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NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO- AMERICANO: PARADIGMA JURÍDICO EMERGENTE EM TEMPOS DE CRISE PARADIGMÁTICA Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega 1 Vitor Sousa Freitas 2 Resumo: Esse trabalho, elaborado no contexto da discussão sobre a crise de paradigmas vivida nos tempos presentes, busca responder à pergunta pertinente à caracterização do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-americano como um novo paradigma jurídico, ou sua localização dentro de um plano mais amplo de crise paradigmática. Para tanto, vale-se das concepções de Thomas Kuhn e Boaventura de Sousa Santos para o um conceito de paradigma que conduza a uma resposta possível à questão proposta. Busca, a seguir, caracterizar o Novo Constitucionalismo Latino-americano de forma a se poder apontar os elementos que permitem afirmar ou negar uma mudança paradigmática em curso. Conclui, vislumbrando um contexto de crise paradigmática mais ampla, que o Novo Constitucionalismo Democrático Latino-americano desponta como paradigma jurídico emergente, uma vez que rompe com elementos constitutivos do direito moderno e de seu direito constitucional, com especial centralidade da questão da participação popular. Palavras-chave: Direito Constitucional. Teoria da Constituição. Crise de paradigmas. Novo Constitucionalismo Latino-Americano. INTRODUÇÃO O presente artigo visa a analisar a questão da crise paradigmática no direito, especialmente no direito constitucional, num contexto de crises societais, epistemológicas, 1 Mestre e doutora em direito pela PUC SP. Professora titular na UFG. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Cursa Especialização em Direito Constitucional e Mestrado em Direito Agrário também na UFG. Advogado.

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NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-

AMERICANO: PARADIGMA JURÍDICO EMERGENTE EM TEMPOS

DE CRISE PARADIGMÁTICA

Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega1

Vitor Sousa Freitas2

Resumo: Esse trabalho, elaborado no contexto da discussão sobre a crise de

paradigmas vivida nos tempos presentes, busca responder à pergunta pertinente à

caracterização do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-americano como um novo

paradigma jurídico, ou sua localização dentro de um plano mais amplo de crise paradigmática.

Para tanto, vale-se das concepções de Thomas Kuhn e Boaventura de Sousa Santos para o um

conceito de paradigma que conduza a uma resposta possível à questão proposta. Busca, a

seguir, caracterizar o Novo Constitucionalismo Latino-americano de forma a se poder apontar

os elementos que permitem afirmar ou negar uma mudança paradigmática em curso. Conclui,

vislumbrando um contexto de crise paradigmática mais ampla, que o Novo

Constitucionalismo Democrático Latino-americano desponta como paradigma jurídico

emergente, uma vez que rompe com elementos constitutivos do direito moderno e de seu

direito constitucional, com especial centralidade da questão da participação popular.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Teoria da Constituição. Crise de paradigmas. Novo

Constitucionalismo Latino-Americano.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa a analisar a questão da crise paradigmática no direito,

especialmente no direito constitucional, num contexto de crises societais, epistemológicas,

1 Mestre e doutora em direito pela PUC SP. Professora titular na UFG.2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Cursa Especialização em Direito Constitucional e Mestrado em Direito Agrário também na UFG. Advogado.

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enfim, crises paradigmáticas em diversos campos, todas como indício de uma crise

paradigmática de maior âmbito, centrada na derrocada do que se denomina modernidade.

Nesse contexto, o presente trabalho pretende responder ao questionamento sobre o

potencial dos movimentos de transformações constitucionais recentes na América Latina —

ocorridos na Venezuela, em 1999, Equador em 2008 e Bolívia, em 2009 —, que vem sendo

denominado de Novo Constitucionalismo Democrático Latino-americano, caracterizam, no

campo jurídico, a ascensão de um novo paradigma, tendo em vista a propalada crise do direito

moderno e, consequentemente, do direito constitucional a ele correspondente.

Para tanto, parte-se dos estudos de Thomas Kuhn, físico e filósofo da ciência, que

cunhou a atual concepção predominante de paradigma nas ciências, de modo a esclarecer de

que modo operam os paradigmas e como se configura uma crise de paradigmas. Além disso,

considerando-se a paulatina recepção desse conceito no âmbito das ciências sociais e do

direito, busca-se em Boaventura de Sousa Santos uma discussão do direito sob o ponto de

vista paradigmático que aponte para a atual crise dos modelos de juridicidade que sustentaram

a concepção atual e declinante de direito.

A partir dessa discussão, perquire-se em autores que tem se debruçado sobre o

tema no âmbito do direito constitucional, em especial aqueles que tem estudado o Novo

Constitucionalismo Democrático Latino-americano, para descrever as características

fundamentais do direito constitucional vigente e do direito constitucional ascendente a partir

das novas constituições acima mencionadas, de forma a podermos, considerados os elementos

da discussão sobre paradigmas trazida pelos autores acima mencionados, analisar em que

medida esse novo movimento constitucional caracteriza uma mudança paradigmática no

direito, tendo em vista uma crise paradigmática societal mais ampla.

Parte-se da hipótese de que há uma ampla crise civilizacional, filosófica, científica

em curso e que, nesse contexto, essa crise se irradia para campos sociais específicos. Não se

trataráccc dessa crise paradigmática geral, senão a mencionando, por meio dos autores

citados. O foco do trabalho se dá na hipótese de existência de uma crise no campo jurídico e

da ascensão de um novo modelo no continente latino-americano.

1. PONTO DE PARTIDA: A FILOSOFIA DA CIÊNCIA DE THOMAS KUHN, OS

PARADIGMAS E SUAS CRISES

A filosofia e a história das ciências deve ao físico estadunidense Thomas Kuhn

(1922-1996) um pensamento crítico do desenvolvimento científico que, desde a publicação,

em 1962, da obra “The Structure of Scientific Revolutions”, estabelece a centralidade do

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conceito de paradigma na explicação do funcionamento do labor científico, cujo conteúdo, ao

revelar a influências de fatores socioculturais, ocultados pelo positivismo, no estabelecimento

de modelos comumente utilizados pelos cientistas, bem como a importância de fatores

externos na geração de crises agudas nas teorias dominantes, passou a servir de referência não

só para o estudo das chamadas hard sciences, cuja atribuída exatidão e neutralidade também

são colocadas em jogo, mas também para as denominadas ciências humanas, cujo

protagonismo é realçado na obra de Kuhn, e cujo desenvolvimento também passou a ser

objeto de estudos referenciados na proposta desse autor.

Dessa forma, passam-se a ter exemplos de estudos dessa natureza na filosofia, na

sociologia e no direito. Para os fins do estudo que ora se apresenta, cabe mencionar dois

exemplos dessa assimilação teórica no campo de estudos jurídicos, quais sejam as obras do

português Boaventura de Sousa Santos, especialmente na sociologia jurídica, e do norte-

americano Bruce Ackerman, no âmbito do direito constitucional. O diálogo desses autores

com Kuhn irá nos ajudar a compreender de que forma o Novo Constitucionalismo Latino-

americano se insere no contexto de uma apontada crise paradigmática de âmbito geral e como

ele próprio se apresenta como uma proposta paradigmática emergente no âmbito do direito

constitucional e seu caminhar histórico. Esse dualismo na concepção de paradigma será

buscado em Kuhn, de cuja obra foram selecionados pontos que iluminaram o caminho que se

pretende percorrer a seguir.

Thomas Kuhn inicia sua obra apontando que, ao contrário do que se poderia

pensar, e ao contrário de como as próprias ciências se apresentam, elas não evoluem

cumulativamente ou por meio de descobertas individuais, como se por meio de um processo

gradativo, de adição e acumulação de itens, isoladamente ou em combinação, a um estoque

crescente que constitui o conhecimento e a técnica científicos (KUHN, 1998, p.20). Pelo

contrário, os primeiros estágios de desenvolvimento da maioria das ciências se caracterizam

pela contínua competição entre diversas concepções de natureza distintas e cada uma delas

parcialmente derivada e todas apenas aproximadamente compatíveis com os ditames da

observação e do método científico. O que diferencia essas escolas é a incomensurabilidade de

suas maneiras de ver o mundo e nele praticar a ciência. Assim, se a observação e a

experiência restringem a extensão das crenças admissíveis, elas não podem determinar um

conjunto específico dessas crenças. Elementos arbitrários são ingredientes formadores das

crenças de uma comunidade científica numa determinada época e esta não pode praticar seu

ofício sem um conjunto dado de crenças recebidas e com as quais o grupo está realmente

comprometido num dado momento (KUHN, 1998, p. 23). Dessa forma,

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A pesquisa eficaz raramente começa antes que uma comunidade científica pense ter adquirido respostas seguras para perguntas como: quais são as entidades fundamentais que compõem o universo? como interagem essas entidades umas com as outras e com os sentidos? que questões podem ser legitimamente feitas a respeito de tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na busca de soluções? (KUHN, 1998, p. 23)

Dessa forma, “a ciência normal”, atividade na qual a maioria dos cientistas

emprega inevitavelmente quase todo seu tempo, e para o qual são preparados por meio de um

rígido e rigoroso processo educativo, se baseia no pressuposto de que a comunidade científica

sabe como é o mundo e o sucesso do empreendimento científico depende da disposição da

comunidade para defender esse pressuposto — com custos consideráveis se necessário — de

forma a tentar vigorosa e devotadamente forçar a natureza a esquemas conceituais fornecidos

por essa educação profissional (KUHN, 1998, p.24).

Por “ciência normal”, portanto, deve-se entender “a pesquisa firmemente baseada

em uma ou mais realizações científicas passadas(...) reconhecidas durante algum tempo por

alguma comunidade científica específica como proporcionando os fundamentos para sua

prática posterior” (KUHN, 1998, p.29). Ela se baseia em alguns trabalhos que servem para

definir implicitamente os problemas e métodos considerados legítimos para certo campo de

pesquisa e que deverão ser utilizados por gerações posteriores de praticantes de uma ciência.

Estes trabalhos são fundamentais porque suas realizações foram suficientemente sem

precedentes e abertas, de forma a atrair um grupo duradouro de partidários e deixar todos os

tipos de problema para serem resolvidos pelo grupo de praticantes da ciência (KUHN, 1998,

p. 30).

Essas realizações são denominadas por Kuhn de “paradigmas”, ou seja, exemplos

aceitos na prática científica (leis, teorias, instrumentação, aplicação) que proporcionam

modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica. Esses

paradigmas, estreitamente vinculados à ciência normal, são universalmente reconhecidos

durante algum tempo, fornecendo problemas e soluções modelares para uma comunidade de

praticantes de uma ciência, que servem de referência de partida para os mesmos (KUHN,

1998, p.13; p.30). Aqueles cuja pesquisa está baseada em paradigmas compartilhados estão

comprometidos com as mesmas regras e padrões para a prática científica, sendo que este

comprometimento e o consenso aparente que produz são pré-requisitos para a ciência normal,

para a gênese e a continuação de uma tradição de pesquisa. A aquisição de um paradigma,

portanto, e o tipo de pesquisa que ele permite, a que Kuhn denomina de esotérica em virtude

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do grau de especialização que a torna incompreensível para os não iniciados em determinado

campo de pesquisa, é um sinal de maturidade no desenvolvimento de um campo científico

dado (KUHN, 1998, p.30-31).

Estabelecido o paradigma, e, portanto, superada a fase pré-paradigmática na qual

competiam diferentes teorias, a ciência normal consistirá em operações de limpeza e estará

dirigida para a articulação dos fenômenos e teorias fornecidos pelo paradigma, sem

necessariamente ter de explicar todos os fatos com os quais se confronta, de forma a

concentrar-se numa faixa de problemas estudados com profundidade e detalhamento. Ao

mesmo tempo em que isso limita visão do cientista, é essa restrição que permite aos cientistas

desenvolverem as ciências (KUHN, 1998, p. 44-45). A ciência normal, nesse sentido, foca-se

em três classes de problemas: determinação do fato significativo; harmonização dos fatos com

a teoria, e articulação da teoria (KUHN, 1998, p. 55).

Esse processo faz com que a ciência normal tenha reduzido interesse em produzir

grandes novidades, seja no domínio dos conceitos ou dos fenômenos (KUHN, 1998, p. 57).

Embora trabalhe com um conjunto coerente de pressupostos, a maneira de obter resultados

que melhor articulem a ciência normal é o que desafia o cientista. Este trabalha como um

“solucionador de quebra-cabeças”. Ele sabe que o paradigma oferece solução, mas as formas

de atingir tal solução são variadas. Há um emaranhado complexo de conceitos, instrumentos e

cálculos a serem mobilizados para tanto. Assim, a ciência normal testa a habilidade e

engenhosidade dos cientistas em resolver quebra-cabeças, oferecendo as peças e regras

mínimas para tanto (KUHN, 1998, p. 59-66).

Os paradigmas, dessa maneira, tem prioridade sobre regras e métodos detalhados,

deles até mesmo prescindindo para se afirmarem. A ciência normal não necessita de um

conjunto complexo de regras. Ela precisa de um paradigma que dê unidade a conceitos, leis e

teorias. O que orienta a pesquisa é o paradigma e não um conjunto de métodos, regras,

padrões a serem seguidos (KUHN, 1998, p. 68-76).

Ao fim desse percurso, pode-se afirmar, e o próprio autor o reconhece, haver, no

mínimo, dois sentidos para “paradigma”. O primeiro é um sentido sociológico, que o define

como uma constelação de crenças, valores, técnicas, etc., partilhadas pelos membros de uma

comunidade determinada, e que, por via de consequência, faz-se reconhecer que uma

comunidade científica consiste em pessoas que partilham um paradigma. O segundo, que

denominaremos histórico, diz respeito a um tipo de elemento dessa constelação de crenças, ou

seja, as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos,

podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da

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ciência normal, ou seja, realizações passadas dotadas de natureza exemplar (KUHN, 1998, p.

218-219).

Prosseguindo em sua construção, Kuhn aponta que no decorrer da existência da

ciência normal determinados fenômenos não são claramente explicados pelos paradigmas

vigentes. São anomalias. Até que sejam ajustadas teorias que assimilem e expliquem as

anomalias, elas são acientíficas. Nota-se que elas demandam ajustes no paradigma e quebram

as expectativas por ele oferecidas. Ajustam-se também procedimentos, categorias, conceitos.

Entretanto, as anomalias geram a abertura do paradigma para novas descobertas (KUHN,

1998, p. 77-92).

Entretanto, há anomalias persistentes, que não encontram solução num

determinado paradigma, demandando novas teorias, cuja emergência é geralmente precedida

por um período de insegurança profissional pronunciada, e exige a destruição em larga escala

de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal. “Essa

insegurança é gerada pelo fracasso constante dos quebra-cabeças da ciência normal em

produzir os resultados esperados. O fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca

de novas regras” (KUHN, 1998, p. 93-95). Entretanto, ressalva o autor que “a produção de

novos instrumentos é uma extravagância reservada para as ocasiões que o exigem” e que “o

significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião

para renovar os instrumentos” (KUHN, 1998, p. 105).

A resposta às crises deve considerar, no entanto, que uma teoria científica só é

considerada inválida quando há outra a substitui-lac. O fracasso de um paradigma se dá na sua

comparação com outro paradigma e na comparação de ambos com a natureza (KUHN, 1998,

p. 108). A transição de um paradigma em crise para um novo paradigma não é um processo

cumulativo obtido pela articulação do velho paradigma. É a “reconstrução da área de estudos

a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais

elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações”. Ao se

completar a transição, “os cientistas terão modificado a sua concepção da área de estudos, de

seus métodos, e de seus objetivos” (KUHN, 1998, p. 116). “A transição para um novo

paradigma é uma revolução científica” (KUHN, 1998, p. 122).

Revoluções científicas, portanto, são episódios de desenvolvimento não-

cumulativo nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um

novo e incompatível com o anterior. Tal como nas revoluções políticas, as revoluções

científicas surgem de um sentimento crescente de que o paradigma existente deixou de

funcionar adequadamente e esse sentimento de funcionamento defeituoso é um pré-requisito

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para a revolução (KUHN, 1998, p. 125-126). Dessa forma, quando mudam os paradigmas,

muda com eles o próprio mundo, porque os cientistas adotam novos instrumentos e orientam

seu olhar em novas direções.

Durante as revoluções, os cientistas vêem coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente. É como se a comunidade profissional tivesse sido subitamente transportada para um novo planeta, onde objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e a eles se apregam objetos desconhecidos (...) as mudanças de paradigma realmente levam os cientistas a ver o mundo definido por seus compromissos de pesquisa de uma maneira diferente. Na medida em que seu único acesso a esse mundo dá-se através do que vêem e fazem, poderemos ser tentados a dizer que, após uma revolução, os cientistas reagem a um mundo diferente. (KUHN, 1998, p. 145-146).

Não obstante, as revoluções são quase invisíveis. A ciência normal tende a ver a

atividade científica como um processo linear de evolução, que agrega as contribuições

anteriores, sem enxergar as novas teorias como revoluções científicas, mas como melhoria das

antigas teorias. Mas para fazer isso, essas antigas teorias são distorcidas, para que se adéqüem

aos padrões da ciência normal atual. Entretanto, como já dito, a atividade científica não é

linear. Ela se desenvolve de forma não-cumulativa. Desenvolve-se por rupturas (KUHN,

1998, p. 173-181). A revolução ocorre após uma disputa entre paradigmas, apesar de os

cientistas pertencentes a paradigmas diversos realizarem entre si um debate entre surdos.

Mesmo que tentem processos de convencimento recíproco, tal tentativa geralmente é

frustrada. O convencimento em torno de um paradigma pode envolver argumentos de

qualidade, de clareza, etc. Mas em geral a adesão a um paradigma novo se dá pela fé, pela

crença de que ele solucionará as anomalias não resolvidas pelo paradigma antigo. Em geral,

os velhos cientistas não cedem ao novo paradigma, tendo Max Planck, segundo Kuhn,

chegado a defender que uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus oponentes

e fazendo com que vejam a luz, mas triunfa porque seus oponentes finalmente morrem e uma

nova geração cresce familiarizada com ela (KUHN, 1998, p. 183-191).

Para Kuhn, como já mencionado, a ciência não progride linearmente. Só se pode

falar em progresso no âmbito da ciência normal. A ciência evolui a partir de um início

primitivo, mas não em direção a algo. A ciência não se desenvolve a partir de um objetivo

estabelecido de antemão pela natureza, ou rumo a uma verdade. Daí ser contraditório falar em

“evolução”, “desenvolvimento” e “progresso” na ciência (KUHN, 1998, p. 201-216).

Além do que acima foi exposto, uma das constatações de Kuhn que será

especialmente relevante nesse trabalho é a de que o que se denominou ciência é um fenômeno

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europeu e cujo ponto de partida é possível de ser localizado na história. Para o autor, “a massa

dos conhecimentos científicos existentes é um produto europeu, gerado nos últimos quatro

séculos”, assim como “nenhuma outra civilização ou época manteve essas comunidades muito

especiais [de cientistas] das quais provêm a produtividade científica” (KUHN, 1998, p. 210).

A recepção da teoria de Thomas Kuhn no âmbito bastante amplo das

denominadass ciências sociais enseja o desafio a este próprio autor, que as considera pré-

paradigmáticas, em virtude da (quase) inexistência de consensos paradigmáticos. Nesse

sentido, convém citar a discussão de Boaventura de Sousa Santos com o mencionado autor:

Na teoria das revoluções científicas de Thomas Kuhn o atraso das ciências sociais é dado pelo carácter pré-paradigmático destas ciências, ao contrário das ciências naturais, essas sim, paradigmáticas. Enquanto, nas ciências naturais, o desenvolvimento do conhecimento tornou possível a formulação de um conjunto de princípios e de teorias sobre a estrutura da matéria que são aceites sem discussão por toda a comunidade científica, conjunto que Kuhn designa por paradigma, nas ciências sociais não há consenso paradigmático, pelo que o debate tende a atravessar verticalmente todo o conhecimento adquirido. O esforço e o desperdício que isso acarreta é simultaneamente causa e efeito do atraso das ciências sociais (SANTOS, 2009, p. 67).

Não obstante, em defesa das ciências sociais, Ruth Sautu, critica o ponto de vista

das ciências duras, para ponderar as especificidades da investigação social, e dando ênfase ao

caráter comunitário do fazer científico:

Com frequencia, algunas personas de las ciencias denominadas “duras” confundem la variedad de enfoques y estilos de investigación en ciencias sociales con falta de rigurosidad científica. Aunque existen textos escritos que nos categorizaríamos como investigación científica, creemos que esa diversidad se debe al hecho de que lo que se denomina ciencias sociales abarca muchas disciplinas, desde la economía y la sociología hasta la psicología social; desde los estudios macrosociales y culturales hasta la investigación del microcosmos del mundo cotidiano. Cada área disciplinaria es una unidad en sí misma, con sus teorías, sus estilos de hacer investigación y validarlos, con sus maneras de presentar el marco teórico y los objetivos. Dentro de las áreas disciplinarias existen sub-universos con sus propias reglas. Después de todo, teorías y metodologías son productos humanos; son los “miembros practicantes” de esos sub-universos los que los crean y modifican. Algunos círculos académicos son más influyentes, tienen más recursos, publican más. Sin embargo, cada investigador, cada grupo tiene su proprio margen de acción que es más amplio cuanto más reflexione críticamente sobre teorías y metodologías. (SAUTU, et. al, 2005, p. 23)

Feita essa exposição, resta esclarecer em que medida ela será importante para o

estudo proposto. Consideramos que a teoria de Kuhn enseja perguntas fundamentais para o

estudo da cientificidade do direito, uma vez que essa questão ainda não foi totalmente

esclarecida nessa área, tendo já mobilizado vários pensadores e muitos anos de trabalho e

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discussão. Pensamos que para um estudo mais amplo, essa investigação poderia incluir um

conjunto inicial de questões, acompanhando de perto a proposta kuhneana: se partirmos do

pressuposto de que é possível afirmar haver uma ciência jurídica, como essa afirmativa é

sustentada? Quem são seus formuladores? Quando e onde surgiu, ou qual o início primitivo

do direito como ciência? Como foram formulados e quais os seus cânones? É possível afirmar

haver um paradigma dominante no direito? Como se deu sua especialização? Quais suas

categorias fundamentais? Como elas interagem entre si? Que questões podem ser

legitimamente postas a respeito de tais categorias e que técnicas podem ser empregadas na

busca de soluções? Como a ciência jurídica realização suas operações de limpeza? Como a

ciência do direito tem estabelecido seus fatos significativos, como os harmoniza com as

teorias existentes e de que forma tem sido articulada a teoria fundante? Podemos identificar

no direito um conjunto de crenças e um conjunto de soluções modelares partilhadas? Podemos

identificar em sua história anomalias e os meios utilizados para ajustar o paradigma em

buscas das respostas a tais anomalias? Entretanto, ainda persiste um conjunto de anomalias

para as quais o paradigma existente não dá solução e que demandam troca de instrumentos?

Em que medida o paradigma dominante no direito deixou de funcionar adequadamente? Se

elas persistem, temos uma teoria ou conjunto de teorias para substituir a teoria dominante

existente?

Este conjunto de perguntas enseja um trabalho de pesquisa a ser realizado com um

tempo mais alargado e não é possível, para seguir o modelo proposto por Kuhn, de ser

realizado sem considerar a existência de diferentes comunidades de pensadores que partilham

diferentes pontos de partida teóricos sobre o que o direito é e como ele se desenvolve.

Diante da dimensão do trabalho necessário para dar conta dos problemas

propostos, o que se pretende apresentar a seguir é, partindo de estudos de alguns autores que

vem se debruçando sobre o tema, numa perspectiva crítica da sociedade e do direito, mostrar

um caminho possível para responder a algumas dessas questões.

2. UMA DISCUSSÃO PARADIGMÁTICA SOBRE O DIREITO: o paradigma moderno

do direito e sua crise

A discussão acima proposta encontra a justificação de sua importância na

afirmação de que o direito do século XX desenvolve pretensões científicas já em

desenvolvimento desde o século XIX. Boaventura de Sousa Santos chega mesmo a afirmar

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que “O cientificismo e o estatismo são as principais características do direito moderno”

(SANTOS, 2009, p. 141).

Os tempos que vivemos podem ser objeto de variadas abordagens e aqui devemos

confessar, para sermos coerentes, com qual comunidade compartilhamos os referenciais

utilizados para a análise do paradigma vigente e dominante no direito. Como já dito acima, a

tradição que sustenta esse texto busca se localizar no âmbito das abordagens críticas do direito

e da sociedade, deitando raízes em caminhos traçados desde Marx, passando pelos pensadores

da Escola de Frankfurt, pelo marxismo heterodoxo, e pelas escolas críticas no direito, na

sociologia e na filosofia. Um dos pontos de partida das discussões empreendidas por tais

pensadores é considerar que vivemos uma crise do paradigma moderno de sociedade. A

modernidade, por sua vez, enquanto paradigma sociologicamente considerado calcado num

conjunto de crenças e práticas, representa a ascensão do sujeito racional como centro do

pensar, do homem enquanto centro do mundo, que deve se apropriar da natureza em nome do

progresso, que utiliza suas certezas científico-matemáticas pra criar métodos exatos de

apreensão do real, considerando possível explicá-lo com o rigor das hard sciences

(matemática, física, química, mas essencialmente a primeira). A régua moderna produz

igualmente um direito que se pretende universal, geral, abstrato, que contenha em si todos os

conteúdos possíveis da vida concreta, se aplicando a todos os conflitos, exigindo dele

controlar a realidade humana, seus conflitos, valendo-se da força estatal se preciso para

garantir seu império. O positivismo jurídico, melhor expressão desse modo de pensar

moderno, reflexo do Estado moderno, Estado de Direito, ainda busca se legitimar, mesmo

admitindo que hoje se apresente com um pós-positivismo, adicionando às exatas regras os

difusos princípios, mas todos direcionados à unidade, à afirmação da completude do sistema

jurídico, à legitimação do poder que se impõe e de uma certa forma de ser no mundo que se

pretende universal e que não admite a diferença.

Para o mencionado autor Boaventura de Sousa Santos o paradigma da

modernidade de que ora se trata está assentado em dois pilares fundamentais: o da regulação e

o da emancipação, cada um deles constituído por três princípios ou lógicas. O pilar da

regulação é constituído pelo princípio do Estado, pelo princípio do mercado e pelo princípio

da comunidade, formulados, fundamentalmente, e respectivamente por Hobbes, Locke e

Adam Smith, e por Rousseau, e consistindo na obrigação política vertical entre cidadãos e

Estado, na obrigação política horizontal individualista e antagônica entre os parceiros do

mercado e na obrigação política horizontal solidária entre membros da comunidade e entre

associações. O pilar da emancipação, por sua vez, é constituído pelas três lógicas de

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racionalidade definidas por Max Weber: racionalidade estético-expressiva das artes e da

literatura, racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia e racionalidade

moral-prática da ética e do direito (SANTOS, 2009, p. 50).

O paradigma da modernidade, portanto, pretende um desenvolvimento

harmonioso e recíproco do pilar da regulação e do pilar da emancipação, com a consequência

de que esse desenvolvimento se traduza na completa racionalização da vida colectiva e

individual. A dupla vinculação entre os dois pilares, e entre eles e a praxis social, vai garantir

a harmonização de valores sociais potencialmente incompatíveis, tais como justiça e

autonomia, solidariedade e identidade, igualdade e liberdade. (SANTOS, 2009, p. 50-51).

Entretanto, o desenvolvimento desses dois pilares se deu de forma desigual,

resultando na submissão daquele da emancipação àquele da regulação, com a especial

subordinação regulatória da racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia e

a subordinação da racionalidade moral-prática da ética e do direito à racionalidade científica.

Os critérios científicos de eficiência e eficácia se tornaram hegemônicos, promovidos pela

rápida conversão da ciência em força produtiva, e colonizaram os critérios racionais de outras

lógicas emancipatórias. A ciência moderna se converteu numa “instância moral suprema”,

para além do bem e do mal, e a gestão científica da sociedade é haurido como o critério de

valorização da micro-ética individual e do formalismo jurídico. A política, por sua vez, “se

transformou num campo social de caráter provisório com soluções insatisfatórias para

problemas que só poderiam ser convenientemente resolvidos se fossem convertidos em

problemas científicos ou técnicos” (SANTOS, 2009, p. 51).

Uma das características fundamentais da modernidade, portanto, é esta relação de

cooperação e circulação de sentido entre a ciência e o direito, sob a égide da ciência. O direito

é um alter ego da ciência e “a apresentação de afirmações normativas como afirmações

científicas e de afirmações científicas como afirmações normativas é um facto endémico no

paradigma da modernidade”. A lei enquanto norma é lei enquanto ciência e a ideia de criar

uma ordem social assentada na ciência significa uma ordem social onde as determinações do

direito sejam resultado das descobertas científicas sobre o comportamento social (SANTOS,

2009, p. 52-54).

Do ponto de vista filosófico, a dominância do pilar da regulação por meio da

ciência encontra sua fundamentação no positivismo, cujos cânones sustentam as bases da

ciência e do direito modernos:

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O positivismo é a consciência filosófica do conhecimento-regulação. É uma filosofia da ordem sobre o caos tanto na natureza como na sociedade. A ordem é a regularidade, lógica e empiricamente estabelecida através de um conhecimento sistemático. O conhecimento sistemático é o conhecimento das regularidades observadas. A regulação sistemática é o controle efetivo sobre a produção e reprodução das regularidades observadas. Forma, em conjunto, a ordem positivista eficaz, uma ordem baseada na certeza, na previsibilidade e no controlo. A ordem positivista tem, portanto, as duas faces de Janus: é, simultaneamente, uma regularidade observada e uma forma regularizada de produzir a regularidade, o que explica que exista na natureza e na sociedade. Graças à ordem positivista, a natureza pode tornar-se previsível e certa, de forma a poder ser controlada, enquanto a sociedade será controlada para que possa tornar-se previsível e certa. Isto explica a diferença, mas também a simbiose, entre as leis científicas e as leis positivas. A ciência moderna e o direito moderno são as duas faces do conhecimento-regulação. (SANTOS, 2009, p. 141)

O maior sustentáculo teórico do positivismo no direito será a obra do jurista

austríaco Hans Kelsen, que descreve o ordenamento jurídico como um sistema fechado de

normas que se vinculam umas às outras a partir de vínculos de imputação, confinando o

sistema jurídico num aparato meramente lógico. O conhecimento jurídico se torna, pois,

dogmático, uma vez que seu ponto de partida indiscutível são os textos normativos emanados

do Estado e sua preocupação fundamental é a explicação do direito posto, existente, buscando

sua máxima eficácia, ou melhor aplicação, e justificando-o sem questioná-lo. Na visão de

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, esse saber dogmático está bitolado por dois princípios: o da

inegabilidade dos pontos de partida e o da proibição do non liquet, ou compulsoriedade de

uma decisão, sendo que essa compulsoriedade confere ao saber dogmático a necessidade de

criar condições de decidibilidade. Essa uniformização de sentido promovida pela dogmática

tem a ver com um fator normativo de poder, o poder de violência simbólica. Trata-se do poder

capaz de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no

fundamento da própria força. Assim, a dogmática do direito é um pensamento fechado à

problematização de seus pressupostos. Suas premissas e conceitos básicos são tomados como

pontos não problemáticos, a fim de cumprir sua função, qual seja criar condições para a ação.

O saber jurídico perdeu seu caráter ético para se converte em um saber tecnológico e fechado

para o entendimento da articulação do direito com o restante dos elementos componentes da

realidade social humana, uma vez que seu objeto é autossuficiente e independente (FERRAZ

JÚNIOR, 2007, passim).

A racionalidade jurídica moderna foi igualmente subordinada pelo princípio do

Estado, e o direito foi se tornando, ao mesmo tempo, estatal e científico. O Direito foi

politizado enquanto direito estatal, contribuindo para a reconstrução científica do Estado e

para a despolitização desse mesmo Estado, de forma a transformar a dominação política em

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dominação técnico-jurídica. (SANTOS, 2009, p. 143). O direito agora exclusivamente estatal

e nacional nega juridicidade a ordens jurídicas não estabelecidas dentro desses marcos.

Concebido nestes moldes, a instrumentalidade técnica do direito estatal autónomo é virtualmente infinita no seu alcance. O que caracteriza a especificidade funcional do Estado moderno não é o número de funções que o Estado pode desempenhar, mas sim a forma de desempenho. O estado mínimo do constitucionalismo liberal não só contém, em si, as sementes do Estado-Providência benevolente do capitalismo civilizado, mas também as do Estado fascista e do Estado estalinista. Nenhuma destas formas de Estado pôde desprezar a positividade do direito como instrumento potencialmente inesgotável de dominação, por mais subvertida e caricaturada que fosse essa positividade nas duas últimas formas de Estado. Em suma, o cientificismo e o estatismo moldaram o direito de forma a convertê-lo numa utopia automática de regulação social, uma utopia isomórfica da utopia automática da tecnologia que a ciência moderna criara. Quer isto dizer que, embora a modernidade considerasse o direito um princípio secundário (e talvez provisório) de pacificação social relativamente à ciência, uma vez submetido ao Estado capitalista o direito acabou por se transformar num artefacto científico de primeira ordem. A partir daí, o utopismo automático da tecnologia desenvolveu-se em articulação estreita com o utopismo automático da engenharia jurídica e, na verdade, até hoje, estes dois processos passaram a apoiar-se mutuamente (SANTOS, 2009, p. 143-144).

Ao lado do princípio do Estado, o direito moderno foi subordinado ao princípio do

Mercado, de forma a ajustar os ideais éticos e as promessas políticas às necessidades

regulatórias do capitalismo liberal.

A soberania do povo transformou-se na soberania do Estado-nação dentro de um sistema inter-estatal; a vontade geral transformou-se na regra da maioria (obtida entre as elites governantes) e na raison d’etat; o direito separou-se dos princípios éticos e tornou-se um instrumento dócil da construção institucional e da regulação do mercado; a boa ordem transformou-se na ordem tout court.(...)O aparecimento do positivismo na epistemologia da ciência moderna e do positivismo jurídico no direito e na dogmática jurídica podem considerar-se, em ambos os casos, construções ideológicas destinadas a reduzir o progresso societal ao desenvolvimento capitalista, bem como imunizar a racionalidade contra a contaminação de qualquer irracionalidade não capitalista, quer ela fosse Deus, a religião ou a tradição, a metafísica ou a ética, ou ainda as utopias ou os ideais emancipatórios. No mesmo processo, as irracionalidades do capitalismo passam a poder coexistir e até a conviver com a racionalidade moderna, desde que se apresentem como regularidades (jurídicas ou científicas) empíricas. (SANTOS, 2009, p. 140-141)

No mesmo sentido de crítica da vinculação do direito aos ditames do mercado,

Alysson Mascaro afirma que:

Afastando-se do caminho da filosofia originária — um caminho do ser e não do dever-ser, que se pergunta pela totalidade ética e não pelos fragmentos legalistas — a filosofia do direito moderna torna-se normativista e, além disso, individualista, por conta do voluntarismo subjetivista em que se baseia. Ao fazer tabula rasa da vida social e de suas carências, a modernidade inscreve na razão as divisas fundamentais

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do futuro e da justiça. No entanto, a razão individualista, nos limites da intersubjetividade, alcança só os horizontes do próprio interesse burguês. (...) A razão burguesa é a antecipação miraculosa da inexorabilidade do capitalismo. (MASCARO, 2008, p.151)

Desta forma, se às ciências sociais faltam elementos de consenso que possam

afirmar um paradigma, no âmbito do direito tal consenso parece não faltar. O paradigma do

direito moderno, na leitura acima realizada, ― e compartilhada por uma comunidade de

estudiosos críticos do direito, que tem buscado aprofundar essa crítica, ainda que de forma

minoritária ante à enormidade da comunidade de reprodutores, nem sempre conscientes, desse

direito que se critica — se assenta em um conjunto de crenças partilhadas e que o conduzem à

uma cientificidade com pretensões de regulação da sociedade, devidamente

instrumentalizadas pelas ferramentas estatais disponíveis para oferecer a coerção necessária

ao cumprimento dos ditames estabelecidos em documentos escritos, gerais e impessoais, que

servem como ponto de partida para o labor da comunidade de especialistas autorizados a

dizerem a verdade do direito. O saber jurídico se torna um direito esotérico, de conteúdo

inacessível e especializado, e que portanto exclui o cotidiano do direito das comunidades, e

seu conteúdo deixa de ter qualquer objetivo emancipatório, por estar a serviço de uma visão

politicamente liberal e materialmente capitalista. Afastado de suas origens políticas, o direito

se torna mera técnica.

Entretanto, este paradigma jurídico está em crise; a modernidade está em crise.

Este modelo, na cotidianidade, não se converteu nas promessas de liberdade, igualdade e

fraternidade prometidas pela modernidade e suas pretensões universalistas, racionais

instrumentais, que só admite soluções a partir do próprio modelo. Essas pretensões não

geraram um universo terreno igualitário, fraterno, e livre, mas sim a disseminação da miséria,

a assimilação de todos ao universo capitalista, tornando o homem um cidadão que se afirma

pelo consumo, deixando-se assim vítimas no meio do caminho. Culturas excêntricas

caminham para o desaparecimento, em direção à vala comum das demais culturas já

destruídas pela colonização europeia, e, dentro da própria Europa, pelo modo capitalista de

vida. A ciência, antes tão exata, que muitas vezes precisa matar o objeto para dissecá-lo e

conhecê-lo, armou a humanidade com todos os artefatos possíveis que podem levar à sua

própria destruição, ao mesmo tempo em que descobrimos a insignificância humana no

universo e a física quântica aponta que as ciências, longe da propalada certeza, trabalham

sobre um terreno dominado por juízos de probabilidade, que não levam necessariamente a

previsões certas, seguras e exatas.

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Desta forma, nosso modo de vida, nossa forma de conceber, entender e explicar o

mundo, nosso modelo de organização política e de resolução de conflitos apresentam sérios

indícios de suas contradições e da urgência de sua desconstrução e substituição. Nesse

sentido, Eduardo Bittar inventaria alguns elementos dessa crise, com especial foco na sua

dimensão jurídica:

Os tradicionais paradigmas que serviram bem ao Estado de direito do século XIX não se encaixam mais para formar a peça articulada de que necessita o Estado contemporâneo para a execução de políticas públicas efetivas. Assim, perdem significação: a universalidade da lei, pois os atores sociais possuem características peculiares não divisáveis, que o torna formalmente isento de qualquer contaminação de forças políticas, quando se sabe que toda legislação vem formulada na base de negociações políticas e partidárias; a idéia da contenção do arbítrio pela lei, fator de descrédito diante da ineficácia e da inefetividade das atitudes de combate à corrupção e às taxas elevadíssimas de impunidade; a regra de igualdade perante a lei, como garantia da indistinção e do deferimento dos mesmos direitos a sujeitos igualmente capazes e produtivos no mercado, quando se sabe que as oportunidades são maiores para uns e menores para outros; a idéia de que a codificação representaria uma obra científico-legislativa, obra-prima do saber jurídico, com disciplina única e sistemática das matérias por ele versadas, insuscetíveis de lacunas e de erronias, possibilitando a exegese harmônica do sistema, quando se sabe que os códigos possuem o mesmo potencial de dissincronia com as mudanças sociais que os demais textos normativos; a tripartição clara das competências das esferas e das instâncias do poder como forma de manter o equilíbrio do Estado, o que na prática resulta em dissintonia entre as políticas legislativas, as políticas judiciárias e as políticas administrativas e governamentais, criando Estados simultâneos orientados por valores desconexos; a idéia da democracia representativa rousseauniana, quando se sabe que a população vive à mercê dos usos e abusos da publicidade, no discurso e na manipulação políticas; a intocabilidade da soberania, como forma de garantia da esfera de atuação com exclusividade dos poderes legislativos, jurisdicionais e executivos em bases territoriais fixas e determinadas na ordem internacional, quando se sabe que a interface da internacionalização dos mercados e da interdependência econômica tornam inevitável o processo de integração; a garantia de direitos universais de primeira geração, como forma de expressar a proteção à pessoa humana, o que na prática ainda pouco se incorporou às realizações socioeconômicas; a garantia da existência da jurisdição como garantia de acesso a direito, quando se sabe que, em verdade, a justiça se diferencia para ricos e pobres, pelos modos como se pratica e pelas deficiências reais de acesso que possui. (BITTAR, 2009, p. 81-82)

A crítica dos limites do direito posto se compreende num contexto de

desconstrução das grandes narrações, dos projetos globais de humanidade modernos, do

racionalismo instrumental, de nossa organização político-econômico-jurídica, de nossas

tecnologias, etc. Nesse horizonte de incertezas, caminhos possíveis são apontados e nosso

tempo exige o apontamento desses caminhos. A crise de um paradigma se faz acompanhar de

um momento de transição paradigmática. E, seguindo novamente Boaventura de Sousa

Santos, “Como todas as transições são simultaneamente semi-invisíveis e semicegas, é

impossível nomear com exactidão a situação atual” (SANTOS, 2009, p. 49).

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Defendo uma muito ampla concepção de transição paradigmática. A transição actual não é apenas (ou não tanto) uma transição entre modos de produção estreitamente definidos, mas entre formas de sociabilidade e no sentido mais lato, incluindo as dimensões económica, social, política e cultural. O entrelaçar do projecto sócio-cultural da modernidade com o desenvolvimento capitalista no século XIX conferiu ao capitalismo uma densidade social e cultural que ultrapassou largamente as relações económicas de produção. Esta facto foi de certo modo descurado por Marx e, por isso, a sua visão da transição paradigmática partilha com o liberalismo muito mais do que o que ele algumas vezes poderia admitir. São as seguintes as principais cumplicidades entre marxismo e liberalismo: a confiança no poder libertador da ciência moderna; o dualismo natureza/sociedade que subjaz à ciência moderna e as pretensões epistemológicas que aí assentam; a ideia de um processo evolutivo linear que há-de ter um fim (embora, para Marx, esse fim ainda estivesse para vir), seja ele a sociedade industrial (Spencer), o estado positivo (Comte) ou a solidariedade orgânica (Durkheim); a ideia de progresso, mesmo que descontínuo (através de revoluções); a crença num desenvolvimento tecnológico contínuo e num crescimento infindável; a concepção do capitalismo como fator civilizador progressista, por mais brutal que fosse a opressão colonial e a destruição da natureza.(...)Do ponto de vista da perspectiva ampla de transição que tenho vindo a defender, o período de transição paradigmática por que estamos a passar começou com o colapso epistemológico da ciência moderna e acabará por pôr em questão todas as convicções mencionadas acima. Daí que exija uma transformação civilizacional. Embora indiscutivelmente tributária do Marxismo, esta concepção de transição paradigmática considera que a transição marxista convencional é, afinal de contas, subparadigmática.Defendo, assim, que a discussão paradigmática do direito moderno, em conjunto com a da ciência moderna, irá esclarecer os termos e as direções possíveis da transição para um novo paradigma societal. (SANTOS, 2009, P. 168-169)

Para esse autor, o défices e excessos da modernidade já se previam, mas os

excessos foram considerados desvios fortuitos e os défices como deficiências temporárias,

sendo que ambos poderiam ser resolvidos através de uma melhor utilização dos crescentes

recursos materiais, intelectuais e institucionais da modernidade. O que Boaventura denomina

de gestão reconstrutiva dos excessos e dos défices foi progressivamente confiada à ciência e,

de forma subordinada, ao direito. Mas essa gestão reconstrutiva dos excessos e dos défices da

modernidade necessitou da participação subordinada, mas central, do direito moderno.

Embora a racionalidade moral-prática do direito tenha tido de submeter, para ser eficaz, à

racionalidade cognitivo-instrumental da ciência, ou ser isomórfica dela, o direito protegeu,

por meio de sua integração normativa e sua força coerciva, a gestão científica da sociedade

contra eventuais oposições. Em outros termos, como já estudado anteriormente, segundo

Boaventura de Sousa Santos, “a despolitização científica da vida social foi conseguida através

da despolitização jurídica do conflito social e da revolta social” (SANTOS, 2009, p. 52-54).

Mas se ele considera legítimo pensar que a crise do paradigma da ciência moderna

acarretará a crise do paradigma do direito moderno, isto não significa, todavia, que as

condições da transição paradigmática na ciência sejam ou as mesmas, ou tão visíveis, ou que

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atuem da mesma forma que as da transição paradigmática no direito (SANTOS, 2009, p. 164-

165).

Em primeiro lugar, porque mesmo que exista uma certa cumplicidade epistemológica e uma circulação de sentido entre a ciência e o direito moderno, resultantes da submissão da racionalidade moral-prática do direito e da ética à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência, o isomorfismo assim produzido é de alcance limitado e de conteúdo epistemológico meramente derivado. Enquanto domínio social funcionalmente diferenciado, o direito desenvolveu um autoconhecimento especializado e profissionalizado, que se define como científico (ciência jurídica), dando assim origem à ideologia disciplinar a que chamo cientificismo jurídico. (...) Mas essa interligação mútua do cientificismo jurídico com o estatismo jurídico revela também até que ponto o isomorfismo epistemológico com a ciência moderna é limitado pela sua eficácia pragmática. O saber jurídico tornou-se científico para maximizar a operacionalidade do direito enquanto instrumento não científico de controlo social e de transformação social. (...)Enquanto na ciência o saber iria gerar poder, no direito, do século XIX em diante, o poder (estatal) iria gerar saber (profissional). Compreende-se, assim, que o positivismo jurídico reclamasse para si uma capacidade operacional com o qual o conhecimento da ordem e da transformação social não podia competir, pois esse conhecimento teria ainda de ser desenvolvido pelas ciências sociais, que eram então pouco mais que incipientes. Este desajustamento é, de facto, endémico na cultura jurídica do Estado moderno. Do positivismo jurídico à autopoiese, o pressuposto ideológico foi sempre o de que o direito devia desconhecer, por ser irrelevante, o conhecimento social científico da sociedade e, partindo dessa ignorância, deveria construir uma afirmação epistemológica própria (“direito puro”, “direito auto-referencial”, “subjectividade epistémica do direito”).Esta é a segunda razão pela qual as condições teóricas da transição paradigmática da ciência moderna não vigoram da mesma forma no domínio do direito. Como as pretensões epistemológicas do direito são derivadas e, no fundo, assentam num défice de conhecimento científico sobre a sociedade, as condições teóricas do conhecimento jurídico estão subordinadas às condições sociais do poder jurídico, das quais, até certo ponto, têm de ser deduzidas. A autonomia, universalidade e generalidade do direito assentam numa ligação a um determinado Estado concreto, cujos interesses servem, independentemente de estes serem autónomos ou de classe, gerais ou particulares. (SANTOS, 2009, p 165)

Se os tempos ora vividos são tempos de crise e de transição, o futuro que se

anuncia não é, por certo, previsível, mas sua as soluções que se busca construir para a crise já

podem prenunciar caminhos por onde podemos nos guiar. Muitas são as nuances da crise da

modernidade, enquanto paradigma considerado em sentido amplo. No plano do direito,

também diversas tem sido as críticas formuladas ao positivismo enquanto paradigma do

direito moderno e as soluções que se apresentam oscilam entre tentativas de rearranjos do

paradigma, buscando corrigir excessos e défices do positivismo, mas mantendo seus cânones,

— tal como as teorias principiológicas do direito — e propostas mais ousadas de negação do

positivismo-normativismo caracterizadores do direito moderno, que se fazem acompanhar da

denúncia do exclusivismo estatal do direito, de seu caráter excludente e da necessidade de

reconhecimento de outras formas de juridicidade e de abertura da construção do direito para

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os povos, de forma a combater seu caráter elitista, burocrático e à serviço de minorias

governantes e privilegiadas. Para concluir este tópico, convém citar mais uma vez Boaventura

de Sousa Santos, que tem nos guiado até aqui, quando este analisa o tempo da transição

paradigmática:

O tempo da transição paradigmática é um tempo muito contestado, sobretudo por englobar múltiplas temporalidades. Dado que os conflitos paradigmáticos (as contradições internas) coexistem com os conflitos subparadigmáticos (os excessos e os défices), a própria transição é, em si mesma, um fenómeno intrinsecamente contestado. O horizonte temporal daqueles para quem apenas existem conflitos subparadigmáticos é forçosamente mais estreito e curto do que o daqueles para quem esses conflitos são manifestações visíveis de um conflito paradigmático latente. Mesmo os que admitem a existência de uma transição paradigmática podem não concordar quanto à identificação ou natureza do paradigma cessante, ou quanto à duração e sentido da transição iminente. Acresce que as tendências seculares, que são a temporalidade da transição, têm de ser reduzidas, enquanto representação social, à duração do ciclo da vida humana, a fim de que as lutas paradigmáticas sejam politicamente eficazes. Dado este condicionalismo, poderá ser necessário conceptualizar essas lutas como lutas paradigmáticas (contradições internas), mas conduzi-las como se fossem subparadigmáticas (excessos e défices). A luta paradigmática é, portanto, uma utopia cuja eficácia pode residir nos recursos intelectuais e políticos que fornece às lutas subparadigmáticas. A meu ver, isto explica a opacidade e, simultaneamente, a turbulência e a vibratilidade, os equívocos e as inesperadas convergências que caracterizam ab ovo a transição paradigmática enquanto fenômeno cultural, societal e político. (SANTOS, 2009, p. 168)

A partir da análise acima desenvolvida, passaremos a tratar de uma das

experiências políticas que tem desafiado os modelos com os quais o direito vinha se

construindo até os tempos de hoje. Essas experiências se fazem acompanhar de perspectivas

teóricas igualmente desafiadoras e contestadoras do paradigma moderno do direito. A seguir,

buscaremos visualizar até que ponto o Novo Constitucionalismo Latino-Americano se mostra

com uma experiência típica da transição paradigmática e até que ponto sua construção

teórico-político-jurídica aponta para a correção de excessos e défices ou para emergência de

um novo paradigma no direito, enquanto novo conjunto de modelos partilhados pelos

profissionais do direito, no contexto de emergência de um novo paradigma societal, no

sentido amplo de superação da modernidade.

3. A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO PARADIGMA DO DIREITO MODERNO

3.1. O constitucionalismo a ser superado e sua crise

A crítica acima articulada nos conduz agora à possibilidade de mostrar a presença

dos elementos do paradigma moderno do direito no âmbito do direito constitucional. Ao

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direito moderno corresponde um constitucionalismo moderno, entendido como movimento

teórico-doutrinário, como movimento político e como construção normativa.

O discurso majoritário presente nos manuais de direito constitucional dão conta de

que a essência do constitucionalismo e o problema fundamental do direito constitucional é

sempre limitar ao Príncipe, controlar o poder, parar permitir a liberdade política dos cidadãos

e o gozo de seus direitos fundamentais. Cidadãos esses que, enquanto povo, são a origem e

fundamento do poder do Estado. O Estado de Direito onde esse constitucionalismo opera é

assim salvaguardado para que nele operem, dentro de seus limites, a soberania popular e o

princípio democrático.

Para José Joaquim Gomes Canotilho, a acepção histórico-descritiva do

constitucionalismo moderno o designa como um movimento político, social e cultural que, a

partir de meados do século XVIII, questiona política, filosófica e juridicamente os esquemas

tradicionais de domínio político, sugerindo a invenção de uma nova forma de ordenação e

fundamentação do poder político. Ele opõe-se ao chamado constitucionalismo antigo,

entendido como um conjunto de princípios escritos ou consuetudinários que sustentavam

direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitavam seu poder

(CANOTILHO, 2003, p. 52).

Este mesmo autor nos conduz, entretanto, a um entendimento multidimensional

do constitucionalismo moderno e que nos será útil para a compreensão de seus elementos

constitutivos e modeladores de sua construção paradigmática. Mais do que um movimento de

direção única, a consolidação do paradigma do constitucionalismo moderno se deu por

movimentos nem sempre coordenados e nem sempre ausentes de contradições.

O movimento constitucional gerador da constituição em sentido moderno tem várias raízes localizadas em horizontes temporais diacrónicos e em espaços históricos geográficos e culturais diferenciados. Em termos rigorosos, não há um constitucionalismo mas vários constitucionalismos (o constitucionalismo inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês). Será preferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com corações nacionais mas também com alguns momentos de aproximação entre si, fornecendo uma complexa tessitura histórico-cultural. E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar desde já uma noção básica de constitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. (CANOTILHO, 2003, p. 51)

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Para este autor, portanto, os temas centrais do constitucionalismo são a “fundação

e legitimação do poder político” e a “constitucionalização das liberdades”, sendo que a

captação de seu sentido comporta, ao menos, três modelos de compreensão: o modelo

historicista, o modelo individualista e o modelo estadualista, cada qual correspondendo à

contribuição, respectivamente, dos constitucionalismos inglês, francês e estadunidense, para a

consolidação do paradigma constitucional de que se trata e que hoje é submetido à crítica. A

contribuição do modelo historicista do constitucionalismo inglês — cujos documentos

fundamentais são a Magna Charta (1215), a Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act

(1679) e o Bill of Rights (1689) — centra-se: na garantia de direitos adquiridos, especialmente

do “binômio subjetivo” liberty and property, na qual a liberdade é entendida com liberdade

subjetiva e pessoal de todos os ingleses e como segurança da pessoa e dos bens de que se é

proprietário; na garantia da liberdade e da segurança por meio de um processo justo regulado

por lei (due process of law), no qual estão estabelecidas as regras de privação da liberdade e

da propriedade; na sedimentação do direito comum de todos os ingleses (common law) pela

interpretação das leis do país pelos juízes; na invenção das categorias políticas de

representação e soberania parlamentar, com estatuto constitucional, especialmente após a

Revolução Gloriosa (1688-89), necessárias à estruturação de um governo moderado, sendo

que a noção de soberania parlamentar é o fundamento da ideia de que o poder supremo

deveria expressar-se na forma da lei do parlamento, o que está na gênese da rule of law,

princípio básico do constitucionalismo moderno. Por sua vez, o modelo individualista, do

constitucionalismo revolucionário francês, haurido num contexto de rompimento com o

Ancien Régime, rompimento não observável no constitucionalismo inglês que mantinha

privilégios estamentais típicos do medievo, edifica uma ordem fundada em direitos

individuais, direitos de homens naturalmente livres e iguais em direitos, que legitimam e

fundam o poder político, o inventam e reinventam, dando a si próprios uma lei fundamental,

de uma ordem por eles querida, conformada por acordo entre eles, ou seja, um contrato social

assente nas vontades individuais e documentado em uma constituição escrita que garanta

direitos e conforme o poder político estabelecido, juntamente com a constituição, por um

“poder constituinte” — originário, autônomo e independente — pertencente à Nação e criador

da lei superior, ou seja, a constituição. Por fim, o modelo estadualista do constitucionalismo

estadunidense nos legou a possibilidade de limitação normativa do governo e do parlamento

por meio de uma lei escrita superior que condensa os princípios fundamentais da comunidade

e os direitos dos particulares, elaborada através de tomadas de decisão pelo povo, em raros

“momentos constitucionais” e sob condições especiais, isto é, no exercício do poder

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constituinte, — porque as decisões frequentes são atribuídas ao governo e não ao povo

(democracia dualista) — e que o assegure contra uma possível tirania da maioria, limitando o

domínio político e tornando nulas quaisquer leis inferiores infringentes dos preceitos

constitucionais, de forma a elevar o poder judicial ao status de defensor da constituição e

guardião dos direitos e liberdades, de forma a permitir que os juízes, tão pouco confiáveis aos

franceses, operem a fiscalização de constitucionalidade e se coloquem entre o povo e o

legislador (CANOTILHO, 2003, p. 55-60).

Os argumentos de Canotilho somados aos que a seguir serão articulados, seguindo

o caminho crítico anteriormente iniciado, colaboram para o reforço da tese de que os

princípios do Estado e do mercado submeteram o princípio da comunidade. Nesse sentido,

Ricardo Sanín Restrepo defende que o constitucionalismo moderno, que ele denomina de

liberal contemporâneo, aniquilou a democracia, uma vez que o direito nega suas origens

políticas e, por consequência, nega o povo como poder constituinte. O direito, tornado técnica

com pretensões científicas excludentes e especializadas, se constitui em um megatexto

jurídico que sequestra o “demos” da democracia e o normatiza, de forma que o objeto (norma

fundamental) deixa de ser criado pelo sujeito (povo). Assim, a norma passa a definir o sujeito

e o poder constituinte se dilui atrás da norma fundamental, que repele a democracia como sua

condição de existência (SANÍN RESTREPO, 2009, p. 25-26).

À estatização do direito corresponde a cooptação da democracia pelo Estado, a

separação entre constituição e povo e a redução da constituição política a uma mera norma

formal, com a consequente apropriação do lugar do poder constituinte pelo poder constituído

(juiz constitucional), implicando na usurpação do lugar de enunciação da linguagem política.

Nesse contexto, os juristas protagonizaram uma marcha frenética rumo à sofisticação e

complicação dos conteúdos constitucionais, que foram tornados um material completamente

desligado da experiência democrática. Os juristas se tornaram pontífices, donos das chaves

dos textos e bloquearam o conteúdo da constituição, de forma a obrigar o povo a ter que dela

se reaproximar por outras vias (SANÍN RESTREPO, 2009, p. 27).

Nesse processo, o direito para lograr cumprir com sua pretensão de

sistematicidade, completude e coerência se converteu no lugar do absoluto, no lugar onde

nasce a ordem simbólica que cria as fantasias que vivemos como realidade, desde a fantasia

de uma sociedade transparente até a do sujeito de direito autónomo e universal dos direitos

humanos. Essa aparição totalitária do direito impediu que existissem sujeitos, política ou

linguagem fora do direito (SANÍN RESTREPO, 2009, p.28).

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As constituições oriundas desse constitucionalismo somente cumpriram os

objetivos determinados pelas elites: a organização do poder do Estado e a manutenção de

elementos básicos de um sistema democrático formal. O controle do poder dos representantes

do povo, portanto representantes da soberania popular, ser converteu em controle da própria

soberania popular, transformando em conteúdo vazio qualquer discurso no sentido de dizer

que o poder emana do povo. A essência do constitucionalismo é controlar o poder de rebelião

e criação normativa do povo por meio da política, mantendo o direito em sua clausura técnica

e a serviço da burocracia e do mercado. O poder constituinte, assim, foi esvaziado de seu

conteúdo político mais radical. Seu fundamento deixou de ser a potência do povo para se

reduzir a mero elemento de um aparato lógico formal de legitimação de processos

constituintes realizados sem a efetiva participação popular e para afastar do controle das

funções do Estado moderno essa mesma participação popular. Além dos procedimentos, em

termos de conteúdo, esse constitucionalismo se baseou na defesa dos direitos individuais,

desenvolvidos em torno da liberdade e da propriedade, cuja realização plena não se pode

observar se não em relação a elites dirigentes e detentoras do poder econômico. Ainda que a

plasticidade do direito moderno tenha suportado a emergência do que se denominou

constitucionalismo social, os direitos humanos de segunda ou terceira dimensão (direitos

sociais, ambientais, etc.) ainda tem seu eixo lógico e ideológico baseado e/ou subordinado aos

direitos de primeira dimensão (direito individuais), uma vez que o fundamento do direito

continua o mesmo desde a consolidação do direito moderno, o que acima melhor se

desenvolveu.

Não obstante, ainda na Europa, nas últimas décadas do século XX, uma reação

garantista dos conteúdos que o constitucionalismo social exigiu para a constituição, um difuso

movimento denominado neoconstitucionalismo, insistiu na diferença entre o conceito formal e

material de Estado constitucional, ao defender que este não é apenas o que conta com um

texto que se autodenomina constituição, mas sim o que conta com uma constituição fruto da

legitimidade democrática e dotada de instrumentos garantidores da limitação do poder e da

efetividade dos direitos contemplados no texto constitucional. De acordo com esta concepção,

o Estado constitucional é um conceito em constante construção e que deve lutar para efetivar

seus dois elementos fundamentais: legitimidade democrática e normatividade. A constituição

é, então, a juridificação das decisões políticas fundamentais adotadas pela soberania popular,

é o elemento de enlace entre política e direito e o mecanismo de legitimação democrática

deste. Não basta uma constituição, se o ordenamento jurídico não está “impregnado” de

normas constitucionais (em sentido material). Assim, propõe-se sete condições de

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constitucionalização efetiva do sistema jurídico: a rigidez constitucional, a garantia

jurisdicional da constituição, sua força vinculante, a sobreinterpretação da constituição, a

aplicação direta das normas constitucionais, a interpretação das leis conforme a constituição, e

a influência da constituição sobre as relações políticas (VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ

DALMAU, 2010, p.15-16). Mas tal posição, embora acuse os limites do constitucionalismo

moderno e seu déficit democrático, não logrou influência decisiva no contexto histórico e

social onde foi desenvolvida. Para Roberto Viciano Pastor e Rubén Martínez Dalmau, foi na

América Latina, a partir da década de 1990, que ditas teorias garantistas foram assumidas por

um novo constitucionalismo nascente e que assumiu uma radical aplicação da teoria

democrática da constituição, de forma a superar o conceito de constituição como limitadora

do poder constituído e se avançar na definição da constituição como fórmula democrática

onde o poder constituinte, a soberania popular, expressa sua vontade sobre a configuração e

limitação do Estado e da própria sociedade (VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU,

2010, p.16).

Desta forma, pode-se afirmar que os conflitos gerados pela dinâmica da sociedade

e do direito modernos ensejaram levantes contestadores de sua lógica. Mais recentemente,

como já afirmado acima, na América Latina tem-se vivido movimentos de organização

política de forte conotação popular que logrou elaborar constituições com um perfil

diferenciado e que apontam para mudanças na forma e no conteúdo do direito que

conhecemos. As constituições surgidas desses movimentos serviram de documentos basilares

para o que se tem denominado Novo Constitucionalismo Latino-Americano, que, desde a

última década do século XX, está se desenvolvendo em diferentes lugares e tem se inspirado e

servido de inspiração para diferentes desenvolvimentos teóricos e diferentes práticas políticas,

todos apontando para um momento de transição paradigmática no direito moderno e no seu

constitucionalismo. A seguir, analisaremos alguns traços dessas mudanças e dessa transição.

3.2 O constitucionalismo moderno na América Latina

Não consideramos ser possível tratar do Novo Constitucionalismo Latino-

Americano sem ao menos tecer considerações sobre a maneira como se desenvolveu o

constitucionalismo na América Latina. A tão só delimitação geográfica e histórica do

fenômeno analisa aponta para o fato de que estamos a tratar, antes de tudo, de uma realidade

marcada pelo colonialismo e pela dependência. A independência formal das antigas colônias

de Portugal e Espanha no continente americano não significou sua emancipação cultural,

política, e econômica. Internamente, os novos países independentes não lograram modificar

Page 24: M cristina novo constitucionalismo democratico latino reformulado

24

sua estrutura social, econômica e política. Já estavam nelas internalizados os ideários do

capitalismo, do liberalismo e do positivismo tão criticados acima. O processo de dominação

cultural colonial repercutiu também no plano jusfilosófico e a fundamentação e concretização

do direito nacional dos países latino-americanos reproduziu, acriticamente, os modelos

trazidos da Europa, sem considerar que tais modelos estavam associados a contextos locais e a

interesses que não se aproximavam de nossa realidade. Operou-se um verdadeiro processo de

alienação em relação a esse direito importado, que não interessava senão às elites que se

locupletaram de seu caráter excludente e mistificador da realidade, de forma que essa

importação serviu aos propósitos de dominação das elites nacionais e de garantia de seus

negócios com as metrópoles de onde emanam as diretrizes do sistema capitalista em ascensão,

especialmente contra as comunidades originárias do continente, bem como contra a população

pobre de origem escrava ou imigrante.

Tem sido próprio na tradição latino-americana, seja na evolução teórica, seja na institucionalização formal do Direito, que as constituições políticas consagrassem, abstratamente, igualdade formal perante a lei, independência de poderes, soberania popular, garantia liberal de direitos, cidadania culturalmente homogênea e a condição idealizada de um “Estado de Direito” universal. Na prática, as instituições jurídicas são marcadas por controle centralizado e burocrático do poder oficial; formas de democracia excludente; sistema representativo clientelista; experiências de participação elitista; e por ausências históricas das grandes massas campesinas e populares. Certamente, os documentos legais e os textos constitucionais elaborados na América Latina, em grande parte, têm sido a expressão da vontade e do interesse de setores das elites hegemônicas, formadas e influenciadas pela cultura europeia ou anglo-americana. Poucas vezes, na história da região, as constituições liberais e a doutrina clássica do constitucionalismo político reproduziram, rigorosamente, as necessidades de seus segmentos sociais majoritários, como as nações indígenas, as populações afro-americanas, as massas de campesinos agrários e os múltiplos movimentos urbanos. (WOLKMER, 2010, p. 147)

O constitucional moderno europeu não conseguiu, nessas sociedades, destituir os

privilégios das elites e nem mesmo universalizar os direitos por ele propalados, quantos

menos efetivar o princípio da soberania. Ao se aproximar do século XXI, esse processo

histórico culmina com a subordinação das mesmas ao novo caráter do capitalismo mundial,

isto é, ao neoliberalismo, que fortaleceu as mazelas sociais ao buscar, repetindo a implantação

do modelo na Europa e nos Estados Unidos da América, reduzir o caráter protetivo do estado,

revogar direitos sociais e impor medidas econômicas às economias dependentes para servir

aos interesses do capital transnacional sediados nas metrópoles desse sistema. Neste processo,

não se pode olvidar que o avanço das relações capitalistas na América Latina causou, ao lado

da destruição de culturas, uma fortíssima destruição ambiental, que continua em marcha.

Page 25: M cristina novo constitucionalismo democratico latino reformulado

25

Por sua vez, se consideramos que o constitucionalismo moderno se consolidou

com uma “teoria normativa da política”, essa teoria política hoje, especialmente em nosso

continente, se encontra extremamente distanciada da prática política. Nesse sentido,

Boaventura de Sousa Santos considera que esse distanciamento, e a ausência de claridade

conceitual que ele gera para quem pretende compreender a realidade latino-americana, se

deve a quatro fatores: em primeiro lugar, porque a teoria política foi desenvolvida no Norte

global — basicamente, na França, na Inglaterra, na Alemanha, na Itália e nos Estados Unidos

—, onde, desde de meados do século XIX, se consolidou um marco teórico pretensamente

universal e aplicável a todas as sociedades e cujos conceitos temos dificuldades de aplicar em

nossas sociedades latino-americanas, em virtude de sua inadequação; em segundo lugar,

porque a teoria política desenvolveu teorias da transformação social tal como ela ocorreu no

Norte, restando muito distantes das práticas transformadoras em geral, porque, nos últimos

trinta anos, as grandes práticas transformadoras vem do Sul, acarretando que os grandes

teóricos (que sequer falam português, espanhol, ou, sequer, as várias línguas dos povos

originários) não se deem conta de toda a realidade transformadora das práticas e,

consequentemente, as invisibilizam ou marginalizam; o terceiro fator é que a teoria política é

monocultural, tem como marco histórico a cultura eurocêntrica que se adapta mal a contextos

onde essa cultural eurocêntrica tem que conviver com culturas e religiões de outro tipo, não

ocidentais, como as culturas indígenas; e, por fim, o quarto fator é que a teoria crítica não se

deu conta de um fenômeno que hoje é mais central, que é o fenômeno do colonialismo,

porque a teoria política e as ciências sociais acreditavam que a independências dos países da

América Latina tinha posto fim ao colonialismo sem reparar que, depois da independência, o

colonialismo continuou sobre outras formas, como a do colonialismo social ou colonialismo

interno, e não o consideraram um tema da antropologia ou da sociologia jurídica, tendo o

relegado a apenas um tema da história (SANTOS, 2007, p. 12-13).

Os conflitos daí surgidos e a organização de setores populares em torno de

partidos de esquerda lograram fortalecer propostas de um novo constitucionalismo, como

expressão de um novo direito que contivesse e se articulasse com um projeto político voltado

à solução dos “excessos e défices” da modernidade, a partir do conhecimento da realidade

social específica da América Latina, de forma a se concretizar um almejado direito

democrático, autêntico e com o objetivo de sanar a desigualdade e os problemas sociais e

ambientais sofridos pela população do continente.

Page 26: M cristina novo constitucionalismo democratico latino reformulado

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4. O NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO LATINO-AMERICANO:

emergência de um novo paradigma em tempos de transição paradigmática

O movimento de construção de um novo constitucionalismo na América Latina,

como expressão de uma luta ampla de negação dos efeitos perversos do direito moderno no

continente, não caminhou em uma única direção e não se deu de uma vez. Ele ainda está em

desenvolvimento, experimentando diferentes soluções e sobre o qual incidem abordagens

diversas.

Antônio Carlos Wolkmer defende que vivemos a terceira fase de desenvolvimento

deste novo constitucionalismo na América Latina. A primeira fase teria tido por resultado as

constituições do Brasil (1988) e da Colômbia (1991), ambas com forte caráter socializante e

reconhecedor de direitos coletivos e plurais. O segundo ciclo, representado pela constituição

da Venezuela (1999), se caracteriza por um constitucionalismo participativo e pluralista. Por

fim, o terceiro ciclo desse novo constitucionalismo é representado pelas recentes e

vanguardistas constituições do Equador (2008) e da Bolívia (2009), cujas novidades incluem

um constitucionalismo plurinacional comunitários, identificado com um paradigma não

universal e único de Estado de Direito, reconhecedor da coexistência de experiências de

sociedades interculturais (sejam indígenas, comunais, urbanas, e camponesas) e com práticas

de pluralismo igualitário jurisdicional, de forma a conviverem instâncias legais diversas em

igual hierarquia — jurisdição ordinária estatal e jurisdição indígena/camponesa. Essas

mudanças políticas e constitucionais e os processos sociais de luta que as engendram

materializam novos atores sociais, realidades plurais e práticas desafiadoras, reconhecem a

diversidade cultural e culturas minoritárias, com especial ênfase do protagonismo dos povos

indígenas. Daí que Wolkmer denomine esse constitucionalismo de Constitucionalismo

Pluralista Intercultural (andino ou indígena) (WOLKMER, 2010, p. 153-154).

Por certo, estas três constituições documentam os traços fundamentais da

construção do novo paradigma constitucional de que se trata. Contra os efeitos indesejados do

direito e de seu constitucionalismo moderno, elas contém um conjunto de características

comuns, especialmente alicerçados na ativação direta do poder constituinte e na necessidade

de romper com o sistema anterior. Essas características comuns, por certo, não escondem

diferenças próprias oriundas de histórias constitucionais diferentes, questões nacionais

próprias e típicas da experimentação necessária à gestação de um novo modelo.

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Donde puede afirmarse con rotundidad que se produjo el primer proceso constituyente conforme a los requisitos marcados por el nuevo constitucionalismo, rescatando la originaria teoría democrática de la Constitución, fue en Venezuela en 1999. En dicho proceso no sólo se dieron los elementos centrales de los procesos constituyentes ortodoxos – referéndum activador del proceso constituyente y referéndum de aprobación del texto constitucional incluidos –, sino que se vislumbraron con nitidez tanto la necesidad constituyente, manifestada en la crisis social y política de finales de los ochenta y la década de los noventa, como la exigencia de rigidez para la reforma del nuevo texto constitucional, que excluyó la posibilidad de que pudiese ser reformada por el poder constituido.Una nueva fase, sin duda, de los procesos constituyentes latinoamericanos, caracterizada en particular por elementos formales de las constituciones, la conforman los dos procesos que tuvieron lugar como continuación de aquéllos: el ecuatoriano de 2007-2008, cuyo texto se caracteriza principalmente por la innovación en el catálogo de derechos y por la definición del Estado como Estado constitucional; y el boliviano de 2006-2009, el más difícil de todos los habidos, y cuyo resultado, la Constitución boliviana de 2009, es seguramente uno de los ejemplos más rotundos de transformación institucional que se ha experimentado en los últimos tiempos, por cuanto avanza hacia el Estado plurinacional, la simbiosis entre los valores poscoloniales y los indígenas, y crea el primer Tribunal Constitucional elegido directamente por los ciudadanos.Cada una de las experiencias constituyentes mencionadas se conforma en sí misma como un modelo teórico-práctico diferente del resto de los procesos constituyentes. Pero todas ellas cuentan con un denominador común que es necesario resaltar: asumen la necesidad de legitimar la voluntad social de cambio mediante un intachable proceso constituyente de hechura democrática y, aunque los resultados son en buena medida desiguales, consiguen aprobar constituciones que apuntan, en definitiva, hacia el Estado constitucional. Teoría y práctica se unen, por lo tanto, en el nuevo constitucionalismo latinoamericano (VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p.25-26)

Ao tratar dos fundamentos do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-

Americano, Roberto Viciano Pastor e Rubén Martínez Dalmau, juristas espanhóis que

assessoram os três processos constituintes de que resultaram as cartas constitucionais

analisadas, defendem que a principal aposta deste Novo Constitucionalismo é a busca de

instrumentos que reponham à perdida relação entre soberania popular e governo, por meio do

estabelecimento de mecanismos de legitimidade e controle sobre o poder constituído mediante

novas formas de participação vinculantes, que, por sua vez, constitucionalizam vários

instrumentos de participação e as ânsias democráticas do continente. As formas diretas de

participação popular não questionam, todavia, a essência do sistema de democracia

representativa, amplamente presente em todas as constituições, e não substituem

definitivamente a representação, mas se configuram como complemento à legitimidade e um

avanço na democracia. A ação direta do povo limita a posição tradicional dos partidos

políticos, ainda que estes também se mantenham, numa lógica de absorção do Estado pelo

coletivo, de forma a reconstruir a unidade entre Estado e sociedade na decisão política, de

forma a se confundir a vontade de um e outro, por mecanismos distintos ao partidocrático

(VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p. 34-35). Um dos resultados deste

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28

objetivo é a configuração de procedimento de reforma constitucional com a participação do

constituinte originário, na qual a iniciativa popular é uma das vias para invocar a modificação

constitucional, sendo que certos conteúdos são protegidos do poder de emenda ou reforma

parcial (estrutura fundamental da constituição, caráter e elementos constitutivos do Estado) e

os procedimento de aprovação demandam maioria qualificada e só se concluem mediante

referendo (VILLABELLA ARMENGOL, 2010, p.63).

O segundo aspecto sobrelevado por estes autores é a profusa carta de direitos das

novas constituições, não mais limitadas a estabelecer direitos de forma genérica, sem se

preocupar com sua individualização ou coletivização. Estas constituições, pelo contrário,

identificam grupos débeis — tais como mulheres, crianças e jovens, deficientes, idosos — e

ampliam os beneficiários dos direitos. Na busca da máxima efetividade dos direitos sociais,

essas constituições recepcionam os documentos internacionais de direitos humanos, buscam

critérios mais favoráveis às pessoas, buscam ações diretas de amparo e reconfiguram a

nomenclatura tradicional do direito. Mais ainda, essas constituições promovem, em maior ou

menor medida e de acordo com a realidade social, a integração de setores historicamente

marginalizados, como os povos indígenas. Nesse sentido, a constituição boliviana foi a que

mais avançou, ao estabelecer um Estado plurinacional — contestando o primado do

constitucionalismo liberal de que Estado e nação se confundiam, e reconhecendo uma

multiplicidade de nações dentro do mesmo Estado —, materialmente consolidado por meio do

reconhecimento da autonomia indígena, do pluralismo jurídico, de um sistema de jurisdição

indígena sem relação de subordinação com a jurisdição ordinária, de um amplo catálogo de

direitos dos povos indígenas, da eleição de seus representantes através de formas próprias, e

da criação de um Tribunal Constitucional Plurinacional com a presença da jurisdição indígena

(VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p.35-37).

Quanto a este novo e amplo rol de direitos, Carlos Manuel Villabella Armengol,

destaca a Constituição do Equador na qual se inscreve a noção de “buen vivir” (“Sumak

Kawsay”, em língua do povo Quíchua), na qual se integram várias facetas de materialização

da dignidade humana, dentre elas, o direito à alimentação, à agua, ao ambiente são, à

comunicação e informação, ao respeito à identidade cultural, à educação, ao habitat adequado

e à moradia segura, à saúde, ao trabalho, à seguridade social. A nova dogmática constitucional

que se projeta conta ainda com os seguintes aspectos: enunciação de que não há hierarquia

entre direitos, abrindo portas a uma hermenêutica de ponderação como via de solução ao

confronto de direitos; validade dos tratados e acordos internacionais ratificados cujo conteúdo

é a proteção de direitos; agregação às tradicionais formas de proibição de discriminação outas

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29

como a orientação sexual, a identidade de gênero, origem, nacionalidade, filiação política ou

filosófica, a condição econômica e social, a deficiência, a gravidez, etc.; extensão legitimação

de direitos sociais, econômicos e culturais e consagração junto a estes da obrigação do Estado

com respeito aos mesmos; reconhecimento do direito à identidade cultural das minorias

étnicas e grupos originários; reconhecimentos a grupos em situação, como a infância, os

adultos maiores, os deficientes, os privados de liberdade, os usuários e consumidores, e as

pessoas com enfermidades catastróficas; legitimação de novas figuras-direitos, como o direito

à agua e o direito à alimentação; abordagem de temas em fase de moralidade crítica mas que

ainda não configuram direito, como o caso das doações ou transplantes de células, tecidos ou

órgãos; reconhecimento da titularidade de direitos a pessoas coletivas, como comunidades,

povos e nacionalidades; inclusão de novas facetas em direitos clássicos como o de liberdade,

em que se introduz a possibilidade de adotar decisões livres e voluntárias sobre a sexualidade

individual ou tomar decisões independentes e responsáveis sobre a vida reprodutiva;

reconhecimento da natureza como sujeito de proteção, a respeito que se identifica a

necessidade de fomentar sua proteção, restauração e reprodução, criando uma justiça

ambientalista (VILLABELLA ARMENGOL, 2010, p.60).

Ainda com relação às inovações trazidas no âmbito do reconhecimento e garantia

de direitos, é de se destacar a perspectiva de refundação do Estado, ao reconhecer que o

mesmo não guarda mais a clássica identidade com uma nação, mas com as várias nações que

o compõe. Esse novo modelo de Estado, Estado plurinacional e intercultural, promove ampla

proteção das minorias étnicas e grupos originários, como já dito. Nesse sentido, empregam-se

amplamente frases e imagens em línguas originárias, especialmente nas constituições do

Equador e da Bolívia. Esse novo Estado reconhece a existência da cultura indígena,

depositária de saberes, conhecimentos, valores, espiritualidades e cosmovisões. Assim,

garante-se o reconhecimento do seu autogoverno, a admissão de uma justiça própria com

princípios igualmente próprios, a sua cultura e a legitimação de uma ampla quantidade de

direitos. Dentre esses direitos é de destacar o seguinte: direito à terra; ao uso e aproveitamento

exclusivo dos recursos naturais localizados em seu habitat; a manter e promover suas próprias

práticas econômicas e atividades tradicionais; a manter sua identidade étnica e cultural,

valores espiritualidade e lugares sagrados e de culto; direito a um modelo de saúde integral

que considere suas práticas e culturas; direito a que haja um sistema de educação intercultural

bilíngue; direito a contar com serviços de formação profissional e capacitação; a proteger

conhecimentos coletivos baseadas em suas ciências, tecnologias e saberes ancestrais; a

proteger seu patrimônio cultural e histórico; a impulsionar o uso das vestimentas, dos

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30

símbolos e emblemas que os identifiquem; a serem consultados antes da adoção de uma

medida legislativa que poça afetar qualquer de seus direitos coletivos; a aplicar seu direito

próprio nos marcos do respeito ao direito nacional; a possuir suas próprias formas de

convivência e organização social; a governar-se por suas estruturas de representação; direito à

definição de seu projeto de vida de acordo com seus critérios culturais e princípios de

convivência harmônica com a natureza (VILLABELLA ARMENGOL, 2010, p.58-60).

Este amplo conjunto de direitos se faz acompanhar de um conjunto de medidas

visando sua proteção, incluindo um extenso número de procedimentos judiciais

constitucionalmente previstos e manejáveis por via individual ou coletiva — ação de defesa,

ação de amparo constitucional, ação de proteção de privacidade, ação de

inconstitucionalidade, ação de cumprimento, ação popular, ação de proteção de privacidade,

ação de amparo à liberdade e seguridade, ação de proteção, habeas corpus, habeas data, ação

por incumprimento, ação extraordinária de proteção, defensoria do povo, reclamação por

omissão legislativa, etc. —. Além disso, aos direitos se acompanham deveres constitucionais

mais amplos que aqueles típicos do constitucionalismo, podendo-se destacar entre eles:

difundir a prática dos valores e princípios proclamados pela constituição; contribuir ao direito

à paz, denuncia e combater os atos de corrupção, resguardar o patrimônio natural, econômicos

e cultural, proteger os recursos naturais e contribuir para seu uso sustentável; não ser ociosos,

não mentir, ou roubar; exercer a profissão ou ofício com sujeição à ética; respeitar as

diferenças étnicas, nacionais, sociais, geracionais, de gênero e orientação e identidade sexual,

entre outros (VILLABELLA ARMENGOL, 2010, p.61-62).

Além da dimensão política, é de suma relevância para o Novo Constitucionalismo

a normatividade constitucional, uma vez que as novas constituições negam o nominalismo

anterior e proclamam o caráter normativo e superior da constituição frente ao resto do

ordenamento jurídico, aprofundando o controle concentrado de constitucionalidade, ao lado

do já existente controle difuso. E para a questão suscitada acerca do controle democrático dos

tribunais constitucionais, a constituição boliviana criou a eleição direta de magistrados, bem

como, assim com a constituição equatoriana, buscou resguardar a interpretação do texto

buscando vinculá-la, por meio de critérios de interpretação expressamente previstos, à

vontade do constituinte, ou à melhor concretização dos direitos na constituição contidos

(VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p. 37). Nas constituições de que

tratamos verifica-se a presença de preâmbulos que as dotam de espiritualidade, ao conectar o

texto com a história do país e dotá-lo de conteúdo programático, em conjunto com capítulos

que estabelecem conceitos e princípios que se consideram bases do pacto constitucional.

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Nesse sentido, é preciso dizer que essas constituições são dotadas de alta carga de normas-

princípios e preceitos teleológicos e axiológicos, enunciadores de valores superiores ou

princípios ético-morais, como unidade, inclusão, dignidade, liberdade, solidariedade,

reciprocidade, respeito, complementariedade, harmonia, transparência, equilíbrio, igualdade

de oportunidades, equidade social e de gênero na participação, responsabilidade, justiça

social, redistribuição equitativa dos produtos e bens sociais, democracia, responsabilidade

social, premência dos direitos humanos, pluralismo político (VILLABELLA ARMENGOL,

2010, p.58).

Por fim, estas constituições contam com amplos capítulos de conteúdo

econômico, pois visam superar as desigualdades econômicas e sociais e promover

constitucionalmente o novo papel do Estado na economia. Vários modelos econômicos são

incorporados, desde a livre iniciativa e a justiça redistributiva até a proteção da economia

comunitária, com o elemento comum da presença do Estado, cuja participação se traduz em

aspectos tão relevantes como a decisão pública sobre os recursos naturais ou a regulação da

atividade financeira, na perspectiva de um desenvolvimento econômico alternativo. Além

disso, no plano internacional, o Novo Constitucionalismo Latino-Americano estabelece um

compromisso com uma integração latino-americana, mais ampla que a puramente econômica,

e que considera a possibilidade real de integração dos povos e pretende compatibilizar a

necessidade de integração com um conceito recuperado de soberania (VICIANO PASTOR;

MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p.37-38). Enfatiza-se a função social e ambiental com a qual

se delineia a propriedade privada e sua convivência com outros tipos de propriedade, como a

individual, a coletiva pública, a estatal, a comunitária, a associativa e a mista. Além disso, o

estado assume os deveres garantir o acesso à educação, à saúdo, ao trabalho e ao demais

direitos, assume a tarefa de construir uma sociedade justa e harmoniosa, garantir o bem-estar,

a segurança e igual dignidades das pessoas. Ao Estado também cabe reafirmar e consolidar a

unidade do país, preservar a diversidade plurinacional na diversidade, promover e garantir o

aproveitamento responsável e planificado dos recursos naturais, desenvolver o exercício

democrático da vontade popular, promover a prosperidade e bem-estar do povo, garantir e

defender a soberania nacional, planificar o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza,

promover o desenvolvimento sustentável e a redistribuição equitativa dos recursos, proteger o

patrimônio natural e cultura do país, garantir o direito a uma cultura de paz, a segurança

integral e a viver em uma sociedade democrática e livre de corrupção (VILLABELLA

ARMENGOL, 2010, p.59; 62).

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32

Resguardadas por esses fundamentos, as constituições de que se trata buscam o

máximo de legitimidade para atender a necessidades reais da população e a um anseio de

ruptura com a ordem anterior e, diante desses objetivos, apresentam algumas características

formais que caracterizam o Novo Constitucionalismo: originalidade, amplitude, complexidade

e rigidez. Isso se deve ao seu conteúdo inovador, a extensão dessas constituições, a

capacidade de conjugar elementos tecnicamente complexos com linguagem acessível, e ao

fato de que se aposta na ativação do poder constituinte do povo ante qualquer mudança

constitucional.

A capacidade inovadora é essencial aos objetivos de transformação empunhados

pelo Novo Constitucionalismo Latino-Americano, ante a inabilidade do velho

constitucionalismo para resolver problemas fundamentais da sociedade. Assim, o Novo

Constitucionalismo tem sido capaz de construir uma nova institucionalidade e determinadas

características que contam com a finalidade de promover a integração social, criar maior bem-

estar e estabelecer elementos de participação que legitimem o exercício do governo por parte

do poder constituído. Sem modelos prévios, sem transplantes ou enxertos constitucionais, se

aproveita o momento de atividade constituinte para repensar a singularidade dos problemas

vividos em cada contexto local. Donde também se denominar esse constitucionalismo de

“experimental” (VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p.28). Essas novas

constituições se fundamentam essencialmente em inúmeros princípios, implícitos e explícitos,

em detrimento das regras, que ocupam lugar limitado aos casos concretos em que sua

presença é necessária para articular a vontade constituinte. Esses princípios atuam

principalmente como critérios de interpretação e, em determinadas ocasiões, se faz referência

expressa a eles ao se determinar a vinculação dos tribunais com base no teor literal do texto.

Os princípios clássicos convivem com novas fórmulas, simbióticas, que devem ser

consideradas como verdadeiras inovações (VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU,

2010, p.29).

As novas constituições são também extensas e complexas em seu conteúdo,

porque sua redação considera que o texto constitucional deve ser capaz de dar respostas

àquelas necessidades que o povo solicita ao mudar sua constituição, sem que o espaço ou a

busca de simplicidade se tornem obstáculos a esse intento. Sem serem breves, mas também

sem serem códigos, busca-se a permanência da vontade do constituinte, que buscar ser

resguarda para se evitar seu esquecimento ou seu abandono por parte dos poderes

constituídos, após o ingresso da Constituição em sua etapa de normalidade. A necessidade de

expressar claramente a vontade do poder constituinte pode significar uma maior quantidade

Page 33: M cristina novo constitucionalismo democratico latino reformulado

33

de disposições, cuja existência busca limitar os poderes constituídos — especialmente o

parlamento e o tribunal constitucional —, impedindo-os de desentranhar do texto

constitucional um sentido contrário ao que foi a vontade do constituinte. Desta forma, a

constituição venezuelana conta com trezentos e cinquenta artigos, equatoriana com

quatrocentos e quarenta e quatro e a boliviana com quatrocentos e onze artigos. A extensão se

faz acompanhar de complexidade institucional com vistas à superação de problemas concretos

suportados por diferentes povos. Mas a complexidade vem acompanhada de simplicidade

linguística, com vistas a popularizar o constitucionalismo e negar o constitucionalismo de

elites. Trata-se, portanto, de textos tecnicamente complexos e semanticamente simples, que se

fazem acompanhar de iniciativos de formação, acesso e explicação sobre o novo texto

constitucional para a população (VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p.30-

31).

Por fim, estas constituições eliminam o poder constituinte constituído, poder

constituinte derivado, ou poder de reforma, ao proibir que os poderes constituídos disponham

de capacidade de reformar a constituição, de forma a se buscar conservar a forte relação ente a

modificação da constituição e a soberania popular. Mas essa rigidez constitucional não busca

fazer com que a constituição perdure indefinidamente, mas sim que sua modificação se dê

exclusivamente pelo poder constituinte originário e desde que o texto final aprovado pela

assembleia constituinte seja referendado pelo povo. Assim, esse constitucionalismo é também

caracterizado com sendo de transição rumo a um modelo de Estado que ainda não está

plenamente incorporado às novas constituições, que ainda não lograram resolver todos os

problemas identificados e que, portanto, se encontram abertas a futuras modificações

(VICIANO PASTOR; MARTÍNEZ DALMAU, 2010, p.32-34)

Sob essa orientação, as constituições da Venezuela, do Equador e da Bolívia

apresentaram ao direito moderno em crise, e ao seu direito constitucional, uma série de

novidades, com efeitos sobre todas as disciplinas do direito e que desafiam nosso modelo de

racionalidade jurídica. A proximidade deste Novo Constitucionalismo com o

Constitucionalismo Social e sua doutrina, o Neoconstitucionalismo, pode fazer parecer crer

que se trata de mera importação deste modelo em nosso continente e que não estaríamos a

tratar de uma mudança paradigmática em termos de direito e de direito constitucional, uma

vez que o modelo seria o mesmo já consolidado no pensamento europeu e testado nas

Constituições do Brasil (1988) e da Colômbia (1991). Esta proximidade revela um desafio ao

Novo Constitucionalismo, que é o de se colocar entre dois caminhos: o da manutenção do

paradigma do direito e do constitucionalismo moderno, acrescidos de mecanismos de

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34

correção de défices e excessos, ou o rompimento com esse direito e com esse

constitucionalismo, naquilo que os estruturam fundamentalmente. Neste sentido, e buscando

fazer uma síntese conclusiva dos elementos que permitem afirmar a emergência de um novo

paradigma, e não apenas o ajeitamento do paradigma em crise, reunimos alguns elementos

que nos guiarão rumo a uma contraposição entre os paradigmas em disputa.

Antes de tudo, entretanto, é preciso que se diga que os tempos vividos são tempos

de transição paradigmática, tempos de crise. Crise do capitalismo, crise do Estado moderno,

crise do direito moderno. Talvez o retorno a uma busca frenética dos juristas pela filosofia do

direito seja um indício desta crise. Buscam-se novas soluções, digladiam-se perspectivas e

somos desafiados a ousar.

Diante disso, no plano geral do paradigma jurídico, os movimentos de

transformação institucional na América Latina, especialmente nos países que tomamos por

modelo na nova discussão constitucional, desafiam a inteligência jurídica que presidiu a

práticas das comunidades de juristas até aqui. Contra um direito com pretensões científicas

(ainda que de científico não tenha nada), se apresenta um direito experimental, aberto a

mudanças e ao incerto, cuja racionalidade não é técnica, mas emancipatória, projetiva,

descobridora de culturas silenciadas e de juridicidades ocultadas; em busca da transcendência,

esse direito desafia o que está estabelecido crendo na mudança, muito menos do que a

fundamentando em termos racionais matemáticos, mas buscando minimizar os efeitos

perversos de resultados indesejados. Nesse sentido, convém relembrar que para Khun os

paradigmas se sustentam mais pela fé que a comunidade tem neles do que por provas

irrefutáveis de sua eficácia. Vivemos tempo dessa fé na mudança do direito. Contra o

estatismo caracterizador do direito moderno, o pluralismo jurídico ascende como perspectiva

de reconhecimento e legitimação de juridicidades não estatais perfeitamente eficazes

socialmente e aptas a se engrenarem na dinâmica das comunidades, regendo suas relações.

Contra o capitalismo e seu mercado, as novas perspectivas do direito buscam ser articular a

projetos políticos anticapitalistas, defensor de mercados alternativos ao capitalismo, baseado

numa economia solidária e comunitária. Por consequência, onde prevaleciam direitos

burgueses, as perspectivas novas de que tratamos fazem ascender direitos de quem vive do

trabalho, dos povos. Este fato implica no conhecimento desses povos, no conhecimento da

sociedade, um conhecimento que se converta em racionalidade jurídica adequada à realidade

do pluralismo jurídico que aqui se defende. Essa defesa, contra o princípio do Estado, destaca

a ascensão a comunidade e do poder local, de uma ética comunitária oposta à aeticidade do

capitalismo. Essas comunidades e o conhecimento que delas se busca ter são consideradas em

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sua especificidade social, histórica e geográfica, ou seja, trata-se de comunidades e uma

realidade negadores da colonialidade que caracterizou a formação da América Latina e da

dominação de seu direito importando e inadequado às demandas das vítimas da colonização.

Contra a colonialidade, ascende o pós-colonialidade, a anti-colonialidade, enquanto processos

emancipatórios. E se estamos a falar de emancipação, isto significa que a revolução,

veementemente negada pelo direito moderno, retorna à cena e a reabertura da possibilidade da

revolução não nega sua dimensão de reconhecimento de direitos, enquanto esfera formal de

legitimidade da institucionalidade política. O direito moderno, despolitizado e técnico, é

negado pela reabertura ao reconhecimento das origens políticas do direito e na necessidade de

legitimação popular do direito, negando sua face dominadora. E é este ponto que nos conduz

às possibilidades de emergência paradigmática do Novo Constitucionalismo Democrático

Latino-Americano como novidade.

No que diz respeito à complexa relação entre o campo da política e o campo do

direito, e à função do constitucionalismo enquanto teoria normativa da política, a grande força

propulsora do Novo Constitucionalismo Democrático Latino-Americano é mostrar o

esgotamento de legitimação do direito moderno em virtude da ausência de participação

popular em sua elaboração. A teoria democrática do direito moderno é uma ideologia que

mascarou, por séculos, o caráter elitista desse direito e tal fato se revelou especialmente

sobressalente em nosso continente. Contra esse modelo esgotado, o Novo Constitucionalismo

Latino-Americano sustenta seu caráter inovador no fato concreto da participação popular na

elaboração e legitimação do direito e das instituições que o compõem e o garantem. Assim,

mais do que técnica de controle do poder constituído, especialmente do poder executivo e do

poder legislativo — o que veio historicamente acompanhado do controle da soberania

popular, ou seja, do controle do poder de insurgência popular —, esse Novo

Constitucionalismo funda e legitima o poder político ao promover a participação popular,

materializa, sem hipocrisia, o fundamento do poder no povo, garantindo mecanismos de

exercício do poder popular e de garantia de atendimento de necessidades desse povo que

necessita participar e que para tanto necessidade ter as condições concretas para o exercício

democrático — o que implica o controle do Executivo, do Legislativo e do Judiciário,

especialmente quanto a este de seu poder de interpretar a constituição em sentidos opostos ao

da vontade popular, o que, na Venezuela, exigiu a criação de um Poder Eleitoral, para

selecionar os membros do três poderes clássicos, e de um Poder Popular, formalmente

reconhecido na constituição, com poder de revogar mandatos e de controlar os três poderes

clássicos, e isso implicou, portanto, na reinvenção da teoria das funções do poder, que antes

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eram três e agora são cinco, subordinadas a um poder principal, o Popular. Assim, contra o

modelo de soberania parlamentar (rule of law), emerge o modelo de soberania popular, que

subordina as deliberações das assembleias constituintes ao referendo popular. Contra o

modelo de poder constituinte formal, raramente convocado, o novo modelo tornar o poder

constituinte originário o protagonista do processo democrático, fazendo com que a

legitimidade, e a própria normatividade da constituição e das leis, da ordem jurídica portanto,

dependa da regular, oportuna, necessária e periódica atuação desse poder. Contra o sentido

negativo de constituição, enquanto controle formal do poder constituído, a constituição passa

a ter sentido positivo, ao representar um projeto a ser realizado, como consequência da

repolitização do direito e do impedimento de que o poder constituído usurpe o poder

constituinte e inverta a relação segundo a qual é povo que cria a norma. Portanto, contra um

modelo de democracia meramente representativa, o modelo que surge conjuga democracia

representativa com democracia semidireta e direta, destacando-se a força que os referendos

passam a ter.

Mas a força do Novo Constitucionalismo Latino-Americano calcada na

radicalização da democracia não se realiza e se sustenta sem outro fator estruturante que é o

reconhecimento da realidade para o qual o mesmo foi pensado e onde o mesmo é gestado. O

Adjetivo “latinoamericano” não se agrega ao adjetivo “novo” apenas pelo fato de que o

fenômeno em questão se processa no espaço geográfico definido convencionalmente como

América Latina. Não se trata apenas de deslocar o eixo do constitucionalismo de Inglaterra-

Estados Unidos-França para Venezuela-Equador-Bolívia, mas considerar que esse

deslocamento significa, de maneira mais profunda, a constituição de uma teoria política

elaborada no Sul global, de uma teoria política de transformação pensada para este Sul global,

portanto uma teoria contextualizada, autêntica, muito mais preocupada em ser adequada à sua

realidade local do que em ser pretensamente universal. Trata-se, como já dito, de negar o

colonialismo e seus efeitos perversos em nosso continente e reconhecer nossa realidade

pluricultural, plurinacional, pluriétnica e denunciar a falsa identidade entre Estado, Povo e

Nação que sustentou o constitucionalismo moderno e monocultural. Assim, contra o monismo

jurídico-estatal, ascende o pluralismo jurídico-constitucional, reconhecedor de

constitucionalismos antigos e silenciados nas comunidades originárias. Trata-se igualmente de

denunciar a pobreza, a dependência econômica, a destruição ambiental e os privilégios

promovidos pelos direitos meramente individuais-burgueses, formulados em torno dos

direitos de liberdade e propriedade, para afirmar os direitos da natureza, os direitos coletivos,

sociais, étnicos, e uma igualdade material verdadeiramente complexa e que inclua o

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reconhecimento das diferenças, promovendo-as na medida em que garantem o convívio

harmonioso com aqueles que não podem ser reduzidos a uma igualdade deformadora e

opressora. Desta forma, acabam por ser reconhecidos, mais além do sujeito individual de

direito antropocêntrico moderno, novos sujeitos de direito, sujeitos plurais, incluindo a

natureza (biocentrismo). Esse reconhecimento amplo de direito acaba por exigir outro modo

de tratar os tratados internacionais de direitos humanos, que deixam de se subordinar ao

direito interno para com ele estabelecer coordenação, com vistas à garantia dos direitos

realizadores do “buen vivir”. Com isso, rompe-se com o mito de que o sistema jurídico

necessita ser unificado e uniforme; mantém-se a unificação, enquanto possível for, mas sem a

uniformidade redutora da realidade. Por fim, contra um direito que objetivava a sua

continuidade, emerge um direito calcado na ruptura.

CONCLUSÃO

Se a ciência jurídica não é ciência, mas mera técnica de palavras, porque nada

observa e nada experimenta, segundo Boaventura de Sousa Santos, fragilizada resta a

legitimidade do direito, conseguida na modernidade por meio de sua absorção pela ciência,

que a transformou em uma jurisprudência dogmática (SANTOS, 2007, p. 40). Entretanto, há

que se ponderar que, se a ciência jurídica não é ciência propriamente dita, no modelo das

ciências experimentais, resulta em um saber desenvolvido ( reconhecido e aceito) por uma

comunidade de juristas, que consolidou uma forma de pensamento e de legitimação do

pensamento que ainda hoje sustenta essa comunidade: o pensamento dogmático do direito.

Isso nos remete a refletir sobre a crise de legitimidade e sobre as bases sociais que

engendraram esse modelo, o que nos conduz a reflexões sobre a crise de paradigmas dos

direito e do constitucionalismo. Ao final desse trabalho, consideramos que a crítica do modelo

de sociedade que conhecemos e os fundamentos de sua crise em curso permitem igualmente

lançar as bases para a crítica do direito moderno e de suas disciplinas.

No âmbito do direito constitucional, essa crise melhor se expressa na crise da

despolitização pretendida pelo direito moderno. Essa despolitização acarretou o afastamento,

por diversos meios, da participação popular das instâncias de decisão estatais, consolidando

um Estado, um direito e um constitucionalismo de elites. Nem mesmo as tentativas mais

recentes de abertura da teoria constitucional deram conta dessa questão. Do ponto de vista

teórico constitucional, o denominado neoconstitucionalismo é um indicativo da crise da

dogmática do direito constitucional hegemônico, mas nem mesmo esse novo movimento

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teórico responde aos anseios de uma mudança paradigmática, porque não ataca o cerne da

estruturação paradigmática do direito constitucional moderno.

Nesse quadro, o Novo Constitucionalismo Latino-americano, enquanto

movimento de diversas dimensões, repercute no plano jurídico como uma nova teoria

normativa da política, fundamentadora de um novo direito constitucional, que ataca a questão

da ausência de participação popular na elaboração do direito e na dicção dos rumos do Estado.

As novas constituições da Venezuela, Equador e Bolívia se preocupam fundamentalmente

com a legitimação do sistema jurídico por meio da máxima participação popular e elabora

diversos mecanismos para que tal ocorra, sem olvidar os fatores materiais que permitem a

participação popular, avançando onde o constitucionalismo social e o neoconstitucionalismo

se esgotaram. Desta forma, no contexto de uma crise paradigmática mais ampla, o Novo

Constitucionalismo Democrático Latino-americano desponta como paradigma jurídico

emergente, uma vez que rompe com elementos constitutivos do direito moderno e de seu

direito constitucional, com especial centralidade da questão da participação popular.

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