maestro villa villaça

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www.facebook.com/gentedeatibaia Sente se e ouca, tem som de viola no ar Q uando passar feche a porteira, que é pro gado não escapar, mas quando ouvir o som de uma viola se sente, escute e deixe o mundo girar. Uma viola tocando sozinha já é um encanto. Viola é vida e poesia, é som de sonho, dor de amor e de saudade. Viola bate dentro do peito e na alma. Um bando de violas tocando é mais que um canto, é a vida deste nosso lugar. Mas nunca na vida Agnaldo Villaça chegou a pen- sar que um dia seria tocador de viola, arranjador, maestro e regente de uma orquestra de violas como

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Quando passar feche a porteira, que é pro gado não escapar, mas quando ouvir o som de uma viola se sente, escute e deixe o mundo girar. Uma viola tocando sozinha já é um encanto. Viola é vida e poesia, é som de sonho, dor de amor e de saudade. Viola bate dentro do peito e na alma. Um bando de violas tocando é mais que um canto, é a vida deste nosso lugar.

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www.facebook.com/gentedeatibaia Textos de Edgard de Oliveira Barros I Fotos de Jean Takada

Sente se e ouca, tem

som de viola no ar

Quando passar feche a porteira, que é pro gado não escapar, mas quando ouvir o som de uma viola se sente, escute e deixe o mundo girar. Uma

viola tocando sozinha já é um encanto. Viola é vida e poesia, é som de sonho, dor de amor e de saudade. Viola bate dentro do peito e na alma. Um bando de violas tocando é mais que um canto, é a vida deste nosso lugar.

Mas nunca na vida Agnaldo Villaça chegou a pen-sar que um dia seria tocador de viola, arranjador, maestro e regente de uma orquestra de violas como

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a Orquestra de Viola de Atibaia. Afinal ele vinha de família onde a mãe e o avô eram pianistas. E clássi-cos. “Meu avô achava que grandes figuras da música popular brasileira, como Chico Buarque, Tom Jo-bim, Caetano, Gil e tal eram comuns, corriqueiras, incompatíveis com os ouvidos dele. Inclua-se nisso Elvis Presley e até os Beatles. Para ele só existiam Bach, Beethoven, Schumann, Mozart”, confessa.

Claramente Agnaldo Villaça, 50 anos, casado com Aldrei Kelly, pai de Lucas Villaça, estudante de Edu-cação Física na Universidade Federal de São Car-los e filho de Wilson e Isa Villaça teve influências da música erudita, através de seu avô. “Não se tem como estudar música sem conhecer esses monstros sagrados. Mas não era a minha praia, não era o que eu curtia. E continua não sendo”, revela.

Num resumo da ópera de sua vida, Villaça revela que sempre teve três paixões: aeronáutica, eletrôni-ca e música. “Estudei muito para tirar o brevê. Como isso era muito caro, trabalhei no aeroporto fazendo manutenção na área de eletrônica para pagar meu curso e minhas horas de vôo”, resume. Trabalhou na Transbrasil e chegou a viajar para Seattle , nos Estados Unidos, quando a empresa comprou o 767, um dos aviões mais modernos da época. Fiquei por lá fazendo cursos.”

Depois foi para a Infraero onde ficou 14 anos, sem-pre na parte eletrônica. Para atender sua terceira paixão chegou a montar um estúdio de música em São Paulo. “Eu queria fazer daquilo uma profissão, só que não dava para fazer as duas coisas ao mesmo tempo”, conta. A Transbrasil teve problemas, fe-chou e ele passou a trabalhar na base de Guarulhos. “Facilitou minha vinda para Atibaia. Naquele tem-po a prefeitura daqui criou a Secretaria de Cultura

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e Eventos. O secretário era o Vitor Carvalho que montou uma equipe e me chamou. Tinha um pesso-al muito bom, o maestro Rogério Brito e pessoas da área artística.”

Durante esse tempo Villaça montou um requinta-do estúdio de som e gravações. E continuou traba-lhando na área de eletrônica, prestando serviços de manutenção para vários moinhos e grandes empre-sas, fazendo aferição de equipamentos.

O melhor da sua história, garante, “foi quando o Governo do Estado resolveu tocar um projeto da professora Neide Gomes, que havia sido minha pro-fessora na faculdade. Iria fomentar núcleos de or-questras de viola caipira em algumas cidades. Ati-baia foi contemplada e eu fui procurado para levar a ideia adiante.”

Villaça não esconde que ficou assustado. “Primei-ro que não era a minha área, e, pior, eu tinha a im-pressão de que jamais iria encontrar gente para par-ticipar do projeto. Mas alguma coisa me dizia para tentar. Pensei: se tivermos dez pessoas a gente faz uma orquestra...”

Para surpresa geral, foram 92 pessoas inscritas. “A Casa de Cultura Jandira Massoni, que fica ali no prédio da Biblioteca Pública ficou lotada de gente. Vitória!”

Formado em violão, Villaça nunca tinha tocado viola. “Mas tudo é uma questão de adaptação. O que ainda me falta, não nego, é o chamado “idioma” cai-pira na viola. Confesso que sou um “músico técni-co”. Consigo ensinar, mas aprendo demais com os violeiros. Por mais que se queira, imitar o caipira é difícil até no falar”, brinca. “Imagine a gente querer falar como um mineiro... Vai ser muito difícil, uai!”

No começo o espaço era pequeno e ninguém sabia

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direito o que fazer. “Quando a gente faz o que gos-ta, tudo acaba dando certo. E deu. Fomos tocando o trem. O resultado foi que o pessoal começou a tocar bem. E nós começamos a nos preocupar em mostrar o nosso trabalho. O projeto do Governo do Estado acabou dois anos depois, mas eu continuei.”

Fique claro que o maestro, o instrutor ou que nome queiram dar, recebia uma ajuda de custo me-nor que o salário mínimo. “Eu nem contava isso pra ninguém porque ficava mal, não? Todo aquele sacri-fício, toda aquela dedicação, minha e de todos, para ninguém ganhar nada, só o prazer de fazer, de tocar, de alegrar...” Villaça se comove. Seus olhos brilham na lágrima que quer sair.

A única obrigação da Prefeitura da cidade era for-necer um lugar, um ambiente para as aulas. “Outras cidades decidiram parar com o projeto. Eu pergun-tei para o meu pessoal: o que é que nós fazemos? Claro, todos responderam: já andamos demais para voltar atrás... Ninguém ganhava nada além da ale-gria de estudar e participar do sonho da eventual criação de uma eventual orquestra de viola. Eu não tinha coragem de jogar essas 90 pessoas que acre-ditaram na gente no chão. A única coisa é que a Pre-feitura assumiu o encargo de oferecer o local para a continuidade das aulas, com ensaios uma ou duas vezes por semana.

As coisas andaram e aquele grupo de violeiros aca-bou se transformando realmente em uma orques-tra. Dez anos depois resultou em um grupo comple-tamente independente de qualquer vínculo político ou financeiro externo. “Nós não temos e nem re-cebemos nenhum tipo de ajuda econômica de nin-guém. Não somos filiados e nem pertencemos a ne-nhum partido político”, proclama Villaça.

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Hoje a orquestra é uma associação jurídica estabe-lecida, até com CNPJ. “Nós temos condições de ven-der nossas apresentações. Só que o dinheiro dessas apresentações não se destina à remuneração nem dos músicos e nem do maestro; tudo vai para os co-fres da associação para que a gente possa investir na própria entidade. Temos um equipamento de som digital excelente, compramos instrumentos, faze-mos festas, todo mundo participa. Tudo isso está contido em estatuto”, orgulha-se.

A orquestra já se apresentou várias vezes em Ati-baia, já gravou um CD como se fosse uma antologia de músicas ditas caipiras. “Vendemos o cd, recolhe-mos direitos autorais, tudo certinho dentro da lei. Esse projeto foi bancado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.”

Orgulhoso, Villaça proclama: “Na minha experi-ência de música nunca vi uma aceitação tão grande como a da nossa orquestra. Já rodamos o Estado e eu fico surpreso com a maneira como somos recebi-dos. Temos hoje por volta de 40 músicos. Nosso ob-jetivo-fim nunca foi nos tornarmos propriamente uma orquestra, mas sim uma orquestra/escola, pois foi assim que começou.”

Todos os anos a orquestra faz uma prova para pes-soas que querem participar do curso. Curso que é gratuito e dura nove meses. Depois o “aluno” parti-cipa de um teste. Se for aprovado e se quiser pode passar a integrar à orquestra. “Assim, todo ano a orquestra aumenta um pouquinho. Hoje nós esta-mos com 31 violeiros. Neste ano deveremos ir para 35/36. Nós não podemos crescer muito exatamente pelo problema de tocarmos em cidades longínquas. Fica difícil a locomoção”, explica Villaça.

No ano que passou a orquestra se sentiu honrada

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por ter sido convidada a se apresentar na cidade de Areias e para participar do encerramento do festival de viola do Vale do Paraíba que aconteceu em São Luiz do Paraitinga. “Ali é uma região tradicionalís-sima para a viola, para a caipiragem, digamos assim, quase que o berço de tudo, veja o orgulho que nós sentimos...”. De novo os olhos de Villaça brilham... Lágrimas contidas.

O cachê cobrado por apresentação é cinco mil re-ais. “Viu como é barato? Colocamos trinta e cinco artistas sobre um palco, apresentamos um show de categoria invejável por esse preço”, explica. Já se viu que ninguém recebe nada, pois os cinco mil vão pro caixa da associação. “É tudo por amor à arte mes-mo... Reverte em equipamentos, em festa de fim de ano, e temos um caixa para resolver os problemas mais urgentes. Geralmente somos contratados por prefeituras que não pagam à vista”, explica.

Patrocínios? “Já pensamos e já tivemos patrocina-dores. Nosso receio e nosso cuidado é não nos trans-formarmos em portadores de mensagens de cunho político ou coisa parecida. Já tivemos algumas situ-ações que não nos agradaram. Se tudo deu certo até hoje nesses dez anos certamente é porque não exis-te dinheiro envolvido. Ninguém ganha nada, a não ser o amor que temos pela nossa arte. E os nossos músicos não são profissionais, são pessoas que tra-balham, não vivem disso.”

Os ensaios acontecem em um local público forne-cido pela prefeitura. “Para não termos nenhum tipo de envolvimento político oferecemos a contraparti-da: dois shows por ano, um no aniversário da cidade e outro à escolha da Prefeitura.”

“Já fizemos shows para mais de cinco mil pesso-as. A média fica entre três e cinco mil pessoas. Cada

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vez que tocamos é uma surpresa. Tocamos o caipira clássico e às vezes a música popular brasileira. Nos-sos violeiros? São engenheiros, médicos, veteriná-rios, advogados, caipiras, gente da roça, jardineiros. Acho que essa é a parte mais legal da história. Todos se igualam na música. A música da viola pega a to-dos”, emociona-se.

Villaça conta duas ou três passagens marcantes. “Uma vez eu e o maestro Rogério Brito juntamos as nossas orquestras, de viola e sinfônica e nos apre-sentamos no Cine Itá. Lotadíssimo. Tocamos músi-ca caipira com arranjo de música sinfônica. Ao final, quase aos prantos, uma senhora, uma das nossas violeiras não se conteve e me disse: “Eu nunca tinha ouvido uma orquestra sinfônica tocar. Muito menos tinha visto uma orquestra sinfônica tocar. Pois hoje eu toquei viola junto com uma orquestra sinfôni-ca...” Ela olhou bem nos meus olhos e disse: “Agora eu posso morrer em paz...” E continuou chorando. Como chorou todo o público que nos assistiu. Esse foi o maior prêmio que ganhei desde que comecei a dar aula.”

E o maestro Agnaldo Villaça desabou também num choro incontido. Solidário e emocionado, o re-pórter também chorou. Toquem, violas. ■

P.S. I - Aviso legal. Depois do carnaval tem inscrições para a orquestra. Procure se informar. Os ensaios acontecem as segundas e quartas-feiras, das 19 às 21horas. P.S. II - Agnaldo Villaça ganha a vida com o seu equipadíssimo estúdio de gravações e no contínuo trabalho de manutenção de equipamentos eletrônicos de grandes moinhos de trigo e de grandes empresas...