luz sombra no túnel sertanejo -...

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Luz & sombra no túnel sertanejo Instalado há oito anos, no coração da caatinga sertaneja, o CPA TSA mostra que, se depender de tecnologia, já é poss/vel conviver com a seca. E revela, também, porque nem só de chuva e de tecnologia porte sobreviver a esperança nordestina. LEVY SOARES DE LIMA Jornal ista, assessor de Imprensa do ePA TSA. Todo ano chove no sertão nordestino. Uns anos mais, outros menos, numa mé- dia de 400 mil (metros anuais, ou cerca de 700 bilhões de metros cúbicos, dos quais 90% são consumidos por evapotranspira- ção. Mas toda essa chuva é mal distribur- da, concentrada praticamente em apenas três meses do ano. E mesmo dentro des- se per rodo, a irregularidade é bastante acentuada, com efeitos drásticos: num dia vem a enxurrada, a chuva forte em poucas horas, dificultando a infiltração da água nos solos rasos do Semi-Árido; depois, pá- ra de chover por vários dias e o agricultor perde sua lavoura. ~ a chamada "seca ver- de", a eterna loteria na qual o sertanejo joga todo ano, pelo "vício " da necessida- de. E quase sempre perde. A caatinga, tantas vezes verde, rica e produtiva, tantas vezes seca, desolada, diferentes tonalidades à vida no sertão. Uma vida dif ícil, sofrida, desses mais de 20 milhões de sertanejos (zonas urbana e rural), não só pelas secas que assolam a re- gião, mas também devido a fatores sócio- econômicos que determinam o estado de pobreza em que vive a maior parte da po- pulação nordestina. Nesse drama secular, que a (quase) to- dos atinge, o sertanejo é antes de tudo ca- minhada e comunhão: o pão e a fome re- partidos na terra do sol. O sertanejo tam- bém reparte sua esperança a todo custo, até o momento de retirar, largar seu chão, muitas vezes sua farnrlia, e pôr o pé na es- trada, sem saber se vai voltar. Viver neste sertão não é fácil. Enten- dê-Io, muito menos - tarefa pra muitas vidas. E muitas pesquisas também. ~o que vem fazendo o Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Sem i-Árido (CPATSA), que no dia 18 de junho com- pletou oito anos de atividades. Através de seus três programas de pesquisa'; o Centro vem abordando sob uma ótica interdisci- plinar, sistêmica, os problemas e potencia- lidades do Sem i-Árido, culminando em in- formações, métodos e tecnologias que po- dem contribuir para transformar a realida- de sertaneja e arrancar sua população ru- ral do atual estado de pobreza e depen- dência. Exemplos concretos - A comprovação dessa possibilidade já não está apenas nos campos experimentais. Em pequenas e médias propriedades espalhadas pelos ser- tões nordestinos, em oito estados, tecno- logias desenvolvidas pelo CPATSA e por outros órgãos de pesquisa que atuam na região têm sido testadas com sucesso. Mesmo nos anos mais crrticos de seca, neste inicio de década, foi possrvel produ- zir não só alimentos (feijão, milho, sorgo) como forragem para os rebanhos e garan- ti r água potável para as fam fiias. Um exemplo atual é a Fazenda Tabo- leiro, em Ouricuri, sertão de Pernambuco. Ali, José Caetano, um agricultor de 46 anos de idade, está obtendo neste ano sua melhor safra de milho e feijão desde 1959, Depois de feijão, Tiago colhe a safra de milho ... 6 JORNAL 00 SEMI-ÁRIDO quando se instalou na propriedade. Em áreas distintas - uma com barreiro para "irrigações de salvação" e outra com o sis- tema de captação de água de chuva "in si- tu" (no local do plantio) - ele colheu um total de 35 sacos de feijão-de-corda, ou 2.100 kg, suficientes para alimentar sua fa- rnrlia de 12 pessoas e proporcionar exce- dente. Além disso, na área com irrigação de salvação ainda foi possrvel um segun- do plantio, que deve resultar em mais de 800 kg de feijão aproximadamente. Nes- sas mesmas áreas está garantida a safra de milho, com cerca de 1.200 kg prestes a serem colhidos. A propriedade dispõe, ho- je, de forragem para os animais, com a im- plantação de pastagem de capim buffel, palma forrageira e sorgo. Existem exemplos anteriores com igual êxito: em Petrolina, PE, Felipe Santiago, um sexagenário da Fazenda Alto do Angi- co - "dada por um amigo" - também es- tá garantindo o sustento de sua famflia de nove pessoas, utilizando, desde 1983, os mesmos sistemas de manejo de solo e água da Fazenda Taboleiro, Nas duas propriedades foram construr- das cisternas rurais que asseguram o arma- zenamento de água de boa qualidade, evi- tando o drama da sede na época seca e a grande quantidade de trabalho dispendido principalmente pelas mulheres, para bus- car água em locais distantes. Preço não compensa -- José Caetano e Felipe Santiago (Tiago, como é conheci- do) estão contentes com o resultado das colheitas. E contam para os vizinhos as vantagens das novas tecnologias. Mas não escondem sua preocupação com outros problemas que a técnica não resolve, co- mo o da comercialização: "assim não dá, não há técnica que dê jeito", diz José Caetano. E com razão: em março deste ano ele comprou feijão por Cr$ 120 mil a saca de 60 kg para poder plantar - "e não era semente de boa qualidade, não; (*) Programa de Avaliação de Recursos Natu- rais e Sócio-Econômicos do Trópico Serni-Arido (TSA). Programa de Aproveitamento de Recur- sos Naturais e Sócio-Econômicos do TSA. Pro- grama Sistemas de Produção para o TSA. . .. garantida com "irrigações de salvação"

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Page 1: Luz sombra no túnel sertanejo - ainfo.cnptia.embrapa.brainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/180241/1/Jornal-do... · minhada e comunhão: o pão e a fome re-partidos na

Luz & sombrano túnel sertanejoInstalado há oito anos, no coração da caatinga sertaneja, o CPA TSA mostraque, se depender de tecnologia, já é poss/vel conviver com a seca. E revela,também, porque nem só de chuva e de tecnologia porte sobreviver a esperançanordestina.

LEVY SOARES DE LIMAJornal ista, assessor de Imprensa do ePA TSA.

Todo ano chove no sertão nordestino.Uns anos mais, outros menos, numa mé-dia de 400 mil (metros anuais, ou cerca de700 bilhões de metros cúbicos, dos quais90% são consumidos por evapotranspira-ção. Mas toda essa chuva é mal distribur-da, concentrada praticamente em apenastrês meses do ano. E mesmo dentro des-se per rodo, a irregularidade é bastanteacentuada, com efeitos drásticos: num diavem a enxurrada, a chuva forte em poucashoras, dificultando a infiltração da águanos solos rasos do Semi-Árido; depois, pá-ra de chover por vários dias e o agricultorperde sua lavoura. ~ a chamada "seca ver-de", a eterna loteria na qual o sertanejojoga todo ano, pelo "vício " da necessida-de. E quase sempre perde.

A caatinga, tantas vezes verde, rica eprodutiva, tantas vezes seca, desolada, dádiferentes tonalidades à vida no sertão.Uma vida dif ícil, sofrida, desses mais de20 milhões de sertanejos (zonas urbana erural), não só pelas secas que assolam a re-gião, mas também devido a fatores sócio-econômicos que determinam o estado depobreza em que vive a maior parte da po-pulação nordestina.

Nesse drama secular, que a (quase) to-dos atinge, o sertanejo é antes de tudo ca-minhada e comunhão: o pão e a fome re-partidos na terra do sol. O sertanejo tam-bém reparte sua esperança a todo custo,até o momento de retirar, largar seu chão,

muitas vezes sua farnrlia, e pôr o pé na es-trada, sem saber se vai voltar.

Viver neste sertão não é fácil. Enten-dê-Io, muito menos - tarefa pra muitasvidas. E muitas pesquisas também. ~ oque vem fazendo o Centro de PesquisaAgropecuária do Trópico Sem i-Árido(CPATSA), que no dia 18 de junho com-pletou oito anos de atividades. Através deseus três programas de pesquisa'; o Centrovem abordando sob uma ótica interdisci-plinar, sistêmica, os problemas e potencia-lidades do Sem i-Árido, culminando em in-formações, métodos e tecnologias que po-dem contribuir para transformar a realida-de sertaneja e arrancar sua população ru-ral do atual estado de pobreza e depen-dência.

Exemplos concretos - A comprovaçãodessa possibilidade já não está apenas noscampos experimentais. Em pequenas emédias propriedades espalhadas pelos ser-tões nordestinos, em oito estados, tecno-logias desenvolvidas pelo CPATSA e poroutros órgãos de pesquisa que atuam naregião têm sido testadas com sucesso.Mesmo nos anos mais crrticos de seca,neste inicio de década, foi possrvel produ-zir não só alimentos (feijão, milho, sorgo)como forragem para os rebanhos e garan-ti r água potável para as fam fi ias.

Um exemplo atual é a Fazenda Tabo-leiro, em Ouricuri, sertão de Pernambuco.Ali, José Caetano, um agricultor de 46anos de idade, está obtendo neste ano suamelhor safra de milho e feijão desde 1959,

Depois de feijão, Tiago colhe a safra de milho ...

6 JORNAL 00 SEMI-ÁRIDO

quando se instalou na propriedade. Emáreas distintas - uma com barreiro para"irrigações de salvação" e outra com o sis-tema de captação de água de chuva "in si-tu" (no local do plantio) - ele colheu umtotal de 35 sacos de feijão-de-corda, ou2.100 kg, suficientes para alimentar sua fa-rnrlia de 12 pessoas e proporcionar exce-dente. Além disso, na área com irrigaçãode salvação ainda foi possrvel um segun-do plantio, que deve resultar em mais de800 kg de feijão aproximadamente. Nes-sas mesmas áreas está garantida a safra demilho, com cerca de 1.200 kg prestes aserem colhidos. A propriedade dispõe, ho-je, de forragem para os animais, com a im-plantação de pastagem de capim buffel,palma forrageira e sorgo.

Existem exemplos anteriores com igualêxito: em Petrolina, PE, Felipe Santiago,um sexagenário da Fazenda Alto do Angi-co - "dada por um amigo" - também es-tá garantindo o sustento de sua famflia denove pessoas, utilizando, desde 1983, osmesmos sistemas de manejo de solo eágua da Fazenda Taboleiro,

Nas duas propriedades foram construr-das cisternas rurais que asseguram o arma-zenamento de água de boa qualidade, evi-tando o drama da sede na época seca e agrande quantidade de trabalho dispendidoprincipalmente pelas mulheres, para bus-car água em locais distantes.

Preço não compensa -- José Caetano eFelipe Santiago (Tiago, como é conheci-do) estão contentes com o resultado dascolheitas. E contam para os vizinhos asvantagens das novas tecnologias. Mas nãoescondem sua preocupação com outrosproblemas que a técnica não resolve, co-mo o da comercialização: "assim não dá,não há técnica que dê jeito", diz JoséCaetano. E com razão: em março desteano ele comprou feijão por Cr$ 120 mila saca de 60 kg para poder plantar - "enão era semente de boa qualidade, não;

(*) Programa de Avaliação de Recursos Natu-rais e Sócio-Econômicos do Trópico Serni-Arido(TSA). Programa de Aproveitamento de Recur-sos Naturais e Sócio-Econômicos do TSA. Pro-grama Sistemas de Produção para o TSA.

. .. garantida com "irrigações de salvação"

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o secretário de Agricultura de Pernambuco, Airson Lócio, viu o exemplo e ouviu as queixas deJosé Caetano.

era vendida na feira para consumo",esclarece. "Agora, para vender, o preçornrnirno não compensa", ressente-se oagricultor (em junho eram exatos Cr$21.292,20 para feijão-de-corda ou macas-sar}, e não é preciso muito cálculo paraver que ele teve de produzir seis sacospara pagar apenas um que plantou, semcontar a depreciação do dinheiro emquatro meses.

Mas nem sempre esses problemas decomercialização advêm apenas do jogodo mercado. Há outros mais sutis, emborade conseqüências ainda piores: em 1982foi aberto um posto de compra na coope-rativa de Ouricur i, cujo preço de garantiaera de Cr$ 4 mil para a saca de 60 kg(feijão-de-corda) enquanto os atravessa-dores pagavam Cr$ 2 mil e 800 a saca,na fazenda. Os agricu Itores levaram oproduto à cooperativa, mas não puderamcomercializá-Io por problemas burocráti-cos (exigia-se apresentação de CPF, car-teira de identidade e outros documentos).Foi a vez dos intermediários lucraremmais: compraram à vista aos agricultores,por apenas Cr$ 2 mil e 500, menos doque estavam pagando na fazenda, com avantagem de terem a mercadoria concen-trada num só ponto, sem custos de trans-porte, pois revenderam à própria coope-rativa. Exemplo idêntico ocorreu no nor-deste da Bahia e possivelmente em outrasregiões sertanejas (1).

Não podem pagar - As deficiências dosistema de comercialização (armazena-mento, transporte e sistema de comprado-res) são apenas algumas pontas de um ice-berg no mar de problemas sertanejos, Re-nival Alves de Souza, chefe do CPATSA,e Angel Gabriel 'Vivallo, especialista emeconomia aqrrcola, co-autores de trabalhosobre crédito aqr rcola na região de Ouri-curi,PE (2), apontam outras dificuldades:

"O conjunto de pesquisas do CPATSAem pequenas propriedades do Sem i-Áridotem revelado um complexo de problemasque limitam o desenvolvimento das po-

tencialidades desta reqiao, entre eles afalta de planificação rural, irregularida-des nos preços, estrutura fundiária, fal-ta de organização sólida e respeitável dospequenos e médios agricultores e outrosproblemas ligados ao modelo de desen-volvimento econômico e social, queimpedem maior participação dos agri-cultores aos níveis de progresso e bem-estar das regiões desenvolvidas do Brasil(saúde, educação, lazer ... l.,

Dentro desse conjunto, o crédito aqrr-cola é um dos exemplos mais significa-tivos para análise da situação, como re-vela o estudo realizado em Ouricuri. Apesquisa foi feita numa amostra de 32fazendas, representativas das condiçõessócio-econômicas e agroecológicas daspropriedades atendidas pelo Projeto Ser-tanejo na região. Através de um acompa-nhamento diário, durante 365 dias, pro-curou-se saber quais dessas propriedadespoderiam gerar uma taxa de rendimentoeconômico e financeiro superior aos ju-ros cobrados pelo Projeto em 1982 (12%,investimento, e 35%, custeio, ambos semcorreção monetária), e que propriedadesgerariam um saldo financeiro para repro-duzir a força de trabalho do agricultore de sua família, reproduzir a fazenda egerar um saldo para pagar as dívidas.

Um resultado desastroso: das 32 pe-quenas e médias propriedades estudadas,passíveis de soluções agrícolas para osseus problemas, apenas quatro teriamcondições de pagar os investimentos comjuros reais do mercado. Do total, seispropriedades tinham taxa interna de re-torno negativa, sendo importante desta-car que o cálculo não incluiu, nos custostotais, os valores referentes à deprecia-cão mão-de-obra e consumo familiar,de~onstrando a gravidade da situaçãoeconômica dessas propriedades, pois nãosão capazes de reproduzir nem seu capi-tal, nem a força de trabalho dispendidosna produção.

Acrescentando-se aos custos totais a de ..preciação e o consumo familiar, que nocaso representou o próprio pagamentoda mão-de-obra familiar, nenhuma pro-priedade apresentou condições de pagarjuros reais. Trinta e uma apresentaramtaxa interna de retorno negativa e apenasuma saiu do vermelho, com taxa de ren-tabilidade positiva baixa.

Apesar de tudo, essas 32 propriedadesoperavam um verdadeiro milagre de so-brevivência: nelas trabalhavam, de formapermanente, 328 pessoas, inclurdos 54menores que quinze anos e 115 mulheres.isto é, 10 trabalhadores por propriedade(3), média de emprego que causaria in-veja (ou dor-de-cabeça) a qualquer em-presário urbano que recebesse tratamentoigual ao dispensado a esses pequenosagricultores.

Distorções do crédito - O fato dessaspropriedades não terem capacidade depagar seus empréstimos não refletemuma incapacidade pessoal dos aqrtculto-res. Na verdade, está mais relacionado aaspectos técnicos do próprio crédito(oportunidade, quantidades, constância eadequação), considerados "relevantes pa-ra que o crédito seja realmente um ins-trumento de apoio ao desenvolvimento".Mas no caso das propriedades estudadas,significativo para uma projeção das con-seqüências numa escala regional, o cré-dito não desempenhou este papel, comoexplicam os pesquisadores:

"Com relação ao aspecto oportuni-dade, o que se constatou foi a não libe-ração do crédito em tempo hábil para arealização das atividades, acontecendomuitos casos de agricultores não reali-

Captação "in situ": tecnologia eficiente, masnão suficiente.

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zarem práticas importantes, como a capi-na, ou as realizarem mal, única e exclu-sivamente por não terem recebido a par-cela destinada a essa operação, o quecompromete de maneira decisiva o ren-dimento das culturas e o resultado eco-nômico do empreendimento"_

"Outro problema sério provocado peloatraso do crédlto.aqr tcola", acrescenta. n,"está relacionado com o crédito de in-vestimento: é a insuficiência da quanti-dade recebida pelo agricultor para efeti-vação do projeto proposto para sua pro-priedade, por exemplo: o agricultor aoreceber empréstimo para construir umacasa, um estábulo eJou uma cerca, vê-se obrigado o lançar mão do seu capitalde operação (bovinos, capr inos, ovinos,máquinas etc) para cobrir o restante doscustos do investimento projetado. Istoporque o volume de investimento é de-finido com antecedência, ficando o agri-cultor obrigado a efetuar a obra com asdimensões pré-estabelecidas, mesmo semhaver uma correção nos valores na épocada liberação do crédito. Em alguns ca-sos, para concluir as obras de investimen-to, o agricultor utiliza parcelas do custeioaqr rcola, que tem juros mais altos (35%em vez de 12% do crédito de investimen-to sem correção), além de ser obrigatórioseu pagamento logo após a colheita dacultura a que foi destinado.

Nâo participa - Quanto à constânciado crédito, constatou-se o não planeja-mento dos investimentos feitos nas pro-priedades, visto que esses investimentosnão se baseiam num projeto de desen-volvimento global da propriedade, e simnuma tentativa de aumentar a produção,principalmente pecuária, fazendo comque o crédito não seja planificado paramais de um ano. Exemplo: ao financiaranimais de raça para as propriedades,não são feitos cálculos para mantê-Ios,sendo os agricultores obrigados a arcarcom estes custos até obter alguma produ-ção daquele investimento.

Na análise da adequação do crédito,observam os pesquisadores, "há uma com-pleta falta de participação do agricultorna definição dos investimentos a seremfeitos na propriedade. Isto fica patentequando, por exemplo, faz-se um projetode construção de uma casa; o projeto de

-Firmo Lima vendeu a propriedade para pagar ao banco e agora só possui uma vaca,

- . crédito não"OS Juros dOa coveiro dapodem ser 'dia empresa

Pequena e rryeo1a"agnC _

casa do agricultor não é levado em conta;ele recebe apenas as informações de comovai ser feita a casa, não havendo, portan-to, uma discussão a fundo e detalhada doprojeto com o agricultor".

Assim foi o caso de Firmo Jo:é de Li-ma, ex-proprietário da Fazenda Passagem,em Ouricuri. Ano passado ele foi obriga-do a vender sua propriedade, onde viviadesde 1960, para pagar ao banco o fi-nanciamento de uma casa planejadapelo Projeto Sertanejo, uma casa quenão combinava com suas pretensões eia além das necessidades da farnrlia eda capacidade de pagamento da proprie-dade. Hoje, seu único capital é uma va-ca, e ele vive como "morador" numa pro-priedade alheia, ao lado da mulher edois filhos adotivos.

Agricultores: um número nos dossiês

"Há também falta de informação pre-cisa, por parte do agricultor, sobre comofunciona o crédito, no que diz respeitoaos serviços do crédito pagos por ele,às taxas de juro, aos prazos; e prestações.Aos agricultores, cabe apenas o conheci-mento dos seus números nos dossiês ondeestão cadastrados os dados de suas pro-priedades", revela o documento.

-Coveiro dos pequenos - Renival Alvese Gabriel Vivallo entendem que "historica-mente, os créditos do Nordeste provisio-nam o sul do País. As colocações de cré-ditos subsidiados no Nordeste se realizampreferencialmente no litoral ou pertodos grandes centros e não favorecem ospequenos agricultores. E como os cr'edi-tos aqr rcolas subsidiados não são seleti-vos, isto é, favorecem a quem precisa ea quem não precisa, em lugar de financia-rem a pequena agricultura, financiam aindústria e outras atividades (por exem-plo, o "caso da mandioca", em Pernam-buco) ."

Eles argumentam ainda ser importan-te definir o que subsidiar, "se o crédito ououtras atividades, ou componentes econô-micos como insumos, investimentostecnologias, pesquisa, preços, mercados.Outro aspecto a definir numa polrtica desubsrdios aos juros do crédito aqrrcolareside em determinar, com precisão, emque época subsidiar ou durante quantotempo, para poder programar com segu-rança os empreendimentos". Afinal, con-cluem, "os juros do crédito nao podemser um elemento para fabricar empre-sários ineficientes, tampouco podem ser ocoveiro da pequena e média empresaaqr rcola".

Secular novidade - Coveiro ou não, ocrédito, na verdade, tem sido algo inaces-srvel à quase totalidade dos camponesesnordestinos, particularmente os sertane-jos. Para estes, em vez de crédito, tem-secom mais facilidade e freqüência a "emer-gência", a ponto de se imaginar que aseca é sempre uma surpresa. De fato, éuma "novidade secular", porque se sabe

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Em ~:nergêncla ds~eciais dona programas desde 1971

Nordeste

que o fenômeno é mais comum que osanos considerados bons de inverno nosertão (os estudos indicam que de cadadez anos, apenas dois têm chuvas requ-lares). Tal constatação bastaria para jus-tificar um alto investimento na região,aliado a outras medidas, capazes de do-tar as propriedades de uma infra-estrutu-ra de resistência à seca e oferecer condi-ções suficientes para o sertanejo, o "for-te" de Euclides da Cunha, ser realmenteforte e não apenas mais um dos milhõesde flagelados atendidos pelos programasde emergência (em fevereiro de 1984,eram cerca de 2,7 milhões).

programa de emergência, de 1979 a1983: nada menos que Cr$ 2 trilhões,sendo Cr$ 1,75 trilhão sob forma não-reembolsável e o restante sob forma decrédito especial (4).

o Projeto Sertanejo é bastante repre-sentativo desse tratamento aos proqra-mas ditos especiais: a partir de 1980 vemsofrendo um verdadeiro esvaziamento fi·nanceiro, espelhado na drástica reduçãodos números de projetos contratados,devido principalmente à falta de disponibilidade de recursos para empréstimoaos agricultores, em particular para cus-teio aqrrcola. Numa amostragem reali-zada em dez núcleos do Projeto, emnove estados, pode se constatar o de-clrnio (ver quadro). Tanto no caso deinvestimento como no de custeio, o valorabsoluto financiado em 1983 nesses nu-cleos, foi inferior ao volume contratadoem 1981. Considerando a depreciação

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do cruzeiro em relação ao dólar - perto-do 1978-83 -, constata-se o quanto égrave a situação (Figuras 1 e 2).

Atualmente estão desativadas as fren-tes de trabalho nos sertões do Nordeste.Aparentemente, com as chuvas, está vol-tando o tempo das vacas gordas. Mas sóaparentemente. Nem todos tiveram, se-quer, sementes para plantar, por faltadesse insumo no mercado ou por faltade dinheiro para adquiri-Io. Outra vez osertanejo fica sem estrutura mrnírna paraaproveitar os beneUcios da Natureza, queneste ano propriciou chuvas mais abun-dantes e regulares na região. O que, emsuma, vem confirmar as palavras do agri-cultor Manoel Jerõnimo, presidente doSindicato dos Trabalhadores Rurais deIguaraci, Pernambuco, durante o I Sim-pósio Brasileiro do Trópico Sem i-Árido,em 1982: "culpar a Natureza pela misériado Sem i-Árido é um crime contra a pró-pria Natureza e contra Deus". 1:, sobretu-do, um crime contra o próprio sertanejo.

em cruzeiros _

em dólares_

~

/ "-/ "-( "-,,-/ "-/ \/ \/ \/ \/ \/ \

1981 19831982Evolução do crédito de investimento em dez nClcleosdo ProjetoSertanejo, de 1978 a 1983.

11/

///

//

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Mas os números indicam uma tendên- Fontes consultadas:cia diferente, o emergencial sobrepondo-se às soluções efetivas: em seis principais 1) VIVALLO PINARE A. G. & WILlAMS FUENTES, C. O. Pequenos Agricultores I. Métodos deprogramas especiais em execução no Nor- pesquisa em sistemas sócio econômicos. Petrolina, PE, EMBRAPA-I CPATSA ISUDENE,deste (POLONORDESTE, PROJETO 1984.213 p. il (EMBRAPA-CPATSA. Documentos, 24).SERTANEJO, PROHIDRO, PROGRA- 2) SOUZA' R.A; VIVALLO PINARE, A.G.; WILLlAMS FUENTES. C.O. &FINSHI, R.P. AlgumasMA DE IRR IGAÇAO, PROCANOR E considerações sobre crédito: o caso de Ouricuri. Petrolina,PE, EMBRAPA-CPATSA, 1984. n.p.

3) VIVALLO PINARE, A. G. coord. Eiementos descritivos da força de trabalho nas pequenasPROGRAMA DE AG ROINDÚSTRIA), propriedades do Sertão. s.n.t. 22p. il. Trabalho apresentado do I Simpósio Brasileiro doforam aplicados, no perrodo 1971-83, Trópico Serni-Árido, Olinda, PE, 1982

cerca de Cr$ 1,5 trilhão, a preços de 4) COMISsAo INTERMINISTERIAL DO PROJETO NODESTE. Projeto Nordeste; novos rumos1983, soma inferior ao que se gastou no para o desenvolvimento regional. Brasrtia, s.ed, 1984. 73p.

Quantidade de projetos e volume de financiamentos por ano,em dez núcleos do Projeto Sertanejo, de 1978 a 1983

1980

PROJETOS ELABORADOS

PROJETOS CONTRATADOS

INVESTIMENTO (CR$)

CUSTEIO (CR$I

1978 1979 1980 1981 1982 1983

96 431 1.096 1.006 805 492

50 456'~; 732 693 554 260

19.284.143 259.332.765 658.052.575 956.279.910 1.323.437,110 898.735.340

314,000 26.091.876 155.367.726 530.246.340 295.656.988 285.465.055

18,41 26,11 53.88 96,88 182,71 611.92Preço do dólar em Cr$(junho de cada ano computado)

.:..I nclui projetos elaborados no ano anterior.

Fonte: dez núcleos do Projeto Sertanejo.

1979 19801978 1978 1979 19821981 1983Evolução do crédito de custeio em dez nClcleosdo Projeto Serta·nejo, de 1978 a 1983.

JORNAL DO SEMI-ÁRIDO 9