magnífico maestro marreta e suas meias vermelhas
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O Vale maravilhoso é uma terra pacata, própria para constituir família e ver as crianças crescerem. Mas quando uma antiga entidade maligna perverte um dos Irmãos Monolentos, este se entrega ao desejo de se sublimar sobre as terras de Venustus Virtus Mallei. Somente uma coisa é capaz de debelar o monolento: a lendária Infusão da Púrpura, que consiste em nove ingredientes de virar a imaginação! Será que o rei saberá convocar os súditos certos para a missão de arrecadar os bizarros ingredientes? Que aventuras perigosas a comissão estará disposta a enfrentar para conquistá-los?TRANSCRIPT
h u m b e r t o e f i e l i
São Paulo. 2014
talentos da literatura brasileira
OMAGNÍFICO
MAESTRO MARRETAE SUAS MEIAS
VERMELHAS
VOL. IJORNADA NO VALE MARAVILHOSO
Copyright © 2014 by Humberto Efieli
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
Coordenação editorial
ilustração
Capa e projeto GráfiCo
preparação
revisão
Nair FerrazHumberto EfieliDimitry UzielLivia FirstEquipe Novo Século
DaDos InternacIonaIs De catalogação na PublIcação (cIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Efieli, Humberto O magnífico maestro Marreta e suas meias vermelhas / Humberto Efieli. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. -- (Jornada no Vale Maravilhoso ;v. 1) (Coleção talentos da literatura brasileira)
1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.
14-12281 CDD-869.93
Índice para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
2014impresso no brasilprinted in brazil
direitos cedidos para esta edição à novo século editora ltda.
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Este l ivro é dedicado a você ,
se você odeia verduras e t abuada.
imagine...
Prólogoo a n o i t e c e r d a d o n z e l a - c i s n e
Quando o manto noturno cobriu o bosque, um bando de nove cisnes
sobrenadou para as margens do lago escuro. Foi naquela noite de Lua viva que
tudo começou. Um dos cisnes foi para a terra transformando-se em mulher.
Ficou parado sob o luar enquanto os cisnes se afastavam e, com muita mode-
ração, verificou se havia qualquer indício de perigo ou coisa que pudesse vir a
ser um contratempo. Uma guerra em encalço às bruxas finalmente havia ter-
minado, mas uma nova era de subversão estava prestes a ser iniciada. Naquele
tempo, a integridade dos incorruptíveis e a inveja de seus inimigos estavam
muito bem apartadas; porém, os motivos que governam os corações das pes-
soas são vulgares, e a paz seria corrompida novamente alguns anos mais tarde.
Surgindo às esgueiras por entre as árvores, outra figura se firmou
perto do lago. Tinha movimentos firmes, pele corada e nua e olhos pene-
trantes na noite. Seria um demônio? O escuro não permitia uma certeza,
apesar dos realces. A mulher, antes cisne, vagou devagar, mantendo-se fur-
tiva entre as folhagens, ao tempo que o suposto demônio se inclinou para
ver a própria imagem no negrume lume do luar refletido no lago.
Ele não precisou esperar muito. Um cortejo silencioso de jovens
formosas, entre um leve fulgor cor de cardo, apareceu do outro lado. Todas
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eram dotadas de asas quase translúcidas, pouco mais alvas que o tom de suas peles. Uma delas, a que tinha cabelos escuros e um atilho dourado circulando a cabeça, a de aparência mais pueril, separou-se das outras e, estando longe o seu grupo, se apôs ao outro ser.
Ele estava atrasado, e talvez ela já soubesse que isso aconteceria por também ter chegado tão tarde. Porém, na verdade de outros fatos, os dois haviam chegado na hora certa.
A garota angelical tomou as mãos do companheiro, puxando-o al-guns passos até que tivessem se afastado por muitas árvores, para um es-paço em que o luar chegava até eles com liberdade. Ela tocou sua face e cabelos. Ele era tão jovem e belo quanto uma alvorada vermelha. E ela... Não existem palavras que descrevam seus encantos.
Ali, o demônio exibiu suas infernais asas que cobriram toda a visão das árvores atrás. A menina olhou em volta, observando as faias com certo receio. Suas briosas asas também cresciam, com a textura cândida meneando com o pouco vento. O jovem, porém, ainda não havia deixado de fitar o rosto dela.
Cumprimentaram-se com um beijo. Ela balançou a cabeça e voltou a olhar as folhagens. Parecia preocupada, seu amado pensou. O íntimo dela, tão misterioso, era tão incompreensível aos seres masculinos. Mas até isso a tornava tão irresistivelmente sedutora. Ela queria dizer algo, mas sua mente e suas palavras permaneceram anteparadas mesmo quando os bra-ços do jovem demônio a abraçaram.
Ele tentava convencê-la de que a amava verdadeiramente e que a deixaria, caso assim ela se sentisse mais próspera. Mas ela nada respondia. Ele, então, acabou falando alguma coisa sobre fim da perseguição às bru-xas, dizendo que haviam sido banidas para outras terras.
Foi só então que a jovem resolveu perguntar quanto ele a amava. – Infinitamente – o companheiro respondeu. – Um amor que pode
ser medido não é verdadeiro. – Onde aprendeu a dizer isso? – ela disse sorrindo, mas não com
sarcasmo. O que o rosto dela expressava agora era pertinácia e franqueza. – É por causa de você que eu ainda desejo esta vida. Quem me dera só
existisse você no meu caminho.
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Ele a abraçou de novo.
– Você está atormentada. E por que isso a atormenta?
– Há mais sobre a sua linhagem do que se sabe? Coisas ocultas e
más? É o que se diz vulgarmente.
– Bom, talvez seja verdade.
– Existem verdades falsas, então? Eu não era nada antes de você ter fei-
to tanto por mim. Renunciei à tradição que me manda balançar as folhagens
do Sifer Sim Dom. Talvez o meu espírito seja mau. Serei eu a contradição.
– Por que você ainda tem dúvidas sobre mim? O que dizem não
pode fazer diferença para nós. Eu estou deste lado da Ponte, onde não
devo mais pagar pela história. De onde viria minha desvirtude?
– Eu não tenho dúvidas – ela suspirou ao olhar para as nuvens e
fechou os olhos. – Eu queria que esta noite fosse eterna.
Mas não houve mais um minuto sequer.
Um barulho que vinha das árvores próximas ao lago foi ouvido e o ca-
sal virou-se rapidamente naquela direção. Permaneceram quietos e perplexos.
Um fulgor muito alvo surgiu pequenino ao longe. Tornou-se enorme quando
correu para perto deles em um piscar de olhos. Era a Donzela-Cisne que, com
apenas um toque, tirou a vida da jovem angelical, que caiu já fria aos pés
do rapaz vermelho.
– Seu amor por ela era verdadeiro – soou a voz da mulher. – Agora,
você levará a minha mensagem ao palácio ou farei com que você continue
vivo por longos anos. Está pronto para ouvi-la? Vou recitar somente uma vez!
E, depois, com as lágrimas trilhando o solo por onde ele passava, o
demônio correu ao palácio do rei o mais depressa que pôde.
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Capítulo 1a h i s t ó r i a a n t i g a e o v a l e
Certamente são muitas as pessoas que já ouviram falar das mag-
níficas histórias que se contavam nos tempos antigos, quando as histórias
realmente eram magníficas. Histórias que, em muitos casos, venceram o
tempo e as gerações levianas, chegando aos sinceros jovens de coração jubi-
losamente nos dias hodiernos. Infelizmente, foi apenas nos tempos remotos
que uma quantidade maior de pessoas se preocupou em entender o poder
de supostas tolices. Dizer que histórias de fadas são apenas adequadas para
quem ainda não “conheceu o mundo” é um absurdo desentendimento.
As pessoas daquela época não tinham medo e nem vergonha de
empregar tempo ouvindo ou lendo os contos. Viviam tempos tão difíceis
quanto os dias de hoje. Já existiam adultos frios, ricos e arrogantes, além
de impérios opressores, do jeito que ainda são hoje em dia. Toda a gente
impura e importuna já existia, ainda como as conhecemos atualmente. É
surpreendente como o mundo atual é parecido com um mundo de ou-
trora, tudo é apenas uma questão de voga. Tudo mudou e nada mudou. E,
mesmo em sua anti-intenção, as histórias sempre cumpriram seu papel de
esperançar as pessoas com mensagens imensamente eruditas.
Constantemente, nas histórias, conta-se que houve um período em
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que os povos se rebelaram contra as próprias raízes, do que se costuma cha-
mar de mal. Guerras foram declaradas. Seres fantásticos de terras conhecidas
apenas por poucos homens que as mantinham em segredo apareciam nas
batalhas. Quem não queria participar de toda a odiosidade crescente apenas
fugia, mesmo sabendo que todo país tem sua ganância. Quando se pensa nisso,
percebe-se que o mal está em todo lugar já conhecido. Muitos antigos povos
também perceberam, quase sempre tomando a mesma decisão. Guerras e con-
taminação; por que continuar vivendo em meio a isso? Eles fugiam em busca
de terras desconhecidas e constituíam-se secretamente onde acreditavam que
viveriam em paz. Na maioria, essas sociedades estiveram ocultas em florestas
ou ilhas. Segundo uma junção de mitos, um dos aventurosos homens que de-
sejavam uma vida de harmonia encontrou o lugar mais próprio que poderia
desejar, e uma nova sociedade prodigiosa, a que muitos poderiam aludir como
a destinada a mais grandeza e audácia jamais imaginadas, foi originada. A partir
daí, surgiram as inúmeras histórias. Esses foram os ensejos deflagradores para
que, um dia, a história do Vale Maravilhoso também fosse contada.
Essa sociedade se espalhou por terras vastas e permaneceu firme
por várias idas e vindas de séculos. Existiu ainda quando os homens se
espalhavam pelo mundo contemporâneo. Na época arcaica, se algum na-
vegador do Mundo Afora passasse por ali, logo veria algo como um imen-
so pantanal e recuaria sua embarcação. As Aqua Driadinas, árvores altas
que verticalmente flutuavam sobre as águas, névoa, penumbra, isso sempre
apavorava os marinheiros. Ademais, existiam várias lendas sobre monstros.
Falava-se de dragões que coabitavam aqueles mares devorando os curiosos;
grandes serpentes a circular pelas profundezas marinhas; porcos gigantes
com nadadeiras, sereias e os demônios aquáticos.
Algumas portentosas criaturas realmente existiam. Outras foram criadas
apenas pela imaginação de gente pateta para causar impressão e impacto moral
nas pessoas. Muitas avós tinham o costume nocivo de inventar seres estafermos
para assustar os netos. Assim, se desobedecessem ou aceitassem bombons de
estranhos, as crianças temiam que os monstros viessem pegá-las. Foi como no
caso da terrível bruxa canibal, do boi da cara preta e do famoso sapo do ba-
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nheiro, que saía do chuveiro sempre que o sabonete não fosse usado.
As crianças eram realmente as vítimas mais constantes. Mas quando
gente grande era enganada, os resultados eram bem mais surpreendentes.
Em certa ocasião, um velho homem chamado Sdurns, que fora capitão-
-mor de embarcações durante muito tempo da vida, furioso por não lhe
concederem a jubilação após tantos anos, deu um jeito de afundar o pró-
prio navio com toda a tripulação. Algum tempo depois, ao voltar à terra
em um outro barco, causou espanto em todo o povo quando afirmou que
algas marinhas gigantes haviam sido as responsáveis pela destruição. E em
menos de uma semana o senhor Sdurns conseguiu sua jubilação.
Seres ainda mais fantásticos, no entanto, estavam verdadeiramente
em geração.
A um setentrião havia seis territórios interligados pelas Grandes
Pontes; as seis grandiosas terras recônditas que sobreviveram em seu legado
por longas eras e que foram as últimas conhecidas até que as criaturas má-
gicas se espalhassem pelas escuridões do mundo e do folclore. As Grandes
Pontes seriam construções inacreditáveis aos homens de hoje. Boatos de
origens desconhecidas diziam que as pontes magníficas haviam sido cons-
truídas pelos silfos, senhores dos ventos quase tão formosos quanto os
anjos, seres que começaram a habitar o mundo pouquíssimo tempo após
o primeiro homem ter dado os primeiros passos.
Os nomes das seis terras eram Falneu, Derglon, Mestyold, Morro,
Inferor e o Vale Maravilhoso. Juntas eram chamadas Venustus Virtus Mallei,
ou, embora muito raramente, de Lanhadelândia ou Lenhadelândia. Derglon
foi a primeira a ser ocupada por seres humanos. Antes, é claro, já servia de
morada a outras criaturas.
Mas, de todos os seres existentes, os mais poderosos eram os imortais
Moolgrim ou, como eram vulgarmente conhecidos, Irmãos Monolentos.
Chamavam-se, ainda, Narizes de Queijo nas terras de Venustus onde cos-
tumeiramente se dizia que, quando uma criança estava com o nariz escor-
rendo, havia sido tocada por um Moolgrim. Eram, de todos os seres, os
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mais poderosos, porque foram agraciados com a essência da liderança. Os
olhos dos Moolgrim estão de alguma forma ligados aos seus corações e
mentes, e, de alguma forma, também ligados ao coração e mente de qual-
quer criatura com quem cruzem olhares; um poder que supera qualquer
outro. Não se sabe em que tempo nasceram os Moolgrim, mas conta-se
que não tiveram origem neste mundo.
Foram deixados por Prima Stella, no começo de tudo, na Terra
Pequena, uma ilha no centro de Venustus, na data gloriosa lembrada como
Dia da Terra Pequena. Inúmeras profecias rodeiam este momento mítico,
recitadas pela própria Stella e pela legião dos Mil Violinos. Segundo as
impecáveis revelações das Donzelas-Cisne, o resto do mundo seria gover-
nado apenas pelo reino dos homens; os Moolgrim vieram para governar
as seis terras de Venustus, onde viveriam apenas seres mágicos e humanos
puros. Prima Nocte, porém, também desceu ao mundo no Dia da Terra
Pequena, e suas palavras fatídicas se tornaram das mais confrangedoras,
pois destinavam um dos monolentos a se tornar o único, na Era Sagital.
Ao saber de tal opugnação à sua obra, Prima Stella embateu-se com Nocte
em Belluminis, a Guerra dos Clarões, e enviou as Donzelas-Cisne de volta
a Venustus com uma consolação às seis terras: um octógono se formaria,
oito criaturas de sangue real estariam para nascer, juntos podendo subju-
gar o monolento de Nocte, e os Oito se tornariam o Único Moolgrim,
trazendo a paz e o fim da maldição.
Não era por acaso que cada uma das seis terras mágicas tinha seu pró-
prio Moolgrim, e, se era só onde existiam, é certo dizer que só foram seis os
Moolgrim de Prima Stella que o mundo conheceu. Cada um deles tinha o
poder para reinar justamente em sua concernente terra, em harmonia com
as outras. Durante quatro séculos, houve concórdia entre os reinos.
Posteriormente ao peso de todo esse tempo, algumas coisas come-
çaram a mudar, e a história mais contada era a seguinte:
Os filhos humanos do Triunvirato de Derglon, lembrados poste-
riormente como Ludibrianos, se desvirtuaram com ingenuidades e de-
nunciaram seu reino ao Mundo Afora. Mas, mesmo em função disso, foi
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em Inferor que desembarcaram os primeiros homens do resto do mundo.
Com a chegada, a força do Moolgrim daquela terra foi pervertida. Os
humanos haviam trazido riquezas admiráveis de suas nações e um novo
conceito de poder, com novas possibilidades ao coração de Satrib, que foi
transformado em cobiça e ódio.
E Inferor se tornara feia, auferindo a alcunha de terra do sol escuro.
Em seu dom, Satrib entendeu o que realmente se passava na mente
dos homens, mas, ao mesmo tempo, estava a par de que fora a primeira dos
Moolgrim a conhecer o prazer da ganância. Portanto, percebia que tinha
o poder de reinar não só sobre um mundo, mas sobre todas as coisas que
podem ser sentidas pela carne, visíveis ou invisíveis. Satrib, então, planejou
tirar as dádivas de seus irmãos antes que soubessem de suas intenções. Para
isso ainda foram necessários alguns anos de planejamento, que verdadei-
ramente acabaram apenas se tornando anos de espera, pois Satrib só des-
cobriu um caminho para alcançar seu objetivo através de um ser humano,
uma mulher que, naqueles dias, baseada na iniquidade de Prima Nocte,
havia feito uma descoberta lendária. Era da família Treymer de criadores
das mais fabulosas e poderosas poções mágicas.
Satrib ordenou que a senhora Treymer fosse raptada de Falneu e mantida
presa nas masmorras de Inferor. Treymer fora obrigada a preparar várias amos-
tras de duas de suas invenções. Tempos depois, Satrib, misteriosamente, enviou
cartas aos Moolgrim das terras além das Pontes, convidando-os à Inferor para
um evento declarado importante. Mas dois de seus semelhantes não com-
pareceram aos seus castelos: o de Falneu, chamado Nepoeth, pois quando
descobriu que Satrib havia sequestrado alguém de seu povo, enraiveceu-se
profundamente; e o outro seria o Moolgrim do Vale Maravilhoso, mas esse era
desconhecido. Os três Moolgrim que foram enganados por Satrib beberam,
em Inferor, da Infusão que neutralizou todos os poderes sobre-humanos de
que eram dotados e tornaram-se, então, um trio de simples homens. Desde
então, Derglon, Morro e Mestyold são terras cobertas pela escuridão, habita-
das apenas por sentinelas de Inferor, que eram demônios e elfos pervertidos
em maioria. O povo de Derglon, principalmente, ficou cheio de compunção.
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