. Mas enquanto 71% dos 63 principais cultivos humanos contam com alguma cópia de segu-rança, isso ocorre com somente um terço das espécies de café.

“Ao contrário do feijão e do milho, a viabili-dade das sementes de café se reduz significati-vamente se elas são secas e congeladas (o embrião morre)”, diz a pesquisadora do Global Crop Diversity Trust, Nora Castañeda, autora do estudo com os 63 principais cultivos. “Por

isso, é preciso contar com outras alternativas para conservação desses recursos genéticos, como os bancos de germoplasma de campo, cultivos in vitro, criopreservação, parques naturais e até nas próprias fazendas dos produ-tores”, afirma a cientista colombiana. O objeti-vo da organização internacional, com sede em Bonn (Alemanha) é preservar a diversidade de cultivos para proteger a segurança alimentar mundial.

Para Castañeda, os resultados do estudo (em que não interveio) são um reflexo do estado de vulnerabilidade da vida silvestre no planeta em geral. “Não deixa de surpreender, entretan-to, que os parentes do café se encontrem dentro do grupo de plantas com maior risco de extin-ção e que, além disso, são vulneráveis pois não recebem ações concretas para sua conserva-ção”, diz por e-mail. Em 2017, em colaboração com o World Coffee Research, sua organiza-ção publicou uma estratégia global para a con-servação do café. Estimaram que seria preciso investir apenas 25 milhões de dólares (94 milhões de reais) para “conservar em perpetui-dade recursos genéticos do café que nesse momento se encontram em coleções chave”,

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Bruce McArthur, de 67 anos, foi preso em janeiro do ano passado, acusado da morte de dois homens. Depois, a

polícia o acusou de outros seis assassinatos. A maioria de suas vítimas tinha ligações com o bairro Gay Village.

Muitos dos restos mortais das vítimas foram encontrados em vasos e canteiros de plantas em uma propriedade no bairro de Lea-side, na mesma cidade.

Cada uma das acusações implica uma sen-tença de prisão perpétua - a pena aplicada em casos de assassinato no país.

Como McArthur é acusado de homicídio qualificado, isso significa que ele só poderá tentar obter liberdade condicional após pas-sar ao menos 25 anos preso, ou seja, aos 91 anos de idade.

A audiência para definir sua pena começará em 4 de feve-reiro. Amigos e parentes das vítimas testemunharão sobre como os assassinatos afetaram suas vidas.

Quais foram seus crimes?O promotor Michael Can-

tlon afirma que McArthur havia fotografado suas vítimas e mantido algumas de suas jo ias como lembranças ,

segundo a emissora CBC.Ele descreveu todos os crimes como "de

natureza sexual", acrescentando que, após os assassinatos, ele desmembrou os corpos para evitar ser descoberto.

Enquanto muitos dos restos mortais foram enterrados em vasos e canteiros de uma resi-dência em Toronto onde McArthur traba-lhou, outros foram enterrados em um barran-co próximo.

McArthur tinha um acordo com os mora-dores idosos da casa para armazenar seu equi-pamento de paisagismo ali em troca de cui-dar gratuitamente do jardim, de acordo com as autoridades.

A polícia encontrou uma mochila no seu

quarto no local onde ele morava, com fita adesiva, luva cirúrgica, corda, lacres, elásti-cos e seringas.

Os investigadores dizem que algumas das vítimas foram mortas em meio a uma agres-são sexual ou ao serem mantidas "confinadas contra sua vontade".

A prisão deu início a uma das maiores investigações da história da polícia de Toronto. Foram feitas buscas em dezenas de propriedades ligadas ao jardineiro e exami-nados casos sem resolução que datam de décadas atrás.

Uma comunidade LGBT em terrorAnálise por Robin Levinson-King

Em um tribunal lotado, as oito confissões de culpa de Bruce McArthur marcaram o início do fim de uma saga que assombra a comunidade LGBT de Toronto há anos.

Vestindo um suéter preto de malha e camisa xadrez , McArthur falou em voz baixa e com naturalidade quando se dirigiu ao tribunal, que estava repleto de familiares e amigos das vítimas.

ASSASSINO DE GAYS NO CANADÁ

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Dentro do tribunal, muitos se mantive-ram impassíveis, mas, do lado de fora, vári-os se abraçaram emocionados.

Durante anos, rumores de um assassino em série que atuava no Gay Village deixa-ram a comunidade LGBT da cidade com medo. A condenação de McArthur à pri-são perpétua será um alívio para muitos.

Mas uma questão permanece: como ele evitou a Justiça por tanto tempo?

Quem são as vítimas?

Pelo que se sabe até agora, sete das oito vítimas tinham ligações com o bairro gay da cidade. Muitos dos homens eram imi-grantes do sul da Ásia ou do Oriente Médio.

Membros da comunidade LGBT de Toronto criticaram a polícia, dizendo que não foram levadas a sério as preocupações com os homens desaparecidos.

As duas primeiras vítimas foram identi-ficadas em janeiro como Andrew Kins-man, de 49 anos, e Selim Esen, de 44, que

desapareceram em 2017.Desde então, a polícia identificou Skan-

daraj Navaratnam, de 40, que desapareceu em 2010; Soroush Mahmudi, de 50, desa-parecido em 2015; Dean Lisowick, de 47, que teria sido morto em 2016; Abdulbasir Faizi, de 42, que desapareceu em 2010; Majeed Kayhan, de 58, desaparecido em 2012; e Kirushna Kumar Kanagaratnam, de 37, que a polícia acredita ter sido morto em 2015.

Sete das oito vítimas tinham ligações com o bairro gay de Toronto e muitas eram imigrantes do sul da Ásia ou do Oriente Médio

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Por Daniel Verdú – El Pais

s entrevistas coletivas com o papa Fran-Acisco a 11.000 metros de altitude são sempre uma incógnita. Alguns dias, can-

sado da viagem, ele evita as principais pergun-tas sobre o Vaticano e pede que lhe perguntem sobre episódios da viagem. Em outros, como neste domingo, 27, não se importa em falar com desenvoltura sobre os assuntos mais espi-nhosos. Depois de quatro dias participando da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Pana-má, e já bem perto de um encontro histórico no Vaticano para discutir a questão dos abusos sexuais com os presidentes de todas as confe-rências episcopais, Francisco concordou em abordar como questão central de sua entrevis-ta a ferida que faz a Igreja sangrar. Além disso, descartou taxativamente a hipótese de permi-tir que o celibato seja opcional para os sacer-dotes.

O Vaticano reunirá todos os presidentes das conferências episcopais entre 21 e 24 de feve-reiro para debater e buscar soluções para a

praga do abuso sexual de menores. Pela pri-meira vez, o Papa explicou diretamente a ori-gem do histórico encontro e suas metas. "A ideia nasceu no C9 [o conselho de cardeais que o aconselha nas reformas]. Vimos que alguns bispos não sabiam o que fazer, não entendiam ... Eles faziam uma coisa boa e outra ruim. Então sentimos a necessidade de dar uma catequese sobre este problema às con-ferências episcopais. [...] Primeiro eles têm que estar conscientes sobre isso", disse.

Mas as vítimas e os especialistas exigem medidas concretas que estabeleçam as bases para a mudança de rumo anunciada há anos pela Igreja, sem muitos efeitos palpáveis. A música que emana da "tolerância zero" soa bem, mas são necessárias novas leis e regras, consideram todas as associações. Para o Papa, o problema é que muitos bispos ainda não sabem como lidar com a questão. "Eles preci-sam saber o que devem fazer, o procedimento. Porque às vezes o bispo não sabe o que fazer. É necessário que se façam programas gerais, mas que cheguem a todas as conferências epis-

copais: o que o bispo, o arcebispo, o presiden-te da conferência têm que fazer ... Protocolos que sejam claros: isto é o principal.”

A reunião, como já anteciparam os organi-zadores, e Francisco confirmou durante o voo, será realizada a portas fechadas e moderada pelo padre Federico Lombardi [porta-voz do Papa na época de Bento XVI]. Incluirá vítimas que relatarão suas experiências de modo que os numerosos bispos que ainda estão imunes a esse sofrimento o conheçam diretamente. "A primeira coisa é estar consciente. Haverá ora-ções e depoimentos, haverá liturgias de peni-tência e para pedir perdão para toda a Igreja", disse ele antes de acrescentar um pouco de água ao vinho. Um antes e depois no tratamen-to dos abusos? "Deixe-me dizer que senti uma expectativa inflada. É necessário esvaziar as expectativas para esses pontos de que falo. Porque o problema dos abusos continuará: é um problema humano que ocorre em todos os lugares", afirmou, referindo-se à culpa com-partilhada a que a Igreja frequentemente se refere nesta questão.

PAPA FRANCISCO: “NÃO PERMITIREI O CELIBATO OPCIONAL”Pontífice fixa os objetivos do encontro de fevereiro com os bispos, que buscará soluções para o abuso sexual de menores por parte de clérigos

O papa Francisco se dirige aos jornalistas no avião papal depois de decolar da Cidade do Panamá ALESSANDRA TARANTINO AP PHOTO

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Um dos grandes debates em torno do abuso sexual de menores pelo clero geralmente invo-ca a conveniência de eliminar o celibato. Mas Francisco foi contundente quando questiona-do sobre se em algum momento permitirá que homens casados sejam padres. A questão se atinha à possibilidade de uma abertura seme-lhante à da Igreja Anglicana, que facilite a deci-são aos jovens que têm vocação e estão em dúvida por causa da dificuldade do caminho. Mas a resposta do Papa permite descartar defi-nitivamente a opção de abolir o celibato como uma solução para a praga dos abusos sexuais.

"Uma frase de São Paulo VI me vem à mente: 'Prefiro dar a minha vida a mudar a lei do celi-bato.' É uma frase corajosa, em um momento mais difícil do que este. Pessoalmente, acredi-to que o celibato é um presente para a Igreja. Além disso, não concordo que seja permitido o celibato opcional, não. [...] É algo pessoal, não vou fazer isso. Mas eu não me sinto capaz de me colocar diante de Deus com esta deci-são.”

Padres casados como no rito oriental da Igreja? Francisco acredita que só seria possí-vel contemplar essa possibilidade em lugares

onde, por causa do isolamento, não é viável encontrar vocações ou padres que permitam a Eucaristia e outras funções básicas. "A ques-tão deve seguir nesse sentido, de onde há pro-blemas pastorais em razão da falta de sacerdo-tes. Aí se deve pensar nos fiéis. Não digo que deva ser feito porque ainda não refleti o sufici-ente sobre isso, mas os teólogos têm que estu-dar isso. Estes são os pontos em que pode ser feito.” Essa é uma figura conhecida como viri probati, para cujo estudo o papa já havia aber-to a porta em outras ocasiões.

A posição do Papa Francisco sobre a questão do abor-to é tão dura quanto a de seus predecessores. No entanto, o Pon�fice abriu há algum tempo a porta para a absolvição de mulheres que tomaram essa deci-são e se arrependeram. No domingo, ele voltou a essa ideia e lembrou o que, segundo ele, é o verdadeiro drama dessa questão. "A mensagem de misericórdia é para todos, também para a pessoa humana em gesta-ção. Depois de ter come�do este erro, há misericórdia também. Uma misericórdia di�cil, porque o problema não está em dar perdão, o problema está em acompa-nhar uma mulher que se conscien�zou de ter aborta-

do. São dramas terríveis. É preciso estar no confessio-nário, e ali dar consolo, não atacar, por isso ter autori-dade de absolver o aborto por misericórdia.”

Francisco diz que no confessionário se percebe o ver-dadeiro drama de uma mulher arrependida por ter tomado uma decisão desse �po. "Quando choram e têm essa angús�a, eu lhes digo que seu filho está no céu, que conversem com ele, que lhes cantem a can�-ga de ninar que não puderam cantar. E há uma reconci-liação da mãe com o filho, porque Deus já perdoou. Para entender o drama de um aborto, é necessário estar em um confessionário ".

“ACONSELHO AS MULHERES QUE ABORTARAM A CANTAR UMA CANTIGA DE NINAR A SEU FILHO”

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Por Eduardo Szklarz

fanatismo sempre foi um assunto sério e atual, Omas hoje conseguimos perceber mais isso ao redor do mundo, até mesmo pra quem não tem

religião, ou acha que tem. Você deve estar se pergun-tanto: Mas o que isso tem haver? A AH vai te explicar de onde veio a separação dos xiitas e sunitas.

Se você é mais velho deve lembrar que xiita era usado como sinônimo para fanático, né?. Foi assim por causa da Revolução Iraniana de 1979, feita por clérigos xiitas, que deixou a impressão no imaginário popular que o fanatismo era um privilégio desse setor do Islã. Era a mesma época em que militantes sunitas do Afeganistão - e convidados como Osama Bin Laden - lutavam contra a União Soviética com apoio dos EUA e eram retratados como heróis (o próprio Rambo apareceu ajudandoos futuros arqui-inimigos).

A metáfora ficou obsoleta com a ascensão da Al Qaeda, formada por sunitas. A Al Qaeda do Iraque, e depois seu sucessor, o Estado Islâmico, realizaram uma série de atentados e massacres que foram, em 2016, classificado pelo congresso dos EUA como um genocídio. Aliás, o divórcio entre Al Qaeda e EI ocor-reu por causa disso - a liderança internacional da Al Qaeda condena o massacre de xiitas pelos colegas iraquianos.

Por trás dessa matança existe um conflito histórico que remonta às primeiras gerações de muçulmanos. Tudo começou com uma desavença política, que sofreu uma transformação gradual nos séculos seguintes. Os dois lados adquiriram diferenças teoló-gicas, colecionaram ressentimentos e hoje protago-nizam um confronto geopolítico. É o que você vai ver

nesta reportagem.

O sucessorPara entender a disputa entre xiitas e sunitas é pre-

ciso voltar ao século 7, quando Maomé fundou o Islã. Segundo a tradição muçulmana, os seguidores do Profeta deixaram a idolatria - ou o cristianismo e juda-ísmo, consideradas interpretações corrompidas - para seguir Alá, o deus único. Maomé foi perseguido em Meca, sua cidade natal, e migrou para Medina – onde fundou a comunidade islâmica unida (a umma). Lá, tornou-se um líder religioso, político e militar. E as revelações divinas feitas a ele seriam registradas no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Maomé nunca deixou claro quem seria seu suces-sor. Quando morreu, em 632, a comunidade muçul-mana tinha um belo abacaxi nas mãos. Como seria escolhido o novo líder? Que funções ele teria? Quan-to duraria o mandato? Assim, surgiram dois grupos antagônicos. “O primeiro, minoritário, preferia reservar a honra da linhagem profética à família de Maomé. Seu pretendente era Ali ibn Abi Talib, genro do Profeta, casado com sua filha Fátima”, diz o histo-riador Peter Demant, autor de O Mundo Muçulmano. “Para a segunda corrente, porém, qualquer fiel pode-ria ser candidato, desde que fosse aceito por consen-so pela comunidade.”

O grupo menor formava o Shiat Ali, ou “partido de Ali”. Seus seguidores ficaram conhecidos como xiitas. A facção majoritária foi chamada de sunita (do termo Ahl al Sunna, “o povo da tradição”). Em meio à emergência de escolher um novo líder, o círculo ínti-mo dos seguidores do Profeta elegeu Abu Bakr, velho companheiro de Maomé. Abu Bakr usou o título de califa (khalifa khalifa), uma palavra árabe que com-

bina as ideias de sucessor e representante. Os sunitas aplaudiram a escolha, mas o xiitas protestaram: eles insistiam que Ali era o candidato legítimo.

Pouco antes de morrer, em 634, Abu Bakr apontou Umar ibn Al-Khatab como seu sucessor. As tropas de Umar expandiram o domínio do Islã pela península arábica, Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e parte do Cáucaso. Em seu leito de morte, Umar nomeou um conselho para decidir quem seria o terceiro califa. E o escolhido foi Uthman ibn Affan, membro de uma família grã-fina de Umaya, em Meca. Uthman derro-tou a Pérsia e ampliou ainda mais os domínios do califado, mas os conflitos internos minaram seu governo. As tribos nômades o identificavam com os privilégios dos aristocratas que Maomé havia com-batido. A crise desbancou para uma guerra civil e rebeldes muçulmanos assassinaram Uthman em 656, abrindo espaço para que Ali – o preferido dos xiitas – se tornasse califa. “Quando Ali finalmente assumiu, as divisões eram profundas demais para que ele con-seguisse impor sua autoridade”, diz Demant. Ali foi assassinado 5 anos depois, em 21 de Ramadã de 40 pelo calendário islâmico (ou 29 de janeiro de 661 pelo cristão). Os xiitas apoiaram a posse de Hassan, filho de Ali, mas o jovem cedeu ante a oposição de Muawiya ibn Abu Sufyan, governador da Síria. Mua-wiya fundou então a primeira dinastia de califas: a dos omíadas, sunitas. Os sunitas reconheceram o reinado dos 4 primeiros califas – os Reshidun (“os retamente justos”). Para os xiitas só o reinado de Ali foi legítimo

DIFERENÇA ENTRE OS XIITAS E SUNITASMesquita do Profeta, em Medina, Arábia Saudita Foto:Getty Image

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A mutação do conflitoNos séculos seguintes, a divisão passou a incluir

também agravos e diferenças teológicas. E essas mudanças começaram a tomar forma em 680. Foi quando Hussein, filho caçula de Ali e neto de Maomé, comandou uma rebelião xiita para impedir que o cali-fa omíada Yazid assumisse o trono. Hussein foi dego-lado e seus aliados acabaram mortos na Batalha de Karbala, no atual Iraque. “O tratamento dado a Hus-sein motivou ressentimentos entre os xiitas. A cele-bração de seu assassinato durante a (o décimo Ashuradia do mês de Muharran) se tornou um período emoti-vo no qual a comunidade xiita compartilha seu sofri-mento”, diz Yvonne Haddad, professora de História do Islã na Universidade de Georgetown.

A tragédia também ajuda a entender por que os xiitas valorizam tanto a noção de martírio. Segundo Haddad, a principal distinção entre os grupos vem de sua visão de mundo. Sunitas acreditam que o Corão é a palavra eterna de Deus que coexistia com Ele antes da Criação. Já para os xiitas, o Corão foi criado no tempo e passou a existir quando Deus se revelou à humanidade. Isso faz toda a diferença na maneira como eles leem o livro sagrado. “Xiitas consideram que precisam ser guiados para interpretar o Corão na vida diária, pois o livro depende da época e do lugar. Assim, precisam um imã (líder religioso) para ajudá-los a entender a mensagem do Corão”, diz Haddad. “Os sunitas, por sua vez, acreditam que a palavra de Deus é a mesma e vale para qualquer tempo e lugar. Portanto, as opiniões dos clérigos sunitas não são tomadas muito seriamente. E aqueles que clamam por um retorno às interpretações originais são levados muito a sério. Sunitas tendem a ser mais doutrinári-os.”

Os dois grupos também seguem diferentes cole-ções de Hadith, as narrativas sobre atos e palavras do Profeta. Isso porque cada lado confia em narradores diferentes. Sunitas preferem aqueles que eram próxi-mos de Abu Bakr, enquanto os xiitas confiam nos que pertenciam ao grupo de Ali. Aisha, por exemplo, é considerada uma fonte importante pelos sunitas e desprezada pelos xiitas por ter lutado contra Ali.

Cisma cristão e mulçumanoCatólicos defendiam que a Igreja tinha o poder de

definir o que é o cristianismo, enquanto os protestan-tes deixavam essa decisão na mão dos indivíduos. No caso do cisma muçulmano, a discussão é um pouco diferente. Sunitas creem que a autoridade está calcada na tradição, isto é, nas práticas do Profeta e de seu cír-culo íntimo tal como eles a definiram.

Já para os xiitas a autoridade está nas “fontes de emulação” – os líderes supremos da hierarquia religi-osa xiita, como os . Sunitas também conside-aiatolásram que o imã é simplesmente a pessoa que lidera a congregação, como o pastor dos cristãos. Já para os xiitas, o termo Imã (com letra maiúscula) assumiu um significado totalmente diferente. Ele se refere aos verdadeiros sucessores espirituais do Profeta Maomé, começando por Ali. Os xiitas veem os Imãs como uma espécie de santos – o que para muitos sunitas é uma

verdadeira heresia.Além disso, os xiitas cultivam uma expectativa

messiânica sobre a vinda do (Redentor), o que Mahdinão se observa tanto na outra corrente. Ou seja: os sunitas são ancorados no passado, ao passo que os xiitas são mais experimentadores e olham mais para o futuro. O título de , aliás, é bastante recente. E aiatolá– veja só que ironia – acaba reproduzindo no Islã xiita a estrutura do clero cristão. “Os líderes do Irã já dota-ram seu país dos equivalentes de um pontificado, de um colégio de cardeais, um conselho de bispos e, prin-cipalmente, de uma inquisição, coisas que eram todas alheias ao Islã”, diz o historiador britânico Bernard Lewis, da Universidade de Princeton, EUA. “É possí-vel que acabem provocando uma Reforma.”

Assassinos: os avós dos terroristasO martírio é uma noção fundamental entre as seitas

xiitas. Mas nenhuma delas levou a ideia tão a sério quanto a Ordem dos Assassinos, que espalhou o terror na Pérsia e na Síria nos séculos 11 e 12. Seus integran-tes eliminavam gente graúda: monarcas, ministros, generais e religiosos – do bando rival, claro. “O inimi-go era o sistema político, militar e religioso sunita. Os assassinatos eram planejados para aterrorizá-lo, enfraquecê-lo e, finalmente, derrubá-lo”, diz o histori-ador Bernard Lewis no livro “Os Assassinos”. Execu-tar a vítima significava um ato de devoção e envolvia um belo ritual. Segundo os relatos do explorador Marco Polo, que esteve na Pérsia em 1273, os chefes da seita ofereciam haxixe aos jovens convocados para matar – daí o nome , que depois derivou para HaxaxinAssassinos. A droga lhes dava um gostinho antecipa-do das delícias do Paraíso.

É que nenhum deles esperava sair vivo da missão. “Depois de matar, os Assassinos não tentavam fugir nem cometiam suicídio. Eles esperavam morrer na mão dos inimigos”, diz Lewis. Sempre usavam a

adaga em vez de veneno ou armas de arremesso, o que tornava a operação muito mais arriscada. Atacavam em mesquitas, mercados ou palácios, agiam sob abso-luto sigilo e muitos se vestiam de mulher para garantir o sucesso da emboscada. O fundador da seita teria sido o persa Hassan i-Sabah, conhecido como Velho da Montanha. Ele teria recrutado os primeiros Assas-sinos depois de se converter ao ramo ismaelita do xiis-mo no século 11 – época em que o Oriente Médio foi invadido pelos cruzados.

Disputa virou geopolíticaAtualmente, os sunitas representam cerca de 90%

do Islã e os xiitas, 10%. A velha rixa é travada por governos cujos interesses vão além da tradição religi-osa. “O que vemos hoje é um conflito geopolítico”, diz o escritor Reza Aslan, especialista em história do Islã. Para ele, há dois polos de influência no mundo islâmico: Arábia Saudita (sunita) e Irã (xiita). “Vemos diversos grupos fundamentalistas, como os sunitas da Al Qaeda e Estado Islâmico, que acusam os xiitas de serem infiéis. A primeira, que deu origem ao segundo, veio da Arábia Saudita, que enxerga o Irã como a prin-cipal ameaça”, diz .

A violência tem história. Nos primeiros séculos do Islã, houve guerras massivas. “Nos séculos 7 e 8, os omíadas construíram um império sunita. E quem não fosse sunita era massacrado”, diz Aslan. “No século 8, os abássidas assumiram o poder. Eles descendiam de Maomé através de Fátima (filha do Profeta e mulher de Ali). Eram xiitas. E seu império massacrou suni-tas.”

O Iraque, dividido entre as duas alas, virou palco perfeito para o renascimento do embate, com o Estado Islâmico retomando o papel de extirpador de xiitas desses impérios históricos.

Maomné recitando o Corão na Meca Wikimedia Commons

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Filtro20

Por Elenilce Bottari - Época

O Escritório do Crime — elaborada defini-ção para uma quadrilha de matadores de aluguel — nasceu no berçário das milíci-

as do estado: a favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A comunidade de mais de 60 mil moradores cresceu desordenadamente ao longo de cinco décadas, espalhando-se por uma área equivalente a quatro Maracanãs, entre os bairros de Jacarepaguá, do Anil e do Itanhan-gá. A região é controlada pela mais antiga e influente milícia do Rio de Janeiro, organização criminosa que tem entre seus integrantes agen-tes de segurança do estado, entre servidores da ativa, aposentados e afastados. O grupo se imis-cuiu em atividades ilegais, como a grilagem de terras, a construção e venda de imóveis sem licença, a extorsão de moradores e de comerci-antes e o controle e cobrança de serviços essen-ciais como água, gás, luz e transportes públicos. A quadrilha também negocia permissões para que candidatos possam pedir votos nas áreas que domina. Só faz campanha ali quem paga pedágio.

Como prestadores de serviços sujos, o Escri-tório do Crime acumula indícios de envolvi-mento em dezenas de assassinatos. O mais rumo-roso deles foi o da vereadora Marielle Franco (PSOL). Até 14 de março de 2018, data da morte de Marielle, os crimes da quadrilha passaram impunes. Nenhum dos homens do grupo de extermínio havia sequer pisado na calçada da Delegacia de Homicídios da capital do Rio, que fica a menos de 10 quilômetros da favela onde está o Escritório do Crime. Eram considerados intocáveis, situação que deu nome à operação realizada na última terça-feira para prender inte-grantes do grupo de extermínio e da milícia que controla aquela parte da cidade, hoje turbulenta.

Mas nem sempre foi assim. Até os anos 50,

Rio das Pedras era apenas o nome do córrego que cortava a bucólica Jacarepaguá, perto da Lagoa da Tijuca. Atraídas pela expansão imobi-liária da Barra da Tijuca e de suas cercanias — alavancada pelo ousado plano diretor do arqui-teto Lúcio Costa — e pela oportunidade de emprego na construção civil, famílias nordesti-nas fincaram raízes na região. Sem lugar para morar, muitos invadiram uma área pantanosa do sistema lagunar de Jacarepaguá, aterraram seus manguezais e ergueram ali os primeiros barra-cos.

Em 1964, ameaçadas de remoção por pessoas que se diziam donas do terreno, 96 famílias con-seguiram que o então governador, Negrão de Lima, desapropriasse as terras, transformando-as em área de interesse social. Entre os benefi-ciários estava Octacílio Brás Bianchi. Ele foi um dos fundadores da primeira associação de moradores da favela. Sem a presença do poder público para garantir outros direitos, eles cria-ram as próprias leis. “O seu Octacílio era amado por comerciantes, que contribuíam de forma voluntária com a associação, que espantava ladrões e evitava que o tráfico invadisse a comu-nidade”, contou um antigo morador, que na ter-ça-feira comemorou a prisão dos atuais chefes da organização.

Não demorou para que a favela ganhasse fama de matar bandidos na “peixeira”— faca comprida e afiada, comum no Nordeste, que era usada como arma branca.

Com uma nova expansão a partir dos anos 80, a cobrança de taxa dos comerciantes passou a ser obrigatória. Em seguida, o crescimento do transporte público ilegal, batizado como “alter-nativo”, tornou-se novo filão de lucros. À medi-da que os negócios cresciam, o comando passou a ser cobiçado. Em 1989, Bianchi foi assassina-do. Sua mulher, Elita, conhecida como Dinda, lhe sucedeu e acabou sendo morta seis anos

depois, dentro da associação de moradores. O policial civil Félix Tostes assumiu o comando, com o apoio de outros policiais da ativa, para manter o local protegido de traficantes e de qualquer fiscalização que pudesse atrapalhar os negócios.

Em 2004, a associação lançou candidato pró-prio à Câmara dos Vereadores do Rio, o comer-ciante Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras. Ele concorreu pelo PFL, mesmo partido do prefeito Cesar Maia, reeleito naquele ano. Com muito dinheiro para a campa-nha, Nadinho foi o nono vereador mais votado, com 34.764 votos. Na mesma eleição, o então jovem candidato Carlos Bolsonaro também foi eleito, com bem menos votos: 22.355.

Assim as milícias entraram de vez na políti-ca. Outros dois candidatos de regiões controla-das por milicianos foram eleitos no mesmo plei-to: o policial civil Jorge Luís Hauat, o Jorge Babu (PT), reeleito com 24.532 votos; e Jerôni-mo Guimarães Filho, o Jerominho (PMDB), que conquistou 33.373 votos, integrante da Liga da Justiça, que se tornou nos anos 2000 a maior milícia do estado do Rio, controlando grandes bairros da Zona Oeste carioca, como Campo Grande, Inhoaíba, Paciência e Santíssimo.

COMO RIO DAS PEDRAS VIROU SEDE DO ESCRITÓRIO DO CRIME

ESCRITÓRIO DO CRIME

A região afastada, na Zona Oeste do Rio, é controlada pela mais antiga e influente milícia do Estado

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Filtro22

No documentário "Leaving Neverland" - que trata de supostos casos de abuso sexual envolvendo o cantor americano Michael

Jackson - uma informação causa impacto: o chama-do rei do pop teria dado jóias valiosas de presente a menores de idade em troca de sexo com ele.

Para alguns jornalistas e grande parte do público, o que o documentário exibido sexta-feira no festi-val Sundance, nos Estados Unidos, mostra é "de-vastador e muito perturbador".

O filme é focado no depoimento de dois homens, Wade Robson e James Safechuck, que afirmam que Jackson abusou deles quando eram crianças.

Representantes do legado do artista, que morreu em 2009, disseram que as acusações são uma "ten-tativa patética de conseguir dinheiro fácil com o nome de Michael Jackson".

Tanto Robson quanto Safechuck tinham 10 anos quando conheceram o cantor e tanto eles quanto suas famílias se tornaram amigos.

Ambos afirmam que sofreram abusos sexuais do cantor há cerca de 20 anos.

Em 2003, a polícia invadiu o rancho Neverland, onde Jackson vivia, na Califórnia, após denúncia de um adolescente de 13 anos por crimes semelhantes.

Esse caso foi a julgamento e Robson foi uma das principais testemunhas. Ele disse na ocasião, sob juramento, que o cantor havia abusado dele.

Jackson foi absolvido de todas as acusações em 2005.

Quando se tornou pai, Robson confessou em uma entrevista que, após duas fortes crises nervo-sas, havia revelado ao terapeuta o grande segredo que estava guardando.

"Só a ideia de que algo assim pudesse acontecer ao meu filho me dava dor, raiva e nojo", disse ele.

Em 2013, ele denunciou os representantes legais do legado de Michael Jackson pelo suposto crime

de abuso sexual cometido pelo cantor. No entanto, a justiça decidiu que ele havia esperado demais para iniciar uma ação judicial.

"Documentário crível"O documentário foi dirigido pelo cineasta britâ-

nico Dan Reed e na descrição afirma que "através de entrevistas comoventes com os agora adultos e suas famílias, retrata uma exploração e uma enga-nação contínuas."

O jornalista Adam B. Vary publicou depois de assistir ao documentário que "os depoimentos pro-fundos de Robson e Safechuck foram aplaudidos de pé após a exibição".

"Há muitas coisas a dizer (sobre o filme), mas vou ficar com isto: é um documentário devastador, mas acima de tudo, muito crível".

Kenneth Turan do LA Times escreveu, por sua vez, que "antes da apresentação do documentário, um produtor disse que haveria profissionais de saúde disponíveis no lobby do teatro, se necessá-rio". "É um documentário intenso", acrescentou, no Twitter.

A crítica de cinema Mara Reinstein, da revista US Weekly, escreveu: "Estou tremendo. Estávamos todos equivocados quando éramos fãs de Jackson".

Como Wade Robson e James Safechuck inicial-mente tinham apoiado Michael Jackson e negado que ele tivesse abusado sexualmente deles, os seguidores do artista pediram que o documentário fosse retirado de exibição.

A entidade que administra o legado do músico, por sua vez, respondeu que "o filme toma como verdadeiras denúncias não confirmadas sobre episódios que supostamente ocorreram há 20 anos, e as trata como fatos".

"Ambos testemunharam sob juramento e disse-

ram que esses eventos nunca ocorreram. Além dis-so, eles não forneceram uma única prova das acusa-ções que estão fazendo, o que significa que o filme inteiro se apoia unicamente na palavra deles."

“A entidade acrescentou que como o diretor deci-diu não entrevistar ninguém além dos dois homens e de suas famílias", negligenciou a verificação dos fatos com o objetivo de elaborar uma narrativa tão descaradamente unilateral que impede os especta-dores de obterem um retrato equilibrado do que se passou".

Michael Jackson sempre negou as acusações de abuso de que foi alvo.

O artista morreu em 25 de junho de 2009, aos 50 anos de idade, após tomar uma dose letal de sedati-vos.

LEAVING NEVERLANDJackson foi acusado de abuso sexual de menores, mas em 2005 foi absolvido das acusações. Documentário revela novas denúncias

GETTY IMAGES

O que diz o novo e perturbador documentário com denúncias contra Michael Jackson

Wade Robson é um dos protagonistas do documentárioGETTY IMAGES

Reed, cineasta que dirigiu o documentário: Filme é apresentado como retrato de exploração suposta-mente cometida pelo cantor

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Drauzio Varella Uol

ostemos ou não, o direito de dar cabo à Gprópria existência é inalienável. A socie-dade e as religiões podem criar regras,

leis e princípios morais para condenar o suicí-dio, porém jamais conseguirão evitá-lo.

A função do Estado é proteger o cidadão do mal que terceiros possam causar a ele, não a de impedir os males que ele pode infligir a si mes-mo. Fosse essa a pretensão, haveríamos de aca-bar com os medicamentos, vedar janelas, terra-ços de prédios, viadutos, destruir as armas e os objetos cortantes, entre outros cuidados tão ine-xequíveis quanto inúteis.

O apego à vida tem raízes evolutivas: na sele-ção natural, levaram vantagens reprodutivas aqueles capazes de lutar para preservá-la; os desapegados não deixaram descendentes. É consequência desse longo processo seletivo, só nos entregarmos aos braços da terrível senhora, exauridas, as últimas forças.

O suicídio nos choca porque vai contra o ins-tinto de defesa, essencial à preservação da espé-cie. Apesar de imaginarmos que deve ser deses-perador o sofrimento por trás do ato treslouca-do, o suicida desperta emoções contraditórias: compaixão, incriminação, culpa, desprezo. Em 50 anos de oncologia, perdi dois pacientes por suicídio.

A primeira foi uma senhora de 60 anos, com histórico de várias internações psiquiátricas por depressão, que se atirou do sétimo andar, justa-mente no dia em que recebeu alta do tratamento quimioterápico. O segundo era um homem HIV

positivo sem nenhuma das manifestações da aids, que se trancou na cozinha com o gás do fogão, dois meses depois da morte do compa-nheiro com quem vivera quase 40 anos.

Apenas dois casos ocorridos entre milhares de doentes com câncer que tratei, me levaram a concluir que não veem no corpo, mas dos pade-cimentos da alma as motivações para o suicídio.

A tecnologia e os recursos terapêuticos à dis-posição da Medicina moderna criaram os meios para que os limites da vida sejam alargados muito além do razoável. Quantas vezes me depa-rei com a dúvida: o que acabo de prescrever vai prolongar a vida ou o calvário dessa pessoa?

Na realidade, nem a sociedade nem nós, pro-fissionais, estamos preparados para nos render ao fato de que o corpo pode se tornar um fardo irreversivelmente insuportável, incapaz de ofe-recer o prazer mais insignificante, eventualida-de em que a morte deveria ser entendida como desenlace natural.

Nessas circunstâncias, seria preciso colocar os doentes a par da gravidade e da irreversibili-dade da doença, de modo que pudessem tomar a decisão informada de abreviar ou não a duração dos dias finais. Faltam as leis, mas não os meios necessários para lhes proporcionar o final digno que todos desejamos para nós mesmos.

Mais controvertidos, no entanto, são os casos daqueles que perderam a cognição. A longevi-dade atual vem acompanhada do aumento da prevalência de quadros demenciais; encontrar alguém que não tenha um parente desmemoria-do, incapaz de executar tarefas mínimas, é pri-vilégio de poucos.

Mulheres e homens com Alzheimer e dema-is demências nos estágios em que a memória se extinguiu – e, com ela, a condição humana -, perderam a autonomia inclusive para dar fim aos suplícios que os atormentam.

Você, leitor, que morre de medo de chegar à velhice como um corpo inerte alimentado por sonda, sem reconhecer os entes mais queridos, os profissionais que lhe manipulam as partes íntimas, nem compreender por que lhe trocam as fraldas, não acha que a visita repentina da mais indesejável das criaturas viria como ben-ção?

Fiz um trato com dois colegas mais novos, de que eles me darão morte digna e rápida, caso eu venha a perder a capacidade cognitiva para entender quem sou. Acho que eles cumprirão o combinado. Você, leitora, não gostaria de ter esse direito de escolha?

A faixa da população brasileira que mais cres-ce, é a que passou dos 60 anos. A legião de pes-soas alienadas do mundo que as cerca, aumenta a cada dia. Todos querem viver muitas décadas, mas não a qualquer preço. A sociedade precisa trazer o suicídio assistido à discussão, sem idei-as preconcebidas.

Embora não seja fácil, é possível definir critérios técnicos que sirvam de base para criar leis, a partir das quais seja viável decidir enquanto temos saúde, em que eventualidades uma injeção letal ou outro procedimento ponha fim às nossas agruras.

Afinal, acabar os dias em estado vegetal é a derradeira surpresa da condição humana, como diria Machado de Assis.

SUICÍDIO ASSISTIDOO aumento do número de idosos e, consequentemente, dos casos de demência requerem um debate desapaixonado sobre suicídio assistido

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Buenavida

om exceção dos músculos dos dedos, Cfundamentais para digitar no compu-tador, trocar mensagens no celular ou

usar o controle remoto, passamos muitas horas por dia praticamente sem fazer movi-mento algum. Somos cada vez mais sedentá-rios, e médicos e instituições de saúde já não sabem mais como dizê-lo: 60% da popula-ção mundial não pratica atividade física necessária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e isso pode levar a sérios problemas de saúde, como a obesidade, o excesso de peso, o desenvolvimento de doen-ças cardiovasculares e diabetes. E, gostemos ou não, a única maneira de evitar essas doen-ças é fazendo exercícios físicos.

A recomendação da OMS estabelece um mínimo de 150 minutos semanais de ativida-de física aeróbica, de intensidade moderada, ou 75 minutos de exercício vigoroso. Mas mesmo esse tempo pode ser insuficiente. Pelo menos essa é a conclusão de um novo estudo realizado por especialistas da Univer-sidade Columbia (EUA), recentemente publicado na revista American Journal of Epidemiology. O trabalho conclui que o tempo mínimo de atividade física necessário

para compensar um dia inteiro sentados é de 30 minutos diários ou três horas e meia por semana.

Depois de avaliar 8.000 adultos de 45 anos ou mais, os pesquisadores observaram que, se levantarmos da cadeira por meia hora e usarmos esse tempo para fazer exercícios de baixa intensidade, os riscos de problemas de saúde são reduzidos em 17%. E se a ativida-de física for moderada ou vigorosa, os bene-fícios são ainda maiores: a redução pode che-gar a 35%. Por outro lado, quanto mais tempo passamos sentados, maior é o risco de morte, segundo estudos anteriores realiza-dos pela mesma equipe.

"Se você tem um emprego ou um estilo de vida que requer ficar muitas horas sentado, pode reduzir o risco de morrer cedo simples-mente movimentando-se com mais frequên-cia, pelo tempo que quiser e que sua capaci-dade permita. Ou seja, valem tanto uma aula de spinning de alta intensidade quanto ativi-dades de menor intensidade, como cami-nhar", diz Keith Diaz, professor associado da Universidade Columbia e autor da pesquisa.

O estudo não esclarece se a meia hora tem que ser contínua ou pode ser dividida ao longo do dia, mas outros estudos conduzidos por especialistas da Universidade McMaster

(Canadá) sugerem que é possível fazer vári-as atividades curtas, chamadas pelos pesqui-sadores de snacks (lanches), ao longo do dia.

Para sua primeira pesquisa, avaliaram um grupo de mulheres sedentárias que recebe-ram a recomendação de fazer séries de 20 segundos subindo escadas, descansando vári-os minutos antes de voltar a fazer o exercí-cio. Cada sessão durava um total de 10 minu-tos. Após seis semanas, a capacidade física das mulheres estudadas melhorou em 12%.

Na segunda pesquisa, os especialistas estu-daram um grupo de universitários com esti-los de vida sedentários. Nessa ocasião, pedi-ram que realizassem rotinas que incluíssem exercícios como polichinelo, agachamentos, estocadas e subir 60 degraus (cerca de três andares) o mais rápido que pudessem. Os participantes tinham que realizar essa rotina curta de exercício três vezes ao dia. Depois de seis semanas, haviam melhorado seu con-dicionamento físico em 5%. Esses estudos parecem indicar que dividir a atividade física também é uma opção para aqueles que não podem encaixar meia hora seguida de exer-cício em suas agendas. Em outras palavras, não é tão complicado encontrar o tempo necessário para fazer exercícios.

EXERCÍCIO FÍSICO

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Antonia Laborde - El Pais

hirell Powell decidiu acabar com a Sagonia do irmão em morte cerebral. Mas quem morreu foi um desconheci-

do de sobrenome e idade semelhante. O irmão estava vivo em uma prisão. Agora ela processa o hospital de Nova York que pro-vocou o erro

Dizem que a vida muda em um instante. Mas no caso de Shirell Powell foram necessá-rios dois. O primeiro, quando no hospital St. Barnabas, em Nova York, foi informada de que seu irmão mais novo, Frederick Williams, havia sido internado com grave risco de mor-te. Após dois dias de exames, concluíram que sua condição era de morte cerebral. Os médi-cos perguntaram a Powell se queria desconec-tar os equipamentos, já que não havia possibi-lidade de recuperação. A mulher de 49 anos decidiu acabar com a espera. Telefonou para as filhas adolescentes de Frederick e sua outra irmã para que se despedissem. Quando esta-vam coordenando os preparativos para o fune-ral, chegou o segundo momento. O médico forense a notificou de que a pessoa que haviam desconectado não era seu irmão, mas outro homem da mesma idade e –quase– o mesmo nome. Seu irmão estava vivo em uma prisão.

O irmão de Powell se chama Frederick Wil-liams e a vítima do tremendo erro era Frede-

rick Clarence Williams. Assim, desse modo, aparecia no cartão da Previdência Social que tinha com ele, mas ainda assim o hospital ligou para o contato de emergência do outro homem, de acordo com o processo que Powell abriu contra a instituição. O suposto irmão era um homem que foi internado inconsciente no meio de julho por uma aparente overdose de drogas. "Tinha tubos na boca, um colar cervi-cal ortopédico ..." tentou explicar Powell ao The New York Post, que deu a notícia. “Estava um pouco inchado...[Mas] era muito parecido com meu irmão.”

A outra irmã hesitou. Quando entrou no quarto do hospital e o viu prostrado na cama, disse: "Esse não é meu irmão". No entanto, ela se aproximou e pôde reconhece-lo entre o inchaço e os aparatos médicos. "As sobrance-lhas, o nariz, a estrutura, pareciam [com os do irmão]", continuou Powell, na explicação à mídia norte-americana. Em 29 de julho, com seu tio e a irmã ao lado, Powell autorizou o hospital a retirar o suporte de vida de Frede-rick Williams, descreve o processo. Achava que estava lhe fazendo um favor: "Foi arrasa-dor". As filhas do suposto irmão, Brooklyn, 17 anos, e Star, 18, foram quem mais sofreu, segundo a tia.

Já de luto, preparando o funeral, o escritório do médico legista da cidade revelou após a autópsia que o morto era Freddy Clarence Wil-

liams. O advogado de Powell, Alexander M. Dudelson, disse ao The Post que tentou obter informações sobre o desconhecido que arcou com as despesas financeiras da confusão, mas não obteve resposta. "Basicamente, cuspiram-me na cara". O escritório do médico legista também se recusou a dar detalhes sobre os parentes da vítima, argumentando tratar-se de respeito à privacidade.

A tragédia levou ao verdadeiro paradeiro de Frederick Williams. A prisão de Rikers Island, em Nova York. Semanas depois, Powell pôde de ver o irmão mais novo em uma audiência na Suprema Corte de Manhattan. "Eu vi meu irmão ... não pude acreditar, me senti muito aliviada." Conversaram por telefone sobre o que aconteceu e, embora Williams tenha fica-do chocado com a decisão que sua irmã tomou por ele, acabou por entendê-la e culpa o hospi-tal pelo mau momento que fizeram a família passar.

Powell diz que agora está obcecada em saber quem é o homem que ela decidiu desco-nectar e por quem chorou. "Mal durmo de tanto pensar nisso o tempo todo", confessa. Enquanto isso, espera que o processo de inde-nização por danos não especificados prossiga. Por enquanto, a única resposta do hospital é que não consideram a reclamação de Powell justificada.

EUTANÁSIA DE PACIENTE ERRADO

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Continua...

Por Mary del Priore

omer com as mãos, arrotar, defecar ou urinar Cpublicamente são hábitos banidos de nosso convívio. Porém, as práticas em torno das

necessidades fisiológicas, assim como o uso da água e da indumentária, percorreram uma longa estrada antes de serem adestradas. E a educação do corpo teve que se dobrar às fórmulas de contenção, contrariando o desejo e os apelos da “natureza”. “Lavado”? Signifi-cava “limpo com água ou outro licor”! A palavra “hi-giene”, por exemplo, não constava nos dicionários do século 19, momento em que muitos viajantes estran-geiros passaram por aqui. Nem por isso o tema lhes passou despercebido. Casas? Essas eram “repugnan-temente sujas”, segundo a inglesa Maria Graham. Ainda piores eram as cozinhas, fossem de pobres ou de ricos: “Um compartimento imundo, com chão lamacento, desnivelado, cheio de poças d'água, onde em lugares diversos armam fogões, formados por três pedras redondas onde pousam as panelas de barro em que cozinham as carnes”, horrorizou-se John Mawe.

Raramente o interior das habitações era limpo. Quando muito, era varrido com uma vassoura de bam-bu. Água no chão? Nunca. As paredes, apenas caia-das, tornavam-se amarelas. A fim de tornar os quartos toleráveis e deles expulsar o mau cheiro, costumava-se queimar plantas odoríferas. Tais odores também mantinham afastados os “atacantes invisíveis”: mos-quitos, baratas e outras imundícies. No Colégio Jesuí-ta do Maranhão, os reverendos padres preferiram espa-lhar vasos com “cheiros”, ou seja, com ervas aromáti-cas, com o mesmo objetivo, conta-nos J. P. Betten-dorf. Os penicos estavam em toda parte, e seu conteú-do, sempre fresco, era jogado nas ruas e praias. Acos-tumado aos “gabinetes à inglesa”, o comerciante inglês John Luccock queixava-se que entre as piores inconveniências domésticas havia certa “tina destina-da a receber todas as imundícies e refugos da casa,

que, nalguns casos, é levada e esvaziada diariamente, noutros, somente uma vez por semana, de acordo com o número de escravos, seu asseio relativo e pontuali-dade, porém sempre carregado, já sobremodo insu-portável”.

Ao ar livreAté encher, tais perfumadas tinas ficavam isoladas

no compartimento chamado “secreta”. Quando cho-via, eram esvaziadas nas ruas. O monturo secava sob o sol. E varredores de rua não existiam! Os “esterquilí-nios” – como os chamou o bem-humorado Ernani da Silva Bruno – eram facilmente reconhecidos: cobri-am-se de uma espécie de cicuta, planta popular conhe-cida como erva-salsa.

Jean-Baptiste Debret deixou, também, suas impressões sobre os “potes”: “De barro cozido e de forma oblonga, tem mais o caráter indígena. É em geral de três palmos de altura. Suas funções vergo-nhosas fazem com que esteja sempre escondido num canto do jardim ou do pequeno pátio contíguo à casa, colocado atrás de uma cerca de trepadeiras ou sim-plesmente escondido por duas ou três taboas apoiadas ao muro”. Nas casas mais ricas, ele se dissimula sob um assento de madeira móvel. E, nesse esconderijo, aguarda a hora da ave-maria para, molemente, balan-çando à cabeça do negro encarregado desse serviço, ser esvaziado numa praia. “Antes da partida é previa-mente coroado por uma pequena tábua ou uma enor-me folha de couve, tampa improvisada que se supõe suficiente para evitar o mau cheiro exalado durante o trajeto”.

Quartos? Os sobrados costumavam oferecer um para os pais e camarinhas apertadas para as moças. As janelas pouco se abriam, e não se expunham ao sol as camas úmidas de suor. Na alcova havia mosquiteiro, colchão rijo, travesseiros redondos e “excelentes len-çóis”. Sinal de que, apesar da sujeira, a roupa branca era valorizada. Quanto aos habitantes, a maioria deles

deambulava pelas ruas vestida com “casacas pretas, velhas e coçadas”. As calças, nos joelhos eram atadas com fivelas de brilhantes-fantasia, as meias eram de algodão nacional, e a cabeça era coberta com “uma peruca empoada sobre que punham um enorme cha-péu armado já sebento, geralmente ornado de um tope”. O número de pessoas de aparência respeitável, segundo Luccok, era diminuto.

Poucas roupas(...) Para fazer visitas, os homens enfiavam-se em

tricórnios e grudavam fivelas aos sapatos. Mas em casa mostravam-se “com barba de vários dias e os cabelos pretos em franco desalinho, embora besunta-dos de gordura e sem roupa alguma sobre sua camisa de algodão. É verdade que esse traje é bem-feito, orna-mentado com trabalhos de agulha, especialmente sobre o peito; mas frequentemente o põem de peito aberto e com as mangas arregaçadas até os ombros”. Curtas, as calças deixavam as pernas nuas e “os pés metidos em tamancas. Nada disso é lá muito correto”, ponderava. O hábito de estar semivestido era também observado na hora das refeições: tiravam sapatos, meias e outras “peças que o calor tornasse opressivas, guardando apenas o traje que a decência requer”, reportou Luccok.

Garfos e facas começavam a ser usados, embora fossem de modelo antigo, pequeno e desaparelhado: “Comem muito e com grande avidez e, apesar de embebidos em sua tarefa, ainda acham tempo para fazer grande bulha. A altura da mesa faz com que o prato chegue ao nível do queixo; cada qual espalha seus cotovelos ao redor e, colocando o pulso junto à beirada do prato, faz com que por meio de um movi-mento hábil o conteúdo todo se lhe despeje na boca. Por outros motivos além deste, não há grande limpeza nem boas maneiras durante a refeição; os pratos não são trocados. Por outro lado, os dedos são usados com tanta frequência quanto o próprio garfo.”

A ABISMAL FALTA DE HIGIENEDO BRASIL NO SÉCULO 19

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Maus modosConsidera-se como prova incontestável de amiza-

de alguém comer do prato do seu vizinho antes do final da refeição, todos se tornam barulhentos, exage-ra-se a gesticulação e despedem punhadas no ar, de faca ou garfo, de tal maneira que um estrangeiro pasma que olhos, narizes e faces escapem ilesos”, registrou para concluir mais à frente: “É de observa-ção vulgar que os hábitos pouco limpos costumam seguir de perto a ignorância, poucos vocábulos foram tão empregados quanto sujeira, imundície e expres-sões sinônimas, mas não é possível fazer-se de outro modo se quisermos de fato representar a situação real e geral do país e de seus habitantes”.

Debret concordaria, pois ficou chocado em consta-tar que pequenos comerciantes ou homens abastados comiam “com os cotovelos fincados à mesa, enquanto sua mulher, com o prato sobre os joelhos, sentada em sua marquesa com as pernas cruzadas, à moda orien-tal, comia com as mãos, bem como seus filhos ainda pequenos, que, deitados sobre a barriga ou de cócoras nas esteiras, se enlambuzavam à vontade com “a pasta comida nas mãos”! Guardanapos? Coisa rara, mesmo na casa do governador. Em jantar que lhe foi ofereci-do, Nicolas de La Caille ironizou: “Na ocasião, deram-nos uns guardanapos quadrados, pequenos e sujos”. E esse senhor gabava-se de ser muito rico e especialista na arte de bem-viver”.

Forte odorJá a sensibilidade olfativa dos colonos estava longe

daquela que já se instalara na Europa, junto com a preocupação de “oxigenar os ares” e de banir definiti-vamente o mau cheiro. Tal movimento suscitava a intolerância em relação aos odores do corpo que entre nós ainda eram plenamente admitidos. Teóricos já advertiam para os riscos de a gordura tapar os poros, retendo “humores” maléficos e “imundícies”, das quais a pele já estava carregada. A película nausea-bunda, que os antigos acreditavam funcionar como um verniz protetor contra doenças, na verdade blo-queava as trocas “aéreas” necessárias ao organismo. Essa mudança provocou uma passagem da natureza ao artifício. Os perfumes que remetiam aos odores animais – âmbar, almíscar – saíram de moda por sua violência. Antes, as mulheres os utilizavam não para mascarar seu cheiro, mas para sublinhá-lo. Havia nele um papel sexual que acentuava a ligação entre as par-tes íntimas e o odor.

Na Europa “civilizada”, a emergência de uma nova forma de pudor ameaçava essa tradição, substituindo-a por exalações delicadas à base de lavanda e rosas. O bidê foi então introduzido na França, tornando-se o auxiliar do prazer. As abluções femininas se revestiam de erotismo. Os talcos perfumados e outros pós, à base de íris, flor de laranjeira e canela, cobriam as partes íntimas. Um simples perfume aguçava a consciência de si, aumentando o espaço entre o próprio cheiro e o dos outros: multidão fedorenta. O odor forte, conside-rado um arcaísmo, se tornou coisa de roceiras e prosti-tutas velhas.

Entre nós, o âmbito da higiene íntima feminina, de difícil pesquisa histórica, foi brevemente abordado pelo poeta baiano Gregório de Matos. No final do século 17, ele escreveu sobre a carga erótica do “chei-ro de mulher”. Sim, cheiros íntimos agradavam: o do almíscar era um deles. O poeta criticou uma mulher que o seduzira apesar de lavar a vagina antes do ato sexual, maldizendo as que queriam ser “lavandeiras do seu cu”. Certa carga de erotismo dependia do equi-líbrio entre odor e abluções, embora houvesse muitos, como o Boca do Inferno, que preferissem o sexo femi-nino recendendo a “olha” e sabendo a “sainete”; “La-vai-vos, minha Babu, cada vez que vós quiserdes”, cantava o poeta, “já que aqui são as mulheres lavande-iras do seu cu”.

Banho terapêuticoO cheiro de almíscar ainda agradava por estes

lados do Atlântico onde o bidê só aportou no século 19. Mas lavar o corpo com o que? Um pedaço de

sabão era bem inestimável. Que o diga certo Baltasar Dias, em 1618, ao ver que fora roubado do seu, trans-portado com dificuldade na caravela que o trazia da cidade do Porto para Pernambuco, deu de “dizer pala-vras de cólera e que o Diabo o levasse de seu corpo”, numa explosão de rara fúria. Conclusão? Foi denunci-ado à Inquisição por blasfêmia.

Banhos? Só em caso de doença. Dom João VI seria o melhor exemplo. Contam biógrafos que, picado por um carrapato na fazenda de Santa Cruz, onde passava o verão, teve a perna inflamada e muita febre. Os médicos lhe recomendaram banho de mar. O rei tinha pavor de ser atacado por peixes ou crustáceos e, por isso, mandou construir uma caixa de madeira, dentro da qual era mergulhado nas águas da praia do Caju, nas proximidades do Palácio de São Cristóvão. A caixa era uma banheira portátil, com dois varões transversais e furos laterais por onde a água do mar podia entrar.

O uso de caixas para banhos era conhecido das cidades europeias, cortadas por rios. Esses mergulhos improvisados na praia do Caju, a conselho médico, são a única notícia que se tem de um banho de dom João nos 13 anos em que permaneceu no Brasil. Ao que tudo indica, o banho de imersão era coisa de estrangeiros no século 18. Coisa de “gosto inglês”, como comentou Juan Francisco de Aguirre, ao obser-var que apenas nas chácaras sob influência estrangeira se contava surpreendentemente com “lugares para

banhos com abundância de água”.Passadas décadas, Luccock complementou que as

abluções não eram “nada apreciadas pelos homens. Os pés são geralmente a parte mais limpa das pessoas. Os rostos, mãos, braços, peitos e pernas, que, todos eles andam muito expostos em ambos os sexos, rara-mente recebem a benção de uma lavada”.

Urina e vinagreA sujeira causava doenças de pele. Em sua corres-

pondência com familiares em Portugal, o vice-rei marquês do Lavradio se vangloriava da saúde, acres-centando que “conserva-se bem sem sarnas, nem pere-bas, moléstia de que aqui padecem todos, e só não tenho escapado aos bichinhos do pé, porque estes me têm perseguido barbaramente”. De origem latino-americana, essa espécie de pulga ganhou nomes popu-lares: zunja, xiquexique, jatecuba.

Habituado à pele mais fina e tenra entre os dedos, era encontrado em currais, chiqueiros e praias. O mer-cenário alemão Carl Seidler foi uma das vítimas des-ses “imundos hóspedes”: “Ainda me lembro bem que havia soldados que extraíam de trinta a quarenta saquinhos desse bicho, cheio de ovos, cada um dos quais saquinhos deixava um buraco do tamanho de uma ervilha, extração muito dolorosa, e já no dia seguinte número igual se alojara, notadamente nas unhas e nos calcanhares. Para evitar isso, muitos de nós limitávamos a abrir o saquinho cheio daquela cria-tura do diabo e lhe deitávamos em cima um pouco de

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A sensibilidade olfativa dos colonos estava longe daquela que já se instalara na Europa, pois mesmo para limpar usavam-se produtos fétidos. Os tintureiros, por exemplo, misturavam urina e vinagre para fixar as cores dos tecidos e couros. Lavava-se roupa com folhas saponáceas e pas-sava-se nela bosta de cavalo para fixar as cores. Para tirar manchas, usava-se “fel de boi” ou cebola bem esfregada. A fabricação de sabão, que, aliás, foi importado da África até 1780, con-sistia numa mistura de gordura animal e vegetal com um tipo de soda cáustica. Tomavam-se cin-zas resultantes da queima de algumas madeiras, e, molhando-as sobre um pano, se deixava que gotejassem lentamente. Sebos e carnes fervidas proviam a gordura animal. Já o uso do coco per-mitia a fabricação de uma gordura mais leve e refinada. Daí, no entender de alguns autores, a multiplicação de coqueiros, sobretudo na região de Salvador, onde africanos ensinaram aos por-tugueses a fazer sabão.

Roupa limpaO mau cheiro dos produtos de limpeza não

impedia, contudo, que se tomassem certos cui-dados. Contou-nos Debret, em 1816: “As lava-deiras brasileiras, aliás muito mais cuidadosas do que as nossas, têm a vaidade de entregar a roupa não somente bem-passada e arranjada em ordem, dentro de uma cesta, mas ainda perfuma-da com flores odoríficas”. Asseio não era se lavar, mas vestir roupa limpa. Para combater o mau cheiro das vestes, usava-se a bolsa escrotal do jacaré. “Melhor do que qualquer animal almiscareiro”, recomendava Knivet ou ainda Gandavo: “Qualquer roupa a que chegam os testículos, o cheiro fica pegado por muitos dias”. Mas roupa limpa todos os dias? No caso dos padres jesuítas, a resposta seria não. Só troca-vam de camisa às quartas-feiras e aos sábados. Maus modos também eram notados. Defecar e urinar em público, expondo as partes íntimas, chocava os viajantes. Que o diga John Barrow, que registrou o hábito de as mulheres urinarem “descaradamente” nas ruas do Rio.

M. de la Flotte, em 1759, também estranhou

que aqueles mesmos que se autodenomina-vam “fidalgos”, “título que em Lisboa é usado somente pelas pessoas de qualidade”, “andas-sem malvestidos, e, muitos, na sombra, estendessem a mão para satisfazer as suas necessidades mais ele-menta res” . Mas o exemplo vinha “de cima”. Eduardo Theo-dor Boesche, contrata-do como cadete de cavalaria, com quartel na Praia Vermelha, assistiu a uma cena cujo protagonista prin-cipal foi o jovem impe-rador dom Pedro I: “Ao romper do dia che-gavam a cavalo dom Pedro e sua consorte, a c o m p a n h a d o s d e camaristas e generais. Não há t a lvez no mundo soldado tão entendido como o Imperador no manejo prático e exercício da espingarda. De resto, seus modos são grosse-iros, falta-lhe o senti-mento das conveniências, pois vi-o uma vez tre-par ao muro da fortaleza para satisfazer uma necessidade natural, e nessa atitude altamente indecorosa assistir ao desfile de um batalhão em continência. Tal espetáculo deixou atônitos a todos os soldados alemães, mas o imperial ator conservou inalterável a calma”.

Até as primeiras décadas século 19, “da higi-ene pública incumbiam-se as águas da chuva, os raios de sol e os diligentes urubus”, resumiu Capistrano de Abreu. As relações com a higiene

e o pudor refletem como os processos civilizató-rios modelaram gradualmente as sensações cor-porais, aumentando seu refinamento, desenro-lando suas sutilezas. E, na observação da falta delas, nada escapou aos viajantes. Pelo buraco da fechadura, viam os brasileiros ainda bem longe das “boas maneiras”.

*Esta matéria foi extraída de:Histórias da Gente Brasileira, Vol 1,Mary del Priore, 2016

Escravo protege nobre, que urina na rua, por Jean Baptiste Debret Reprodução

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