lya luft - por que nos mutilamos
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8/27/2015 Spring_intensity
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Por que nos mutilamos?"Uma maturidade tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura em que nos tornamosna busca da juventude eterna"
Numa página de revista, deparo com um espetáculo deprimente: uma milionária americana de 62 anos entranum restaurante expondo a fotógrafos e freqüentadores um rosto tão desfigurado por plásticas, preenchimentose outros processos que não era só feio e disforme, mas assustador.
Nada mais ali combinava, as sobrancelhas em alturas diferentes, os olhos artificialmente enviesados estavamdesemparelhados e o nariz sumia num rosto de lua cheia, fruto de inadequados esticamentos e exageradasinvasões.
Há poucos dias vi por acaso uma conhecida que não encontrava fazia anos. Reconhecia de longe, de costaspara mim, e quando ela se virou na cadeira senti um choque. O corpo elegante de uma mulher madura era omesmo.
O rosto era uma coisa redonda e intumescida, lisa, com pouco das verdadeiras e simpáticas feições de que eume lembrava tão bem.
Os lábios estavam enormes, com algo de genital, os olhos pareciam pequenos demais, e seu nariz adunco, emlugar de ter sido corrigido para um pouco menos adunco – embora nunca tivesse sido feio –, era uma pobrebatatinha perdida numa paisagem hirta e inexpressiva.
Ilustração Atômica Studio
Sei que no folclore a meu respeito consta entre outras coisas que sou "contra cirurgia plástica". Nada maisincorreto e tolo.
Eu mesma, viúva pela primeira vez aos 49 anos, de maneira súbita e brutal, aos 51 tinha o rosto tão devastadopelo abalo que um amigo, excelente cirurgião, fez um lifting discretíssimo e pequeno, que não me rejuvenesceu– nem eu quereria –, mas talvez tenha tirado um pouco do ar cansado e triste demais.
Portanto, sou a favor de recursos, não para enganar o tempo, o que em geral acaba em resultados desfavoráveise patéticos, pedindo sempre mais e mais intervenções, mas para abrandar, eventualmente corrigir.
A fim de que a pessoa, homem ou mulher, se sinta bem na própria pele. Não para que aos 60 a gente pareça ter30 anos, e aos 80 viva a melancólica ilusão de ter 50.
Não é a juventude que interessa, mas a felicidade e a alegria. Olharse no espelho e poder dizer: bem, esta soueu, aqui está a minha história, o que for excessivo vou corrigir, mas não quero ser uma adolescente eterna, anão ser que minha alma permaneça infantilóide.
Observo uma atriz importante dando entrevista e na contraluz estão evidentes as marcas impiedosas decirurgias, fios de ouro, ou seja lá o que for, e outras intrusões que aos poucos vão se manifestando.
Logo virão novas intervenções para corrigir aquilo, e assim será, talvez, até o fim da vida. A não ser que umamigo, um familiar ou um médico piedoso lhe diga para parar, em lugar de se torturar numa busca irracionalfadada ao fracasso. A angústia por manterse jovem muito além dessa fase pode levar aos maiores desatinos.
Como os modelos que se nos apresentam em nossa cultura superficial indicam que o bom é ter sempre 15anos, se não tivermos alguma bagagem interior (o que inclui a cultural) para remar contra a correnteza, em brevefaremos parte da legião de mutiladas, as quais têm pouco delas mesmas, peles fanadas expostas em decotes
8/27/2015 Spring_intensity
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ousados de precários vestidinhos.
Nem todo mundo vai gostar do que escrevo aqui e digo em muitas palestras: dirão que madureza e velhiceimplicam doença e deterioração. Uma maturidade tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis àcaricatura em que nos tornamos na busca do paraíso perdido, que é também uma ilusão.
Pois a juventude nunca foi a melhor época da vida nem a única época interessante, embora possa cintilar eferver mais. A cada fase da vida seu próprio encanto e, claro, suas próprias dores.
Então, quem sabe a gente – homens e mulheres – procure gostar de si um pouco mais, trocando a fatal tentativade negar o tempo por saúde, equilíbrio, beleza real e alegria, que fazem um bocado de falta neste mundo nosso.
Lya Luft